O MEIO AMBIENTE E A REPRODUÇÃO SÓCIOMETABÓLICA DO CAPITAL: sustentabilidade insustentável Gloria Goulart da Silva Campos1 “Seja como for, o eterno presente do capital, com seu “tempo gelado de vitrine”, não pode em absoluto varrer a aspiração da humanidade pelo estabelecimento de uma ordem social historicamente sustentável enquanto houver opressão e exploração no mundo. No momento em que estas forem irreparavelmente consignadas ao passado, como cumpre que sejam para que a humanidade sobreviva, o próprio sistema do capital deverá ser apenas uma má lembrança”. István Mészàros, 2007 1 - INTRODUÇÃO Este estudo direciona-se para a temática da ecologia e do meio ambiente e tem como perspectiva teórico-metodológica fazer uma reflexão sobre o debate atual relativo às questões ambientais, sobretudo ao que vem sendo amplamente conhecido como desenvolvimento sustentável. Procuramos nos contrapor a interdição ao marxismo como possibilidade de crítica ao evidente colapso ambiental que se vislumbra, trazendo considerações de autores contemporâneos que apontam para uma nova interpretação de Marx. Interpretação esta que possibilita perceber o quanto a “lógica” de sua teoria pode ser ecológica e, consequentemente, fundamental para que se possa contrapor ao desastre ecológico inevitável no modo de reprodução metabólica social do capital na natureza. 1 Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Núcleo de Estudos Sobre as Transformações no Mundo do Trabalho – TMT, do Centro de Filosofia e Humanas – CFH. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ontologia Crítica – GEPOC, do Centro de Ciências da Educação – CED; ambos pertencentes à Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. 2 Temos observado que as discussões acerca deste tema parecem ter-se intensificado consideravelmente nos últimos tempos, como afirma Mészáros (p.81-82, 2006) [...] nosso universo social está sobrecarregado de enormes problemas, tanto no que se refere às desigualdades herdadas do passado, e que são cada vez mais intensamente explosivas, quanto à invasão cada vez mais desenfreada do modo de reprodução metabólica social do capital na natureza, ameaçando-nos com um desastre ecológico. Embora esta não seja uma discussão recente, tal problemática foi se intensificando nas diferentes áreas de estudo na medida em que os limites da produção humana começaram a ser questionados e as evidências de um colapso ambiental foram se intensificando. A sociologia, embora constitua por excelência o estudo da sociedade, não poderia eximir-se de prestar atenção ao meio ambiente com o qual esta interage. Ao final da década de 1980 e início da década de 1990, inúmeros estudos foram apontando para um desenrolar histórico nada promissor acerca do uso dos recursos naturais. A necessidade constante de desenvolvimento e produção de bens e de lixo, aliada ao crescimento demográfico e às altas taxas de desmatamento e poluição, fizeram com que diversas iniciativas e movimentos fossem alavancados. Segundo Brüseke, (1998, p.27) a primeira idéia de ecodesenvolvimento foi apresentada por Maurice Strong, mas quem desenvolveu esta teoria foi Ignacy Sachs. Ignacy Sachs, apropriando-se do conceito de ecodesenvolvimento formulado em 1973 por Maurice Strong (que figurava uma nova visão do desenvolvimento) e inspirado ainda pelas idéias de Mahatma Gandhi e Julius Nyerere, integrou seis aspectos básicos do que seria necessário para a sociedade sustentável: a) satisfação das necessidades básicas, b) solidariedade com as gerações futuras; c) envolvimento da população; d) preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) 2 3 elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança e respeito; f) programas de educação. Inicialmente, essas idéias de ecodesenvolvimento estavam voltadas às regiões rurais dos chamados países periféricos pertencentes à África, Ásia e América Latina, e advém da crítica à sociedade industrial como método de desenvolvimento, propondo então o ecodesenvolvimento, que se daria por meio da separação entre os países centrais e periféricos. Segundo Brüseke (1998, p. 29), Sachs considera atualmente ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável como sinônimos. A partir disto, surgiram conferências para discussão e relatórios que visavam chamar a atenção do mundo para esta problemática. Um exemplo que podemos citar foi a ECO92, ocorrida no Rio de Janeiro. Esta conferência, proposta pela ONU, teve como resultado, além de suas deliberações acerca da problemática ambiental, o lançamento no ano posterior do relatório do WorldWatch Institute, que expunha justamente uma crítica à insuficiência das deliberações da ECO92 (BRÜSEKE, 1998, p.34). Além de conferências e relatórios apontando para resultados devastadores e catastróficos causados pela emissão de gases do efeito estufa, da destruição da camada de ozônio, para a destruição da natureza e, consequentemente, da própria humanidade, vimos proliferarem-se nestas últimas décadas ONGS, como a WWF (“World Wide Fund For Nature”, ou “Fundo Mundial para a Natureza”, hoje já presente em diversos países do mundo), e também movimentos diversos que vão desde o Greenpeace até o Salvem as Baleias, SOS Mata Atlântica, Amazônia para Sempre etc., além de inúmeras iniciativas privadas e de políticas públicas de cunho ambiental, das quais o Protocolo de Quioto2 é um bom exemplo. 2 O Protocolo de Quioto foi o mais importante acordo multilateral já firmado sobre mudanças climáticas em toda a história da humanidade. O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima foi estabelecido 3 4 Entretanto, as teorias inspiradas em Ignacy Sachs e que perduram até hoje nos discursos de desenvolvimento sustentável, não contemplam uma crítica ao modelo de produção da sociedade moderna. Ademais, como assevera Foster (1997, p. 161), Tornou-se moda em anos recentes [...] identificar o crescimento da consciência ecológica com a atual contestação pós-moderna da metanarrativa do Iluminismo. O pensamento ecológico, dizem-nos frequentemente, caracteriza-se por uma perspectiva pós-moderna, pósIluminismo. Ora, o modo de produção capitalista, pelas suas próprias contradições internas, já demonstrou a incapacidade de qualquer intenção ou possibilidade de sustentabilidade ou de solidariedade. Desse modo, entendemos que uma crítica ecológica consistente só tem validade se for também uma crítica ao modo de produção capitalista. Nesse sentido, temos conduzido nossos estudos tendo como ponto de partida as seguintes questões: é possível esclarecer e avançar na compreensão dos novos problemas da ordem burguesa, dos quais destacamos especificamente a questão da ecologia, a partir da teoria marxiana? Em que medida esta pode reinvindicar um espaço teórico-metodológico específico? A teoria social de Marx é capaz de manter-se como fundante de uma matriz teórico-metodológica a ser desenvolvida como tal, possibilitando uma crítica explanatória3 para as condições presentes no mundo conjuntamente pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 1988. Os resultados deste protocolo podem ser consultados em: http://www.onubrasil.org.br/doc_quioto.php 3 Crítica explanatória é um termo cunhado pelo filósofo inglês Roy Bhaskar. Segundo ele, como não temos acesso ao mundo senão mediado por uma cultura, linguagem, esquema conceitual etc., nossas idéias sobre o mundo jamais são elaboradas tendo, de um lado, o mundo e, de outro, nossas idéias. Se nossas imagens do mundo se alteram, só podem fazê-lo por meio de crítica. Ou seja, sempre produzimos idéias com base em idéias. E se as últimas representam uma negação radical do pondo de partida, certos protocolos têm de ser observados. No caso da crítica teórica/explanatória, diz Bhaskar, a sua legitimidade só pode ser obtida quando: 1) mostra que a teoria criticada, nos termos de sua própria descrição, é fatalmente inconsistente, falsa; 2) prove uma descrição alternativa na qual se demonstra a objetividade e a necessidade da teoria criticada. Ou seja, descrição na qual o momento crítico não apaga idealmente o objeto da crítica, mas, ao contrário, reconhece a sua objetividade. Em outros termos, explica que as concepções e teorias criticadas são formas de pensamento que, embora falsas, imaginárias, são formas de pensamento socialmente válidas, úteis e eficazes. De modo que a crítica desloca-se 4 5 contemporâneo? Podemos indicar uma dimensão positiva de uma alternativa hegemônica sustentável? Diante da problemática relativa as questões ambientais, alguns autores vem esforçando-se para encontrar embasamento teórico para os estudos ecológicos contemporâneo nos clássicos da sociologia – Durkheim, Marx e Weber. O marxismo tem recebido severas críticas no que concerne ao seu estudo como base de sustentação teórica para a compreensão e o aprofundamento das questões ecológicas. Muitas são as críticas feitas a obra de Marx pelos estudiosos destas questões. Uma delas que, de certa maneira é representativa do pensamento hegemônico é a de que Marx não pensou e/ou não se preocupou com o problema do meio ambiente. Lenzi (2007, p.09), defende que o problema ecológico deve ser resolvido conforme a proposta dos ambientalistas de desenvolvimento sustentável. A crítica que enfatiza é de que, para Marx, o trabalho é o processo originário do valor de todas as coisas, e para que a natureza seja valorizada seria necessária uma instrumentalização dela ainda maior do que a já existente. E afirma que há muito pouco na teoria de Marx que possa ser apropriado pela teoria ecológica porque: Sua filosofia da história tende a gerar contornos evolucionistas e implicações sobre a adaptabilidade humana, sua teoria do valor coloca o trabalho como único e principal meio de valorização das coisas, sua teoria da reificação tende a desconsiderar a capacidade de agência humana e seu materialismo parece recair num tipo de economicismo bastante estreito e fundado nas determinações da “base estrutural”. (LENZI, 2007, p. 09-10) Observamos que, para o autor em questão, é praticamente impossível qualquer tentativa de aproximação da teoria de Marx com a teoria ecológica e nos parece que, de imediatamente das formas de pensamento para as estruturas sociais que suscitam e necessitam idéias falsas nos sujeitos. 5 6 alguma maneira, expressa [...] “o tratamento teórico oferecido ao desenvolvimento recente da ordem burguesa pelos analistas empenhados na contestação da teoria marxiana” (NETO, 2001, p. 39). Em outras palavras, tem se tornado correntes as opiniões que afirmam que o marxismo não possibilita a análise e compreensão de determinados problemas contemporâneos, com destaque para a ecologia. Foster (1997) mostra que tem sido comum para os críticos atuais, argumentar que a visão de mundo de Marx e Engels radicava-se, acima de tudo, na subjugação tecnológica total da natureza e que marxismo e ecologia são inteiramente incompátiveis. O autor esclarece que, das críticas comuns ambientalistas dirigidas contra Marx e Engels, é a acusação de que Marx teria tido uma visão “prometéica”, “produtivista” de história4 que ocupa um lugar central na crítica de ecologistas. O que parece é que O ambientalismo autêntico [...] exige nada menos que a rejeição da própria modernidade. A Acusação de ter um caráter prometéico, é portanto, uma maneira indireta de marcar a obra de Marx, e o marxismo como um todo, como uma versão extrema de modernismo, mais facilmente condenada neste particular do que o próprio liberalismo (FOSTER, 1997, p. 162). Segundo Foster, no entanto, “a visão de mundo de Marx era profundamente – e na verdade sistematicamente – ecológica (em todos os sentidos positivos em que se usa o termo hoje) e que esta perspectiva ecológica era derivada de seu materialismo” (FOSTER, 2005, p.09). O que ficava claro na obra de Marx, afirma Foster, era que “a humanidade e a natureza estavam inter-relacionadas e que a forma específica das relações de produção constituia o âmago dessa inter-relação em qualquer dado período” (Foster, 1997, p.165). E cita o prórprio Marx para ilustrar o seu pensamento: 4 Não cabe aqui discorrer sobre a interlocução que Foster faz com os ambientalistas detratores (Ted Benton, Reiner Grundmann, Carolyn Merchant , Wade SiKorski, entre outros) de Marx, sobretudo no que se refere a acusação do caráter prometéico de sua visão. Remetemos para a leitura na integra do texto Intitulado: Marx e o meio-ambiente. 6 7 O homem vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e tem que manter com ela um diálogo ininterrupto se não quiser morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está ligada à natureza significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, porque o homem dela é parte (MARX, apud FOSTER, 1997, p. 165). Para Foster é necessário o esforço de um aprofudamento da crítica ao marxismo, principalmente daquela que afirma a pouca afinidade da teoria de Marx com a ecologia. O esforço maior é de demonstrar uma nova interpretação de Marx que possibilite perceber o quanto a “lógica” de sua teoria pode ser ecológica. Portanto, não caberia nesse caso a crítica com base no marxismo tradicional5. Nesta direção, Postone (2007) assevera que necessitamos de uma teoria social que reconceitualize o núcleo central do capitalismo, a fim de entender o tipo de dinâmica histórica que modificou o mundo de maneira radical nos últimos vinte anos. E, para ele, a teoria social madura de Marx é o ponto de partida para tal teoria reconceitualizada. Para Duayer (2008), hoje em dia só é possível falar de Marx, de sua teoria, depois de suspenso o embargo à ontologia . Parafraseando Chasin, podemos dizer que: Contra o melhor espírito do pensamento de rigor, que se atém aos textos e a sua lógica, o pensamento marxiano é abordado fragmentariamente a partir de exterioridades, sejam as provenientes das práticas políticas do século XX, sejam as oriundas da anticientificidade dominante, radicalmente problemáticas. Entretanto, é preciso assinalar assim que a destituição de Marx vem pelo interior ou acomphanha a destituição geral do pensamento, que pode em suma ser sinteticamente denominada pela crise atual do pensamento em geral: a destituição ontológica, a desilusão epistêmica e o descarte do humanismo. Ou seja, a aversão pela objetividade, a descrença na ciência e a destituição do homem (CHASIN, 1999, p. 55). grifo nosso. 5 O marxismo tradicional se refere à uma análise do capitalismo fundamentada nas relações de classe arraigadas às relações de propriedade e mediadas pelo mercado; uma análise onde o socialismo é visto, basicamente, como uma sociedade caracterizada pela propriedade coletiva dos meios de produção e pelo planejamento centralizado em um contexto industrializado – um modo de distribuição justo e conscientemente regulado, adequado a produção industrial. Para Postone (2000) este enfoque não é mais útil para fundamentar uma teoria crítica da emancipação. Foi incapaz de basear uma crítica histórica adequada do “socialismo real” e se mostrou impotente frente ao desmoronamento dessa nova formação social (POSTONE, 2000, p.36). 7 8 Dessa forma, consideramos que, para que se possa fazer uma análise crítica consistente sobre as questões ecológicas, faz-se mister perceber categorias historicamente específicas da sociedade moderna, ou capitalista, buscando em Marx os fundamentos de categorias transistóricas, como “as concepções temporais em relação a história, a sociedade e o trabalho, e a idéia de uma lógica subjacente à história humana” presentes nas características específicas da sociedade capitalista como propõe Postone (2000, p. 38) e para tal acreditamos que é fundamental uma análise que tenha como base a ontologia do ser social. Como mostra Postone, a forma fundamental de relação social deste tipo de sociedade é o mercado, historicamente específico, que é ao mesmo tempo um “tipo estruturado de prática social” e um “tipo estruturante das ações, cosmovisões e disposições das pessoas”(POSTONE, 2007, p.38). Mergulhados nessa existência que converte tudo em mercadoria, inclusive as necessidades mais íntimas e pessoais dos indivíduos, se consolida na práxis social a concepção segundo a qual somos essencialmente egoístas porque “naturalmente” proprietários privados. A mercadoria se apossou do mundo dos homens, e não os homens que se apropriaram dela. Ora, não há uma “natureza” essencial humana. A essência dos homens é como afirma Marx, “o conjunto de suas relações sociais” (ENGELS, MARX, 1993). O trabalho é a categoria “fundante do ser social” e apenas pode existir enquanto parte de um complexo social mais global – a reprodução social. Como afirma Lukács (1981), ser fundante não significa ser anterior, vir antes ou possuir um fundamento que não seja a própria processualidade da qual o trabalho é categoria fundante. Não pode haver trabalho sem “linguagem, a cooperação e a divisão do trabalho”. 8 9 O caráter fundante do trabalho para o mundo dos homens possui dois traços decisivos: o primeiro, é a categoria que opera a mediação “eternamente necessária”, do homem com a natureza – é por meio dele que se opera a atividade fundamental de toda a existência social: a produção dos bens materiais necessários a reprodução da vida. Em segundo, o trabalho sempre produz objetiva e subjetivamente “algo novo”, pelo qual a história humana se consubstancia como um longo e contraditório processo de desenvolvimento das “capacidades humanas” (LUKÁCS, 1981). Marx (2004) afirma que o trabalho, antes de tudo, é um processo do qual participam os seres humanos e a natureza, é o processo pelo qual a ação do ser humano “impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza ... atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo em que modifica sua própria natureza”. Esta forma específica de trabalho é resultado de trabalho elementar, e o produto deste trabalho é resultado do “metabolismo entre homem e natureza.” (MARX, 2004, p.211). Enquanto na Natureza, o desenvolvimento da vida é o desenvolvimento das espécies biológicas, no mundo dos homens a história é o desenvolvimento das relações sociais. A complexificação das relações humanas provoca o recuo das barreiras naturais, mas estas jamais podem ser eliminadas e abolidas, ainda que o que determine o desenvolvimento do homem enquanto tal não seja a sua porção natural-biológica, mas sim a qualidade das relações sociais que ele desdobra. Ao produzir, pela transformação da Natureza, o imediatamente necessário para sua reprodução, os homens transformam ao mesmo tempo a sí próprios enquanto indivíduos e a totalidade da sociedade a qual pertencem. Isso faz com que, diferente da natureza, no ser social o desenvolvimento seja a história das transformações dos indivíduos, das sociedades, das relações sociais e não mais o desenvolvimento biológico 9 10 da espécie. É no interior desse desenvolvimento que se dá a gênese e o desenvolvimento da essência humana (LUKÁCS, 1981). Entretanto, na sociedade capitalista, enquanto constituinte do mercado e produtor de mercadorias, o trabalho possui uma determinada especificidade histórica: Ele (o produto do trabalho) não é mais a mesa, casa, fio ou qualquer outra coisa útil. Sumiram todas as suas qualidades materiais. Também não é mais o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outra forma de trabalho produtivo. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados; desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato (MARX, 2004, p.60). A história no capitalismo não é nem uma simples questão de progresso (técnico, ou de outro tipo), nem uma simples questão de regressão e decadência. Pelo contrário, o capitalismo é uma sociedade em contínua transformação, mas que reconstitui constantemente sua identidade subjacente. O mais-valor, conceito chave em Marx, não só indica, como insinuaram as interpretações tradicionais, que o excedente é produzido pela classe trabalhadora, mas mostra também que “o capitalismo se caracteriza por uma modalidade determinada e cega de crescimento, uma modalidade que conduz à destruição acelerada do meio ambiente” (POSTONE, 2007, p.41). Importa ressaltar que Marx, ao tomar o valor como categoria chave, nada mais faz do que [...] mostrar que toda a sociabilidade da moderna sociedade capitalista está fundada no trabalho. Mas não em qualquer trabalho, trabalho sem mais. É antes o trabalho absolutamente estranhado dos sujeitos – trabalho assalariado. A categoria valor nada mais é, neste sentido, do que a expressão social do fato de que nesta sociedade os sujeitos são reduzidos a trabalho. O trabalho, se não é a única forma de socialização, é a fundamental, básica, incondicional, da qual todas as outras dependem, e sem a qual os sujeitos perdem não só a sua sociabilidade, mas também a sua humanidade e, no limite, sua existência física (DUAYER, 2008, p. 12) 10 11 Mészàros afirma que o capitalismo não suporta as limitações de seu modo de reprodução sócio-metabólica. A ação destrutiva da humanidade encontrou-se com limites estruturais absolutos do próprio sistema a ponto de “obstruir o futuro da humanidade”. Portanto, não há saída senão “erradicar o sistema do capital de seu controle há muito resguardado do processo sociometabólico” (MÉSZÀROS, 2007, p.26). Segundo Mészàros (2007, p.27), o substrato objetivo da existência humana é a lei absolutamente fundamental da relação da humanidade com a natureza. “Esse tem de ser o fundamento último de todo o sistema de leis humanas”. E para ele, esta é a relação que o capital trata de violar, ignorando as conseqüências cruéis e devastadoras da “base natural da existência humana”. Para Mészàros (2007, p.27) o capital sempre operou com base na inversão de que era o “absoluto”, relativizando negligentemente aquilo que é absoluto por exelência, tratando como “relativo e dispensável”, e portanto, as leis dos homens, a despeito de estabelecerem preocupações ecológicas, estão, e muito, envolvidas no processo de destruição geral: Como todos os valores, a produtividade e a destruição só obtêm seu significado no contexto humano, na relação mais estreita possível com as condições históricas relevantes. O que faz da destruição da natureza, que ora testemunhamos, um processo irredimivelmente – e no longo prazo catastróficamente – negativo é seu impacto último na vida humana como tal. Eis porque, sob as circunstâncias de nosso tempo, a absolutização pelo capital do relativo historicamente criado – o próprio capital – e a negligente relativização do absoluto (a base natural da própria vida humana) são muito piores do que jogar roleta russa. Pois carregam consigo a certeza absoluta da autodestruição humana no caso de o corrente processo de reprodução sóciometabólica do capital não ser levado a um fim definitivo no futuro próximo, enquanto ainda houver tempo para tal (MÉSZÀROS, 2007, p.28). O capital se encontrou com a contingência histórica destrutiva e anacrônica de seu crescimento voraz, ainda que não admita esta contingência, insistindo na sua “fictícia auto-absolutização” na negação da “possibilidade de ser históricamente 11 12 superável”. Segundo Mészaros (2007, p.28), é imperativo estabelecer uma nova prioridade para basear as leis dos seres humanos, que até então priorizam a inversão da “relação entre o absoluto e o relativo, no interesse de absolutizar seu próprio domínio, mesmo ao custo da destruição da natureza”. O capital encontra-se então impelido a negar seu caráter histórico com o fim determinado de “eternizar sua dominação do processo sóciometabólico”: A humanidade jamais precisou tanto e tão fielmente ouvir e observar as leis do que nessa conjuntura crucial da história. Mas as leis em questão devem ser radicalmente refeitas; trazendo a uma harmonia plenamente sustentável as determinações absolutas e relativas das nossas condições de existência de acordo com o inevitável desafio e fardo de nosso tempo histórico (MÉSZÀROS, 2007, p. 29). Como assevera Mészàros, somente um engajamento crítico (e autocrítico) puro e que se encontre “no curso da transformação socialista” é capaz de produzir o esperado resultado sustentável, que proporcionará as correções necessárias, baseada na resolução deste desafio do tempo histórico e Marx evidenciou isso com clareza desde o início. No entanto, o século XX transformou de forma significativa a forma pela qual se deve apreender a “advertência de Marx”, de autocrítica. 5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BHASKAR, Roy. Scientific Realism and Human Emancipation. Londres: Verso, 1978. BEZERRA, Maria do Carmo de Lima; FACCHINA, Marcia Maria; RIBAS, Otto. Agenda 21 Brasileira / Resultado da Consulta Nacional. Brasília: MMA/PNUD, 2002. CAVALCANTI, Clóvis (org). Desenvolvimento e Natureza: Estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco, 1998. CHASIN, José. Ad Hominem – Rota e prospectiva de um projeto marxista. São Paulo, Ensaios Ad Hominem, Tomo I, n. I, 1999. 12 13 DUAYER, Mario. Relativismo, certeza e conformismo: para uma crítica das filosofias da perenidade do capital. PPGE/CED/UFSC – texto usado para conferência proferida em 08 de setembro de 2008 em encontro do GEPOC. FOSTER, John Bellamy. A Ecologia de Marx. Materialismo e Natureza. 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