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OS REFLEXOS DO SISTEMA CAPITALISTA NO ÂMBITO ESCOLAR
Flávia dos Reis Penteado1
Julie Tsukuda 2
Maria José Ferreira Ruiz 3
INTRODUÇÃO
A escola, numa perspectiva redentora (LUCKESI, 1994), é considerada uma alavanca
para a preparação da criança e do jovem para o futuro. Diante disto, é comum algumas
pessoas relacionarem a educação e o nível de escolaridade com o sucesso que a pessoa
pode conseguir ao longo de sua vida. Frases como - “se você estudar, será alguém na
vida, terá uma vida melhor do que esta que você tem agora” – enchem de esperanças e
expectativas milhares de crianças e de adolescentes que estão na escola e que, muitas
vezes acreditam e esperam realmente poder ter uma vida melhor, por meio da
escolarização. Para muitas pessoas, a escola passa a ser, então, um instrumento que
levará ao fim do desemprego e, consequentemente, à ascensão financeira dos milhares
de excluídos, como se esta instituição fosse uma ilha e não estivesse determinada, por
aspectos econômicos, sociais e políticos que assolam a sociedade capitalista atual.
Partindo desta visão romântica da instituição escolar, que coaduna com a perspectiva
individualista e meritocrática, apregoada pelo pensamento neoliberal, este trabalho, teve
como objetivo identificar em reportagens de revistas e de jornais, os elementos que
reforçam o imaginário coletivo solidificando, neste, a idéia da escola como um meio de
melhoria de vida e mobilidade social.
A pesquisa resultou de estudos em sala de aula, na disciplina “Trabalho Pedagógico
Docente e não Docente II”, ministrada na Universidade Estadual de Londrina no
segundo ano do curso de Pedagogia, em 2007. Utilizamos como procedimentos
metodológicos a leitura e análise de textos que relacionam a educação e trabalho e a
realidade social; coleta de dados em jornais, revistas e em sites de organismos
internacionais para identificar se os mesmos relacionam de forma direta/mecânica maior
escolarização à colocação dos estudantes no mercado de trabalho.
1
Discente do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá. Contato:
[email protected]
2
Discente do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected]
3
Docente do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pela
Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected]
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1. A relação Educação e Trabalho
A escola é vista como formadora de mão-de-obra para o mercado de trabalho e como
possibilidade de ascensão social, o que é reforçado pela visão produtivista de educação,
para a qual esta instituição é tida como um modo privilegiado de melhoria do “capital
humano”(FRIGOTTO, 1994) reforçando a lógica de expropriação do capitalismo. A
pessoa que tem maior escolaridade poderá obter um emprego melhor e ter uma renda
mensal maior, podendo dessa forma, melhorar a sua condição econômica. Esse discurso
tem sido comum entre pais, professores e na mídia. Incentiva os alunos a estudar cada
vez mais, visando uma vida melhor, do ponto de vista financeiro. A fala a seguir,
retirada de um jornal ilustra esta idéia: “É através do trabalho que o homem, além de
obter o seu sustento, cresce, progride e avança” (fala de um operário metalúrgico).
Sobre a relação educação e trabalho PARO atesta
Quando se fala em educação e, em especial, em escola, a primeira
preocupação, ou a preocupação que está subentendida nas demais, é
com a preparação para o trabalho. Sempre que se procura saber, em
pesquisas de campo, qual a função da escola, as respostas que se
obtêm, tanto por parte de alunos e pais, quanto de professores e
demais educadores escolares, sempre convergem para a questão do
trabalho. Fala-se muitas vezes, que se estuda “para ter uma vida
melhor”, mas, quando se procura saber o que isso significa, está
sempre por trás a convicção de que “ter sucesso” ou “ser alguém na
vida” é algo que se consegue pelo trabalho, ou melhor, pelo emprego
(Paro, 1999, p.108).
Por outro lado, e, contraditoriamente, observamos que, durante a década de 1990, houve
um considerável aumento dos anos de escolarização do povo brasileiro, o número de
analfabetos diminuiu, e, contudo, o nível de desemprego aumentou. PORCHMANN
(2004, p. 384), ao relacionar trabalho e educação, argumenta que a “deterioração das
condições de funcionamento do mercado de trabalho, ao invés de ser contida pela
melhoria educacional, contribuiu para o desperdício e o desgaste de habilidades
educacionais em atividades precárias e de baixa qualidade”.
Há, ainda, uma tentativa crescente de incorporação dos métodos de gerenciamento das
empresas capitalistas na gestão do espaço escolar, aplicando na escola, por exemplo, a
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“gerência de qualidade total”, que corrobora o atrelamento da escola ao sistema
capitalista, perspectiva em voga na década de 1990, mas que persiste até os dias atuais.
2. Análise das reportagens
Analisando as diversas matérias publicadas em jornais e revistas, pudemos perceber
que, realmente, na sociedade atual visualiza-se a escola como sendo um local de
formação para o trabalho. A pesquisa verifica que o MEC (Ministério da Educação e
Cultura), atrelado à lógica dos Organismos Internacionais como a UNESCO e o Banco
Mundial, explicitamente, atrela a escolarização à formação de mão-de-obra para o
mercado de trabalho, na perspectiva do capital humano, o que também é reforçado pelos
meios de comunicação analisados.
Na declaração mundial de educação para todos, que foi assinada por vários países
pudemos encontrar a formação para o trabalho com um dos objetivos a serem
cumpridos pelos países seguidores dessa declaração (...) “Capacitação técnica, a
aprendizagem de ofícios e os programas de educação”.
Na página da internet da UNESCO em programas e projetos de educação podemos
encontrar como sendo uma das prioridades “desenvolver competências que assegurem
aos trabalhadores melhores condições de vida através da educação”.
Também, podemos citar como exemplo um fragmento de um parágrafo encontrado na
página do MEC:
[...] O objetivo da Educação Básica é assegurar a todos os brasileiros a
formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhes os meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores [LDBEN Art. 21 e 22].
Na citação acima, retirada da LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira), fica claro que a lei maior que regulamenta a nossa educação, também vê a
escola como um espaço de formação para o mercado de trabalho.
Precisamos entender que, nesta perspectiva, não se trata da formação de um trabalhador
crítico/questionador, que buscasse entender os processos de produção e buscasse a
superação do sistema. Mas, sim, pensa-se na formação de um trabalhador mecanicista,
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que reproduza a sociedade existente a partir de seu trabalho. Com o objetivo de formar
um trabalhador alienado e executor de tarefas. Trabalhador este que é expropriado do
produto de seu trabalho. Nesta perspectiva, diferentemente, do que diz o metalúrgico
que citamos acima, o trabalho não é algo que faça a pessoa crescer enquanto ser
humano, mas acaba por retirar-lhe a dignidade já que o mesmo não consegue
minimamente suprir suas necessidades e as necessidades de sua família com o salário
indigno que muitas vezes recebe.
Nas reportagens pesquisadas podemos perceber nitidamente que a sociedade enxerga a
escola como sendo fundamental para conseguir um emprego e consequentemente
melhorar de vida, tornar-se rico.
Porém, unimo-nos a SAVIANI (2002) quando enfoca que a função da escola é
ensinar/transmitir os conteúdos construídos historicamente pela sociedade. Esta
instituição precisa nutrir o alunado de conhecimentos diversos, conhecimentos estes que
os façam perceber as injustiças do sistema para que possam trabalhar para superação da
injustiça social que assola os dias atuais. Assim, estará trabalhando em prol da formação
plena dos sujeitos que a compõem. Estará trabalhando também para formar pessoas
melhores, auxiliando no processo de humanização.
A escola não pode servir aos interesses do sistema capitalista, pois não é sua função
formar a mão de obra para o mercado de trabalho, mas sim, função do próprio mercado
de trabalho formar sua mão de obra qualificada.
Existe hoje uma falsa crença de que as pessoas não conseguem bons empregos porque
não possuem um alto nível de escolaridade, ou seja, que a escola influencia na posição
social que a pessoa ocupa. Porém, PARO (1999) deixa claro em seu texto que o
problema das injustiças sociais não é a falta de escolaridade, mas sim a falta de
empregos para todas as pessoas, pois, o atual sistema econômico, o capitalismo se nutre
das diferenças sociais, precisa delas para continuar existindo.
BIANCHETTI (2006) enfatiza que a formação do homem está voltada para o mercado
de trabalho, que como as demandas deste mercado estão mudando, hoje a escola precisa
formar um outro homem. Antes no modelo Taylorista-fordista a necessidade era de um
trabalhador especializado, específico, fragmentado, um trabalhador que apenas
executava uma tarefa parcelada e consequentemente não se enxergava na mercadoria
produzida. Hoje existe a necessidade de um outro tipo de trabalhador e a escola precisou
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se adequar para formar esses novos trabalhadores, assim acabou por surgir uma nova
tendência, a interdisciplinaridade, pois, hoje o mercado exige um trabalhador flexível,
adaptável, que saiba trabalhar em equipe, o que passa a exigir um trabalhador capaz de
realizar diferentes tarefas, tarefas complexas (generalista). Sendo assim, continua-se
atrelando a escola aos ditames do capital.
A educação e, principalmente a escola, precisa ter a definição do tipo de homem a se
formar, indo além do que os organismos internacionais incentivam, procurando
proporcionar a vivência democrática para que saibam mais tarde atuar na sociedade de
forma política e consciente. É preciso perceber que a preocupação dos Organismos
Internacionais com a educação, além de formar a classe trabalhadora, ainda justifica-se
como uma tentativa de melhoria do índice de desenvolvimento humano dos países em
desenvolvimento. A preocupação, entretanto não tem princípios humanitários, mas sim
acontece porque se percebe que a miséria e a pobreza vêm se tornando um estorvo para
o sistema capitalista, colocando em risco o seu desenvolvimento. Torna-se necessário
então minimizar a pobreza e a miséria, para que as pessoas possam acessar os códigos
da
modernidade,
fazendo
operações
bancárias,
enfim,
tornando-se
cidadãs
consumidoras (OLIVEIRA, 2000).
Nesta perspectiva, há uma tendência a priorizar a educação básica, pois, entende-se que
apenas ela é necessária para instruir minimamente os indivíduos para terem acesso ao
mundo do sistema. Isto justifica o investimento neste nível de educação e a precarização
do nível superior de ensino. O ideário defendido implicitamente consiste em que é
necessário se preocupar com a formação do povo, porém, que lhe seja uma formação
básica, mínima, que apenas qualifique mão de obra barata a ser explorada, e que dê
condições também mínimas para que as pessoas operem os códigos da modernidade.
Haja vista os incentivos constantes aos cursos técnicos.
A preocupação com a educação é sempre na perspectiva de reprodução e alimentação
do sistema, nunca de contestação do status quo. A escola assim, torna-se um artefato
que está sempre a serviço do capital, ou melhor, do processo de acumulação do capital,
contribuindo para propagar
uma conformidade que torna aceitável a tentativa de
perpetuação da perversidade da divisão das classes sociais. Assim, a educação, que
poderia contribuir de forma significativa para um processo lento, mas possível, de
transformação, acaba ficando, tristemente, como responsável para abastecer de
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conhecimentos técnicos o capital humano imperioso para o sistema produtivo, sendo
desta forma cooptada pelos interesses das classes privilegiadas (empresários e
capitalistas) (MÉSZAROS, 2005).
Entretanto, mesmo diante deste cenário tão preocupante precisamos empreender
esforços para pensarmos a educação tendo em vista a formação humana plena,
superando assim o nexo instrumental do sistema capitalista, que propaga a meritocracia,
a competitividade, o lucro exacerbado. Precisamos pensar em uma educação que venha
a contribuir para a emancipação, tendo em vista a imaterialidade do conhecimento, que
não é uma mercadoria que possa ser posta em negociação mercadológica. Em relação à
imaterialidade do conhecimento, DOURADO (2006), entende que:
É fundamental a compreensão de que o campo
pedagógico se constitui enquanto trabalho não-material,
onde trabalho e produto não se separam e não se
acumulam com fins de negociação, tal como acontece nas
empresas. Por trabalho não-material entende-se aquele
que não se separa do ato da produção e não se subordina
aos meios e às finalidades, constituindo-se enquanto
meio e fim num processo de permanente construção e
ressignificação
do
conhecimento
historicamente
produzido.
3.Considerações finais
De acordo com a pesquisa realizada e o material consultado, podemos verificar que, de
fato, espera-se que a educação possa melhorar a condição financeira das pessoas, pois as
reportagens explicitam e os dados demonstram isto.
PARO (1999), afirma que essas informações, podem ser um discurso ideológico para
que as pessoas acreditem que sua posição social é devido à falta de escolaridade e não
às próprias injustiças e perversidades do sistema. Assim, atribui-se ao indivíduo a
culpabilização pelo seu estado de classe desprivilegiada e pelo seu fracasso. Ou seja,
reforça-se o ideário falacioso de que existe vaga para todos na escola e se as pessoas
ingressarem nesta escola e fizerem um grande esforço individual conseguirão romper
com as desigualdades sociais.
Entretanto, a escola deve estar preparada não para formar o homem para o mercado de
trabalho, mas deve se voltar para a formação de um homem crítico e consciente de suas
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ações, enquanto cidadão político que luta por uma sociedade mais igualitária e faz valer
os seus direitos. Num sentido mais amplo, esta instituição precisa ter como objetivo
primeiro a apropriação do conhecimento pelo sujeito, formando cidadãos políticos, que
sejam capazes de participar ativamente da transformação social.
Isso não quer dizer que a escola não deva contribuir para formar para o trabalho. Porém,
não para o trabalho alienado. A escola precisa oferecer aos alunos o conhecimento
sistematizado para que estes possam interagir no mundo do trabalho, compreendendo as
relações de poder e de opressão que se tecem, de forma a atuarem futuramente como
agentes de transformação e não apenas como sujeitos passivos que se deixam sobrepujar
pelo sistema. Esta concepção é distinta da teoria do capital humano, não se tratando de
formar mão de obra para o “mercado de trabalho”, mas formar o cidadão/trabalhador
para que tenha possibilidades de sobrevivência num sistema perverso que visa à
acumulação de capital na mão de poucos. Nas palavras de KUENZER (2003, p. 44):
[...] a posse dos conhecimentos que permitem a compreensão e a
inserção no mundo do trabalho é direito dos trabalhadores, por ser
estratégica para sua sobrevivência, mas principalmente para a
construção de seu objetivo político enquanto classe comprometida
com a transformação das relações de dominação entre capital e
trabalho.
Para finalizar, entendemos que muito ainda os educadores precisam discutir sobre a
educação. A escola não contribuirá para a tão almejada transformação social se não
houver o convencimento de que esta instituição não deve estar atrelada ao modelo
econômico vigente, mas sim, trabalhar numa perspectiva contra-hegemônica que busque
superar esta concepção produtivista de educação. É necessário, então, ressignificar as
práticas pedagógicas, pensando em situações de ensino e aprendizagem que possibilitem
aos educadores e alunos cogitarem as alterações necessárias para a edificação de uma
sociedade na qual o sistema não oprima mais os sujeitos. É necessário reconhecer que o
que se quer ao atrelar a educação ao trabalho é a formação do trabalhador alienado,
submisso, que se deixe dominar facilmente, sem resistência, sem luta. Precisamos
almejar uma educação que emancipe, que liberte, que trabalhe em prol da formação do
ser político, de sujeitos que ajam pela mudança, que usem o conhecimento
sistematizado para transformar a realidade.
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Estes ensejos não se tratam de um otimismo ingênuo, nem da negação das dificuldades
encontradas realmente no interior da escola, muitas vezes, e na maioria das vezes,
determinada pelo sistema. Consideramos finalmente, que essa empreitada, de tentar
desatrelar a escolarização da formação de mão de obra barata, é difícil e morosa;
entretanto, não podemos deixar-nos levar pelo “pessimismo imobilizante”. Precisamos,
sim, nos arriscar em discussões e reflexões que apontem um norte para esse momento
tão conflituoso por qual passa a sociedade e consequentemente a educação.
Enfim, nas palavras de PARO:
É preciso que se coloque no centro das discussões (e das práticas) a
função educativa global da escola. Assim, se entendemos que
educação é atualização histórico-cultural dos indivíduos e se estamos
comprometidos com a superação do estado geral da injustiça social
que, em lugar do bem viver, reserva para a maioria o trabalho
alienado, então é preciso que nossa escola concorra para a formação
de cidadãos atualizados, capazes de participar politicamente,
usufruindo daquilo que o homem historicamente produziu, mas ao
mesmo tempo dando sua contribuição criadora e transformando a
sociedade. Só assim a escola estará participando de forma efetiva
como elemento da necessária “reforma intelectual e moral”, de que
nos fala Gramsci (1978b). (PARO, 1999, p.114).
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de
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LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
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PARO, Vitor Henrique. Parem de preparar para o trabalho!!! Reflexões acerca dos
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