Ilusões asiáticas e o futuro da política econômica
São muitas horas de vôo na rota de Hong Kong para o Brasil. Tempo suficiente para refletir
sobre o que observei nos últimos dez dias nos países da região. São economias voltadas
para exportação, baseadas em muita poupança, que geram crescimento elevado. São
sociedades com forte controle governamental sobre a vida do cidadão (na Cingapura,
mascar chiclete em público era crime até pouco tempo atrás), inclusive sobre o seu salário
real (poder de compra das famílias), mantido baixo via uma taxa de câmbio subvalorizada.
A princípio, não parece ser um regime que o Brasil poderia (ou deveria) replicar. Mas a
distância da nossa realidade e o desejo por atalhos podem suscitar ilusões asiáticas.
No último trecho da viagem de volta, os jornais brasileiros me saúdam com as novas
revelações da crise política. Era de se imaginar que a crise política consumisse quase a
totalidade das atenções. Mas, surpreendentemente, vários encontram espaço para reacender
o debate sobre a política econômica. Convocados a quebrar o silêncio sobre a corrupção,
alguns intelectuais do PT acham espaço para falar da “arapuca tucana”, referindo-se à
política econômica herdada. Dirigentes do PT, com dificuldades para digerir o ocorrido,
afastar os envolvidos e sobreviver, resolvem atacar a política econômica, apesar desta ser
ironicamente o único fator de sustentação do governo no momento.
E não é só o partido do governo que retoma o debate sobre a política econômica. As novas
pesquisas eleitorais reacendem o que parecia ainda prematuro: se o atual governo pode não
se reeleger, qual deve ser a agenda do futuro governo? Alguns parecem acreditar que devese substituir a política econômica dos últimos anos por uma gestão mais próxima à dos
paises asiáticos, vistos como os grandes beneficiados nesta ordem mundial.
De fato, o crescimento dos países da Ásia tem sido invejável, com taxas de crescimento
desde 4,6%, em países como a Coréia do Sul, para 9,5%, na China. A realidade asiática não
pode ser ignorada. O crescimento acelerado de um gigante populacional como a China, que
demanda insumos e eleva os preços das commodities internacionais, é crucial para países
em desenvolvimento como o Brasil.
Mas os resultados favoráveis não podem obscurecer a análise do sistema que os gerou. Em
primeiro lugar, devemos considerar que nossa poupança nacional ainda é de 22,5% do PIB,
ao invés de 47% na China, por exemplo. Isto dificulta um modelo de crescimento
puramente exportador, ainda mais se há o desejo de redistribuir renda no processo (o que
elevaria o consumo, no curto prazo). Em outras palavras, o nosso padrão de consumo (e o
desejo de redistribuição de renda) não permite, no momento, superávits de conta corrente
da ordem de 6% do PIB, como na China. Talvez nem o superávit de 2% do PIB que
mantemos hoje seja sustentável.
Isto implica que o câmbio depreciado pode não ser uma solução viável. Na ausência de
poupança suficiente, câmbio mais depreciado gera inflação e reduz o salário real (afinal,
como produzir o suficiente para consumir e exportar com os recursos que temos hoje?). O
grau de centralização e controle governamental é essencial para sustentar o modelo
econômico. Os salários são mantidos baixos sem receio de grandes reivindicações.
No longo prazo, o segredo asiático é a ênfase na educação e o redirecionamento das
despesas para o investimento, ao invés de gastos correntes, como é o caso brasileiro, vítima
da rigidez das despesas.
O caso argentino é ilustrativo de uma versão latino-americana do modelo asiático. No
intuito de supostamente replicar o modelo asiático, o governo Kirchner tem mantido juros
reais negativos e câmbio depreciado. Isto tem elevado a inflação, ameaçado o resultado
eleitoral em outubro, o que tem impulsionado as autoridades econômicas para controles
explícitos sobre preços (inclusive tarifas públicas) e a imposição de imposto às exportações
(para baratear os preços domésticos). Tudo isto tem colocado dúvidas sobre a continuidade
da recuperação do PIB (que chegou recentemente ao patamar pré-crise).
Em resumo, não há dúvida que todos desejamos taxas de crescimento asiáticas. Seria fácil
se, para consegui-las, bastasse replicar a superfície das políticas adotadas na Ásia como,
por exemplo, manter um câmbio depreciado. Mais difícil de replicar são políticas cujo
resultado é de longo prazo, como incentivar a poupança, investir na educação e concentrar
os gastos públicos em infra-estrutura. O receio é que optemos pelo atalho, sedentos ainda
por ilusões, pelo menos em termos de política econômica.
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