PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) “Gênero Líquido”: o Desafio da Representação de Gênero na
Publicidade1
Daniele Pessoa Pereira da Silva 2
Milton Coutinho dos Santos3
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Resumo
O presente artigo pretende analisar o uso de estereótipos, ou a quebra destes, nas
representações de gênero na publicidade. Para isso, apresenta uma abordagem geral
sobre a comunicação na sociedade atual sob a ótica das relações comerciais entre a
marca e seu público-alvo. Neste contexto, utiliza embasamento teórico de estudos do
comportamento do consumidor, psicologia social e da sociologia para analisar a
construção de sentido na publicidade. Apresenta algumas tendências de mercado e
exemplifica com alguns casos de mensagens veiculadas que geraram polêmicas,
reclamações e fizeram com que a marca fosse protagonista de crises em mídias
sociais.
Palavras-chave: sociedade; comunicação; publicidade; estereótipo; gênero.
Introdução
A humanidade evoluiu por meio de transformações sociais, econômicas e
culturais, que alteraram significativamente o seu modo de vida. Atualmente, diversas
mudanças podem ser observadas, hábitos que surgem e desaparecem, regras de
convivência que são modificadas, grupos sociais que mudam de status com o passar
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 02: COMUNICAÇÃO, CONSUMO e IDENTIDADE:
materialidades, atribuição de sentidos e representações midiáticas, do 5º Encontro de GTs- Comunicon,
realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015.
2
Mestre em Comunicação e Linguagens, professora da Escola de Comunicação e Artes, Curso de
Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
[email protected]
3
Aluno do Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. [email protected]
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) dos anos. Todos estes fatores evidenciam a natureza mutante do ser humano como
afirma Zygmunt Bauman:
‘A “vida líquida” é uma forma de vida que tende a ser levada adiante numa
sociedade líquido-moderna. “Líquido-moderna” é uma sociedade em que as
condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do
que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas
de agir. A liquidez da vida e da sociedade se alimentam e se revigoram
mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não
pode manter a forma ou permanecer por muito tempo.’ (BAUMAN, 2009,
p.7)
É perceptível que no cenário social atual – sociedade heterogênea e em
constante transformação – os desafios e incertezas marcam de forma acentuada o
panorama econômico. Soma-se a isso a globalização do mercado, que provocou o
acirramento da concorrência, compondo um contexto em que as diversas marcas
coexistem e disputam espaço pela sobrevivência, que depende diretamente da
capacidade de se adequar às mudanças.
Em vista desta colocação, é notável a importância da comunicação para que as
marcas alcancem seus objetivos comerciais e perpetuem a sua existência. A
comunicação está a favor das marcas, ajudando-as a construir uma imagem sólida e
atrativa, que visa gerar resultados comerciais. Segundo Kotler e Keller:
“O marketing moderno exige mais do que desenvolver um bom produto a um
preço atraente e torná-lo acessível. As empresas precisam também se
comunicar com as partes interessadas atuais e potenciais e com o público em
geral. Para a maioria das empresas, o problema não é comunicar, e sim o que
dizer, como dizer, para quem dizer e com que frequência dizer.” (KOTLER &
KELLER, 2006, p.532)
Para tanto, as mais diversas marcas se expressam, conversam com seus
públicos, posicionam-se e reinventam-se, almejando aumentar a participação de
mercado (market share), ou ser uma das mais lembradas pelo público (top of mind),
conseguir a fidelidade dos consumidores e o consequente aumento de lucratividade
para empresa – ponto crucial para os executivos e empresários. Kotler & Keller
complementam este ponto dizendo que:
“A comunicação de marketing é o meio pelo qual as empresas buscam
informar, persuadir e lembrar os consumidores – direta ou indiretamente –
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) sobre os produtos e marcas que comercializam. Num certo sentido, a
comunicação de marketing representa a ‘voz’ da marca e é o meio pelo qual
ela estabelece um diálogo e constrói relacionamentos com os consumidores.”
(KOTLER & KELLER, 2006, p.532)
Um programa de comunicação integrada de marketing (CIM) normalmente é
composto por um mix de comunicação que apresenta, segundo Philip Kotler, seis
formas essenciais de comunicação: Publicidade e Propaganda, Promoção de Vendas,
Eventos e Experiências, Relações Públicas e Assessoria de Imprensa, Marketing
Direto e Venda Pessoal. Dentre estas diferentes ferramentas de comunicação, que
podem ser utilizadas pelas marcas como estratégia para alcançar os objetivos
desejados, fica evidente, pela porcentagem da verba dos anunciantes destinadas a ela,
que a Publicidade é uma das ferramentas mais requisitadas e poderosas.
Segundo Sant’Anna (SANT’ANNA, 2005, p.76), “A publicidade é uma
técnica de comunicação de massa, paga com a finalidade precípua de fornecer
informações, desenvolver atitudes e provocar ações benéficas para os anunciantes,
geralmente para vender produtos ou serviços.” As agências de publicidade, mais
especificamente em seus departamentos de criação, produzem um discurso para
atingir um determinado público-alvo adequado àquela marca, produto ou serviço que
será divulgado por meio de canais específicos de comunicação que apresentam
diferentes características e particularidades (mídia).
No intuito de persuadir o público-alvo (target) e levá-lo à ação de compra,
nota-se que as mensagens publicitárias criadas e veiculadas pelas agências de
comunicação utilizam-se de diversos recursos: texto (verbal), argumentação (provas),
imagens (visual), músicas (som), cores, ilustrações, etc.
Nesta tarefa de construção de sentido, por meio deste discurso publicitário
(linguagem da sedução), há uma etapa anterior considerada primordial para o sucesso
de qualquer campanha publicitária, que é a análise do público-alvo a que a mensagem
se destina, ou seja, estudo do receptor daquela mensagem, conforme afirma Hoff e
Gabrielli em seu livro sobre redação publicitária:
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) “Para vender, a publicidade precisa convencer, ou seja, envolver, sensibilizar
e até seduzir o consumidor a fim de levá-lo à compra. Por ser uma mensagem
dirigida para grupos específicos – público-alvo, para os profissionais de
comunicação – dos quais estudamos o comportamento, as expectativas, as
necessidades e tendências, é possível construir mensagens adequadas à visão
de mundo do público-alvo e, por consequência, bastante persuasivas. (HOFF,
2004, p.2)
Um dos pontos mais importantes que pode ser observado é que estas
mensagens são construídas para um público específico, delimitado e estudado antes
dela ser redigida, ou seja, há um estudo preliminar dos indivíduos que compõem o
target definido para uma campanha publicitária. Segundo Rafael Sampaio, as
informações que a agência deve ter sobre o público-alvo são as seguintes:
Ocupação/profissão, posição social e cultural, nível de escolaridade,
localização (onde moram, trabalham, passeiam etc), grupos de idade,
gênero/sexo, nível de renda, segmentação psicodemográfica, decisores de
compra (formais e informais), influenciadores de compra (dentro da
casa/empresa e fora da casa/empresa), necessidade do produto serviço,
atitudes do consumidor (para com o produto e seus concorrentes), hábitos de
compra/uso, frequência de compra/uso e principais razões de compra/uso.”
(SAMPAIO, 2003, p.289)
Pode-se perceber que este estudo de público-alvo contempla informações
sobre os consumidores e procura analisar o mercado quanto aos fatores que
influenciam a decisão de compra e consumo que, segundo Christiane Gade (GADE,
1998, p.5) são: culturais, sociais, pessoais e psicológicos.
A publicidade almeja vender produtos, serviços e ideias por meio da criação
de uma identificação do público com a marca anunciante. Pode-se perceber que, para
que isto ocorra, é necessário que haja o compartilhamento do mesmo sistema de
valores, crenças ou ainda uma projeção do imaginário deste público numa peça
publicitária que recria situações almejadas, despertando sentimentos envolventes
neste receptor.
Os processos publicitários que levam mais em conta as crenças e vivências do
consumidor do que as características técnicas do produto tendem a ser mais eficientes.
Segundo afirma Figueiredo:
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) “A persuasão se dá quando localizamos primeiramente os valores do
consumidor e depois os associamos às características do produto que estamos
anunciando. O segredo é criar um elo entre os valores do consumidor e as
características ou valores expressos pela comunicação do produto. A ligação
entre produto e consumidor fica mais forte, e a possibilidade da aquisição do
produto pelo consumidor aumenta, já que este o considera um “igual” e que
as pessoas têm a natural tendência de se aproximar de seus semelhantes.
(FIGUEIREDO, 2005, p.54)
Observa-se que na maioria das sociedades atuais já́ não existem mais sistemas
de valores completamente fechados, assegurados, fixos, obrigatórios, absolutos, que
abarcam todas as esferas da vida. Ao contrário, pode-se notar uma sociedade em
transformação com uma construção de valores muito mais subjetiva e inerente ao
grupo social, cultural e intelectual ao qual o indivíduo pertence. Segundo Bauman
(BAUMAN, 2009, p.16) “A vida líquida é uma vida de consumo. Ela projeta o
mundo e todos os seus fragmentos animados e inanimados como objetos de consumo,
ou seja, objetos que perdem a utilidade (e portanto o viço, a atração, o poder de
sedução e o valor) enquanto são usados.” Nesta sociedade em constante mudança,
Gade afirma que (GADE, 1998, p.206) “Os valores culturais transmitidos de uma
geração a outra evidentemente sofrem modificações, assim como as próprias pessoas
se modificam.”
Pode-se dizer que, entre os indivíduos, a maioria das relações de amizade se
constrói a partir de similaridades, ou seja, as pessoas buscam outras com as quais
possuam “coisas” (interesses) em comum: mesmos gostos, valores, desejos, sonhos,
crenças, visões de mundo, ideologias etc. Observando uma turma de amigos, a forma
de falar, as gírias pronunciadas, a escolha de palavras e a consonância no discurso são
fatores que evidenciam uma proximidade e uma afeição natural entre seus membros.
Se as pessoas tendem a procurar apoio em pessoas iguais a si mesmo, uma peça
publicitária cujo discurso apresenta uma visão de mundo similar àquela manifestada
pelo consumidor será agradável aos seus olhos e ao seu coração. Figueiredo afirma
que:
“Se determinada peça de comunicação mostrar o consumidor como ele
acredita que é ou gostaria de ser, tenderá a aproximar ao máximo sua visão
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) daquela apresentada pela peça. Como a peça contém necessariamente o
produto ou serviço anunciado, a tendência natural do indivíduo será adquirir o
produto para ‘completar o quadro’.” (FIGUEIREDO, 2005, p.59)
Para reforçar este processo, a publicidade recorre ao uso de estereótipos, um
recurso que facilita com que o consumidor, por meio da sua percepção, reconheça ou
identifique os indivíduos através de uma ideia padronizada que está na sua mente. No
plano etimológico, o termo estereótipo é formado por duas palavras gregas, stereos,
que significa rígido, e túpos, que significa traço. No plano histórico, segundo Pereira,
a palavra:
“origina-se do jargão tipográfico, referindo-se a um molde metálico utilizado
nas oficinas tipográficas, que se destacava pela possibilidade de produzir uma
mesma impressão milhares de vezes, sem precisar ser substituído, surgindo
daí, por analogia, o adjetivo estereótipo, indicando algo que poderia ser
repetido mecanicamente. Por essa via, o termo chegou às ciências sociais e
tem sido utilizado para fazer referência à imagem por demais generalizada
que se possui de um grupo ou dos indivíduos que pertencem a um grupo.”
(PEREIRA, 2001, p.43)
Ao assistir televisão, uma atividade rotineira para maioria da população
brasileira, pode-se notar fortemente a presença de estereótipos tanto na parte
comercial (publicidade) como na parte editorial: novelas, filmes, séries e outros
programas exibidos na grade de programação de cada emissora. Analisando o
mercado, palco da disputa pela atenção do consumidor, neste jogo da sedução, as
marcas desenvolvem e colocam em prática todos os seus recursos para serem notadas,
lembradas e consumidas é justificado o uso dos estereótipos em um sentido mais
estrito conforme afirma Pereira:
“sabe-se que os estereótipos influenciam os processos atencionais,
especialmente por afetar a atenção seletiva do percebedor, dirigindo-a para
alguns aspectos particulares da informação disponível, ignorando, portanto,
os elementos considerados irrelevantes à situação e reduzindo a
complexidade informacional, evitando assim a necessidade de um
processamento mais profundo da informação. (...) Além disso, os estereótipos
também afetam a maneira pela qual a informação é organizada e
representada na memória, sobretudo ao permitir uma melhor memorização
dos conteúdos que confirmam estereótipos, dado que eles podem ser mais
facilmente assimilados dentro dos esquemas mentais disponíveis. (PEREIRA,
2002, p.115-116)
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Após esta colocação, pode-se notar que há vários motivos que explicam o uso
dos estereótipos nas mensagens publicitárias veiculadas. Além disso, atualmente há
diversas campanhas e peças publicitárias que ao promoverem a quebra de estereótipos
e/ou abordarem questões de gênero, fugindo da forma conservadora e hegemônica
comumente usada, causam diversas polêmicas e sofrem duras críticas, algumas
chegando
a
ter
representações
no
Conar
–
Conselho
Nacional
de
Autorregulamentação Publicitária.
Quando uma campanha publicitária gera uma polêmica e é alvo de ataques e
reprimendas em uma determinada cidade, região ou país fica evidente uma tendência
que pode ser caracterizada, de acordo com Pereira, como influência contextual e
representa uma perspectiva a ser considerada quando se procura determinar a maneira
pela qual os grupos se percebem mutuamente:
No caso das influências contextuais, podemos nos referir a fatores como o
grau de compartilhamento das crenças compartilhadas a respeito de um
grupo, aos efeitos dos meios de comunicação de massa, que geram não só
esquemas a respeito dos grupos alvo dos estereótipos como também induzem
repertórios ou pautas comportamentais a serem adotadas quando do encontro
com membros do grupo externo, assim como as influências contextuais mais
amplas, tais como, por exemplo, o efeito do tamanho da cidade em que o
julgador reside. (PEREIRA, 2002, p.185)
É visto que até o tamanho da cidade onde o consumidor reside influencia na
sua visão de mundo e na sua maneira de agir, por isso algumas campanhas inovadoras
são mais aceitas em um estado do que em outros. As polêmicas online são
despertadas, muitas vezes, por uma minoria, que se for considerada dentro de um
contexto nacional, nem chega a ser representativa, mas faz algum barulho, gerando
repercussão. Isto se deve à possibilidade que a internet oferece de atingir uma grande
quantidade de pessoas. A ampliação se dá pela facilidade de uso deste canal de via de
mão dupla por qualquer anônimo revoltado, inconformado ou aspirante a comediante.
A Mintel – uma das maiores agências de inteligência de mercado do mundo –
publicou em seu relatório intitulado “Tendências de Consumo 2015”, que as questões
de gênero estão em pauta neste ano e impactarão o consumo no país: “As pessoas
estão questionando as noções tradicionais de gênero, rejeitando limitações de
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) estereótipos e abraçando a liberdade para serem elas mesmas e fazerem o que
quiserem.” Outro fator interessante que este relatório apresenta refere-se à reação do
público mediante este novo posicionamento das marcas: “As vozes da internet irão
chamar a atenção para a maneira com que as marcas posicionam questões de gênero
em suas comunicações, examinando minuciosamente exemplos estereotipados.”
Algumas marcas conhecidas foram alvo de ataques e ameaças de boicote pela
sociedade devido a forma como se posicionaram em uma peça publicitária,
evidenciando determinados valores que a sociedade ainda questiona ou não aceita,
quebrando estereótipos ou ainda atualizando a forma de representação de gênero. Um
exemplo disso foi a campanha de Dia dos Namorados do Boticário – lançada dia 24
de maio – que mostrou diferentes tipos de casais, heterossexuais e homossexuais,
trocando presentes. O comercial veiculado em rede nacional virou alvo de protestos e
a marca sofreu ameaças de boicote nas redes sociais sendo até denunciada no Conar.
As reclamações dos consumidores relatavam que a peça era "desrespeitosa à
sociedade e à família". O Boticário esclareceu que acredita na beleza das relações
presente em toda sua comunicação. Por meio de sua assessoria de imprensa explicou
que “A proposta da campanha ‘Casais’ é abordar, com respeito e sensibilidade, a
ressonância atual sobre as mais diferentes formas de amor – independentemente de
idade, raça, gênero ou orientação sexual – representadas pelo prazer em presentear a
pessoa amada no Dia dos Namorados. O Boticário reitera, ainda, que valoriza a
tolerância e respeita a diversidade de escolhas e pontos de vista.”
O Conar absolveu O Boticário por unanimidade na votação e o relator do
processo destacou em seu voto que o comercial mostrou apenas aspectos da realidade
contemporânea. "Não contem com a publicidade para omitir a realidade", escreveu.
Em relação aos questionamentos de consumidores sobre como explicar às crianças as
cenas exibidas pela campanha, o relator ressaltou que "está é uma missão, ainda que
muito árdua, da família" e não da publicidade.
Algumas peças publicitárias podem ser mal vistas por determinados grupos
sociais por promoverem a quebra de uma visão estereotipada e estes acabam julgando
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) mal a marca por ela se posicionar de uma forma diferente da então vigente e aceita
pela grande massa como “certa” ou “ideal”; outras marcas podem ser consideradas
“antiquadas”
no
contexto
social
atual
justamente
por
representarem
o
conservadorismo mostrando noções tradicionais.
Segundo Pereira (PEREIRA, 2002, p.51), “Tradicionalmente os estereótipos
são considerados sempre sob a perspectiva daquele que percebe, mas eles também
podem, e devem, serem avaliados segundo a perspectiva daqueles que são percebidos
de forma estereotipada.” Isto coloca em pauta formas diferentes de ver o mundo que
geram opiniões divergentes e evidenciam relações sociais que muitas vezes não são e
não representam a visão de uma maioria hegemônica. Mas cabe aqui lembrar que o
fator central, na estratégia de comunicação de uma marca, é conciliar a visão de
mundo da marca anunciante com a visão de mundo do consumidor a ser atingido pela
publicidade. Para Pereira, os estereótipos podem ser caracterizados como:
“artefatos humanos socialmente construídos, transmitidos de geração em
geração, não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes
sociais, mas também criados e reforçados pelos meios de comunicação, que
são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos.”
(PEREIRA, 2002, p. 157).
As pessoas quase sempre se adaptam às expectativas de sua cultura quanto ao
modo como os indivíduos de um determinado gênero devem agir, se vestir ou falar.
Naturalmente, estas orientações mudam com o passar do tempo e diferem
radicalmente de uma sociedade para outra. É papel da publicidade identificar, estudar
e analisar estes fatores para que, por meio do seu discurso, ela consiga promover uma
consonância entre o que a marca e o seu público pensam. Por esta razão, os redatores
se empenham em expressar nos anúncios todo um universo cognitivo e afetivo
baseado na experiência do público-alvo.
Segundo Solomon, a identidade de papel de gênero é um estado mental e
físico, ele afirma que:
“O gênero biológico de uma pessoa (ou seja, masculino ou feminino) não
determina totalmente se ela exibirá traços sexualmente tipificados,
características que, de modo estereotipado, associamos a um gênero ou a
outro. Os sentimentos subjetivos do consumidor a respeito de sua sexualidade
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) também são cruciais. Diferentemente do sexo biológico, a masculinidade e a
feminilidade não são características determinadas biologicamente. Um
comportamento considerado masculino em uma cultura pode não ser visto
como tal em outra.” (SOLOMON, 2011, p.207)
Segundo estudos de uma das maiores empresas de pesquisa de tendências em
consumo, comportamento e inovação do Brasil – BOX 1824 – cada vez mais a
identidade de gênero e a orientação sexual passam a ser questionadas como
construções sociais, e não apenas como determinação biológica, sugerindo um novo
prisma e uma busca por espaço e empatia a estes novos códigos. Os estudos
desenvolvidos buscam entender como a liberdade de gênero e a sexualidade vão
impactar o futuro e preveem uma consciência que vai muito além do rosa e do azul.
Conforme afirma Solomon (SOLOMON, 2011, p.205), “a identidade sexual é um
componente importante do autoconceito do consumidor.” E este mesmo autor
complementa que não está claro até que ponto as diferenças de gênero são inatas e até
que ponto são culturalmente moldadas – mas certamente elas são evidentes em muitas
situações de consumo.
Pode-se citar aqui o problema enfrentado pela marca Risqué no lançamento
(23/03) de sua nova coleção outono/inverno 2015 de esmaltes denominada “Homens
que amamos”. Cada nova cor relatava um comportamento adotado pelos homens tais
como: "Zeca chamou pra sair", "Fê mandou mensagem", "João disse eu te amo", "Léo
mandou flores", "Guto fez o pedido" e "André fez o jantar".
Com esta campanha que, segundo a marca, é um “tributo aos pequenos gestos
diários dos homens”, a Risqué foi acusada de machismo nas redes sociais, virou
motivo de piadas no Twitter, sendo o assunto mais comentado (trending topics) no dia
do lançamento e ganhou até uma hashtag para enfatizar os protestos #homensrisque.
As consumidoras, de um modo geral, não gostaram e as reclamações se dividiram
entre sugerir “com um forte apelo irônico” novos nomes para os esmaltes e acusar a
campanha de sexista e machista. Por exemplo: "Antônio acha que lugar de mulher é
na cozinha", "Beto não contrata mulher porque acha que maternidade é desperdício",
entre outras.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Enfrentando muitas críticas online, a marca demorou para entender o que
estava acontecendo. Que fenômeno era aquele que poderia ser observado na redes
sociais? Uma marca voltada ao público feminino que não entende seus anseios e não
compartilha os mesmos valores do seu público? Mesmo conhecendo tudo que envolve
este processo de pesquisar o comportamento do consumidor e adequar o discurso da
marca a ele, após estas colocações, pode-se notar o grau de dificuldade que as marcas
enfrentam na tarefa de criar discursos publicitários utilizando as representações de
gênero e visando atingir o público-alvo, esperando uma determinada atitude/reação e
consequente comportamento deste consumidor. Os papéis sociais representados por
homens e mulheres são diferentes nas diversas sociedades e são influenciados pelos
graus de evolução destas sociedades e de seus membros, pela fase de vida da pessoa e
também pela situação ou contexto vivido.
Para tornar tudo mais desafiador, Solomon (SOLOMON, 2011, p.210)
complementa que “os papéis sexuais evoluem sem parar – em uma sociedade
complexa como a nossa, encontramos com frequência mensagens contraditórias sobre
o comportamento “apropriado” e podemos nos encontrar assumindo uma face
diferente conforme saltamos de uma situação para outra.” Por exemplo, como mãe as
mulheres adotam um comportamento altamente feminino, como empresária elas
exercem um papel masculino e com um amigo elas podem adotar os dois papéis ao
mesmo tempo.
Uma prova de que o mercado publicitário está atento a todos estes fatores que
envolvem o público consumidor foi a inovação proposta este ano no Festival
Internacional de Cannes – o maior festival de publicidade do mundo – uma área
estreante, o Glass Lion, a nova categoria tem o conceito “The Lion for Change”, o
objetivo é destacar trabalhos que desafiem o preconceito de gênero e andem na
contramão das imagens estereotipadas de homens e mulheres.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Considerações finais
Em uma sociedade em transição, a publicidade não consegue negar as
mudanças, pois trabalha com a significação por meio da representação social.
Segundo o discurso do relator do Conar no processo da marca O Boticário, “a
publicidade não pode negar a realidade”. A publicidade não pensa em “desrespeitar à
sociedade e à família”, como ela já foi acusada, ela estuda o consumidor para
entender suas necessidades, seus desejos, hábitos, estilos de vida etc.
Uma das maiores estratégias da publicidade é estudar o comportamento das
pessoas para que a mensagem criada seja representativa e conjugue os mesmos
valores e visão de mundo deste público consumidor, para que desta forma a
comunicação consiga influenciá-lo a favor da marca. Usar estereótipos ou contestá-los
não são um fim em si mesmo para publicidade. Ao contrário, tal uso faz parte da
estratégia de marketing e vendas das marcas para persuadir, convencer o público-alvo,
levá-lo à ação de compra e gerar resultados para a marca, ou seja, é tão somente um
recurso retórico.
Conforme elucidado, pode-se concluir que a construção e reprodução das
identidades de gênero é um assunto naturalmente polêmico tendo em vista as
diferentes opiniões dos grupos sociais e do preconceito existente e exercido muitas
vezes em forma de discriminação social. Algumas marcas decidiram parar de suavizar
e optaram por se posicionar frente a estas questões ou abordá-las em sua comunicação
de uma forma aberta e direta, o que é sabido, não agradaria a todos.
Esta postura é reflexo do que se observa na sociedade pós-moderna e as
previsões apontam o aumento da incidência destas questões. Este complexo processo
de significação que envolve as marcas, por meio da publicidade, no qual a diversidade
ganha voz, causam estranhamento à sociedade acostumada com a negação deste
movimento ou suavização da sua existência.
Nos embates entre o velho e o novo são observados discursos nos quais os
sentidos se rearticulam, se opõem, produzindo deslocamentos e deslizamentos nas
representações dos papéis e nos estereótipos de gênero. Isto tudo coloca as marcas no
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) divã, momento em que a reflexão se faz necessária. Os prós e contras devem ser
analisados e ponderados antes de decidir que posicionamento será adotado frente a
estas questões polêmicas. A cultura midiática suscita inúmeras perguntas, que
constituem desafios para se pensar as questões de gênero, os papéis sociais assumidos
por homens e mulheres: o “como devo agir”.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
BOX
1824.
O
ampliamento
do
conceito
de
gênero.
Disponível
https://medium.com/@box1824/o-ampliamento-do-conceito-de-genero-a4c969607d52.
Acesso em: 10 de maio de 2015.
em:
CARVALHO, Nelly. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Editora Ática, 1998.
FIGUEIREDO, Celso. Redação publicitária: sedução pela palavra. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.
GADE, Christiane. Psicologia do consumidor e da Propaganda. São Paulo: EPU, 1998.
HOFF, Tânia; LOURDES, Gabrielli. Redação publicitária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing. 12º Ed. São Paulo:
Pearson Prentice Hall, 2006.
MINTEL.
Relatório
Tendências
de
Consumo
2015.
Disponível
http://brasil.mintel.com/tendencias-de-consumo-2015/. Acesso em: 20 de maio de 2015.
em:
PEREIRA, Marcos Emanoel. Psicologia social dos estereótipos. São Paulo: E.P.U., 2002.
SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
SANT´ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2005.
SOLOMON, Michael R. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo.
Porto Alegre: Bookman, 2011.
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“Gênero Líquido”: o Desafio da Representação