7° Congresso de Pós-Graduação O DIREITO NA IDADE CONTEMPORÂNEA: GLOBALIZAÇÃO E A NOVA ORDEM JURÍDICA Autor(es) JOSE RAFAEL CARPENTIERI Orientador(es) EVERALDO TADEU QUILICI GONZALEZ 1. Introdução O fenômeno jurídico pode ser analisado pelo conceito de ordenamento. Trata-se de compreendê-lo como um sistema abrangente e complexo de relações sociais, originado no interior de um modo de produção , capaz de organizar a sociedade ao impor a indivíduos direitos, obrigações e sanções, por meio da ideologia ou pela coação. O ordenamento jurídico não se limita a um conjunto de normas, mas consolida e perpetua o modo de produção capitalista utilizando-se da força organizada e de um discurso formal . Esta essência dupla não é estática , se insere no jogo dialético das relações sociais e das relações de produção e sofre alterações conforme há mudança de paradigma. O modo de produção capitalista sofreu uma mudança importante no final do século XX. Embora permaneçam as premissas básicas de acumulação, lucro e propriedade privada, o novo contexto estabelecido pela globalização exigiu alterações no ordenamento jurídico 2. Objetivos A proposta do presente trabalho é analisar os reflexos da globalização hegemônica no campo do Direito, a partir do conceito de ordenamento jurídico. Faz-se necessário, para tanto, conceituar os fenômenos analisados, bem como estudar suas origens históricas e seus reflexos sociais. 3. Desenvolvimento O mundo ingressou, a partir da década de 80 e especialmente na década de 90, em um novo paradigma de sociedade com alta capacidade de se expandir e ao mesmo tempo aprofundar tensões políticas e sociais . Dentro os conceitos que explicam o fenômeno é possível destacar as noções de globalização hegemônica e contra-hegemônica. A primeira é relativa à intensificação das relações sociais promovida por grupos e instituições predominantes, que agem fora parâmetros tradicionalmente delimitados pelo Estado. A globalização contra-hegemônica significa a mesma intensificação de relações, mas promovida por grupos subordinados, que buscam amenizar os efeitos nocivos . A globalização pode ser vista também como um momento de poder planetário , com precedentes históricos dentro modo de produção capitalista, que podem ser observados na revolução mercantil dos séculos XV e XVI e na revolução industrial séculos XVIII e XIX. Assim como final do século XX, os anteriores momentos de expansão mundial do capitalismo são acompanhados de uma mudança de perspectiva. O colonialismo da revolução mercantil se realizou no marco ideológico da supremacia teológica. O neocolonialismo da revolução industrial serviu mão do evolucionismo racista para justificar a expansão da revolução industrial. O processo globalizador impõe o pensamento único. A globalização hegemônica não é apenas uma entidade econômica, mas um projeto político , traçado no início da década de 80, a partir da reestruturação do capitalismo, em crise após as altas do mercado de petróleo promovidas pela OPEP, entre 1973 e 1978. Buscou- se alterar o paradigma de produção, baseado nos recursos naturais escassos, para uma nova forma de acumulação, fundada na ciência e na tecnologia. Os protagonistas da globalização hegemônica adotaram e patrocinaram um discurso planificado para sustentar mudanças estruturais e minimizar os riscos. A divulgação do pensamento único utiliza a própria infra-estrutura da informação global, com destaque para o papel fundamental da televisão, que desempenha um papel estratégico na construção da realidade, na manipulação da informação e do conhecimento e no direcionamento das emoções. Técnicas de publicitárias e de pesquisas são utilizadas para consagrar individualismo, o mercado, a mobilidade de capitais e a não intervenção do Estado. A produção deste discurso, formulado no âmbito de universidades, centros de pesquisas e formadores de opinião pública, centra-se em cinco paradigmas , que constituem mecanismos de transformação no campo econômico, jurídico, social e político. O primeiro corresponde ao Consenso de Washington, estabelecido nos governos de Ronald Reagan e Margareth Thatcher. A partir dele são promovidas alterações na economia mundial por agências multilaterais, tais como o FMI e a OMC. O segundo paradigma é o do Estado mínimo. Intimamente ligado ao primeiro, identifica a organização estatal como um obstáculo à racionalidade auto-regulamentadora do mercado. O terceiro momento de transformação é o consenso democrático. Há a promoção internacional de uma concepção restrita de democracia, que identifica eleições livres com livre comércio, sem considerar o exercício efetivo da cidadania. Assim, foram adotadas pautas políticas de “transição democrática” em diversos países sem levar-se em conta os aspectos históricos e a realidade cultural. O objetivo é impedir que instabilidades políticas atrapalhem o livre fluxo de capitais. Estas alterações são acompanhadas da mudança no conceito de ser humano. O quarto paradigma, portanto, se refere apogeu do indivíduo. Relações econômicas de livre mercado são capazes de trazer vantagens para todos, do contrário, não se realizariam. Neste raciocínio, o livre comércio é capaz de trazer bem comum. A liberdade de escolha é plena, limitada pela e a renda e a riqueza pessoal. Qualquer tentativa de interferência desequilibra um jogo economicamente justo. O Estado será sempre elemento de desarmonia quando agir fora de seu papel de mero garantidor das liberdades básicas. Assim, o acesso igualitário à educação compromete a liberdade de escolher uma escola de sua preferência, a assistência à saúde retira a liberdade de escolher um médico e afeta o livre exercício da medicina. A existência de direitos trabalhistas ou previdenciários fere a autonomia da vontade das partes. Este quadro ideológico divulgado pelo pensamento único conduz a um individualismo exacerbado, possessivo e egoísta e à negação ética da alteridade. Reconhece-se o ser humano apenas enquanto consumidor, capaz de exercer sua liberdade de escolha dentro do sistema de mercado. O último paradigma analisado é o da transformação jurídica. O ordenamento jurídico passa a ser adaptado ao processo globalizador. Novas regras são forjadas no contexto das relações entre empresas transnacionais para atender padrões mínimos de qualidade e segurança dos bens e serviços que circulam no mercado mundial . Há o incremento de formas de solução de conflitos tais como a arbitragem. O Estado se torna incapaz de regular a sociedade por meio de institutos jurídicos tradicionais. Diante de novas fontes materiais de direito, é forçado a legislar pontualmente, rompendo a racionalidade sistêmica baseada em normas genéricas, abstratas e impessoais. Sua retração acarreta na ruptura da centralidade e da exclusividade do direito positivo nacional. Há um gradativo processo de desregulamentação, desconstitucionalização e deslegalização, com a articulação de diversos subsistemas privados, capazes de impor suas regras por meio de sua força econômica e do controle dos meios de comunicação de massa. 4. Resultado e Discussão Os cinco paradigmas acima descritos resultam na involução no processo histórico de reconhecimento dos direitos humanos. Apenas os direitos de primeira geração são reconhecidos. Os direitos trabalhistas se esvaziam com a adoção de contratos a termo, subcontratação, trabalho a domicílio, pagamento por produtividade e formação de cooperativas. Abandona-se a noção de hipossuficiência do trabalhador. O direito na globalização tende a ser colonizado pela economia , inclina-se em instrumento de consolidação dos valores de mercado. Assim, difunde-se a idéia de que a legitimidade do sistema jurídico se dá na medida de sua eficácia do ponto de vista econômico. Merece destaque a situação do Direito Penal, que tende a se expandir. O Estado mínimo do neoliberalismo não corresponde a uma mínima intervenção penal, nos moldes do liberalismo clássico. O desemprego estrutural, o desmonte da seguridade social e a deterioração dos salários, aliados à inversão do sistema tributário, que trata de compensar a menor tributação do capital com maior tributação do consumo, são alguns fatores que tornam a globalização uma fonte de exclusão social e de concentração de renda . Não é demais dizer que a globalização se mostra uma grande pilhagem planetária, pela qual alguns grandes grupos econômicos saqueiam as riquezas do planeta, a um custo humano e ambiental enormes. A inflação penal num momento de flexibilização das demais áreas do direito provém da necessidade de se conter os efeitos sociais da globalização. Dentre os vários efeitos nocivos, está a exclusão social. Pode-se observar que no sistema capitalista industrial ainda havia a contraposição entre o explorador e o explorado. A pessoa, mesmo na condição de hipossuficiente, fazia parte do sistema . O processo globalizador ressalta a figura do excluído, um não-cidadão que se situa à margem do processo produtivo, incapaz de ser inserido no mercado de trabalho. Num momento de contração do Estado, o aparato penal é convocado a intervir como instrumento de controle social, contra seres humanos afastados do sistema jurídico em relação aos seus direitos, mas ligados ainda a deveres impostos, sobretudo, o dever de respeito ao direito de propriedade. Orienta-se o ordenamento jurídico de modo a buscar a eficácia preventiva do poder punitivo e a preservação do próprio processo de globalização . Por outro lado, surgiram novas formas de criminalidade, que atuam fora das fronteiras geográficas . Organismos complexos que atuam em diversos ramos como tráfico de drogas, armas, órgãos e pessoas, lavagem de dinheiro, movimentam bilhões de dólares movimentados pelo sistema financeiro sem controle do Estado. Todo um discurso é elaborado utilizando-se os meios de comunicação de massa para justificar a necessidade de mais leis penais e menos garantias para os cidadãos. O resultado é um processo contínuo de elaboração de leis simbólicas, que transmitem uma falsa segurança, sem atuar na origem social dos problemas continua. Recorre-se a expedientes que já são contumazes: aumento de pena, criação de tipos penais abertos, em ofensa ao princípio da legalidade, flexibilização de garantias processuais, com a admissão de provas ilícitas e o afastamento do princípio da não-culpabilidade. Momento crucial para o direito penal são os ataques contra os Estados Unidos da América no dia 11 de setembro de 2001. A partir deste momento, o discurso da globalização se converte em guerra globalizada . Legitimados por uma sensação de insegurança coletiva, a maioria das vezes irreal, inflada pela atuação dos meios de comunicação de massa e por políticos demagogos, os países hegemônicos colocam em operação sua máquina de guerra, sustentada por um complexo econômico-militar privado, cujo objetivo primordial é a obtenção de lucros incalculáveis. A partir da “guerra ao terror”, conflito onipresente e sem local de batalha definido, regras básicas, tradicionalmente reconhecidas pela comunidade internacional são deixadas de lado. Utiliza-se largamente o discurso do Direito Penal do Inimigo, que considera que um determinado grupo de pessoas está fora do sistema social em virtude de seus hábitos criminosos. São consideradas inimigas e por isto não lhes podem ser aplicados os princípios penais básicos. O Direito Penal do Inimigo, um direito de emergência, dá legitimidade ao desrespeito aos direitos humanos. 5. Considerações Finais Portanto, é possível verificar que a globalização hegemônica, por meio de seus estrategistas, busca impor uma nova ordem jurídica no contexto do modo de produção capitalista, por meio da defesa de um Estado mínimo, individualista e punitivo e por meio da transposição das idéias econômicas neoliberais para o Direito. Todo um aparato doutrinário é formulado com objetivo de servir de justificativa para as alterações pretendidas no ordenamento jurídico. A crise financeira iniciada no ano de 2007, nos Estados Unidos da América, pode eventualmente significar um esgotamento das premissas neoliberais que dão suporte às sucessivas alterações sofridas pelo ordenamento jurídico. No decorrer dos cerca de vinte anos de globalização hegemônica, o consumo nos EUA foi sustentado mesmo com queda na renda da população, causada basicamente pelo desemprego estrutural, que por sua vez tem origem no deslocamento da atividade industrial em direção a países que oferecem mão de obra barata. A fórmula encontrada foi a ampliar os mecanismos de crédito, fundados essencialmente na especulação financeira. O processo se manteve por certo tempo até desembocar numa crise econômica que, ao que tudo indica, não tem precedentes na história. A solução até o momento tem sido a estatização massiva de instituições financeiras, aliada a concessão de amplas linhas de crédito por parte dos Estados. Paradoxalmente, busca-se salvar o sistema financeiro internacional e a própria globalização por meio da intervenção do Estado, contrariando os fundamentos do neoliberalismo. Talvez a crise financeira mundial possa acarretar em nova mudança do ordenamento jurídico, semelhante a que ocorreu após a crise de 1929, quando houve a ampliação dos direitos sociais e um papel fundamental do Estado na orientação da economia e na distribuição de riqueza. Ainda é cedo para se afirmar algo, mas, se o direito caminha junto com o modo de produção, a busca por alternativas ao modelo jurídico neoliberal parece inevitável. Referências Bibliográficas FARIA, José Eduardo. Direitos humanos e globalização econômica: notas para uma discussão. Direito, Estado e Sociedade, São Paulo, n. 12, p. 105-116, 1998. FRANCO, Alberto Silva. 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