PROPOSTA DE MODELO DE ANÁLISE DA IMAGEM FOTOGRÁFICA Universidade da Beira Interior, Covilhã • 1. Nível contextual • O primeiro problema que enfrentamos é a constatação de que o investigador projecta sempre sobre a imagem uma carga importante de ideias feitas e de convicções particulares, gostos e preferências. Assumamos, pois, este condicionamento inevitável e tratemos de corrigir, na medida do possível, este factor distorcivo da análise. Por isso, o nosso método propõe a distinção de um primeiro nível, que denominámos por nível contextual, que nos força a recolher a informação necessária sobre a(s) técnica(s) utilizadas(s), o autor, o momento histórico a que se reporta a imagem, o movimento artístico ou escola fotográfica a que pertence, assim como a pesquisa de outros estudos críticos sobre a obra em que se integra a fotografia que pretendemos analisar. A realização deste primeiro nível de análise visa de melhorar a competência de leitura. PROPOSTA DE MODELO DE ANÁLISE DA IMAGEM FOTOGRÁFICA Universidade da Beira Interior, Covilhã • 1. Nível contextual • O primeiro problema que enfrentamos é a constatação de que o investigador projecta sempre sobre a imagem uma carga importante de ideias feitas e de convicções particulares, gostos e preferências. Assumamos, pois, este condicionamento inevitável e tratemos de corrigir, na medida do possível, este factor distorcivo da análise. Por isso, o nosso método propõe a distinção de um primeiro nível, que denominámos por nível contextual, que nos força a recolher a informação necessária sobre a(s) técnica(s) utilizadas(s), o autor, o momento histórico a que se reporta a imagem, o movimento artístico ou escola fotográfica a que pertence, assim como a pesquisa de outros estudos críticos sobre a obra em que se integra a fotografia que pretendemos analisar. A realização deste primeiro nível de análise visa de melhorar a competência de leitura. • DADOS GERAIS • O método que desenvolvemos, está concebido especialmente para a análise de fotografias dotadas da maior complexidade textual possível, pelo que, geralmente, tratamos “fotografias de autor”, de grande qualidade técnica e artística, cujos dados costumam estar à disposição do leitor nos próprios catálogos onde elas foram publicadas ou, como acontece mais frequentemente, na Internet. Na realidade, estas informações concretas não são estritamente imprescindíveis, já que se pode concretizar uma análise desconhecendo a autoria, o título ou o ano da fotografia, ainda que esta não seja a circunstância mais favorável para a levar a cabo. • DADOS GERAIS • • • • • Titulo Autor / Nacionalidade / Ano Origem da Imagem Género / Género 2 / Género 3 Movimento • TÍTULO • O título da fotografia ou “legenda” é fundamental porque costuma fixar ou “ancorar” o sentido da fotografia a partir da perspectiva da entidade do autor empírico. Em certas ocasiões, não acrescenta grande coisa à análise da fotografia. Noutros casos, pelo contrário, a legenda é um elemento fundamental para esclarecer o sentido da imagem , embora parcialmente, já que se trata de uma informação que faz parte do objecto de análise. Frequentemente, as fotografias de Duane Michals , para apresentar um exemplo ilustrativo, estão acompanhadas de legendas que constituem uma profusa reflexão sobre o sentido da imagem a partir da dimensão do autor. Em qualquer dos casos, devemos estar prevenidos perante reflexões realizadas pelo autor empírico da fotografia, já que quase sempre a análise textual permite chegar muito mais além em profundidade significante que aquilo que o autor possa dizer sobre a sua própria obra. Não devemos esquecer que a produção e a recepção são processos de natureza radicalmente distinta. • AUTOR, NACIONALIDADE, ANO • Estas informações são importantes porque fixam a autoria da imagem, a nacionalidade do fotógrafo e o ano de produção da fotografia o que nos permitirá situá-la geográfica e historicamente. Por vezes, esta informação pode ser suficiente para relacionar a fotografia com o conjunto da obra do autor, se este é conhecido, ou com outras produções plásticas e audiovisuais do período e do país em que tem cabimento contextualizar a imagem que nos dispomos a analisar. O conhecimento prévio do autor e da sua obra é importante para possibilitar o reconhecimento de traços de estilo ou “estilemas” característicos. Apesar deste facto, é muito frequente não dispor deste tipo de informações. Estamos rodeados por milhares de imagens sobre as quais ignoramos a autoria ou a época em que foram realizadas, o que não deve ser um obstáculo para a sua análise. • ORIGEM DA IMAGEM • É igualmente conveniente explicitar a procedência da imagem, de um livro, catálogo ou documento electrónico de onde a obtivemos. Não é a mesma coisa analisar uma fotografia reproduzida num catálogo, cuja qualidade pode ser melhor ou pior que o original fotográfico, com as suas dimensões e qualidades plenas. • GÉNERO • Outro aspecto importante é a classificação genérica da fotografia, um aspecto muitas vezes difícil porque uma mesma fotografia pode apresentar vários atributos genéricos ao mesmo tempo. Como vimos, o conceito de género não estará isento de polémica, ainda que a utilização deste tipo de categorias seja muito habitual na linguagem quotidiana do crítico e sirva de orientação ao espectador que não renuncia ao uso destas denominações: retrato, nu, fotografia de imprensa, fotografia social, fotografia de guerra, fotoreportagem, fotografia de paisagem, natureza morta, fotografia de arquitectura, fotografia artística, fotografia de moda, fotografia industrial, fotografia publicitária, etc. Muitas fotografias participam simultaneamente de várias categorias genéricas, sobretudo quando algumas (como a fotografia “artística”, “social” ou “publicitária”) são extremamente ambíguas: por isso, prevemos a distinção de 3 categorias de forma a poder colocar uma mesma imagem em várias secções genéricas simultaneamente, quando tal for o caso. • MOVIMENTO • Nalguns casos, é possível inclusivamente situar o autor da fotografia numa determinada corrente ou movimento artístico, escola fotográfica, etc., cujo conhecimento pode ser de grande utilidade para a análise textual da fotografia. Por vezes, a corrente, movimento ou escola artística apresenta um programa estético cujo domínio será muito útil. • PARÂMETROS TÉCNICOS • • • • • • P/B ou Cor Formato Câmara Suporte Objectivas Outras Informações • P/B OU COR • A fotografia a analisar pode ser a preto e branco ou a cores ou ainda ter sido colorida a posteriori. No preto e branco, podem empregar-se técnicas de virado da imagem, realizadas de forma química ou digital. Por vezes, de acordo com o tipo de película ou de revelador, o preto e branco pode apresentar uma dominante fria (azulada) ou quente (amarelada). No caso da fotografia a cores, as qualidades de cor (tipo de dominante, saturação, etc.) podem variar segundo a película ou a técnica de revelação. Noutros casos, podemos encontrar-nos perante uma fotografia que pode ser simultaneamente a preto e branco e a cores , se tiver sido colorido algum elemento ou parte da imagem. Em todos os casos, a técnica empregada – fotoquímica ou digital – não altera substancialmente o trabalho analítico da imagem. Tratar-se-ia, portanto, de acrescentar a a informação pertinente quando esta esteja disponível. • FORMATO • Outro aspecto igualmente importante é o tamanho e a dimensão da cópia positiva ou da imagem que analisamos. Por vezes, esta informação está patente na própria legenda da imagem. É obvio que as condições de recepção de uma fotografia se alteram de forma substancial quando as imagens são de grandes dimensões (como sucede com muitas fotografias de Witkin ou de Chris Killip) ou apresentam dimensões muito reduzidas (como ocorre com as sequências de fotografias de Duane Michals, por exemplo). Este aspecto apresenta importantes consequências na análise, quando se estuda a relação da imagem com o espectador. • Por outro lado, o formato é uma noção técnica que nos permite descrever, de forma objectiva, o tipo de proporção ou “ratio” que apresentam os lados da imagem. Em cinema consideram-se formatos como o 1.33:1 (formato de televisão convencional 4:3), o 1.85:1 (formato de TV panorâmico 16:9), o 2.33:1, etc. Em fotografia, concebem-se formatos como o universal (negativo de 24x36mm), o formato médio (pode ser quadrado, 6x6 ou ligeiramente rectangular 6x4.5cm, 6x7cm) e o grande formato (9x12cm, 13x18cm, 20x25cm). Com os suportes digitais, difundiram-se todo o tipo de formatos de imagem, cuja utilização é muito variada assim como no campo da concepção das páginas Web. • CÂMARA • O tipo de câmara utilizada é outro aspecto igualmente relevante. Na produção de fotografias de paisagem, trabalhar com uma câmara de formato universal (Pete Turner, Ernst Haas) não é o mesmo que utilizar uma câmara de grande formato (Ansel Adams), o que nos possibilita perceber o tipo de relação que se estabelece entre o fotógrafo e objecto fotografado. Da mesma maneira, no âmbito do retrato há consequências notáveis decorrentes da utilização de uma câmara de 35 mm ou de formato universal (Robert Frank, Dorothea Lange, Robert Doisneau) ou de uma câmara técnica de grande formato (Arnold Newman, Nicholas Nixon). Neste último caso, o sujeito fotografado está condicionado, de forma muito notável, pela presença do dispositivo técnico. A temporalidade da fotografia encontra-se substancialmente alterada se se utilizou um ou outro tipo de câmara, já que não é o mesmo a captação do instante fotográfico (que capta um gesto ou uma expressão concreta , tão importante no campo do fotojornalismo) ou a busca de uma atemporalidade do que está retratado (que procura captar as qualidades subjectivas ou “essenciais” do sujeito fotografado). • SUPORTE • Em certas ocasiões, pode-se dispor de informação sobre o tipo de formato fotográfico empregado como o universal ou de 35 mm, formato médio, grande formato, fotografia digital – este aspecto por vezes pode apresentar muitas matizes -, inclusivamente informação sobre a marca e tipo de película utilizada, o formato de compressão empregado, etc. Estas informações possibilitam-nos compreender como se conseguiu obter determinados efeitos visuais e, sobretudo, as condições de produção da fotografia. • OBJECTIVAS • Esta informação quando está disponível, permite-nos conhecer se foi utilizada uma teleobjectiva, uma grande angular, uma objectiva normal, uma objectiva olho de peixe, etc.. A selecção da objectiva produz importantes consequências na construção do ponto de vista físico da fotografia. Apesar desta informação não se encontrar frequentemente disponível, não é difícil deduzir o tipo de óptica empregada. A eleição da objectiva fotográfica determina o modo como o sujeito ou o objecto fotografado foi retratado e, por isso mesmo, fala-nos do tipo de relação que se estabeleceu entre o fotógrafo e o sujeito ou objecto fotografado. • OUTRAS INFORMAÇÕES • Nesta secção, podemos incluir alguns dados disponíveis (quando tal seja possível) como a iluminação, a técnica de revelação ou de pós-produção. Não significa o mesmo empregar iluminação natural ou artificial, de flash ou contínua já que estas opções produzem importantes consequências na produção fotográfica. Por vezes, podemos encontrar virados, solarizações, posterizações , imagens negativas, utilização de filtros fotográficos (ópticos ou digitais). Em todo o caso, reportamo-nos a informações que vêm referidas, de forma explícita, nos próprios catálogos ou nas fontes de onde foi obtida a fotografia que estudamos. • DADOS BIOGRÁFICOS E CRÍTICOS • Factos Biográficos Relevantes • Comentários críticos sobre o autor • FACTOS BIOGRÁFICOS RELEVANTES COMENTÁRIOS CRÍTICOS SOBRE O AUTOR • Por fim, também é necessário na análise da imagem fotográfica dispor de informação sobre a biografia do fotógrafo e, inclusivamente, de comentários críticos realizados por especialistas sobre a obra fotográfica que estudamos. Deste modo, incorporamos na análise a informação sobre as condições de produção e de exibição da fotografia que podem ajudar-nos a compreender melhor a imagem que estudamos. Apesar disso, como temos assinalado, estas informações têm um carácter meramente orientativo, já que na análise da imagem é conveniente distinguir com claridade entre o autor “empírico” e a estância “enunciativa” da imagem. O autor empírico é uma entidade alheia à materialidade do texto audiovisual analisado, cuja intencionalidade escapa ao nosso saber, enquanto a enunciação refere-se aos indícios textuais que se podem encontrar na própria imagem. Neste sentido, devemos “estar alerta” ante a falácia da noção tradicional de “autor” como absoluto depositário do sentido dos seus textos. • 2. Nível morfológico • Descrição do Motivo Fotográfico • Elementos morfológicos • • • • • • • • • • • Ponto Linha Plano(s)-Espaço Escala Forma Textura Nitidez da imagem Iluminaçao Contraste Tonalidade / P/B-Cor Outros • NÍVEL MORFOLÓGICO • O segundo nível de análise que contemplamos, incide no estudo do nível morfológico da imagem. Neste ponto, seguimos as propostas enunciadas por vários autores, bastante heterogéneas entre si, já que falamos de conceitos de certa complexidade, ainda que pareçam simples. Como veremos, algumas noções como as de ponto, linha, plano, espaço, escala, cor, etc., não são puramente “materiais” e, frequentemente, participam simultaneamente de uma condição morfológica, dinâmica, escalar e compositiva. Este primeiro nível de análise põe sobre a mesa a natureza subjectiva do trabalho analítico relativamente ao qual, apesar de pretendermos adoptar uma perspectiva descritiva, começam a aflorar considerações de carácter valorativo. Devemos assumir, neste sentido, que toda a análise encerra uma operação projectiva, sobretudo no caso da análise da imagem fixa isolada, e que se torna muito difícil de empreender uma pesquisa dos mecanismos de produção do sentido dos elementos simples ou singulares que integram a imagem, sem ter uma ideia geral, em termos de hipótese, àcerca da interpretação geral do texto fotográfico. Baseando-nos nas teorias ‘gestaltianas’ da imagem, convém lembrar que em todo o acto de percepção entra em jogo uma série de leis perceptivas de carácter inato, como a “lei da figura-fundo”, a “lei da forma completa” ou a “lei da boa forma”, que apontam nesta mesma direcção. • NÍVEL MORFOLÓGICO • Definitivamente, a compreensão do texto icónico tem uma natureza holista, na qual o sentido das partes das imagens ou dos seus elementos simples se encontra determinado por uma certa ideia de totalidade. Também convém advertir que, no campo da imagem, estes elementos simples a que nos referimos não são unidades simples sem significado. Neste sentido, cabe sublinhar que um dos principais problemas que surgem na análise da imagem é a ausência de uma dupla articulação de níveis, ao contrário do que se verifica nas linguagens naturais, como explicaram Benveniste e Martinet, com um conjunto finito de unidades mínimas sem significação - os fonemas -, que permite articular um segundo nível de linguagem formado por unidades mínimas com significação – os morfemas -, cujo número de combinações é muito elevado. No caso das linguagens icónicas, é impossível estabelecer a existência de níveis equivalentes, algo que nos permitiria falar de forma rigorosa de um nível morfológico, de um “alfabeto visual” estricto sensu, sobre o qual se construiria um nível sintáctico e outro semântico-pragmático. No caso dos textos audiovisuais, é mais patente ainda que noutras linguagens, a necessidade de reconhecer a ausência de uma fronteira entre a forma e o conteúdo que, na realidade, funcionam como um continuum, impossibilitando delimitar onde termina um e começa o outro. • PONTO • Tal como destacaram estudiosos como Dondis, Kandinsky ou Villafañe, o ponto é o elemento visual mais simples, já que, do ponto de vista da composição da imagem, uma fotografia é formada por grão fotográfico, mais ou menos visível, no caso da fotografia fotoquímica, ou por ‘pixels’ (picture elements) no da fotografia digital. Convém destacar que, enquanto o grão fotoquímico possui volume, distribui-se irregularmente sobre a superfície da película e tem uma forma irregular, o pixel é ortogonal ou quadrado (segundo os tipos), carece de volume e distribui-se de forma geométrica sobre a superfície do CCD ou do ecrã do computador. Os sistemas de reprodução fotomecânica, actualmente digitais, baseiam-se na utilização do ponto como material gráfico primário. A visibilidade do grão fotográfico compromete, frequentemente, o grau de figuração ou de maior abstracção de uma fotografia, até ao ponto de produzir importantes consequências no momento em que o espectador avalia uma imagem como mais “centrípeta” ou “centrífuga”. Uma maior presença de grão fotográfico pode ser um elemento que provoca um distanciamento do espectador, permitindo sublinhar o grau de construção artificial da própria representação fotográfica. Nalguns casos, a visibilidade do grão permite à fotografia a representação de uma textura pictórica. Noutras ocasiões, a não manifestação do grão da imagem pode relacionar-se com uma maior verosimilhança da representação fotográfica, quando se persegue um efeito de realidade na construção da imagem. • PONTO • O ponto como conceito morfológico também pode estar relacionado, para lá da sua natureza plástica, com a construção compositiva da imagem, como assinala o professor Justo Villafañe (1988, 1995). Assim se fala da existência de centros de interesse numa fotografia ou de focos de atenção, que podem coincidir ou não com os pontos de fuga quando se trata de uma composição em perspectiva, ou da existência de um centro geométrico da imagem. Neste último caso, dependendo da posição do ponto no espaço da representação, a composição pode ter um maior ou menor dinamismo. De forma geral, aceita-se que, quando o ponto coincide com o centro geométrico da imagem, deparamo-nos perante uma composição estática. Se o ponto coincide com os eixos diagonais da imagem (geralmente quadrada ou rectangular) encontraremos uma composição na qual o ponto contribui para incrementar a força tensional. Noutras ocasiões, o ponto não coincide nem com o centro geométrico da imagem nem com o eixos diagonais, de forma que a sua presença pode revelarse perturbadora e simplesmente contribuir para dinamizar a imagem. Finalmente, a existência de dois ou mais pontos pode facilitar a criação de vectores de direcção de leitura da imagem, o que multiplica a força dinâmica e tensional da composição. Como podemos constatar, apesar de o ponto ser um elemento morfológico, trata-se de um conceito de grande importância na composição da imagem. • LINHA • Morfologicamente, a linha é definida como uma sucessão de pontos que, pela sua natureza, transmite energia, é geradora de movimento. Entre as funções plásticas que ela pode desempenhar, assinalamos as seguintes, a partir da exposição do professor Justo Villafañe (1987, 1995): - A linha constitui um elemento formal que permite separar os diferentes planos, formas e objectos presentes numa determinada composição (recordemos que a linha de contorno é o elemento que possibilita distinguir uma figura de um fundo perceptivo – lei da figura-fundo – como assinala a teoria da gestalt). - A linha é um elemento chave para dotar de volume os sujeitos ou os objectos dispostos no espaço bidimensional da representação visual. - Quando a linha coincide com os eixos diagonais, a sua capacidade dinamizadora é mais evidente. Por outro lado, as linhas horizontais, verticais ou oblíquas podem dotar a imagem de peculiares significações, conotando-a respectivamente de materialismo, espiritualidade ou de dinamismo. As linhas curvas numa composição costumam transmitir movimento e dinamismo relativamente à linha recta. Finalmente, convém salientar, como afirma Villafañe, que “a linha é um elemento plástico com força suficiente para veicular as características estruturais (forma, proporção, etc.) de qualquer objecto” (Villafañe, 1987, p 106). • PLANO(S) -ESPAÇO • De um ponto de vista morfológico, e como assinala Justo Villafañe, o “plano” pode ser entendido como “elemento bidimensional limitado por linhas e outros planos” e é um recurso idóneo “para limitar e fragmentar o espaço plástico da imagem” (Villafañe, 1987, p. 108). Quando falamos da existência de planos numa fotografia, estamo-nos a referir à presença de vários planos, dimensões ou limites numa imagem, de tal forma que lhe determinam a existência de uma profundidade espacial, pelo que a natureza do plano é profundamente espacial. Rudolfo Arnheim afirma que os elementos que estão agrupados pela sua semelhança numa composição tendem a ser reconhecidos como similares, pelo que costumam encontrar-se no mesmo no mesmo plano (Arnheim, 1979, p.56). Graças à interacção entre o plano e a profundidade é possível construir a terceira dimensão (a profundidade) numa composição visual que, por definição, é sempre plana. A percepção de planos numa imagem é dada por dois elementos: a sobreposição das figuras do enquadramento, o que permite distinguir entre objectos e sujeitos situados mais próximo ou mais longe do ponto de observação; e pelo aspecto projectivo, quer dizer, pela sua disposição a partir de um determinado ângulo, aquele que é definido pela perspectiva. Neste sentido, não devemos esquecer que qualquer composição define um lugar a partir do qual a representação (seja esta pictórica, arquitectónica ou fotográfica) se mostra. A construção da espacialidade (entendida como tridimensionalidade) está relacionada directamente com o fenómeno ‘gestaltiano’ de figura-fundo. • PLANO(S) -ESPAÇO • No espaço da representação, entre os diversos planos que podem aparecer numa imagem, às vezes podemos encontrar a presença de “molduras” e “janelas”, elementos muito relacionados com o fenómeno da figura-fundo e cujo aparecimento se registou no campo da pintura do Renascimento. A moldura cumpriu um papel fundamental para possibilitar uma demarcação do quadro do contexto arquitectónico que o rodeava (pensemos nos retábulos e nas pinturas das igrejas): a moldura assinalava os limites da representação, como hoje também o fazem as molduras das fotografias nas exposições fotográficas nas galerias e museus. Falámos do(s) plano(s) como modo de fragmentação do espaço. Nestes planos, estão os restantes elementos morfológicos com os quais se interrelacionam, até um ponto em que se torna difícil dissociá-los de outros elementos (ponto, linha, textura, etc.) com os quais se configura um continuum (Arheim, 1979). A natureza estrutural do espaço conduz-nos a que seja tratado no nível seguinte de análise, o nível compositivo no qual cabe desenvolver as significações associadas ao seu tratamento representacional. A relação figura-fundo, combinada com a bidimensionalidade da imagem, que se vê afectada pela perspectiva para gerar profundidade, pode, em certas ocasiões, provocar efeitos de trompe l’oeil como sucede nas fotografias de Duane Michals, por exemplo. • ESCALA • Na análise do nível morfológico considerámos conveniente incluir a escala como um parâmetro a ter em conta já que se trata de um elemento de natureza quantitativa que pode ser observado empiricamente (objectivamente). Recordemos que o nível morfológico desta proposta de análise detém-se no exame dos elementos que estariam na categoria do que tradicionalmente se denominou de “denotativo”. Alguns autores como Villafañe (1987, 1985) sublinham que a escala, juntamente com a dimensão, o formato e a proporção, configura o nível escalar da imagem. Sem menosprezar esta consideração, cremos que, por razões operativas da análise, é muito mais apropriado situá-la nesta categoria, pela sua natureza objectivável e facilidade para determinar a técnica empregada na construção da imagem. Por outro lado, trata-se de um elemento estrutural bastante simples sobre o qual se desenvolve o trabalho sobre a forma, a iluminação, o contraste e a cor da imagem, entre outros. De novo, deparamo-nos perante um conceito que tem uma natureza morfológica e de composição, para lá da de escala. • ESCALA • A escala refere-se ao tamanho da figura na imagem, sendo a dimensão do corpo humano no enquadramento o princípio organizador das diferentes opções que podemos considerar. Deste modo, é possível distinguir grande plano, plano médio, plano americano, plano inteiro, plano geral, plano de detalhe, plano de conjunto, etc.. Trata-se de uma terminologia geralmente utilizada no campo da análise e da produção cinematográfica e televisiva, embora a sua utilização no contexto da análise fotográfica seja perfeitamente aplicável. A utilização de cada um destes tipos de tamanho do sujeito fotografado produz uma determinada significação, dependendo do contexto visual. Geralmente, quanto mais próximo está o objecto ou o sujeito fotografado daquele que o observa, maior é o grau de aproximação emotiva ou intelectual do espectador perante o motivo da imagem, de tal modo que uma escala reduzida (um muito grande plano ou um grande plano) costuma favorecer a identificação do leitor; pelo contrário, quanto mais geral é a escala do motivo fotográfico, maior costuma ser o seu distanciamento. Novamente podemos reconhecer que, apesar de nos encontrarmos no âmbito de um suposto domínio objectivo (porque quantitativo) do nível morfológico da análise, não é possível dissociá-lo do universo de significações, cuja natureza é, em grande medida, projectiva e, portanto, bastante subjectiva. • FORMA • Arnheim assinala que o processo perceptivo inicia-se com a “apreensão dos traços estruturais salientes“ (1979, p. 60). Precisamente, a forma constitui o aspecto visual e sensível de um objecto ou da sua representação. O professor Villafañe afirma que a “forma” se refere “ao conjunto de características que se modificam quando o objecto visual muda de posição, orientação ou, simplesmente, de contexto”. Este estudioso distingue entre “forma” e “estrutura” ou “forma estrutural”, esta última definida como “as características imutáveis e permanentes dos objectos, sobre as quais repousa a sua identidade visual” (Villafañe, 1987, p. 126). É esta última definição que nos interessa especialmente: a que proclama o valor estrutural da forma como factor responsável da identidade visual dos objectos que podemos encontrar ou reconhecer no espaço da representação. • FORMA • Cabe destacar que, como nos ensinou a psicologia da percepção gestaltiana, o mecanismo da visão não opera, de forma nenhuma, a partir do particular para o geral, mas ao contrário: é o sujeito de percepção que projecta sobre a representação o reconhecimento das suas formas dominantes. A lei da experiência ou lei da forma completa formuladas pela Gestalt (que significa precisamente, “forma” ou “estrutura” com esse duplo e ambivalente valor semântico) sublinham a existência deste fenómeno. Deste modo, tendemos a reconhecer com maior facilidade (o que constitui um acto de projecção, activo, do observador) as formas geométricas simples: o círculo, o quadrado ou o triângulo poderiam ser considerados como as formas mais elementares. Deste modo, o receptor tenderia a organizar estruturalmente a composição interna do enquadramento através do reconhecimento destas formas simples. Por vezes, um motivo ou objecto fotográfico pode remeter para uma forma de ponto pelo seu carácter circular ou redondo. Na determinação das formas presentes numa composição desempenham um papel decisivo o contraste tonal (mediante o jogo de gamas tonais de cinzento), a cor e a linha (em especial a linha de contorno que permite a discriminação de figuras sobre o fundo perceptivo). Outros recursos empregados para a distinção de formas na imagem seriam a projecção (a perspectiva) e a sobreposição, duas modalidades de esboço nas palavras de Arnheim. • FORMA • Quando o enquadramento apresenta uma grande complexidade de formas, afastadas das geometrias elementares, tende-se a perceber a imagem como carente de organização interna, até ao ponto de poder ser interpretada como mero “ruído informativo” ou pura entropia, sem qualquer ordem. Em certos casos, a utilização de formas complexas, inclusivamente aberrantes, pode apresentar efeitos discursivos de interesse na sua significação. Em definitivo, e como afirma Gombrich, “quanto maior importância biológica tenha para nós um objecto, mais sintonizados estaremos para reconhecê-lo, e mais tolerantes serão os nossos critérios de correspondência formal” , uma maneira de sublinhar a relevância do espectador no reconhecimento de formas e de estruturas, para lá da sua suposta existência objectiva no espaço representado. • TEXTURA • A textura é um elemento que possui, simultaneamente, qualidades ópticas e tácteis. Este último aspecto é o mais saliente, já que a textura é um elemento visual que sensibiliza e caracteriza materialmente as superfícies dos objectos ou dos sujeitos fotografados. Por vezes, o grão de uma imagem fotográfica pode ser simultaneamente forma, textura e cor, como sucede com o tipo de pincelada empregada no campo da pintura. Com as técnicas de tratamento digital podem imitar-se as texturas da imagem pictórica, com a utilização dos numerosos filtros que oferece o programa Photoshop da Adobe, um dos mais difundidos do mercado. Muitas vezes, a utilização de filtros digitais constitui um recurso que permite disfarçar a escassa qualidade da fotografia ou simplesmente possibilita construir imagens singulares que apresentam impacto ou chocam o espectador (técnicas que, com os procedimentos fotoquímicos de laboratório, seriam quase impossíveis de concretizar, pela sua extraordinária dificuldade). • TEXTURA • Na fotografia fotoquímica, a textura é determinada sobretudo pelo tipo de emulsão fotográfica empregada. Quanto menos sensível (mais lenta) é a película, menos visível será o grão fotográfico e a resolução da imagem será muito maior. Pelo contrário, quanto mais sensível (mais rápida) for a emulsão fotográfica, menor será a resolução da imagem e mais visível será o grão fotográfico. A visibilidade do grão pode ser determinada pelo tipo de revelador utilizado no processo de obtenção da imagem, ou pela utilização de técnicas digitais de revelação, positivação ou de tratamento digital. A maior visibilidade do grão pode ser um factor que compromete a nitidez da imagem, até um ponto em que a imagem careça de profundidade espacial e pareça absolutamente plana. Finalmente, cabe destacar que a textura é um elemento chave para a construção de superfícies e de planos (Villafañe, 1987, p. 110). Arnheim afirma que se trata de um elemento ao serviço da criação de profundidade na imagem, da qual depende a sua tridimensionalidade e onde a iluminação joga um papel essencial, como veremos. • NITIDEZ DA IMAGEM • Embora este parâmetro não possa ser considerado como um elemento morfológico da imagem, consideramos necessário relacioná-lo com conceitos deste nível. Sem dúvida, a nitidez ou opacidade de uma imagem é um recurso expressivo dotado de uma dimensão objectiva que, por vezes, pode abarcar uma variedade notável de significações, especialmente quando se combina com a utilização de outros recursos. Talvez devesse ser relacionado com a “aspectualização” ou articulação do ponto de vista, com o qual mantém uma estreita relação. Porém, na medida em que se trata de um elemento quantificável em termos objectivos, cremos que merece ser tratado de uma forma diferenciada nesta fase da análise fotográfica. Vimos como a nitidez da imagem está estreitamente vinculada ao trabalho sobre o grão (ou o pixel) fotográfico, quer dizer, ao conceito de textura. • NITIDEZ DA IMAGEM • O controlo da focagem é uma técnica que permite destacar uma figura sobre o fundo da imagem. Por outro lado, a falta de nitidez da imagem pode produzir consequências notáveis na transmissão de uma determinada ideia de dinamismo ou de temporalidade da fotografia. A ausência de nitidez de uma imagem pode dever-se à utilização de filtros que lhe proporcionam um ‘flou’, um borrão, que põe em cheque a verosimilhança da representação, inclusivamente dotando-a de um certo onirismo. Noutros casos, uma falta de nitidez pode dotar a fotografia de um tratamento pictorialista, muito frequente nos fotógrafos dos primeiros tempos da história da fotografia (Julia Margaret Cameron, Oscar Gustav Rejlander, Henry Peach Robinson, Gustave Le Gray, etc.) que com ele pretendiam atribuir à fotografia um estatuto artístico. Definitivamente, a nitidez da imagem pode ser um item a tratar no âmbito deste nível de análise fotográfica, apesar de muitas vezes não merecer um comentário extenso. • ILUMINAÇAO • A luz é talvez o elemento morfológico mais importante a salientar no estudo da imagem. É a matéria com a qual ela se constrói. Não é em vão que a fotografia é, como nos indica a etimologia do termo, uma “escrita da luz”. Rudolf Arnheim considera este elemento como condição de possibilidade da própria imagem, já que é geradora de espaço, e também de tempo, acrescentaríamos nós, porque, de outra forma, como se poderia interpretar a temporalidade latente de uma fotografia? (Arnheim, 1979, p. 335). A percepção das formas, texturas ou cores só pode fazer-se graças à existência da luz. Porém, a utilização da luz também pode ter uma infinidade de usos e de significações de grande transcendência, com um valor expressivo, simbólico, metafórico, etc.. No campo da fotografia, vamos empregar o termo “iluminação” para nos referirmos à utilização da luz na construção da imagem fotográfica. Se atendermos à qualidade da luz, podemos distinguir entre iluminação natural e iluminação artificial (através do uso de flashes ou de iluminação contínua); iluminação dura (forte contraste de luzes, com presença de tons brancos e negros intensos) ou iluminação suave (iluminação difusa, com uma pobre graduação tonal); iluminação de alta intensidade (predomínio de luzes intensas), iluminação de baixa intensidade (predomínio das sombras) ou o que poderia denominar-se de “iluminação clássica ou normativa”. • ILUMINAÇAO • Em fotografia, a iluminação natural costuma ser complementada com a utilização de reflectores e outros elementos que permitem melhorar a visibilidade do objecto ou sujeito fotográfico. Dependendo da natureza da fotografia a realizar, segundo o contexto e o género fotográfico, é menos frequente o uso de iluminação artificial como sucede na fotografia de reportagem social (vejam-se as fotografias da Farm Security Administration ou a série Americans de Robert Frank) ou o fotojornalismo, em que o uso do flash pode quebrar a espontaneidade ou a instantaneidade que se deseja conseguir (embora existam numerosas excepções, como no caso de Weegee). Segundo a direcção da luz, podemos falar de iluminação zenital, iluminação a partir de cima, iluminação lateral, iluminação a partir de baixo, iluminação nadir (oposta à zenital), contraluz, iluminação equilibrada ou clássica, etc.. A iluminação também é um elemento fundamental para definir estilos fotográficos como o expressionismo, o realismo, o pictorialismo, etc.. Em resumo: a iluminação, ou a luz, de uma forma genérica, é fundamental para definir a morfologia do texto visual. • CONTRASTE • Na realidade, este item, não pode ser dissociado do anterior, relativo ao estudo da luz e da iluminação ou do seguinte, centrado nos conceitos de tonalidade e cor, com os quais está relacionado muito estreitamente. Se o distinguimos é porque se trata de um elemento que frequentemente merece ser tratado explicitamente na análise do nível morfológico. O contraste do sujeito ou motivo fotográfico corresponde à diferença de níveis de iluminação reflectida (luminância) entre as sombras e as luzes altas. Trata-se de um conceito que pode ser aplicado indistintamente à fotografia a preto e branco ou à fotografia a cores, seja esta analógica ou digital. A gama tonal de cinzentos que aparece numa imagem pode ser mais ou menos rica. Uma gama tonal de cinzentos ampla é uma opção discursiva que nos aproxima ao realismo da representação, e está relacionada com a utilização de emulsões fotográficas de sensibilidade média ou baixa. Pelo contrário, um forte contraste da imagem pode expressar a ideia de conflito, um determinado estado interior do sujeito fotografado ou uma série de qualidades sobre o espaço e o tempo fotográficos. • CONTRASTE • Por outro lado, seguindo a terminologia proposta por Ansel Adams a propósito do seu sistema de zonas , a gama de tons cinzentos reproduzida pode estar na parte baixa da escala, com um predomínio das sombras (zonas 0 a VI) o que corresponderia a uma iluminação de baixa intensidade , ou na parte alta da escala (zonas IV a IX), a uma iluminação de intensidade alta , com as suas significações concretas, dependendo dos casos. Por outro lado, o contraste, como veremos a seguir, também pode aplicar-se à cor. Deste modo, diz-se que as cores complementares apresentam um contraste maior, nas combinações azul-amarelo, vermelho – cião e verde - magenta. O contaste na cor também pode proporcionar um amplo leque de significações e ser útil para determinar o estilo fotográfico da imagem que analisamos, como sucede com muitas fotografias de Pete Turner e a sua afinidade estética com a pop-art enquanto movimento artístico. • TONALIDADE/ P/B – COR • A cor é um elemento morfológico que possui uma natureza muito difícil de definir, como salienta Villafañe (1987, 111). Por um lado, pode falar-se da natureza objectiva da cor, o que nos possibilita distinguir três parâmetros: - o tom/ tonalidade ou matiz da cor: permite distinguir as cores entre si, já que cada cor corresponde a um determinado comprimento de onda; - a saturação: relaciona-se com a sensação de maior ou menor intensidade de cor, o seu grau de pureza. A saturação de uma cor é determinada por essa cor; - o brilho da cor: refere-se à quantidade de branco que tem uma cor, à sua luminosidade, um parâmetro que na realidade não é de natureza cromática, mas de luminância. As cores mais brilhantes seriam, por ordem, o amarelo, o cião, o magenta, o verde, o vermelho e o azul (esta é a ordem do sinal de barras de uma câmara profissional de vídeo, segundo a adopção de standards aceites internacionalmente). Se o brilho ou a luminosidade é excessivo, as cores ficam demasiado embranquecidas até ao ponto de quase ficarem imperceptíveis. Se, pelo contrário, o brilho é baixo, é patente a perda de cor até quase se desvanecer completamente. Estes aspectos são facilmente corrigíveis com a utilização de dispositivos de correcção de base de tempos (TBC) em Vídeo ou de programas de tratamento fotográfico como o já citado Adobe Photoshop. • TONALIDADE/ P/B – COR • Por outro lado, cabe recordar que as fontes de luz na produção de qualquer fotografia, desde a iluminação natural (com situações que vão de um céu nublado a um dia solarengo ou à luz peculiar do entardecer), à luz de flash, de tungsténio ou à luz de umas velas, possuem propriedades cromáticas relacionadas com a temperatura de cor. Quanto mais baixa é a temperatura de cor da fonte de luz, mais amarela será a fotografia obtida (o que sucede com a luz de uma vela, a luz de tungsténio, a luz de quartzo). Pelo contrário, quanto mais alta for esta temperatura da fonte de luz, mais azulada será a dominante cromática da imagem (a luz de um dia solarengo carece de uma dominante cromática, mas um céu nublado pode provocar a emergência de uma forte dominante azulada). • TONALIDADE/ P/B – COR • Estas dominantes podem corrigir-se mediante o uso de filtros especiais, a eleição de emulsões fotográficas adaptadas a cada tipo de luz (luz-dia ou luz de tungsténio) ou através de procedimentos digitais de correcção de cor (o equivalente no cinema ao que se conhece como etalonaje, um processo de equilíbrio de luzes e de cores com o objectivo de gerir o raccord ou a correspondência entre planos, que corrige as temperaturas de cor para harmonizar o cromatismo dos diferentes planos). Mediante técnicas complexas de laboratório ou simples programas informáticos, é possível modificar a cor de uma fotografia, desde a sua eliminação, à modificação de tons e saturação das cores ou à introdução de partes coloridas, virados de imagem e outras técnicas complexas como a posterização (separação de tons) ou a solarização (processo de inversão) em cor. • TONALIDADE/ P/B – COR • Todavia, a cor oferece um amplo leque de significações graças às suas propriedades subjectivas. Por isso se fala das propriedades térmicas da cor, das suas propriedades sinestésicas (associadas ao som e à música – não é por caso que se fala de escalas cromáticas - ), do seu dinamismo, etc.. O professor Justo Villafañe (1987, p. 118) define, acertadamente, uma série de funções plásticas da cor: - A cor, juntamente com a forma, é responsável, em grande medida, pela identidade objectal, servindo para nos possibilitar reconhecer referencialmente os objectos representados, se bem que não seja tão decisiva como a forma, de um ponto de vista morfológico. - A cor contribui para criar o espaço plástico da representação. De acordo com o modo de emprego da cor, encontrar-nos-emos perante uma representação plana ou uma representação com profundidade espacial, podendo contribuir para a definição de diferentes termos ou planos numa imagem ainda que não exista uma composição com perspectiva. - O contraste cromático é um recurso que contribui para dotar de dinamismo a composição que adquire, deste modo, uma grande força expressiva. Por vezes, o uso do contraste na cor pode ser um recurso para espectacularizar uma encenação fotográfica, ao ser uma técnica que permite estimular sensorialmente e chamar a atenção do espectador. • TONALIDADE/ P/B – COR • - A cor também possui notáveis qualidades térmicas. Como assinalou Kandinsky, as cores quentes (entre o verde e o amarelo) produzem uma sensação de aproximação ao espectador, favorecendo a aparição de processos de identificação, quer dizer, definem um movimento centrípeto da acção de observação. As cores frias (entre o verde e o azul) produzem uma sensação de afastamento do espectador, favorecendo a aparição de processos de distanciamento relativamente à representação, determinando um movimento centrífugo no processo de observação. - Finalmente, podemos acrescentar que a cor também pode qualificar temporalmente uma representação. Os virados sépia estão associados à antiguidade da fotografia, já que é a dominante cromática de numerosos calótipos (Talbot) e daguerreótipos (Daguerre), devido às particularidades dos processos químicos empregados. As qualidades das emulsões fotográficas têm mudado ao longo da história da fotografia, sendo possível identificar determinados tipos de cromatismo associados a diferentes períodos da história da fotografia ou a estilos fotográficos. A utilização do preto e branco definir-se-ia objectivamente como ausência de cor (o preto e o branco não são cores, como sabemos). Com a fotografia digital esta particularidade tornou-se mais evidente, já que basta suprimir a cor numa imagem para obter uma fotografia a preto e branco sem necessidade de empregar uma emulsão fotoquímica específica. • TONALIDADE/ P/B – COR • É necessário sublinhar que a utilização do preto e branco é uma opção discursiva carregada de significações e que em nenhum caso deve interpretar-se o uso do preto e branco como uma ausência de cor. Se é certo que o grau de figuração de uma imagem diminui com o emprego do preto e branco, quer dizer, nós deparamo-nos perante uma fotografia mais reconhecível como representação para o espectador, o uso do preto e branco dota a fotografia de uma forte expressividade que explica a razão de inúmeros fotógrafos de imprensa continuarem a usar este tipo de película ou técnica fotográfica, como ocorre por exemplo com Salgado. Assim, a utilização do preto e branco oferece um leque de possibilidades mais amplo do que inicialmente poderia parecer, já que, dependendo da emulsão escolhida ou do tipo de revelador que se empregue, pode apresentar uma dominante azulada, fria, ou amarelada, quente, o que suscita consequências na sua recepção, como qualidade que suscita, respectivamente, o distanciamento ou a identificação do espectador relativamente ao acontecimento ou sujeito representado. Deste modo, para além de se reconhecer que a cor é um parâmetro morfológico chave na construção do espaço de representação, ela também possui uma dimensão temporal, mais ou menos visível. É este o argumento que contribui para esfumar as fronteiras artificiais entre os níveis morfológico e compositivo da imagem. Reiteramos, pois, a necessidade de contemplar a presente proposta analítica em termos operativos. • OUTROS • Caberia neste item a inclusão de comentários sobre a possibilidade de uma fotografia incorporar inscrições de textos, palavras, frases ou elementos verbais que pode realizar-se em duas dimensões diferentes: como componente objectal, fruto da presença de marcas, calendários, cartas, anúncios luminosos, etc., ou como componente conceptual relativamente à expressão directa de uma palavra ou frase sub ou sobreposta. Para além disso, a legenda, como título, pode ter sido deliberadamente inscrita pelo autor empírico nalgum lugar do texto fotográfico (Duane Michals é um exemplo muito oportuno). Este espaço também fica reservado para a inclusão de outros conceitos que podem estar relacionados com o nível morfológico da análise da fotografia. Fica aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem. • REFLEXÃO GERAL • No final do exame dos diferentes conceitos associados à análise morfológica da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes. O conjunto dos aspectos tratados possibilita-nos determinar se a imagem que analisamos é figurativa/abstracta, simples/complexa, monosémica/polisémica, original/redundante, etc.. Apesar de termos examinado o nível morfológico, centrado especialmente no exame dos elementos expressivos mais ou menos objectiváveis, não devemos perder de vista que o seu estudo não pode estar isento de uma carga valorativa. Neste sentido, convém recordar que, como afirma Arnheim ou Gombrich, “ver é compreender” o que remete para a natureza subjectiva da actividade analítica. • 3. Nivel compositivo • • • • • • • • • • • • • Sistema sintáctico ou compositivo Perspectiva Ritmo Tensão Proporção Distribuiçao de pesos visuais Lei dos terços Ordem icónica Trajecto visual Composições Estáticas/Dinâmicas Pose Outros Comentários • NÍVEL COMPOSITIVO • • O nosso modelo de análise continua, em terceiro lugar, com o estudo do nível compositivo. Seguindo com a metáfora da linguagem, trata-se agora de examinar como se relacionam os elementos anteriores a partir de um ponto de vista sintáctico, configurando uma estrutura interna na imagem. Esta estrutura tem para nós um valor estritamente operativo, não ontológico, já que não se trata de algo que se encontra oculto na superfície do texto. Por razões de economia na análise, optámos por incluir neste nível os chamados elementos escalares (perspectiva, profundidade, proporção) e os elementos dinâmicos (tensão, ritmo), que, ainda que possuam uma clara natureza quantitativa (os primeiros) e temporal (os segundos), como sublinhou com pertinência Justo Villafañe (1988), produzem efeitos consideráveis naquilo que se conhece como composição plástica da imagem. Por outro lado, neste nível analisa-se também, de forma monográfica, a maneira como se articulam o espaço e o tempo da representação, duas variáveis ontologicamente indissociáveis que, por razões operativas, são examinadas de forma independente. A reflexão sobre estes aspectos especiais e temporais do texto fotográfico passa pelo exame de questões muito concretas, desde as variáveis físicas do espaço e do tempo fotográficos, até outras mais abstractas como a “habitabilidade” do espaço ou a temporalidade subjectiva que constrói a imagem. • PERSPECTIVA • Na criação da perspectiva joga um papel fundamental a interacção das linhas de composição e a ausência de “constância” na percepção das formas (Arnheim, 1979, p. 86). As formas rectangulares, por exemplo, são percebidas como oblíquas que, seguindo as variações de tamanho, vão-se posicionando nas linhas de fuga da perspectiva representada. Na realidade estes objectos que aparecem em perspectiva estão deformados, como, por exemplo quando se emprega uma grande angular, cujo efeito é o de distorcer os objectos visuais que aparecem obliquamente e com uma volumetria alterada. Sem dúvida, as gradações perceptivas são responsáveis pela construção do espaço tridimensional. Estas gradações seriam definidas como o “crescimento ou diminuição progressiva de alguma qualidade perceptiva no espaço e no tempo” (Arnheim, 1979, p. 204). A obtenção da profundidade de campo, na fotografia e no cinema, consegue-se através da utilização de grandes angulares e diafragmas muito fechados. É paradigmática a utilização desta última técnica pelo grupo do f: 64 representado por fotógrafos como Ansel Adams e Edward Weston, entre outros. O emprego de teleobjectivas costuma produzir o efeito inverso: a total ausência de profundidade de campo. • PERSPECTIVA • Para terminar, devemos fazer referência, muito brevemente, à importância da perspectiva artificialis como sistema de representação nascido no Renascimento e que significa a emancipação do olhar do Homem relativamente ao sistema de representação religioso. Conforme tem sido estudado com grande profundidade por Erwin Panofsky, a construção da perspectiva artificialis supõe, antes de mais, um modo de representação em que o sujeito humano se converte no centro da dita representação e, pela primeira vez, se define um interior e um exterior da representação pictórica onde habita o espectador. Esta referência, ainda que simplificadora pela sua extrema brevidade, é pertinente na medida em que a fotografia e o cinema são herdeiros deste sistema de representação. Finalmente, devemos reiterar a natureza estrutural do espaço no qual se inscrevem os restantes elementos morfológicos e a própria estrutura compositiva da imagem. É por isso que consideramos conveniente distinguir uma secção que denominámos por “o espaço da representação” e que colocámos no âmbito do nível compositivo do nosso modelo de análise, precisamente pela sua natureza estrutural, como correspondente ao sistema compositivo ou sintáctico (interelacional) da construção da imagem. • RITMO • Como assinala o professor Villafañe, o ritmo é um elemento dinâmico, cuja natureza deve relacionar-se com a experiência da temporalidade na percepção de uma imagem. É precisamente este valor relacional entre elementos que nos leva a incluir este conceito neste nível da composição, já que o ritmo constitui um parâmetro estrutural. Villafañe sugere-nos que é conveniente distinguir entre cadência e ritmo. A cadência refere-se à repetição de elementos como pontos, linhas, formas ou cores, o que dotaria a imagem de regularidade e de simetria. Não obstante este facto, a regularidade e a simetria são opções de composição que retiram acção e dinamismo à imagem. O ritmo de uma composição, pelo contrário é uma noção de maior dimensão: refere-se a uma conceptualização estrutural da imagem, na qual a ideia de repetição é essencial. • Para Villafañe (1987, p. 154), em todo o ritmo visual existem dois componentes: por um lado, a periodicidade, o que implica a repetição de elementos ou grupos de elementos e, por outro, a estruturação que poderia entender-se como o modo de organização dessas estruturas repetidas na composição. Neste caso, quando se dá uma repetição de unidades relacionadas entre si pela sua forma ou significado fala-se da presença de isotopias. Sem dúvida, que nos deparamos perante um conceito difícil de definir, habitualmente utilizado no campo da música. Da mesma maneira que numa composição musical os silêncios são elementos decisivos para definir o ritmo de uma melodia, numa composição visual os espaços vazios ou de interstício são fundamentais para permitir a existência de uma estrutura fílmica. • TENSÃO • Em si, a tensão é outra variável da imagem fotográfica. Pode aparecer em composições que apresentam um claro equilíbrio que, neste caso, será de natureza dinâmica, o chamado equilíbrio dinâmico. Entre os factores plásticos que podem contribuir para criar uma tensão visual, podemos destacar os seguintes: - As linhas podem, nalguns casos, serem decisivas para dotar de tensão a composição, quando estas expressam movimento. Na fotografia, o varrimento fotográfico ou a captação de sujeitos em movimento com uma baixa velocidade de obturação são técnicas que se servem da utilização da linha como elemento dinâmico que imprime tensão na imagem. Na banda desenhada, fala-se da presença de linhas cinéticas. - As formas geométricas regulares, como o triângulo, o círculo ou o quadrado são menos dinâmicas que as formas irregulares. Quanto mais diferirem das formas simples, maior tensão introduzirão na composição. • TENSÃO • Não obstante este facto, é preciso lembrar que o triângulo é uma forma dotada de maior tensão e dinamismo que o círculo ou o quadrado, derivado aos ângulos que o definem. • - A representação dos elementos em perspectiva ou a presença de orientações oblíquas no modo de organizar os elementos no interior do enquadramento contribui para transmitir tensão ao espectador. - O contraste de luzes ou o contraste cromático também é responsável pela criação de tensão de composição. - A presença de diferentes texturas, de fortes diferenças de nitidez nos diferentes termos ou planos da imagem, etc., contribuem para criar uma composição dotada de tensão. - Finalmente, a fractura das proporções do sujeito ou do objecto fotografado também é um factor que introduz uma forte tensão na composição, como veremos de seguida. • PROPORÇÃO • Como afirma o professor Villafañe, a proporção “é a relação quantitativa entre um objecto e as suas partes constitutivas e as partes desse objecto entre si” (1987, p. 160). Embora a sua natureza seja quantitativa e, nesse sentido, possui uma dimensão escalar, a proporção é um parâmetro que merece ser tratado entre os conceitos de composição pela sua importância. Geralmente, fala-se de proporção quando se faz referência aos modos de representar a figura humana no espaço da composição. Desde o Renascimento, que recupera o pensamento grego pitagórico, se tem falado das medidas do corpo humano na sua relação com as partes constitutivas. A “secção áurea”, “proporção divina” ou “número de ouro” permite estabelecer, deste modo, uma medida numérica (a letra ? ) que corresponde a um tipo de proporção observada na natureza. De qualquer forma, convém sublinhar que os modos de representação do corpo na pintura e, por extensão, na fotografia (em cuja tradição de representação se fundamenta) seguiu este modelo, que está fortemente arreigado no imaginário colectivo e na configuração do gosto estético convencional. Na fotografia, a utilização da grande angular tem como efeito secundário, para além de acentuar a perspectiva, a deformação das proporções do sujeito fotografado, como sucede com algumas fotografias de Bill Brandt ou de JeanLoup Sieff. Em certas ocasiões, a ruptura das proporções do sujeito fotografado é um elemento sobre o qual assenta uma estética da fealdade, muito habitual em fotógrafos como Witkin. • PROPORÇÃO • Finalmente, cabe destacar que a proporção é um conceito compositivo que também alude à relação sujeito/objecto representado e ao próprio espaço da representação. As dimensões quantitativas do motivo fotográfico também apresentam uma proporcionalidade como as dimensões da moldura da imagem . Assim, deve-se também ter em conta a proporção que se estabelece entre os lados de uma fotografia, o famoso “ratio” da imagem, muitas vezes determinado pelo formato fotográfico empregado, como sucede com o formato rectangular do standard universal ou o formato quadrado, muito utilizado por Robert Mapplethorpe. A representação vertical ou horizontal do motivo fotográfico apoia-se, frequentemente, na proporcionalidade que se produz entre as dimensões e forma do motivo e a própria moldura, como sucede nos formatos rectangulares (35mm - 24x36mm, ratio 1:1.5 -, grandes formatos fotográficos - 9x12cm, ratio 1 :1,33 -). Os formatos de cópias positivas fotográficas como o 13x18cm, 18x24cm, 24x30cm ou 30x40cm, exprimem ratios respectivamente de 1:1.33, 1:1.33;1:1.25 e 1:1.33. Desta forma, quando se produz um trompe l’oeil, pode gerar-se uma modificação das proporções que só se descortina mediante a subtileza da observação. • • DISTRIBUIÇÃO DE PESOS VISUAIS Os diversos elementos visuais contidos numa imagem têm um peso variável no espaço da composição, até esta apresentar uma determinada distribuição de pesos visuais que são determinantes na actividade e no dinamismo plástico desses elementos (Villafañe, 1987, p. 188). Apesar deste facto, consideramos, na linha de Arnheim, que é muito difícil senão impossível dissociar as significações plásticas do nível de significações semânticas ou interpretações que a análise de qualquer imagem suscita, às quais não pode ser alheio o universo de experiências prévias do próprio observador e o seu grau de competência de leitura, para nos expressarmos em termos semióticos. Alguns dos factores que determinam a distribuição de pesos numa imagem seriam os seguintes, tendo por base a pertinente exposição de Villafañe (pp.188 e ss.): - A localização no interior do enquadramento é uma circunstância que pode aumentar ou diminuir o peso de um elemento de uma composição. Uma localização ao centro contribui para tornar mais simétrica uma composição. De uma forma geral, aceita-se que um elemento apresenta maior peso quanto mais se situar na parte superior direita de um enquadramento. Este facto é determinado pela tradição icónica ocidental e é de natureza profundamente cultural. • • DISTRIBUIÇÃO DE PESOS VISUAIS - O tamanho maior de um elemento visual é determinante no momento de ganhar peso no enquadramento. Um elemento visual de grande tamanho pode ser compensado em termos de composição com a presença de uma série de elementos visuais mais pequenos. - Os elementos visuais situados em perspectiva, se bem que possuam um tamanho menor, ganham peso visual, dependendo da sua nitidez. - A claridade visual no isolamento de um elemento afecta especialmente o aumento do seu peso visual (determinado pela nitidez das linhas de contorno do referido objecto, do contraste, da forma, da cor, etc.), dependendo também da sua localização no interior do enquadramento, como já anteriormente referimos. - O tratamento superficial dos objectos visuais, a sua textura parente perante um acabamento brilhante também é determinante no aumento do peso de um elemento visual no enquadramento. • LEI DOS TERÇOS • A maior ou menor importância do centro de interesse de um objecto visual no interior do enquadramento está intimamente ligada ao peso que tenha na composição, em relação com outros elementos visuais. Se o dito centro de interesse coincide com o centro geométrico da imagem, o seu peso será menor do que se estiver localizado em zonas mais afastadas. Como afirmam Villafañe e Arnheim, o centro geométrico ou foco de atenção é uma zona débil em termos de atracção visual. Por outro lado, se o dito elemento visual está escorado excessivamente próximo dos lados ou limites do enquadramento, isto pode criar fortes desequilíbrios na imagem. A força visual de um elemento plástico será mais intensa quando este esteja situado em alguns dos pontos de intersecção das chamadas linhas de terços. É precisamente este princípio que se expressa na conhecida lei dos terços. Na realidade, a formulação da lei dos terços está directamente relacionada com a teoria da secção áurea ou número de ouro, que encerra uma certa complexidade no seu cálculo exacto. • LEI DOS TERÇOS • De modo geral, certamente um pouco impreciso, diremos que a obtenção destas linhas de terços se consegue ao dividir a imagem em três partes iguais, horizontal e verticalmente, tomando como referência os limites horizontal e vertical do próprio moldura da fotografia. Os pontos de intersecção destas linhas horizontais e verticais são quatro: quando os objectos ou elementos visuais coincidem com estes quatro pontos, o objecto adquire uma maior força e peso visual. No momento de situar no enquadramento a linha do horizonte, por exemplo numa fotografia de paisagem, geralmente coincide com alguma das duas linhas de terços da composição, o que pode comprovar-se num grande número de fotografias. A maioria de fotógrafos ignora a existência deste princípio compositivo, cuja aplicação é condicionada, sem dúvida, pela influência da tradição de representação ocidental. • ORDEM ICÓNICA • Os conceitos de equilíbrio e de ordem icónica são determinados, desse modo, pelo peso do modelo de representação ocidental que se inicia no Renascimento, com a aparição da perspectiva artificialis. Equilíbrio e ordem são dois conceitos próximos, como nos recorda Gombrich, e contam com uma larga tradição na história da cultura ocidental, determinando poderosamente o olhar do espectador. O conceito de ordem icónica é um parâmetro que afecta os elementos morfológicos e compositivos. Como afirma Villafañe, a ordem visual “manifesta-se através das estruturas icónicas e da articulação destas”. Com efeito, trata-se de um conceito nuclear “sobre o qual se baseia a composição da imagem” (Villafañe, 1987, pp. 165-166). O professor Villafañe distingue, de forma acertada, a existência de dois tipos básicos de equilíbrio compositivo (Villafañe, 1987, p. 181): - Por um lado, o equilíbrio estático, caracterizado pela utilização de três técnicas: a simetria, a repetição de elementos ou séries de elementos visuais e a modulação do espaço em unidades regulares. Estas duas últimas técnicas estariam muito relacionadas com o ritmo compositivo, como conceito estrutural. - Por outro, seguindo a terminologia de Arnheim, o equilíbrio dinâmico , cujo resultado é a permanência e invariabilidade da composição, baseada no seguinte: o modo como está hierarquizado o espaço plástico, a diversidade de elementos e relações de natureza plástica, e o contraste luminoso e cromático. • ORDEM ICÓNICA • Dondis (1976, pp. 130-147) enumera uma série de situações compositivas que oscilam entre aplicações extremas no campo do desenho, a qual poderia estender-se sem dificuldade ao campo da fotografia: • - Equilíbrio-Desequilíbrio. A quebra do equilíbrio pode dar lugar à aparição de composições provocadoras e inquietantes para o espectador. - Simetria-Assimetria. A simetria define-se como equilíbrio axial. A ruptura da simetria oferece um elenco muito variado de possibilidades. - Regularidade-Irregularidade. Uma composição baseada na regularidade servese da utilização de uma uniformidade de elementos. - Simplicidade-Complexidade. A ordem icónica baseia-se na simplicidade compositiva, com uma utilização de elementos simples. - Unidade-Fragmentação. Uma composição baseada na unidade propõe a percepção dos elementos empregues enquanto totalidade. - Economia-Profusão. A economia compositiva serve-se de um número limitado de elementos. - Escassez-Exagero. A escassez baseia-se numa proposta compositiva em que com o mínimo material visual se consegue uma resposta máxima do espectador. • ORDEM ICÓNICA • - Previsibilidade-Espontaneidade. A previsibilidade compositiva refere-se à facilidade do receptor para antecipar, quase instantaneamente, como será a mensagem visual. - Actividade-Passividade. A actividade consiste na representação de movimento e dinamismo. - Subtileza-Audácia. Uma composição baseada na subtileza foge ao óbvio e persegue a delicadeza e refinamento dos materiais plásticos empregues. - Neutralidade-Ênfase. Uma composição neutral procura vencer a resistência do observador, através da utilização de elementos plásticos muito simples. - Transparência-Opacidade. Trata-se de composições nas quais o observador pode perceber sem dificuldade elementos visuais dissimulados no fundo perceptivo, semi-ocultos por outros localizados no primeiro plano da imagem. • ORDEM ICÓNICA • - Coerência-Variação. A coerência compositiva baseia-se na compatibilidade formal dos elementos plásticos empregues na composição. - Realismo-distorção. Este par define o grau de distorção do motivo fotográfico. - Superfície-Profundidade. Baseia-se na ausência ou utilização da composição em perspectiva. - Singularidade-Justaposição. Quando a composição se baseia na utilização de um tema isolado. - Sequencialidade-Aleatoriedade. Uma composição sequencial apoia-se na utilização de uma série de elementos visuais dispostos segundo um esquema rítmico. - Clareza-Ambiguidade. A agudeza está vinculada à clareza da expressão visual, o que facilita a interpretação da mensagem. • ORDEM ICÓNICA • O conjunto de pares de conceitos que acabamos de relacionar tem por objectivo oferecer uma listagem ampla de situações compositivas que podemos encontrar numa composição fotográfica, ainda que seja possível encontrar outras não recolhidas neste pequeno inventário. Na análise de uma fotografia, empregamos apenas alguns destes conceitos. A série de situações examinadas corresponde a manifestações da ordem visual cujo valor é, portanto, estrutural. Em nossa opinião, a ordem visual e a identificação de estruturas compositivas são conceitos que se relacionam dialecticamente, que se interrelacionam, pelo que pensamos não ser possível estabelecer uma relação hierárquica entre ambos. Simultaneamente, a identificação da ordem visual e de estruturas está carregada de significação, que não pode desligar-se da análise da composição. Convém destacar que um bom número destas situações compositivas contém uma carga enunciativa que poderia qualificar-se como “modelizante” ou “aspectualizadora”, quer dizer, constituem marcas textuais e qualificadores que haverão de ser tratados, de forma monográfica, no último nível de análise, o nível interpretativo, no qual centraremos a nossa atenção sobre o modo como se articula o ponto de vista , autêntico “motor” da construção representacional, como propomos. • TRAJECTO VISUAL • Mediante o trajecto visual estabelecemos uma série de relações entre os elementos plásticos da composição. A ordem na leitura dos elementos visuais é determinada pela própria organização interna da composição, que define uma série de direcções visuais. O professor Villafañe (pp. 187-190) estabelece uma classificação dos tipos de direcções visuais: - por um lado, as direcções de cena, internas à composição, seriam criadas através da organização dos elementos plásticos presentes no interior do enquadramento que, por sua vez, podem estar representadas graficamente (mediante elementos gráficos como a representação do movimento, a presença de braços ou dedos que assinalam direcções concretas ou a presença de formas e objectos pontiformes) ou induzidas pelos olhares dos personagens presentes no enquadramento. - por outro lado, as direcções de leitura, em certas ocasiões, são determinadas pela existência dos vectores direccionais presentes na própria composição. Também neste caso podemos sentir o peso da tradição cultural ocidental, na qual a leitura se realiza da esquerda para a direita e de cima a baixo. Com frequência, o trajecto visual pode fazer-se de várias formas na leitura de uma fotografia, quando nos encontramos ante imagens de feitura complexa ou deliberadamente abertas, como ocorre com as práticas artísticas. • COMPOSIÇÕES ESTÁTICAS/DINÂMICAS • A inclusão de um tópico dedicado ao exame da estaticidade/dinamismo da composição torna-se redundante a esta altura da análise, já que se trata de dois conceitos abordados noutros momentos, ao falar do ritmo, da tensão, da proporção, da distribuição de pesos ou da ordem icónica. Sem dúvida, pensamos que é conveniente realizar uma valorização global para saber se uma composição é estática ou, pelo contrário, dinâmica, já que se trata de conceitos fundamentais no momento de analisar o tempo da representação que examinaremos atentamente neste mesmo nível de análise. Este tópico permitirnos-á realizar, em definitivo, um balanço global da valorização da presença da estaticidade/dinamismo da composição, ao relacionar distintos aspectos já tratados. Uma vez que o tema foi extensamente abordado noutros tópicos anteriores, entende-se como desnecessário reiterar o exposto anteriormente. • POSE • Em alguns géneros fotográficos como no retrato, a pose do modelo ou sujeito fotográfico é um elemento de capital importância. Aqui trata-se de descrever como posa o sujeito, se nos encontramos perante uma fotografia que pretende captar a espontaneidade de um gesto ou olhar determinados, ou se o modelo está a posar conscientemente. A valorização da sua atitude e o exame dos qualificadores serão tratados no nível interpretativo da análise. Ocasionalmente, o sujeito ou objecto fotográfico é mostrado numa posição forçada, chamada também escorço, que, para alguns autores, como Arnheim (1979), pode ser interpretado, enquanto elemento dinâmico, como uma “plasmagem” do poder esmagador da morte, a resistência à destruição ou o processo de crescimento da vida. A utilização de um escorço supõe a fractura da constância perceptiva, o que introduz uma ambiguidade estrutural semântica na composição, dando lugar a uma multiplicidade de leituras. • OUTROS • Este espaço fica reservado para a inclusão de outros conceitos que possam estar relacionados com o nível compositivo da análise da fotografia. Permanece aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem. • COMENTÁRIOS • No final do exame dos diferentes conceitos que enformam o estudo do sistema sintáctico ou compositivo da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes. • ESPAÇO DA REPRESENTAÇÃO • A representação do espaço é uma modelização do real. No caso da fotografia, devemos estar conscientes que a imagem obtida é sempre o resultado de uma operação de recorte do continuum espacial, uma selecção que, consciente ou inconscientemente, responde sempre aos interesses do fotógrafo. É no espaço da representação, enquanto dimensão coadjuvante e estrutural, que tem lugar o desdobramento dos elementos plásticos e as técnicas compositivas que examinámos até ao momento. A inclusão de um sub-tópico dedicado ao exame do espaço da representação deve-nos ajudar a definir como é o espaço que constrói a fotografia que analisamos, desde as suas variáveis mais materiais até às suas implicações mais filosóficas. No campo da fotografia, o controlo do parâmetro técnico da abertura do diafragma e a objectiva eleita pelo fotógrafo possibilitam a construção da dimensão espacial da imagem. • CAMPO / FORA DE CAMPO • Como assinala Philippe Dubois, todo o acto fotográfico implica “uma tomada de vista ou olhar na imagem”, quer dizer, um gesto de corte: “Temporalmente (…) a imagem-acto fotográfico interrompe, detém, fixa, imobiliza, separa, despega a duração captando apenas um instante. Espacialmente, do mesmo modo, fracciona, elege, extrai, isola, capta, corta uma porção de extensão. A foto aparece assim, no sentido forte, como uma fatia única e singular de espaçotempo, literalmente cortada em vivo” (p. 141). No que respeita ao espaço fotográfico, diferentemente do espaço pictórico, é um espaço que não está dado e que não se constrói. O espaço fotográfico é um espaço a tomar, uma selecção e subtracção que opera em bloco. “Dito de outra forma, para lá de toda a intenção ou de todo o efeito de composição, o fotógrafo, desde logo, sempre corta, dá um talho, fere o visível. Cada vista, cada tomada é inelutavelmente um golpe que retém um troço de real e exclui, rechaça, despoja o entorno (o fora de campo). Sem dúvida, toda a violência (e depredação) do acto fotográfico procede no essencial deste gesto de cut” (p. 158). Como é sabido, o campo fotográfico define-se como o espaço representado na materialidade da imagem, e que constitui a expressão plena do espaço da representação fotográfica. Mas a compreensão e interpretação do campo visual pressupõe sempre a existência de um fora de campo, que se lhe supõe contíguo e que o sustenta. • CAMPO / FORA DE CAMPO • As formas de representação do fora de campo em fotografia e as suas significações podem ser muito variadas. A representação fotográfica dominante, que poderíamos relacionar com o paradigma de representação clássico, caracteriza-se por oferecer um campo visual fragmentário, mas que oculta, ao mesmo tempo, a sua natureza descontínua, mediante um apagamento das marcas enunciativas para que o espectador não perceba a natureza artificial da construção visual. O paradigma clássico baseia-se na construção de uma impressão de realidade, mais acentuada ainda que noutros meios audiovisuais como o cinema e o vídeo. Sem dúvida, o fora de campo e a ausência são elementos estruturais de uma interpretação ou leitura da representação fotográfica, como sucede no terreno da representação fílmica. Independentemente de outras reflexões, torna-se evidente que os objectos ou personagens no campo podem “apontar” para o fora de campo, com o que se obtém uma complicação de ambos por contiguidade; mas, sobretudo, espelhos, sombras, etc. são elementos que inscrevem directamente o fora de campo no campo. • • ABERTO / FECHADO Este par de conceitos não se refere somente à dimensão física ou material da representação. A representação de um espaço aberto tem uma série de implicações no que respeita às determinações que este contém relativamente ao sujeito ou objecto fotografado, e também com o tipo de relação de fruição que a imagem promove no espectador. O mesmo sucede com os espaços fechados. Falamos, também, dos efeitos metafóricos que supõe a representação de um ou outro tipo de espaço. Recordemos que nos referimos sempre ao estudo e análise de fotografias complexas. • • INTERIOR / EXTERIOR Este par de conceitos não se refere somente à dimensão física ou material da representação. A representação de um espaço interior tem uma série de implicações no que respeita às determinações que este contém relativamente ao sujeito ou objecto fotografado, e também com o tipo de relação de fruição que a imagem promove no espectador. O mesmo sucede com os espaços exteriores. Falamos, também, dos efeitos metafóricos que supõe a representação de um ou outro tipo de espaço. • • CONCRETO / ABSTRACTO Este par de conceitos não se refere somente à dimensão física ou material da representação. A representação de um espaço concreto tem uma série de implicações no que respeita às determinações que este contém relativamente ao sujeito ou objecto fotografado, e também com o tipo de relação de fruição que a imagem promove no espectador. O mesmo sucede com os espaços abstractos. Falamos, também, dos efeitos metafóricos que a representação de um ou outro tipo de espaço supõe. • PROFUNDO / PLANO • No estudo do sistema compositivo temos feito referência à importância da perspectiva e da profundidade de campo na construção do espaço da representação. Neste nível de análise, trata-se de avaliar em que medida a representação plana do espaço corresponde a um olhar mais estandardizado ou normalizado como o classicismo, em confronto com a representação em profundidade, mais próxima da configuração plástica barroca, segundo a distinção avançada por Wölfflin, que examinaremos com mais detalhe no nível interpretativo da análise. • HABITABILIDADE • Segundo o grau de abstracção da imagem, torna-se mais ou menos fácil que o espaço possa ser habitável pelo espectador. A habitabilidade faz referência ao tipo de implicação que a representação fotográfica promove na operação de leitura da imagem. Deste modo, falaremos de maior ou menor habitabilidade em função da identificação ou distanciamento, como forças centrípeta e centrifuga, que o espaço sugira ao espectador. Voltaremos a estes conceitos de forma mais detalhada no tópico seguinte, em concreto na parte dedicada ao estudo da enunciação. A caracterização de um espaço como espaço simbólico produz-se quando a representação fotográfica se afasta da vocação indicial da fotografia, enquanto marca do real, como diria Dubois. • Santos Zunzunegui assinala, a propósito da fotografia de paisagem, que uma paisagem será indicial “quando nela predomine a sua dimensão constatativa”, enquanto que uma paisagem fotografada será considerada “simbolista ou simbólica”, “na medida em que o fundamental da sua estratégia significativa coloque o visível ao serviço do não visível” (p. 145). • HABITABILIDADE • Se em alguns fotógrafos David Kinsey ou Timothy O’Sullivan a fotografia de paisagem tem um valor testemunhal, em Ansel Adams todo o trabalho parece dirigir-se para “a construção de uma visão substancialmente estética do mundo e das coisas”. Em Adams, a poética indicialista é substituída por “um trabalhado jogo luminoso que estende pontes entre a cascata, o rio e o arco-íris criando uma emotiva sensibilidade dramática ante a luz” (p. 152). De facto, o espaço simbólico de que vimos falando poderia considerar-se como um espaço subjectivo, em termos estritamente semânticos. O reconhecimento de uma poética simbólica é algo que dependerá do sujeito que realize a análise, já que na operação de leitura o que irrompe é também a própria experiência subjectiva do intérprete. • ENCENAÇÃO • O dispositivo fotográfico não pode ser entendido como uma mero agente reprodutor, mas antes como um meio desenhado para produzir determinados efeitos, isto é, a impressão de realidade, entre outros. Neste sentido, a imagem fotográfica não é estranha a uma acção deliberada de enunciação textual, a uma encenação que transporta uma ideologia concreta e que qualquer análise não pode ignorar. Este aspecto está intimamente ligado ao da articulação do ponto de vista que examinaremos com detalhe no próximo capítulo. • OUTROS • Este espaço fica reservado para a inclusão de outros conceitos que possam estar relacionados com o nível compositivo da análise da fotografia. Permanece aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem. • COMENTÁRIOS • No final do exame dos diferentes conceitos que enformam o estudo do sistema sintáctico ou compositivo da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes. • TEMPO DA REPRESENTAÇÃO • Como ocorre com o espaço, o tempo de uma imagem é sempre uma modelização do real. No caso da fotografia, devemos recordar que, mais ou menos explicitamente, a temporalidade está profundamente ligada à própria natureza do meio fotográfico. Toda a fotografia supõe um “corte” do contínuo temporal, uma selecção interessada de um momento essencial que, segundo os casos, pode expressar desde a singularidade de um instante à narração de um relato complexo, com uma temporalidade mais ou menos dilatada. Enquanto elemento estrutural da imagem, a temporalidade constrói-se através da articulação de uma série de elementos, como nos recorda Villafañe. Entre outros, podemos citar o próprio formato e escala da imagem, o ritmo, as direcções de leitura da fotografia ou o tipo de representação seleccionado, como a composição em perspectiva. No campo da fotografia, o controlo do parâmetro técnico da velocidade de obturação é o que possibilita a construção da dimensão temporal da imagem. • INSTANTANEIDADE • A instantaneidade refere-se ao modo como a fotografia constitui sempre a representação e captação de uma pequena fracção de tempo do contínuo temporal. Cartier-Bresson falava do “instante decisivo” ao referir-se à importância do momento da captura fotográfica, no qual é congelado um instante de valor transcendental. A eleição e consecução desse instante não é fruto da casualidade, mas implica uma atitude, predisposição e preparação especiais do fotógrafo. • Alguns autores como Santos Zunzunegui (1994), a propósito do género da paisagem, falam também da pontualidade como categoria aspectual da temporalidade que se define como ausência de duração, ainda que num sentido distinto do de Cartier-Bresson. As fotografias de Timothy O’Sullivan y Robert Adams apontam à mesma categoria aspectual: a pontualidade como ausência de duração. As fotos de O’Sullivan mostram duas variantes em acção: o término da actividade (“chegou-se até aqui na exploração”) e o início da actividade (“começa a possessão do território”). • INSTANTANEIDADE • A pontualidade, em algumas fotografias de paisagem como as de Robert Adams , concretizar-se-ia “em termos exclusivos de término da actividade”, mostrando nas suas fotos como “algo que sucedeu” (p. 169). A tarefa do fotógrafo já não é aqui captar o instante decisivo (Cartier-Bresson), mas “testemunhar o final de toda a utopia acerca da natureza” (p. 169). Nestes casos analisados por Zunzunegui, as paisagens fotográficas baseadas na ideia de pontualidade (descontinuidade) remeteriam ao sistema de representação clássico. Noutros casos, o congelamento do tempo constitui, simplesmente, uma estratégia para provocar um forte efeito de estranhamento no espectador, como sucede com Philippe Halsman e o seu famoso retrato de Dali. Em geral, esta categoria se oporia à ideia de tempo como duração. • DURAÇÃO • A representação de uma duração do tempo é, paradoxalmente, outra opção discursiva do texto fotográfico. As fotografias realizadas a baixa velocidade oferecem-nos representações muito peculiares do mundo que nos rodeia, sobretudo quando se empregam prolongados tempos de exposição. O varrimento é desse modo outra técnica que permite transmitir essa ideia de duração. Somada à ideia de movimento, já que consiste na realização de uma fotografia a média ou baixa velocidade seguindo o movimento de um sujeito ou objecto. Este tipo de vistas produzem no espectador um efeito de estranhamento e, em certas ocasiões, uma representação espectacular do mundo. Em certos casos, a presença de relógios, calendários e outros objectos, a leitura sequencial da fotografia ou a presença de uma imagem que faz parte de uma série de fotografias (Duane Michals) são elementos que remetem à ideia de tempo como duração, em cujas imagens se nota a presença de marcas temporais. • DURAÇÃO • Para Santos Zunzunegui, “as poéticas fotográficas da obra de Ansel Adams e Edward Weston pertencem ao território da durabilidade, no qual tem lugar a produção de um efeito tensivo de expansão da duração”. Trata-se de um tempo indeterminado, indefinido, “dando lugar a uma espécie de estado estacionário que se constitui como uma durabilidade contínua, na qual a natureza parece auto-fundar-se”, no caso de Ansel Adams. No de Weston, “a micro-paisagem instala-se para lá de qualquer tempo”. A durabilidade parece ser o resultado de “uma larga duração geológica, que responde a a um paciente trabalho muito tempo antes preparado” (p. 169). Nestes casos analisados por Zunzunegui, as paisagens fotográficas baseadas na ideia de durabilidade (continuidade) remeteriam ao sistema de representação barroco. • ATEMPORALIDADE • O termo atemporalidade é utilizado, com frequência, como sinónimo da durabilidade, quer dizer, da concepção e representação do tempo como duração. Quisemos diferenciar este parâmetro para dar conta daqueles casos em que a fotografia não apresenta nenhum tipo de marcas temporais. Na realidade, caberia dizer que não é possível que um texto fotográfico careça de marcas temporais, já que enquanto representação toda a fotografia se deve inscrever no contínuo temporal, ainda que constitua apenas uma breve porção deste. Não obstante, pensamos que existe uma infinidade de fotografias, em géneros como a fotografia publicitária ou a fotografia industrial, nas quais se produz uma deliberada ocultação das marcas temporais. Frequentemente, este efeito discursivo é motivado pelo peso do sistema representacional clássico, no qual o apagamento das marcas enunciativas é um princípio seguido fielmente, destinado a potenciar a ilusão de realidade. • TEMPO SIMBÓLICO • O reconhecimento da existência de um tempo simbólico na imagem produzse quando a representação fotográfica se afasta da vocação indicial da fotografia enquanto marca do real, como diria Dubois. Seguindo a exposição de Zunzunegui, na sua análise da fotografia de paisagem assinala: “o que define primordialmente esta poética simbolista de Ansel Adams encontra-se no facto de que as suas imagens apontam na direcção de algo diferente do que dão a ver, remetem a uma realidade que existe mais além do propriamente representado” (1994, p. 160). Zunzunegui recorda-nos as palavras de Argan quando fala da “poética do absoluto”: “o que vemos não é mais que um fragmento de realidade; pensamos que antes e depois desse fragmento é infinita a expansão do espaço e do tempo (…), saltamos para lá do visto e do visível (…). O que vemos perde todo o interesse (…); o que não vemos, a sua infinitude desperta a angústia da nossa própria finitude” [G. C. Argan: El arte moderno 1770-1970. Valência: Fernando Torres Editor, 1975, p. 11]. • TEMPO SIMBÓLICO • Isto leva-o a assinalar que nos encontramos ante a representação do sublime kantiano, onde “o sublime consiste somente na relação na qual o sensível, na representação da natureza, é julgado como próprio para um uso supra-sensível do mesmo” [Immanuel Kant: Critica del juicio. Madrid: Espasa-Calpe, 1979, p.170] (p. 161). A natureza que mostra Ansel Adams é uma natureza pristina, primogénea, que importa relacionar com o mito americano da viagem para oeste. No caso de composições fotográficas abstarctas, onde não é possível identificar motivos figurativos, como sucede com as fotografias de Alfred Stieglitz na sua série Equivalências, imagens de céus com nuvens quase inidentificáveis, podese falar igualmente da manifestação de um tempo simbólico, cuja poética repousa no onirismo da representação. Encontramo-nos perante um tipo de temporalidade para cuja decifração é imprescindível a actividade do intérprete. • TEMPO SUBJETIVO • De facto, o tempo simbólico de que vimos falando poderia considerar-se como um tempo subjectivo, em termos estritamente semânticos. O reconhecimento de uma poética simbólica é algo que dependerá do sujeito que realize a análise. Não obstante, em certas ocasiões pode considerar-se que o tempo representado numa fotografia adquire uma dimensão particularmente subjectiva para o analista, dificilmente descodificável para outros intérpretes. O conceito de punctum barthesiano poderia ser relacionado com a presença de um tempo subjectivo na imagem. O punctum define-se por contraposição ao studium: “Neste espaço habitualmente tão unitário, por vezes (mas, desgraçadamente, raramente) um «detalhe» atrai-me. Sinto que a sua simples presença muda a minha leitura, que olho uma nova foto, marcada pelos meus olhos com um valor superior. Este «detalhe» é o punctum (o que me fere). Não é possível estabelecer uma regra de enlace entre o studium e o punctum (quando ali se encontre). Trata-se de uma co-presença, é tudo o que se pode dizer…” (p. 87). O studium, por seu lado, supõe “encontrar fatalmente as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas sempre compreendê-las, discuti-las em si mesmas, pois a cultura (da qual depende o studium) é um contrato firmado entre criadores e consumidores” (p. 66-67). • TEMPO SUBJETIVO • Deste modo, a análise da imagem fotográfica pode ser transferida para o âmbito de uma radical subjectividade, onde os sentimentos e o prazer visual aparecem entrelaçados. Assim, studium e punctum não são traços que se circunscrevem ao âmbito do temporal. Esse gesto, olhar, tensão, etc., que nos comove transporta uma interrupção da leitura da imagem, da direccionalidade que possa encerrar. O tempo subjectivo é um tempo catalítico, que supõe uma suspensão do fluir temporal, também ou sobretudo, na operação de leitura, porque o que irrompe na imagem é a própria experiência subjectiva do intérprete. Não em vão, as reflexões de Barthes a propósito destas questões surgem da contemplação do álbum de fotografias familiar, que a um estranho nada podem comunicar. Sem dúvida, a projecção dos próprios fantasmas do intérprete faz com que a contemplação de uma fotografia se converta numa actividade de intensa emoção e intimidade em alguns casos. • SEQUENCIALIDADE/NARRATIVIDADE • A ordem visual e as direcções de leitura são alguns factores que resultam determinantes para reconhecer na imagem a presença de uma sequencialidade temporal ou narratividade na fotografia. Numerosas fotografias de Duane Michals baseiam-se neste princípio. Como nos recorda Zunzunegui, “uma imagem é, juntamente com o plástico, um conjunto de determinações narrativofigurativas que, mediante complexas operações sintáctico-semânticas, constroem o efeito de sentido temporal” (p. 172). O próprio tempo de leitura de uma imagem é já de natureza temporal. É claro que toda a imagem conta uma história, mais ou menos pequena, sempre com a ajuda da nossa participação activa na sua leitura. • OUTROS • Este espaço fica reservado para a inclusão de outros conceitos que possam estar relacionados com o nível compositivo da análise da fotografia. Permanece aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem. • COMENTÁRIOS • No final do exame dos diferentes conceitos que enformam o estudo do sistema sintáctico ou compositivo da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes. • REFLEXÃO GERAL • No termo do exame dos distintos conceitos que enformam o estudo do nível compositivo da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes. Após de termos examinado o nível compositivo da imagem, no qual muitos conceitos possuem uma dimensão mais ou menos objectivável, podemos constatar que as reflexões realizadas não estão isentas de uma considerável carga subjectiva projectada pela analista, e pela sua competência de leitura, o que é determinado pelo conhecimento prévio (o background cultural) do próprio investigador. O estudo realizado no presente nível permitiu-nos fixar as características da estrutura compositiva da fotografia, uma estrutura que não possui um valor ontológico, quer dizer, que não se oculta sob a superfície do texto fotográfico que analisámos. Uma mesma análise realizada por diversos investigadores proporcionar-nos-ia resultados bastante diferentes. Este facto não deve preocupar-nos excessivamente: o realmente importante é que as reflexões realizadas estejam devidamente argumentadas. • Nível Interpretativo • A metodologia de análise que propomos encerra-se com o estudo do nível interpretativo da imagem. Diferentemente de outras propostas metodológicas, a nossa análise põe o acento nos modos de articulação do ponto de vista. Com efeito, é frequente encontrar análises icónicas que ignoram o problema da enunciação. Qualquer fotografia, na medida em que representa uma selecção da realidade, um lugar a partir do qual se realiza a tomada fotográfica, pressupõe a existência de um olhar enunciativo. O estudo desta questão tem consequências notáveis para conhecer a ideologia implícita da imagem e a visão do mundo que transmite. Neste sentido, propõe-se um conjunto de conceitos a partir dos quais é possível reflectir, desde o ponto de vista físico, a atitude das personagens, a presença ou ausência de qualificadores ou marcas textuais, a transparência enunciativa, os mecanismos enunciativos (identificação vs. distanciamento), até ao estudo das relações intertextuais que a imagem fotográfica promove. • Nível Interpretativo • A análise da fotografia finaliza com uma interpretação global do texto fotográfico, de carácter subjectivo, que procura a articulação dos aspectos analisados na construção de uma leitura fundamentada, assim como é o momento de realizar, se se entender oportuno, uma valorização crítica sobre a qualidade da imagem estudada. Como já exprimimos anteriormente, sentimo-nos em dívida com os ensinamentos da semiótica textual, que tratámos de complementar com a consideração de outros aspectos como o estudo das condições de produção (instância autoral; contexto social, económico, político, cultural e estético), a tecnologia ou as condições de recepção da imagem fotográfica (onde se mostra a fotografia, a que público se dirige, etc.). Na base desta aproximação situa-se a consideração da fotografia como linguagem, desde um ponto de vista mais operativo que ontológico (Eco, 1977; Zunzunegui, 1988, 1994). • • • • • • • • • • • Articulaçao do ponto de vista Ponto de vista físico Atitude das personagens Qualificadores Transparência / sutura / verosimilhança Marcas textuais Olhares das personagens Enunciação Relações intertextuais Outros Comentários • PONTO DE VISTA FÍSICO • Vimos como o enquadramento de uma fotografia é o resultado da selecção de um espaço e tempo dados. Todo o enquadramento responde a um ponto de vista, corresponde a uma determinada maneira de olhar, e isso implica uma relação entre elementos materiais e imateriais, presentes e ausentes na própria representação. A descrição do ponto de vista físico consiste no estudo dos parâmetros que regem o local de onde foi realizada a fotografia, se a fotografia é feita à altura dos olhos do sujeito fotográfico, em picado, em contra-picado, ou de outras posições. A eleição da altura da tomada, o ângulo da câmara, conota um peculiar modo de “relação de poder” entre a representação e a instância enunciativa que determina a articulação do ponto de vista. Também é conveniente fazer referência à existência de balanceamento do enquadramento, o que constitui um modo de distorcer a representação. • ATITUDE DAS PERSONAGENS • A atitude das personagens pode revelar ironia, sarcasmo, exaltação de determinados sentimentos, desafio, violência, etc., e promover no espectador certo tipo de emoções. Estas atitudes podem ser estudadas a partir do exame da encenação e da pose dos actantes da fotografia. O exame dos olhares das personagens é outro aspecto que nos pode dar bastantes pistas sobre as suas atitudes. Em certas ocasiões, estes olhares constituem uma interpelação directa ao espectador (geralmente em contra-campo), ou a outras personagens do campo visual. Por outro lado, os olhares podem dirigir-se ao fora de campo, o que sublinha a sua importância. É óbvio que o estudo deste parâmetro não está isento da carga subjectiva do analista, já que estas atitudes podem ser amiúde muito ambíguas. • QUALIFICADORES • Neste sub-capítulo, propõe-se o estudo dos modos de qualificação das personagens por parte da instância enunciativa. Estes qualificadores informam-nos do grau de integração do sujeito fotográfico com o seu redor, e o grau de proximidade ou afastamento que a instância enunciativa promove no espectador da fotografia. • TRANSPARÊNCIA/SUTURA/VEROSIMILHANÇA • Já se fez referência ao facto de que, com frequência, numerosas encenações fotográficas, baseadas na concepção indicial da fotografia, seguem o princípio do apagamento das marcas enunciativas que, precisamente, salienta a sua confusão com o referente, com a própria realidade. O meio fotográfico foi classificado historicamente como uma arte menor, precisamente por ser considerado um dispositivo que não implica um trabalho sobre a forma e sobre a realidade. O sistema representacional fotográfico dominante (que poderíamos denominar “clássico”) elimina toda a marca da existência do próprio dispositivo através da sutura e apagamento de toda a pista que aponte para a existência deste. • QUALIFICADORES • O fechamento da significação e a linearidade da leitura são outros traços característicos do modo de representação clássico, aplicáveis ao âmbito da fotografia. Em certas ocasiões, a fractura do princípio de transparência enunciativa ou de apagamento das marcas enunciativas é conseguida mediante a presença de numerosos elementos expressivos ou de técnicas compositivas que criam uma artificialidade, pondo em cheque a verosimilitude da encenação que, por ser muito marcada, rompe a verosimilitude da representação. Muitas das fotografias analisadas (que fazem parte do banco de fotografias ITACA-UJI, e que se podem consultar em www.analisisfotografia.uji.es) são exemplos desta modalidade discursiva). • MARCAS TEXTUAIS • Como afirma Santos Zunzunegui, o enunciador definir-se-ia como a presença do autor no próprio texto visual, que não deve confundir-se com o autor empírico. A tensão entre linhas, dominantes cromáticas, a co-presença de centros de interesse ou focos de atenção na imagem, a tensão entre formas geométricas (triângulos-rectângulos), a presença de composições simétricas ou irregulares, a complexa organização interna da composição fotográfica, juntamente com outros elementos, são algumas marcas textuais que nos informam da presença do enunciador na imagem. Falamos, pois, de marcas que se podem reconhecer na própria morfologia da imagem, que mantêm relações de tipo indicial, icónico, simbólico ou puramente referencial. O enunciatário é um sujeito também propriamente textual que não pode confundir-se com o receptor ou espectador físico. • MARCAS TEXTUAIS • É através da análise que podemos reconhecer a presença de ambos. Como explica Zunzunegui (1988, pp. 82-83), “a presença do observador é reconstruível e, portanto, visível, inclusivamente nos casos em que se pretende ocultar as suas marcas, através de duas actividades discursivas essenciais”: - a aspectualização: consiste na operação de localizar um conjunto de categorias aspectuais (acção, tempo e espaço) que revelam a presença implícita de um sujeito-observador; - a focalização: “permite apreender mediante um ponto de vista mediador o conjunto do relato”, quer dizer, refere-se, no nosso caso, ao modo “como” é mostrado o motivo fotográfico. • OLHARES DAS PERSONAGENS • Em determinados géneros, como a fotografia social e a fotografia de imprensa, a presença do fotógrafo é sistematicamente ocultada mediante a não exibição do olhar dos personagens para a câmara. A fotografia obtida mostra uma acção, situação, relações de força, etc., que tem como efeito um maior realismo, o qual deve ser vinculado com o efeito discursivo da impressão de realidade. O olhar para a câmara da personagem protagonista constitui uma interpelação directa, desafiante, ao espectador da imagem. Trata-se de um olhar que, em determinadas ocasiões, sublinha a presença do dispositivo técnico que torna possível a própria representação fotográfica, o que rompe o verosímil fotográfico. Em géneros como o retrato, é habitual que a pose do sujeito fotografado inclua o olhar para a câmara. • ENUNCIAÇÃO • A fotografia não é, pois, somente uma imagem, mas, sobretudo, o resultado de um fazer e de um saber-fazer; é um verdadeiro acto icónico, quer dizer, deve entender-se como um trabalho em acção. Neste sentido, a fotografia não pode ser separada do seu acto de enunciação. Denis Roche expressou esta ideia de um modo muito simples e directo: “o que se fotografa é a própria acção de fotografar”. Deste modo, em todo o texto visual pode-se reconhecer a marca do sujeito da enunciação ou enunciador, por definição. Uma análise do “corte” ou selecção que o enquadramento fotográfico supõe, através do exame dos parâmetros que temos vindo a fazer nos níveis morfológico e compositivo permitir-nos-ia determinar como se concretiza esta presença do sujeito da enunciação. É possível definir duas estratégias principais na enunciação fotográfica. Por um lado, a que se serve de modelizações discursivas do realismo da encenação, de natureza fundamentalmente metonímica (sintagmática), na qual os signos fotográficos mantêm uma relação de contiguidade física com o seu referente, para a qual aponta a vocação indicial da fotografia. • ENUNCIAÇÃO • Por outro, a estratégia discursiva baseada em modelizações não realistas, muito mais amplas e complexas de definir, de natureza principalmente metafórica (paradigmática), na qual se estabelecem relações imaginárias entre os elementos ou signos visuais – que se podem observar no texto fotográfico – e as suas significações. Na metáfora, a relação entre o signo e o referente não existe por continuidade, mas absolutamente livre, o que explica a virtualidade de leituras múltiplas que motivam os discursos artísticos. Reiterámos que a origem da fotografia reside na relação indicial que a imagem fotográfica mantém com o real. Schaeffer afirma que a imagem fotográfica constitui a execução de um código icónico, cujos signos possuem uma natureza muito diferente de outros meios de expressão. • ENUNCIAÇÃO • O matiz fundamental introduzido por Schaeffer é precisamente este: nem todos os signos icónicos funcionam do mesmo modo ou desempenham a mesma função. A imagem fotográfica é, essencialmente, para Schaeffer, um signo de recepção, o que implica a impossibilidade de a compreender nos limites de uma semiologia que, como sabemos, define o signo do ponto de vista da sua emissão. A flexibilidade pragmática, é um dos traços essenciais da imagem fotográfica, estando aos serviço das estratégias de comunicação mais diversas que têm que ver com o estatuto mutante e múltiplo da fotografia (Schaeffer, 1990, p. 8). A identificação e o distanciamento são duas estratégias enunciativas que implicam efeitos discursivos muito diferentes no espectador. A identificação é mais frequente naquelas fotografias em que existe um predomínio do indicial, donde a impressão de realidade ser o principal efeito perseguido. A fotografia de reportagem social procura, com frequência, uma resposta emotiva do espectador, e um efeito de identificação do público. O distanciamento é um efeito discursivo que se produz, amiúde, quando o espectador está consciente da natureza convencional ou artificial da própria representação fotográfica, como acontece em algumas propostas estéticas (Duane Michals, Witkin, Mapplethorpe , entre outros). • ENUNCIAÇÃO • Regressando a Schaeffer, a flexibilidade pragmática da fotografia, isto é, a condição fugidia do sentido no discurso fotográfico, daria lugar, segundo os casos, a uma ambiguidade semântica, a uma multiplicidade de leituras nas quais está implicada a subjectividade do espectador. Não obstante, isto não quer dizer que valha qualquer leitura do texto fotográfico: o exame dos dois níveis de análise anteriores, através da utilização de uma série de elementos visuais e das suas relações estruturais, permitiu-nos uma argumentação que deve ser rigorosa, partindo da materialidade do texto fotográfico. O carácter metafórico (aberto) de numerosas propostas artísticas deve vincularse à identificação de isotopias e de conexões de isotopias no próprio texto, como marcas da enunciação fotográfica. A isotopia poderia ser definida como um conjunto redundante de categorias figurativas/expressivas e semânticas que permite fazer uma leitura uniforme. Como assinala Greimas, na sua aplicação à análise do texto audiovisual, “o discurso poético poderia ser concebido como uma projecção de redes fémicas [unidades do plano da expressão, por oposição a “semas”, referentes a unidades sémicas], isótopas, onde se reconheceriam simetrias e assimetrias, consonâncias e dissonâncias [rimas visuais ou a sua ausência] e, finalmente, transformações significativas de conjuntos [visuais]” (p. 232). • Relações intertextuais • Sem dúvida, este conceito encerra uma complexidade da qual não é possível dar conta em poucas linhas. Em primeiro lugar, há que destacar que todo o texto, por definição, se relaciona sempre com outros textos que o precederam. O fotógrafo não pode evitar a influência da obra de outros fotógrafos, e de obras que trespassam os limites da própria fotografia, como a pintura, a banda desenhada, o cinema, o discurso televisivo, a escultura, a literatura, etc. A marca destas influências ficará registada, de forma mais ou menos visível, na própria materialidade do texto fotográfico que produza, e que se manifestam nas marcas enunciativas de que falámos antes. Em certas ocasiões, poder-se-á falar da presença ou reconhecimento de motivos iconográficos, o que supõe estabelecer uma relação entre um conceito com figuras, alegorias, representações narrativas ou ciclos, como a paixão (como motivo religioso), os anjos, o cemitério (romantismo), etc. Deste modo, podem-se estabelecer diferenças de matiz nos modos de registar estas influências no texto fotográfico: - A citação consiste na presença literal de uma obra de outro fotógrafo ou criador (em sentido amplo). A colagem é uma técnica que se baseia explicitamente no uso de fragmentos de outros textos visuais. - O pastiche consiste em tomar determinados elementos característicos da obra de um fotógrafo, artista ou criador e combiná-los de tal maneira que dêem ao espectador a impressão de se tratar de uma criação independente. • Relações intertextuais • - Finalmente, falar-se-á, de forma geral, de intertextualidade quando se detecte um jogo de relações suficientemente elaborado e trabalhado entre o texto analisado e outros textos com os quais se relacione de um modo produtivo. A competência de leitura da instância receptora é decisiva para a detecção deste tipo de relações intertextuais, cujo reconhecimento tem uma natureza subjectiva, ainda que não se deva esquecer, de novo, que não podemos perdernos em “derivas interpretativas” que convertam a nossa análise numa leitura aberrante, carente do nível de argumentação necessário para justificar a intertextualidade presente na fotografia estudada. Um factor determinante de relações intertextuais é a mise en abîme. Se dentro da fotografia se reproduz um quadro ou outra representação de qualquer tipo, sendo parte ou todo do conjunto, encontramo-nos ante uma experiência de intertextualidade por vezes não evidente, mas sempre factual. Em alguns casos, a ironia e o humor são efeitos que se conseguem mediante a utilização destas técnicas de construção discursiva, sempre presentes, de uma forma ou de outra, em qualquer texto fotográfico. Esta série de conceitos foi estudada por diferentes autores como Roland Barthes, Julia Kristeva ou Mikäil Bakhtine. • OUTROS • Este espaço fica reservado à inclusão de outros conceitos que possam estar relacionados com o nível interpretativo da análise fotográfica. Permanece aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem. • COMENTÁRIOS • No termo do exame dos distintos conceitos que enformam o estudo da articulação do ponto de vista, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes. Pôde-se constatar que a maioria dos parâmetros considerados neste nível interpretativo de análise estão intimamente relacionados, ao ponto de resultar muito difícil defini-los de forma independente. Recordemos que a utilização do formato de tabela para a apresentação da presente proposta de análise da imagem fotográfica é motivada pela sua inserção numa página web, na qual, através de links, se relaciona a explicação de inúmeros conceitos e exemplos, e constitui, portanto, uma ferramenta de trabalho que pretende ser o mais clara e didáctica possível, sem renunciar ao rigor académico. O mais recomendável é que a análise fotográfica seja apresentada em texto contínuo, num formato “literário” – se nos é permitida a expressão –, no qual se estabelecem continuamente as relações pertinentes entre os conceitos que aqui expusemos. • Interpretação global do texto fotográfico • A interpretação global do texto fotográfico, de carácter fundamentalmente subjectiva, como vimos, contempla a possibilidade de reconhecer a presença de oposições que se estabelecem no interior do enquadramento, a existência de significados para os quais podem remeter as formas, cores, texturas, iluminação, etc.; como se constrói a aspectualização e a focalização do texto fotográfico, através do exame da articulação do ponto de vista e dos modos de representação do espaço e do tempo; que tipos de relações e oposições intertextuais (relações com outros textos audiovisuais) se podem reconhecer, assim como uma valorização crítica da imagem (quando adequado). • Neste nível interpretativo é recomendável seguir o chamado “princípio da parcimónia”, que consiste na eleição da hipótese interpretativa mais simples entre as múltiplas que podem surgir, como proclamam alguns filósofos da ciência como Cohen ou Nagel. Diz-se que “uma hipótese é mais simples que outra se o número de tipos de elementos independentes é menor na primeira que na segunda” (Arnheim, 1979, p. 75). Trata-se de oferecer uma leitura crítica da imagem através de uma visão de totalidade , para o que deverá fazer-se uma síntese dos aspectos tratados mais relevantes, ainda que sob uma ou várias perspectivas que relacionem as diferentes hipóteses enunciadas durante a análise. Para isso, vamos expor muito brevemente alguns conceitos que podem surgir ao longo das análises de imagens fotográficas. • Interpretação global do texto fotográfico • O primeiro refere-se aos conceitos de ambiguidade e auto-reflexividade, enquanto definidores do texto artístico, como foram expostos por Umberto Eco. A ambiguidade refere-se ao grau de abertura das significações so texto estudado, por oposição à univocidade de uma leitura. A auto-referencialidade remeteria para a capacidade da obra de arte em suscitar uma reflexão sobre a própria natureza do texto artístico, no nosso caso, da imagem fotográfica. Alguns estudiosos empregam a expressão “mise en abîme” para referir-se à presença, na própria imagem, de elementos que remetem à própria natureza representacional do texto visual. Também pode utilizar-se o termo metadiscursividade. O estudo do espaço, tempo e acções da representação, assim como a articulação do ponto de vista, são os itens da análise nos quais se terá detectado a presença destes traços estruturais que apontam para a “poética da obra aberta”. Também temos feito referência à possibilidade de reconhecer algumas práticas significantes como enquadráveis nas categorias representação clássica versus representação barroca, como foram definidas por Wölfflin. Santos Zunzunegui (1988, pp. 170-172) aplica-as, de forma pertinente, à análise da fotografia de paisagem. • Interpretação global do texto fotográfico • A concepção clássica da representação fotográfica consistiria na existência de uma visão parcelar do mundo (pontualidade, fragmentação); apresentação da organização do mundo em planos diferenciados; simetria como peso estrutural; claridade absoluta (legibilidade do espaço, tempo e acção); e temporalidade descontinua (instantaneidade). A concepção barroca de uma representação fotográfica consistiria, pelo contrário, na existência de uma visão encadeada, entrelaçada do mundo; proeminência da profundidade na representação; formas com continuidade para lá do fora de campo fotográfico; prevalência da ideia de unidade absoluta; claridade relativa (Wölfflin dizia que “a revolução do barroco é a que permite pela primeira vez à luz estender-se pela paisagem em manchas livres”); e durabilidade temporal (continuidade, atemporalidade). Seguindo a exposição de Zunzunegui, as imagens chamadas “barrocas” actualizam “programas narrativos que poderíamos designar de manutenção de estado (a natureza como Éden), enquanto as clássicas o fazem como programas de transformação (a anexação do território; a destruição do estado primogénito)” ao referir-se aos casos de estudo de fotografias de paisagem (p. 172). • Interpretação global do texto fotográfico • Em algumas análises fotográficas pode-se encontrar a utilização do termo maneirismo para descrever determinados modos de representar. Trata-se, como afirma Hauser, de um conceito complexo no qual prevalece uma tensão entre elementos estilísticos antitéticos. Historicamente, o maneirismo é um estilo pictórico que surge nos finais do Renascimento, no qual se manifesta o artifício, a forma, a maneira, como sintomas de uma expressão intelectualizada e deformada que oculta, no fundo, um profundo drama (emotivo também) de desencontro e problematização com o externo e o interno. Alguns textos fotográficos poderiam ser descritos, pois, como maneiristas. • Interpretação global do texto fotográfico • Omar Calabrese empregou o termo neobarroco para se referir à fractura da estabilidade da ordem clássica, presente em numerosas manifestações artísticas na pós-modernidade. O cânone clássico ver-se-ia perturbado por “categorizações de juízos que excitam vigorosamente o ordenamento do sistema, o desestabilizam por todos os lados e o submetem a turbulências e flutuações” (p. 45). Entre os traços que caracterizam a representação neobarroca podemos destacar: a estética da repetição e da variação (com respeito à ideia de ordem, originalidade e irrepetibilidade da estética idealista e das vanguardas); a colocação em crise do conceito de totalidade, isto é, a importância do detalhe ou fragmento; a revalorização das ideias de desordem e caos, tão habitual na cultura contemporânea (a beleza fractal, a estética do monstruoso ou a ideia da recepção acidentada por influência do zapping no consumo televisivo); a importância da imprecisão, do incompleto e errático na recepção estética; o predomínio do labiríntico como sintoma do gosto pelo enigma, pelo que se oculta ou pela leitura não linear dos textos artísticos; finalmente, a perversão que encerra uma leitura fragmentária e distorcida do texto. • Interpretação global do texto fotográfico • A utilização da citação ou do pastiche na produção artística pode alcançar graus muito elevados, como em O Nome da Rosa, romance de Umberto Eco construído à base de citações de Adorno, Wittgenstein, São Tomás, Conan Doyle, etc., o que para Calabrese é uma operação neobarroca. Alguns destes traços podem ser identificados igualmente em textos fotográficos que se relacionam com a actual sensibilidade pós-moderna, muito ligada à ideia de neobarroco. • Interpretação global do texto fotográfico • A propósito da pós-modernidade, Umberto Eco assinalou que “não se trata de uma tendência que possa circunscrever-se cronologicamente, mas uma categoria espiritual, melhor dito, uma kunstwollen, uma maneira de fazer. Poderíamos dizer que cada época tem o seu próprio pós-modernismo, assim como cada época terá o seu próprio maneirismo”. E acrescenta pouco depois: “no entanto, chega um momento em que a vanguarda (o moderno) não pode ir mais além, porque produziu já uma metalinguagem que fala dos seus textos impossíveis (arte conceptual). A resposta pós-moderna ao moderno consiste em reconhecer que, uma vez que o passado não pode ser destruído – a sua destruição conduz ao silêncio – o que há a fazer é revisitá-lo: com ironia, com ingenuidade” (p. 72). • Interpretação global do texto fotográfico • Não queremos finalizar a exposição da nossa metodologia de análise, sem esquecer que o prazer visual é um factor-chave na recepção das imagens. Caberia acrescentar que a própria actividade analítica não está isenta de prazer, já que entender (ou crer entender) o sentido oculto (ou sentidos ocultos) na mensagem fotográfica é uma actividade que também proporciona prazer. Um sentimento aprazível que parece ser causado pelo facto de se ter alcançado o êxito da empresa analítica. Concordamos com Roche quando assinala que, na hora de analisar uma fotografia, “a pergunta sem dúvida já não é «o que nos mostra uma foto?» nem «o que pode um filósofo fazer com uma foto?»… mas, mais propriamente, «com o que é que tem a ver uma fotografia, uma vez tirada?»” (p. 73). Uma pergunta que tentámos responder, o melhor que pudemos, com a proposta da presente metodologia de análise da imagem fotográfica.