O PAPEL DA MEDIAÇÃO DOS JORNALISTAS NA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA
(O PAPEL DOS JORNALISTAS DIANTE DA TENDÊNCIA DE
PARTIDARIZAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA)
Daniel Herz *
Qual é a capacidade efetiva dos jornalistas exercer em alguma
mediação no processo de integração da América
a
mediação
exercida
pelos
jornalistas?
Latina? Em
Quais
que
são
os
consiste
limites
e
possibilidades dessa mediação?
Essas são
papel
dos
meios de
inicial
algumas
jornalistas
perguntas que podem orientar
a
como
atuam
agentes
profissionais que
investigação do
comunicação de massa. É óbvia, mas necessária,
nos
modernos
a constatação
de que a mediação exercida pelos jornalistas ampara-se em mais
ou menos complexos meios de produção que constiruem substrato para
uma
organicidade estruturadora de relações sociais.
Os meios de comunicação de massa são, por excelência, produtores
organozadores de relações sociais. É
nesse processo de produção que o
jornalista intervém, vivendo determinações de possibilidade e
que
geram
uma
tensão
entre o
e
papel
social
limites
dos Jornalistas e
as
finalidades sociais atribuídas aos meios.
Os
modernos
possibilidades
abertas, ampliam
meios
de
comunicação de
tecnológicas
de
forma
que
foram
massas,
e
com
as
imensas
estão continuamente sendo
avassaladora sua capacidade de produção e
organização das relações sociais.
-1-
A potencialidade tecnológica
dos modernos
meios
estão
transformando
esses meios – nos países capitalistas – em agentes de funções que são,
no limite, tipicamente partidárias.
Alguns desses meios, e aí está o exemplo da Rede Globo inventando
candidatura
Collor
autonomia, funções
de
podem
passar a cumprir, com relativa
próprias
do partido político moderno - o
Mello,
que
são
a
partido como príncipe moderno, no sentido
gramsciano da expressão - o
partido como carro chefe da nação, como sujeito político dirigente, que
e constitui as bases para as condições
orienta as condições objetivas
subjetivas,
determinando
a
cultura, os costumes, enfim, exercendo a
hegemonia.
Essa atuaçãoi
dos
meios de comunicação de massa, exercendo funções
políticas particulares, como sujeito político que disputa a hegemonia,
não é percebida em todas as suas conseqüências pelos jornalistas.
Muitos
jornalistas,
com
uma
natural espontaneidade, tendem a
Comportar como se fossem atores que não leram o “script” e sequer
se
sabem
que estão no palco. E afirmando a individual idade, na busca de espaço
político,
comportam-se
como
militantes
que
acabam
legitimando
a
propostas
de
tendência de partidarização dos meios em que atuam.
Essa
postura
se
traduz,
concretamente,
nas
estabelecimento dos Conselhos de Redação, que questionam a legitimidade
de indivíduos serem donos privados de veículos de comunicação, mas não
respondem
sobre
a
legitimidade
política
dos
jornalistas serem os
“controladores” de fato dos veículos, através desse tipo de Conselho.
-2-
A verdade precisa ser dita. Os jornalistas tem tanta legitimidade
para exercer o controle dos meios de comunicação quanto qualquer
capitalista. Não é o fato de serem assalariados que lhes confere uma
luminosidade especial ou um mandato.
Essa é uma questão delicada, que necessita uma reflexão muito sóbria.
A verdade é que “todo poder aos jornalistas” não democratiza a
comunicação.
É
preciso
jornalistas
enfrentar
têm
de
essa
se
tendência
autolegitimarem
que,
como
apaixonadamente,
sujeito
os
exclusivo do
processo da moderna comunicação de massa. A sensação de onipotência que
ampara
essa posição vem, em larga medida, do compartilhamento - que é
circunstancial e restrito - de um poder que na verdade é dos veículos e
de seus donos. E que deveria ser da sociedade. Os jornalistas não podem
se deixar seduzir pelas migalhas restantes do exercício desse poder dos
veículos que, na verdade, deveriam ser submetidos a um rigoroso
controle social.
Rigoroso controle social,
Significa, isto
sim, que
ressalte-se bem,
o exercício
não
significa
do poder político inerente
meios de comunicação de massa deve ser equilibrado, deve
de
modo a
traduzir
-
censura.
de alguma maneira
- a
ser
totalidades
aos
regulado
das vozes
existentes na sociedade.
Admitir o predomínio restritivo de determinados setores, sejam quais
forem,
é
admitir
autoritarismo,
que
a
brutalidade
da
desinformação,
é
admitir
o
pode esconder as tensões políticas e sociais, mas
-3-
que
não
são
capazes
de
cedo ou tarde, afloram
Talvez
alguns
centralmente
eliminar os conflitos e as contradições que,
e
vem
à tona.
tenham estranhado o fato desta análise não se referir
à
opressão
do
capitalista
privado-comercial
comunicação
de
proposital
que
nos
que se
e
procura
verifica
nas
personagens
ideológicos
Nas
para
chamadas
justificando
América
setor
majoritariamente
Latina. A
não referência
a
foi
destacar que o autoritarismo privado-comercial
essencialmente,
diferente do
autoristarismo
sociedades pós-revolucionárias que tão habilmente
de
fotos
sociedades
que
da
tombaram
cantando
vão
Praça
e
diariamente
expedem
atestados
pós-revolucionárias, os fins nobres acabam
distorções
que
desde
da Paz
a
possível imaginar
dissidências
controla
do
a publicação de matérias jornalísticas ou livros.
massacre
estatismo
que
privado-comercial,
meios desumanos e brutais, como temos visto, numa sucessão
tragédias,
As
na
massacra não é,
apagam
de
massa
setor
episódio
de
Kronstad até o recente
Celestial, com marinheiros e estudantes que
Internacional, “abatidos
tragédia
geradas
como
perdizes”.
Será
maior?
pelos
simplesmente
e
o
divergências,
monopó1ios privado-comerciais ou pelo
suprime -
e não absorve e metaboliza - as
têm uma mesma raiz, que é a restrição ao
espaço da política.
Esse
vontade
espaço
dos
que,
na
América
Latina, é o espaço em que se impõe a
donos privado-comerciais dos
universo” que são
veículos, esses “senhores do
onipotentes nas determinações políticas de atuação de
seus veículos.
-4-
Tanto o monopólio privado, como o estatal, impedem a
desenvolvimento
concreta,
e
e
que
universalidade
pluralismo
a
é
da
plena
irredutível
viva,
e
radicalizar
realização
plena
a
da
manifestação do
sociedade como
qualquer
uma de suas partes, como
de conteúdo e diversidade. Só
existência
real
do
totalidade
pluralismo
é
que
através
é
do
possível
a democracia e criar um estatuto real de cidadania e tornar
substantiva a idéia de nação.
É necessário que os jornalistas discutam sua inserção nesse contexto.
É
necessário
ser
que nós
tratada
jornalistas
ainda
que
Por
de
sua
não
podemos
predominantemente
corporativa.
reduzir a meros militantes a
nos
pretendendo
burlar
a
finalidade
Nós
serviço,
política
dos meios,
forma a orientar os fatos, isto é, falando mais
claramente,
manipulatória, exercendo equivocadamente um
forma
para
a
qual
verdade,
voltando
de
políticos,
fato
dimensão
inconscientemente, dos meios de comunicação de massa.
de
forma
uma
na
vezes,
atuamos
jornalistas revisemos nossa atuação, que tende a
não
nossa
temos
atuação
acabamos
investidura
papel político de
nem
legitimidade. Na
pofissional para a criação artificial
legitimando
a
atuação
tendencialmente
partidária dos meios.
Uma
por
um
matéria
abordagem
arrogante ou
jornalista
de
constrangedora,
preconceituosa
normalmente
e
se
provocativa de
esquerda, que
na
resulta
verdade não é
depreciativa com que os
referem
às
-5-
político de
na
publicação
direita,
de
uma
muito diferente da abordagem
veículos
expressões
revolucionário.
um
do
privado-comerciaiis
movimento
social
e
Os
jornalistas
Observar
os
limites
conhecimento
parte
da
é
professor
as
que
de
exceder
sua
suas
atuação
como
funções
profissionais.
produtor de
informação e
necessidade profissional e ética.
Essa postulação
de que o jornalismo é uma forma de conhecimento que
científicas
Genro
específica
Filho.
do
e
artísticas,
Ressaltar
esse
na
expressão
do
espaço próprio e essa
“fazer jornalístico” não significa reivindicar
despolitizados.
contrário,
não
podem
formas
Adelmo
jornalistas
Ao
uma
premissa
complemente
dimensão
não
existe
ter posição e partido político é uma necessidade,
democracia e
já
cidadania plena sem partidos políticos e
pluralismo.
[ Os
podem
jornalistas
lançar
posições
da
mão
de
esfera
singular
para
políticos.
Substituí-la,
que,
contra a
exercício
mediações
individual
meios
o
no
pública,
para
para
jornalismo - não
fazer
trânsito
de
a esfera pública. Essa mediação, do
é a mediação
pela
constituída
idéia
de
pelos
partidos
partidarização dos
de autoritarismo dos monopólios, é trabalhar
democracia e contra a
Mas além
indevidas
trabalhar
nesse contexto
profissional do
cidadania. ]
de serem revolucionários, se o forem, os jornalistas tem que
ser
bons
profissionais. Porque
sem
preconceitos
uma
necessidade
conhecimento
e
essa atuação profissional - criteriosa,
comprometida
social
que
só o
jornalístico.
-6-
com o
desvendamento da realidade - é
jornalista pode atender produzindo o
Se os
jornalistas
enriquecer a
A
potência
revolucionários,
tanto melhor, isso
pode
consciência sobre a dimensão humana do seu papel social.
afirmação
jornalista
forem
da
se
dá
particularidade
por
meio
da
do
posicionamento
político
do
forma pela qual ele se aproxima dessa
que usualmente denominamos verdade. Não existe uma verdade nas
coisas.
As
coisas
apropriação
do
conhecimento
são
real
sobre
surdas
é
o
que
e
mudas. O
constrói
objeto,
e
fenômeno
a verdade, que
portanto
é
sempre
humano, a nossa
nunca
esgota o
limitado, nunca
absoluto.
Essa
menos
uma
construção
difusa
série
verdade
de
do
e
da
universalidade
está
informada por uma concepção mais ou
mundo, por valores, por uma ideologia, que constituem
premissas
jornalista
suas
real
lógicas
revolucionário
mercadoria
O
de
do
em
que podem coonstruir e transformar a
uma
verdade
diferente das verdades da
verdade das “razões de Estado”.
torna-se
que
um
revolucionário quando consegue revelar a
há nos fatos singulares e não a particularidade das
posições políticas.
Em síntese, há algo que deve unir o jornalista que trabalha no Estado
de
São Paulo
(CUT) outro
que
deve
também,
realidade
será
e
a
num
aliás
ser
uma
jornal
já
deveria
forma
consciência de
ser
igualmente
diário da Central única dos Trabalhadores
ter
criteriosa
que
à
de
investigar
a
realidade e,
qualquer distorção produzida à forma da
registrada. Tanto no
danosa
um jornal diário - o que une um e
Estadão,
construção
-7-
como
no
Jornal da
CUT,
da consciência das massas. Se a
greve
foi
um
fracasso,
esconder isso não
Quando
se
se
assassinatos
o panfletário
informação,
mas
esclarecedora
candidato
da
a
presidente,
União
quanto
ou
praticados
não
vai
pelos
“o senhor se considera
pelos fazendeiros da UDR?”,
jornalista se sentindo
provavelmente
defendido
Democrática Ruralista (UDR),
“o senhor é um assassino”
pelos
deixar
o
Ronaldo Caiado,
pergunta
responsável
pode
só esconder o presente, é esconder também o futuro.
entrevista
latifundiários,
e
é
há lições importantes para serem aprendidas, e
ser
um
gerar
“Robin Hood”
uma
matéria
da
tão
a de outro jornalista que, com sobriedade, consiga
registrar a verdadeira natureza do projeto da UDR.
E
desmoralizar Caiado pelo que ele é , e não por aquilo
assim
realmente
que com facilidade
possa atribuir-se a ele.
É
esse
critério
necessários
para
e
esse
perfil
da
atuação
que
entendo
serem
que a mediação dos jornalistas possa contribuir para a
integração da América Latina.
Em primeiro lugar,
de
onipotência
e
é
necessário que os jornalistas se dispam da capa
autolegitimação
que
geralmente
atribuem
à
nossa
profissão.
[Em segundo lugar, é
necessário fazer as perguntas corretas, como por
exemplo,
quais são os projetos
trás das
propostas
de
particulares de cada p aís que estão por
integração
por Fidel Castro.]
-8-
feitas
tanto por Augusto Pinochet e
A
integração
pré-traçado
da
por
América
uma
Latina
origem
não
comum
será
latina,
fruto
nem
por
de
um
uma
destino
fatalidade
ditada pela miséria que graça nos continente.
Só
poderá
cada
que
dar
consciência
transcendem
crescente
ação
externa,
alguns
um processo de construção, no âmbito de
de
uma
particulatidade
unificada
desses
é
mediante
nacional,
a
a fome
[Também
a
se
e a
e
radical apropriação dos problemas
inerente a cada país que exigem uma
que estão explodindo no continente: dívida
falta de alimentos, poluição e o narcotráfico, são
problemas.
necessário fazer perguntas óbvias. Quais são as bases para
integração
latino-americana?
Quais são os pontos em que
é
O
que é
integração
latino-americana?
possível estabelecer cooperação na América
Latina?]
A
para
produção
das
que
a
rádio
com
todos
contra
Essa
a
os
a
os
na
televisão,
eletromagnético,
universalmente
se
esse
dê, não
lutarmos
apenas com mais espaço para os
abertura de espaço para veículos de comunicação
setores
monopólios
democratização da
e
realidade social. E, por outro lado,
democratização
reflitam
tréguas
pode ajudar a constribuir
lationo-americana. Para isso, é necessário aproveitar
revele
jornalistas, mas
que
jornalístico
possibilidades que essa forma de conhecimento social que é
jornalismo,
para
conhecimento
a integração
o máximo
o
de
da
sociedade,
mantendo
uma luta sem
privados ou estatais.
comunicação deve ser buscada especialmente no
que
são
recurso
disciplinado
veículos
natural
pelo Estado.
-9-
que
se
valem
limitado,
do espectro
cujo
uso
é
A
democratização do acesso
ao controle do rádio e da televisão
é
a
ponta de lança dessa luta.
É nesse contexto que, nós os jornalistas, devemos nos
como
um
os
cavaleiros
agricultor,
germinam,
posicionar, não
guardiãos dos oprimidos, mas sim com a humildade de
semeando
fragmentos
singulares
de realidade
na
consciência
das massas, o vislumbre, não só de um
mas também de
um presente
melhor.
Sem
nos
humildade,
armarmos,
não
inconseqüentes,
futuro,
para fraseando Neruda, dessa ardente e apaixonada
conseguiremos
esse
que
sonho
e
tirar
essa
da
generalidade
vontade
política
e
de
dos
integrar
América Latina.
* Jornalista,
professor
universitário
e
pesquisador. Palestra ministrada no 3° Painel do
no Seminário Latino-Americano de Jornalistas
(FELAP-FENAJ), dia 9/9/89, tendo como tema A
mediação
dos
jornalistas
na
integração
lationo-americana: propostas
e
perspectivas,
realizado durante o XII Congresso Brasileiro de
Pesquisadores da Comunicação - INTERCOM 89, em
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, de 6 a
10/9/89.
-10-
mitos
a
Download

O papel da mediacao dos jornalistas na integracao