Qual a diferença entre a ancestralidade genômica, a ancestralidade
do DNA mitocondrial e a ancestralidade do cromossomo Y?
O conhecimento gerado pelos fantásticos avanços do Projeto Genoma Humano propiciou o
desenvolvimento de uma rica tecnologia que está permitindo a reconstrução da história
evolucionária da espécie humana, desde o seu aparecimento há 150.000 anos na África até os
dias de hoje, após as suas incessantes migrações e ocupação progressiva de todos os rincões
do globo. Esta tecnologia é baseada no estudo dos polimorfismos de DNA, ou seja, de
regiões do genoma humano onde há diferenças entre indivíduos normais. Esta é a mesma
metodologia usada em testes de paternidade pelo DNA, que foram introduzidos de forma
pioneira na América Latina pelo o GENE – Núcleo de Genética Médica em 1988. Entretanto,
as análises evolucionárias humanas não visam estabelecer a paternidade ou maternidade, mas
sim fazer uma viagem ao passado genealógico do indivíduo pelo estudo de linhagens
genéticas de seus antepassados. Trata-se de um teste de paternidade (e maternidade) de longo
alcance.
Diferentes tipos de polimorfismo podem ser classificados de acordo com a sua natureza
molecular e a sua localização no genoma humano e dentre eles podemos escolher os mais
adequados para os nossos objetivos específicos. Polimorfismos localizados no DNA
mitocondrial e no cromossomo Y (este último presente apenas em homens) permitem o estudo
de linhagens humanas por causa das características únicas destes dois compartimentos
genômicos, a saber: (1) eles são herdados de apenas um dos genitores: o cromossomo Y é
transmitido através do espermatozóide paterno apenas para filhos homens e o DNA
mitocondrial é transmitido da mãe para filhos e filhas, mas só será transmitido para gerações
posteriores pelas filhas mulheres; (2) ao contrário dos outros cromossomos que existem em
duas cópias, todas as pessoas só têm uma única cópia genética do cromossomo Y e do DNA
mitocondrial; (3) também ao contrário dos outros cromossomos, o cromossomo Y e o DNA
mitocondrial não embaralham seus genes e suas características genéticas são passadas em
bloco para a próxima geração, estabelecendo linhagens que permanecem inalteradas até que
aconteça uma mutação genética, um evento muito raro. Uma boa analogia para um marcador
de linhagem como o cromossomo Y e o DNA mitocondrial é o sobrenome de uma pessoa.
Imaginemos um indivíduo hipotético chamado João Silva Souza. Ele herdou o sobrenome
Silva de sua mãe e o sobrenome Souza de seu pai, e vai passar o sobrenome Souza intacto
(sem embaralhá-lo com o Silva) para seus filhos e filhas. Assim, pode ser estabelecida uma
linhagem que permanece inalterada até sofrer uma mutação, por exemplo, para Sousa. Se os
sobrenomes fossem embaralhados, como a maioria dos genes o são, o João Silva Souza
passaria para seus filhos sobrenomes novos feitos de combinações de pedaços de Silva e
Souza, tais como Silza, Souva, etc.
Por outro lado, os polimorfismos localizados nos outros cromossomos localizados no núcleo
da célula (com exceção do cromossomo Y) são herdados de ambos os pais, embaralham-se e
assim fornecem simultaneamente informações sobre ambos os lados da família.
É importante entender as características básicas dos estudos de ancestralidade genômica,
ancestralidade materna e ancestralidade paterna, porque ocasionalmente os resultados destes
estudos podem parecer conflitantes ou antagônicos. Isto ocorre porque, na verdade, eles
fornecem informações diferentes e complementares. Um bom estudo de genealogia por DNA
deve incluir todos os três tipos. O Laboratório GENE tem a metodologia mais avançada do
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mundo para estimativa de ancestralidade genômica, os Multindels. Um estudo de populações
de todo o mundo, demonstrando o poder de resolução dos Multindels, foi publicado em 2006
no prestigioso periódico inglês Annals of Human Genetics e pode ser obtido no nosso site.
O diagrama abaixo demonstra a diferença da informação entre um marcador genômico, que é
herdado dos dois genitores, e um marcador de linhagem, no caso o DNA mitocondrial, que é
herdado apenas da mãe. O diagrama deixa claro o motivo pelo qual, às vezes, os estudos de
ancestralidade genômica e ancestralidade materna possam parecer em conflito. No diagrama,
o genoma nuclear (ou seja o DNA constituinte dos cromossomos contidos no núcleo das
células) é representado por um copo cheio de líquido. O DNA mitocondrial é representado
por uma pequena gota de um óleo mais denso que a água, que fica no fundo do copo. Como o
óleo não se mistura com a água, a gota mantém sua identidade. Assim, o genoma de uma
mulher nativa brasileira, ameríndia, poderia ser representado assim:
Agora imaginemos que esta mulher case-se com um europeu e tenha uma filha:
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Observe que o genoma nuclear da filha é uma mistura do genoma dos pais (ilustrado pela cor
de rosa, mistura de vermelho e branco), mas o DNA mitocondrial (gota azul) é idêntico à mãe
ou seja 100% ameríndio.
Imaginemos agora que mulheres em gerações sucessivas casem-se sempre com europeus,
como ocorreu muito na formação do povo brasileiro. Por causa da mistura, a ancestralidade
genômica vai tornar-se mais e mais européia (tonalidades de rosa mais e mais claras) mas o
DNA mitocondrial permanecerá ameríndio (gota azul). O resultado será uma ancestralidade
materna ameríndia no contexto de uma ancestralidade genômica predominantemente
européia, sem que haja nenhuma contradição.
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