REVISTA
DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
DO TRABALHO
FUNDADA EM 1991
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO
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COMISSÃO EDITORIAL
Eduardo Varandas Araruna
Juliana Vignoli Cordeiro
Ludmila Reis Brito Lopes
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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
REVISTA
DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
DO TRABALHO
EDITADA PELA LTr EDITORA, EM CONVÊNIO
COM A PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO
E COM A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS
PROCURADORES DO TRABALHO
OS ARTIGOS PUBLICADOS SÃO DE
RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES
REV. MPT — BRASÍLIA, ANO XIX — N. 38 — SETEMBRO 2009
Redação
Procuradoria-Geral do Trabalho
SBS Quadra 2, Bloco S, Salas 1103/1105 — 11º andar — Empire Center
CEP 70070-904 — Brasília — DF
Telefone: (61) 3325-7570 — FAX (61) 3224-3275
e-mail: [email protected]
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Revista do Ministério Público do Trabalho / Procuradoria-Geral do
Trabalho — Ano 1, n. 1 (mar., 1991) — Brasília: Procuradoria-Geral do Trabalho, 1991 — v. Semestral.
1. Direito do trabalho. 2. Justiça do Trabalho. I. Procuradoria-Geral do Trabalho (Brasil).
ISSN 1983-3229
CDD 341.6
Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: R. P
P.. TIEZZI
Capa: FÁBIO GIGLIO
Impressão: CROMOSETE
 Todos os direitos reservados
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E D I T O R A L T D A.
Rua Jaguaribe, 571 — CEP 01224-001— Fone (11) 2167-1101
São Paulo, SP — Brasil — www.ltr.com.br
LTr 4132.3
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 9
ESTUDOS
TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO: PROIBIÇÕES, POSSIBILIDADES E
LIMITES ............................................................................................... 13
Rafael Dias Marques
DIVERSIDADE NO TRABALHO E ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DO TRABALHO ................................................................................... 54
José Cláudio Monteiro de Brito Filho
A IMPRESCINDIBILIDADE DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NAS DEMISSÕES EM MASSA E A LIMITAÇÃO DE CONTEÚDO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTA .................................................................. 68
Maria Cecília Máximo Teodoro; Aarão Miranda da Silva
O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E OS DIREITOS HUMANOS NAS
RELAÇÕES DE TRABALHO ............................................................... 88
Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade Sandim
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO SOCIAL AO TRABALHO
DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E MULTICULTURALISMO ..... 108
Evanna Soares
NOTAS SOBRE A IMPOSSIBILIDADE DE DEPOIMENTO PESSOAL DE
MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES COLETIVAS .. 142
Ronaldo Lima dos Santos
LIMITES DA JORNADA EXTRAORDINÁRIA HABITUAL ........................... 156
Júlio César Lopes
CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL E DIREITO DE OPOSIÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA ORDEM DE SERVIÇO N. 1/09 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO .............................................. 172
Alberto Emiliano de Oliveira Neto
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INQUÉRITOS, TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO
DE CONDUTA, AÇÕES E DEMAIS ATIVIDADES
Pedido de providências ao Conselho Nacional de Justiça: Formação de
lista tríplice ......................................................................................... 185
Ação civil pública: agências de emprego .................................................... 196
Ação rescisória — Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego ......... 207
Ação civil pública contra Vale Verde Empreendimentos Agrícolas Ltda.
— setor sucroalcooleiro ..................................................................... 237
Termo de conciliação: setor Sucroalcooleiro .............................................. 272
Ação civil pública contra Nordeste Segurança de Valores Ltda. — discriminação por idade ............................................................................. 277
Antecipação de Tutela: Discriminação por Idade ....................................... 297
Ação civil pública contra Expresso Mercúrio S.A. — Assédio moral: Imputação
de Apelidos ........................................................................................ 300
Decisão: assédio moral: imputação de apelidos ........................................ 329
Ação civil pública contra Farma Service Distribuidora Ltda: falsos representantes comerciais ......................................................................... 345
Sentença: falsos representantes comerciais .............................................. 367
Recurso ordinário — Banco do Brasil: prorrogação de concurso público ... 386
Acórdão: prorrogação de concurso público ................................................ 399
Termo de compromisso de ajustamento de conduta — Bompreço ........... 417
JURISPRUDÊNCIA
Demissão em massa. Abusividade. Suspensão. TRT 3ª Região .............. 425
Conflito de competência. Eleição de representantes sindicais. STJ ........... 430
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Ação civil pública. TST. Terceirização em atividade-fim. Empresa de
ramo de energia elétrica .................................................................... 436
Ação civil pública. TST. Dano moral. Responsabilidade objetiva do empregador ............................................................................................. 454
RESENHA
Terceirização no serviço público: uma análise à luz da nova hermenêutica constitucional ............................................................................... 477
Helder Santos Amorim
Membros do Ministério Público do Trabalho ............................................ 483
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APRESENTAÇÃO
É com grata satisfação que a Comissão Editorial da Revista do
MPT, em seu último trabalho na atual composição, traz a lume estudos,
peças e decisões que vêm pautando a atuação do Ministério Público
do Trabalho.
Assim é que, especialmente em tempos de crise financeira
mundial, apreciar a imprescindibilidade da negociação coletiva nas
demissões em massa, os direitos humanos nas relações de trabalho,
a proteção ao trabalho das pessoas com deficiência, assim como os
limites da jornada extraordinária habitual, mostra-se de indiscutível
importância.
Ainda no tocante à atuação do Ministério Público, hão de se
destacar os estudos sobre a diversidade no trabalho e a impossibilidade
de depoimento pessoal de Membros do Parquet laboral em ações
coletivas.
Também de indiscutível importância mostra-se a análise da
contribuição assistencial e o direito de oposição.
Da mesma maneira, apresentamos o destacado artigo sobre
trabalho infantil artístico, vencedor do IX Prêmio Evaristo de Moraes
Filho (2008), categoria melhor trabalho doutrinário, assim como os
vencedores do X Prêmio Evaristo de Moraes Filho (2009), categoria
melhor arrazoado.
No momento seguinte, apresentamos diversas peças, assim como
as respectivas decisões, hábeis a descortinar um pouco do inovador
trabalho desenvolvido por esse ramo especializado do Ministério
Público, em especial no que se refere ao setor sucroalcooleiro, proteção
à discriminação, combate ao assédio moral e à fraude nas relações de
emprego, além da discussão sobre prorrogação de prazo em concurso
público.
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No que se refere às decisões proferidas pelos Tribunais,
atribuímos especial destaque a um conflito de competência envolvendo
eleições de representantes sindicais, além da suspensão da demissão
em massa por abusividade, responsabilidade objetiva do empregador em
caso de acidente de trabalho e a apreciação da terceirização
em atividade-fim de empresa do ramo de energia elétrica.
Encerramos a Revista n. 38 com a resenha da obra Terceirização
no Serviço Público — uma Análise à Luz da Nova Hermenêutica Constitucional.
Acreditamos que esta obra contribuirá sobremaneira para que a
sociedade conheça cada vez mais o papel transformador desempenhado pelo Ministério Público do Trabalho.
A Comissão Editorial
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ESTUDOS
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TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO: PROIBIÇÕES,
POSSIBILIDADES E LIMITES
VENCEDOR DO PRÊMIO EVARISTO DE
MORAES FILHO 2008 —
MELHOR TRABALHO DOUTRINÁRIO
Rafael Dias Marques
1. INTRODUÇÃO
Trata-se de estudo que tem por objeto analisar a possibilidade,
ou não, de realização de trabalho artístico por crianças e adolescentes
que possuam idade inferior à estabelecida pela Constituição Federal
para a realização de labor. Com efeito, é situação comum, pública e
notória — e que precisa ser analisada sob a óptica do Direito — a
participação de crianças e adolescentes menores de 16 anos em
manifestações artísticas, não raramente apropriadas economicamente
por outrem.
Buscou-se responder não apenas à indagação central, mas
também às questões relativas ao tema, como o choque entre dispositivos constitucionais (art. 5º, IX e art. 7º, XXXIII); a validade de normas
internacionais que tratam do trabalho infantil (com enfoque na Convenção OIT n. 138/73, sobre a idade mínima para admissão a emprego), e
que normas devem ser observadas no caso de ser possível o desenvolvimento deste tipo de trabalho.
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2. DA PROIBIÇÃO DE REALIZAÇÃO DE TRABALHO ARTÍSTICO
POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES FORA
DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 7º, XXXIII DA CF/88.
DA RELATIVIZAÇÃO EXCEPCIONAL DE TAL PROIBIÇÃO, POR
FORÇA DA CONVENÇÃO N. 138 DA OIT
Por ser o Brasil signatário da Convenção n. 138 da OIT, incorporada ao Ordenamento Interno por força do Decreto n. 4.134, de 15 de
fevereiro de 2002, as obrigações contidas nesta norma passaram a
ser obrigatórias dentro do território nacional, sendo que este diploma
alienígena se integrou ao Direito brasileiro com força de dispositivo
constitucional, conforme será demonstrado.
Como se sabe, os tratados internacionais de direitos, especialmente os que versam sobre direitos humanos, tornam-se exigíveis/
aplicáveis tão logo sejam eles ratificados. Trata-se de Princípio de Direito
Internacional, patente inclusive no ordenamento jurídico interno do
Brasil, o qual dispõe que os acordos firmados devem ser cumpridos de
boa-fé (pacta sunt servanda), princípio este expressamente constante
da Convenção de Viena(1), da qual o Brasil também é parte.
Aliás, o princípio do pacta sunt servanda, amplamente aceito no
direito internacional, confere obrigatoriedade ao tratados internacionais,
integrando, mesmo, o arcabouço dos princípios gerais de direito
reconhecidos e respeitados pela sociedade internacional.
Em consonância com este princípio presente no art. 26 da
Convenção de Viena, e ainda com aquele previsto no artigo seguinte
— segundo o qual “a parte não poderá invocar as disposições de seu
direito interno como justificação do descumprimento de um tratado” —,
torna-se imperioso o cumprimento dos termos celebrados naquela
Convenção da OIT n. 138/73, porquanto recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, inobstante debates acerca do caráter atribuído
a tal tratado (constitucional ou infraconstitucional), aspecto controverso
este que será evidenciado no tópico seguinte.
Corroborando tal arquétipo normativo, o art. 11 da Convenção de
Havana sobre Tratados, celebrada no ano de 1928, devidamente
(1) Art. 26. Todo tratado que entre em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por
elas de boa-fé.
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promulgada pelo Estado brasileiro por meio do Decreto. n. 5.647, de
1929, dispõe que “os tratados continuarão a produzir seus efeitos, ainda
que se modifique a Constituição interna dos Estados Contratantes”.
Disto decorre, então — e mesmo a priori sem qualquer questionamento acerca do apanágio constitucional, ou não, da norma internacional ora indigitada — a proibição geral do trabalho infantil artístico,
como de resto, de toda e qualquer forma de trabalho infantil, abaixo da
idade limite fixada pelo Estado-membro, conforme constante do art. 2º
da Convenção. Admite-se, porém, excepcional possibilidade de tal
prática, em casos especiais, mediante a devida autorização, consoante
melhor se aclarará a seguir, na medida em que a convenção sobredita
possui dispositivo nesse sentido e deve, pois, pelos princípios expostos,
ser cumprida pelo Brasil.
Mesmo porque uma das características que informa a Teoria Geral
sobre o Direito dos Tratados Internacionais, repousa no consentimento,
de maneira que os tratados somente serão aplicados no Direito Interno
se os respectivos Estados consentirem com sua adoção, por meio de
instrumento que veicule aquele consentimento, vale dizer, um instrumento de ratificação, o que definitivamente ocorreu na caso da
internalização da Convenção n. 138 da OIT.
Deste modo, se os tratados são expressão do consenso, pois
somente assim podem criar obrigações legais, os Estados soberanos,
ao aceitá-los, comprometem-se a respeitá-los. Assim, no presente caso,
por ter o Brasil ratificado aquele normativo internacional, deve respeitar
suas disposições de conduta.
Portanto, o tratado internacional detém atributo de norma jurídica,
constituída mediante consenso entre partes iguais, de observância
obrigatória e capaz de produzir efeitos na realidade toda vez que
internalizada no Direito pátrio.
Realmente, a proibição geral ao trabalho, inclusive ao trabalho
infantil artístico, consta do art. 2º, item 1, daquela Convenção, a qual
comina ao Estado signatário o dever de informar ao Secretariado da
Organização Internacional do Trabalho, em instrumento anexo à
ratificação, conforme definido no próprio texto da Convenção, qual a
idade mínima de admissão ao trabalho a viger sob seu território,
observado um piso etário previsto naquele instrumento.
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Tal declaração completará a norma internacional e vinculará o
Estado-membro perante sua Ordem Jurídica interna, como também
perante a comunidade internacional.
Todavia, a própria Convenção admite, em seu art. 2º, item 1, em
paralelo àquela proibição genérica, duas hipóteses, uma genérica e
outra específica, de exclusão e permissão de labor abaixo do limite
etário fixado, consoante melhor se demonstrará a seguir. Fale-se,
inicialmente, da hipótese geral de exclusão.
Os arts. 4º e 5º daquela convenção também impõem ao Estado a
possibilidade de, em assim o querendo e com base na sua realidade
de desenvolvimento econômico-social, excluir determinados ramos de
atividade ou setores da economia daquele limite etário, fazendo-o por
meio de instrumento próprio e na forma estipulada naquelas mesmas
normas, vale dizer, mediante instrumento anexo à ratificação, consoante disciplinado no art. 5º, item 2, da Convenção.
Ora, em assim o fazendo, o Estado-membro afasta aquelas específicas áreas listadas, da regra de proibição geral ao trabalho precoce,
permitindo que, independentemente de qualquer autorização, crianças
e adolescentes nelas se ativem laboralmente.
E, então, subsumindo aqueles padrões normativos ao caso
brasileiro e a partir de pesquisas nas memórias que o Governo brasileiro encaminha ao Secretariado da Organização Internacional do Trabalho, constata-se que o Estado brasileiro, ao ratificar a Convenção
n. 138, indicou como idade mínima a ser observada a faixa etária inferior aos 16 anos, salvo a partir dos 14 anos, na condição de aprendiz.
E mais. O Estado brasileiro não somente indicou aquela faixa
etária, como também não se valeu das permissibilidades dos arts. 4º e
5º da Convenção indigitada, na forma e por meio do instrumento correto,
previstos por aquela norma internacional, de modo que a proibição
alcançou limites amplos, não se excluindo daquela idade nenhuma
atividade ou setor da economia, como permitiam aquelas disposições
normativas.
Daí a conclusão insofismável: o Estado brasileiro, ao ratificar
aquela norma internacional, adotou uma ampla proibição ao trabalho
precoce, negando sua prática às crianças e adolescentes menores de
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16 anos, de forma que, em nenhum ramo de atividade ou setor da
economia, deve ser permitida a prática laboral abaixo daquela idade.
Ademais, é bom ressaltar: para que aquelas exceções consagradas
nos arts. 4º e 5º da Convenção pudessem ter sido ativadas, obrigatório
seria que o Estado brasileiro tivesse seguido a forma e o instrumento
neles consagrados como aptos para iniciar o processo de exclusão,
atitude internacional esta que não tomou, de maneira a configurar um
amplo escudo protetor, isto é, deveria ter encaminhado, em instrumento
anexo à ratificação, a lista de atividades excluídas (art. 5º, item 2),
expondo, no relatório a que se refere o item 2 do art. 4º, as razões
justificativas de tal exclusão.
Todavia, ao lado daquela norma geral proibitiva e das possibilidades excludentes consagradas nos arts. 4º e 5º, das quais o Brasil
não se valeu, existe, na Convenção n. 138, um tertium genum de disposição normativa, que veicula uma exclusão específica, qual seja, o
conteúdo disposto em seu art. 8º, item 1.
Com efeito, trata-se de um terceiro gênero de norma, que admite
hipótese de exceção à proibição genérica do trabalho precoce, não
sob a mesma força normativa dos arts. 4º e 5º, mas sim sob os auspícios
de requisitos específicos e diversos daqueles contidos nos indigitados
arts. 4º e 5º. Veja-se.
Consoante já se mencionou acima, as exclusões permitidas
naqueles artigos (arts. 4º e 5º) são genéricas, a atingir, indistintamente,
toda uma categoria ou ramo de atividade, de modo a imunizá-la da
regra proibitiva genérica e, por conta disto, exige-se, a fim de produzirem
sua força excludente, que o Estado faça declaração naquele sentido,
mediante instrumento e forma próprios previstos na Convenção, sem
o que aquela declaração será nula, sem qualquer efeito jurídico.
Neste caso, permitir-se-ia a toda e qualquer criança e adolescente ativar-se nas áreas excluídas, independentemente de qualquer autorização, vale dizer, o acesso à prática laboral seria absolutamente
livre. No Brasil, inexistem aquelas exclusões genéricas, de modo que
a proibição ao labor abaixo da idade mínima vale para todas as
atividades.
Diferente, todavia, é a hipótese consagrada no art. 8º, item 1, da
Convenção. Aqui, não se trata de exclusões genéricas, mas sim de
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permissões individuais, devidamente autorizadas pelas autoridades
competentes, que fixarão em que tipos de atividades poderá haver
labor excepcional, as condições protetivas nas quais o trabalho poderá
se desenvolver, diante da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, inerente às crianças e adolescentes.
E, por serem diferentes as hipóteses de exclusão (a primeira,
realizada de maneira apriorística e inespecífica, pelo Estado-membro,
independentemente da casuística individual; a segunda, realizada caso
a caso, de modo individual e particularizado, mediante autorização
específica para tal), diversos, por óbvio, são também os requisitos para
que se ativem:
A) a primeira, mediante declaração encaminhada pelo Estado-membro ao Secretariado da OIT, em instrumento anexo à ratificação, a qual, uma vez eficaz, abre a via do trabalho independentemente de autorização caso a caso;
B) a segunda, alheia ao encaminhamento daquela declaração,
porque se efetivará, casuisticamente, de modo excepcional e
mediante autorização por quem de direito.
E assim, por força da mesma convenção, à norma geral proibitiva
contida em seu art. 2º, acrescenta-se uma restrita hipótese de permissão, independentemente de declaração prévia encaminhada pelo
Estado ao Secretariado da OIT, qual seja, a exclusão do art. 8º, item 1.
Há, pois, três espécies de normas contidas naquela Convenção
que se harmonizam sem qualquer antinomia, sendo certo que é comum,
em sede de técnica legislativa, a existência de normas genéricas e
outras que lhe venham a restringir o alcance em dadas situações, sem
que para isso se registrem grandes perplexidades:
a) A primeira espécie está contida no art. 2º, relativa à proibição
genérica, isto é, não admitindo qualquer espécie de labor abaixo
da faixa etária informada pelo Estado signatário, salvo as exclusões referidas em seu próprio corpo, quais sejam, a dos arts.
4º e 8º, hipóteses a seguir listadas. Veja-se que a própria letra da
Convenção admite duas hipóteses diferentes de exclusão.
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b) O segundo tipo, contido nos arts. 4º e 5º, veicula uma exclusão
genérica por atividade ou ramo da economia, à norma geral
proibitiva; exclusão feita de forma apriorística pelo Estado, sem
análise do caso concreto, a demandar uma declaração inicial, no
momento da ratificação, no sentido da exclusão; vale dizer, a
exclusão não opera de per si, mas mediante aquela complementação de encaminhamento do instrumento de restrição no prazo
e forma dispostos nos arts. 4º e 5º.
c) O terceiro gênero, previsto no art. 8º, item 1 da Convenção,
também prevê uma exclusão, diversa, todavia, da mencionada
na letra “b” anterior, pois se refere a uma permissão excepcional,
não apriorística, caso a caso e mediante autorização por quem
de direito, que fixará as condições em que se dará o trabalho e
em que tipo de trabalho se ativará. Por ser bem mais restrita do
que a hipótese contida na letra “b”, não exige a norma internacional, que seja feita aquela declaração prévia pelo Estado ao
Secretariado da OIT, mas tão somente que a permissão seja
excepcional, em casos individuais e mediante autorização da
autoridade competente.
E nem se venha dizer que a leitura da Convenção deve ser
realizada em conjunto, somando-se as disposições contidas nos arts.
4º e 5º àquela prevista no art. 8º, item, 1, pois, como dito, as hipóteses
fáticas nele ventiladas são diversas, a autorizar requisitos também
diversos para que suas forças normativas de exclusão também se
ativem. Nesse sentido, a própria letra do art. 2º da Convenção faz essa
distinção, ao fazer reserva de dois tipos de exclusão, a do art. 4º e a do
art. 8º.
Caso contrário, bastaria a norma dos arts. 4º ou 5º, sem necessidade da norma do art. 8º, item 1. Aliás, se própria norma da OIT
pretendesse tratar da mesma hipótese de exclusão, não a teria
separado em dois artigos, topologicamente distantes um dos outros,
mas tão só criado mais um item nos arts. 4º e 5º. De fato, assim não
procedeu, por tratarem-se de situações fáticas de exclusão diversas,
conforme demonstrado.
Realmente, o sistema normativo contido na Convenção n. 138,
sob este específico aspecto, não apresenta antinomia, de modo que
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as normas dos arts. 4º, 5º e 8º, item 1, não desdizem a norma geral do
art. 2º, pois lhe trazem duas hipóteses diversas de exceção, e isto é
bastante comum na seara de técnica de produção normativa.
Por outro lado, a norma do art. 8º, item 1, da Convenção não se
contrapõe à norma dos arts. 4º e 5º, pois tratam de espécies de exclusão
diversas e que não se somam, consoante visto.
Assim, por força de tais considerações, é fato e jurídico que a
proibição ao trabalho abaixo dos 16 anos é norma geral no Brasil e
vale para todos os ramos de atividade, inclusive para o trabalho infantil
artístico, posto que este não se valeu dos arts. 4º e 5º, que veiculam
uma hipótese de exclusão genérica.
Por outro lado, frente àquela proibição geral, a própria norma da
OIT admite, em seu art. 8º, item 1, outra espécie de exclusão ao limite
mínimo, de maneira que, para fins de representação artística, admitem-se situações específicas e individualizadas de labor abaixo da idade
mínima, desde que autorizadas por quem de direito, mediante instrumento que indicará as peculiares condições de trabalho em consonância com a proteção peculiar de pessoas em desenvolvimento,
inerente a toda criança e adolescente.
Repita-se, finalmente e em atinência ao caso brasileiro: são duas
hipóteses de exclusão diversas, das quais somente a segunda, específica e casuística, aplica-se ao Brasil, pois este não ativou a norma de
exclusão genérica dos arts. 4º e 5º, na forma e prazo previstos na
Convenção. De fato, se acaso houvesse ativado e excluído a área de
trabalho infantil artístico, valendo-se dos arts. 4º e 5º, permitir-se-ia o
labor naquela área, desde logo e aprioristicamente, independentemente
de qualquer autorização ou previsão de condições específicas de
trabalho.
Assim, como não o fez, a regra é a proibição do trabalho infantil
artístico, sem qualquer exclusão apriorística da atividade. Todavia, nada
impede que tal proibição seja temperada — e, definitivamente o é —
por outra hipótese de exclusão, prevista no art. 8º, item 1, a permitir,
de modo excepcional e individual, o labor em manifestações artísticas,
desde que autorizado, caso por caso, pela autoridade competente e
eficazmente protegido.
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Superada esta digressão inicial, realizada a fim de melhor
compreender o conjunto da Convenção n. 138, passe-se, agora, à
análise específica do art. 8º, item 1, daquela norma internacional.
Portanto, a possibilidade excepcional e individual de realização
de trabalho infantil artístico — pois a regra é sua proibição — tem como
subsídio o permissivo constante do art. 8º, item 1, da Convenção
n. 138/73, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê:
“A autoridade competente, após consulta com as organizações de
empregadores e de trabalhadores interessadas, se as houver, podem,
mediante licenças concedidas em casos individuais, permitir exceções
à proibição de emprego ou trabalho disposto no art. 2º desta Convenção,
para fins tais como participação em representações artísticas.”
O dispositivo citado permite que, após a devida autorização, a
criança ou o adolescente, nos casos em que for necessário também
para este, realize trabalho artístico.
O Diploma da OIT ora comentado fixa normas que objetivam
resguardar a dignidade das crianças e adolescentes, configurando-se
assim como uma norma de proteção aos Direitos Humanos, devendo
por isso ser encarada como uma disposição com valor de norma
constitucional, como se verá no item seguinte.
Conveniente, ainda que brevemente, dizer porque a Convenção
OIT n. 138 deve ser encarada como norma protetiva dos Direitos
Humanos.
Segundo Anselmo Henrique Cordeiro Lopes,
“Caminho mais adequado parece-nos ser a compreensão das
normas de direitos humanos como aquelas necessárias à garantia
da vivência digna, do desenvolvimento e da continuidade existencial dos seres humanos e da humanidade. Pela proteção desta
— a humanidade —, entende-se a tutela das gerações futuras e
também a garantia de perpetuidade dos valores, dos conhecimentos,
das obras e das culturas humanas. Vemos, assim, os direitos
humanos como os básicos, necessários e de interesse comum
de todos os seres do globo e que representam os fins legitimadores não só do Estado, mas de toda organização humana: a
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busca da coexistência entre os homens, da liberdade possível
dos indivíduos, do desenvolvimento pessoal e coletivo, do respeito
à dignidade de cada um, da perpetuação da espécie e dos valores
humanos”(2) (com destaques).
Pode-se, então, conceber como normas de Direitos Humanos
todas aquelas que garantam, além de uma existência digna ao homem,
condições que permitam seu desenvolvimento e da sociedade em que
ele vive, e que devem ser observadas pelo Estado como o norte
legitimador de suas ações.
Dessa forma, não resta dúvida de que a Convenção da OIT, sobre
a idade mínima para a admissão a emprego, por conter normas de
caráter protecionista, as quais têm por objetivo salvaguardar as crianças
e os adolescentes da gana capitalista, ceifadora de suas condições
peculiares de seres em desenvolvimento, para encará-las como fonte
de mão de obra, garantindo-lhes condições para o pleno desenvolvimento físico, moral, intelectual e psicológico, deve ser encarada como
norma internacional de Direitos Humanos de crianças e adolescentes.
E nem se venha dizer que a norma do art. 8º, item 1, da Convenção
n. 138 pune a criança e o adolescente. Pelo contrário, ao excepcionar
e condicionar tal exceção a alguns requisitos, a norma, em última
análise, protege a criança e o adolescente, pois a autorização permissiva e excepcional, consoante se apura do item 2 daquele mesmo artigo,
fixará as condições especiais de trabalho, que deverão ser consentâneas aos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta.
Portanto, a permissão normativa excepcional existe. Com base
neste dispositivo da Convenção n. 138 da OIT, pode-se utilizar, observados os requisitos restritivos já tão decantados neste estudo, o trabalho
infanto-juvenil em atrações artísticas.
Porém, deve-se fazer uma composição entre a Convenção da
OIT e o Texto Constitucional, de forma que não se confunda a permissão
excepcional com exploração (no sentido de uso abusivo do trabalho
infantil). Não é à toa que a própria Convenção lança possibilidade de
(2) A força normativa dos tratados internacionais de direitos humanos e a Emenda
Constitucional n. 45/04. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 549, 7 jan. 2005. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6157> Acesso em: 16 out. 2007.
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permissão em casos excepcionais, e ainda sujeito ao crivo da autoridade
competente. Frise-se: a regra é proibição ampla. A exceção é permissão, restrita, excepcionalmente e devida e eficazmente protegida.
Isto porque tanto a criança como o adolescente são seres ainda
em formação, tanto física, quanto psicológica, intelectual e moralmente.
Logo, as suas atividades prioritárias são aquelas que estão relacionadas
diretamente com esse desenvolvimento, como a frequência a uma
instituição de ensino, que propicia capacitação intelectual, e o exercício
de atividades esportivas e recreativas, que desenvolvem o raciocínio
e podem também propiciar a interação em grupo. Estas atividades
devem ser a regra na rotina da criança; o trabalho, proibição, salvo
casos excepcionalíssimos, nas hipóteses tratadas neste estudo.
Assim, a exceção de permissão deve sofrer uma leitura constitucional das cláusulas da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta.
Destarte, por força de interpretação constitucional, só deve ser aceito
o trabalho infantil artístico se este se adaptar às atividades essenciais
ao desenvolvimento da criança e do adolescente, e se as disposições
relativas a este trabalho observarem, sempre, o Princípio da Proteção
Integral, consubstanciado no art. 227 da Constituição da República,
verbis:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.”
Como bem se lê no dispositivo constitucional, a doutrina da Proteção Integral institui um complexo conjunto de direitos e uma ampla
garantia de proteção à criança e ao adolescente.
Tal princípio figura como base de todo um sistema garantista e
efetivador dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, pois,
ao instituir prerrogativas, a Constituição as torna exigíveis, de forma
que cumprir as disposições do art. 227 deixa de ser faculdade do
Estado, da sociedade e da família, para passar a ser obrigação.
Dessa forma, o trabalho infantil artístico é proibido. Todavia,
excepcionalmente, permite-se o trabalho artístico realizado por crianças
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e adolescentes desde que sejam observadas garantias mínimas
referentes à jornada de trabalho (incluído aí, quando necessário, o
tempo para ensaio); horário de desenvolvimento da atividade (de forma
a não prejudicar o aproveitamento escolar), remuneração, meio
ambiente de trabalho, de previsão de caderneta de poupança etc., as
quais deverão ser fixadas na licença a ser fornecida pela autoridade
competente.
Com efeito, e em obediência à norma da OIT, é necessário que
haja autorização para a participação infanto-juvenil em representações
artísticas. E mais: segundo a mesma norma internacional, tal autorização deve conter as condições especiais e tutelares a serem
obrigatoriamente observadas no desenvolvimento daquela espécie de
labor. Com efeito, a disposição do art. 8º, item 2, da Convenção OIT
n. 138 assim está vazada:
“As permissões assim concedidas limitarão o número de horas do
emprego ou trabalho autorizadas e prescreverão as condições em que
esse poderá ser realizado.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece em
seu art. 149, II, a, competir ao Juiz da Infância e da Juventude (ou
quem suas vezes o faça) autorizar a participação de criança e adolescente em espetáculos públicos (e seus ensaios). Contudo, em se tratando de trabalho artístico, entendemos que, com a recente alteração
constitucional, por meio da Emenda Constitucional n. 45, que ampliou
a competência da Justiça do Trabalho, os juízes do trabalho passaram
a ter competência para conhecer da matéria, devendo não apenas
autorizar, mas fixar as condições em que este trabalho poderá ser
desenvolvido, estabelecendo, também, sanções para o caso de descumprimento.
Realmente, dispõe o art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente que a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores,
para a concessão do alvará, os seguintes aspectos: a) os princípios
da lei, entre os quais se incluem as balizas maiores de toda a principiologia tutelar da criança e do adolescente, isto é, a proteção integral
e prioridade absoluta; b) as peculiaridades locais; c) a existência de
instalações adequadas; d) o tipo de frequência habitual ao local; e) a
adequação do ambiente à eventual participação ou frequência de
crianças e adolescentes; f) a natureza do espetáculo.
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Assim, enquanto não sobrevier lei específica disciplinando os
pormenores dessa relação de trabalho singular, a partir de autorização
constitucional já existente, deverá o interessado — representado ou
assistido por seu representante legal —, requerer ao órgão jurisdicional
a devida autorização ao exercício de atividade laboral, competindo ao
magistrado definir se dará a permissão, dependendo do tipo de trabalho
artístico, e, acaso lhe seja conferida, determinar a forma de execução
da atividade (duração da jornada; condições ambientais; horário em
que o trabalho pode ser exercido pela criança ou adolescente; e outras
questões relacionadas ao trabalho que estejam presentes no caso
concreto), sempre com a manifestação do Ministério Público do Trabalho, que deverá atuar como fiscal da lei para evitar eventuais irregularidades.
Nesse sentido, elencam-se como parâmetros mínimos de
proteção a serem observados:
a) contratação de menores de 16 anos apenas em manifestações
artísticas que, comprovadamente, não possam ser desempenhadas por maiores de 16 anos;
b) exigência de prévia autorização de seus representantes legais
e mediante concessão de alvará judicial expedido pela autoridade
judiciária do trabalho, para cada novo trabalho realizado;
c) impossibilidade de trabalho em manifestações artísticas que
ocasionem ou possam ocasionar prejuízos ao desenvolvimento
biopsicossocial da criança e do adolescente, devidamente aferido
em laudo médico-psicológico;
d) exigência de apresentação de matrícula, frequência e bom
aproveitamento escolares, além de reforço escolar, em caso de
mau desempenho;
e) não coincidência entre o horário escolar e a atividade de trabalho, resguardados os direitos de repouso, lazer e alimentação,
dentre outros;
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f) garantia de efetiva e permanente assistência médica, odontológica
e psicológica;
g) proibição de labor a menores de 18 anos em locais e serviços
perigosos, noturnos, insalubres, penosos, prejudiciais à moralidade e em lugares e horários que inviabilizem ou dificultem a frequência à escola;
h) exigência de depósito, em caderneta de poupança, de percentual
mínimo incidente sobre a remuneração devida, cuja movimentação só será permitida quando completar a maioridade legal
ou mediante autorização judicial, em casos de comprovada necessidade;
i) observância da jornada e carga horária semanal máximas de
trabalho, bem como dos intervalos de descanso e alimentação, e
ainda das condições gerais em que o trabalho será realizado, tal
como fixados pela autoridade judiciária do trabalho, em alvará;
j) acompanhamento do responsável legal do artista, ou quem o
represente, durante a prestação do serviço;
k) garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários quando
presentes, na relação de trabalho, os requisitos do arts. 2º e 3º
da Consolidação das Leis do Trabalho.
3. DA APARENTE COLISÃO DE DIREITOS ENTRE OS ARTS. 5º,
IX E 7º, XXXIII, DA CF/88
Não fosse tudo isso, também por uma outra óptica, poder-se-iam
admitir, nas mesmas linhas excepcionais, situações em que se permite
o trabalho artístico de crianças e adolescentes menores de 16 anos.
Trata-se da hipótese de cotejo entre os arts. 5º, IX e 7º, XXXIII, da
CF/88.
O grande problema da aplicação e compreensão do Direito ocorre
quando duas normas, referentes a direitos distintos, autorizam padrões
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de conduta conflitantes numa mesma situação fática, vez que tais
direitos não podem ser exercidos plenamente sem um adentrar a esfera
do outro, isto é, sem ferir o outro direito, sendo omissos os diplomas
quanto à solução para o conflito. E, então, em tal hipótese, está-se
diante de um problema jurídico-hermenêutico denominado colisão ou
conflito de direitos ou valores jurídicos.
O Brasil, como país defensor das liberdades, dentre as quais
figuram a liberdade de expressão e de crença, bem como a liberdade
de fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei, demonstra sua
profunda intenção de coibir quaisquer lesões a esses direitos ao fazê-los constar no rol expresso das garantias fundamentais, presente no
art. 5º do Diploma Constitucional de 1988.
Tais direitos são tão essenciais que se constituem como o alicerce
da República Brasileira como Estado Democrático de Direito, pelo que
não podem ser alterados nem por inflexão do Poder Constituinte
Derivado, senão por nova Constituinte, o que denota, desde já, a máxima efetividade atribuída às liberdades fundamentais dos cidadãos
pátrios.
Por outro lado, o art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal apresenta
norma de vedação de trabalho, garantindo o direito ao não trabalho a
todos aqueles menores de 16 anos, salvo aos maiores de 14 anos, na
condição de aprendiz.
E, então, por força do cotejo dos valores constitucionais incutidos
nas normas dos arts. 7º, XXXIII, e art. 5º, IX, chega-se a uma aparente
situação de colisão de direitos, isto é, como garantir a manifestação
artística de crianças e adolescentes menores de 16 anos, quando
aquelas são exercidas por meio de relação de trabalho? Haveria relação
de trabalho proibida, por força do art. 7º, XXXIII, da CF/88, ou exceção
permitida daquela relação de labor, por corolário do art. 5º, IX, da CF/88?
Assim, frente a tal colisão de padrões conflitantes de comportamento, deve-se proceder à análise global das normas constitucionais,
tanto as previstas pelo art. 5º, IX, quanto as capituladas pelo art. 7º,
XXXIII, a fim de se extrair o real alcance daqueles permissivos de
conduta. Isto porque toda interpretação jurídica deve ocorrer dentro
de um contexto, de modo a assegurar a contínua atualização e operabilidade do Direito.
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Nesse mister, então, e com base no princípio da máxima efetividade
e menor restrição, em especial daquelas normas relacionadas à
Liberdade — defendidos pela melhor doutrina — vê-se que existe, em
primeira análise, proibição de trabalho infantil artístico, que, em certas
situações, devidamente autorizadas por quem de direito e eficazmente
protegidas, cede passo a exceções, as quais devem ser fixadas também
considerando o princípio da proporcionalidade, conforme se explicará
a seguir.
Segundo alguns doutrinadores e magistrados, a Constituição
proibiria qualquer espécie de trabalho a menores de 16 anos, salvo na
condição de aprendiz aos maiores de 14 (assim pensa Erotilde dos
Santos Minharro, em sua obra “A criança e o adolescente no direito do
trabalho); por outro lado e ao mesmo tempo, garante a liberdade de
expressão artística, intelectual, científica, dentre outros (em cujo substrato fático está a manifestação artística de crianças e adolescentes,
ainda que tal expressão seja apropriada economicamente por outrem),
o que vem a ocasionar a exsurgência do fenômeno jurídico da “colisão
de direitos”.
Diga-se, todavia, uma colisão aparente que deve ser dirimida não
pela interpretação das normas de forma isolada, mas como um todo.
Afinal, apesar de divisões didáticas, “o direito é um só”, como afirma
Fredie Didier Jr.(3).
Aliás, como bem explica Sandra Lia Simón(4), a efetivação de uma
liberdade pode confrontar diretamente com outro direito de mesmo
patamar hierárquico, o que, neste caso específico, enquadra-se perfeitamente naquela hipótese prevista por Canotilho(5), em que “um direito
entra em confronto com um bem jurídico (coletivo ou do Estado) protegido pela Constituição”, necessitando de “harmonização”, por avaliação
das normas. Como lembram Robortella e Peres(6):
(3) Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento.
9. ed. Salvador: Juspodivm, 2008. v. 1.
(4) A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado. São Paulo:
LTr, 2000.
(5) Citado por Sandra Lia Simón.
(6) Trabalho artístico da criança e do adolescente — valores constitucionais e normas
de proteção. Revista LTr, v. 69, n. 2, p. 151, 2005.
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“Quando determinadas normas em cotejo não são in abstracto
antinômicas, mas apenas em face de um caso concreto, a atenção
do intérprete, se orientada apenas a uma delas, pode implicar
violação das demais.”
Imprescindível, neste ponto, remeter-se àquela advertência espetacular de Pontes de Miranda, citado por Flávia Piovesan(7), afirmando
que: “a primeira condição para se interpretar proveitosamente uma lei
é simpatia. Com antipatia não se interpreta, ataca-se”.
Assim, analisando-se, “com simpatia”, o direito garantido a todos,
inclusive às crianças e adolescentes, de “livre expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de licença ou censura” (art. 5º, IX, CF), observa-se que o Constituinte
não regulamentou limitações à fruição deste direito, nem pelo ponto
de vista do modo, nem da pessoa que o exerce, a fim de se ter máxima
eficácia, com máxima proteção da liberdade e mínima restrição. E assim
deveria ser mesmo, pois, na criação artística, o homem, seja ele criança,
adolescente ou adulto, atende a um dom que lhe é inato, que deve
experimentar as raias livres da fruição, pois tanto mais livre for, maior
será seu potencial artístico.
Aliás, a própria Carta Magna de 1988 dispondo, em seu art. 208,
V, sobre o dever do Estado em prover a educação, determina que
aquele se dará mediante garantia de acesso aos níveis mais elevados
do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um.
O art. 7º, XXXIII, por sua vez, proíbe qualquer tipo de trabalho
para menores de 16 anos, salvo se aprendiz, o que vai diretamente de
encontro com a possibilidade de trabalho infantil artístico, enquanto
forma de expressão artística da criança e do adolescente autorizada
pelo art. 5º, IX, CF. É que, nesses casos, não obstante haja sim a
caracterização de “trabalho” nesta situação, este não é único, de modo
que, em paralelo, há sim o caráter artístico-cultural desta atividade —
a criação artística — elementar para a boa formação da criança e do
adolescente, desde que seja devidamente direcionada para isto,
vetando-se os excessos e agasalhando-se as práticas no princípio da
proteção integral e da prioridade absoluta.
(7) Op. cit., nota 33, p. 59.
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Desse modo, deve-se, então, ponderar aqueles valores constitucionais
aparentemente contraditórios, com base em princípios de hermenêutica
constitucional. Nesta seara, a tarefa do intérprete será a de coordenar
e combinar bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns
em detrimento de outros, isto é, o mister será o de estabe-lecer limites
e condicionamentos recíprocos de modo a se conseguir aquela
harmonização ou concordância prática. É o chamado princípio da
concordância prática.
Nesse sentido e de início, frise-se que não seria razoável e proporcional impedir a prática de todos os trabalhos infantis com finalidade
artística(8), chegando-se, mesmo, ao ridículo, pois ao invés de tais
atividades serem utilizadas de forma coerente com os direitos tutelados
a todos (de forma proporcional e conformes aos princípios protetivos
das crianças e adolescentes), sobrepor-se-ia um direito a outro, sendo
que ambos possuem mesmo nível hierárquico, sendo igualmente
essenciais.
Ressalte-se, ainda, que a norma prevista no art. 7º, XXXIII, da
CF, certamente não foi redigida para limitar a expressão artística infantil,
mas sim para impedir ABUSOS DE DIREITOS, coibindo, de modo geral,
o trabalho infanto-juvenil. Ao mesmo passo, a norma do art. 5º, IX, não
foi criada para se explorar o trabalho artístico de menores, mas sim
para permitir a livre expressão inclusive destes, ainda que haja, por
trás disso, atividade de cunho patrimonial, frise-se, desde que não seja
essa a principal finalidade e sejam fixados certos parâmetros em alvará
judicial autorizador da prática laboral.
Desse modo, o trabalho artístico realizado por menores de dezesseis anos é, em princípio, proibido, mas pode ser aceito, com a devida
autorização judicial e cautelas correspectivas à proteção integral, desde
que seja essencial, como por exemplo, na representação de um personagem infantil.
Realmente, a norma proibitiva do art. 7º, XXXIII, da CF apresenta
teleologia destinada a um escopo protetivo e tutelar da criança e do
adolescente, veiculando direito fundamental ao não trabalho em certa
(8) O ideal, consoante já exposto, é, em primeira análise, a proibição genérica ao trabalho
infantil artístico, pois, este, via de regra, é nocivo, salvo em situações de labor específicas,
individuais, devidamente autorizadas e em ambientes eficazmente protegidos.
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época da vida do ser humano, de modo a preservar sua educação,
formação, lazer e convivência familiar. Visa, pois, em última análise, a
impedir prejuízos à criança e ao adolescente, bem como abusos de
direitos.
Nesse sentido, a atividade artística, por si só, ainda que embutida
na prestação laboral, não conduz necessariamente àquela situação
de prejuízo que compõe a teleologia da norma constitucional de
proibição ao trabalho, embora, via de regra, o acarrete. Todavia, desde
que a prática seja eficazmente protegida, a atividade artística pode
comportar, sim, uma das facetas do desenvolvimento biopsicossocial
de crianças e adolescentes. Sobre o assunto, Amauri Mascaro Nascimento
assim se pronuncia:
“Há situações eventuais em que a permissão para o trabalho do menor
em nada o prejudica, como em alguns casos de tipos de trabalho
artístico, contanto que acompanhado dos devidos cuidados.” (Curso
de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 846)
Assim é que, de acordo com o Ministro do STJ Teori Albino
Zavascki, referenciado por Didier Jr.(9), existem três subprincípios
hermenêuticos para a pacificação dos conflitos de normas constitucionais como no caso sob rubrica, dos quais se destaca um — acrescentando àqueles já citados da menor restrição possível e máxima eficácia
— qual seja: o princípio da necessidade.
Ora, em vista desse subprincípio, seria realmente necessário vetar
o trabalho infantil artístico em toda e qualquer situação?? Não seria
melhor e mais proveitoso à criança e adolescente que fossem estabelecidos limites, tendo em vista seu melhor interesse??? Realmente,
crê-se mais consentânea ao princípio da proteção integral e prioridade
absoluta, a proibição ao trabalho infantil artístico, permitida, excepcionalmente, a autorização para o trabalho infantil artístico, desde que
observadas certas cautelas fixadas judicialmente.
Caso ainda haja dúvida, imperioso considerar a teoria defendida
por vários doutrinadores, com influência alemã, dentre os quais se põe
em evidência Willis Santiago Guerra Filho(10), ainda a respeito dos
(9) Op. cit., p. 38.
(10) Citado por DIDIER JR., Fredie. Op. cit., p. 38.
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subprincípios hermenêuticos. Com efeito, segundo referido autor, deve-se considerar, ainda, o princípio do meio mais suave (decorrente da
proporcionalidade).
Ora qual seria então a solução mais suave, adequada e necessária ao caso?
Neste ponto, não se vê outro caminho possível que não o da limitação de um direito por outro em fração mínima, já que a outra escolha
possível seria a total limitação do direito de expressão artística no caso.
Assim, entende-se que a liberdade de expressão artística da
criança e adolescente deve subsistir, mesmo que por meio de trabalho
remunerado, com ressalvas, sem que com isso exista lesão ao Texto
Constitucional, porquanto as normas ali encerradas foram elaboradas
para conviver pacificamente, devendo ser solucionados quaisquer
conflitos de forma proporcional, adequada, pelos meios estritamente
necessários, e de maneira “mais suave” possível, a fim de se evitar
abusos de qualquer parte. Disto, entende-se que um deve penetrar no
outro, na menor fração possível.
Além do mais, tomando-se em conta os ensinamentos do já citado
processualista, Fredie Didier Jr.(11), “duas são as formas de harmonização de conflito de normas constitucionais, oriundas de duas fontes
produtoras”, no caso art. 5º, IX e art. 7º XXXIII; “a) regra criada pela via
da legislação ordinária; b) regra criada pela via judicial direta, no
julgamento de casos específicos”.
Ora, se legislação ordinária é capaz de sanar os entraves, por
que não seria, então, Tratado Internacional de Direitos Humanos, com
hierarquia superior, cuja dignidade constitucional será desvendada no
ponto seguinte? Vê-se que o Tratado Internacional, do qual o Brasil
seja parte, é sim suficiente para dirimir o conflito, como no caso já o
fez, por meio da Convenção n. 138 da OIT, com possibilidade excepcional de trabalho infantil artístico, mas com certas limitações, também
reguladas pelo ECA e pela CLT.
Outrossim, esta questão também será complementada na via
judicial direta, como sugere o ilustre doutrinador na hipótese “b” acima
citada, já que será necessário alvará judicial, o qual estabeleça os
(11) Op. cit., p. 35.
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tipos de trabalho artístico em que a criança e o adolescente poderão
se ativar, bem como os termos e condições de tal trabalho, impondo-se as limitações cabíveis, impedindo-se abusos e salvaguardando os
direitos das crianças e adolescentes e seu desenvolvimento biopsicossocial em condições de sanidade.
Nestes termos, vê-se como sendo totalmente, adequado, razoável
e proporcional, bem como por ser a “solução mais suave” ao confronto,
a proibição geral ao trabalho, salvo a permissão excepcional, desde
que resguardados os Direitos Fundamentais das crianças e adolescentes, decorrentes dos princípios constitucionais da proteção integral e
da prioridade absoluta.
Em tal permissão excepcional, deve-se acentuar o caráter sociocultural e artístico desta atividade e, concomitantemente, limitar-se seu
cunho laboral-patrimonial, visando ao melhor interesse da criança e
do adolescente, a fim de completar sua formação pessoal, sem
deturpações, as quais deverão, de qualquer modo, ser sanadas judicialmente, por meio de alvará, com o estabelecimento de parâmetros para
este trabalho infantil, a ser encarado, sempre e sempre, como exceção
e não regra.
Nesse exato sentido, veja-se, inclusive, que o próprio Direito alienígena não se mostrou indiferente a tal temática. Com efeito, o Direito
comunitário europeu, por exemplo, possui diretiva nesse sentido. Veja-se, para tanto, a Diretiva n. 94/33 da União Europeia:
“Art. 5º Actividades culturais ou similares
1. A contratação de crianças para participarem de atividades de natureza
cultural, artística, desportiva, está sujeita à obtenção de uma autorização
prévia emitida pela autoridade competente para cada caso individual.
2. Os Estados-membros determinarão, por via legislativa ou regulamentar,
as condições do trabalho infantil nos casos referidos no n. 1 e as regras
do processo de autorização prévia, desde que essas atividades: i) não
sejam susceptíveis de causar prejuízo à segurança, à saúde ou ao
desenvolvimento das crianças e ii) não prejudiquem a sua assiduidade
escolar, a sua participação em programas d e orientação ou de formação
profissional aprovados pela autoridade competente ou a sua capacidade
para se beneficiar da instrução ministrada.”
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4. DO STATUS DE INGRESSO DAS NORMAS INTERNACIONAIS
DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
Não fossem os princípios presentes na Convenção de Viena, os
quais já autorizariam a integral aplicação da Convenção OIT n. 138
em território nacional e, portanto, a coercitividade de sua regra de
exceção quanto à possibilidade de prática de trabalho infantil artístico,
temperando-se, pois, a letra do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição
Federal de 1988, deve-se agregar, ainda, o apanágio constitucional
que informa o ingresso, no Ordenamento Jurídico pátrio, de tratados e
normas internacionais que versem sobre direitos humanos, dentre os
quais se inclui aquela Convenção da OIT.
É que, caracterizando-se como norma de dignidade constitucional,
aquele temperamento avulta ainda mais visível, a autorizar a prática
excepcional de trabalho infantil artístico, frente à sua proibição geral,
observadas, por óbvio, as cautelas indigitadas no tópico anterior.
Com efeito, antes da Emenda Constitucional n. 45/04, que incluiu
o § 3º ao art. 5º da CF/88, para tratar sobre o ingresso de normas
internacionais de direitos humanos no sistema normativo brasileiro com
status constitucional, existia uma enorme discussão doutrinária sobre
o nível hierárquico a ser ocupado por estes diplomas; seriam meras
leis ordinárias, ou se seriam consideradas emendas à Constituição.
Portanto, é necessário explicar a forma como os tratados internacionais que contenham regras de proteção aos Direitos Humanos se
integram ao Direito positivo pátrio. Observe-se que a ratificação da
Convenção n. 138 da OIT ocorreu sob nova ordem constitucional
anterior à EC n. 45/04 e, então, o seu processo de integração ao ordenamento jurídico nacional será analisado sob a égide das normas
vigentes naquele momento, consoante a cláusula do princípio de
hermenêutica tempus regit actum.
Existiam quatro correntes que tratavam do assunto:
A) A primeira defende a natureza supraconstitucional dos tratados
e convenção em matéria de direitos humanos. Seu principal
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defensor foi Celso Duvivier de Albuquerque Mello.(12) Baseava-se
numa antiga posição do Supremo Tribunal Federal que perdurou
até a década de 1970, a qual adotava a tese do primado do direito
internacional sobre o direito interno infraconstitucional.(13)
B) Uma segunda, decorrente do direito comparado, esposa a
natureza supralegal e infranconstitucional dos tratados e convenções sobre direitos humanos. Assim, como os tratados internacionais não podem afrontar a supremacia da Constituição, os que
versam sobre direitos humanos deveriam ocupar um lugar
especial no ordenamento jurídico, ou seja, estariam abaixo da
Constituição, mas acima das leis ordinárias. Apresenta como
fontes disposições contidas na Constituição Alemã (art. 25), na
Constituição Francesa (art. 55) e na Constituição Grega (art. 28).
Em solo nacional, suas origens referem-se a entendimento do
Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada no dia 29 de
março de 2000, a partir do voto do Ministro Sepúlveda Pertence,
no julgamento do RHC n. 79785-RJ. Foi recentemente defendida
pelo Min. Gilmar Mendes, ao proferir voto em sede do Recurso
Extraordinário n. 466.343 SP.
C) Uma terceira vertente, seguida por um grande número de vozes
nacionais, defende que, a partir de uma interpretação sistemática
da Constituição Federal, as convenções e tratados internacionais
de Direitos Humanos detêm força de norma constitucional. Apresenta como principais defensores Cançado Trindade, Flávia
Piovesan, Clemeson Merlin Cleve e Ingo Sarlet.
D) Por fim, uma quarta, mais conservadora, advoga a tese de
que os tratados e convenções apresentam status de lei ordinária,
sem promover qualquer diferenciação entre a natureza de cada
(12) Na obra Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 27,
assim se pronuncia Celso de Albuquerque: “Contudo sou ainda mais radical no sentido
de que a norma internacional prevalece sobre a norma constitucional, mesmo naquele
caso em que uma norma constitucional posterior tente revogar uma norma internacional
constitucionalizada”.
(13) Cf. STF, apelações cíveis n. 9.587, de 1951, Rel. Ministro Orosimbo Nonato; e n.
7.872, de 1943, da relatoria do Ministro Philadelpho Azevedo.
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qual, isto é, se versam, ou não, sobre direitos humanos. Suas
origens, no direito pátrio, remontam à manifestação do Supremo
Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 80.004 SE, que
teve como relator o Ministro Xavier de Albuquerque. A quarta
corrente, seguida, entre outros, por Manoel Gonçalves Ferreira
Filho e Alexandre de Moraes, entendia que não havia como
considerar os tratados internacionais de direitos humanos com
porte de hierarquia constitucional, pois sua incorporação ao
sistema normativo diferia daquele previsto para que a Constituição
fosse emendada.
Com efeito, para se emendar a Carta Política, é necessário
votação em 2 (dois) turnos com maioria qualificada (três quintos dos
votos dos respectivos membros), na forma prevista pelo art. 60, § 2º,
da própria Norma Fundamental.
E, então, com base nessa observação jurídica, sustentavam a
impossibilidade de se considerar como norma constitucional tratado
internacional de direitos humanos, pois sua forma de ingresso não se
submetia ao quórum qualificado de três quintos, previsto para o
processo de criação de normas constitucionais, na medida em que a
inclusão do tratado na ordem jurídica interna ocorria com a ratificação,
pelo Congresso Nacional, do ato de adesão ao tratado realizado pelo
Poder Executivo. Neste caso, a ratificação poderia se dar por maioria
simples.
Tal entendimento foi consagrado pelo reformador constituinte da
Emenda Constitucional n. 45/04, que condicionou a qualificação
constitucional a tratado internacional de direitos humanos à observância
dos requisitos contidos no art. 5º, § 3º da CF/88.
Outro problema apontado pelos defensores da paridade entre
leis ordinárias e tratados internacionais é uma possível violação do art.
60, § 4º, da CF, pois a norma internacional perde sua vigência com a
denúncia, realizada por simples ato do Presidente da República,
enquanto que as normas constitucionais de direitos humanos são tidas
como de revogação impossível, por serem consideradas cláusulas
pétreas.
Em que pese a coerência do raciocínio, não parece ser esse o
entendimento mais adequado. Aliás, não somente a melhor doutrina
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autoriza entendimento diverso, como também os novéis pronunciamentos
jurisdicionais do STJ e do STF, especialmente quanto a este que, após
longos anos emitindo juízo de valor condizente com a quarta das
correntes doutrinárias apresentadas(14), está reformulando seu posicionamento(15), para, retornando à postura judicial então prevalecente em
sua jurisprudência da década de 1970, encampar entendimento de que
as normas internacionais de direitos humanos ingressam no Direito Pátrio
sob o apanágio de normas constitucionais, independentemente do
procedimento previsto no art. 5º, § 3º da CF/88.
Com efeito, a prevalência dos direitos humanos na sociedade
internacional, a centralidade da dignidade da pessoa humana como
cerne da República Federativa do Brasil e o extenso rol de direitos
fundamentais contidos na Constituição de 1988, são verdadeiras balizas
no processo de redemocratização do país e demonstram, em última
análise, o reconhecimento da existência de limites à noção de soberania
estatal.
Conforme Dallari, citado por Carlos Weis, “As finalidades mais
importantes da Constituição consistem na proteção e promoção da
dignidade humana. Por esse motivo, não é verdadeira Constituição
uma lei que tenha o nome de Constituição, mas que apenas imponha
regras de comportamento, estabelecendo uma ordem arbitrária que
não protege igualmente a dignidade de todos os indivíduos e que não
favorece sua promoção”.(16)
(14) Com efeito, desde o julgamento do Recurso Extraordinário n. 80.004 SE (DJ
29.12.77), da relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque, alterando sua posição
tradicional, o STF passou a adotar a tese da equiparação dos tratados internacionais a
leis ordinárias. Tal posição foi mantida, inclusive, após a promulgação da Constituição
de 1988, no julgamento das seguintes demandas judiciais: HC n. 72.131 RJ, Rel. Min
Marco Aurélio, DJ 1.8.2003. ADI-MC n. 1.480 DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.5.2001;
HC n. 81.139 GO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.8.2005; HC n. 79.870 SP, Rel. Min.
Moreira Alves, DJ 20.10.2000; HC n. 77.053 SP, Rel. Min. Maurício Côrrea, DJ 4.9.201998;
RE n. 206.482 SP, Rel. Min. Maurício Côrrea, DJ 5.9.2003; RHC n. 80.035 SC, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ 17.8.2001. Todavia, no julgamento do HC n. 81.139 GO, o relator,
Min. Celso de Mello, já propunha uma mudança da “ estatura constitucional dos tratados
internacionais sobre direitos humanos: uma desejável qualificação jurídica a ser atribuída
de jure constituindo”. De fato, tal mutação jurisprudencial, como melhor será demonstrada
ao final deste tópico, vem se levando a termo nos julgamentos, ainda inconclusos, das
seguintes demandas judiciais pelo pleno do STF: HC 87.585, o RE 349.703 e o RE
466.343.
(15) Tal mutação jurisprudencial será abordada na porção final deste tópico.
(16) Direitos humanos contemporâneos. 1. ed. 2. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2006.
p. 27.
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Cabe ao Estado o dever de promover e proteger a dignidade
humana, constituindo os Direitos Humanos o núcleo inviolável do
sistema jurídico-político, não sendo possível, desta forma, concebê-los como normas infraconstitucionais. São, pois, na tipologia constitucional, normas constitucionais na sua acepção material.
Ademais, a própria Carta Política conferiu grau especial de
relevância às normas internacionais de direitos humanos ao estatuir,
em seu art. 5º, § 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”, reconhecendo não apenas ela —
Constituição —, como fonte de direitos e garantias fundamentais, como
também os tratados internacionais que cuidem do tema.
Com efeito, o § 2º do art. 5º da Carta Magna trilha um caminho de
composição entre o ordenamento legal interno e o externo, de forma a
propiciar uma interação entre os dois sistemas.
Na seara dos Direitos Humanos, a interpretação das normas deve
ser a mais abrangente possível, de forma a possibilitar sua máxima
eficácia. Deve-se garantir a maior proteção possível ao ser humano,
sempre promovendo sua dignidade. Firmamos assim entendimento
semelhante ao de autores como Flávia Piovesan e Cançado Trindade,
para quem os tratados internacionais de direitos humanos são normas
constitucionais.
Aliás, é de Cançado Trindade o seguinte excerto sobre a temática:
“A novidade do art. 5º, inciso 2, da Constituição de 1988 consiste
no acréscimo ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados, dos direitos e garantias expressos em tratados internacionais sobre proteção internacional dos direitos humanos em
que o Brasil é parte. Observe-se que os direitos se fazem acompanhar
de garantias. É alentador que as conquistas do direito internacional em favor da proteção do ser humano venham a projetar-se no direito constitucional, enriquecendo-o, e demonstrando que
a busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana
encontra guarida nas raízes do pensamento tanto internacionalista
quanto constitucionalista.”(17)
(17) TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos:
fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 631.
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A corroborar tal ensinamento, registre-se o pensamento de Flávia
Piovesan:
“A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em
tratados internacionais de que o Brasil é parte, conferindo-lhes
natureza de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes
nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo
de direitos constitucionalmente previstos, o que justifica estender
a esses direitos o regime constitucional conferido aos demais
direitos e garantias fundamentais. Tal interpretação é consonante
com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais,
pelo qual, no dizer de Jorge Miranda, a uma norma fundamental
tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê.”(18)
Assim, os direitos consagrados em tratados internacionais de
direitos humanos em que o Brasil seja parte incorporam-se ipso jure
ao elenco de direitos constitucionalmente consagrados. E nem poderia
ser diferente, pois não seria razoável conceder aos tratados de direitos
humanos o mesmo tratamento dispensado, por exemplo, a um acordo
comercial de exportação de mercadorias. Com efeito, como já lembrava
Cançado Trindade, a uma hieraquia de valores deve corresponder uma
hierarquia de normas, nos planos tanto internacional quanto interno, a
serem interpretadas e aplicadas mediante critérios apropriados.
Neste ponto, então, o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal
representa verdadeira cláusula de abertura ou, como preferem alguns,
da não tipicidade dos direitos fundamentais. Com efeito, nas Constituições brasileiras, o legislador sempre enumerou os direitos fundamentais
de forma exemplificativa, possibilitando uma ampliação maior do
catálogo de tais espécies de direitos.
Por tal cláusula de abertura, autoriza-se a inserção de direitos
fundamentais não tipificados e decorrentes do regime democrático e
dos princípios adotados pela Constituição, ou dos tratados internacionais
de que o Brasil seja parte, no que se amplia o sistema de garantias e
proteção da pessoa humana.
(18) PIOVESAN, Flávia. A Constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais
de proteção dos direitos humanos. In: Temas de direitos humanos. 2.ed. São Paulo:
Max Limonad, 2003. p. 58.
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E aqui, então, oportuno se faz comentar alguns marcos teóricos
da classificação doutrinária que divide os direitos fundamentais em
duas espécies, de acordo com a qual existiriam: os direitos formais e
materialmente fundamentais (previstos na Constituição Formal) e os
direitos apenas materialmente fundamentais (sem previsão expressa
na Constituição Formal).
Tais ponderações baseiam-se nas lições do grande constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho.(19)
Os direitos formalmente fundamentais são, pois, aqueles que se
encontram positivados na Constituição, apresentando as seguintes
características: a) insculpem-se na Constituição escrita e ocupam o
topo de toda ordem jurídica; b) a norma que os prevê está sujeita às
limitações formais e materiais decorrentes do processo de reforma
constitucional; c) apresentam aplicação imediata e vinculação erga
omnes. Assim, as normas que os traduzem possuem um tratamento
diferenciado pelo poder constituinte, diante de sua aplicabilidade
imediata e maior proteção frente aos processos de mudança do seu
conteúdo pelos poderes constituídos.
Ao reverso, é direito materialmente fundamental aquele que é
parte da Constituição material. Referem-se a decisões essenciais sobre
a planificação estatal e societária. Tal ideia de fundamentalidade
material permite, então, a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não constantes de seu texto (pois apenas materialmente
fundamentais), bem como a aplicabilidade, a tais espécies, de aspectos
do regime jurídico próprio dos direitos fundamentais em sentido formal.
Com efeito, segundo magistério de Jorge Miranda:
“O conceito de direitos fundamentais materiais não se reduz
apenas aos direitos estabelecidos pelo poder constituinte, mas
são direitos procedentes da ideia de Constituição e de Direito
dominante, do sentimento jurídico coletivo, o que dificilmente tornariam totalmente distanciados de um respeito pela dignidade
do homem concreto.”(20)
(19) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.
2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.
(20) MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3.ed. rev. atual. Coimbra: Coimbra, 2001. t. iv, p. 11.
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Perspicaz, neste ponto, é o magistério de Ingo Sarlet (21), a
arrematar, aqui, a questão da fundamentalidade material e formal. Para
ele, a noção de direitos fundamentais deve contemplar uma visão
inclusiva de todas as posições jurídicas relacionadas às pessoas, que,
do ponto de vista do direito constitucional positivo foram, por seu
conteúdo e relevância (fundamentalidade em sentido material), integradas expressamente ao texto da Constituição e tornadas indisponíveis
aos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que,
por sua substância e importância, possam alcançar-lhes equiparação,
tornando-se parte da Constituição Material, possuindo, ou não, assento
na Constituição Formal (aqui considerada a abertura material do
catálogo).
Ora, essa ideia de fundamentalidade material, então, permitida
pelo art. 5º, § 2º, da Constituição, permite dizer que os direitos humanos
previstos em normas internacionais apresentam porte constitucional,
aplicando-se-lhes todo o regime jurídico das normas constitucionais
formais, sempre na finalidade-mor de ampla proteção de seu cerne
axiológico, vale dizer, a dignidade da pessoa humana. Com efeito,
aquela possibilidade de incorporação de novos direitos, mediante a
cláusula de abertura, indica que a Constituição atribui aos diplomas
internacionais sobre direitos humanos a hierarquia de norma constitucional.
Ao discorrer sobre a classificação dos direitos fundamentais, o
professor José Afonso da Silva brilhantemente escreveu:
“A classificação que decorre do nosso Direito Constitucional é
aquela que os agrupa com base no critério do seu conteúdo, que,
ao mesmo tempo, se refere à natureza do bem protegido e do
objeto de tutela. O critério da fonte leva em conta a circunstância
de a Constituição mesma admitir outros direitos e garantias fundamentais não enumerados, quando, no § 2º do art. 5º, declara que
os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
(21) SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais, a reforma do Judiciário e os
tratados de direitos humanos: notas em torno dos §§ 2º e 3º do art. 5º da Constituição de
1988. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 1, p. 59-88, jan./mar. 2006.
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Brasil seja parte. Daí as três fontes dos direitos e garantias: (a)
os expressos (art. 5º, I a LXXVIII); (b) os decorrentes dos princípios
e regime adotados pela Constituição; (c) os decorrentes de
tratados e convenções adotados pelo Brasil.”(22) (destaques do
autor)
Embora formalmente os tratados internacionais sejam incorporados
ao direito positivo brasileiro de modo diverso das leis ordinárias (ainda
que sua criação seja mais complexa), não há dúvida de que, materialmente, os tratados internacionais de direitos humanos equivalem a
disposições constitucionais, razão pela qual entendemos que, apesar
do processo diferenciado de incorporação ao sistema normativo, diplomas internacionais de direitos humanos e emendas constitucionais se
equivalem, pois as normas internacionais de direitos humanos também fixam direitos e garantias fundamentais do homem, com a intenção de promover a dignidade humana, que, por sinal, é um dos
fundamentos da República brasileira (art. 1º, III, CF).
Todavia, de que maneira deve-se confrontar todos esses ensinamentos diante da disposição do § 3º do art. 5º, incorporado à
Constituição de 1988, por força da Emenda n. 45, de 2004. Vejamos.
Ao comentar a alteração constitucional, referente ao processo
de incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos, José
Afonso da Silva classifica as normas constitucionais em normas formalmente constitucionais e normas materialmente constitucionais. As
primeiras são aquelas que, para possuírem o mesmo nível hierárquico
das disposições constitucionais, devem ser submetidas ao mesmo
processo de aprovação das emendas constitucionais; enquanto que
as segundas são as normas relativas aos direitos fundamentais, como
bem expôs no trecho a seguir:
“(...) as normas internacionais de direitos humanos só serão
recepcionadas como direito constitucional interno, formal, se o
decreto legislativo que as referendar for aprovado nas condições
indicadas, de acordo com o processo de formação de emendas
constitucionais previsto no art. 60 da Constituição. Direito
(22) Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 182-183.
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constitucional formal, dissemos, porque só neste caso adquirem
a supremacia própria da Constituição, pois de natureza constitucional material o serão sempre, como o são todas as normas
sobre direitos humanos.”(23) (destaques do autor)
Paulo Ricardo Schier(24), renomado Doutor em Direito Constitucional
pela Universidade Federal do Paraná, por sua vez, discorrendo acerca
da hierarquia dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos
ratificados antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45,
que acrescentou o § 3º ao art 5º da CF, sugestiona a incidência do
tempus regit actum.
De tal princípio, inclusive, já se valera anteriormente o Supremo
Tribunal Federal, vez que, ante a nova Constituinte, certos requisitos
constitucionais eram alterados, impondo a recepção de norma ordinária
— a qual atendera ao procedimento então estabelecido pela Constituição vigente — para matéria que a nova Carta Magna exige ser regulamentada por lei complementar, como no exemplo do Código Tributário
Nacional, dado pelo autor.
O referido autor conclui, brilhantemente:
“(...) a ideia é sustentar que a aplicação do tempus regit actum,
amplamente aceita pelo próprio STF em diversas situações,
permitiria vislumbrar que os tratados internacionais de direitos
humanos anteriores à EC n. 45, devidamente recepcionados pelo
procedimento válido à época da incorporação, devam assumir,
agora, automaticamente, status de emendas constitucionais.”
Ideia essa corroborada por Flávia Piovesan(25), ao afirmar, de forma
contundente, que:
“Desde logo, há que afastar o entendimento segundo o qual, em
face do § 3º do art. 5º, todos os tratados de direitos humanos já
ratificados seriam recepcionados como lei federal, pois não teriam
(23) Op. cit., p. 183.
(24) Hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos e EC n.
45. Tese em favor da incidência do tempus regit actum — artigo publicado no site <http://
www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Paulo%20Ricardo%20Schier.pdf>.
(25) Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 72.
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obtido o quorum qualificado de três quintos, demandado pelo
aludido parágrafo.”
Aduz, ainda, a celebrada autora, solidificando a aplicação do
tempus regit actum, que:
“(...) os tratados de proteção dos direitos humanos ratificados anteriormente à Emenda Constitucional n. 45/04 contaram com ampla maioria
na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, excedendo, inclusive,
o quorum dos três quintos dos membros em cada Casa. Todavia não
foram aprovados por dois turnos de votação, uma vez que o procedimento
de dois turnos não era tampouco previsto.” (grifo nosso)
Comungando da mesma conclusão, mas por um fundamento
diverso, é a doutrina de Celso Lafer, que assim escreveu para se referir
aos tratados ratificados antes da Emenda n. 45:
“O novo § 3º do art. 5º pode ser considerado como uma lei interpretativa
destinada a encerrar as controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias suscitadas pelo § 2º do art. 5º. De acordo com a opinião doutrinária tradicional, uma lei interpretativa nada mais faz do que declarar o que
pré-existe, ao clarificar lei existente.”(26)
A arrematar, vejam-se os ensinamentos de Lílian Emerique e
Sidney Guerra:
“Outra não poderia ser a linha de entendimento propugnada,
senão aquele que atribui estatura constitucional aos tratados
internacionais sobre direitos humanos internalizados antes do
advento da EC n. 45 //04, que a partir da sua promulgação e por
uma adequada interpretação do dispositivo constitucional do art.
5º, § 3º, considerar-se-iam recepcionados com hierarquia equivalente às emendas constitucionais, tendo em vista que esta percepção melhor se coaduna com as concepções contemporâneas
na ordem internacional e de diversos países que prestigiam os
tratados sobre direitos humanos. Caso contrário, o poder reformador teria apenas estatuído um procedimento que trouxe maior
complexidade (quorum qualificado) para internalização dos
(26) LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo
e relações internacionais. Barueri: Manole, 2005. p. 18.
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tratados internacionais sobre direitos humanos, diluindo os
dispositivos contidos nos §§ 1º e 2º do art. 5º da Constituição de
1988 e indo na contramarcha do pensamento hodierno sobre o
caráter especial dos tratados internacionais sobre direitos humanos, uma vez que mais e mais se observa o aumento do abertura
do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de
proteção dos direitos humanos.”(27)
Assim, o entendimento doutrinário desta terceira corrente, em
relação aos tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados
antes da Emenda Constitucional n. 45, reside na desnecessidade de
formalização dos tratados internacionais de direitos humanos, por se
defender que estes já são materialmente constitucionais por meio do
§ 2º do art. 5º da CF/88.
Não fossem todos os balizamentos teóricos acima expendidos,
também os tribunais superiores deste País estão se alinhando frente à
terceira das correntes aqui apresentadas. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, pronunciando-se sobre o novo § 3º do art. 5º da CF/88,
ao julgar o recurso ordinário em habeas corpus — RHC 18799/RS —
2005/0211458-7, em maio de 2006, de relatoria do Ministro José
Delgado, assim deixou assentado em sua ementa:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO
EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO FISCAL. DEPOSITÁRIO INFIEL.
PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/04. PACTO DE
SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. APLICAÇÃO IMEDIATA. ORDEM
CONCEDIDA. PRECEDENTES. 1. A infidelidade do depósito de coisas
fungíveis não autoriza a prisão civil. 2. Receita penhorada. Paciente com
78 anos de idade. Dívida garantida, também, por bem imóvel. 3. Aplicação
do Pacto de São José da Costa Rica, em face da Emenda Constitucional
n. 45/04, que introduziu modificações substanciais na novel Carta Magna.
4. § 1º, do art. 5º, da CF/88: ‘As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’. 5. No atual estágio do nosso
ordenamento jurídico, há de se considerar que: a) a prisão civil de
depositário infiel está regulamentada pelo Pacto de São José da Costa
Rica, do qual o Brasil faz parte; b) a Constituição da República, no Título
(27) EMERIQUE, Lílian Balmant; GUERRA, Sidney. A incorporação dos tratados
internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira. Revista Jurídica, Brasília,
v. 10, n. 90, ed. esp. abr./maio 2008.
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II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo I (Dos Direitos e
Deveres Individuais e Coletivos), registra no § 2º do art. 5º que ‘os direitos
e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’. No caso
específico, inclui-se no rol dos direitos e garantias constitucionais o texto
aprovado pelo Congresso Nacional inserido no Pacto de São José da
Costa Rica; c) o § 3º do art. 5º da CF/88, acrescido pela EC n. 45, é
taxativo ao enunciar que ‘os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais’. Ora, apesar
de à época o referido Pacto ter sido aprovado com quorum de lei ordinária,
é de se ressaltar que ele nunca foi revogado ou retirado do mundo jurídico,
não obstante a sua rejeição decantada por decisões judiciais. De acordo
com o citado § 3º, a Convenção continua em vigor, desta feita com força
de emenda constitucional. A regra emanada pelo dispositivo em apreço
é clara no sentido de que os tratados internacionais concernentes a
direitos humanos nos quais o Brasil seja parte devem ser assimilados
pela ordem jurídica do país como normas de hierarquia constitucional;
d) não se pode escantear que o § 1º supra determina, peremptoriamente,
que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata’. Na espécie, devem ser aplicados, imediatamente,
os tratados internacionais em que o Brasil seja parte; e) o Pacto de São
José da Costa Rica foi resgatado pela nova disposição constitucional
(art. 5º, § 3º), a qual possui eficácia retroativa; f) a tramitação de lei
ordinária conferida à aprovação da mencionada Convenção, por meio
do Decreto n. 678/92 não constituirá óbice formal de relevância superior
ao conteúdo material do novo direito aclamado, não impedindo a sua
retroatividade, por se tratar de acordo internacional pertinente a direitos
humanos. Afasta-se, portanto, a obrigatoriedade de quatro votações,
duas na Câmara dos Deputados, duas no Senado Federal, com exigência
da maioria de dois terços para a sua aprovação (art. 60, § 2º). 6. Em
caso de penhora sobre o faturamento de empresa, hipótese só admitida
excepcionalmente, hão de ser observados alguns critérios, tais como a
ausência de outros bens, a nomeação de um depositário-administrador
(com a sua anuência expressa em aceitar o encargo) e a apresentação
de um plano de pagamento, nos termos dos arts. 677 e 678 do CPC. In
casu, o exame dos autos não convence de que tais pressupostos foram
seguidos, decorrendo disso que a ordem de prisão decretada manifestase como constrangimento ilegal e abusivo. 7. Precedentes. 8. Recurso
em habeas corpus provido para conceder a ordem.”
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Esclarecedor e contundente é a seguinte parte do Acórdão, da
lavra do Ministro José Delgado:
“A regra emanada pelo dispositivo em apreço (§ 3º do art. 5º da
CF/88, acrescido pela EC n. 45) é clara no sentido de que os
tratados internacionais concernentes a direitos humanos nos quais
o Brasil seja parte devem ser assimilados pela ordem jurídica do
país como normas de hierarquia constitucional. Não se pode
escantear que o § 1º supra determina, peremptoriamente, que
‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata’. Na espécie, devem ser aplicados, imediatamente, os tratados internacionais em que o Brasil seja parte. O
Pacto de São José de Costa Rica foi resgatado pela nova disposição (§ 3º do art. 5º), a qual possui eficácia retroativa. A tramitação de lei ordinária conferida à aprovação da mencionada
Convenção, por meio do Decreto n. 678/92 não constituirá óbice
formal de relevância superior ao conteúdo material do novo direito
aclamado, não impedindo a sua retroatividade, por se tratar de
acordo internacional pertinente a direitos humanos. Afasta-se,
portanto, a obrigatoriedade de quatro votações, duas na Câmara
dos Deputados, duas no Senado Federal, com exigência da
maioria de dois terços para sua aprovação (art. 60, § 2º).”
Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal, revendo posição jurisprudencial que reinava na Corte desde a década de 70 e reconhecendo
necessidade de atualização jurisprudencial, está se encaminhando,
na discussão do RE n. 466.343-SP, para resgatar o entendimento
originário daquele tribunal, no sentido de que as normas internacionais
concernentes a direitos humanos ingressam com status qualificado.
Nesse recurso, já há oito votos expedidos em prol da inconstitucionalidade da prisão civil do depositório infiel, no bojo do qual existem
votos a demonstrar aquela mutação de posicionamento jurisprudencial(28). A mesma discussão está sendo empreendida no julgamento
do HC 87.585 e RE 349.703.
Com efeito, veja-se excerto do Informativo STF ns. 449 e 498:
(28) Votaram favoravelmente os Ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lucia e Celso de Mello.
O julgamento encontra-se suspenso pelo pedido de vista do Min. Menezes Direito.
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“Em seguida, o Min. Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator,
acrescentando aos seus fundamentos que os tratados internacionais de
direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo
supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com
eles conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação e que,
desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos — Pacto de San José da Costa Rica
(art. 7º, 7), não há mais base legal para a prisão civil do depositário
infiel. Aduziu, ainda, que a prisão civil do devedor-fiduciante viola o
princípio da proporcionalidade, porque o ordenamento jurídico prevê
outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, bem como em razão de o DL
n. 911/69, na linha do que já considerado pelo relator, ter instituído uma
ficção jurídica ao equiparar o devedor-fiduciante ao depositário, em
ofensa ao princípio da reserva legal proporcional. Após os votos dos
Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos
Britto e Marco Aurélio, que também acompanhavam o voto do relator,
pediu vista dos autos o Min. Celso de Mello. (Informativo 449)
O Min. Celso de Mello, entretanto, também considerou, na linha do
exposto no voto do Min. Gilmar Mendes, que, desde a ratificação, pelo
Brasil, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos — Pacto de San José
da Costa Rica (art. 7º, 7), não haveria mais base legal para a prisão civil
do depositário infiel. Contrapondo-se, por outro lado, ao Min. Gilmar
Mendes no que respeita à atribuição de status supralegal aos tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, afirmou terem
estes hierarquia constitucional. No ponto, destacou a existência de três
distintas situações relativas a esses tratados: 1) os tratados celebrados
pelo Brasil (ou aos quais ele aderiu), e regularmente incorporados à
ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da CF/88,
revestir-se-iam de índole constitucional, haja vista que formalmente
recebidos nessa condição pelo § 2º do art. 5º da CF; 2) os que vierem a
ser celebrados por nosso País (ou aos quais ele venha a aderir) em data
posterior à da promulgação da EC n. 45/04, para terem natureza
constitucional, deverão observar o iter procedimental do § 3º do art. 5º
da CF; 3) aqueles celebrados pelo Brasil (ou aos quais nosso País aderiu)
entre a promulgação da CF/88 e a superveniência da EC n. 45/04,
assumiriam caráter materialmente constitucional, porque essa hierarquia
jurídica teria sido transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de
constitucionalidade. RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 12.3.2008.
(RE-466343) (Informativo 498).”
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A corroborar tal mudança jurisprudencial no STF, Flávia Piovesan
destaca a seguinte parte do Voto do Ministro Gilmar Mendes:
“(...) a reforma acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados
de direitos humanos em relação aos demais tratados de
reciprocidade entre os Estados pactuantes, conferindo-lhes lugar
privilegiado no ordenamento jurídico (...) a mudança constitucional
ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade
ordinária dos tratados já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido
preconizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
desde o remoto julgamento do RE n. 80.004/SE, de relatoria do
Ministro Xavier de Albuquerque (julgado em 1º.6.1977; DJ
29.12.1977) e encontra respaldo em largo repertório de casos
julgados após o advento da Constituição de 1988 (...). Tudo indica,
portanto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sem
sombra de dúvidas, tem de ser revisitada criticamente (...). Assim,
a premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos
direitos humanos nos planos interno e internacional torna
imperiosa uma mudança de posição quanto ao papel dos tratados
internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional. É
necessário assumir uma postura jurisprudencial mais adequada
às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas
primordialmente à proteção do ser humano (...). Tenho certeza
de que o espírito desta Corte, hoje, mais do nunca, está preparado
para a atualização jurisprudencial.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos
humanos e o direito constitucional internacional. 8. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 74-75).
Ademais, o direito comparado é pródigo em demonstrar a centralidade que deve ocupar a dignidade da pessoa humana, mediante
proteção dos direitos humanos, via reconhecimento de hierarquia
constitucional aos tratados internacionais, isto é, visualiza-se uma
convergência contemporânea do constitucionalismo de atribuir maior
cotação às normas internacionais de direitos humanos. Para tanto,
basta conferir os arts. 8º e 16 da Constituição Portuguesa, a Constituição do Peru, em suas disposições finais e transitórias, o art. 22 da
Constituição Argentina, o art. 23 da Constituição da Venezuela, os arts.
93, 94 e 164 da Constituição da Colômbia, entre outras.
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Logo, seguindo-se essa linha de raciocínio, a Convenção OIT
n. 138/73 — porque recepcionada antes da edição da EC n. 45 —
apresenta caráter constitucional, ademais, como defendido por José
Afonso da Silva e por Flávia Piovesan e, por via de corolário, é capaz
de lançar, com patamar constitucional, todas as consequências jurídicas
lançadas neste estudo, em seus tópicos anteriores.
Ademias, gize-se finalmente que, as disposições relativas a
direitos humanos são disposições de caráter substancialmente
constitucional, inclusive a constante do art. 5º, § 2º, da CF/88. Assim, a
mudança realizada pelo constituinte derivado de 2004, exigindo
aprovação por quorum qualificado dos decretos legislativos que
referendem convenções internacionais concernentes a direitos
humanos, a fim de que estas tenham status constitucional, em contraposição ao conteúdo interpretativo do art. 5º, § 2º, é flagrantemente
inconstitucional, posto que impede ou dificulta a efetivação de direitos
e garantias fundamentais.
Realmente, o poder constituinte derivado, quando exercido, deve
observar os estreitos limites impostos pelo art. 60 da Constituição
Federal; destarte, as emendas constitucionais devem ser editadas de
acordo com a forma estabelecida na Carta Magna, e versar somente
sobre matéria permitida, o que implica em proibição de emenda à
Constituição tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais (art.
60, § 4º, IV).
Conforme lição de Jorge Miranda, citado por Ivo Dantas:
“É possível inconstitucionalidade — e inconstitucionalidade
material — por discrepância entre certas normas constitucionais
e outras normas nascidas por virtude de revisão constitucional
como constitucionais (ou com pretensão de o serem).”
No presente caso, tem-se a inconstitucionalidade material
por existir um choque entre a norma do constituinte originário (art. 5º,
§ 2º) e a editada pelo constituinte derivado (art. 5º, § 3º), na medida
em que esta institui um regime de ingresso de normas internacionais
de direitos humanos mais restrito, diminuindo, pois, o alcance de norma
constitucional originária (art. 5º, §§ 1º e 2º), que dota, automaticamente,
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as normas de direitos humanos, de eficácia imediata e mesmo
padrão constitucional.
5. CONCLUSÃO
A proibição contida no art. 7º, XXXIII da Constituição é ampla,
alcançando todas as formas de trabalho a menores de 16 anos,
abarcando, inclusive, a prática do trabalho infantil artístico. Todavia,
especificamente quanto a este, admite-se um especial tempero da regra
de defeso constitucional, para, excepcionalmente e em casos individuais, permitir-se aquela espécie de trabalho, desde que devidamente
autorizado pela autoridade judiciária, em alvará em que se fixem as
garantias de um trabalho protegido e consectâneo à proteção integral,
pois o Brasil ratificou a Convenção n. 138 da OIT, sobre a idade mínima
para o trabalho (Decreto n. 4.134/02), em cujo teor se assinala aquela
exceção, sendo certo que as normas internacionais de direitos
humanos, enquanto sejam reconhecidas como fontes de direitos
fundamentais, devem ser consideradas dispositivos constitucionais no
Direito brasileiro.
Agreguem-se, ainda, os princípios internacionais incutidos na
Convenção de Viena, da qual o Brasil também é parte, os quais reforçam a aplicação da regra de exceção à proibição do trabalho contida
na Convenção da OIT.
Todavia, tal exceção deve ser lida sistematicamente com as
cláusulas da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta, por força da
qual a autoridade judicial deverá, ao analisar o pedido de alvará, definir
se dará a permissão, dependendo do tipo de trabalho artístico, e, acaso
lhe seja conferida, determinar a forma de execução da atividade (duração da jornada; condições ambientais; horário em que o trabalho pode
ser exercido pela criança ou adolescente; e outras questões relacionadas ao trabalho que estejam presentes no caso concreto), sempre com
a manifestação do Ministério Público do Trabalho, que deverá atuar
como fiscal da lei para evitar eventuais irregularidades.
Ademais, a leitura conjugada dos arts. 5º, IX e 7º, XXXIII da
Constituição Federal, sob os influxos da principiologia de hermenêutica
constitucional, autorizam uma concessão excepcional, temperada e
protegida, à regra proibitiva do trabalho infantil, para permitir esta prática
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laboral, nos casos em que for estritamente necessário, mediante
concessão de alvará judicial, que avaliará aquela necessidade, bem
como disciplinará condições especiais de trabalho, como decorrências
lógicas dos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta.
Finalmente, é conveniente lembrar que a criança e o adolescente,
embora possuam talento e aptidão para as artes, não devem ser transformados em fonte de renda da família. Sua prioridade é estudar e
brincar, realizar atividades que se compatibilizem com seu estado de
formação.
Daí que a regra é proibição total ao labor, inclusive para o trabalho
infantil artístico, pois, não raro, importam quebra do princípio da proteção integral. Contudo, pode-se sim, de modo excepcional, autorizado,
individual e protegido, permitir-se o trabalho artístico, diante das disposições acima destacadas. Contudo, considerando a característica de
pessoa em desenvolvimento da criança e do adolescente, mesmo o
trabalho artístico deve ocorrer com fiel observância ao Princípio da
Proteção Integral. E, nesse sentido, o alvará judicial, ao fixar as condições protetivas de trabalho, é poderoso instrumento para consecução
daquela finalidade.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.
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DIVERSIDADE NO TRABALHO E ATUAÇÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
DO
José Cláudio Monteiro de Brito Filho(*)
SUMÁRIO: 1. Generalidades. 2. Discriminação; 2.1. A discriminação e os fenômenos psicológicos e antropológicos que lhe dão
causa; 2.2. Classificação da discriminação quanto à forma; 2.3.
Modelos de combate à discriminação. 3. O Programa de promoção
da igualdade de oportunidades para todos, da coordigualdade; 3.1.
Linhas gerais do programa; 3.2. Principais dificuldades. 4.
Conclusão.
RESUMO: Ensaio que discute a diversidade no trabalho, situação
que corresponde à existência de uma igualdade material, sem a
ocorrência dos efeitos sociais maléficos da discriminação, entre
as pessoas no ambiente do trabalho, e favorece o respeito ao
trabalho decente, além da atuação do Ministério Público do
Trabalho, por meio de programa específico, que é o Programa de
Promoção da Igualdade de Oportunidades para Todos, da
Coordigualdade.
PALAVRAS-CHAVE: Diversidade no trabalho; igualdade no
trabalho; trabalho decente; discriminação; programa de promoção
da igualdade de oportunidades para todos.
(*) Doutor em Direito da Relações Sociais pela PUC/SP. Procurador Regional do Trabalho,
lotado na PRT/8ª Região e Coordenador Nacional da Coordigualdade. Professor
Associado I da Universidade Federal do Pará. Professor Titular da Universidade da
Amazônia. [email protected].
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1. GENERALIDADES
Tenho defendido nesses últimos anos que o tema mais importante
em matéria de trabalho é a busca do trabalho decente, que pode ser
entendido como o conjunto mínimo de direitos necessários à preservação da dignidade dos trabalhadores, ou, resumindo, os Direitos
Humanos dos trabalhadores(1).
É que pouco adianta estar sempre a discutir novos direitos dos
trabalhadores se, para uma boa parte deles, até o mínimo é negado(2).
Penso que essa foi a opção feita nos últimos anos pelo Ministério
Público do Trabalho, instituição a que pertenço, com a criação de coordenadorias temáticas que se ocupam das questões mais importantes
para os trabalhadores, e que têm como norte o conjunto acima definido
como trabalho decente.
Uma delas, a Coordigualdade, Coordenadoria Nacional de
Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, e que atualmente dirijo(3), trabalha a partir de três
eixos temáticos, todos eles relacionados ao trabalho decente, e tendo
como fundamentos a dignidade da pessoa humana e a igualdade. São
eles: o combate à discriminação; a busca da inclusão das pessoas
com deficiência ou reabilitadas; e, a proteção da intimidade.
(1) São eles, para a OIT, conforme a Declaração sobre os Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho, adotada na 86ª Sessão da Conferência Internacional do
Trabalho, em junho de 1998, os seguintes: liberdade no trabalho; igualdade no trabalho;
abolição do trabalho infantil; e liberdade sindical. A partir dessa ideia, tenho entendido
que o rol é incompleto, e venho defendendo que o trabalho decente só é alcançado
quando há: direito ao trabalho; liberdade no trabalho; igualdade no trabalho; trabalho
em condições justas, até de remuneração; meio ambiente do trabalho equilibrado;
proibição do trabalho infantil; liberdade sindical; e, proteção contra os riscos sociais
(Trabalho decente. São Paulo: LTr, 2004).
(2) Não estou a dizer que novos direitos não são importantes, mas apenas que, pela
situação atual de total precariedade no trabalho de um grande contingente de prestadores de serviços, ou até de ausência de trabalho, de outro, garantir a eles o mínimo é o
primordial. Dois exemplos, apenas para fixar melhor o pensamento: os milhares de trabalhadores que ainda hoje em dia são escravizados, ou, de forma mais técnica, reduzidos à condição análoga à de escravo, o que ocorre tanto com, principalmente, nordestinos
do Maranhão e do Piauí, no Sudeste e Sul do Pará, e no Norte do Mato Grosso, como
com bolivianos na cidade de São Paulo, coração do Estado-membro mais desenvolvido
do País; as pessoas com deficiência que, por preconceito e pela falta de políticas públicas que favoreçam sua qualificação, dentre outros motivos, estão alijadas do mercado
de trabalho.
(3) Esse texto está sendo escrito em abril de 2009.
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Nesse primeiro eixo, durante algum tempo atuamos, nós os
Procuradores, de forma quase que exclusivamente repressiva, tentando
reparar os danos causados pelas práticas discriminatórias, e tentando
criar condições, no futuro, para que não se repetissem. Até havia
hipóteses de atuação mais propositiva, afirmativa, mas elas eram
isoladas, executadas de forma não sistemática(4).
Essa forma de atuar era totalmente diversa do que acontecia nas
questões atinentes ao segundo eixo temático, de proteção e inclusão
das pessoas com deficiência, em que o maior objetivo sempre foi o de
buscar a contratação dos integrantes desse grupo vulnerável.
As formas de atuação vêm se aproximando, todavia, desde alguns
anos, a partir de iniciativa do então Coordenador Nacional da Coordigualdade, Otavio Brito Lopes, hoje Procurador-Geral do Trabalho.
Motivado àquele momento por provocações expressas, especialmente do IARA, Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, o então
Coordenador Nacional, auxiliado por diversas pessoas e entidades,
dentre as quais se deve mencionar os membros integrantes da Coordenadoria, técnicos e pesquisadores do IPEA — Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o Assessor Especial da PGT Santiago Falluh
Varella, e algumas entidades do movimento negro, concebeu programa destinado a, em linhas gerais, verificar a diversidade no trabalho(5)
e formular estratégias para a sua implementação nas empresas.
Esse Programa, lançado em abril de 2005, e que recebeu a
denominação de Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidades para Todos, tem sido saudado em diversas ocasiões como
pioneiro e inovador na luta pela igualdade no trabalho.
Assim ocorreu, por exemplo, no Relatório do sr. Doudou
Diène, Relator Especial sobre formas contemporâneas de racismo,
discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância(6); no
(4) Ver, a respeito, uma série de atuações que apresento no meu livro Discriminação no
trabalho (São Paulo: LTr, 2002).
(5) Por diversidade no trabalho entendo situação que denomino de igualdade material
no trabalho, em que os tomadores de serviço, respeitando as diferenças e reconhecendo a existência de diferentes grupos em sociedade, constituídos a partir de características próprias (faixa etária, gênero, raça/cor, deficiência, escolaridade, entre outras),
reproduzem no ambiente de trabalho, em proporções aceitáveis, a composição desses
grupos como encontrada fora de seus muros, produzindo uma real igualdade de oportunidades e de tratamento.
(6) Comisión de Derechos Humanos, 62º período de sesiones, Informe del sr. Doudou
Diène, Relator Especial sobre las formas contemporáneas de racismo, discriminación
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suplemento brasileiro do Relatório Global sobre Discriminação no
Trabalho da Organização Internacional do Trabalho — OIT, lançado em
nível mundial em maio de 2007(7); e, mais recentemente, em publicação
do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas — IPEA(8).
As bases do Programa, assim como o ato causador da discriminação, fator impeditivo da diversidade no trabalho, ainda suscitam
dúvidas e controvérsias, causadas, penso eu, mais por desconhecimento do que pela existência de concepções diversas a respeito.
Minha tentativa neste ensaio é de contribuir para fazer desaparecer,
ao menos em parte, essas dúvidas, trazendo alguns elementos que
tornem mais claros os fenômenos e institutos envolvidos. Inicio pela
discriminação.
2. DISCRIMINAÇÃO
Fenômeno combatido pelo Direito pelos males que causa, a discriminação está sempre presente na história da humanidade.
Em alguns momentos amparada pelo costume e pelas leis, hoje
em dia, salvo raras exceções, a discriminação é rejeitada pelo Direito
no mundo todo. Isso, todavia, não diminuiu a sua força, apenas faz
com que seja praticada em outras condições, de forma dissimulada.
Compreender essa velha prática, que subsiste com novos métodos, é o primeiro passo para que possa ser combatida.
2.1. A discriminação e os fenômenos psicológicos e antropológicos
que lhe dão causa
Começo definindo a discriminação e visitando os fenômenos que
lhe dão causa(9), pois, são as práticas discriminatórias que impedem a
ocorrência da diversidade no trabalho.
racial, xenofobia y formas conexas de intolerância — misión en el Brasil, 17 a 26 de
octubre de 2005.
(7) OIT, Suplemento Nacional do Relatório Global da OIT sobre os Direitos e Princípios
Fundamentais no Trabalho. Igualdade no trabalho: enfrentando os desafios.
(8) THEODORO, Mário (org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil:
120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008. p. 154-156.
(9) Sugiro ver o meu livro, já citado, Discriminação no trabalho (São Paulo: LTr, 2002. p.
37-42), bem como as obras dos autores a seguir, pois é deles que retiro as referências
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Para compreender a discriminação é necessário conhecer algumas
categorias que não são jurídicas, como o estigma, o estereótipo e o
preconceito.
Essas são categorias ou fenômenos que são estudados pela
Psicologia, dentro do que se convencionou chamar de percepção de
pessoas, e que têm relação com a forma como as percebemos (as
pessoas).
O estigma caracteriza-se como uma marca real, mas não necessariamente física, que leva as pessoas a perceberem negativamente
o outro, e que pode levar à sua rejeição ou à sua exclusão.
Para Goffman, os estigmas classificam-se em: abominações do
corpo; culpas de caráter individual; e estigmas tribais(10). As abominações são as marcas físicas; as culpas estão relacionadas ao aspecto
comportamental, como o homossexualismo, o comportamento radical
em suas várias formas etc.; e os estigmas tribais dirigem-se aos integrantes de grandes grupos, estigmatizados em razão de raça, etnia,
nacionalidade, religião, entre outros.
Note-se que as culpas de caráter individual de que fala Goffman
não estão relacionadas a uma noção maniqueísta de certo ou errado,
mas sim estão mais ligadas ao que, na antropologia, denomina-se
“comportamento desviante”, e que pode ser singelamente compreendido com a adoção de um comportamento que diverge do habitualmente
aceito em determinada comunidade(11).
Já o estereótipo consiste em imputar características a integrantes
de determinados grupos, de forma que a eles seja dirigida uma análise
negativa(12). Aqui não importa se a característica é real ou não, pois o
que importa é sua capacidade geradora de uma avaliação negativa(13).
para esse item: CROCHIK, José Leon (Preconceito: indivíduo e cultura. São Paulo:
Robe Editorial, 1997); GOFFMAN, Erving (Estigma: notas sobre a manipulação da
identidade deteriorada. 4. ed. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Nunes. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1988); RODRIGUES, Aroldo (Psicologia social. 17. ed. Petrópolis:
Vozes, 1998); e VELHO, Gilberto (Desvio e divergência: uma crítica da patologia social.
5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985).
(10) Obra citada, p. 14.
(11) A esse respeito ver VELHO, Gilberto. Obra citada.
(12) Ver aqui RODRIGUES, Aroldo. Obra citada, p. 217.
(13) Nem sempre é simples distinguir o estigma do estereótipo. Para tentar uma diferenciação, vejamos o caso da discriminação racial contra os negros, tão presente e ao
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Por fim, o preconceito é o terceiro fenômeno psicológico a contribuir
para a discriminação. Aliás, pode-se dizer que, na esfera não jurídica,
é o fenômeno que, diretamente, conduz à discriminação.
Mais amplo dos três fenômenos, o preconceito é, aproveitando a
lição de Aroldo Rodrigues, uma “atitude negativa, aprendida, dirigida a
um grupo determinado”(14). Nesse sentido, ele é produto do meio social.
As pessoas não nascem preconceituosas, aprendem a ser preconceituosas.
Desses fenômenos decorre a discriminação, que tenho convencionado chamar de “preconceito exteriorizado”, porque é isso que ela
representa, ou seja, a transposição, para o mundo exterior, em forma
de ação ou omissão(15), da visão preconceituosa, negativa, a respeito de
pessoas ou grupos.
Em matéria de trabalho ela está definida no art. 1º, a e b, da
Convenção n. 111, da Organização Internacional do Trabalho — OIT,
que, em síntese, define discriminação no trabalho como qualquer distinção, exclusão ou preferência, decorrente de qualquer motivação, e
que tenha como objetivo destruir ou alterar a igualdade de oportunidades em matéria de emprego ou profissão.
A partir dessa definição deve ser observado que, qualquer ação
ou omissão do tomador de serviços, intencional ou não, consciente ou
não, que concretamente violar o princípio da igualdade de e no trabalho
deve ser considerada discriminação.
Esse entendimento é importante para impedir a mais comum das
formas atuais de discriminação, que é a indireta, como veremos a seguir.
2.2. Classificação da discriminação quanto à forma
A discriminação, aqui mais especificamente a discriminação no
trabalho, pode ser vista a partir de diversos ângulos. Isso permite sua
mesmo tempo tão negada na sociedade brasileira: se alguém rejeita outrem porque se
trata de uma pessoa negra, ou seja, por uma característica própria, decorrente da cor
da pele, isso é um estigma; por outro lado, se esse alguém faz isso baseado na crença
de que “todo negro é preguiçoso”, isso é um estereótipo.
(14) Ver obra citada, p. 220-221.
(15) Esse aspecto é importante, como veremos, mais adiante, na discriminação indireta.
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classificação de variadas maneiras: quanto à forma; quanto ao
momento; quanto aos efeitos; e quanto ao motivo(16).
Para este ensaio, o que interessa é a classificação quanto à forma,
especialmente uma das espécies, a indireta, para a qual deve ser
dirigido um novo olhar.
Nessa classificação temos a discriminação direta e a indireta.
Alice Monteiro de Barros, em relação a elas, diz que a “primeira
pressupõe um tratamento desigual fundado em razões proibidas, enquanto a discriminação indireta traduz um tratamento formalmente igual,
mas que produzirá efeito diverso sobre determinados grupos”(17).
Márcio Túlio Viana, a respeito, na mesma obra, diz que isso é
discriminar “ferindo regras, mas também com as próprias regras”(18).
É que a discriminação direta se caracteriza pela exclusão aberta,
em que a igualdade é violada sem subterfúgios. Já a indireta, por sua
vez, é feita de forma dissimulada, encoberta, e se caracteriza por práticas aparentemente neutras, mas que, por perpetuarem situações de
exclusão, ou por terem esta como objetivo, configuram discriminação.
É essa, a indireta, que interessa discutir.
Note-se, como já consta do parágrafo anterior, que não é necessário, para que ocorra a discriminação indireta, que o agente tenha o
claro propósito de discriminar; basta que ele, com sua conduta, conduza à exclusão um grupo ou uma pessoa. Isso é mais verdadeiro
quando o agente, consciente, em dado momento, dos efeitos discriminatórios, excludentes, de sua conduta, mantém a postura, recusando-se ao ajuste necessário para repor uma situação de igualdade.
Assim, na discriminação no ambiente de trabalho, percebendo o
empregador que uma prática qualquer em sua política de recursos
humanos produziu uma situação de exclusão, é seu dever alterar essa
política, de forma a repor a situação de equilíbrio que deve existir.
(16) Ver, a propósito, o meu já mencionado Discriminação no trabalho, p. 43-50.
(17) Discriminação no emprego por motivo de sexo. In: VIANA, Márcio Túlio et al.
(coord.). Discriminação. São Paulo: LTr, 2000. p. 41.
(18) Os dois modos de discriminar e o futuro do direito do trabalho. Idem, p. 321.
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Qualquer outro agir deve ser tido como reprovável e sujeito à
repressão e à eliminação.
2.3. Modelos de combate à discriminação
A discriminação, a propósito, pode ser combatida de diversas
formas, e que podem ser agrupadas em dois modelos básicos: repressor(19) e da ação afirmativa. Esse combate, ressalte-se, tem origem
constitucional em idênticos dispositivos: o art. 3º, inciso IV, que trata
da promoção do bem de todos, sem nenhuma forma de discriminação,
e o art. 5º, caput, que consagra o princípio da igualdade.
O primeiro modelo, repressor, tem-se caracterizado por ser modelo
mais estático, que reprime, principalmente nos aspectos penal, civil e
trabalhista, a conduta discriminatória(20).
Já o segundo, da ação afirmativa, caracteriza-se por ser modelo
mais dinâmico, combatendo a discriminação por meio de normas que,
com a criação de oportunidades diferenciadas para integrantes de
grupos vulneráveis, buscam corrigir situações de desequilíbrio.
Ele oferece a vantagem de ir além do que tradicionalmente se
pensa a respeito do primeiro modelo, criando condições para a transformação do ambiente em que se desenvolve, e em que são sentidos os
efeitos da discriminação.
Isso não é necessariamente verdade, pois é perfeitamente
possível pensar, a partir do modelo repressor, na criação de obrigações
dirigidas a quem discrimina que consigam ir além da simples repressão,
com a criação de um ambiente de respeito à diversidade.
É só impor, a partir desse modelo, práticas típicas das ações afirmativas, como forma de reparar práticas discriminatórias.
Para isso, é preciso sair da esfera individual para atuar no plano
dos interesses coletivos, compreendendo que a mera reparação dos
danos causados a indivíduos, em concreto, não é suficiente, mas sim
que é preciso proteger, no futuro, o direito de toda a coletividade.
(19) Essa a denominação que adotei a partir do já citado Discriminação no trabalho.
São Paulo: LTr, 2002. p. 52.
(20) Nesse sentido o art. 5º, XLI, da CRFB.
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3. O PROGRAMA DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE
OPORTUNIDADES PARA TODOS, DA COORDIGUALDADE
Como dito no item 1, o Ministério Público do Trabalho, a partir de
2005, desenvolveu um Programa específico para o combate à discriminação, que está em curso desde então.
3.1. Linhas gerais do programa
O Programa, como concebido, tem destinação específica, dentro
do combate à discriminação(21). Seu objetivo é reprimir e eliminar a
discriminação indireta, estrutural, que se desenvolve nas empresas a
partir de práticas que, embora aparentemente revelem-se neutras,
conduzem a uma situação de desigualdade entre os integrantes de
determinados grupos.
No tocante a esses grupos, em um primeiro momento o objetivo
era combater a discriminação racial(22) e de gênero. Mais adiante, até
pela análise dos primeiros dados colhidos, verificou-se que a idade
era um fator acentuado de desigualdade dentro das empresas, o que
levou à inclusão do combate à discriminação por esse motivo no
Programa.
Trabalha-se, dessa feita, com esses três fatores, que são analisados para verificar o comportamento empresarial em três momentos
da relação de emprego: admissão, promoção e demissão.
O passo seguinte foi criar um mecanismo de análise. Para isso,
foi desenvolvido um sistema, que aqui pode ser simplesmente chamado
de Sistema Coordigualdade, e que recebe os dados completos de cada
um dos trabalhadores integrantes do quadro de pessoal das empresas,
mediante o preenchimento direto por seus prepostos(23).
(21) Que no MPT ocorre em todas as frentes possíveis.
(22) Raça aqui entendida em seu conceito sociológico.
(23) A sistemática então é a mesma do preenchimento da RAIS e do CAGED, do Ministério do Trabalho e Emprego, ou seja, os próprios tomadores de serviços fazem a inserção. Isso não faz que o MPT não controle a inserção dos dados, mas, isso acontece a
posteriori, na análise, quando, verificada alguma inconsistência, o empregador é
chamado a fazer as retificações, se for o caso.
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Preenchido o Sistema, o programa mesmo faz a tabulação,
apresentando, sob a forma de gráficos e tabelas, a situação da empresa
no tocante à diversidade no trabalho, a partir dos três fatores já identificados: raça/cor, gênero e faixa etária, trazendo desde as informações
mais simples, como quantitativo de empregados em relação a cada
um desses grupos formados a partir dos fatores escolhidos, até as
mais complexas, como média salarial, tempo médio de serviço,
ocupação de cargos de chefia, entre outras.
Essa análise, todavia, ainda não está completa, pois, depois
disso, ela é comparada com a população economicamente ativa —
PEA do local em que o empregador exerce sua atividade, levando em
consideração não somente os grupos sob análise, mas também a faixa
de escolaridade, o que o Sistema também já fez(24).
Com isso é possível determinar se o tomador dos serviços tem
em seu quadro de pessoal um contingente que seja compatível, em
proporções aceitáveis, com o contingente populacional em condições
de trabalho.
Cabe ressaltar que, ampliando essa análise, o Programa tem sido
aplicado em segmentos econômicos por inteiro, o que permite uma
análise geral de determinada atividade, e inclui a possibilidade de fazer
comparações e traçar estratégias mais gerais em busca da diversidade
no trabalho.
O primeiro setor escolhido foi o bancário, que, depois de alguns
momentos de negativa e tensão, realizou no ano de 2008 um censo
de seus empregados e, agora, depois da tabulação e análise, espera-se que implemente os programas necessários para obter diversidade
no trabalho.
Em momento seguinte, a atuação tem ocorrido no setor supermercadista, em todo o Brasil, já com celebração de termo de ajuste de
conduta na Paraíba, e investigações em andamento em todas as
Regionais.
(24) Isso é importante para que a análise seja a mais precisa possível. É comum que a
baixa escolaridade seja uma das alegações dos tomadores de serviços para justificar a
não contratação de integrantes de determinados grupos, motivo que, nas investigações
já feitas, tem-se revelado falso.
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A respeito das investigações, é importante observar que o
Ministério Público do Trabalho, depois de completar as análises em
cada empresa, busca de forma incessante a composição, para estimular
o empregador a adotar, diretamente, as medidas necessárias para
eliminar as desigualdades existentes em seu quadro de pessoal.
Só depois de esgotadas todas as possibilidades é que são
propostas as medidas judiciais adequadas.
3.2. Principais dificuldades
Desde sua instituição o Programa vem sendo submetido à
análise, interna e externa, o que já permite, ao lado da maneira efusiva
como vem sendo saudado, como foi visto no item 1, identificar algumas
dificuldades que fazem com que ele não tenha obtido, no curto prazo,
todo o sucesso que dele se espera.
A primeira, previsível, em razão da carga de preconceito que se
tem contra o que é novo, especialmente quando se está a discutir um
comportamento condenável, mas ainda bem arraigado em boa parte
da sociedade, que é o de discriminar pelos mais variados motivos.
Essa dificuldade, todavia, vem sendo vencida paulatinamente, a
partir do momento em que o Programa tem demonstrado que a não
diversidade no trabalho é regra nas empresas, que até então não tinham
atentado para o fato de que suas práticas, ainda que aparentemente
neutras, conduzem a uma situação insustentável, na perspectiva do
respeito ao princípio da igualdade.
Na verdade, tem sido comum — embora o resultado final ainda
não tenha sido o desejado — receberem empresários e seus representantes os resultados da avaliação que o Programa faz, a partir dos
dados lançados pela própria empresa, com total surpresa, como que a
não acreditar no desenho discriminatório e não igualitário que se
forma a partir de seu quadro de pessoal.
Penso que essa primeira reação, de espanto e, imediatamente,
de negação das práticas discriminatórias, como se uma situação de
exclusão pudesse formar-se sem causa própria, tornar-se-á, em futuro
próximo, em situação de compreensão, não só dos problemas gerados,
como da necessidade de reparar prática que é injusta — injusta porque
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contrária aos valores que a sociedade elegeu como importantes, bem
como porque contrária à Constituição(25).
Enquanto isso não ocorre, porém, é preciso discutir outras
dificuldades, trazidas pelos intérpretes do Direito, e que possivelmente
serão levadas aos últimos deles — na ordem em que ocorre a
apreciação dos conflitos jurídicos —, que são os integrantes do Poder
Judiciário.
Uma delas diz respeito a possíveis óbices que podem ser apresentados à possibilidade de, constatada a não diversidade no trabalho
nas empresas, a partir da prática da discriminação indireta, serem instituídas obrigações que imponham à empresa práticas que conduzam
à igualdade em seu quadro de pessoal.
Penso que eventuais óbices não se sustentam, pois essa possibilidade é real, garantida expressamente no art. 3º, da Lei n. 7.347/85,
Lei da Ação Civil Pública, compatível com um dos objetivos fundamentais da República, que é promover o bem de todos(26), e deverá ser
materializada de acordo com o grau de discriminação que for constatado em cada caso concreto.
Assim, podem as medidas ir desde simples mudanças nos critérios
de admissão, promoção e dispensa, até a imposição de metas para
serem cumpridas, com o objetivo de criar uma situação efetiva de diversidade no trabalho.
Isso, a propósito, não é novidade no processo coletivo, especialmente o do trabalho, estando a Justiça do Trabalho há bastante tempo
familiarizada com pedidos dessa natureza, aos quais tem respondido
afirmativamente.
No tocante ao combate à discriminação, é um avanço do modelo
repressor, que deixa, como visto antes, uma postura passiva, e passa a
considerar a necessidade de reparar os efeitos do ato ilícito para além
do aspecto patrimonial, criando condições para superar as consequências, mas também as causas da falta de diversidade no trabalho.
(25) A ideia de justiça que aqui estou utilizando pode ser bem compreendida a partir do
pensamento de Ronald Dworkin, exposta em diversas obras do autor, mas que pode,
acredito, ser bem caracterizada em capítulo denominado A discriminação compensatória,
do livro Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 343-369.
(26) Penso que esse objetivo, previsto no art. 3º, IV, da CRFB, traduz, no texto constitucional, a ideia de justiça que rege as relações sociais e políticas, no Brasil.
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Note-se que não se trata de criar uma política de ação afirmativa,
mas sim de utilizar, a partir de permissivos legais expressos, a
concepção básica desse modelo, que é o de criar condições estruturais
para fazer desaparecer o ambiente que leva à discriminação.
É, então, uma aproximação dos modelos, aproveitando o fato de
que a legislação processual coletiva brasileira, seguramente avançada,
permite, na proteção dos interesses coletivos em sentido amplo, a
criação de obrigações de fazer e não fazer.
Outra dificuldade está no reconhecimento da análise estatística
como instrumento apto a comprovar a discriminação indireta, e a falta
de diversidade no trabalho. Acredito que esse é outro óbice de simples
superação, desde que bem compreendidas as premissas que justificam
sua utilização.
De início, é preciso lembrar que os meios de prova em Direito
não são somente os tradicionais, mas, pelo contrário, são considerados
válidos todos os meios moralmente adequados e que não discrepem
do ordenamento jurídico(27).
A análise estatística, dessa feita, é meio de prova.
O que, todavia, essa análise pode demonstrar? Conforme o caso,
a falta de diversidade no trabalho e, a partir dessa constatação, a
discriminação indireta.
É que, como a discriminação indireta nasce de práticas aparentemente neutras, não necessariamente conscientes e intencionais, mas
que violam o princípio da igualdade, comprovada a não diversidade no
trabalho está comprovada, por via de consequência, a discriminação
indireta.
Na verdade, a apresentação desse óbice deveria estar mais ligada
à ideia de início da responsabilidade, do que à responsabilidade em si.
É que, comprovada a falta de diversidade no trabalho, está claro que o
tomador de serviços é por ela responsável, e deve ser compelido a
fazer cessar o ilícito, caso não o faça espontaneamente.
O que se pode discutir é, para fins da responsabilização, o ponto
inicial dela.
Explicando melhor: constatada a não diversidade no trabalho e a
discriminação indireta, a partir desse momento o tomador dos serviços,
(27) Dicção óbvia do art. 332, do Código de Processo Civil.
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ciente do fato, é responsável pela reparação, e daí em diante, deve
responder pelo ilícito.
O que pode acontecer, entretanto, é o agravamento dessa
responsabilização, caso fique constatado que a prática decorria de ato
intencional.
Para tal serão necessários outros elementos de prova, mas não
para a discriminação indireta, pois, em relação a ela a análise estatística
que assim indique é suficiente.
4. CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, penso que, mais importante do que apresentar um resumo das questões acima tratadas é fazer uma reflexão a
respeito da forma como devemos ver e viver o Direito, e o reflexo disso
no combate à discriminação.
É que, a busca da condicionalidade material do Direito(28), única
forma de sua realização, especialmente dos direitos fundamentais —
um deles o de viver com igualdade —, não terá sucesso caso continuemos a ver a Ciência Jurídica e o ordenamento jurídico sob uma
óptica meramente formal.
Menos ainda enquanto não enxergarmos que o fim do Direito, e
a noção constitucional brasileira de Justiça, repito, é a promoção do
bem de todos.
Nesse sentido, assistir passivamente à produção dos efeitos da
discriminação, sabendo quais são as suas causas, sem atacá-las,
apenas por uma visão meramente formal do Direito, é contribuir para
perpetuar uma situação de desigualdade, que o ordenamento jurídico
repudia.
Pelo contrário, a hora é de reconhecermos que o Direito só se
realiza quando presentes as condições materiais necessárias, e que
fazê-las existir é tarefa de todos.
(28) Ver, a respeito, de CASTELLANOS, Angel Rafael Marino; TERRURÓ, Suzana Maria
da Gloria. La triple dimensión de los derechos humanos. In: BOUCAULT, Carlos Eduardo
de Abreu e outra (org.). Os direitos humanos e o direito internacional. Rio de Janeiro:
RENOVAR, 1999. p. 167-191.
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A IMPRESCINDIBILIDADE DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
NAS DEMISSÕES EM MASSA E A LIMITAÇÃO DE
CONTEÚDO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTA
Maria Cecília Máximo Teodoro(*)
Aarão Miranda da Silva(**)
Neste texto se sustentará a necessidade de uma prévia
negociação sindical antes de se concretizarem as demissões em massa
dos trabalhadores, bem como a limitação material das transações
encetadas na negociação coletiva. As fontes inspiradoras foram as
recentes eclosões sociais que demitiram milhares de trabalhadores e
ainda, as decisões sobre o tema dos Tribunais do Trabalho da 2ª e da
15ª Regiões, tudo em contraponto ao debate econômico da “crise
mundial”, como se exporá a seguir(1).
O ponto de partida é a fixação da premissa de que nos anos de
2008 e 2009, que se inicia, a economia planetária — totalmente
globalizada — sofreu e sofre com os diversos problemas noticiados
dia após dia pela imprensa. Em época de recessão, como a história
demonstra, custos são reduzidos, despesas são cortadas, velhas
fórmulas econômicas somadas às lições administrativas entram em
cena, incluindo o corte de postos de trabalho. Ora, para um analista
financeiro ou um administrador de empresas, embora simplória, a
(*) Doutoranda em direito do trabalho pela USP. Mestre em direito do trabalho pela
PUC/MG. Professora de direito do trabalho e processo do trabalho da PUC/MG e autora
de livros na área trabalhista.
(**) Especialista em direito do trabalho. Mestre em direitos difusos e coletivos. Advogado e professor de direito em São Paulo.
(1) Em contraponto às ideias aqui sustentadas, o artigo de GONÇALVES JÚNIOR,
Mário. Ao anular demissão em massa, Judiciário paulista assume responsabilidade do
legislativo. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/38196> Acesso em: 19.3.2009.
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constatação anterior é real e permite desenvolver programas de
recuperação para as empresas, e com isso possibilitá-las às novas
partilhas de lucros por áureos tempos.
Porém, o cerne de uma crise global, a nosso ver, não repousa
nessa fria análise mercadológica, mas sim num aprofundamento das
desigualdades sociais, na equidistância da justiça social e no empobrecimento da “classe-que-vive-do-trabalho” (ou fonte de renda de seu
trabalho, para ampliar), como alude o sociólogo Ricardo Antunes(2).
De fato, ao que tudo indica, a sociedade mundial está vivenciando
uma crise econômica, que foi iniciada nos Estados Unidos da América,
até então uma das principais potências econômicas mundiais. Nesse
sentido os órgãos midiáticos noticiam reações das empresas à referida
crise por meio de demissões em massa, corte de custos, fechamento
de estabelecimentos, dentre outras medidas drásticas.
Tal cenário mundial faz surgir o acirrado debate acerca da legalidade da dispensa coletiva sem a passagem prévia e obrigatória pela
negociação coletiva. Ou seja, coloca-se em confronto de um lado o
direito potestativo (porque ainda não regulamentado) de o empregador dispensar seus funcionários e de outro lado a obrigatoriedade ou
não da prévia negociação coletiva para a validação das demissões em
massa.
No Estado de Direito o “Poder” devidamente organizado e com
suas atribuições institucionais e estatais, delega a cada ente um papel
específico no conjunto organizado de funções. Pela extensão do Estado
e a incapacidade privada de alcançar todos os campos e setores, existem os “corpos intermediários”, como por exemplo, os sindicatos, que
possuem parcelas de atribuições e competências estatais (“poderes”
no sentido amplo). Os sindicatos, em suma, são os entes representantes
dos interesses das categorias trabalhadoras/profissionais ou empresariais/econômicas, que possuem direitos, garantias e deveres assegurados por lei e com objetivos comuns de tutelarem os interesses de
seus membros.
Jorge Luiz Souto Maior destaca que “o papel importante dos
sindicatos é o de dar corpo e configuração à consciência de classe
(2) Adeus ao trabalho?, p. 23.
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dos trabalhadores, possibilitando uma luta mais organizada e com maior
força negocial em direção a conquistas mais abrangentes, generalizáveis, que possibilitem a melhoria das condições de vida e de trabalho
dos trabalhadores como um todo”(3).
O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais sobre o
tema (sindicatos) que, adicionados à evolução das lutas entre classes,
culminou, com a instituição e proteção das entidades sindicais no âmbito
constitucional, com regulamentações e limites à atuação sindical fixados
por diversas leis.
Destaca-se a importância da organização sindical ao longo do
texto constitucional de 1988 que obteve assento em diversos dispositivos. Estes partem da livre associação e do direito de reunião, como
garantias e direitos individuais (art. 5º e seus incisos), passa pelo direito
social, com sua imprescindibilidade nas questões trabalhistas (arts. 7º
a 11) e chega às atividades jurisdicionais, como ente reconhecido para
tutelar ou até intervir nos conflitos dos trabalhadores/categorias (art.
114), isso para não citar os demais dispositivos constitucionais correlatos, como por exemplo, à tributação, à ordem social e, aos dispositivos
processuais para tutela coletiva. Como se vislumbra, trata-se de um
organismo com “profundas raízes” no Sistema Jurídico Brasileiro, ou
melhor, trata-se de um verdadeiro “ente” com garantias inerentes ao
Estado Democrático Brasileiro.
Por sua vez, considerando a existência do ente sindical ele não
está esvaziado de funções ou atribuições, pelo contrário, ele é (deveria
ser) o detentor da incumbência de buscar o equilíbrio para a tensão
constante entre o poder do capital e a classe operária, embora,
precipuamente, esta seja uma atribuição estatal (de pacificar os
conflitos) que a delega a um “corpo intermediário”. Essa busca
incessante de pacificação entre o capital e a classe operária, é
constitucionalmente assegurada pela “negociação coletiva”(4). O atual
panorama ao qual foi calcada a negociação coletiva, após a EC n. 45/04
(3) O direito do trabalho como instrumento de justiça social, p. 277.
(4) DELGADO, Mauricio Godinho. Direito coletivo do trabalho, p. 120-129 , sustenta que
“a negociação coletiva é um dos mais importantes métodos de solução de conflitos
existentes na sociedade contemporânea. Sem dúvida, é o mais destacado no tocante a
conflitos trabalhistas de natureza coletiva”. Para o autor, são funções da negociação
coletiva: a geração de normas jurídicas, a pacificação de conflitos de natureza sociocoletiva, a função sociopolítica e a função econômica.
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e a nova redação do art. 114 da Constituição, permite afirmar que se
trata de um pressuposto de existência e até validade dos conflitos e
soluções desses na esfera coletiva do trabalho. A subtração ou
esvaziamento do processo de “negociação coletiva” ocasiona a
nulidade de todos os atos posteriormente praticados, pois, ao prever o
§ 2º do art. 114 da Constituição o “comum acordo” para a deflagração
de dissídio coletivo, obrigou as partes envolvidas a negociar (atenta-se ao início do parágrafo aludido que, in verbis: “recusando-se qualquer
das partes à negociação coletiva...”). Ora, afastar a negociação coletiva
do processo sindical ou das lides coletivas trabalhistas é, mutatis
mutantis, o mesmo que “trapacear no jogo de tabuleiro”, em que o
trapaceador é a parte que surrupia as regras (o poder econômico) e o
jogo de tabuleiro é o Estado de Direito.
A consagração de um direito social, e por que não, individual do
trabalhador, que é o reconhecimento sindical, só foi alcançado com
muito esforço, com lutas e conquistas históricas, e com a evolução de
um processo marcado pela fugacidade do mais forte sobre os mais
fracos (poder econômico x trabalhadores). Com efeito, qualquer
discurso em sentido contrário à opressão da classe operária é negar
as evidências históricas, assim como negar o holocausto(5).
Prosseguindo, destaca-se que os objetivos fundamentais do Brasil
(art. 3º da Constituição Federal) são, dentre outros: “construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos e
quaisquer outras formas de discriminação”. Isso observando seus
fundamentos, como a cidadania, a dignidade da pessoa (humana) e
os valores sociais do trabalho e livre iniciativa (art. 1º do Texto Constitucional). Esses objetivos só são alcançados quando respeitados os
“seres” envolvidos no processo democrático, bem como seus direitos
(5) Declaração de direitos do homem, 1948, art. XXIII: “1. Todo ser humano tem direito
ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à
proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito
a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a
uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma
existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário,
outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos
e a neles ingressar para proteção de seus interesses”.
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e deveres, pois cada parte ou ente constitucionalmente existente possui
seu papel e sua força na sociedade.
Logo, combater os abusos no poder econômico, na livre-iniciativa,
no poder potestativo (e “direito”) da empresa, é permitir que uma
sociedade “livre, justa e solidária” seja calcada. A boa-fé (lealdade e
crença), os limites fixados pela função social da empresa, do contrato
e da propriedade privada, são os nortes que deveriam ser observados
pelo Poder Econômico, mesmo diante de uma “crise mundial”, uma
vez que a “ética” nunca deveria deixar de ser observada.
Pelo exposto, questionam-se os atos das empresas em demitir
inúmeros trabalhadores em curto período de tempo, sob o pretexto da
inviabilidade econômica e financeira de manter os postos de trabalho
diante da crise, optando por unilateralmente e na surdina “decidir” pela
redução de empregos e encargos sociais, o que se designa por
“dispensa coletiva dos trabalhadores, ou dispensa em massa ou
demissão em massa dos trabalhadores”, e assim por diante. O problema social das demissões coletivas se agrava quando a empresa (“não
social”) utiliza-se do subterfúgio de não avisar, de não negociar, de
não encontrar alternativas por meio da negociação coletiva junto ao
sindicato representante da categoria para evitar as demissões.
Arrisca-se um palpite ainda mais grave. Muitas empresas vêm se
utilizando do argumento da crise para cortarem custos, mediante o
corte de postos de trabalho, quando, de fato, não foram sequer afetadas
pela tão alardeada crise econômica.
Por isso que parcela dessa ausência ou (in)submissão à negociação
coletiva se atribui à “fraqueza do sistema sindical” brasileiro e da
carência de efetividade dos instrumentos de pressão coletiva disponibilizados aos trabalhadores, como o esvaziamento do “poder de greve”.
Isso sem contar pela opressão histórica do poder econômico sob a
“classe-que-vive-do-trabalho”.
Outra parte do escopo empresarial repousa no discurso inadmissível da ausência de norma (legal e posta) que vete a dispensa coletiva
de trabalhadores no Brasil. Com efeito, o uso dessa “a-legalidade”,
para que empresas demitam livremente e de forma aleatória trabalhadores, demonstra que as garantias e direitos individuais, sociais e
coletivos necessitam e muito de tutela e proteção pelos legitimados.
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Nesse sentido, em recente decisão o Tribunal Regional do
Trabalho da 2ª Região limitou a dispensa imotivada e coletiva dos
trabalhadores de uma empresa remetendo as partes à prévia negociação coletiva. Pouco tempo depois, foi a vez do Tribunal Regional do
Trabalho da 15ª Região, no polêmico caso envolvendo os trabalhadores
da empresa Embraer, como se esmiuçará a seguir.
Ora, não é crivo que o abuso do poder econômico seja aceito e
referendado pelo Estado, neste caso, o “Poder Judiciário”. O escopo
econômico utilizado com o fito de evitar a todo custo a intervenção
estatal na livre iniciativa ou no mercado econômico como sendo meio
de enfraquecer e desestabilizar as relações “econômico-financeiras”, de
causar insegurança nas relações jurídicas e sociais, que é forma de
“ditadura”, que é causa de retrocesso social e assim por diante, porém,
se observados os objetivos e fundamentos da República do Brasil
constatará que todos esses “pretensos argumentos” desmoronam(6).
Acredita-se que os debates econômicos estejam equivocados,
pois a intervenção estatal (nas demissões coletivas não negociadas) é
meio de demonstrar segurança jurídica nas relações jurídicas e sociais,
pois, muitos contratos de trabalhos “diretos” e individuais foram
rescindidos imotivadamente, diversas famílias foram impactadas
economicamente, comunidades inteiras dizimadas financeiramente,
socialmente o exército de desempregados aumentou, as desigualdades
se acentuaram, a precarização despontou, e ainda, coletivamente, o
direito sindical brasileiro restou enfraquecido, isso é, se ainda existiam
“forças sindicais” no país dos sindicatos pelegos”! (é o que se constata
pelo reduzido número de greves deflagradas ou movimentos paredistas
no país nos últimos anos e pelo excedente número de sindicatos
cadastrados no Ministério do Trabalho).
E mais. Após as recentes decisões sobre o tema “demissão
coletiva”, juridicamente muitos sustentaram que pelo fato de não existir
norma expressa que limite a dispensa coletiva esta poderia ocorrer
“livremente”, pois o juiz estaria restrito a decidir dentro da lei (e lei não
existiria). Novamente o debate jurídico foi tomado pelo debate econômico e com este se confundiu, isto porque o sistema jurídico brasileiro
(6) Nesse sentido: “O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar
regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor”. (RE 349.686, Rel.
Min. Ellen Gracie, julgamento em 14.6.05, 2ª Turma do STF, DJ de 5.8.05).
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não é fechado e tão pouco depende de leis para existir, a dogmática
jurídica não se reduz ao exercício “cru” de subsumir o fato à norma e
ponto. Num sistema legalmente “aberto”, a todo momento, se depara
com artigos na própria lei como:
a) Art. 4º da LICC: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso
de acordo com a analogia, os costumes e também com os
princípios gerais do direito.”
b) Art. 5º da LICC: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
c) Art. 8º da CLT: “As autoridades administrativas e a Justiça do
Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão,
conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade
e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do
direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes,
o direto comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”(7);
d) Art. 126 do CPC: “O juiz não se exime de sentenciar ou
despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento
(7) “Cumpre observar que em legislações estrangeiras há previsão para limitar as
dispensas coletivas. O exemplo elencado é o Direito argentino que pela Lei n. 24.013
de 13.11.1991, apresenta no Capítulo 6 o tema: Procedimiento preventivo de crisis de
empresas. Em suma, a referida lei estabelece uma porcentagem que enquadraria as
empresas nesse procedimento (por exemplo, quando as demissões afetarem mais de
15% dos trabalhadores em empresas com menos de 400 funcionários e outros percentuais
calculados com base no número de trabalhadores da empresa) e determina que a empresa
que se enquadrar nas condições legais, deve peticionar ao Ministério do Trabalho e
Seguridade Social explicitando e comprovando a necessidade do procedimento e das
demissões. A seguir o sindicato é notificado e marcada uma audiência administrativa.
Não sendo possível acordo é aberto prazo para negociação. A autoridade administrativa
poderá homologar ou não o acordo proposto pelas partes — empresa e sindicato — e,
ainda, determinar procedimentos investigativos para apurar as alegações da empresa.
Destaca-se que se o procedimento aludido não for cumprido os contratos individuais de
trabalho permanecerão vigentes e válidos, surtindo todos os seus efeitos. E ainda, o Decreto
n. 265/02, que regulamenta a Lei argentina, dispõe no art. 6º que as demissões coletivas
que não houverem respeitado o procedimento mencionado deverão ser suspensas pela
autoridade administrativa do trabalho que convocará as partes para audiência.” Conforme
dados disponíveis no site: <www.trabajo.gov.ar> Acesso em: 3.4.2009, às 17h, texto
acrescentado no original por sugestão de Tábata Gomes Macedo de Leitão, mestranda
em Direito do Trabalho pela USP.
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da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,
recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de
direito”;
e) Art. 127, do CPC: “ O juiz só decidirá por equidade nos casos
previstos em lei”;
f) Art. 335, do CPC, sobre provas: “Em falta de normas jurídicas
particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum
subministradas pela observação do que ordinariamente acontece
e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a
esta, o exame pericial”;
g) Art. 1.109, do CPC, sobre jurisdição voluntária: “O juiz decidirá
o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a
observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada
caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”.
Assim, qualquer escusa do magistrado em solucionar o conflito
que lhe fora proposto sob o escopo de ausência de normas, seria a
negação da prestação jurisdicional, e violação aos direitos humanos
mais básicos.
Outros exemplos poderiam ser perseguidos para justificar as
interferências do Estado nas relações privadas (coletivas): um, que
era dever do Poder Judiciário intervir no conflito social, considerando
a lesão e as partes envolvidas; dois, que a ausência de norma expressa
não exime o magistrado de julgar um “pedido juridicamente possível”;
três, o “poder geral de cautela” que permeia a atividade jurisdicional
possibilita ao magistrado decidir utilizando-se de outras fontes do direito
e não somente a lei; quatro, que um magistrado não pode decidir e
pautar seus atos jurisdicionais contra legem, mas sempre dentro da
legalidade e pro societate, como nos dois casos aludidos (decisões
dos TRT’s da 2ª e 15ª Regiões). Recorda-se que a partir do momento
em que o Estado avocou a solução dos conflitos, ele passou a dever
Justiça, como sustentava Norberto Bobbio.
Outro ledo equívoco é o de sustentar a ausência de normas para
determinar a obrigatoriedade de submissão das partes envolvidas no
conflito coletivo de trabalho à negociação coletiva.
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Nesse diapasão, dos diversos tratados internacionais de que o
Estado brasileiro é signatário, há aqueles que versam especificadamente na imprescindibilidade dos Direitos Sindicais, que asseguram o
direito de sindicalização e, sobretudo, de participação dos sindicatos
nas “vidas” dos trabalhadores. Nesse sentido a Convenção n. 98 da
OIT, ratificada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n. 49 de 1952 e
promulgada pelo Decreto n. 33.196, de 29 de junho de 1953, que por
si já fundamenta a “interferência” nas demissões coletivas, uma vez
que os conflitos coletivos entre as partes envolvidas (trabalhadores
organizados e representados por seus sindicatos e a empresa) devem
sempre ser remetidos à negociação coletiva, como prevê o art. 4º da
Convenção. De igual sorte a Convenção n. 154 da OIT ratificada pelo
Brasil pelo Decreto Legislativo n. 22 de 1992, promulgada pelo Decreto
n. 1.256, de 29 de setembro de 1994. Neste ponto, propositadamente,
deixa-se de discutir as peculiaridades envoltas na Convenção n. 158
da OIT, ratificada e denunciada pelo Brasil(8).
Sobre a validade dos tratados internacionais no Direito brasileiro
observa-se a nova tendência doutrinária e jurisprudencial. Em recente
artigo Luiz Flávio Gomes(9) aponta que “os tratados de direitos humanos
(8) Nesse ponto sugere-se ao leitor a obra de MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do
trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000. p. 331 e ss. As
íntegras dos textos das Convenções da OIT podem ser obtidas no site: <http://www.
mte.gov.br/rel_internacionais/convencoesOIT.asp> Acesso em: 19.3.2009.
(9) In: Valor dos direitos humanos no sistema jurídico brasileiro, p. 8, jornal Carta Forense, de março de 2008. Disponível também em: <http://www.cartaforense.com.br/Mate
ria.aspx?id=3642> Acesso em: 19.3.2009. Sobre o tema, especificadamente (com destaques): Informativo 531 do STF: Prisão Civil e Depositário Infiel — Em conclusão de
julgamento, o Tribunal concedeu habeas corpus em que se questionava a legitimidade
da ordem de prisão, por 60 dias, decretada em desfavor do paciente que, intimado a
entregar o bem do qual depositário, não adimplira a obrigação contratual — v. Informativos 471, 477 e 498. Entendeu-se que a circunstância de o Brasil haver subscrito o
Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia (art. 7º, 7), conduz à inexistência de balizas
visando à eficácia do que previsto no art. 5º, LXVII, da CF (“não haverá prisão civil por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”). Concluiu-se, assim, que, com a introdução
do aludido Pacto no ordenamento jurídico nacional, restaram derrogadas as normas
estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel. Prevaleceu, no julgamento, por fim, a tese do status de supralegalidade da referida Convenção, inicialmente defendida pelo Min. Gilmar Mendes no julgamento do RE 466343/SP, abaixo
relatado. Vencidos, no ponto, os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e
Eros Grau, que a ela davam a qualificação constitucional, perfilhando o entendimento
expendido pelo primeiro no voto que proferira nesse recurso. O Min. Marco Aurélio,
relativamente a essa questão, se absteve de pronunciamento. HC 87585/TO, rel. Min.
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acham-se formal e hierarquicamente acima do Direito Ordinário”, isso
em alusão a recentes manifestações do STF que concluíram que os
tratados internacionais que foram submetidos à votação expressa
necessária para aprovação de Emenda Constitucional (art. 5º, § 3º, da
Constituição) terão efeitos ímpares, ou seja, que os tratados, ao serem
incorporados no sistema, acabam por tornar-se fontes “supraordinárias” do direito, e que inclusive pode ser afastado (o direito ordinário)
se contrariar uma norma internacional, e conclui o autor mencionando
que: “do velho Estado de Direito legal ou legalista estamos evoluindo
para o Estado de Direito constitucional e internacional”.
Ou seja, a previsão internacional, e por que não sistêmica-interna,
prevê a necessidade de negociação coletiva entre as partes envolvidas
na relação de trabalho sempre que houver conflitos de interesses, o
que permite afirmar a obrigatoriedade de se observar o processo de
diálogo entre os envolvidos sob pena de “nulidade” procedimental ou
até abusividade (para não dizer de má-fé(10), contrariedade aos bons
costumes e ilicitude nas condutas) na decisão unilateral da empresa
de demitir diversos trabalhadores (que é o fato corriqueiro na realidade
empresarial do Brasil).
Portanto, a “bruta” atividade empresarial brasileira em praticar
demissões em massa caracteriza violação da norma de conduta (a
Convenção n. 98 da OIT), o que, dentre outras sanções, evidencia
uma prática antissindical rechaçada pela OIT, por seus órgãos, e
mundialmente evitada. Com efeito, negar a validade ou vigência da
Convenção n. 98, já ratificada, é algo inimaginável para um estudante
Marco Aurélio, 3.12.2008. (HC-87585) Na linha do entendimento acima sufragado, o
Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus, impetrado em favor de depositário
judicial, e averbou expressamente a revogação da Súmula n. 619 do STF (“A prisão do
depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o
encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”). Vencido o Min.
Menezes Direito que denegava a ordem por considerar que o depositário judicial teria
outra natureza jurídica, apartada da prisão civil própria do regime dos contratos de
depósitos, e que sua prisão não seria decretada com fundamento no descumprimento
de uma obrigação civil, mas no desrespeito ao múnus público. HC-92566/SP, rel. Min.
Marco Aurélio, 3.12.2008. (HC-92566). Vide ainda o HC-90172-7 de São Paulo no
STF, com rel. Min. Gilmar Mendes.
(10) Estêvão Mallet, em A negociação coletiva nos Estados Unidos da América, p. 338
e ss. na obra Direito coletivo do trabalho em uma sociedade pós-industrial, alude à
necessidade de se negociar com boa-fé exemplificando condutas e ações/omissões
que caracterizam a negociação com boa-fé ou com má-fé.
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do direito ou um jurista que tranquilamente vislumbra sua incidência e
seus efeitos no sistema jurídico brasileiro.
A ausência de um diálogo social entre a empresa demissionária,
o Governo (principalmente o Poder Executivo), e os entes sindicais
não é a forma coesa e sensata de “sair de uma crise”, pelo contrário,
agredir direitos consagrados e inerentes ao ser humano trabalhador é
retroceder socialmente, e permitir que em breve tenhamos censuras,
prisões perpétuas, penas de morte, arbitrariedades públicas e outras
tantas mazelas muito conhecidas da sociedade, e que se busca
esquecer após 1988.
Retomando as decisões dos E. Tribunais laborais retrocitadas, a
da 2ª Região culminou na declaração de nulidade da dispensa coletiva e
determinação para que a empresa estipulasse negociação coletiva
reduzindo os impactos sociais(11).
(11) EMENTA: DESPEDIDA EM MASSA. NULIDADE. NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO
COLETIVA. GREVE DECLARADA LEGAL E NÃO ABUSIVA. Da greve. Legalidade. 1. A
greve é maneira legítima de resistência às demissões unilaterais em massa, vocacionadas
a exigir o direito de informação da causa do ato demissivo massivo e o direito de negociação
coletivo. Aplicável no caso os princípios da solução pacífica as controvérsias, preâmbulo
da CF; bem como, art. 5º, inciso XIV, art. 7º, XXVI, art. 8º, III e VI, CF, e Recomendação n.
163 da OIT, diante das demissões feitas de inopino, sem buscar soluções conjuntas e
negociadas com Sindicato. Da despedida em massa. Nulidade. Necessidade de procedimentalização. 2. No ordenamento jurídico nacional a despedida individual é regida pelo
Direito Individual do Trabalho, e assim, comporta a denúncia vazia, ou seja, a empresa
não está obrigada a motivar e justificar a dispensa, basta dispensar, homologar a rescisão
e pagar as verbas rescisórias. 3. Quanto à despedida coletiva é fato coletivo regido por
princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, material e processual. 4. O direito
coletivo do trabalho vem vocacionado por normas de ordem pública relativa com regras
de procedimentalização. Assim, a despedida coletiva não é proibida, mas está sujeita ao
procedimento de negociação coletiva. Portanto, deve ser justificada, apoiada em motivos
comprovados, de natureza técnica e econômicos e ainda, deve ser bilateral, precedida de
negociação coletiva com o Sindicato, mediante adoção de critérios objetivos. 5. É o que
se extrai da interpretação sistemática da Carta Federal e da aplicação das Convenções
Internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil e dos princípios Internacionais constantes de
Tratados e Convenções Internacionais, que embora não ratificados, têm força principio-lógica, máxime nas hipóteses em que o Brasil participa como membro do organismo
internacional como é o caso da OIT. Aplicável na solução da lide coletiva os princípios: da
solução pacífica das controvérsias previsto no preâmbulo da Carta Federal; da dignidade
da pessoa humana e do valor social do trabalho, e da função social da empresa, encravados
nos arts. 1º, III e IV e 170 caput e inciso III da CF; da democracia na relação trabalho-capital e da negociação coletiva para solução dos conflitos coletivos, conforme previsão
dos arts. 7º, XXVI, 8º, III e VI e arts. 10 e 11 da CF, bem como previsão nas Convenções
Internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil, ns. 98, 135 e 154. Aplicável ainda o
princípio do direito à informação previsto na Recomendação n. 163, da OIT, e no art. 5º,
XIV, da CF. 5. Nesse passo deve ser declarada nula a dispensa em massa, devendo
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E a da 15ª Região na determinação de indenizar os trabalhadores
da empresa com mais dois salários, além das verbas devidas pela
rescisão, direito a mais 12 meses de plano de saúde, preferência na
recontratação por até dois anos dos demitidos, e ainda mantença dos
efeitos temporais das liminares concedidas suspendendo as rescisões
dos contratos (nesta ainda não ocorreu o trânsito em julgado até o
momento da publicação deste texto)(12).
Ora, as decisões mencionadas são difusoras no sistema jurídico
pátrio, mas os E. TRT’s ao concluírem pelo vício no negócio jurídico e
pela ilicitude na conduta dos agentes envolvidos restringiram-se, pois:
ou determinaram às empresas a indenizar os obreiros (com diversas
formas), ou remeteram as partes a um acordo específico para as demissões. Outros mecanismos jurídicos poderiam ter sido utilizados e mais
efetividade às normas trabalhistas alcançadas, incluindo aplicações
de sanções às empresas. Porém, o marco difusor foi a consideração e
evidencialidade pacífica de abusividade e ilicitude nas condutas dos
empregadores em praticarem as demissões em massa, e sempre
unilaterais.
Em tempo, não se sustenta que, uma vez negociada coletivamente
a demissão em massa dos trabalhadores, se justifica ou fundamenta,
pelo contrário, como se verá a seguir. O que se salienta é a imprescindibilidade da negociação como pressuposto de existência e até validade
de eventuais demissões.
a empresa observar o procedimento de negociação coletiva, com medidas progressivas
de dispensa e fundado em critérios objetivos e de menor impacto social, quais sejam: 1º
— abertura de PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA; 2º — remanejamento de empregados para as outras plantas do grupo econômico; 3º — redução de jornada e de salário;
4º — suspensão do contrato de trabalho com capacitação e requalificação profissional na
forma da lei; 5º — e por último mediante negociação, caso inevitável, que a despedida
dos remanescentes seja distribuída no tempo, de modo a minimizar os impactos sociais,
devendo atingir preferencialmente os trabalhadores em vias de aposentação e os que
detêm menores encargos familiares. TRT da 2ª Região. ACÓRDÃO SDC N. 00002/2009-0.
PROCESSO N. 20281200800002001. Dissídio Coletivo de Greve. SUSCITANTE: AMSTED
MAXION FUNDIÇÃO E EQUIPAMENTOS FERROVIÁRIOS S/A. SUSCITADO: SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS e outros. Julgamento em 22.12.2008. Documento disponível no site: <http://www.trt02.gov.br/> Acesso
em: 20.3.2009.
(12) Processo n. 00309-2009-000-15-00-4, do TRT da 15ª Região, e último andamento:
em 19.3.2009, com o Acórdão sendo lavrado pelo Relator Dr. José Antonio Pancotti,
informações e andamentos disponíveis no site: <http://consulta.trt15.jus.br/> Acesso
em: 20.3.2009.
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Nesse sentido, algumas ideias legislativas surgem para socorrer
o descalabro do descumprimento dos preceitos assegurados aos
trabalhadores e aos representantes de classes. Como o Projeto de Lei
n. 6.356/05(13) do Deputado Federal Vicentinho, que em suma prevê os
“índices” para se ter a demissão coletiva nos casos descritos e remete
as partes à negociação coletiva. Em que pesem as críticas pontuais
ao projeto, e algumas bem fundamentadas, fato é que a saída (se é
que há) encontrada para o problema é a mesma que hoje se busca e que
a OIT recomenda: “a ampla negociação coletiva” (para aquilo em que
a negociação seja possível).
A Constituição Federal, ao “flexibilizar” os direitos trabalhistas,
assim o fez prestigiando a Negociação Coletiva e a atividade sindical
(art. 7º, incisos XIII e XIV), além das diversas previsões na CLT e
legislações esparsas, como por exemplo, nos institutos das férias
coletivas, da suspensão do contrato de trabalho para qualificação do
empregado, na contratação de trabalhadores por prazo determinado
(tempo parcial, previsto na Lei n. 9.601/98), no banco de horas, na
participação dos lucros e resultados, e outros tantos (inclusive com a
recente atribuição de personalidade jurídica e capacidade de
negociação às centrais sindicais, pela Lei n. 11.648/08).
Assim, diante de tantas evidências que remetem à “negociação
entre as partes envolvidas no conflito”, questiona-se: “POR QUE
RETROCEDER SOCIALMENTE?” “Por que romper o pacto de uma
sociedade justa, fraterna e solidária e que valoriza o ser humano trabalhador (dignidade humana)? E as gerações futuras, o que farão diante
da sucumbência pública e social quanto aos direitos trabalhistas
mínimos mundialmente consagrados?
A mantença do atual sistema sindical em suas bases corporativistas
é a crítica contumaz que os especialistas realizam, mas em oportunidades criadas pelas “crises” para a evolução do sistema sindical, a
estagnação persiste e todo o debate teórico de emancipação aparentemente desaba.
Recorda-se da conclusão lançada por Jorge Luiz Souto Maior
para quem: “fazer valer o direito do trabalho, mais que uma questão de
(13) Documento disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/362814.pdf>
Acesso em: 20.3.09.
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justiça, é um resultado inexorável de nossa responsabilidade histórica.
Nesse sentido é que devemos ser homens de nossa época, o que
pressupõe reconhecer que o direito social que herdamos é o resultado
do sacrifício de muitas vidas. Não podemos transmitir aos nossos
sucessores um mundo novamente marcado pelas máximas capitalistas
do “quem pode mais chora menos” e do “salve-se quem puder”, pois
elas já nos conduziram a duas guerras mundiais e, certamente, nos
conduzirão à terceira, da qual, no entanto, não restará notícia”(14).
As soluções não são mirabolantes e não estão assentadas numa
fórmula mágica, mas sim em pequenos atos e atitudes, como: as dos
E. Tribunais Trabalhistas que valoraram a atividade sindical; no respeito
pela sociedade e pelo governo à liberdade sindical e à negociação
coletiva; as soluções dos conflitos na esfera coletiva e não individual
(demissão coletiva versus demissão individual); e assim, desvincular-se do debate econômico global que busca fundar-se no individualismo
consumista e por sua vez no enfraquecimento dos agentes sociais e
coletivos e pautar-se no coletivismo e na real democracia.
Num exercício interpretativo mais preciso, observa-se que as
normas jurídicas já possibilitam uma ampla liberdade sindical, com
efetivação da atividade negocial e respeito ao Direito do Trabalho,
bastaria a aplicação dos tratados internacionais, das normas constitucionais e infraconstitucionais. Assim, por exemplo:
A ordem econômica deve, conforme a Constituição: “Art. 170 —
(...), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II — propriedade privada; III — função social da propriedade; IV — livre concorrência; (...) VII — redução das desigualdades regionais e sociais; VIII
— busca do pleno emprego”.
E como no texto constitucional não há letra morta, a interpretação
harmônica destas prescrições com os artigos introdutórios da Carta
de 1988(15) (arts. 1º a 11), permitem analisar que o norte a ser perseguido
(14) O direito do trabalho como instrumento de justiça social, p. 382.
(15) Nesse sentido o Acórdão do STF (grifei): “Ação direta de inconstitucionalidade. Art.
3º da Medida Provisória n. 1.596-14/97, convertida na Lei n. 9.528/97, que adicionou ao
art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho um segundo parágrafo para extinguir o
vínculo empregatício quando da concessão da aposentadoria espontânea. Procedência
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é o do bem comum, da igualdade (material e formal), do bem-estar, da
dignidade humana, do pleno emprego (trabalho digno), da paz social e
assim por diante, mas sempre com equilíbrio de forças e valoração do
ser humano.
Há tempos a norma infraconstitucional já aponta elementos que,
se analogicamente utilizados, permitem impor ao empregador limites
ao poder potestativo (e abusivo de demitir coletivamente). Por exemplo,
o art. 165 da CLT acena que para os membros da CIPA, detentores de
estabilidade provisória, é necessário que a empresa, ao dispensá-los,
justifique e comprove o motivo de ordem disciplinar, técnico, econômico
ou financeiro.
Os primeiros passos para a aplicação de algumas ideias aqui
desenvolvidas e sustentadas foram postas em prática pelos E. Tribunais
Regionais do Trabalho com as recentes decisões mencionadas.
Mas ainda falta muita consciência de classe, jurídica, social e
econômica(16).
da ação. (...) Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República
Federativa do Brasil (inciso IV do art. 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica,
que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (art. 170,
caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (art. 193). Esse arcabouço
principiológico, densificado em regras como a do inciso I do art. 7º da Magna Carta e
as do art. 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda
relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade. A Constituição Federal
versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um
direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular
numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que
resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do
vínculo empregatício não opera automaticamente). O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica
entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro
Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse
Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador. O Ordenamento
Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento
automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que
este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize
algum. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito
extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego. Inconstitucionalidade do § 2º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei
n. 9.528/97.” (ADI 1.721, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 11.10.06, DJ de 29.6.07).
No mesmo sentido: AI 524.281-AgR-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.9.08,
DJE de 20.2.09; AI 565.894-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 30.5.06,
DJ de 10.11.06.
(16) Nesse contexto são vivas as ideias de SANTOS, Milton. Por uma outra globalização, p. 169 e 173, que destacava: “a reconstrução vertical do mundo, tal como a atual
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Um último ponto merece ser aprofundado, para que equívocos
na interpretação não sejam cometidos e, sobretudo, para alcançar a
exata proposta do presente texto.
No que se refere à obrigatoriedade da negociação coletiva prévia
às demissões em massa, dois principais posicionamentos doutrinários
opostos foram rapidamente formados. A primeira corrente entende que
para a demissão em massa não há que se falar em prévia negociação
coletiva, na medida em que não se pretende estabelecer condições de
trabalho, pelo contrário, o que se pretende é justamente a extinção do
vínculo empregatício, o que não encontra óbice no ordenamento jurídico
vigente no país (posição já superada pelos argumentos retroapresentados).
O segundo posicionamento doutrinário arrima-se no sentido de
que apesar de não existir norma regulamentadora da dispensa arbitrária
ou sem justa causa, que mantém vigente o poder potestativo de o
empregador imotivadamente dispensar o trabalhador, tal “dispensa”
está inserida na esfera individual do contrato de trabalho.
Ocorre que a dispensa coletiva não está adstrita à esfera individual
da relação de emprego, mas diz respeito a um direito essencialmente
coletivo, afeto não só aos trabalhadores individualmente considerados,
mas a toda a comunidade ao qual está inserido, às diversas famílias
que perdem sua fonte de sustento, ao verdadeiro problema social que o
desemprego causa. A corrente que defende o direito de rescindir
centenas de contratos de trabalho sem qualquer restrição não observa
a magnitude da questão, que a retira da esfera eminentemente privada
e individualizada do contrato de trabalho remetendo-a à pública ou difusa e
coletiva.
globalização perversa está realizando, pretende impor a todos os países normas comuns
de existência e, se possível, ao mesmo tempo e rapidamente. Mas isto não é definitivo.
A evolução que estamos entrevendo terá sua aceleração em momentos diferentes e em
países diferentes, e será permitida pelo amadurecimento da crise”. E pontualmente,
prossegue o autor: “ousamos, desse modo, pensar que a história do homem sobre a
terra dispõe afinal das condições objetivas, materiais e intelectuais, para superar o
endeusamento do dinheiro e dos objetos técnicos e enfrentar o começo de uma nova
trajetória. (...) o que conta mesmo é o tempo das possibilidades efetivamente criadas, o
que à sua época, cada geração encontra disponível, isso a que chamamos tempo
empírico, cujas mudanças são marcadas pela irrupção de novos objetos, de novas ações
e relações de novas ideias”.
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A denúncia vazia de um contrato de emprego é aceita tendo em
vista a ausência de regulamentação do art. 7º, I, da CF e pela duvidosa
validade da denúncia da Convenção n. 158 da OIT pelo Brasil. Mas,
além disso, a dispensa individual rege-se pelo também Direito Individual
do Trabalho, não obrigando o empregador, até então, a motivar a
dispensa.
Por outro lado, as dispensas em massa são regidas pelo Direito
Coletivo do Trabalho, que possui normas de ordem pública, na medida
em que diz respeito a direitos que extravasam a esfera meramente
individual, ou seja, interesses coletivos e difusos, pois atingem simultaneamente grupos de trabalhadores e toda a sociedade indiretamente.
Na medida em que as demissões coletivas são matéria afeita à
esfera coletiva do Direito do Trabalho, resta afirmar que se demonstra
obrigatória a tentativa de negociação coletiva prévia entre as representações sindicais das categorias profissional e econômica envolvidas.
Por meio da negociação coletiva as partes podem procurar soluções
diversas para lidar com os problemas econômicos atravessados pela
empresa sem que seja necessária a dispensa coletiva de trabalhadores.
Ademais, pela prévia negociação coletiva o sindicato profissional
pode servir como filtro ético, considerando que pode constatar se os
argumentos de uma referida crise são verdadeiros. Ou seja, o sindicato
está mais próximo da realidade da empresa, na verdade, está inserido
em sua dinâmica econômica, por meio de seus representados e, por
isso, tem aptidão para notar se a crise afetou verdadeiramente a
empresa que negocia coletivamente.
Partindo dessa premissa formal, da obrigatoriedade da negociação coletiva prévia à dispensa em massa, outra questão de ordem
material surge: E se o Sindicato Profissional concordar com a dispensa
em massa? O Direito Coletivo do Trabalho impõe, além do requisito
formal da obrigatoriedade de prévia negociação coletiva, algum limite
de conteúdo à negociação?
Para responder a essa indagação deve-se perquirir acerca das
características do direito em pauta na negociação coletiva. Os direitos
do trabalhador estão previstos na Constituição Federal e detêm
a qualidade da fundamentalidade, compondo o núcleo imutável (e
mínimo — com as cláusulas de não retrocesso social) da Carta Magna.
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Ademais são direitos de ordem pública, voltados para a sociedade de
trabalhadores considerados hipossuficientes em suas relações com
“o patrão”. Por tal razão detêm estes direitos laborais a qualidade da
indisponibilidade.
A fundamentalidade e a indisponibilidade não são caracteres que
tornem os direitos trabalhistas irrestritos. Os direitos fundamentais
podem sofrer restrições tanto em seu exercício quanto para o seu
exercício, principalmente, quando há conflito de bens jurídicos tutelados.
Ocorre que as restrições ou estão previstas diretamente na Constituição
Federal (restrições diretas ou imediatas) ou são colocadas para que o
legislador infraconstitucional o faça (restrições legais ou reserva legal),
porém em todas as hipóteses princípios supremos preponderam, como
da isonomia e suas peculiaridades, da liberdade, da proteção ao hipossuficiente, da boa-fé, da função social da propriedade, dos contratos,
da empresa, da eticidade, dentre outros.
O fato é que a negociação coletiva não tem aptidão ou permissão
para renunciar (coletivamente) aos direitos trabalhistas das categorias
envolvidas. Pela negociação coletiva somente é possível que haja
transação de direitos cuja indisponibilidade seja apenas relativa, ou
seja, a Constituição Federal deve prever a sua “flexibilização” mediante
convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI, XIII, XIV, CF). Nos demais
casos, em que não há o permissivo constitucional, os direitos se
revestem de indisponibilidade absoluta e não poderão ser transacionados de forma a piorar a situação dos trabalhadores por meio da
negociação coletiva. Com efeito, a negociação coletiva cabe para que
melhorias nas condições de trabalho sejam implementadas, e a ruptura
do pacto laboral, definitivamente, “não é melhoria em qualquer
condição” (nem mesmo para a empresa)(17).
No caso em destaque, a despedida arbitrária ou sem justa causa
deverá ser regulamentada por lei complementar, tratando-se de restrição legal de direitos, não afeita à negociação coletiva.
Assim, entende-se que a Constituição Federal impõe à negociação
coletiva limites materiais, proibindo que a transação coletiva entre os
(17) Trata-se do Princípio da Adequação Setorial Negociada. A respeito ler: TEODORO,
Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 2007.
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sindicatos representativos leve à extinção em massa dos contratos de
trabalho, por se tratar a proteção da relação de emprego de direito de indisponibilidade relativa, porém com restrições adstritas à reserva legal.
Dessa forma, deverão os sindicatos envolvidos na negociação
coletiva buscar soluções diversas para o enfrentamento da crise, sem
que isso signifique a resolução coletiva dos contratos de trabalho. A
propósito, as partes dispõem de ferramentas constitucionais para a
solução do impasse, sendo certo que a Carta Maior permite a redução
salarial e a redução de jornada pela livre negociação coletiva das partes
(art. 7º, VI e XIII, CF), desde que com compensações e alterações
momentâneas e isonômicas a setores ou membros da categoria.
Portanto, a defesa da negociação coletiva como forma de evitar
a demissão coletiva é um passo rumo à real democracia, rumo ao
efetivo uso do Poder do Povo, rumo à valorização do ser humano
enquanto cidadão e de valorização do trabalho enquanto elemento
vital à sociedade. Uma última ressalva merece ser realizada, a de que
as propostas e ideias aqui defendidas só nos servem se possuirmos
um sistema sindical forte e legítimo, que num ciclo vicioso só se
consegue com a liberdade sindical e o direito negocial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? 9. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
DELGADO, Mauricio Godinho. Direito coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo:
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GOMES, Luiz Flávio. Valor dos direitos humanos no sistema jurídico brasileiro.
Jornal Carta Forense, São Paulo, mar. 2008.
GONÇALVES JÚNIOR, Mário. Ao anular demissão em massa, Judiciário
paulista assume responsabilidade do Legislativo. Disponível em: <http://
jusvi.com/artigos/38196> Acesso em: 19.3.2009.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justiça
social. São Paulo: LTr, 2000.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização do pensamento único à
consciência universal. 14. ed. São Paulo: Record, 2007.
TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada
no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.
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VIDOTTI, Tárcio José; GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto (orgs.).
Direito coletivo do trabalho e uma sociedade pós-industrial. In: MALLET,
Estêvão. A negociação coletiva nos Estados Unidos da América. São Paulo:
LTr, 2003.
Sites consultados:
<http://www.cartaforense.com.br/> Acesso em: 19.3.2009.
<http://www.mte.gov.br/> Acesso em: 19.3.2009.
<http://www.stf.jus.br> Acesso em: 20.3.2009.
<http://www.trt02.gov.br/> Acesso em: 20.3.2009.
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<http://www.camara.gov.br/> Acesso em: 20.3.2009.
<http://jusvi.com/> Acesso em: 20.3.2009.
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O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E OS DIREITOS
HUMANOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade Sandim(*)
1. INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho consiste em investigar a relação entre os
direitos humanos aplicáveis na seara trabalhista e o bloco de constitucionalidade por meio da abordagem de temáticas interdisciplinares
relacionadas aos Direitos Humanos, ao Direito Internacional, ao Direito Constitucional e ao Direito do Trabalho.
A análise crítica da doutrina, dos textos normativos e da jurisprudência, pertinentes ao assunto, visa à reflexão a respeito dos limites
impostos à comunidade, aos particulares e ao Estado em matéria laboral
com o intuito de ressaltar a relevância e o conteúdo das normas
trabalhistas como medida de efetiva inclusão social e de garantia dos
direitos humanos e fundamentais do trabalhador.
Inicialmente, foram traçados elementos concernentes à conceituação de direitos humanos e fundamentais e às dimensões dos direitos
humanos.
Em seguida, foram tratados assuntos atinentes à natureza dos
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos e ao
trabalho decente.
Por fim, conclui-se a respeito da extensão da concepção de bloco
de constitucionalidade como parâmetro de confronto para aferição de
(*) Juiz do Trabalho do TRT da 14ª Região, Titular da Vara do Trabalho de Epitaciolândia
(AC). Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.
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constitucionalidade a fim de verificar a inclusão dos direitos humanos
aplicáveis no âmbito das relações de trabalho no complexo integrante
do referido paradigma.
2. DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Carta Constitucional de 1988 consagra o princípio da prevalência
dos direitos humanos a reger o Estado nas relações internacionais
(art. 4º, II).
Não há na doutrina uniformidade no tratamento da existência ou
não de diferença conceitual entre direitos humanos e direitos fundamentais, pois enquanto alguns utilizam tais expressões como sinônimos,
outros indicam distinções.
Os direitos humanos podem ser concebidos como aqueles destinados à preservação da dignidade da pessoa humana consagrados
no âmbito internacional, enquanto que os direitos fundamentais são
posições jurídicas essenciais extraídas do ordenamento jurídico pátrio
que visam a tutelar a dignidade da pessoa humana.
Consoante Mauricio Godinho Delgado, “direitos fundamentais são
prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência,
afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade”.(1)
José Cláudio Monteiro de Brito Filho expõe que:
“Adotamos essa distinção entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais com a seguinte observação: direitos fundamentais
devem ser considerados como os reconhecidos pelo Estado, na
ordem interna, como necessários à dignidade da pessoa humana. Não obstante, para nós, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais tenham definições baseadas na necessidade de seu
reconhecimento como forma de garantir a dignidade da pessoa
humana, eles diferem no sentido de que nem sempre haverá
coincidência entre ambos, pois, além de ser comum que, no
plano interno dos Estados, nem todos os Direitos Humanos
(1) DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. In:
Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, ano XVI, n. 31, 2006. p. 20.
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consagrados no plano internacional sejam reconhecidos, é
comum também que alguns direitos só sejam reconhecidos como
fundamentais em algum ou alguns Estados. Tome-se o exemplo
do acréscimo de 1/3 na remuneração de férias, consagrado como
direito fundamental dos trabalhadores pela Constituição Brasileira
(art. 7º, XVII) que, somente na situação particular de nosso país,
pode ser considerada como desdobramento do direito a justas
condições de trabalho. Idem para o 13º salário (ainda do art. 7º,
agora no inciso VIII).”(2)
Quanto às características, os direitos humanos são universais,
indivisíveis, interdependentes, inter-relacionados, imprescritíveis,
inalienáveis e irrenunciáveis.
2.1. Dimensões dos Direitos Humanos
Parte da doutrina analisa os direitos humanos e os direitos
fundamentais a partir de dimensões com base na evolução histórica
do seu reconhecimento, ou seja, na ordem histórica de institucionalização.
Atualmente, alguns doutrinadores têm preferido a expressão
dimensão em detrimento da expressão geração, pois esta transmite a
ideia equivocada de que as gerações anteriores desaparecem gradativamente do mesmo modo que novas gerações surgem sem a possibilidade de coexistência duradoura.(3)
A primeira dimensão compreende os direitos civis e políticos
clássicos traduzidos de forma preponderante pelo valor correspondente à liberdade, inerentes à fase inaugural do constitucionalismo do
Ocidente.
A segunda dimensão abrange os direitos sociais, econômicos e
culturais informados pelo valor predominante da igualdade que receberam ênfase no início do século XX.
(2) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da
exploração do trabalho — trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São
Paulo: LTr, 2004. p. 35-36.
(3) PEREIRA, Cícero Rufino. Efetividade dos direitos humanos trabalhistas: o Ministério
Público do Trabalho e o tráfico de pessoas. São Paulo: LTr, 2007. p. 29.
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A terceira dimensão diz respeito aos direitos de solidariedade ou
de fraternidade como o direito ao meio ambiente equilibrado, ao
progresso, à paz e a outros direitos difusos que surgiram em um panorama
fático caracterizado pelo crescimento econômico e industrial.
Lenza indica a “quarta geração: segundo orientação de Norberto
Bobbio, a referida geração de direitos decorreria dos avanços no campo
da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria existência
humana, através da manipulação do patrimônio genético”.(4)
Para Paulo Bonavides “são direitos da quarta geração o direito à
democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. (...) Tão
somente com eles será legítima e possível a globalização política”.(5)
Paulo Bonavides defende ainda a trasladação do direito à paz da
terceira para quinta geração, nos seguintes termos:
“o direito à paz está subindo a um patamar superior, onde, cabeça de uma geração de direitos humanos fundamentais, sua visibilidade fica comparavelmante maior. (...) A dignidade jurídica da
paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto
pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de
conservação da espécie, reino de segurança dos direitos. Tal
dignidade unicamente se logra, em termos constitucionais,
mediante a elevação autônoma e paradigmática da paz a direito
da quinta geração.”(6)
Arion Sayão Romita emprega o termo “família” em vez de
gerações ou dimensões e indica a existência de uma quinta família
que envolve os direitos vinculados à utilização dos conhecimentos
oriundos da cibernética e da informática, bem assim menciona que na
sexta família estão agrupados os direitos relacionados com a globalização, de forma a compreender aqueles que dizem respeito à
democracia, à informação correta e ao pluralismo.(7)
(4) LENZA, Pedro. Direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Método, 2006. p. 527.
(5) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros,
2008. p. 571-572.
(6) Ibidem, p. 583-584.
(7) ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2. ed. São
Paulo: LTr, 2007. p. 115-122.
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Por fim, parte da doutrina, salvo no caso de admissão para fins
didáticos, critica qualquer tentativa de classificação ou de separação
dos direitos humanos em classes ou grupos por entender que transmite
a ideia de fragmentação, o que seria incompatível com a indivisibilidade
e a interdependência características de tais direitos, os quais são
consubstanciados em uma unidade complexa.
3. NATUREZA DOS TRATADOS E CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS
Não há uniformidade a respeito da natureza dos tratados e das
convenções internacionais sobre direitos humanos quando incorporados ao ordenamento jurídico pátrio.
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais (art. 5º, § 3º, da Carta Magna, com redação
da Emenda Constitucional n. 45 de 2004).
No que se refere à natureza dos tratados e convenções sobre
direitos humanos que não observarem o disposto no art. 5º, § 3º, da
Lei Maior, quatro são as posições: 1) paridade normativa com as leis
ordinárias (posição do STF anterior aos julgamentos de 3.12.2008); 2)
natureza infraconstitucional, mas supralegal, ou seja, hierarquicamente
acima da legislação ordinária e abaixo da Constituição Federal(8) (atual
(8) Segundo o Ministro Gilmar Mendes, em voto proferido no STF, “desde a ratificação,
pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — Pacto de San José da
Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil
do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos
humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da
Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos
tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna
inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com
o Decreto-Lei n. 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n.
10.406/02). (...) Deixo acentuado, também, que a evolução jurisprudencial sempre foi
uma marca de qualquer jurisdição de perfil constitucional. A afirmação da mutação
constitucional não implica o reconhecimento, por parte da Corte, de erro ou equívoco
interpretativo do texto constitucional em julgados pretéritos. Ela reconhece e reafirma,
ao contrário, a necessidade da contínua e paulatina adaptação dos sentidos possíveis
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entendimento do STF adotado por maioria no dia 3.122008) (9);
3) natureza constitucional(10); e 4) natureza supraconstitucional.
da letra da Constituição aos câmbios observados numa sociedade que, como a atual,
está marcada pela complexidade e pelo pluralismo. A prisão civil do depositário infiel
não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo Estado
Constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com
as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever
de efetiva proteção dos direitos humanos”. Voto do Ministro Gilmar Mendes proferido
em 22.11.2006 no RE n. 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, STF. Disponível
em: <http://www.abdir.com.br/jurisprudencia/jurisp_abdir_6_6_07_1.pdf> Acesso em:
13.10.2008.
(9) De acordo com a notícia de 3.12.2008, publicada na página eletrônica do STF: “Por
maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou, nesta quarta-feira (3),
o Recurso Extraordinário (RE) 349703 e, por unanimidade, negou provimento ao RE
466343, que discutiam a prisão civil de alienante fiduciário infiel. O Plenário estendeu a
proibição de prisão civil por dívida, prevista no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição
Federal (CF), à hipótese de infidelidade no depósito de bens e, por analogia, também à
alienação fiduciária, tratada nos dois recursos. Assim, a jurisprudência da Corte evoluiu
no sentido de que a prisão civil por dívida é aplicável apenas ao responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. O Tribunal entendeu que a
segunda parte do dispositivo constitucional que versa sobre o assunto é de aplicação
facultativa quanto ao devedor — excetuado o inadimplente com alimentos — e, também, ainda carente de lei que defina rito processual e prazos (...). O ministro Menezes
Direito filiou-se à tese defendida pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que
concede aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos a que o
Brasil aderiu um status supralegal, porém admitindo a hipótese do nível constitucional
delas, quando ratificados pelo Congresso de acordo com a EC n. 45 (§ 3º do art. 5º da
CF). Neste contexto, o ministro Gilmar Mendes advertiu para o que considerou um
“risco para a segurança jurídica” a equiparação dos textos dos tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil é signatário ao texto constitucional. Segundo ele, o constituinte agiu com maturidade ao acrescentar o § 3º ao art. 5º da
CF. No mesmo sentido se manifestaram os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, além de Menezes Direito. Foram votos vencidos parcialmente —
defendendo o status constitucional dos tratados sobre direitos humanos os ministros
Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie. Disponível em: <http://
www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=100258&caixaBusca=N>
Acesso em: 4.12.2008.
(10) Em voto proferido, o Ministro do STF, Celso de Mello posiciona-se da seguinte
forma: “(...) Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 — RTJ 179/493-496),
inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo, para efeito de outorga dessa
especial qualificação jurídica, tal como observa Celso Lafer, a existência de três distintas situações concernentes a referidos tratados internacionais: (1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu), e
regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação
da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebidas, nessa condição, pelo § 2º do art. 5º da Constituição); (2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebrados
pelo Brasil (ou aos quais o nosso País venha a aderir) em data posterior à da promulgação da EC n. 45/04 (essas convenções internacionais, para se impregnarem de natureza
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Para Flávia Piovesan, os tratados e convenções sobre direitos
humanos são classificados em: a) material e formalmente constitucionais
correspondentes às emendas constitucionais em decorrência de
procedimento de incorporação mais solene e b) materialmente constitucionais com base no art. 5º, § 1º e § 2º, da Constituição Federal, apesar
de não terem seguido o disposto no § 3º do referido dispositivo, com
redação da Emenda Constitucional n. 45 de 2004.(11)
As diferenças entre os dois grupos indicados por Flávia Piovesan
são consubstanciadas nas seguintes características inerentes aos
direitos material e formalmente constitucionais: a integração formal ao
texto constitucional por procedimento solene e a exigência de prévia
autorização do Congresso Nacional no procedimento de denúncia (ato
de retirada do tratado ou da convenção) na mesma forma indicada no
art. 5º, § 3º, da Carta Magna, o que significa que não são passíveis de
denúncia unilateral pelo Poder Executivo.(12)
4. TRABALHO DECENTE
A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho
durante a Octogésima sexta reunião, realizada em Genebra e cujo
encerramento foi declarado em 18 de junho de 1998, consagrou a
Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, com o
objetivo de vincular o crescimento econômico ao progresso social, a
constitucional, deverão observar o iter procedimental estabelecido pelo § 3º do art. 5º
da Constituição); e (3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil
(ou aos quais o nosso País aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a
superveniência da EC n. 45/04 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes é transmitida por efeito de sua
inclusão no bloco de constitucionalidade, que é “a somatória daquilo que se adiciona à
Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados”). (...) existe
evidente incompatibilidade material superveniente entre referidas cláusulas normativas
e o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos),
incorporado, em 1992, ao direito positivo interno do Brasil, como estatuto revestido de
hierarquia constitucional, por efeito do § 2º do art. 5º da Constituição da República”.
12.3.2008, Tribunal Pleno, Habeas Corpus, 87.585-8. Disponível em: <http://www.stf.
gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC87585VISTACM.pdf> Acesso em:
13.10.2008. HC Tocantins.
(11) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed.
São Paulo: Saraiva, 2006. p. 74.
(12) Ibidem, p. 75.
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fim de garantir a reivindicação livre de uma participação justa na riqueza
produzida e o desenvolvimento do potencial humano, com alcance aos
Estados que não ratificaram as convenções pertinentes.
A Declaração da Organização Internacional do Trabalho de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho contempla: a liberdade
sindical e o efetivo reconhecimento da negociação coletiva, a eliminação
de todas as formas de trabalho forçado e obrigatório, a abolição efetiva
do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de
emprego e de ocupação.
Arion Sayão Romita realiza uma avaliação crítica da Declaração
sobre os Princípios e Direitos Fundamentais da OIT:
“Ao afirmar que apenas sete entre as 181 convenções então existentes apresentam caráter fundamental, a Declaração rebaixou
as demais ao nível de acessórias ou desimportantes, o que
prejudica a ratificação. A Declaração não conta com uma base
constitucional sólida. Nem a Constituição nem o Regulamento da
Conferência Internacional do Trabalho estabelecem distinção
quanto à natureza das convenções internacionais. Por fim, não
há garantia de que o procedimento previsto pela Declaração para
o cumprimento das convenções fundamentais seja efetivado. A
única obrigação imposta aos Membros é a de apresentar um
relatório anual sobre o estado da legislação e a prática, no que
diz respeito aos temas tratados nas convenções fundamentais,
não sofrerá outras sanções além das de caráter moral.”(13)
José Cláudio Monteiro de Brito Filho entende que a dignidade é o
parâmetro para definir o que deve ser considerado integrante dos
Direitos Humanos para fixação dos direitos mínimos correspondentes
ao trabalho decente, os quais devem ser extraídos do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das
Nações Unidas e das Convenções Fundamentais da Organização Internacional do Trabalho, que tratam da liberdade sindical (87 e 98), da
(13) ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2. ed. São
Paulo: LTr, 2007. p. 228.
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proibição de trabalho forçado (29 e 105), da proibição de trabalho abaixo
de uma idade mínima (138 e 182) e da proibição de discriminação
(100 e 111).(14)
Para José Cláudio Monteiro de Brito Filho, trabalho decente é
aquele em que são respeitados os direitos mínimos do trabalhador,
necessários à preservação de sua dignidade, compreendendo a existência de trabalho, a liberdade de trabalho, a igualdade no trabalho,
remuneração justa, preservação da saúde e da segurança, a proibição
do trabalho infantil, a liberdade sindical e a proteção contra os riscos
sociais.(15)
5. BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E DIREITOS HUMANOS
NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Segundo Miguel Josino Neto, a doutrina estrangeira aponta que
o marco da definição da figura do bloco de constitucionalidade foi a
decisão do Conselho Constitucional da França, de 16 de julho de 1971,
que conferiu natureza normativa constitucional ao Preâmbulo da
Constituição francesa de 1958.(16)
(14) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga
à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade da
pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel et al. (coord.). Trabalho escravo contemporâneo:
o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006. p. 126-127.
(15) Ibibem, p. 126.
(16) O referido autor indica que “como registra Bernardo Leôncio Moura Coelho (O bloco de constitucionalidade e a proteção à criança (sic). In: Revista de Informação Legislativa, v. 123, p. 259 e ss.), ‘a figura jurídica do bloco de constitucionalidade é de criação
recente nos países europeus, notadamente na França, e, agora, começa a ser difundida no continente americano’. A literatura nacional ainda é escassa a respeito desse
assunto, extremamente importante para o Direito Constitucional. Com efeito, o bloco de
constitucionalidade ‘se refere a uma densidade de princípios, acima mesmo da Constituição do país’ (COELHO, Bernardo Leôncio Moura. Op. cit., p. 264). A noção de bloco
de constitucionalidade, aprendemos na Sorbonne, envolve uma criação de Direito Constitucional realizada pelo órgão encarregado do controle de constitucionalidade das leis,
no caso brasileiro, pelo Supremo Tribunal Federal. A doutrina alienígena registra que o
leading case que marcou a definição do bloco de constitucionalidade foi a decisão do
Conselho Constitucional da França, de 16 de julho de 1971, que estabeleceu as bases
do valor jurídico do Preâmbulo da Constituição de 1958, o qual inclui em seu texto o
respeito tanto à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como também ao Preâmbulo da Constituição de 1946 (que continha uma declaração de direitos
econômicos e sociais). Este, por sua vez, faz referência aos princípios fundamentais
reconhecidos pelas leis da República. Ou seja, tudo estava integrado à Constituição
Francesa. Como bem resumem Louis Favoreu e Loïc Philip (Les grandes décisions du
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Para Pedro Lenza “busca-se fixar, com clareza para o direito
brasileiro, o conceito de bloco de constitucionalidade, qual seja o que
deverá servir de parâmetro em relação ao qual se possa realizar a
confrontação e aferir a constitucionalidade”.(17)
Logo, o bloco de constitucionalidade corresponde ao conjunto de
elementos que servem como paradigma de confronto para aferição da
constitucionalidade.
No tocante ao bloco de constitucionalidade, duas correntes despontam. A vertente restritiva prega que o parâmetro seria integrado
apenas pelas normas e princípios expressos e implícitos da Constituição
escrita. A posição ampliativa indica que o paradigma engloba valores
suprapositivos, e não somente as normas formalmente constitucionais.
No direito brasileiro, prevalece atualmente concepção restritiva
de bloco de constitucionalidade, no sentido de abranger apenas as
normas expressas e implícitas no texto constitucional, embora não se
tenha eliminado totalmente a possibilidade de perspectiva ampliativa
de bloco de constitucionalidade.
O jurista Pedro Lenza expõe que:
“A tendência ampliativa nos parece tímida na jurisprudência
brasileira que adotou, do ponto de vista jurídico, a ideia de
supremacia formal, apoiada no conceito de rigidez constitucional
e na consequente obediência aos princípios e preceitos
decorrentes da Constituição. Nesse sentido, Bernardes observa
que “... no direito brasileiro prevalece a restrição do parâmetro
direto de controle — que aqui poderia ser chamado de bloco de
conseil constitutionnel. 6. ed. Paris: Sirey, 1991. p. 242), a decisão do Conselho
Constitucional é importante e muito significativa, pois ‘consagra de maneira definitiva o
valor jurídico do Preâmbulo; alarga a noção de conformidade à Constituição; aplica ‘os
princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República’; afirma o papel do
Conselho como protetor das liberdades fundamentais e faz da liberdade de associação
uma liberdade constitucional.’ É certo que antes mesmo de 1971 o Conselho Constitucional já havia dado uma interpretação extensiva do conceito de Constituição, englobando as leis orgânicas no bloco de constitucionalidade, ‘dando, assim, um sentido
mais amplo à noção de Constituição’ (FAVOREU, Louis; PHILIP, Loïc. Op. cit., p. 248,
tradução nossa)”. JOSINO NETO, Miguel. O bloco de constitucionalidade como fator
determinante para a expansão dos direitos fundamentais da pessoa humana. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3619> Acesso em: 29.9.2008.
(17) LENZA, Pedro. Direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Método, 2006. p. 128.
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constitucionalidade em sentido estrito — às normas contidas,
ainda que não expressamente, em texto constitucional (normas
formalmente constitucionais)”.(18)
O Ministro Celso de Mello em voto proferido no dia 12.3.2008,
em Habeas Corpus n. 87.585-8-Tocantins, Tribunal Pleno, adota a
seguinte perspectiva referente ao bloco de constitucionalidade:
“(...) O Juiz, no plano de nossa organização institucional, representa o
órgão estatal incumbido de concretizar as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e reconhecidas pelos
atos e convenções internacionais fundados no direito das gentes. Assiste,
desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da
Constituição — e garante de sua supremacia — na defesa incondicional
e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana,
conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados
internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente
mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos
magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular. É dever
dos órgãos do Poder Público — e notadamente dos juízes e Tribunais
— respeitar e promover a efetivação dos direitos garantidos pelas
Constituições dos Estados nacionais e assegurados pelas declarações
internacionais, em ordem a permitir a prática de um constitucionalismo
democrático aberto ao processo de crescente internacionalização dos
direitos básicos da pessoa humana. O respeito e a observância das
liberdades públicas impõem-se ao Estado como obrigação indeclinável,
que se justifica pela necessária submissão do Poder Público aos direitos
fundamentais da pessoa humana. (...) É preciso ressalvar, no entanto,
como precedentemente já enfatizado, as convenções internacionais de
direitos humanos celebradas antes do advento da EC n. 45/04, pois,
quanto a elas, incide o § 2º do art. 5º da Constituição, que lhes confere
(18) Pedro Lenza indica que: “Em relação à perspectiva ampliativa, o Min. Celso de
Mello (Inf. 258/STF) vislumbra possam ser ‘...considerados não apenas os preceitos de
índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que consubstancia
o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por
relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter suprapositivo,
os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa
e dá sentido à Lei Fundamental do Estado’. E completa: “não foi por outra razão que o
Supremo Tribunal Federal, certa vez, e para além de uma perspectiva meramente
reducionista, veio a proclamar — distanciando-se, então, das exigências inerentes ao
positivismo jurídico — que a Constituição da República, muito mais do que o conjunto
de normas e princípios nela formalmente positivados, há de ser também entendida em
função do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo, de uma concepção
impregnada de evidente minimalismo conceitual (RTJ 71/289, 292 e 77/657)”. LENZA,
Pedro. Direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Método, 2006. p. 128-129.
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natureza materialmente constitucional, promovendo sua integração e
fazendo com que se subsumam à noção mesma de bloco de constitucionalidade.”(19)
Miguel Josino Neto defende a concepção ampliativa e ilimitada
de bloco de constitucionalidade de forma a abranger todos os princípios
derivados da Constituição enquanto unidade, como o princípio da
democracia, o princípio federativo, o princípio do Estado de Direito e o
princípio do Estado Social, o preâmbulo da Carta, os princípios gerais
próprios do sistema adotado e os princípios suprapositivos imanentes
à própria ordem jurídica, o que preleciona ser imprescindível para o
crescimento e o fortalecimento dos direitos fundamentais do homem.(20)
Os direitos humanos laborais correspondem às posições jurídicas
de caráter tipicamente trabalhista previstas no âmbito internacional e
destinadas à tutela da dignidade do trabalhador.
(19) SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. Habeas Corpus n. 87.585-8Tocantins, voto proferido em 12 de março de 2008, Min. Celso de Mello. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC87585VISTACM.pdf>
Acesso em: 13 out. 2008.
(20) Miguel Josino brilhantemente preleciona: “Por isso, podemos dizer que o bloco de
constitucionalidade é maior que a própria Constituição na medida em que aumenta
significativamente as disposições dotadas de densidade constitucional, inserindo-se,
nesse contexto, “toda uma série de regras ou de princípios que modificam a natureza
dos direitos e liberdades” (FAVOREU, Louis; PHILIP, Loïc. Op. cit., p. 249). Em síntese,
“as possibilidades de extensão do bloco de constitucionalidade são doravante praticamente ilimitadas” (idem, p. 249). O conceito de bloco de constitucionalidade não se
limita às disposições singulares do direito constitucional escrito. De um lado, essa ideia
abrange todos os princípios constantes do texto constitucional. Por outro, esse conceito
abarca, igualmente, todos os princípios derivados da Constituição enquanto unidade,
tais como o princípio da democracia, o princípio federativo, o princípio da federação, o
princípio do Estado de Direito, o princípio da ordem democrática e liberal e o princípio
do estado social, além do preâmbulo da Carta, os princípios gerais próprios do sistema
adotado e, inclusive, princípios suprapositivos imanentes à própria ordem jurídica. O
reconhecimento da existência do bloco de constitucionalidade é fundamental para a
própria democracia enquanto caminho da progressão para a igualdade, como definiu
Hans Kelsen (Vom wesen und wert der democratie. 2. ed. Tuebrngen, 1929. p. 3 a 15).
Sem democracia ocorre a perpetuação das desigualdades, o estímulo às injustiças e
discriminações com a consequente eternização dos conflitos sociais. A democracia se
não acaba, pelo menos atenua os privilégios, tornando mais concreto e eficaz o princípio constitucional da igualdade. A democracia é sempre o melhor caminho. Um Direito
Constitucional moderno e com vocação de transcendência histórica tem que reconhecer a importância e o prestígio do bloco de constitucionalidade, que impõe-se como
núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional
instaurado em 1988". JOSINO NETO, Miguel. O bloco de constitucionalidade como fator determinante para a expansão dos direitos fundamentais da pessoa humana. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3619> Acesso em: 29 set. 2008.
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No entanto, a proteção ao trabalhador não está restrita às posições
jurídicas indicadas no parágrafo anterior, pois há direitos humanos que,
embora não sejam tipicamente trabalhistas, também são aplicáveis às
relações de trabalho, como os direitos de personalidade, dentre os
quais se destacam a privacidade, a intimidade, a imagem e a honra.
Héctor-Hugo Barbagelata trata do bloco de constitucionalidade
dos direitos humanos laborais da seguinte forma:
“Uma vez que se reconhece, com todas as suas consequências,
que o Direito do Trabalho integra o sistema dos Direitos Humanos,
e que nesse sistema consta o especificado com tal alcance no
próprio texto da Constituição de cada país, também os instrumentos internacionais de toda classe, em particular os concebidos
como econômicos, sociais e culturais que num determinado tempo convencionou-se chamar de segunda geração, assim como
os incluídos nos convênios internacionais de trabalho, pode-se
falar, com total propriedade, da existência de um Bloco de Constitucionalidade dos Direitos Humanos Laborais.”(21)
Dessa maneira, na linha defendida por Héctor-Hugo Barbagelata,
as disposições contidas nas normas internacionais relativas a direitos
humanos trabalhistas das quais a República Federativa do Brasil seja
signatária, como, por exemplo, as Convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas
(ONU), devem integrar o bloco de constitucionalidade, sem prejuízo
dos direitos humanos que, embora não sejam tipicamente trabalhistas,
também são aplicáveis às relações de trabalho.
Tal integração ocorre independentemente da discussão a respeito
da natureza dos tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos no ordenamento jurídico nacional, já que os aspectos determinantes para fins de aferição da fundamentalidade dos direitos são: a
direta vinculação com a dignidade da pessoa humana, a substância
(21) BARBAGELATA, Héctor-Hugo. Os princípios de direito do trabalho de segunda
geração. In: Cadernos da AMATRA IV — 7º. Cadernos de Estudos sobre Processo e
Direito do Trabalho, Porto Alegre: HS, 2008. p. 23.
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(conteúdo) e a relevância (importância) das posições jurídicas que
devem equivaler aos direitos fundamentais indicados expressamente
no catálogo constitucional, razão pela qual, ainda que incluídos no
plano infraconstitucional, a concepção aberta de direitos materialmente
fundamentais tem plena aplicação no sentido da máxima efetividade,
a teor do art. 5º, § 2º e § 3º, da Constituição Federal.(22)
Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet:
“No que diz com a hipótese específica dos direitos fundamentais
que, por via da abertura propiciada pelo art. 5º, § 2º, da nossa
Carta, passam a integrar o nosso catálogo (não importando aqui
se de forma automática, ou não), a solução não se revela tão
singela ou, pelo menos, tão adequada. Na realidade, parece viável
concluir que os direitos materialmente fundamentais oriundos de
regras internacionais — embora não tenham sido formalmente
consagrados no texto da Constituição — se aglutinam à Constituição material e, por esta razão, acabam tendo status equivalente.
Caso contrário, a regra do art. 5º, § 2º, também neste ponto, teria
o seu sentido parcialmente desvirtuado.”(23)
Canotilho afirma que:
“O programa normativo-constitucional não pode se reduzir, de
forma positivística, ao ‘texto’ da Constituição. Há que densificar,
em profundidade, as normas e princípios da Constituição, alargando o ‘bloco da constitucionalidade’ a princípios não escritos
ou regras constitucionais positivamente plasmadas. (...) O problema dos direitos fundamentais como parâmetro ou norma de
referência a ter em conta no juízo da legitimidade constitucional
não oferece grandes dificuldades numa Constituição, como a
portuguesa, consagradora de um amplo catálogo de direitos,
abrangendo direitos, liberdades e garantias e direitos econômicos,
sociais e culturais. Todos eles são, sem qualquer dúvida, normas
de referência obrigatórias em qualquer controle da constitucionalidade de actos normativos. Os únicos problemas que se
(22) Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 106.
(23) SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 145.
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podem suscitar dizem respeito aos direitos fundamentais não
formalmente constitucionais, isto é, os direitos constantes de lei
ordinárias (sic) ou de convenções internacionais (cfr. art. 16).
Todavia, ou estes direitos são ainda densificações possíveis e
legítimas do âmbito normativo-constitucional de outras normas
e, consequentemente, direitos positivo-constitucionalmente plasmados, e nesta hipótese, formam parte do bloco de constitucionalidade, ou são direitos autônomos não reentrantes nos
esquemas normativo-constitucionais, e, nessa medida, entrarão
no bloco da legalidade, mas não no da constitucionalidade.”(24)
José Cláudio Monteiro de Brito Filho entende que a dignidade é o
parâmetro para definir o que deve ser considerado integrante dos
Direitos Humanos para fixação dos direitos mínimos correspondentes
ao trabalho decente, os quais devem ser extraídos do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das
Nações Unidas e das Convenções Fundamentais da Organização
Internacional do Trabalho, que tratam da liberdade sindical (87 e 98),
da proibição de trabalho forçado (29 e 105), da proibição de trabalho
abaixo de uma idade mínima (138 e 182) e da proibição de discriminação (100 e 111).(25)
O professor Miguel Josino Neto conclui a respeito do tema em
apreço da seguinte maneira:
“Um Direito Constitucional moderno e com vocação de transcendência histórica tem que reconhecer a importância e o prestígio
do bloco de constitucionalidade, que impõe-se como núcleo básico
e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e
parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão
do sistema constitucional instaurado em 1988.”(26)
(24) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina,
1993. p. 982.
(25) BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade
da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel et al. (coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006. p. 126-127.
(26) JOSINO NETO, Miguel. O bloco de constitucionalidade como fator determinante
para a expansão dos direitos fundamentais da pessoa humana. Disponível em: <http://
jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3619> Acesso em: 29.9.2008.
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A partir das abordagens anteriormente mencionadas, verifica-se
ser essencial que normas trabalhistas relativas a direitos humanos
laborais, incluídas aquelas referentes ao trabalho decente, integrem o
bloco de constitucionalidade, cuja concepção aberta e ampliativa atende
de forma mais adequada aos anseios da humanidade devido ao
dinamismo dos fatos, pois a dignidade da pessoa humana está em
constante construção no tempo e no espaço, o que exige respostas
contextualizadas em lapso hábil aos desafios presentes e futuros.
Assim, os direitos humanos laborais como manifestação da almejada igualdade real devem ser observados como parâmetro na elaboração, interpretação e aplicação das normas, a fim de que seja
preservada a constitucionalidade e garantida a dignidade da pessoa
humana inerente ao trabalhador, pois, na linha de Miguel Josino Neto,(27)
pode-se concluir que o bloco de constitucionalidade deve ser caracterizado como fator determinante para a expansão dos direitos
fundamentais trabalhistas da pessoa humana.
No que diz respeito à concretização dos direitos sociais no âmbito
do STF, João Luiz M. Esteves afirma:
“As decisões proferidas na Adin N. 1.439-1 e na Adin n. 1.458-7
— fun-damentalmente na segunda —, que reafirmam a tendência
visualizada no controle difuso, mostram claramente que o Supremo Tribunal Federal adota dogmática tendente a não restringir
os direitos da cidadania e a não ter os direitos individuais como
núcleo subjetivo dos direitos fundamentais. Encontram-se essas
decisões legadas à concepção social de Estado e atribuem à
ação estatal a tarefa de efetivar os direitos fundamentais sociais.
Mas, contraditoriamente ao verificado em seus próprios julgados
— no âmbito do controle difuso da constitucionalidade —, o
Supremo Tribunal Federal vacila ao curvar-se à concepção que
confere ao Judiciário a função única de legislador negativo, lastreando-se na dogmática tradicional da separação de poderes e
impedindo dessa forma a possibilidade de efetividade de preceitos
constitucionais por atuação do Judiciário (...). A atuação do
Supremo Tribunal Federal por meio do controle concentrado de
constitucionalidade, quando necessária à defesa dos direitos
(27) Idem.
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fundamentais sociais, contrastada com sua atividade no controle
difuso na mesma área de direitos, mostrou-se restritiva, e somente
é possível detectar posições minoritárias na tendência contrária,
como é o caso do Ministro Celso de Mello, que no fundamento da
SDPF-45 demonstrou a possibilidade de o Supremo Tribunal
Federal adotar postura efetivadora dos direitos fundamentais
sociais. A jurisprudência analisada também demonstra que o
Supremo Tribunal Federal é reflexo das tentativas de efetivação
de direitos sociais quando a parte violadora desses direitos é o
Poder Público constituído. Ao mesmo tempo, por meio de sua
jurisdição, mostrou-se complacente às investidas atentatórias à
Constituição Federal no núcleo dos direitos fundamentais —
incluídos os individuais e sociais — quando os programas propostos pelo sistema financeiro internacional exigem a modificação
da ordem constitucional.”(28)
Por fim, não obstante a existência de posicionamento no sentido
de que no Brasil a delimitação do bloco de constitucionalidade seja
tarefa do Supremo Tribunal Federal por meio do controle concentrado,
não parece razoável excluir outros órgãos judiciários de primeiro grau
ou de instância superior da referida atividade por meio do controle
difuso de constitucionalidade, os quais, ainda que de forma incidental,
enfrentam questões atinentes ao parâmetro de confronto para a aferição
da constitucionalidade na solução de controvérsias.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O bloco de constitucionalidade corresponde ao conjunto de
elementos que servem como paradigma de confronto para aferição da
constitucionalidade.
Os direitos humanos aplicáveis às relações de trabalho correspondem às posições jurídicas previstas no âmbito internacional e destinadas à tutela da dignidade do trabalhador, compreendidas as de natureza
trabalhista, bem como aquelas que, embora não apresentem caráter
tipicamente trabalhista, também sejam aplicáveis no âmbito laboral.
(28) ESTEVES, João Luiz M. Direitos fundamentais sociais no Supremo Tribunal Federal.
Coleção prof. Gilmar Mendes; 5. São Paulo: Método, 2007. p. 125 e 131.
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A interpretação no sentido de conferir maior eficácia e efetividade
às referidas posições jurídicas no campo das relações trabalhistas não
só possibilita a tutela mais adequada do trabalhador, como também
confere a devida importância às normas internacionais sobre direitos
humanos, as quais ainda são utilizadas de forma tímida como
fundamentos nas decisões judiciais.
Desse modo, é imprescindível que as normas trabalhistas relativas
a direitos humanos laborais, incluídas aquelas referentes ao trabalho
decente, sem prejuízo dos direitos humanos, que, embora não sejam
tipicamente trabalhistas, também são aplicáveis às relações de trabalho,
integrem o bloco de constitucionalidade, independentemente da discussão a respeito da natureza dos tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio, com espeque
no art. 5º, § 2º e § 3º, da Constituição Federal.
A concepção aberta e ampliativa de bloco de constitucionalidade
atende de forma mais adequada aos anseios da humanidade devido
ao dinamismo dos fatos, pois a dignidade da pessoa humana está em
constante construção no tempo e no espaço, o que exige respostas
contextualizadas em lapso hábil aos desafios presentes e futuros.
Os direitos humanos laborais como manifestação da almejada
igualdade real devem ser observados como parâmetro na elaboração,
interpretação e aplicação das normas, a fim de que seja preservada a
constitucionalidade e garantida a dignidade da pessoa humana inerente
ao trabalhador.
Ademais, os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes,
de forma que os direitos civis e políticos reconhecidos como de primeira
dimensão, bem como aqueles qualificados pela solidariedade (reconhecidos como de terceira dimensão), apenas apresentam máxima
efetividade mediante a concretização dos direitos sociais, abrangidas
as posições jurídicas de natureza trabalhista.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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geração. In: Cadernos da AMATRA IV — 7º. Cadernos de estudos sobre
processo e direito do trabalho. Porto Alegre: HS, 2008.
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Pós-Graduação em Direito, Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal
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Paulo: Malheiros, 1999.
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PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO
DIREITO SOCIAL AO TRABALHO DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E MULTICULTURALISMO
Evanna Soares(*)
RESUMO: Nas sociedades democráticas contemporâneas
caracterizadas pelo pluralismo, as pessoas com deficiência,
enquanto grupo minoritário dotado de especificidades e historicamente alvo de discriminação, demandam proteção jurídica coletiva
com base nos Direitos Humanos, visando à inclusão social,
econômica e cultural. O Multiculturalismo fornece suporte teórico
para a convivência entre as diferenças na mesma sociedade. No
Brasil, a Constituição de 1988 assegura, a partir dos princípios da
igualdade substancial e da dignidade humana, reforçados pela
aprovação, em 2008, em nível de Emenda Constitucional, da
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, a adoção de ações afirmativas visando à referida
inclusão, por meio do trabalho — um dos fundamentos da República.
Mas a proteção dada pelo ordenamento jurídico ainda é insuficiente
para a efetiva inserção das pessoas com deficiência no trabalho,
como indica o estado de inferioridade em que se encontram,
detectado pelos dados oficiais.
PALAVRAS-CHAVE: Multiculturalismo. Direitos humanos. Pessoa
com deficiência. Discriminação. Inclusão no trabalho.
ABSTRACT: Social law constitutional protection to the labor of the
impaired and multiculturalism. In contemporary democratic societies
(*) Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires). Pós-graduada (Especialização) em Direito Processual (UFPI, Teresina). Mestranda em Direito Constitucional
(Unifor, Fortaleza). Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho na 7ª Região
(CE).
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characterized by pluralism, physically impaired people, a specific
minority group which has been historically discriminated against,
demand collective juridical protection, based on Human Rights,
aiming at social, economical and cultural inclusion. Multiculturalism
offers theoretical support to the sociability of differences within the
same society. 1988 Brazilian Constitution, based on the principles
of substantial equality and human dignity, both reinforced in 2008
by the creation of a Constitutional Amendment derived from the
United Nations Convention on the Rights of the Impaired,
guarantees the adoption of affirmative actions, aiming at social
inclusion through labor-one of the bedrocks of the Republic.
Nevertheless, the protection offered by the juridical ordering is still
scanty for an effective insertion of the impaired in the labor force,
given the inferior condition in which they are found, as indicated by
official data.
KEYWORDS: Multiculturalism. Human rights. The impaired.
Discrimination. Insertion in the labor force.
INTRODUÇÃO
As pessoas com deficiência constituem grupo minoritário historicamente alijado e discriminado nas diversas sociedades, vindo a
merecer alguma atenção depois da Segunda Grande Guerra.
A teoria dos direitos humanos, inicialmente voltada para os direitos individuais, notadamente o direito à igualdade, em um segundo
momento concebeu os direitos sociais, econômicos e culturais, de
natureza coletiva, os quais, no mundo contemporâneo plural, buscam
no Multiculturalismo os fundamentos para proteção e respeito aos
grupos minoritários existentes em uma mesma sociedade, discriminados em razão de suas diferenças.
No caso do Brasil, são os princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade substancial, somados aos primados da solidariedade, da justiça social e da não discriminação, que propiciam a
fundamentação para a proteção às pessoas com deficiência, visando
a incluí-las na sociedade e na economia, por meio do trabalho.
Este artigo tem o objetivo geral de analisar a proteção conferida
pela Constituição de 1988 às pessoas com deficiência, coletivamente
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consideradas, à luz do Multiculturalismo, focalizado o aspecto da
inclusão no trabalho. E, como objetivos específicos, busca examinar a
compatibilidade da legislação ordinária pertinente ao tema com os
princípios contidos na mesma Lei Maior, orientadores daquela proteção,
pretendendo, ainda, identificar os meios eleitos pelo legislador nacional
para implementar a referida inclusão dos trabalhadores com deficiência.
Indaga-se, então, se a Constituição brasileira vigente garante
proteção às pessoas com deficiência, enquanto membros do grupo
social minoritário, de modo a inseri-las no trabalho, e se tal discriminação
positiva é compatível com os referidos princípios constitucionais.
A pesquisa é de natureza qualitativa, realizada na legislação e na
doutrina, com fins descritivos. Quanto ao resultado, é pura ou destinada
ao conhecimento, apenas, sem pretensão de transformar o objeto focalizado. São adotados os métodos dedutivo e indutivo.
Primeiramente, são focalizados os direitos sociais como direitos
humanos, na perspectiva do Estado Liberal e do Estado Social, bem
assim a sua fundamentação e eficácia, além da posição no constitucionalismo brasileiro. No segundo capítulo cuida-se dos direitos humanos
e dos direitos coletivos das minorias discriminadas, sopesados segundo
a teoria liberal e a teoria comunitarista, identificando-se, entre as
minorias, as pessoas com deficiência e o reconhecimento de seus
direitos nos Estados plurais, ressaltada a importância do Multiculturalismo para esse mister. O terceiro capítulo trata especificamente da
proteção dada pela Carta Constitucional de 1988 ao referido grupo
minoritário, destacando-se a recente adoção, pelo País, da Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e
as medidas legislativas anteriormente em vigor destinadas à sua
proteção. O último capítulo dedica-se a perscrutar os fundamentos
constitucionais para a inserção no trabalho da pessoa com deficiência,
evidenciando as diversidades internas no próprio grupo, tendo em vista
os vários tipos de deficiência, bem como as modalidades de inserção,
as ações afirmativas e a inclusão dos trabalhadores com deficiência
no emprego privado e no setor público.
Dá-se preferência, neste artigo, para identificar o grupo diferenciado sob exame, em vez da usual expressão pessoa portadora de
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deficiência, à designação mais adequada e recentemente abraçada
pelo ordenamento jurídico brasileiro, isto é, pessoa com deficiência,
nos termos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas.
1. OS DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS HUMANOS
A expressão direitos humanos, nada obstante a ambiguidade que
carrega, uma vez que é explicada por si mesma, segundo Pérez Luño
(1995. p. 48), pode ser definida como “[...] um conjunto de faculdades
e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais
devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos
nos planos nacional e internacional”.
É conhecida a tradicional e didática classificação dos direitos
humanos apresentados em gerações (ou dimensões), a partir das
necessidades postas em relevo em determinados períodos da história,
pela sociedade, identificando-se, na primeira geração, os direitos individuais de liberdade, que demandam um não agir do Estado ou prestações negativas. A segunda geração é formada pelos direitos sociais,
econômicos e culturais, carecedores de prestações positivas estatais.
Na terceira geração identificam-se os direitos de solidariedade, havendo,
também, anúncio de uma quarta geração, reclamada pelas pesquisas
biológicas (BOBBIO, 2004. p. 25-26 e 41).
Os direitos sociais, nesse contexto, são direitos humanos, e se
ergueram na onda antiliberal ocorrida no século XX.
São direitos, como assinala Krell (2002. p. 19), exercidos não
“[...] contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do
poder público certas prestações materiais”.
Os direitos sociais obrigam o Estado a uma atuação decidida e
se diferenciam dos outros direitos exatamente pelo seu caráter
prestacional, tratando-se, assim, de “[...] direitos diferentes, em última
instância, com uma concepção diferente da liberdade [...]”, quer dizer,
sob a ótica dos direitos individuais, entende-se “[...] a liberdade como
a ausência de coação que garante um âmbito de autonomia [...]”, ao
passo que, nos direitos sociais, tem-se uma “[...] liberdade real que
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exige a remoção de obstáculos econômicos e sociais para o seu
exercício [...]”, como observa Martínez de Pisón (2001. p. 181-182).
1.1. Direitos sociais e liberalismo
O paradigma do Estado liberal é o indivíduo, perante o qual deve
ter uma postura neutra, bastando-lhe assegurar os direitos individuais.
A postura liberal — aquele não agir estatal que veio a caracterizar
os direitos humanos de primeira geração — surgida no final do século
XVIII com as Revoluções Americana e Francesa, concebe o direito à
igualdade perante a lei como reação aos privilégios reinantes no
absolutismo.
Como evidencia Gomes (2001. p. 130), no Estado liberal “[...] a
lei, genérica e abstrata, deve ser igual para todos, sem qualquer distinção ou privilégio, devendo o aplicador fazê-la incidir de forma neutra
sobre as situações jurídicas concretas e sobre os conflitos interindividuais”. É a igualdade meramente formal, com a qual se supõe tenha
o cidadão condições de viver e progredir à custa do próprio esforço.
Nesse universo liberal não há espaço para o reconhecimento dos
direitos sociais com status de direitos humanos, uma vez que, como
visto, deve o Estado manter-se inerte, sendo-lhe suficiente respeitar
os direitos individuais — únicos considerados direitos humanos pelo
liberalismo.
1.2. Direitos sociais e Estado social
No entanto, esse modelo adotado pelo Estado liberal, isto é, de
assegurar a igualdade formal, não se mostrou capaz de socorrer os
menos favorecidos, posto que não estavam no mesmo patamar
daqueles em melhor situação social e econômica. Não se ofertou a
igualdade substancial, portanto.
Tal igualdade substancial ou material é resultante da nova visão
inspiradora do Estado Social de Direito, e “[...] propugna redobrada
atenção por parte do legislador e dos aplicadores do Direito à variedade
das situações individuais e de grupo, de modo a impedir que o dogma
liberal da igualdade formal impeça ou dificulte a proteção e a defesa
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dos interesses [...]” dos menos favorecidos dentro da sociedade
(GOMES, 2001. p. 131).
Então, os direitos sociais, admitidos para as coletividades ou
grupos, encontram no Estado Social o reconhecimento e a força para
serem implementados, visando à redução das desigualdades sociais
e econômicas na busca do ideal de justiça social, fazendo surgir —
como explica Gomes, citando Piovesan (2001. p. 131) — no Direito
Internacional dos Direitos Humanos, a política de tratamento específico
às coletividades fragilizadas socialmente, observados seus traços
característicos diferenciados, de sorte que a concepção do indivíduo
abstrato e imaterial do Estado liberal foi substituída pelo “[...] indivíduo especificado, considerando-se categorizações relativas ao gênero,
idade, etnia, raça etc.”.
1.3. Fundamentação e eficácia dos direitos sociais
O problema da fundamentação dos direitos sociais apresenta-se
como insolúvel, segundo Bobbio (2004. p. 41-44) e Pérez Luño (1995.
p. 61), mesmo porque não existe um fundamento absoluto para os
direitos humanos, na opinião do filósofo italiano, uma vez que têm sido
confrontadas pela doutrina as liberdades próprias dos tradicionais
direitos individuais, com os poderes que caracterizam os direitos sociais,
a ponto de inviabilizar a sua coexistência (BOBBIO, 2004. p. 41). Mas
não se pode deixar de reconhecer que tanto os direitos individuais,
quanto os coletivos, independente de postarem-se em situação
antagônica, são alvo, na prática, não raramente, de descumprimento,
embora positivados no direito interno dos Estados.
Importante pôr em relevo, porém, como ressalta Bobbio (2004.
p. 43), que “o problema fundamental dos direitos do homem, hoje,
não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los” — o que constitui
um problema político, e, não, filosófico — devendo-se “[...] buscar em
cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis [...]”. Martínez
de Pisón (2001. p. 183-186) rejeita a corrente de pensamento que vê
nos direitos sociais “[...] meras reclamações ou exigências que se
podem conceder ou não por razões políticas [...]”, isto é, singelas
pretensões, apoiado na postura adotada pelas Nações Unidas a partir
dos anos oitenta do século XX, no sentido de que não podem existir
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liberdades individuais nem o adequado exercício dos direitos civis e
políticos, sem a implementação dos direitos sociais, e assegura que
tanto os direitos individuais como os direitos sociais, culturais e econômicos são direitos fundamentais, com a mesma estatura.
Assim, para Martínez de Pisón (2001. p. 207), os direitos sociais,
como direitos humanos, fundamentam-se “[...] na existência de necessidades básicas, objetivas, universais e contingentes, das quais derivam
o compromisso moral de sua satisfação [...], em todos os âmbitos, [...]
com o objetivo de evitar pobreza e miséria, privações e danos físicos e
psíquicos nas pessoas [...]”.
E a inegável dificuldade para implementação dos direitos sociais,
mormente porque demandam vultosos gastos para atendimento das
prestações positivas, não se presta para lhes negar a natureza de
direito humano, muito menos a eficácia, devendo, sim, o Estado,
segundo Bidart Campos, citado por Krell (2002. p. 23), “[...] desenvolver
e executar políticas de bem-estar no vasto campo das necessidades
primárias dos homens que se encontrem numa situação de hipossuficiência, marginalidade, carência[...]”, valendo-se de “[...] políticas de
emprego, políticas alimentárias, políticas habitacionais, políticas
de educação e saúde etc.”.
1.4. O constitucionalismo brasileiro e direitos sociais
A onda de constitucionalização dos direitos sociais, iniciada na
segunda década do século XX com as Constituições do México de
1917 e da República Alemã (1919), chegou ao Brasil pela Constituição
de 1934 (KRELL, 2002. p. 19).
Como se constata na compilação das Constituições brasileiras
feita por Campanhole (1999), essa Carta de 1934 continha disposições,
a partir do art. 115, acerca da Ordem Econômica e Social, inclusive
direitos relacionados ao trabalho. A Constituição de 1937, nos arts.
135 e seguintes, ao dispor sobre a Ordem Econômica, também traçou
preceitos gerais sobre o trabalho. A Constituição de 1946, igualmente
dispondo sobre a Ordem Econômica e Social, nos arts. 145 e seguintes,
consagrou como princípios a justiça social, a liberdade de iniciativa e a
valorização do trabalho humano, que deveriam ser conciliados, enumerando, ainda, preceitos de direito do trabalho e previdência social. A
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Constituição de 1967 e respectiva Emenda Constitucional n. 1, de 1969,
prosseguiram nessa linha de reconhecimento tímido dos direitos sociais,
praticamente limitados a assegurar, dentro da Ordem Econômica e
Social, os direitos trabalhistas mínimos (confira-se, respectivamente,
nos arts. 157 e seguintes e arts. 160 e seguintes).
A Constituição republicana de 5.10.1988 (BRASIL. Presidência
da República) é que, não mais como apêndice da Ordem Econômica e
Social, mas, sim, entre os direitos e garantias fundamentais, proclama
extenso rol de direitos sociais (arts. 6º a 11), com menção expressa à
educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência
social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, além de estabelecer os direitos mínimos dos trabalhadores
urbanos e rurais e traçar as regras dos direitos sindicais, de greve e de
participação e representação dos trabalhadores.
Convém salientar, neste tópico, que, no Brasil, considerado o
expresso texto constitucional, não há dúvida de que os direitos sociais
constituem direitos fundamentais, garantida a aplicação imediata,
conforme letra do art. 5º, § 1º, da vigente Carta Constitucional, excetuados os casos previstos na própria Constituição, a depender de regulamentação, por exemplo, o direito ao adicional de atividade penosa no
setor privado, instituído no art. 7º, XXIII, e, ainda hoje, pendente.
2. DIREITOS HUMANOS E DIREITOS COLETIVOS DAS
MINORIAS
As minorias, ao longo da história, em desrespeito ao princípio da
dignidade da pessoa humana, como assevera Lopes (2008. p. 19),
“[...] têm sido eliminadas, assimiladas ou discriminadas [...]”, em vez
de respeitadas e protegidas.
Tal situação adquiriu maior questionamento no final do século XX
e início deste século XXI por força dos movimentos migratórios nas
sociedades contemporâneas, provocados por questões econômicas e
políticas (PÉREZ LUÑO, 2003. p. 119), enfim, pelo próprio processo
de globalização. Detecta-se, então, o problema naqueles Estados até
então caracterizados pela unidade nacional, diante de reivindicações
para que sejam asseguradas as tradições culturais e fazerem-se
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respeitar os direitos humanos das minorias, tolerando-se e convivendo-se com a pluralidade religiosa, linguística, étnica, cultural, enfim, com
as diferenças dos grupos sociais.
2.1. Definição de minorias e multiculturalismo
O termo minorias, segundo Lopes (2008. p. 20), recebeu de Capotorti
“dois tipos de critérios” para ser definido:
a) critérios objetivos:
— a existência em um Estado de um grupo de pessoas com
características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes ou
distintas do resto da população;
— a diferença numérica (do grupo minoritário) em relação ao resto
da população;
— a posição não dominante desse grupo minoritário.
b) critério subjetivo:
— o desejo das minorias de preservarem os elementos particulares
que as caracterizam, ou seja, a vontade comum do grupo de
conservar seus rasgos distintivos.
Importante ressaltar que, nem sempre, a diferença numérica será
bastante para caracterizar um segmento social minoritário, como pode
ocorrer, por exemplo, com as mulheres no Brasil, as quais superam,
em quantidade, a população masculina, devendo ser aplicado, em
casos tais, o critério objetivo da “posição não dominante” do grupo, ou
seja, “[...] a sua exclusão social e a falta de participação nas decisões
políticas [...], como salienta Lopes (2008. p. 20).
A referida definição tradicional de Capotorti, porém, por ser
restritiva, na medida em que se reporta apenas a características étnicas,
religiosas e linguísticas, recebe críticas e ampliações, notadamente
de Semprini, citado por Lopes (2008. p. 20-21), devendo ser adotadas,
também, “[...] outras características passíveis de ser aplicadas na
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definição, levando-se em consideração a cultura e a realidade de cada
sociedade [...]”, de sorte a conceituar-se minoria como “[...] todo grupo
humano, cujos membros tenham direitos limitados ou negados apenas
pelo fato de pertencerem a esse grupo [...]” — como arremata Lopes
(2008. p. 21).
A definição de minorias, no entanto, não é pacífica na doutrina,
podendo-se, nada obstante, entendê-las também como grupos compostos de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Merece ser ressaltado, outrossim, que, a partir da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em 1948, solidificou-se, oficialmente,
a ideia de igualdade entre os homens, fazendo surgir movimentos
políticos contestadores da estratificação étnica e racial herdada do
período anterior à Segunda Grande Guerra, bem assim a contestação
de “[...] outros tipos de hierarquias, como o gênero, a deficiência e a
orientação sexual [...]” (KYMLICKA, 2008. p. 221).
Nesse contexto, surge o Multiculturalismo, com vistas à convivência,
na mesma região ou país, de culturas distintas identificadas em grupos
ou coletividades integrantes da sociedade contemporânea, marcada
pelo pluralismo.
2.2. Visão liberal e visão comunitarista
O reconhecimento de direitos humanos, notadamente de direitos
sociais, aos grupos minoritários, no seio desses Estados plurais, à luz
do Multiculturalismo, é alvo de debates entre os teóricos liberais e os
comunitaristas.
De modo sintético, pode-se afirmar que, para os liberais, deve
prevalecer o universalismo, quer dizer, os direitos das pessoas e os
valores culturais são concebidos “[...] como garantias universais, independentes das contingências da raça, língua, sexo, religiões ou convicções religiosas” (PÉREZ LUÑO, 2003. p. 120).
Outrossim, conforme Cittadino (2004. p. 129), os liberais, relativamente às prioridades democráticas, privilegiam os “[...] direitos
fundamentais em detrimento da soberania popular [...]”, na medida em
que “[...] associam o pluralismo às diversas concepções individuais
acerca da vida digna [...]”. A existência do pluralismo justifica a
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neutralidade estatal característica da visão tradicional do Estado Liberal.
Aqui, levam-se em conta as “liberdades dos modernos” (as de
consciência, de expressão e religiosa, além dos direitos individuais em
geral), ainda de acordo com Cittadino (2004. p. 144), quando se
consideram as limitações ao processo democrático. Em suma, a
autonomia privada prevalece sobre a autonomia pública.
O comunitarismo, por sua vez, identificado por Pérez Luño (2003.
p. 121-122) como “movimento cultural emblemático da pós-modernidade”, conforme o mesmo autor, trilha por dois caminhos.
Um, do qual são expoentes Charles Taylor e Michael Walzer,
recupera, de certa forma, os valores do Iluminismo e da Modernidade,
a partir da releitura das teorias de Hegel, valendo-se da ideia comunitária que exclui uma interpretação individualista. Assim, acreditam “[...]
que os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados traduzem mais a vontade e a autodeterminação da comunidade do que um
espaço de independência individual em relação à autoridade estatal
ou aos demais indivíduos [...]”, como observa Cittadino (2004. p. 161).
O outro caminho, ainda de acordo com Pérez Luño (2003. p. 122),
capitaneado por Alasdair MacIntyre, volta mais ainda no tempo, à
tradição de Aristóteles, opondo-se à Modernidade na medida em que
adota uma postura nostálgica da própria compreensão pré-moderna
de comunidade.
Os comunitaristas — como salienta Cittadino (2004. p. 144-145)
— concebem a pluralidade dentro das sociedades democráticas
contemporâneas, invertendo “[...] a perspectiva liberal na medida em
que dão primazia à autonomia pública [...]”, à moda das “liberdades
dos antigos”, em que o processo democrático tem como elementos
constitutivos “os direitos políticos de participação”, não prevalecendo
a vontade da maioria, mas, sim, a vontade comum, fruto do entendimento ético decorrente de uma política deliberativa.
Will Kymlicka (2008. p. 217-243), diante de incompreensões e
críticas que induzem ao entendimento de que o multiculturalismo é
incompatível com os direitos humanos, porque aquele seria relativista
e privilegiaria apenas os grupos, enquanto os direitos humanos são
universalistas e dão relevo ao indivíduo, assegura que, longe de excluírem-se um ao outro, o multiculturalismo, na verdade, constitui “um novo
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estágio do desenvolvimento gradual da lógica dos direitos humanos”,
sendo certo que a igualdade diz respeito às pessoas, enquanto
indivíduos ou povos, tanto que a Declaração dos Direitos das Pessoas
Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas,
da ONU (1992), explicitou a ligação entre igualdade e multiculturalismo,
despertando-se, aí, a consciência dos grupos minoritários para a
reivindicação do direito de igualdade, como direito humano, e, não mais,
como mero favor ou caridade das maiorias.
Tem-se com Kymlicka uma visão liberal renovada que reconhece
“[...] a diversidade cultural como fundamento de uma diferenciação dos
cidadãos e dos povos [...]”, nas palavras de Pérez Luño (2003. p. 122),
para quem o filósofo canadense “[...] se apresenta como um liberal
sensível a determinadas exigências das teses comunitaristas [...]”, a
ponto de confundir sua própria posição liberal.
Nada obstante esse confronto entre liberais e comunitaristas, em
que os primeiros centram os direitos humanos no indivíduo, com
preponderância sobre os interesses coletivos dos grupos, e os outros
focalizam a coletividade, não se pode deixar de ressaltar a posição
conciliadora de Habermas — expoente do pensamento crítico-deliberativo — na expressão de Cittadino (2004. p. 2).
Para o filósofo alemão, nas democracias contemporâneas, o pluralismo tem duas dimensões que não se excluem — ao contrário, devem
coexistir — quais sejam, “[...] a diversidade das concepções individuais
acerca da vida digna e a multiplicidade de formas específicas de vida
que compartilham valores, costumes e tradições [...]”, segundo registro
de Cittadino (2004. p. 2).
2.3. As minorias como titulares de direitos coletivos e o confronto
direitos coletivos versus direitos individuais
Apesar do embate teórico ligeiramente explanado no item anterior
(2.2), é impossível ao constitucionalismo democrático contemporâneo
desconhecer a existência das minorias, como, também, da carga de
direitos que lhes assiste enquanto grupos humanos em situação vulnerável, considerados coletivamente.
Tal constatação decorre da própria onda de reivindicações desses
grupos verificada nas últimas décadas e da proclamação internacional
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constante da Declaração dos Direitos das Pessoas Pertencentes a
Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas (ONU, 1992),
a qual professa, no art. 3.1, que “as pessoas pertencentes a minorias
poderão exercer seus direitos, inclusive os enunciados na presente
Declaração, individualmente bem como em conjunto com os demais
membros de seu grupo, sem discriminação alguma”.
O obstáculo ao reconhecimento dos direitos coletivos, especialmente no plano doutrinário, representado pelo receio de que esses
direitos coletivos suplantem os direitos individuais, tal como concebido
pela ideia do liberalismo conservador — temendo-se, em última análise,
que em nome da supremacia coletiva proliferem a intolerância à
diversidade e o retorno dos Estados nacionais nos moldes do nazismo
— vem sendo atenuado pela própria renovação contemporânea das
ideias liberais, aproximando-se do comunitarismo, de sorte a reconhecer-se, progressivamente, ao lado dos direitos individuais, os direitos
dos povos e das minorias. Respeitam-se, assim, as minorias enquanto
minorias.
O embate entre direitos coletivos e direitos individuais, nesse
quadro que não se pode resolver, simplesmente, com o estabelecimento
de alguma hierarquia, deve ser solucionado de modo a conciliar a existência de ambos, não se podendo perder de vista, no entanto, que o
exercício dos direitos coletivos das minorias deve atentar para a
restrição preconizada no final do art. 4.2 da referida Declaração (ONU,
1992):
“Art. 4.2. Os Estados adotarão medidas para criar condições favoráveis
a fim de que as pessoas pertencentes a minorias possam expressar
suas características e desenvolver a sua cultura, idioma, religião,
tradições e costumes, salvo em casos em que determinadas práticas violem a legislação nacional e sejam contrárias às normas
internacionais.”
Em suma, o exercício dos direitos coletivos, reconhecidos por
diferenciação em função do grupo a que pertencem seus integrantes,
não pode restringir nem ofender os demais direitos humanos, não se
tolerando aquelas práticas culturais que causem danos permanentes
aos membros dos grupos, por exemplo, as que envolvam mutilações
físicas, ou impeçam o indivíduo de sair do próprio grupo minoritário.
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2.4. Fundamentos para reconhecimento dos direitos das minorias
nos Estados multiculturais
O reconhecimento desses direitos coletivos (sociais) aos grupos
minoritários encontra fundamento nos próprios direitos humanos, na
medida em que as diferenças entre os homens são reconhecidas pelo
indivíduo, pela sociedade e pelo Estado.
E os direitos humanos tanto são a fonte ou inspiração, como limite
para os direitos das minorias. Exige-se, com efeito, que as minorias,
internamente, também pratiquem os direitos que reivindicam no espaço
majoritário, e ajam, relativamente a seus membros, com justeza,
tolerância e inclusão — como observa Kymlicka (2008. p. 225) — para
quem as minorias não podem ignorar as regras de direitos humanos a
pretexto do multiculturalismo.
Comporta lembrar, nesse contexto, a observação de Pérez Luño
(2003. p. 127) acerca da proposição de Habermas por ele adotada,
relativamente ao que denomina patriotismo constitucional, caracterizado
pela “[...] atitude cívica de lealdade e adesão a uns valores e instituições
socialmente compartilhados [...], vista nas Constituições dos Estados
de Direito em vigor como alternativa ideal para guiar a necessidade de
convivência com as diferenças no mundo contemporâneo. Tem-se,
assim, “o núcleo de valores e bens” informadores do atual “constitucionalismo democrático”, a partir da mescla dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade herdados do Iluminismo, mais a tolerância e o
princípio da dignidade humana, atualizados para a noção de paz, pluralismo e solidariedade, que, desde a origem, acham-se orientados pela
noção cosmopolita e universalista. Então, em tais valores também se
assentam os fundamentos dos direitos das minorias referenciadas.
2.5. As pessoas com deficiência como grupo minoritário titular de
direitos coletivos
As minorias podem constituir-se a partir de povos ou grupos
dotados de características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes
do restante da população, formados, por exemplo, em consequência
de movimentos migratórios, mas, também — como enquadra Freeman,
citado por López Calera (2000. p. 58) — de “[...] simples grupos
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minoritários com interesses distintos aos da maioria [...]”, entre os quais
se identificam as pessoas com deficiência, os homossexuais etc., que
demandam direitos especiais, como exemplo as cotas de representação
política das mulheres, cuja implementação não se satisfaz mediante o
cumprimento dos direitos individuais.
Nesses exemplos de minorias com interesses e características
diferenciados, notadamente a composta de pessoas com deficiência,
o critério hábil a identificá-las como minoria, embora também seja
considerada a diferença numérica relativamente ao restante da população, é o objetivo representado pela “posição não dominante desse
grupo minoritário”, bem demarcada, nesse caso, pelo histórico de alijamento, discriminação e exclusão social baseados apenas na deficiência.
E é exatamente por meio da proteção dos interesses coletivos
desse grupo que se busca realizar significativa parcela dos interesses
individuais de seus membros, de maneira a possibilitar a sua inclusão
na sociedade, enfim, a propiciar-lhe o respeito aos direitos elementares
sonegados pela praxe discriminatória ao longo da história.
Por discriminação, no sentido negativo, entende-se a “exclusão
ou preferência preconceituosas, conscientes ou inconscientes, expressas ou tácitas, de pessoa ou de grupo específico, por motivos étnicos
ou raciais, de gênero, de origem, de características físicas, de opção
sexual, além de outros tantos [...]” (FONSECA, 2006. p. 157). A palavra
também pode ser utilizada no sentido inverso, segundo este mesmo
autor na mesma obra e local, “[...] como um recurso compensatório,
positivo, por meio do qual a lei ou o Judiciário municiam com instrumental jurídico pessoas ou grupos de pessoas historicamente vitimados
pela discriminação negativa [...]”.
3. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA
No curso da história da humanidade, as pessoas com deficiência
física, mental, intelectual ou sensorial vêm recebendo tratamento
variado que vai da fase da Antiguidade — marcada pela sua total
exclusão da sociedade, na qual a própria Bíblia as registrou como seres
doentes e merecedores apenas de caridade, porque aleijados, cegos,
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surdos ou leprosos — aos dias atuais, inaugurados após a Segunda
Grande Guerra, geradora de incontáveis mutilados, em que as pessoas
com deficiência começaram a ser encaradas como sujeitos de direito
e, assim, nada obstante suas limitações, possam viver inseridas na
sociedade, reabilitadas e com dignidade, locomovendo-se, trabalhando,
associando-se, enfim, atuando como as demais pessoas (TEPERINO,
2001. p. IX).
Essa mudança de tratamento percorreu fases não muito bem
demarcadas ao longo da história (LORENTZ, 2006. p. 105), desde a
total eliminação ou desprezo da pessoa com deficiência, às fases do
assistencialismo, da integração e da inclusão.
As pessoas com deficiência, no Brasil, formam grupo minoritário
composto de 14,5% da população brasileira — segundo o último censo
demográfico realizado no ano 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (BRASIL. IBGE).
3.1. Antecedentes constitucionais
A primeira norma constitucional brasileira a mencionar algum
direito às pessoas com deficiência foi a Emenda Constitucional n. 1,
de 1969, que, no art. 175, § 4º, previu que lei especial disporia “sobre
a [...] educação de excepcionais” (CAMPANHOLE, 1999. p. 324)(1).
Seguiu-se a Emenda Constitucional n. 12/78, lembrada por Araújo
(2008. p. 912) como a pioneira a tratar da questão como um subsistema
específico, dando-lhe status constitucional, embora não cogitasse,
naquele tempo, de inclusão. A referida Emenda, em seu único artigo,
assegurou “aos deficientes a melhoria de sua condição social e
econômica”, por meio, especialmente, de “educação especial e gratuita”,
“assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do
País”, “proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao
trabalho ou ao serviço público e a salários” e possibilidade de acesso
a edifícios e logradouros públicos” (CAMPANHOLE, 1999. p. 352).
O silêncio das Cartas Constitucionais pretéritas é justificado pela
própria ausência do reconhecimento de direitos às pessoas com
deficiência no cenário internacional — uma vez que, como se disse
(1) Era essa (excepcionais) a designação dada, à época, a pessoas com deficiência.
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linhas atrás, somente depois da Segunda Grande Guerra é que esse
segmento passou a receber tratamento legal condigno.
3.2. Previsão na Constituição da República de 1988
A Carta de 1988 conferiu ampla tutela jurídica ao grupo minoritário
focalizado, de modo diferenciado, exatamente para compensar-lhe
as deficiências, rumo à igualdade substancial (ALMEIDA, 2008. p.
555-556).
A vigente Constituição da República (BRASIL. Presidência da
República) contempla as pessoas com deficiência, expressamente, nos
seguintes aspectos: não discriminação de direitos no trabalho (art. 7º,
XXXI); competência comum de União, Estados, Distrito Federal e Municípios para sua proteção e garantia (art. 23, II); competência legislativa
concorrente de União, Estados e Distrito Federal para sua proteção e
integração social (art. 24, XIV); cotas para admissão no serviço público
(art. 37, VIII); assistência social para habilitação e reabilitação, bem
como integração à vida comunitária (art. 203, IV); assistência social
mediante benefício mensal de um salário mínimo, quando hipossuficiente (art. 203, V); educação especializada, de preferência na rede
regular de ensino (art. 208, III); criação de programas especiais
de prevenção e atendimento, integração social do adolescente, além de
acessibilidade a bens e serviços coletivos, com eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (art. 227, § 1º, II); e previsão, em lei,
de normas sobre acesso e locomoção (art. 227, § 2º, e art. 224).
Constata-se, a partir desse elenco, a opção constitucional pela
integração e inclusão social das pessoas com deficiência, abandonando-se a segregação que, no passado, ditava o tom do tratamento
dispensado a esse grupo.
Para Slaibi Filho (2001. p. 39), as normas tutelares das pessoas
com deficiência valorizam o princípio da dignidade da pessoa humana.
E, particularmente quanto à assistência social dispensada pela Constituição às pessoas com deficiência, Moreira Neto (2001. p. 93-95)
enfatiza que decorre da aplicação dos princípios da igualdade e da
dignidade humana, com vistas à sociedade solidária e à promoção do
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bem de todos sem preconceitos e sem discriminação, como preconizado
nos arts. 1º, III, e 3º, I e IV, da mesma Carta.
3.3. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência
(ONU)
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
das Nações Unidas, aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro nos
termos do Decreto Legislativo n. 186, de 2008, publicado no Diário
Oficial da União de 20.8.2008 (BRASIL. Congresso Nacional), entrou
no sistema jurídico nacional com força equivalente a Emenda Constitucional, tal como previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição de 1988.
Destaca-se, entre outros fundamentos, nessa Convenção,
conforme consignado em seu Preâmbulo, que ela relembra os princípios
consagrados na Carta das Nações Unidas, notadamente a dignidade
e os direitos iguais; reafirma “[...] a universalidade, a indivisibilidade, a
interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a necessidade de garantir que todas
as pessoas com deficiência os exerçam plenamente, sem discriminação
[...]”; reconhece a importância das políticas visando à equiparação de
oportunidades para as pessoas com deficiência; inclui as questões
pertinentes à deficiência nas estratégias de desenvolvimento sustentável; reconhece como violação à dignidade e aos valores inerentes
ao ser humano a discriminação motivada na deficiência; reconhece a
diversidade das pessoas com deficiência; também reconhece “[...] a
necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as
pessoas com deficiência, inclusive daquelas que requerem maior apoio
[...]”; preocupa-se com a situação de desamparo que ainda atinge as
pessoas com deficiência; reconhece a importância da cooperação
internacional para melhorar-lhes as condições de vida e a relevância
dessas pessoas para a diversidade em suas comunidades, bem assim
a importância de sua autonomia e independência individuais e liberdade
de escolha. Enaltece, de modo claro, o reconhecimento ao direito de
participação ativa das decisões políticas, mormente as que digam
respeito às pessoas com deficiência, e, por outro lado, o agravamento da
discriminação quando combinados com a deficiência fatores igualmente
causadores de discriminação, tais a infância, o gênero feminino, etnia,
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religião, pobreza etc., e propõe-se a contribuir para a correção das
“[...] profundas desvantagens sociais das pessoas com deficiência e
para promover sua participação na vida econômica, social e cultural,
em igualdade de oportunidades, tanto nos países em desenvolvimento
como nos desenvolvidos” (BRASIL. Congresso Nacional. Decreto
Legislativo n. 186, de 2008. p. 1-2)(2).
O art. 1º da Convenção referenciada traz o novo conceito de
pessoas com deficiência, ou seja, “são aquelas que têm impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas”.
Note-se que, com a adoção, pelo Brasil, da mencionada Convenção, e considerado seu status de Emenda Constitucional, devem ser
observadas doravante, acerca das pessoas com deficiência, não mais
as designações e conceituações antigas previstas na legislação em
vigor, mas, sim, aquelas adotadas pelo novo instrumento internacional.
Merece ser destacado nessa Convenção, em sintonia com o
disposto no art. 4.4, a ressalva feita a normas internas e internacionais
(2) No seu texto a Convenção sob comento contempla também os princípios gerais que
a orientam (art. 3º), os compromissos ou obrigações gerais dos Estados-partes (art. 4º)
e focaliza, de modo especial, os aspectos em que serão adotadas as medidas
necessárias à implementação dos direitos contemplados às pessoas com deficiência,
consistentes de: igualdade e não discriminação (art. 5º), meninas e mulheres com deficiência (art. 6º), crianças com deficiência (art. 7º), conscientização social (art. 8º), acessibilidade (art. 9º), direito à vida (art. 10), situações de risco e emergência humanitárias
(art. 11), reconhecimento de capacidade legal em igualdade de condições com as demais
pessoas (art. 12), acesso à justiça (art. 13), liberdade e segurança da pessoa (art. 14),
prevenção contra tortura ou tratamento ou penas cruéis, desumanas ou degradantes
(art. 15), prevenção contra a exploração, a violência e o abuso (art. 16), proteção da
integridade física e mental (art. 17), liberdade de movimentação e nacionalidade (art.
18), vida independente e inclusão na comunidade (art. 19), mobilidade pessoal com a
máxima independência possível (art. 20), liberdade de expressão e opinião e acesso
à informação (art. 21), respeito à privacidade (art. 22), respeito pelo lar e pela família
(art. 23), educação em sistema inclusivo em todos os níveis (art. 24), saúde (art. 25),
habilita-ção e reabilitação (art. 26), trabalho e emprego (art. 27), padrão de vida e proteção
social adequados (art. 28), participação na vida política e pública (art. 29), participação
na vida cultural e em recreação, lazer e esporte (art. 30), elaboração de estatísticas e
coleta de dados (art. 31), cooperação internacional (art. 32) e implementação e monitoramento nacionais (art. 33).
Juntamente com a aprovação da Convenção, o Decreto Legislativo n. 186/08 aprovou
seu Protocolo Facultativo, que rege, entre outros, as denúncias e investigações contra
os Estados-Partes, relativamente ao descumprimento da Convenção.
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em vigor no Estado-Parte que forem mais favoráveis às pessoas com
deficiência, as quais não são revogadas, e, sim, somadas ao previsto
no novo instrumento, de sorte que é possível concluir-se que não houve
a substituição do sistema de garantias e proteção às pessoas com
deficiência existente, mas a sua ampliação.
3.4. Medidas protetivas regulamentadas na legislação ordinária
federal brasileira
A legislação ordinária nacional contempla regras sobre a proteção,
integração e inclusão das pessoas com deficiência, notadamente como
regulamentação do previsto no texto constitucional (ver item 3.2 acima)
anterior à adoção, com força de Emenda Constitucional, da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas.
Alinham-se aqui, em ordem cronológica, as seguintes entre as
mais importantes medidas implementadas na legislação federal
(BRASIL. Presidência da República): Política Nacional para a Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência — inclusive ações de saúde pública
e criminalização de condutas contra as pessoas com deficiência
(MESTIERI, 2001. p. 213-221) — Lei n. 7.853/89, regulamentada pelo
Decreto n. 3.298/99; Proteção especial à criança e ao adolescente
(Lei n. 8.069/90); Saúde no trabalho (Lei n. 8.080/90); Reserva de vagas
para ingresso no serviço público federal (Lei n. 8.112/90); Amparo
previdenciário, inclusive pensão por morte, reabilitação profissional,
inserção nos empregos mediante reserva de vagas nas empresas com
mais de cem empregados e isenção de contribuições sociais para as
entidades beneficentes que lidem com pessoas com deficiência (Lei n.
8.213/91 e Decretos n. 3.048/99 e n. 3.298/99). A pensão especial às
vítimas da talidomida é regida pela Lei n. 7.070/82, como observa
Séguin (2005. p. 262); Isenção de imposto sobre renda e proventos
para os deficientes mentais (Lei n. 8.687/93); Benefício mensal de
prestação continuada da Assistência Social (Lei n. 8.742/93) — desde
que a pessoa com deficiência seja incapaz para o trabalho e não
disponha de outros meios de subsistência, inclusive o menor (FELIPE,
2001. p. 122); Dispensa de licitação para as associações de pessoas
com deficiência, sem fins lucrativos, para prestação de serviços à
Administração Pública (Lei n. 8.883/94); Passe livre nos transportes
coletivos interestaduais (Lei n. 8.899/94); Isenção de imposto sobre
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produtos industrializados (automóveis) para pessoas com deficiência
física (Lei n. 8.989/95, alterada pelas Leis ns. 9.144/95, 9.317/96 e
10.182/01); Dedução no imposto de renda de despesas médicas,
aparelhos e próteses ortopédicas e gastos com instrução da pessoa
com deficiência (Instruções Normativas ns. 65/96 e 25/96) — conforme
Coelho (2001. p. 187-188); Educação especial (Lei n. 9.394/96); Apoio
financeiro a municípios para os programas socioeducativos das
pessoas com deficiência (Lei n. 9.533/97 e Decreto n. 3.117/99);
Cooperativas sociais (Lei n. 9.867/99); Atendimento prioritário nas
repartições públicas e outras instituições (Lei n. 10.048/00 e Decreto
n. 5.296/04); Acessibilidade (Lei n. 10.098/00 e o mesmo Decreto n.
5.296/04); Programa Nacional de Ações Afirmativas no âmbito da
Administração Pública Federal (Decreto n. 4.228/02); Aprendizagem
no trabalho (Lei n. 11.180/05); Compromisso dos entes federados pela
inclusão das pessoas com deficiência e instituição do Comitê Gestor
de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência (Decreto n. 6.215/07);
e Estágio para estudantes, com reserva de dez por cento das vagas
oferecidas (Lei n. 11.788/08).
Esse rol de leis e decretos demonstra o quanto o Estado brasileiro
vem se empenhando para implementar as disposições constitucionais
atinentes às pessoas com deficiência mas, nada obstante isso, ainda
se está muito longe de alcançar o ideal de inclusão e integração social
da minoria focalizada, pois, como demonstram os próprios dados
estatísticos oficiais (BRASIL. IBGE), entre os que trabalham (em torno
de nove milhões de pessoas com deficiência), mais da metade ganha
menos de dois salários mínimos por mês; desempenham, na maioria
dos casos, tarefas menos complexas nos setores de vendas e comércio;
têm menor taxa de alfabetização, de instrução e de frequência escolar.
4. A INSERÇÃO, NO TRABALHO, DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA
Incluir ou inserir as pessoas com deficiência no trabalho, apesar
de toda a tutela que o sistema jurídico possa oferecer, ora impondo
obrigações aos particulares e ao Poder Público, ora adotando políticas compensatórias, não constitui missão fácil em um mundo sob
constante transformação, dominado pela globalização da economia e
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pelos avanços tecnológicos que abalam o próprio sistema de oferta
de empregos.
A inclusão decorre do reconhecimento de direitos sociais diferenciados a grupos em situação de vulnerabilidade, tal o das pessoas
com deficiência, em consequência da especificação exigida cada vez
mais pela aceitação de direitos especiais, como se pode observar na
própria evolução das Declarações da ONU sobre crianças, mulheres e
deficientes, por exemplo (BOBBIO, 2004. p. 78-79).
4.1. Fundamentos constitucionais: princípio da dignidade da
pessoa humana e princípio da igualdade
A Constituição brasileira de 1988 (BRASIL. Presidência da
República) consagra em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana
como um dos fundamentos da República. No art. 5º, caput, afirma o
princípio da igualdade como o primeiro entre os direitos individuais e
coletivos, do qual decorrem todos os demais direitos e garantias
fundamentais que formam o sistema jurídico nacional.
Nesses dois princípios, aos quais se somam os princípios da
solidariedade, da justiça social e da não discriminação também abrigados no texto constitucional, encontra-se a fundamentação para a tutela
jurídica dada às pessoas com deficiência, consideradas grupo
minoritário na sociedade brasileira, em situação de vulnerabilidade e
vitimadas pela discriminação exatamente por causa da deficiência.
Nesse contexto, a inclusão das pessoas com deficiência no
trabalho — que constitui um dos valores sociais da República Federativa
do Brasil (art. 1º, IV, da Carta de 1988) — apresenta-se como fator
realizador desses princípios, na medida em que, neles, encontra fundamento.
Não se pode deixar de recordar a importância e o significado do
valor trabalho para a “construção da natureza e do próprio homem”,
como ressalta Carvalho, com apoio em Marx e Engels (2003. p. 42-43):
“Nesse sentido, o trabalho é inerente ao homem. Trabalhando
ele constrói e reconstrói a natureza da qual faz parte. Desse modo,
transforma-se, também.
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O trabalho, portanto, participa da constituição pessoal. Faz parte
da vida material e psíquica. Provê subsistência. Oportuniza o
reconhecimento social do sujeito no mundo. Seu próprio reconhecimento como ser produto da sociedade.
O trabalho está intimamente ligado à qualidade de vida, também,
pois [...] é considerado mais do que um esforço para a
sobrevivência. Resgata a importância do desejo. Da consciência.
Da vivência do prazer. Da possibilidade de construção do
conhecimento [...].” (CARVALHO, 2003. p. 49).
Os pilares jurídicos que sustentam a tutela diferenciada dada às
pessoas com deficiência, na seara do trabalho, são, como dito, os princípios da dignidade humana e da igualdade.
Conforme Bastos e Martins (1988. p. 425), a dignidade da pessoa
humana, tal como referida no art. 1º da Constituição de 1988, autoriza a
compreensão de que esse princípio está a abranger todos os direitos
fundamentais, individuais e coletivos, consagrados no mesmo texto
constitucional, e significa que em sua noção se assenta o Estado
brasileiro, que tem como uma de suas finalidades o favorecimento, por
meio do exercício da liberdade, de condições para que todos se tornem
dignos e valorizados.
Por sua vez, a igualdade de que se fala aqui não é aquela meramente formal, que concebe o homem abstratamente, isolado, caracterizadora do pensamento liberal tradicional, mas, sim, a igualdade
compatível com o Estado Democrático de Direito, inclusivo e comprometido com a harmonização dos variados projetos sociais. Como
ressalta Lorentz (2006. p. 472-473), tem-se que compreender como
igualdade a que prestigia a diversidade, respeita “[...] as especificidades de cada um [...]”, respeita e preserva a forma singular “[...] de ser,
pensar e agir de cada pessoa, grupo ou sociedade [...]”, e que permite
a “[...] aplicação de tratamentos diferenciados a certas pessoas,
grupos ou categorias desde que balizados por fundamentos fáticos e
constitucionais que os justifiquem [...]”, como é o caso das pessoas
com deficiência — carentes, no Brasil, de acessibilidade, trabalho e
educação.
Importante observar que a diferenciação, em casos tais, faz-se
necessária para implementar a própria igualdade, uma vez que visa a
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igualar pessoas ou grupos que estão em situação desigual, dando aos
que estiverem em patamar inferior condições para que cresçam e
alcancem nível mais elevado dentro da sociedade, respeitados certos
pressupostos. Bandeira de Mello (1999. p. 47), a propósito, bem
sintetiza os cinco requisitos para que o tratamento diferenciado afirme
a igualdade e não se volte contra o princípio isonômico: não pode
destinar-se a pessoa determinada, mas, sim, a “[...] uma categoria de
pessoas, ou a uma pessoa futura e indeterminada [...]”; devem ser
considerados, quando do favorecimento, elementos residentes “[...] nos
fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas [...]”; o
tratamento jurídico diferenciado deve “[...] guardar relação de pertinência lógica com a disparidade dos regimes outorgados [...]”; não
pode conduzir a ofensa de interesses consagrados na Constituição; e
o tratamento diferenciado deve, ainda que implicitamente, ser desejado
pela norma.
4.2. Diversidade interna e demanda por prestações diferenciadas
É inegável que as pessoas com deficiência constituem um grupo
diferenciado do restante da sociedade, consideradas suas especificidades e necessidades à parte, carecendo, por isso, de tratamento
inclusivo que os liberte dos efeitos da discriminação sofrida historicamente.
Esse grupo diferenciado não é, porém, uniforme em suas necessidades, mas, sim, multifacetado, posto que as deficiências têm causas
distintas, a exemplo da “[...] locomoção, visão, audição, deficiência
mental [...]” e, mesmo, “[...] questões ligadas ao metabolismo [...]”, como
destaca Araújo (2008. p. 917-918). Nesse contexto, as dificuldades
enfrentadas por um cego são diferentes daquelas que se apresentam
para um surdo ou um “cadeirante”, entre outros problemas que precisam
ser adequadamente solucionados. Diante da exigência de prestações
e providências diferenciadas, conforme a natureza da deficiência de
cada subgrupo que compõe essa coletividade especial, somente se
poderá, verdadeiramente, cogitar de uma inclusão social quando
consideradas essas particularidades internas.
É preciso ter em conta, nesse quadro, a subjetividade da pessoa
com deficiência que será incluída no trabalho. Aqui, agrava-se, por
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exemplo, o problema da inserção das pessoas com deficiência mental,
estigmatizadas pela sociedade, que nelas mais enxergam limitações
do que as potencialidades e capacidades. Daí a necessidade de
construir a “identidade do trabalhador”, como adverte Carvalho (2003.
p. 45-46), dando-se-lhe acesso ao trabalho para que nele viva e por
meio dele possa constituir “[...] situações intersubjetivas co-construtivas
inquestionáveis [...]”, as quais, relativamente à pessoa com deficiência
mental, representam grande vitória, com superação da deficiência e
dos preconceitos pela participação e exercício da cidadania.
4.3. A importância das ações afirmativas
A inclusão das pessoas com deficiência dá-se mediante as denominadas ações afirmativas, consistentes de políticas sociais voltadas
para a “[...] concretização da igualdade substancial ou material [...]”,
segundo Gomes (2001. p. 131), típicas do Estado Democrático de
Direito. Postas em prática, pioneiramente, nos Estados Unidos da
América, para tentar resgatar os negros daquele país da marginalidade
econômica e social, as ações afirmativas foram estendidas, depois, a
outros grupos discriminados, tais as mulheres, pessoas com deficiência,
índios e “[...] outras minorias éticas e nacionais [...]” (GOMES, 2001. p.
132).
Ações afirmativas são, nesse contexto, “[...] políticas públicas (e
privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da
igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial,
de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física [...]”,
segundo Gomes (2001. p. 132), o qual acresce, nas mesmas obra e
página, com propriedade, que, por meio dessas ações “[...] a igualdade
deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por
todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo
Estado e pela sociedade [...]”.
Esse instrumento sociojurídico leva em consideração que, atualmente, nenhum país, atento aos princípios do pluralismo e da diversidade,
pode crescer mantendo as desigualdades sociais e econômicas,
decorrentes da discriminação das minorias. Assim, o Estado abandona
aquela postura liberal tradicional de neutralidade e assume papel ativo
determinante na busca da reversão desse desequilíbrio, substituindo
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as meras proclamações formais de direitos por políticas que levam em
conta as diferenças existentes na sociedade, de modo a tanto combater,
efetivamente, a discriminação, como dar condições de promoção da
igualdade e de inclusão aos grupos marginalizados, notadamente com
a destinação de recursos financeiros para tal mister, transformando o
próprio meio social.
Quaresma (2008. p. 930) adverte para a necessidade de ser
preservada a diversidade e as potencialidades das minorias discriminadas, salientando que a igualdade “[...] pressupõe a adoção de políticas
públicas inclusivas, pois sem elas é impossível haver igualdade”. De
mais a mais, prossegue essa autora na mesma obra e mesma página,
“[...] uma sociedade igualitária é aquela onde os seres humanos têm
amplas possibilidades de desenvolver as suas potencialidades [...]”,
notadamente “[...] os segmentos étnicos, sociais, culturais, de gênero
etc., que são excluídos de certos âmbitos de uma determinada
sociedade [...]”.
As ações afirmativas, no Brasil, encontram fundamento no princípio da igualdade, em sua concepção contemporânea, e no texto
constitucional vigente, de modo implícito, por exemplo, nos arts. 3º, I e
III, e 170, VII, e, também, explicitamente, como se pode constatar nos
arts. 7º, XX e 37, VIII (BRASIL. Presidência da República).
4.4. Modalidades de inserção no trabalho
São as ações afirmativas que realizam a inclusão das pessoas
com deficiência no trabalho e consistem, basicamente, no Brasil, de
políticas de cotas de reserva de vagas nos empregos do setor privado
e no serviço público civil.
O Decreto n. 3.298/99, no art. 35, prevê as modalidades de inserção da pessoa com deficiência no trabalho, assim explicadas por
Lorentz (2006. p. 255):
“a) o trabalho protegido, conforme Lei n. 8.069/90, art. 66 (nas
oficinas protegidas ou terapêuticas, trabalho sem vínculo empregatício); b) o trabalho em colocação competitiva; c) o trabalho em
colocação seletiva; d) o trabalho por conta própria; e) o trabalho
em cooperativas de trabalho; e f) o trabalho em sistema de
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economia familiar (sociedade ou associação, trabalho sem
vínculo empregatício autônomo e societário).”
A esses casos, com apoio na legislação ordinária federal vigente,
Lorentz (2006. p. 255) acresce outros contratos de trabalho que servem
à inserção das pessoas com deficiência: contrato de emprego especial
de aprendizagem, trabalho educativo e estágio de estudantes.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(BRASIL. Congresso Nacional) traz, no art. 27(3), os novos parâmetros
para a proteção, no trabalho e no emprego, das pessoas com deficiência, e as medidas inclusivas devem observar, doravante, tais dispositivos consagrados pelo constitucionalismo brasileiro.
4.5. Inserção no emprego
Decorre da modalidade trabalho em colocação competitiva a que
se refere o Decreto n. 3.298/99. É o contrato de emprego comum regido
pela Consolidação das Leis do Trabalho, aplicável ao setor privado da
economia, não havendo distinções relativamente a salários e demais
direitos trabalhistas, mormente porque proibidas pelo art. 7º, XXX e
XXXI, da Carta Federal de 1988 (BRASIL. Ministério do Trabalho e
Emprego, 2007. p. 28). Rege-se pela Lei n. 8.213/91, art. 93, e pelos
arts. 36 a 38, do mencionado Decreto, e consiste na reserva de
percentuais de vagas nas empresas (e não por estabelecimento, setor
de serviços ou localidade) — as conhecidas cotas — conforme o
tamanho do quadro de pessoal na empresa, ou seja: até duzentos
empregados, 2%; de duzentos e um a quinhentos empregados, 3%;
(3) Esse art. 27 prevê dez medidas mínimas, inclusive legislativas, que devem ser
adotadas pelos Estados-partes, visando a incluir as pessoas com deficiência no trabalho,
respeitada sua livre escolha, bem como a mantê-las no mercado de trabalho, assim
resumidas: a) proibição de discriminação, baseada na deficiência, para admissão e
demais direitos trabalhistas; b) proteção dos direitos, nas mesmas bases das demais
pessoas, e das condições seguras e salubres de trabalho, reparação de injustiças e
proteção contra o assédio; c) exercício de direitos trabalhistas e sindicais; d) acesso à
profissionalização e treinamento; e) oportunidades de emprego e ascensão profissional;
f) estímulo ao trabalho autônomo, empreendedorismo, cooperativas e negócio próprio;
g) emprego no setor público; h) emprego no setor privado, com adoção de políticas e
medidas adequadas, inclusive ação afirmativa; i) adaptações no local de trabalho; j)
experiência de trabalho; e k) reabilitação profissional e retorno ao trabalho. Contempla,
também, medidas de proteção contra a escravidão ou servidão, trabalho forçado ou
compulsório.
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de quinhentos e um a mil empregados, 4%; e mais de mil empregados,
5% (BRASIL. Presidência da República).
As empresas brasileiras que se enquadrem nesses quantitativos
de empregados são obrigadas, sem compensações ou favores governamentais, a admitir trabalhadores com deficiência, habilitados ou
reabilitados, e têm o dever, ainda, de, antes de dispensar um empregado
especial, providenciar a substituição por outro na mesma condição.
O próprio Decreto n. 3.298/99, no art. 36, §§ 2º e 3º (BRASIL.
Presidência da República), esclarece que a pessoa com deficiência
habilitada para os empregos é “[...] aquela que concluiu curso de
educação profissional de nível básico, técnico ou tecnológico, ou curso
superior, com certificação ou diplomação expedida por instituição
pública ou privada, legalmente credenciada pelo Ministério da Educação
ou órgão equivalente [...]”, bem como “[...] aquela com certificado de
conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional
fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social — INSS [...] e, ainda,
a pessoa “[...] que, não tendo se submetido a processo de habilitação
ou reabilitação, esteja capacitada para o exercício da função [...]”(4).
Porque a sistemática de reserva de empregos não está prevista,
expressamente, na Constituição da República, e, sim, na legislação
ordinária (ROMITA, 2001. p. 147-148), é taxada de inconstitucional
por seus opositores — pecha, no entanto, que não prospera, pois,
como visto linhas atrás, cuida-se de discriminação positiva que, na
prática, implementa a inclusão no trabalho e dá efetividade ao princípio
da igualdade material, estando, portanto, assentada, implicitamente,
nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da
solidariedade, da justiça social e da não discriminação, achando-se,
de mais a mais, agora, amparada pelo art. 27, alínea h, da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — o que encerra
qualquer dúvida.
(4) Importante ressaltar, ao contrário do que pensam as pessoas menos esclarecidas
sobre o tema, que não se cogita da contratação de pessoas “doentes” ou “incapacitadas”,
mas, sim, de trabalhadores aptos (habilitados ou reabilitados) para o trabalho e para as
funções, que necessitam, apenas, de algum apoio material ou pessoal para desempenharem seu mister. Registre-se, também, que não são os trabalhadores especiais que devem
adaptar-se às empresas, e, sim, as empregadoras que precisam preparar-se, inclusive
arquitetonicamente, para recebê-los.
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4.6. Inserção no serviço público civil
Tal providência decorre, também, de ação afirmativa, neste caso
prevista de modo expresso na Constituição de 1988, art. 37, VIII, que
determina a reserva, em lei, de “percentual dos cargos e empregos
públicos” para as pessoas com deficiência, bem assim os critérios para
sua admissão. No plano federal, a Lei n. 8.112/90, no art. 5º, § 2º,
cumprindo essa disposição constitucional, prevê o oferecimento de
até 20% das vagas do concurso público para preenchimento por tais
pessoas. O mencionado Decreto n. 3.298/99, arts. 37 a 43, contém os
procedimentos especiais para a participação das pessoas com
deficiência nos concursos públicos, nos quais pelo menos 5% das vagas
dos cargos ou empregos em disputa devem ser-lhes reservados, condicionada a inscrição àqueles que comprovem a deficiência mediante
atestado médico (BRASIL. Presidência da República). Os demais
entes federados, em leis próprias e nos editais dos certames,
disciplinam a participação das referidas pessoas em seus concursos
públicos.
Note-se, também, como ressalta Gugel (2006. p. 93), que não há
privilégios para as pessoas com deficiência nos concursos públicos,
pois prepondera a igualdade de condições com as pessoas sem
deficiência, na medida em que se submetem “[...] aos mesmos conteúdos
das provas e exames; aos critérios de aferição e avaliação; ao horário
e local de aplicação das provas e exames; e à nota mínima exigida
para todos os demais”. A distinção feita quando da aplicação das provas
diz respeito a apoios técnicos e especiais fornecidos aos candidatos,
conforme a natureza da deficiência de cada um, previstos no Decreto
n. 3.298/99, art. 40 e parágrafos, para que possam concorrer em igualdade de condições com os outros inscritos.
No serviço público federal, o Decreto n. 4.228/02 obriga a participação das pessoas com deficiência também nas nomeações dos cargos
em comissão (DAS). As ações afirmativas representadas pelas cotas
nos concursos públicos são igualmente praticadas para o preenchimento de cargos do Ministério Público, conforme Resolução n. 14/06,
do Conselho Nacional do Ministério Público (BRASIL. CNMP) e, em
7.10.2008, o Conselho Nacional de Justiça, em decisão proferida nos
autos do PP n. 200810000018125, determinou tal sistemática para o
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preenchimento dos cargos da magistratura (BRASIL. Conselho
Nacional de Justiça. CNJ determina reserva de vagas para deficientes
ao cargo de juiz).
CONCLUSÃO
A sociedade ocidental contemporânea, marcada pelo pluralismo
e pela onda de reivindicações de direitos sociais, econômicos e
culturais, percebeu a impossibilidade de ignorar as diferenças existentes
em determinados grupos minoritários, ávidos pelo reconhecimento de
direitos coletivos demandados por sua especificidade, para que possam
sair do estado de exclusão em que se encontram. Busca-se no Multiculturalismo as condições para convivência das minorias nesse mundo
plural, a partir do reconhecimento e do respeito às diferenças detectadas
nas pessoas e nos grupos, permitindo-lhes a fruição de direitos
humanos individuais e coletivos.
Entre essas minorias identifica-se o grupo das pessoas com
deficiência, discriminadas ou simplesmente eliminadas ao longo da
história humana, mas, a partir da Segunda Grande Guerra, reconhecidas
como sujeitos de direito passíveis de integração e inclusão social e
econômica por meio de ações afirmativas.
As ações afirmativas, em particular as voltadas para a inclusão,
no trabalho, das pessoas com deficiência, fazem parte das medidas
que visam à neutralização da discriminação imposta a essa coletividade
de pessoas. O princípio da igualdade substancial, no sentido de tratar
desigualmente os desiguais e dar aos que estão em situação inferior
condições de competir com os demais membros da sociedade, aliado
ao princípio da dignidade do homem, fundamentam tal desequiparação.
A Constituição brasileira de 1988 — para quem o valor social do
trabalho constitui um dos fundamentos da República — contempla os
dois referidos princípios e consagra, como objetivo, assegurar, também,
a justiça social, o não preconceito, a solidariedade e o pluralismo na
sociedade. Tal Carta contém disposições que determinam a proteção
especial coletiva para as pessoas com deficiência, visando a resgatá-las da situação de discriminação e a dar-lhes oportunidades para que
se insiram nessa sociedade no mesmo patamar da maioria sem
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deficiência. Consequentemente, a legislação ordinária regulamentar
alinhada no presente artigo é compatível com o texto constitucional,
particularmente as normas que preveem ações afirmativas exemplificadas
pelas cotas nos empregos e no serviço público civil destinadas às
pessoas com deficiência, apanhadas que foram pela vigência, no País,
da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, com força de Emenda Constitucional.
As disposições da Carta de 1988, reforçadas, em agosto de 2008,
pela Emenda Constitucional que abriga a citada Convenção, precisam,
no entanto, de incremento normativo e prático, que atinja a própria
mudança de mentalidade do povo e, efetivamente, venha a incluir, na
sociedade brasileira, a minoria de pessoas com deficiência, revertendo
o quadro discriminatório retratado nos próprios dados estatísticos governamentais, que apontam a situação de inferioridade social e econômica,
a partir da pouca participação no trabalho. Tais medidas, além das
cotas, devem abranger outras reconhecidas na referida Convenção,
notadamente a inclusão no ensino, a profissionalização, a acessibilidade
física à escola e aos demais bens da vida necessários à eliminação do
estado de inferioridade, a habilitação e a reabilitação para o trabalho.
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NOTAS SOBRE A IMPOSSIBILIDADE DE DEPOIMENTO
PESSOAL DE MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS
AÇÕES COLETIVAS
Ronaldo Lima dos Santos(*)
1. DEPOIMENTO PESSOAL E CONFISSÃO: O PRINCÍPIO DA
UTILIDADE
Consoante a doutrina processual predominante, consiste o depoimento pessoal no meio de prova requerido pela parte contrária com a
finalidade de obter ou provocar a confissão da parte ex adversa ou
esclarecer fatos discutidos na causa.(1) Trata-se de um meio de prova
ao qual se sujeitam as partes que depõem sobre os fatos vivenciados
por elas e relatados no processo. O depoimento pessoal é um meio de
prova; a confissão, ficta ou real, que eventualmente lhe suceda é a
prova em si, o seu produto.
Como meio de prova, o depoimento pessoal possui natureza
instrumental, isto é, submete-se, via de regra, mutatis mutandis, aos
mesmos requisitos e grau de possibilidade de admissão da própria
prova que com ele se deseja obter; por isso que referido meio probatório
não é admissível nas hipóteses em que o seu produto — a confissão
— não é permitida.
(*) Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho em São Paulo. Mestre e
Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP). Professor Universitário.
(1) Vem previsto no art. 343 do CPC: “Quando o juiz não o determinar de ofício, compete
a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência
de instrução e julgamento.” Na realidade, para o simples esclarecimento dos fatos da
causa o legislador processual previu a figura do interrogatório.
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Nesse diapasão, como meio de prova, o depoimento pessoal
poderá ser determinado somente quando seja “potencialmente útil” à
instrução do processo.(2) Pelo princípio da utilidade do depoimento
pessoal, a oitiva da parte não pode ser determinada quando não houver
possibilidade de o seu resultado se reverter em benefício da instrução
probatória, como nas hipóteses de inadmissão de confissão, existência
de prova mais eficaz no processo, prévia determinação legal da prova
(ex.: necessidade de escritura pública para certo ato), ou quando
requerido com intuito de constranger, diminuir ou vexar a parte contrária.
Entre outros dispositivos, o princípio da utilidade do depoimento
pessoal foi albergado pelo Código de Processo Civil, no art. 351, ao
dispor, in verbis: “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de
fatos relativos a direitos indisponíveis”.
Embora se possa objetar que a confissão não é da essência do
depoimento pessoal, é inegável, como bem elucidou Chiovenda, que
a confissão é intimamente vinculada à figura do depoimento da parte.(3)
Assim, como advertem Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,
“não há como estudar o depoimento pessoal sem necessárias referências (e constantes vinculações) entre este e a confissão. Também é
por este motivo que o Código de Processo Civil trata da confissão logo
após reger o depoimento da parte”.(4) Equivale a dizer, é a possibilidade
da confissão que concede utilidade ao depoimento pessoal, não
obstante, em raras situações, este favorecer a própria parte depoente,
que ratifica a sua tese em juízo, colaborando para a convicção do
julgador.
No sistema processual civil brasileiro, não é da essência do
depoimento pessoal o simples esclarecimento sobre os fatos da causa,
como apregoa parte da doutrina, uma vez que para esse desiderato o
legislador processual previu a figura do interrogatório, como veremos
a seguir, restando o depoimento pessoal essencialmente como meio
(2) SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. Apud CINTRA, Antonio Carlos de Araújo.
Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. IV,
p. 44.
(3) CHIOVENDA, Giuseppe. Apud MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Curso de processo civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2, p. 312.
(4) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. 6.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2, p. 312.
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de prova. Assim, pelo princípio da utilidade, o depoimento pessoal
somente é cabível nas hipóteses de admissibilidade da própria confissão, e como nossa legislação processual civil não admite a confissão
de fatos que versem sobre direitos indisponíveis (art. 351 do CPC),
uma vez constatada a presença destes, torna-se inadmissível o depoimento pessoal da parte.
Ressalte-se que não obstante a evolução do direito processual,
cujas grandes construções científicas foram elaboradas durante a denominada fase autonomista, que se seguiu ao imanentismo e precedeu ao
instrumentalismo atual, tão poucos institutos processuais guardam
íntima relação com o direito material quanto o depoimento pessoal,
pois este foi concebido fundamentalmente com base no conceito de
partes materiais e, consequentemente, de legitimados ordinários, com
vistas a inserir no processo elementos vivenciados diretamente por
estas partes. O conceito processual puro de parte, como apregoado
por Liebman, embora sirva como importante fator de instrumentalização
da relação jurídica processual, confronta-se com o resquício imanentista
do depoimento pessoal.
Como apontam Luiz Rodrigues Wambier et al., “Quem melhor
conhece os fatos que originaram a relação conflituosa são as pessoas
nela envolvidas, vale dizer, as partes”.(5) O pressuposto fundamental do
depoimento pessoal é a concepção de vivência e conhecimento direto
dos fatos diretamente pelo depoente. Diferentemente de outros
institutos processuais, a bilateralidade material da relação jurídica exerce
enorme influência sobre o grau de eficácia do depoimento pessoal.
Desse modo, quanto maior a desidentificação entre parte material
e parte processual (formal), menor a probabilidade de cabimento, a
utilidade e a eficácia do depoimento pessoal; contrario sensu, nas
situações de legitimação ordinária, maior será a sua eficácia. Assim,
esta vai diminuindo gradativamente (nas hipóteses de sucessão processual,
substituição processual individual, legitimação extraordinária, legitimação autônoma para o processo etc.) conforme a menor comunhão do
direito material pelo sujeito processual (parte processual), até encontrarmos as situações de total desidentificação entre o titular do direito material
e a parte processual (como nas ações coletivas) e, consequentemente, a
(5) WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso avançado de processo civil. 6. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 1, p. 453.
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inadmissibilidade ou ineficácia total de eventual depoimento pessoal
da parte (autora).
2. DEPOIMENTO PESSOAL E INTERROGATÓRIO
O Código de Processo Civil foi confuso ao tratar do interrogatório
e do depoimento pessoal (arts. 342 a 347), inclusive disciplinando-os
sob um mesmo título “Do Depoimento Pessoal”, o que enseja interpretações equivocadas.
Na estrutura delineada pelo CPC, o interrogatório figura concomitantemente como meio processual de oitiva da parte para esclarecimento de fatos relativos à causa e formação da convicção do juízo
(art. 342) e como conteúdo do próprio depoimento pessoal, isto é, como
sinônimo apenas de oitiva da parte (art. 343). Nesse último sentido
que afirma Humberto Theodoro Júnior: “Depoimento pessoal é o meio
de prova destinado a realizar o interrogatório da parte, no curso do
processo”.(6)
Embora possuam a mesma dinâmica estrutural, o depoimento
pessoal não se confunde com o interrogatório. O próprio Código de
Processo Civil trata diversamente de ambos os institutos, dispondo
sobre o interrogatório no art. 342(7), como forma de depoimento determinado ex officio pelo juiz, e referindo-se ao depoimento pessoal nos
arts. 343(8) e seguintes, como forma de oitiva da parte requerida pela
parte contrária, com vistas à obtenção de confissão.
O interrogatório tem como objetivo o esclarecimento de fatos
relativos à causa, não dependendo de requerimento da parte, podendo
ser determinado em qualquer fase ou estado do processo, tendo sido
utilizado inclusive para tentativa de conciliação. O depoimento pessoal,
por sua vez, constitui meio de prova, que tem por finalidade obter a
confissão, sendo produzido durante a audiência de instrução e julgamento,
(6) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 46. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. v. I, p. 481.
(7) “Art. 342. O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o
comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.”
(8) “Art. 343. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o
depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento.”
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mediante a cominação de pena de confesso. O depoimento pessoal é
de interesse da parte contrária, ao passo que o interrogatório é de
interesse do juiz, para formar a sua convicção. Embora não seja objetivo
do interrogatório, a parte interrogada poderá incorrer em confissão.(9)
O depoimento pessoal é produzido uma única vez durante a audiência
de instrução; já o interrogatório poder ser único ou múltiplo, considerando-se que a parte pode ser ouvida várias vezes em um único processo.(10)
Em se tratando de meio de prova e por ser de interesse da parte,
o depoimento pessoal deve ser normalmente requerido pela parte
interessada, restando o interrogatório, em virtude do princípio dispositivo, apenas para os casos excepcionais, especialmente os que envolvem interesse público.(11)
3. DEPOIMENTO PESSOAL DE MEMBRO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO
A indisponibilidade dos direitos transindividuais tutelados nas
ações coletivas torna incabível o instituto da confissão no âmbito destas
demandas, posto que aquela pressupõe a disponibilidade do direito,
tal como previsto no art. 351 do CPC e, por conseguinte, em virtude do
princípio da utilidade, inviabiliza a aplicação do depoimento pessoal
de membro do Ministério Público como meio de prova nestas ações.(12)
(9) GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2000. v. 2, p. 200-1.
(10) SANTOS, Moacyr Amaral. Apud MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 308.
(11) GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 201.
(12) Nesse sentido vêm decidindo os Tribunais Trabalhistas, como se verifica de trechos de acórdãos proferidos em ações civis públicas propostas pela Procuradoria
Regional do Trabalho da 3ª Região/MG: “Insurge-se o autor contra a aplicação da pena
em epígrafe, sustentando, em síntese, que o Ministério Público é titular do conteúdo
processual da lide, e não do direito material em litígio, sobre o qual não tem disponibilidade. Com razão. Não obstante o disposto no art. 81 do CPC, não se pode considerar que a
ausência do representante do Ministério Público do Trabalho em audiência de instrução
implique a confissão relativamente à matéria de fato. É que, nos termos do art. 351 do
CPC, aplicável ao Processo do Trabalho por força do disposto no art. 769 da CLT, “não
vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”.
Considerando que o Ministério Público tem como função primordial a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art.
127, caput, da Constituição Federal), não pode confessar sobre os fatos relativos à presente lide, já que estes são indisponíveis. Ante o exposto, dou provimento ao apelo do
autor, para afastar a pena de confissão aplicada na decisão de origem.” (TRT-3ª Região
— RO 00813.2002.017.03.005, Rel. José Eduardo Resende Chaves Júnior, DJMG
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Os interesses difusos e coletivos são materialmente marcados
pela indivisibilidade e pela indisponibilidade de seus objetos. Ambos
são insuscetíveis de destaque em cotas individuais. Desta indivisibilidade decorre que nenhum titular pode fruí-los na sua integridade,
bem como o gozo por um não impede ou impossibilita que outros os
fruam com a mesma intensidade. São interesses indisponíveis, pois,
por transcenderem o âmbito individual, são insuscetíveis a atos de
disposição. Os difusos porque seus titulares indeterminados encontram-se diluídos por toda a sociedade. Os coletivos porque constituem uma
síntese de interesses individuais, com configuração e conteúdos
jurídicos e materiais distintos destes últimos. São bens e valores que
pertencem à coletividade globalmente considerada (meio ambiente do
trabalho), à sociedade como um todo (tutela da criança e do adolescente, dos idosos, não discriminação) ou a toda a humanidade (patrimônio histórico, cultural, diversidade da fauna e da flora etc.). Constituem
valores-síntese da sociedade.
As notas da indivisibilidade e da indisponibilidade material estendem-se ao campo processual, obstando a realização de atos de
disposição de direito material pelos autores das ações coletivas. O
exercício de atos de disposição por qualquer ente legitimado corresponderia a uma verdadeira apropriação do bem metaindividual por um
ente privado, o que se revela completamente incompatível com a
natureza desses bens. Esta natureza que os torna insuscetíveis de
20.8.2004". “APLICAÇÃO DA CONFISSÃO FICTA. Pretende o recorrente seja o Sindicato-autor considerado confesso, pelo fato de somente ter comparecido à audiência de instrução
o seu advogado, embora com enorme atraso, a despeito do disposto na ata e na Súmula
n. 74/TST. Pede também a aplicação da aludida cominação ao 1º requerente, MPT, que
se recusou a depor sob o argumento de que está a defender direitos coletivos. De acordo
com o entendimento jurisprudencial consubstanciado na Súmula n. 74/TST, aplica-se a
confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer
à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor. Entretanto, na hipótese dos autos,
há litisconsórcio ativo e, versando a demanda sobre direitos indisponíveis e sendo os
fatos absolutamente comuns aos litisconsortes, a presença de um deles afasta a aplicação
dos efeitos decorrentes da ausência do outro, não havendo como considerar verdadeiros
os fatos diante de um, e não, em face do outro. Quanto à aplicação da confissão ao MPT,
é incabível, pois quando este é parte na ação, não pode confessar, não presta depoimento
pessoal e nem poderia ser de outra forma, mormente porque é titular, no caso vertente, do
conteúdo processual da lide, e não, do direito material em litígio, sobre o qual não tem
disponibilidade. Como bem pontuou a r. decisão recorrida, embora parte no processo, “o
MPT representa a sociedade, sendo inviabilizada a confissão, objetivo maior do depoimento
pessoal. Nada a prover.” (TRT 3ª Região, 5ª T., Processo 00434-2004-016-03-00-0 —
RO, Rel. Juiz Luiz Philippe V. de Mello Filho, Pub. 17.12.2005).
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apropriação individual, de transmissão por inter vivos ou mortis causa
e de renúncia ou transação.
Nada impede, mas a própria tutela do direito metaindividual aconselha, que a restrição sofra um temperamento para permitir-se uma
conciliação a respeito de acessórios da pretensão principal, como a
concessão de prazo para o saneamento imediato das irregularidades
apontadas, ou o pagamento de perdas e danos ou o cumprimento de
obrigação alternativa quando já exaurido o bem coletivo, entre outras
situações, mas tal circunstância não se confunde com disposição de
direitos.
Quanto aos direitos individuais homogêneos, embora sejam
individualmente disponíveis, ao serem tutelados de forma coletiva, eles
se tornam processualmente indisponíveis — ao menos durante a fase
de conhecimento, já que na execução há a identificação dos titulares
individuais —, obstando portanto o exercício de atos de disposição de
direitos, como a renúncia e a transação, posto que o ente legitimado
atua em nome próprio, na defesa de direito alheio, não configurando
titular da pretensão material deduzida em juízo; não sendo proprietário
desses interesses, não pode efetuar atos que impliquem sua disposição
ou alienação. Aplica-se, in casu, o art. 213 do Código Civil que dispõe,
in verbis: “Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é
capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados”.(13)
(13) Há uma dificuldade doutrinária de compreensão da natureza jurídica da legitimidade
da atividade dos entes legitimados às ações coletivas à luz dos institutos, princípios e
regras próprios do denominado microssistema das ações coletivas, cujo núcleo normativo
é formado pela Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e pelo Código de Defesa do
Consumidor (Lei n. 8.078/90). Independentemente da denominação — legitimação
extraordinária, substituição processual, legitimidade autônoma para o processo etc. — no
âmbito das ações coletivas a atuação do ente legitimado (autor ideológico) é desvinculada
de qualquer pretensão material própria (o que não ocorre nas hipóteses de substituição
processual do processo individual onde sempre há uma comunhão de interesses materiais
entre o substituto e o substituído). Assim, na realidade, a indisponibilidade material
ou processual dos direitos tutelados em sede das ações coletivas, torna inadmissível
e/ou ineficaz eventual depoimento pessoal do autor coletivo, independentemente da
natureza do direito tutelado em juízo e do seu grau de disponibilidade. Poucos notaram
essa característica da jurisdição coletiva. Entre estes Eduardo Henrique Raymundo Von
Adamovich tangenciou a essência da questão, ao assinalar, in verbis: “A confissão direta
em juízo ou mesmo a extrajudicial escrita só se hão de conceber pelos representantes
legitimados — e não pelo Ministério Público — sobre fatos que se refiram a direitos que se
inscrevam no plano da autonomia negocial coletiva, não se admitindo confissão de fatos
pertinentes a direitos puramente individuais nem daqueles que versem sobre direitos
indisponíveis.” (ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil
pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 418).
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Se a indisponibilidade do direito tutelado, per si, torna
inadimissível a tomada de depoimento pessoal de membro do Ministério
Público, outras características dessa instituição ou especificidades da
sua atuação inviabilizam a aplicação deste meio de prova ao Parquet.
De fato, o Ministério Público constitui sujeito especial de todo e
qualquer processo em que atua, seja como custos legis ou como parte
formal, uma vez que a razão que justifica e determina a instituição do
Ministério Público encontra-se na tutela dos interesses públicos primários da sociedade, aparecendo como um tertium genus entre o juiz e o
conceito clássico de parte, já que os interesses por ele tutelados não
se identificam com todos os interesses do litígio.(14)
Ao agir, o Ministério Público não atua na defesa de direito próprio,
mas na tutela da sociedade e das coletividades, na condição de substituto processual ou de legitimado autônomo para o processo, fazendo-se ausente a bilateralidade material que justificasse a tomada de
depoimento pessoal de membro do Parquet.
Nesse sentido é a jurisprudência dos Tribunais:
“DEPOIMENTO PESSOAL DE REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. Constituindo-se o depoimento pessoal como meio de prova
que objetiva obter a confissão, espontânea ou provocada, da parte
contrária, inviável se mostra deferir pretensão em obter o depoimento
pessoal do representante do Ministério Público, que atua na defesa dos
interesses da sociedade, não podendo emitir conceitos próprios nem
transigir acerca dos direitos tutelados.” (TJRS-AI- n. 70007613417-18ª
C.Cível — Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, J. 24.6.2004).
“Agravo de instrumento. Assistência judiciária gratuita. Prova testemunhal. Desnecessidade. Promotora de justiça. Depoimento. Impossibilidade. I — À luz do princípio do amplo acesso à Justiça, a assistência
judiciária pode ser pedida diretamente em agravo, todavia, nessa
hipótese, limitando-se os benefícios tão somente ao recurso. II —
Versando o agravo sobre vício formal — coação — supostamente
ocorrida quando da assinatura do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, desnecessária a oitiva de testemunhas, se, conforme
alegado pela própria agravante, ninguém presenciou o firmamento do
mesmo. III — Impossível o depoimento pessoal da Promotora de Justiça,
(14) CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins
Oliveira. 2. ed. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004. v. II, p. 80.
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visto que o Ministério Público atua como substituto processual, na defesa
de interesses de toda a sociedade, representando esta, não podendo
transigir acerca dos direitos discutidos.” (TRRS — 2ª C. Cível — AI — n.
70000230953 Rel. Des. Arno Werlang, J. 3.5.2000).
O Ministério Público, quando atua em juízo, não exerce um direito
de ação, mas cumpre um dever de agir, o que reflete a sua natureza
sui generis, como bem refletem as palavras de Francesco Carnelutti,
ao se referir à tutela de interesses públicos pelo Parquet: “Exatamente
porque são públicos, porquanto, uti civis, também o Ministério Público
participa neles, mas o estímulo dos mesmos não se considera suficiente
para garantir a eficácia da situação, pelo que esta, em lugar de um
direito, é para o Ministério Público objeto de dever (infra, n. 262 e segs.).
Por isso, se bem que do ponto de vista do que faz, o Ministério Público
aproxima-se da parte e se contrapõe ao juiz, aproxima-se, pelo contrário, do juiz e se contrapõe à parte, sob o aspecto de porque atua, posto
que, da mesma forma que o juiz, o Ministério Público não tem no
processo um direito que exercitar, e sim um dever que cumprir”.(15)
Como ressalta Hugo Nigro Mazzilli, “Para o Ministério Público, há
antes um dever de agir que direito. Por isso é que se afirma a obrigatoriedade e a consequente indisponibilidade da ação pelo Ministério
Público”.(16) Esse dever de agir é igualmente ressaltado por Francisco
Antonio de Oliveira: “Em se tratando do Ministério Público, existe um
dever de agir e não um direito de agir, uma vez que enfeixa a qualidade
de legitimação ativa para propor a ação e de custos legis”.(17)
Diferentemente até mesmo dos demais autores ideológicos igualmente legitimados para a tutela de interesses transindividuais, o
Parquet, ao propor qualquer demanda, cumpre uma missão constitucional, um poder-dever, não um direito de ação, de forma que jamais se
iguala àqueles que exercem um direito de agir, inclusive no que se
refere à prestação de depoimento pessoal, típico ato de parte materialmente interessada no litígio, que integra sponte propria, assumindo,
previamente, os riscos do seu depoimento pessoal. O Ministério Público
(15) CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins
Oliveira. 2. ed. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004. v. II, p. 80-81.
(16) MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007. p. 84.
(17) OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Ação civil pública: enfoques trabalhistas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 109.
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ao agir, o faz sempre no cumprimento de um dever, de uma missão
constitucional, na tutela do interesse alheio (da sociedade, de coletividade, de incapazes etc.) que lhe foi confiado, deles jamais podendo
dispor, ainda que sejam materialmente disponíveis por seus titulares.
Na verdade, pela natureza sui generis do Ministério Público e da
sua atuação, a denotação de parte, mesmo que neologizada ou
eufemizada, com expressões como parte formal, parte especial, parte
imparcial e outras, mantém os equívocos cometidos na interpretação
da atuação do Ministério Público, como a pretensão de depoimento
pessoal de membro do Parquet. Esse aspecto não passou despercebido por Francesco Carnelutti: “A função do Ministério Público, portanto,
pode se condensar em fórmula que se presta ao equívoco, mas que,
apesar disso, serve para gravar a dificuldade do órgão judicial: O
Ministério Público é uma parte imparcial. O contraste se apresenta,
pois entre a função e a estrutura do órgão: o Ministério Público oferece
o aspecto de um ser ambíguo entre a parte e o juiz: opera como aquela,
mas está constituído como este”.(18)
Nesse mesmo sentido, posiciona-se Elio Fazzalari que, após
esclarecer que a capacidade de agir do juiz é absolvida na investidura
do cargo, isto é, pelo fato de ele ser admitido na ordem judiciária, assinala que “O mesmo vale para o Ministério Público, mesmo se ele atua
como ‘parte’: trata-se sempre de órgão do Estado”.(19)
Nestes termos pronuncia-se Hugo Nigro Mazzilli: “Diz a lei que,
exercitando a ação pública, ao Ministério Público cabem os mesmos
poderes e ônus que às partes (CPC, art. 81). Essa assertiva feita pela
lei deve ser entendida em termos, pois os membros do Ministério
Público não prestam depoimento pessoal, não podem dispor, não
(18) CARNELUTTI, Francesco. Op. cit., p.81.
(19) FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. p. 363-4. Esta dificuldade de enquadramento da atuação do
Ministério Público é sentida na estrutura do atual Código de Processo Civil, que concede tratamento diferenciado à instituição do Parquet, ora equiparando-a às partes, ora
conferindo-lhe tratamento sui generis, distinto das partes, mas jamais colocando-a como
parte. Nesse sentido, o Ministério Público vem especialmente tratado no Título III (Do
Ministério Público) e não no Título II (Das partes e dos Procuradores), ambos os títulos
são componentes do Livro I do Código de Processo Civil. Sensível à notória influência
da doutrina italiana, o legislador processual foi enfático ao conceder tratamento de
órgão ao Ministério Público, mesmo nas demandas em que atua como órgão agente,
situação esta expressamente retratada no art. 81 do CPC, o qual equipara, quanto aos
poderes e ônus, às partes.
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podem confessar nem fazer o reconhecimento jurídico do pedido; não
adiantam despesas, que serão pagas a final pelo vencido; não se
sujeitam aos mesmos prazos para contestar e recorrer, gozando antes,
de prazos dilatados para isso; não recebem nem são condenados em
custas ou honorários advocatícios. Igualmente, nas ações movidas
pela instituição, seus membros não se sujeitam à reconvenção, pois
não haveria conexidade entre ação e reconvenção, que, sobretudo,
sequer teriam as mesmas partes. E quando sucumbe, o Ministério
Público não responsabiliza a si próprio, mas sim ao Estado, de que é
órgão”.(20)
É da essência da condição de órgão a impessoalidade da atuação
dos membros do Parquet, que se apresenta no processo como órgão
único, não obstante a possibilidade de atuação, simultânea, conjunta
ou sucessiva, de diversos membros na mesma relação jurídica processual. Trata-se do fenômeno da internalização processual do princípio
da unidade do Ministério Público. Pode, inclusive, haver a atuação
litisconsorcial de órgãos de Ministérios Públicos diversos (art. 5º, § 5º,
Lei n. 7.347/85).
De fato, o Ministério Público é regido pelos princípios da indivisibilidade, unidade e independência funcional (art. 127, § 1º, da CF/88),
de forma que as demandas propostas pelo Parquet são plenamente
despersonalizadas, isto é, não se vinculam a um determinado Procurador
ou Promotor, que pode ser substituído ou sucedido nas ações coletivas
(como nas hipóteses de promoção, remoção para outra localidade,
mudança de coordenadoria, falecimento etc.), observadas as normas
legais e os princípios pertinentes à carreira, sem que tal circunstância
acarrete a perda de identidade do Ministério Público no polo ativo da
demanda. Desse modo, além de não fazer parte da relação jurídica
material deduzida em juízo, o membro do Ministério Público pode inclusive não ter participado da investigação que deu origem à demanda.
Além da disponibilidade dos direitos tutelados, eventual depoimento pessoal de membro do Ministério Público, além de inadmissível,
seria completamente despiciendo uma vez que o Parquet não vivencia
os fatos trazidos a juízo, sendo todas as informações adquiridas de
terceiros ou da própria parte contrária e coligidas aos autos do inquérito
(20) MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 80-81.
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civil público, cujos elementos probatórios instruem a propositura da
demanda coletiva.
Como aponta Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich: “O
Ministério Público, enquanto defensor constitucional dos direitos
transindividuais, sobretudo os indisponíveis, não parece estar sujeito
ao ônus de prestar depoimento pessoal. Quando é autor de ação civil
pública, fá-lo de acordo com a teoria de cunho objetivo, no desempenho
direito de função institucional, não é sequer representante dos titulares
dos direitos em litígio. É parte no sentido processual, mas não no sentido
material, uma vez que não participa diretamente dos fatos do litígio, não
tendo, portanto, esclarecimentos do seu exclusivo conhecimento a prestar
ao juiz sobre os fatos do mesmo litígio, que conhece apenas por meio
de peças em que se amparou para a propositura da demanda”.(21)
Essa nota da despersonalização encontra-se nas diversas leis
processuais (ex. art. 85 do CPC (22)) que, tal como indicado por
Francesco Carnelutti, referem-se expressamente à atuação do “órgão”
do Ministério Público em juízo (e não a membro), estando em consonância, v. g., com o art. 85 da LC n. 75/93 que dispõe serem “órgãos”
do Ministério Público do Trabalho, entre outros, o Procurador-Geral do
Trabalho, os Subprocuradores-Gerais do Trabalho, os Procuradores
Regionais do Trabalho e os Procuradores do Trabalho. O vocábulo
órgão (do latim organum) originariamente expressa tudo aquilo que
possa servir de meio à execução de algo; o instrumento ao qual se
comete o desempenho de uma função determinada. No Direito adquire
também a significação técnica de instituição legalmente organizada,
encarregada de colocar em função uma determinada ordem de
serviços.(23)
Como órgão, na condição de custos legis ou de parte, o Ministério
Público atua instrumentalmente na defesa de interesse público, indisponível ou transindividual que não lhe é próprio, de forma que não pode
(21) ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no
processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 418.
(22) “Art. 85. O órgão do Ministério Público será civilmente responsável quando, no
exercício de suas funções, proceder com dolo ou má-fé.” Distingue-se neste dispositivo
a responsabilidade civil por atos cometidos por dolo ou fraude, da atuação processual
despersonalizada do órgão.
(23) SILVA, Oscar José de Plácido e. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2001. p. 578.
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praticar atos de disposição, confessar e prestar depoimento pessoal.
A despersonalização da sua atuação é corolário da própria despersonalização dos interesses públicos primários tutelados em juízo ou
da atuação na condição de substituto processual de titulares de determinados direitos tutelados pelo Parquet em juízo.
A atuação do membro do Ministério Público equivale à presença
orgânica de toda a instituição, observadas as regras da unidade e da
indivisibilidade, nada impedindo também que no mesmo processo atuem
simultaneamente, mas de forma harmônica e integrada, diversos membros do Ministério Público(24), não havendo disponibilidade do direito por
qualquer membro do Parquet. Assim, como o Magistrado, o órgão do
Ministério Público, em virtude do princípio da unidade, toma conhecimento
dos fatos quando já proposta a ação coletiva, nas hipóteses de atuação
harmônica integrada ou sucessiva de membros do Parquet.
Como asseveram Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery,
para quem “Em obediência ao princípio constitucional da isonomia (CF,
art. 5º, caput) a norma estabelece a igualdade de poderes e deveres
do MP, quando autor da ACP ou réu em qualquer ação judicial,
relativamente às partes. Há, no entanto, algumas mitigações desse
princípio porque o MP parte não pode confessar, não presta depoimento
pessoal, não adianta custas ou despesas nem é condenado em honorários e despesas processuais, quando vencido na ação”.(25)
4. CONCLUSÕES
O Ministério Público é “instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”
(art. 127 da CF/88), que exerce um dever de agir em juízo (e não um
direito de ação) na tutela de interesses relevantes que lhe foram
confiados em consonância com a sua missão constitucional, o que
concede a condição de sujeito especial do processo. Como sujeito
especial e parte formal do processo e diante da indisponibilidade dos
interesses tutelados, os quais não admitem confissão (art. 351 do CPC),
(24) MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 359.
(25) NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil
comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 524.
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é inadmissível o depoimento pessoal de membro do Ministério Público
nas ações em que oficie como parte ou como custos legis. O membro do
Ministério Público não participa da relação material subjacente ao objeto
litigioso, tendo conhecimento dos fatos a partir de elementos alheios à
sua pessoa, durante a instrução de inquérito civil público. Ademais, em
virtude dos princípios da unidade e da indivisibilidade (art. 127, § 1º,
CF/88), o órgão do Ministério Público atua de forma despersonalizada,
não se vinculando pessoalmente à relação jurídica processual ou à
investigação que deu origem à eventual demanda judicial.
5. BIBLIOGRAFIA CITADA
ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública
no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005.
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar
Martins Oliveira. 2. ed. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004. v. 2.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Comentários ao código de processo civil.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 4.
FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Trad. Elaine Nassif.
Campinas: Bookseller, 2006.
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 14. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. v. 2.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil.
6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 2.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil
comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Ação civil pública: enfoques trabalhistas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
SILVA, Oscar José de Plácido e. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2001.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 46. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2007. v. 1.
WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso avançado de processo civil. 6. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 1.
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LIMITES DA JORNADA
EXTRAORDINÁRIA HABITUAL
Júlio César Lopes(*)
Os limites da jornada de trabalho, constitucionalmente assegurados, decorrem do direito à saúde, à dignidade e à vida do trabalhador.
E o direito à saúde(1), à dignidade e à vida, como direitos fundamentais,
elevados a cláusula pétrea, devem ser assegurados imediatamente —
art. 5º, § 1º, da Constituição da República —, não podendo ser restringidos e tão pouco necessitando de norma regulamentar posterior para
ser aplicável.
RESUMO: A desconsideração dos limites da jornada de trabalho,
em confronto com o direito positivado na Consolidação das Leis
do Trabalho e especialmente na Constituição da República, tem
sido objeto de ponderações e críticas. São objetos do presente
estudo os aspectos constitucionais e infraconstitucionais da limitação da jornada de trabalho, as possibilidades à limitação e, por
fim, os reflexos da extrapolação da jornada de forma habitual frente
à saúde e à dignidade do trabalhador.
PALAVRAS-CHAVE: Jornada de Trabalho; Limitação; Direito
Fundamental.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu art. 4º, traça
o seguinte norte sobre jornada de trabalho: “Considera-se como de
serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do
(*) Assessor Jurídico do Ministério Público do Trabalho — Ofício de Criciúma, Santa
Catarina — Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho.
(1) Direito à saúde é direito de segunda dimensão, direito positivo em face do Estado,
diferente da primeira dimensão que exige um não agir do Estado.
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empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição
especial expressamente consignada”.
Jornada de trabalho, conforme Delgado (2007. p. 832):
“[...] é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à
disposição do empregador em virtude do respectivo contrato. É,
desse modo, a medida principal do tempo diário de disponibilidade
do obreiro em face de seu empregador como resultado do cumprimento do contrato de trabalho que os vincula.”
Importante fixar que a jornada de trabalho é o tempo em que o
trabalhador deve prestar serviços ou permanecer à disposição do
empregador.
Por seu turno, este período ou lapso de disposição tem seus
limites previstos na Constituição da República, sendo no máximo 8
horas diárias ou 44 horas semanais, conforme o art. 7º, inciso XIII, da
CF: “[...] duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de
trabalho”.
Cabe assinalar que esta limitação constitucional da jornada não
é inflexível, de sorte que, em situações excepcionais, poderá exceder
os limites estabelecidos.
1. JORNADA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIA
É imperioso destacar, antes de outras considerações, que a
palavra jornada, conforme Barros (2006. p. 631), significa “o período,
durante um dia, em que o empregado permanece à disposição do
empregador”, de forma que a pronúncia jornada semanal ou jornada
mensal entende-se como incorreta, e jornada diária caracteriza-se como
pleonasmo.
De outro lado, o termo extraordinário, conforme o Dicionário
Aurélio Eletrônico — século XXI, significa:
“[...] Não ordinário; fora do comum; excepcional, anormal [...] Raro,
singular, notável [...] Esquisito, extravagante; esdrúxulo [...]
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Admirável, espantoso [...] Que só ocorre em dadas circunstâncias;
não rotineiro; imprevisto [...] Encarregado de tarefa ou missão
especial [...] Aquilo que não se faz habitualmente [...] Acontecimento fora do comum, imprevisto ou inesperado.
Consoante relatado, portanto, que a jornada extraordinária —
como o próprio nome sugere — é a jornada não ordinária, fora do
comum, aquela que ultrapassa a jornada normal fixada por lei. É,
portanto, a atividade laboral que ultrapassa a jornada diária de trabalho,
é a extrapolação da jornada.
2. LIMITES DA JORNADA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIA NA
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
O art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho prevê que a
duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito
entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de
trabalho.
Por outro lado, o art. 61 da CLT autoriza a jornada a exceder o
limite legal nas seguintes hipóteses:
“Art. 61 — Ocorrendo necessidade imperiosa, poderá a duração do
trabalho exceder do limite legal ou convencionado, seja para fazer face
a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de
serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo
manifesto.
§ 1º O excesso, nos casos deste artigo, poderá ser exigido independentemente de acordo ou contrato coletivo e deverá ser comunicado, dentro
de 10 (dez) dias, à autoridade competente em matéria de trabalho, ou,
antes desse prazo, justificado no momento da fiscalização sem prejuízo
dessa comunicação.
§ 2º Nos casos de excesso de horário por motivo de força maior, a
remuneração da hora excedente não será inferior à da hora normal. Nos
demais casos de excesso previstos neste artigo, a remuneração será,
pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) superior à da hora normal(2), e
(2) A Constituição Federal de 1988 passou para 50%.
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o trabalho não poderá exceder de 12 (doze) horas, desde que a lei não
fixe expressamente outro limite.
§ 3º Sempre que ocorrer interrupção do trabalho, resultante de causas
acidentais, ou de força maior, que determinem a impossibilidade de sua
realização, a duração do trabalho poderá ser prorrogada pelo tempo
necessário até o máximo de 2 (duas) horas, durante o número de dias
indispensáveis à recuperação do tempo perdido, desde que não exceda
de 10 (dez) horas diárias, em período não superior a 45 (quarenta e
cinco) dias por ano, sujeita essa recuperação à prévia autorização da
autoridade competente.” (grifo nosso)
Por conseguinte, o art. 501 da CLT define que “entende-se por
força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do
empregador, e para realização do qual este não concorreu, direta ou
indiretamente”.
Com base no § 3º do art. 61 da CLT, na hipótese de interrupção
do serviço por motivo de força maior e serviços inadiáveis, a duração
do trabalho poderá ser acrescida de 2 horas diárias, desde que não
exceda a 10 horas e pelo tempo necessário à recuperação do tempo
perdido, com autorização do Ministério do Trabalho. Consoante aos
serviços inadiáveis ou cuja inexecução cause grave prejuízo manifesto,
caracterizam-se pela impossibilidade de serem paralisados numa
jornada e retomados no dia seguinte.
3. LIMITES DA JORNADA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIA NA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Os limites da jornada de trabalho extraordinária na Constituição
da República encontram-se expressos no art. 7º, inciso XIII, que aduz
“[...] duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de
trabalho”. Insta observar que a Constituição fala somente em compensação ou redução, não se referindo a aumento de jornada.
Por sua vez, o art. 7º, inciso XVI, expressa que: “[...] São direitos
dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social: [...] remuneração do serviço extraordinário
superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal”.
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Vê-se, desse ângulo, que a própria Constituição limitou a jornada
de trabalho, primeiro, estabelecendo a jornada em oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais e, posteriormente, estabelecendo a remuneração mínima na hipótese excepcional de serviço extraordinário, não
para qualquer hipótese de jornada extraordinária, como adotado pela
maioria, mas tão somente para os casos que realmente justificam a
extrapolação da mesma, conforme já visto anteriormente no art. 61 da
CLT.
4. JORNADA EXTRAORDINÁRIA HABITUAL
É por demais sabido, que muitas categorias de trabalhadores são
submetidas à jornada extraordinária habitual e diária. Vale referir, por
extremamente pertinente, o expressivo número de súmulas do TST
que dispõem a respeito, o que demonstra o conhecimento oficial pelo
Tribunal Superior do Trabalho da precarização e uso abusivo da jornada
excessiva.
Como anotado, citam-se as Súmulas ns. 24, 45, 85, 113, 115,
172, 291, 347 e 376(3) que, de modo geral, apresentam os reflexos
(3) Súmula n. 24 do TST — SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO (mantida) — Res. n. 121/03,
DJ 19, 20 e 21.11.2003 — Insere-se no cálculo da indenização por antiguidade o salário
relativo a serviço extraordinário, desde que habitualmente prestado.
Súmula n. 45 do TST — SERVIÇO SUPLEMENTAR (mantida) — Res. n. 121/03, DJ
19, 20 e 21.11.2003 — A remuneração do serviço suplementar, habitualmente prestado, integra o cálculo da gratificação natalina prevista na Lei n. 4.090, de 13.7.1962.
Súmula n. 85 do TST — COMPENSAÇÃO DE JORNADA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais ns. 182, 220 e 223 da SBDI-1) — Res. n. 129/05, DJ 20, 22 e
25.4.2005 — [...] IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de
compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas
à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário.
Súmula n. 113 do TST — BANCÁRIO. SÁBADO. DIA ÚTIL (mantida) — Res. n. 121/03,
DJ 19, 20 e 21.11.2003 — O sábado do bancário é dia útil não trabalhado, não dia de
repouso remunerado. Não cabe a repercussão do pagamento de horas extras habituais em sua remuneração.
Súmula n. 115 do TST — HORAS EXTRAS. GRATIFICAÇÕES SEMESTRAIS (nova
redação) — Res. n. 121/03, DJ 19, 20 e 21.11.2003 — O valor das horas extras habituais
integra a remuneração do trabalhador para o cálculo das gratificações semestrais.
Súmula n. 172 do TST — REPOUSO REMUNERADO. HORAS EXTRAS. CÁLCULO
(mantida) — Res. n. 121/03, DJ 19, 20 e 21.11.2003 — Computam-se no cálculo do
repouso remunerado as horas extras habitualmente prestadas. (ex-Prejulgado n. 52).
Súmula n. 291 do TST — HORAS EXTRAS (mantida) — Res. n. 121/03, DJ 19, 20 e
21.11.2003 — A supressão, pelo empregador, do serviço suplementar prestado com
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advindos dos casos de horas extras habituais, explicitando que refletem
em face de hipóteses de indenização por antiguidade, sobrepõem sobre
acordo de compensação de jornada e, repercutem, entre outros, no
13º salário, repouso remunerado e gratificações semestrais.
Sobre o assunto, calha invocar o testemunho intelectual do
Ministro do TST, Vantuil Abdala (2003. p. 2), que entende que se deveria
banir com o uso permanente da jornada extraordinária, por representar
desequilíbrio no mercado de trabalho, acidentes laborais e prejuízos
ao Estado, criticando, ainda, o desrespeito à regra da jornada de 8
(oito) horas.
Extremamente oportunas, sob tal aspecto, as observações feitas
no acórdão relatado por Manzi (2007. p. 17) do Tribunal Regional do
Trabalho de Santa Catarina — TRT-SC:
“[...] certo é que, por força da ordem pública que rege o controle das
jornadas de trabalho, não se admite que a manutenção da atividade
econômica seja viabilizada mediante tornar precárias as condições de
trabalho, mormente, quando se quer atingir uma conquista histórica da
classe trabalhadora, que avança em seu favor desde a Revolução
Industrial ocorrida no século XVIII.
Este é um discurso bastante corrente, nos dias de hoje. Em nome de um
pretenso aumento nos postos de trabalho, sustenta-se a precarização
das mesmas condições e do próprio emprego, quando, a experiência
europeia, principalmente espanhola, indica o caminho inverso. Aliás,
habitualidade, durante pelo menos 1 (um) ano, assegura ao empregado o direito à
indenização correspondente ao valor de 1 (um) mês das horas suprimidas para cada
ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada
normal. O cálculo observará a média das horas suplementares efetivamente trabalhadas
nos últimos 12 (doze) meses, multiplicada pelo valor da hora extra do dia da supressão.
Súmula n. 347 do TST — HORAS EXTRAS HABITUAIS. APURAÇÃO. MÉDIA FÍSICA
(mantida) — Res. n. 121/03, DJ 19, 20 e 21.11.2003 — O cálculo do valor das horas
extras habituais, para efeito de reflexos em verbas trabalhistas, observará o número de
horas efetivamente prestadas e a ele aplica-se o valor do salário-hora da época do
pagamento daquelas verbas.
Súmula n. 376 do TST — HORAS EXTRAS. LIMITAÇÃO. ART. 59 DA CLT. REFLEXOS
(conversão das Orientações Jurisprudenciais ns. 89 e 117 da SBDI-1) — Res. n. 129/05,
DJ 20, 22 e 25.4.2005 — I — A limitação legal da jornada suplementar a duas horas
diárias não exime o empregador de pagar todas as horas trabalhadas. (ex-OJ n. 117 da
SBDI-1 — inserida em 20.11.1997); II — O valor das horas extras habitualmente prestadas integra o cálculo dos haveres trabalhistas, independentemente da limitação prevista no caput do art. 59 da CLT. (ex-OJ n. 89 da SBDI-1 — inserida em 28.4.1997)
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quanto mais se autoriza a livre pactuação de horas, compensação etc.,
se está, na realidade, reduzindo o número de postos de trabalho. (grifo
nosso)
[...] Nessa toada, no que tange à duração da prestação de serviço, as
pequenas variações toleradas pelo ordenamento jurídico são apenas
aquelas cogitadas no § 1º do art. 58 da CLT, e nada mais. E o reconhecimento de validade das condições pactuadas em acordos coletivos
de trabalho — e, em consequência, o respeito aos aludidos instrumentos,
mesmo que firmados por meio de concessões mútuas — depende de
terem ou não sido desprezadas as normas relativas a essa matéria,
citada por Mauricio Godinho Delgado como integrante do patamar mínimo
civilizatório que impõe limite ao princípio da adequação setorial negociada
que informa o direito coletivo do trabalho. (grifo do autor)
Isso porque a proteção do trabalhador em relação ao aumento de sua
jornada visa a resguardar, dentre outros efeitos, sua saúde e segurança
— esta no ambiente de trabalho — direitos sociais relacionados no art.
6º da Constituição Federal dotados de eficácia imediata horizontal em
dimensão objetiva capaz de obstar seja reconhecido lícito sonegá-los
nas relações mantidas entre particulares.” (grifo nosso)
No entendimento de Nascimento (1992. p. 259): “As horas extras
só devem ser admitidas nos casos em que há necessidade imperiosa
da empresa, quer para a conclusão de serviços inadiáveis, quer para a
execução de serviços que não sendo efetivados podem prejudicá-la”.
Veja-se que o não ordinário e excepcional a muito vêm se incorporando, ganhando força, de forma que uma exceção estabelecida
num Decreto-lei de 1943 — Consolidação das Leis do Trabalho —
recepcionada como Lei Ordinária, tem sido aceito quase como regra,
como normal e não uma exceção propriamente dita.
5. JORNADA EXTRAORDINÁRIA HABITUAL X SAÚDE DO
TRABALHADOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Destaca-se, inicialmente, que a regra geral da jornada de trabalho
é não ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais,
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pois se assim não fosse, a CF teria previsto uma jornada de 10 horas
com as duas últimas horas facultativas. Porém, a regra virou exceção.
A jornada extraordinária, em alguns seguimentos, tornou-se permanente, com ofensa a princípios do direito do trabalho e preceitos
constitucionais, e o que é pior, com ônus à saúde do trabalhador.
Por oportuno, Cesarino Jr. (1970. p. 291), numa reflexão profunda,
pondera que:
“Na organização corporativa medieval a jornada de trabalho
durava de sol a sol. O predomínio do liberalismo fez conhecer os
abusos de dias de trabalho de 15, 17 e até 18 horas de trabalho,
mal restando ao operário tempo para dormir e comer suficientemente [...] com a Revolução Francesa de 1848, a duração diária
do trabalho foi reduzida em Paris a 10 horas e nas províncias a 11
horas. [...] [...] Na sua memorável Rerum Novarum, afirmou Leão
XIII: ‘o direito ao descanso de cada dia, assim como a cessação
do trabalho no dia do Senhor, deve ser a condição expressa ou
tácita de todo o contrato feito entre patrões e operários. Onde
esta condição não entrar, o contrato não será probo, pois ninguém
pode exigir ou prometer a violação dos deveres do homem para
com Deus e para consigo mesmo’.” (grifo nosso)
Conforme Saad (2007. p. 147-148):
“A fixação da jornada normal obedeceu a um critério fisiológico
calcado na convicção de que trabalhar mais de 8 horas por dia e
por todo o tempo é prejudicial à saúde.
Nesta linha de raciocínio é condenável a prática imperante em
amplos setores empresariais de o trabalhador e o empregador
firmarem acordo para prestação permanente de trabalho extraordinário, ainda que inexistentes situações excepcionais e temporárias.” (grifo nosso)
Fixadas essas premissas, forçoso é admitir a permanência da
jornada extraordinária nos moldes atuais aplicando-se o art. 59 da CLT
— anterior à CF —, ou seja, prolongando a jornada por intermédio de
contrato sem conjugar com o art. 61 da CLT e o art. 7º, XIII, da CF —
situações excepcionais — ou até mesmo aceitar sua recepção.
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5.1. Indisponibilidade da ampliação da jornada via acordo ou
convenção coletiva
A saúde do trabalhador como direito fundamental está prevista,
entre outros, nos seguintes dispositivos da CF:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[...] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXII — redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança;
[...] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: [...] II — cuidar da saúde e assistência pública,
da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
[...] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou
jurídica de direito privado.” (grifo nosso)
Diante da ampla previsão constitucional, destacando a saúde
como direito fundamental, não se pode considerar como válida cláusula
de acordo ou convenção coletiva de trabalho que disponha da saúde
do trabalhador — direito fundamental integrante da dignidade do trabalhador —, pois afronta normas de ordem pública que não estão sujeitas
à negociação coletiva, por serem direito indisponível do trabalhador.
No sentido de que o direito fundamental à saúde é indisponível,
devendo ser interpretado sempre com vistas à Lei Maior, foi aprovado
o Enunciado n. 1 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na
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Justiça do Trabalho da Associação Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho — ANAMATRA (2007. p. 1):
“Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de
maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar
as relações sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular
do direito fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio
da dignidade da pessoa humana.” (grifo nosso)
Reforçando esse entendimento, ainda que sem efeito obrigatório,
mas como sinalizador do entendimento da magistratura trabalhista
brasileira, segue o Enunciado n. 9, publicado pela ANAMATRA (2007,
p. 3), nos seguinte termos:
“I — FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. Impossibilidade de
desregulamentação dos direitos sociais fundamentais, por se tratar de
normas contidas na cláusula de intangibilidade prevista no art. 60, § 4º,
inc. IV, da Constituição da República.
II — DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIOS. EFICÁCIA. A negociação
coletiva que reduz garantias dos trabalhadores asseguradas em normas
constitucionais e legais ofende princípios do Direito do Trabalho. A quebra
da hierarquia das fontes é válida na hipótese de o instrumento inferior
ser mais vantajoso para o trabalhador.” (grifo nosso)
Em outras palavras, nenhum interesse de classe ou particular
deve prevalecer sobre o interesse público, conforme o art. 8º da CLT.
Corroborando, preceitua o art. 468 da CLT que:
“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não
resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de
nulidade da cláusula infringente desta garantia.” (grifo nosso)
Outro ponto digno de nota foi a introdução da jornada de trabalho
parcial prevista no art. 58-A da CLT: “aquele cuja duração não exceda
a vinte e cinco horas semanais” e também merece destaque o novo
§ 4º do art. 59, introduzido na CLT no ano de 2001: “Os empregados
sob regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras”. Cabe
registrar, neste ponto, que o art. 58-A e o § 4º do art. 59 foram introduzidos
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na CLT após a nova ordem constitucional — diferente do art. 59 —
não autorizando a possibilidade de horas extras para trabalho parcial,
e confirmando a vontade da Lei Maior, de que a regra é jornada
de 8 (oito) horas, não devendo se prolongar a jornada além do constitucionalmente previsto. Como nota-se, é incabível afirmar a possibilidade
de jornada extraordinária apenas com espeque no art. 59 da CLT,
necessário verificar o conjunto de normas que tratam da hipótese que
segundo Streck; Cárcova; Bobbio (apud MELO, 2006. p. 217):
“A tarefa do intérprete contemporâneo será muitas vezes, ‘abrir
uma clareira do Direito para desocultá-lo’, para torná-lo visível,
porque ‘nem todos podem compreender o discurso opaco, crítico
e, com isso, distante e indisponível’. É preciso, [...] tornar efetivos
os direitos do homem, porque, à medida que as pretensões [...]
aumentam, a sua satisfação torna-se mais difícil, como ocorre
com as garantias sociais, sendo, nesse sentido, da maior importância o papel do intérprete para fazer valer esses direitos.” (grifo
nosso)
De outro norte, não se pode desconsiderar que o baixo poder de
compra dos salários, a queda do poder aquisitivo, o desemprego e a
pressão do empregador fazem com que o trabalhador aceite o elastecimento habitual da sua jornada. Porém, conforme Pamplona Filho
(2005. p. 10):
“[...] o contrato não pode ser mais encarado da mesma forma
que o era quando da plenitude do liberalismo, mas sim sob o
enfoque de uma solidariedade social que prestigie a efetiva manifestação da vontade, com prestígio à boa-fé e à equivalência
material das partes, realizando o macroprincípio constitucional
da dignidade da pessoa humana, pois o contrato é instrumento a
serviço da sociedade, e não é a sociedade que deve se submeter,
de forma absoluta e axiologicamente deplorável, aos abusos dos
que se valem do contrato para impor o seu poder.” (grifo nosso)
Registra-se, ainda, que, além de ofensa à Constituição da República e à Consolidação das Leis do Trabalho, encontra-se até mesmo
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no Código Civil de 2002, no art. 156(4), preceito intitulado de “estado de
perigo”, como possível hipótese em que o trabalhador submete-se ao
trabalho excessivo diante da necessidade de melhor remuneração e
de se manter no posto de trabalho.
Por fim, o art. 149 do Código Penal traz as hipóteses de redução
à condição análoga à de escravo:
“Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto [...].” (grifo nosso)
Considerando que o trabalhador muitas vezes não tem força para
resistir à “convocação” do empregador para cumprimento da jornada
extraordinária, pode-se, inclusive, cogitar-se da tipificação penal acima,
ainda que implicitamente, já que trabalho escravo não pode ser considerado apenas aquele explícito das grandes fazendas do interior, mas
também os implícitos da zona urbana, contratos de trabalho de adesão que fazem os trabalhadores disponibilizarem e renunciarem direitos
que precarizam sua saúde, dignidade e vida, e atentam contra a ordem
jurídica.
5.2. Força normativa da Constituição da República
Cumpre rememorar, que a Constituição está no topo da pirâmide
normativa, sobrepondo-se a qualquer outra norma(5). Por outro lado,
“não pode ser considerado um simples pedaço de papel”, conforme
referido por Hesse (apud PEDRA, 2003. p. 6), pelo contrário, merece o
mais amplo respeito a sua força normativa. Tudo isso é dito para
demonstrar que não se pode negar eficácia aos preceitos constitucionais. Em palavras outras, deve ser dada à máxima efetividade aos
preceitos constitucionais, principalmente os direitos fundamentais.
(4) Código Civil, 2002: Art.156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido
da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela
outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
(5) A propósito foi este o entendimento do TST em 17.9.2007: “[...] TST não conheceu
do recurso e manteve a supremacia da norma constitucional”. (RR-831/2005-003-20-00.4).
(grifo nosso) Disponível em: <http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/no_noticias> Acesso em:
19.2.2008.
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O então professor e atual ministro do STF, Eros Roberto Grau
(apud PEDRA, 2003. p. 11), num texto pré-Constituição de 1988 já
profetizava a força normativa que deveria ter a Lei das Leis:
“A Constituição que queremos, com raízes fincadas no coração
do povo, há de ser pragmática, e não programática; há de ser um
instrumento de ação social, e não repositório de expressões de
utopia de uma elite intelectualizada, a serviço da elite mais dotada
de poderes de dominação social.” (grifo nosso)
Barroso (apud PEDRA, 2003. p. 11) também já escreveu que:
“O direito constitucional brasileiro vive um momento virtuoso [...]
Passou a ser premissa do estudo da Constituição o reconhecimento da sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório
de suas disposições, superada a fase em que era tratada como
um conjunto de aspirações políticas e uma convocação à atuação
dos Poderes Públicos.” (grifo nosso)
Nunca é demais relembrar que “Não cabe ao Poder Judiciário
adentrar no mérito político da norma, a menos que afronte a CF”
(DARÓS, 2007. p. 1), também não pode o Judiciário substituir o poder
Legislativo em ofensa à repartição dos Poderes, mas aceitar uma jornada acima do normal, com observância apenas e tão somente ao art.
59, sem a adequação ao art. 61 da CLT e principalmente ao art. 7º,
inciso XIII da CF, ofende o direito à saúde, à vida e à dignidade do
trabalhador e, por conseguinte, afronta as cláusulas pétreas, que nem
mesmo por emenda constitucional(6) podem ser vulnerados, possibilitando, assim, que o Poder Judiciário, quando provocado, adentre na
vontade da lei. E, se não se concordar com a ideia de possibilidade de
o Judiciário adentrar no mérito da razoabilidade das leis, não seria, por
consequência, aceitável que um juiz deixasse de aplicar incidentalmente
lei ou ato normativo por ele considerado inconstitucional, o que se sabe
ser plenamente indiscutível.
(6) É o que determina o art. 60, § 4º, da Constituição Federal, ao afirmar que: “não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de
Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os
direitos e garantias individuais.”
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Não se pode aceitar o retrocesso de garantias constitucionais,
de sorte que a saúde do trabalhador, como direito fundamental, blindada
como cláusula pétrea, é inegociável e intangível. A propósito, o Ministro
do STF, Marco Aurélio (2007. p. 3), salientou que uma emenda constitucional não pode desfazer garantias. Daí se vê com maior clareza que,
-se uma emenda constitucional não pode desfazer garantias constitucionais, o que não dizer de lei ordinária pré-constitucional.
Também no Ministro Celso de Mello (2007. p. 3) encontra-se apoio
a essa posição, destacando que o princípio da proibição do retrocesso
que, em termos de direitos fundamentais de caráter social, impede que
sejam desconstituídas conquistas já alcançadas pelo cidadão.
Alternativamente aos precedentes constitucionais anteriormente
citados — não recepção, não retrocesso, indisponibilidade —, Godinho
(2006. p. 432) fala que alguns defendem a não recepção pela CF do
art. 59 da CLT, desse modo, é possível compreender que se teses
existem contra a recepção do art. 59, é porque dúvidas existem e,
logo, havendo dúvidas, deve-se aplicar, na interpretação, o princípio
do in dubio pro operario — princípio consagrado pelo Direito do Trabalho
—, de forma que, na hipótese ao longo tratada, a interpretação jurídico-constitucional se mostra mais favorável ao empregado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que foi salientado, verifica-se que uma exceção
ao limite da jornada de trabalho, por mais que aceita pela jurisprudência
sumulada do Tribunal Superior do Trabalho, com todas as vênias, não
pode sobrepor a um direito fundamental.
Salienta-se, ainda, que projetos de lei para diminuir a jornada de
trabalho tramitam no Congresso Nacional, porém diminuir a jornada e
deixar permanecer a possibilidade de realização de horas extras
indistintamente, e não em situações excepcionais, continuar-se-á vulnerando a saúde e dignidade dos trabalhadores.
Do ponto de vista sociológico, a prática da jornada de trabalho
extraordinária de forma habitual serve de obstáculo à geração de novos
postos de trabalho, de sorte que a realização generalizada da jornada
extraordinária, agravada pela compensação da jornada, resulta num
considerável número de trabalhadores laborando em longas jornadas,
enquanto muitos outros permanecem desempregados.
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Do ponto de vista constitucional, a jornada de trabalho nos moldes
atuais, além da defensável possibilidade de não recepção pela Constituição da República, tendo em vista que prevê apenas a compensação
e redução da jornada (art. 7º, XIII) e mais à frente (art. 7º, XVI), expressa
que o serviço extraordinário terá remuneração superior, deve ser
aplicada apenas para os casos realmente anormais, destaca-se ainda
o ônus à saúde — pelas doenças ocupacionais — e segurança que
ferem por consequência a dignidade do trabalhador.
Por derradeiro, é sabido que o trabalhador não está obrigado a
trabalhar além da jornada, salvo nas hipóteses do art. 61 da CLT — força
maior ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa
acarretar prejuízo manifesto —, ou seja, situações realmente excepcionais,
porém, qual trabalhador terá força individualmente para resistir à
“convocação” do empregador? É por estas e outras que cabe aos legitimados, para prevenir ou afastar a permanência ou ameaça de ofensa, na
defesa da saúde, da vida e da dignidade dos trabalhadores ajuizarem
ação judicial cabível para resguardar esses direitos, quais sejam: extrapolar
a jornada diária apenas nas hipóteses previstas no art. 61 da CLT, já que
o Poder Judiciário, que não excluirá de sua apreciação lesão ou ameaça
a direito (art. 5º, XXXV, da CF/88), a muito vem reconhecendo a hierarquia e força da Constituição da República como instrumento próprio e
autônomo para concretizar direitos fundamentais.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
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CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL E DIREITO DE
OPOSIÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA
ORDEM DE SERVIÇO N. 1/09 DO
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
Alberto Emiliano de Oliveira Neto(*)
INTRODUÇÃO
No último dia 24 de março de 2009, o Ministro de Estado do
Trabalho e Emprego Carlos Lupi, alegando uso de suas atribuições e
em face da necessidade de orientar a atuação dos Auditores-Fiscais
do Trabalho, editou a Ordem de Serviço n. 1 que trata da cobrança da
contribuição assistencial pelas entidades sindicais (anexo). Em caso
de descumprimento das diretrizes fixadas no referido ato normativo, a
contribuição assistencial padecerá de ilegalidade perante os órgãos
do Ministério do Trabalho e Emprego (OS n. 1/09, art. 3º).
De acordo com o art. 1º da Ordem de Serviço n. 1/09, é possível
a cobrança da contribuição assistencial de todos os trabalhadores,
filiados e não filiados ao sindicato, desde que tal contribuição: seja
instituída em assembleia geral com ampla participação dos trabalhadores da categoria; previsão em acordo ou convenção coletiva; bem como
que seja garantido o exercício do direito de oposição ao trabalhador
não sindicalizado.
A legalidade da cobrança da contribuição assistencial dependerá
da informação do sindicato ao empregador e aos empregados do valor
(*) Procurador do Trabalho e Mestre em Direito pela PUC-SP.
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ou da forma de seu cálculo. Quanto ao direito de oposição será exercido
pelo trabalhador não sindicalizado por meio de apresentação de carta
ao sindicato no prazo de dez dias a contar da notícia da instituição da
contribuição. Em caso de recusa do sindicato, caberá ao trabalhador
remeter a referida carta por via postal com aviso de recebimento. Deverá
ainda o trabalhador comunicar ao empregador a respeito do exercício
do direito de oposição para que esse se abstenha de proceder ao
desconto (OS n. 1/09, art. 2º, caput, e §§ 1º, 2º e 3º).
BREVE HISTÓRICO DA CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL
O legislador ordinário incumbiu aos sindicatos uma série de
funções de cunho eminentemente assistencialista. De acordo com o
art. 592 da CLT, compete aos sindicatos, utilizando-se de recursos
oriundos da contribuição sindical, a prestação de assistência jurídica,
médica, dentária, hospitalar, farmacêutica, maternidade, dentre outras.
A assistência jurídica aos seus associados, inclusive, é dever das
entidades sindicais, segundo o art. 514, b, da CLT. Esse papel assistencial dos sindicatos foi fortalecido pelo Governo brasileiro a partir da
segunda metade da década de 1960.
Durante o regime militar iniciado com o Golpe de 64, o Ministério
do Trabalho e Emprego, por meio do Fundo de Assistência Sindical —
FAS, financiou a construção de sedes majestosas para sindicatos. O
Instituto Nacional do Seguro Social — INSS, por sua vez, firmou convênios para a instalação de ambulatórios médico-odontológicos, cabendo
aos governos estaduais doarem terrenos para a construção de sedes
de lazer no litoral. Em consequência, o imposto sindical restou insuficiente para arcar com todos esses novos gastos assistenciais, sendo
necessária a criação de outras espécies de contribuições, dentre as
quais a contribuição assistencial, própria ao sustento da atividade
assistencialista exercida pelos sindicatos(1).
A contribuição assistencial, pois, surge nesse período, primeiramente
em sentenças normativas, acolhendo pretensão aprovada em assembleia dos trabalhadores. Posteriormente, em convenções coletivas,
tendo como primeiro beneficiário o Sindicato dos Trabalhadores da
(1) AROUCA. O futuro do direito sindical, p. 655.
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Construção Civil e Mobiliário em São Paulo. Com o passar do tempo,
tendo em vista certa facilidade em sua criação, a contribuição
assistencial passou a ser inserida na grande maioria das sentenças
normativas e convenções coletivas para custear as funções assistencialistas previstas no art. 592 da CLT e supostas despesas com as
quais essas entidades teriam de arcar durante a realização de campanhas salariais(2).
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA ORDEM DE SERVIÇO
N. 1/09
A Ordem de Serviço n. 1/09 tem natureza jurídica de ato administrativo interno, razão pela qual não produz efeitos sobre todo o universo
jurídico, vinculando apenas os Auditores-Fiscais do Trabalho no
exercício de suas atribuições.
Segundo Hely Lopes Meirelles,
“Caso se busque atribuir a referido instrumento a natureza jurídica
de norma que vincula a atividade de todos os operadores do
direito, a Ordem de Serviço n. 1/09 padecerá de inconstitucionalidade formal, já que o Ministro do Trabalho e Emprego não detém
atribuição constitucional para regular matéria de atribuição do
Congresso Nacional. Especificamente, o Ministério do Trabalho
e Emprego já tentou regulamentar a questão. Por meio da Portaria
n. 160/04 acabou por proibir a cobrança da contribuição assistencial dos trabalhadores não filiados ao sindicato. O Supremo
Tribunal Federal, entretanto, provocado por duas ações diretas
de inconstitucionalidade relatadas pelo Ministro Marco Aurélio,
manifestou-se a respeito pela inconstitucionalidade de referido
instrumento normativo:
CONTRIBUIÇÕES — CATEGORIAS PROFISSIONAIS — REGÊNCIA
— PORTARIA — INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A regência das
contribuições sindicais há de se fazer mediante lei no sentido formal e
(2) MELO, Raimundo Simão de. A contribuição assistencial sindical sob a nova ótica do
Ministério Público do Trabalho e do Judiciário. Revista de Direito do Trabalho, Curitiba:
Genesis, n. 19, p. 33, jul. 1994.
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material, conflitando com a Carta da República, considerada a forma,
portaria do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, disciplinando o
tema.” (STF, ADI 3206 e ADI 3353, Relator Min. Marco Aurélio, Publ. DJ
26.8.2005)
Portanto, a Ordem de Serviço n. 1/09 é ato administrativo interno
que vincula apenas os subordinados ao Ministro do Trabalho e Emprego.
Outrossim, eventual interpretação que busque dar maior amplitude à
referida ordem de serviço padecerá de inconstitucionalidade formal
por conta da ausência de previsão constitucional para que o Ministro
do Trabalho e Emprego legisle sobre o tema, pois se trata de matéria
restrita à atividade legislativa do Congresso Nacional.
“INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA ORDEM DE SERVIÇO
N. 1/09 POR CONTA DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LIBERDADE
SINDICAL. Se ao sindicato é facultado criar outras modalidades de
contribuição, resta saber se a Constituição de 88 não teria restringindo
a amplitude de referido dispositivo. Segundo Martins, a expressão do
art. 513, e, da CLT, impor contribuições, deveria ser substituída pela
permissão conferida ao sindicato para arrecadar contribuições que lhes
são pertinentes como pessoa jurídica de direito privado. A faculdade de
impor contribuições prevista no art. 138 da Constituição de 1937 não
mais persiste. Logo, apenas ao Estado cabe impor contribuições, jamais
aos sindicatos.”(3)
Sob pena de violação à liberdade sindical, não se admite a
instituição de contribuição pecuniária a trabalhadores que não integram
o quadro associativo de determinada associação sindical. Tal prática
implica em sindicalização forçada, já que a obrigação de contribuir para
com o financiamento da associação sindical só pode ser atribuída aos
membros de tal entidade, cuja livre adesão resulta na concordância
para com as obrigações estatutárias, dentre as quais a de contribuir
para o financiamento das atividades sindicais. A Constituição de 88
assegura o direito de livre associação e a liberdade sindical, inclusive
em seu aspecto negativo. Nos termos de seu texto, ninguém poderá
ser compelido a associar-se ou a permanecer associado, muito menos
ser obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado ao sindicato (CF, arts. 5º,
XX, e 8º, V).
(3) MARTINS. Contribuições sindicais, p. 140.
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De fato, a Constituição de 88 alterou substancialmente o regime
sindical brasileiro, desatrelando-o do Estado opressor e consagrando
novo sistema de liberdade sindical, que, se ainda não é total, pelos
menos não admite a sindicalização e, por consequência, a contribuição
forçada(4).
Não obstante, a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito
da contribuição assistencial sempre foi pautada pela observância da
liberdade sindical. Em um primeiro momento, contudo, adotou-se entendimento pela sua admissibilidade, desde que assegurado o direito de
oposição. Em ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho, assim
decidiu:
“Sentença normativa. Cláusula relativa à Contribuição assistencial. Sua
legitimidade desde que interpretada no sentido de assegurar-se,
previamente, ao empregado, a oportunidade de opor-se à efetivação do
desconto respectivo.” (STF, RE 220.700, Rel. Min. Octavio Gallotti,
julgamento em 6.10.88, DJ de 13.11.98)
Em decisões posteriores tratando do tema, o entendimento da
referida Corte alterou-se. A partir de determinado momento seus
Ministros passaram a entender pela ausência de matéria constitucional,
resultando no não conhecimento dos recursos envolvendo processos
sobre o tema contribuição assistencial:
“DECISÃO Vistos. Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Apart Hotéis,
Motéis, Flats, Pensões, Hospedarias, Pousadas, Restaurantes, Churrascarias, Cantinas, Pizzarias, Bares, Lanchonetes, Sorveterias, Confeitarias, Docerias, Buffets, Fast-Foods e Assemelhados de São Paulo e
Região interpõe agravo de instrumento contra o despacho que não
admitiu recurso extraordinário assentado em contrariedade aos arts. 5º,
inciso XX, 7º, inciso XXVI, e 8º, caput e incisos III, IV e V, da Constituição
Federal. Insurge-se, no apelo extremo, contra acórdão da Quarta Turma
do Tribunal Superior do Trabalho, assim ementado: AGRAVO DE
INSTRUMENTO — RECURSO DE REVISTA — PRELIMINAR
DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ARGUIDA DE FORMA
GENÉRICA — FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO PEDIDO. Tendo o
Recorrente, para embasar a preliminar de nulidade do julgado
por negativa de prestação jurisdicional, lançando argumentos genéricos,
(4) MELO. Op. cit., p. 33 e 34.
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sem especificar em que pontos o Regional foi omisso, reportando-se às
assertivas lançadas nos embargos de declaração sem sequer transcrevê-los, seu apelo não pode ser impulsionado pela preliminar em liça,
porquanto desfundamentado. 2) CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS —
COBRANÇA DE EMPREGADOS NÃO FILIADOS AO SINDICATO —
ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N. 17 E PRECEDENTE NORMATIVO N. 119, AMBOS DA SDC DO TST. A decisão regional deslindou a
controvérsia em consonância com a Orientação Jurisprudencial n. 17
da SDC do TST, segundo a qual as cláusulas coletivas que estabeleçam
contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando
trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre
associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, sendo,
portanto, nulas. Ademais, nesse mesmo sentido segue o Precedente
Normativo n. 119 do TST, segundo o qual os arts. 5º, XX, e 8º, V, da CF
asseguram o direito de livre associação e sindicalização, sendo ofensiva
a essa modalidade de liberdade, cláusula constante de acordo,
convenção coletiva ou sentença normativa que estabeleça contribuição
em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema
confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e
outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados,
de modo que são nulas as estipulações que inobservem tal restrição, e
tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados. Assim, emerge como obstáculo à revisão pretendida a orientação
fixada na Súmula n. 333 do TST. Agravo de instrumento desprovido’ (fl.
75). Alega o recorrente, em suma, ser devida a cobrança da contribuição
assistencial, mesmo dos trabalhadores não filiados ao sindicato da categoria, uma vez que essa contribuição teria caráter compulsório. Decido.
Anote-se, primeiramente, que o acórdão recorrido, conforme expresso
na certidão de fl. 77, foi publicado em 20.4.07, não sendo exigível,
conforme decidido na Questão de Ordem no AI 664.567, Pleno, Relator
o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6.9.07, a demonstração da
existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas
no recurso extraordinário. Não merece prosperar a irresignação. Os arts.
7º, inciso XXVI, e 8º, caput e incisos III e IV, da Constituição Federal,
apontados como violados, carecem do necessário prequestionamento,
sendo certo que sequer foram opostos embargos de declaração para
sanar eventual omissão no acórdão atacado. Incidência das Súmulas
ns. 282 e 356/STF. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que a controvérsia relativa à exigibilidade da
contribuição assistencial se limita ao plano infraconstitucional. Nesse
sentido, anote-se: ‘AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. VERIFICAÇÃO DE REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DE
RECURSO TRABALHISTA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
OFENSA INDIRETA. CONTRIBUIÇÃO CONFEDERATIVA. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL. PRECEDENTES. 1. A decisão que nega
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seguimento a recurso trabalhista, reconhecendo não atendidos requisitos
previstos em normas processuais ordinárias, não é suscetível de impugnação por meio de recurso extraordinário. Hipótese de ofensa indireta à
Constituição. 2. Esta Corte firmou o entendimento no sentido de que a
matéria relativa à contribuição assistencial não tem porte constitucional,
sendo insuscetível de análise em sede extraordinária. 3. A contribuição
confederativa só pode ser exigida dos filiados ao sindicato. Agravo
regimental a que se nega provimento’ (RE 499.046-AgR, Primeira Turma,
Relator o Ministro Eros Grau , DJ de 8.4.05). ‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRABALHISTA. SINDICATO. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL. LEGITIMIDADE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. Sindicato.
Legitimidade da exigência da contribuição assistencial e do seu desconto
em folha de pagamento do trabalhador. Questão afeta à legislação
ordinária trabalhista. Extraordinário. Reexame. Impossibilidade. Recurso
extraordinário não conhecido’ (RE 219.531, Segunda Turma, Relator o
Ministro Maurício Correia, DJ de 11.10.01). Nego provimento ao agravo.
Intime-se. Brasília, 9 de maio de 2008. Ministro Menezes Direito
Relator.” (AI 699364 — Rel. Min. Menezes Direito, publ. DJ 27.5.2008)
(destacou-se)
Uma tentativa de conciliação entre a contribuição assistencial e a
liberdade sindical seria assegurar ao trabalhador não filiado o direito
de oposição. Ao contrário da autorização expressa para o desconto,
nessa modalidade ocorre certa inversão da obrigação. Mediante a negociação coletiva, a contribuição assistencial é instituída a todos os
trabalhadores, restando a cada um deles, de forma individual, buscar
junto ao sindicato, em determinado prazo, expressar sua discordância
em relação ao desconto. Certamente, trata-se de mecanismo mais
favorável ao sindicato, pois, pelo instrumento coletivo, impõe a todos
os trabalhadores que integram a categoria o ônus de manifestar sua
discordância em relação ao desconto da contribuição. Nessa linha, o
Tribunal Superior do Trabalho — TST, em um primeiro momento, adotou
posição mais liberal, materializada pelo Precedente Normativo
n. 74:
“74 — Desconto assistencial. Subordina-se o desconto assistencial
sindical à não oposição do trabalhador, manifestada perante a empresa
até 10 dias antes do primeiro pagamento reajustado.” (DJ 8.9.1992.
Cancelado — Res. n. 82/98, DJ 20.8.1998)
Posteriormente, essa Corte passou a adotar posição mais restritiva. Com exceção da contribuição sindical propriamente dita, toda e
qualquer contribuição instituída pelos sindicatos, independente da
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nomenclatura utilizada, só poderá ser cobrada dos filiados à entidade
sindical, não havendo que se falar, inclusive, em direito de oposição.
Em substituição ao Precedente Normativo n. 74, o TST editou o Precedente n. 119:
“A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o
direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade
de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou
sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade
sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo,
assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma
espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as
estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.”
A Seção de Dissídios Coletivos do TST, por sua vez, editou a
Orientação Jurisprudencial n. 17 no mesmo sentido, enfatizando a nulidade das cláusulas de convenções e acordos coletivos que estabeleçam quaisquer contribuições em favor da entidade sindical, a qualquer
título, obrigando trabalhadores não sindicalizados:
“CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. As cláusulas
coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a
qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas
ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente
assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via
própria, os respectivos valores eventualmente descontados.”
O entendimento do âmbito do TST, portanto, demonstra-se
consolidado:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL. A decisão do Tribunal Regional, que reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança de contribuição sindical dos
empregados não associados, por entender que tal cobrança afronta o
direito à livre associação e sindicalização, está em harmonia com a
iterativa e notória jurisprudência desta Corte, consubstanciada no Precedente Normativo n. 119 e na Orientação Jurisprudencial n. 17, ambos da
Seção de Dissídios Coletivos. Precedentes da SBDI-1 do TST. Incidência
do art. 896, §§ 4º e 5º, da CLT, c/c a Súmula n. 333 do TST. Agravo de
instrumento a que se nega provimento.” (TST, AIRR 3803/2004-202-0240, 7ª T., Rel. Ministro PEDRO PAULO MANUS, publ. DJ 6.6.2008). No
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mesmo sentido: TST-E-ED-RR-737.338/2001-6, Min. João Batista Brito
Pereira, DJ 19.10.2007; TST-E-RR-69.680/2002-900-01-00.4, Min. Lelio
Bentes Corrêa, DJ 21.9.2007; TST-E-RR-14/2006-741-04-00.8, Min.
Vantuil Abdala, DJ 24.8.2007; TST-E-RR-7.060/2002-902-02-00.9,
Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ 11.10.2007.
Como visto, o STF legou ao TST a última palavra sobre o tema
desconto da contribuição assistencial em relação a trabalhadores não
filiados ao sindicato, cujos Ministros decidiram a questão de forma
incontroversa manifestando entendimento pela violação da liberdade
sindical.
A referida Ordem de Serviço n. 1/09 declara a legalidade da contribuição assistencial desde que, dentre outros requisitos, seja assegurado
o exercício pelo trabalhador não filiado do direito de oposição, cujo
exercício se dará por meio de apresentação de carta ao sindicato no
prazo de dez dias a contar da notícia da instituição da contribuição. Em
caso de recusa do sindicato, caberá ao trabalhador remeter a referida
carta por via postal com aviso de recebimento. Deverá ainda o trabalhador
comunicar ao empregador a respeito do exercício do direito de oposição
para que esse se abstenha de proceder ao desconto (OS n. 1/09, art.
2º, §§ 1º, 2º e 3º).
O direito de oposição, segundo o entendimento atualizado do
TST, não é capaz de revestir a contribuição assistencial da legalidade
pretendida pela Ordem de Serviço n. 1/09.
Valor ou forma de cálculo. Faculdade do sindicato. Informar o
valor é muito mais simples do que explicitar a forma de cálculo, o que
funcionaria como mecanismo de prestação de contas à categoria.
Qual sindicato deve informar. O patronal ou o profissional. Ainda
que o beneficiado seja o profissional, quer me parecer que, ao ser
instituída em instrumento normativo firmado pelos dois sindicatos,
caberá a cada um deles informar a categoria respectiva a respeito da
referida cobrança.
A ESTIPULAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES EM INSTRUMENTOS
NORMATIVOS COLETIVOS
Como demonstrado, o art. 1º da Ordem de Serviço n. 1/09 declara
a possibilidade da cobrança da contribuição assistencial de todos os
trabalhadores, filiados e não filiados ao sindicato, desde que tal
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contribuição, dentre outros requisitos, seja instituída em acordo, ou
convenção coletiva de trabalho, votado em assembleia geral com ampla
participação dos trabalhadores da categoria.
As cláusulas oriundas de negociação entabulada entre representante dos empregados e empregadores só poderia, em princípio, tratar
de obrigações que se referem à relação contratual de trabalho patrão
x empregado. Sendo assim, a estipulação de obrigação decorrente da
relação sindicato profissional e trabalhadores, bem como entre sindicato
patronal e empregadores, não pode ser estabelecida em processo de
negociação coletiva com o empregador, cujos objetivos e natureza são
diversos. A relação jurídica entre trabalhador/empregador e o sindicato
que os representa deve ser regulada no próprio estatuto da entidade,
do que resulta a impossibilidade de vinculação dos não filiados ao
sindicato.
De acordo com o Código Civil — CC, é anulável o negócio jurídico
que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar
consigo mesmo, sendo ilícitas todas as condições que sujeitarem o
negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das partes. Igualmente, os
sindicatos, quando da negociação coletiva, devem privar pelo princípio
da boa-fé, sob pena de ilicitude e consequente nulidade do ato (CC,
arts. 117, 122, 166, 187, 421, 422).
As obrigações que o sindicato pode contrair em nome dos representados são apenas aquelas que decorrem do contrato de trabalho. Em
nenhum momento refere-se ao próprio sindicato que representa aos
trabalhadores ou aos empregadores. A negociação coletiva não se presta
para acordos entre trabalhadores/empregadores e seus representantes,
mas sim para regular a relação jurídica entre aqueles. Integra a natureza
jurídica da representação que o representante atue sob a vontade do
representado perante terceiro, não sendo possível que substitua tal
mandato para poder negociar consigo mesmo, sob pena de constituir tal
prática típico abuso de poder(5). Tais questões não podem ser tratadas em
negociação coletiva com o empregador, cujo resultado não deve tratar de
obrigação do trabalhador para com o sindicato que o representa. Da
mesma forma, o estatuto do sindicato, instrumento adequado para a
estipulação de obrigações, só obrigaria aos filiados.
(5) Tribunal Constitucional da Espanha, Processo n. 98/85 (sentencia). Julg. em 29.7.85,
publ. BOE n. 194. Disponível em: <http://www.boe.es/g/es/bases_datos_tc/doc.php?
coleccion=tc&id=SENTENCIA-1985-0098> Acesso em: 23.1.08.
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Em sentido contrário, há entendimento de que todos os trabalhadores
são convocados a participar da assembleia por meios idôneos tais
como boletins, sistema de som, delegados da empresa e publicação
de edital em jornais de grande circulação. Para tanto, caberia ao
trabalhador descontente, durante assembleia que fixa a contribuição,
manifestar sua contrariedade ao desconto. Não sendo possível, pois,
a manifestação posterior a respeito(6).
Com tal entendimento não se pode concordar, pois os efeitos
sobre toda a categoria do estipulado em convenção coletiva decorrem
do sistema de unicidade vigente no Brasil, o qual não pode se opor à
liberdade sindical negativa prevista no próprio texto da Constituição,
art. 8º, V. Igualmente, o art. 613 da CLT, que trata do conteúdo das
convenções e acordos coletivos, restringe tais instrumentos a questões
relacionadas à relação individual de trabalho. Não se trata, portanto,
da relação sindicato e representados. Segundo Gabriel Saad, se a
decisão da assembleia geral tivesse efeito erga omnes, obrigando
associados e não associados, estaria a entidade sindical praticando
ato incluído na prerrogativa estatal de tributar(7).
Só deve, pois, ser instituída qualquer modalidade de contribuição
por assembleia especificamente convocada para tanto, cujos efeitos,
obviamente, só atingirão os trabalhadores filiados ao sindicato, condição essa necessária para que participem como direito a voto da assembleia. Igualmente, rejeita-se a instituição de qualquer modalidade de
contribuição por meio de acordo ou convenção coletiva, já que não se
trata do instrumento adequado para tanto. Tal prática, por certo, implica
desvirtuamento desse importante instrumento de negociação entre
trabalhadores e empregadores, por meio do qual os sindicatos atuam
como meros representantes de interesses de terceiros, sendo inaceitável que atuem objetivando benefício próprio.
Por certo, a fixação de contribuições é matéria estranha às
relações de trabalho, razão pela qual não pode ser inserida em convenção coletiva, acordo ou sentença normativa(8).
(6) LOMAS, Dorival Alcântara. As contribuições sindicais são devidas por todos os
integrantes da categoria ou somente pelos associados de uma determinada entidade
sindical. Revista Síntese Trabalhista, Porto Alegre, v. 7, n. 90, p. 35 e 36, dez. 1996.
(7) SAAD, Eduardo Gabriel. Temas trabalhistas. Suplemento Trabalhista, São Paulo,
n. 42, p. 360, 1995.
(8) SAAD, Eduardo Gabriel. Temas trabalhistas. Suplemento Trabalhista, São Paulo,
n. 42, p. 360, 1995.
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INQUÉRITOS, TERMOS
DE COMPROMISSO DE
AJUSTAMENTO DE CONDUTA,
AÇÕES E DEMAIS ATIVIDADES
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PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS AO CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA: FORMAÇÃO DE LISTA TRÍPLICE(*)
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA
QUINTO CONSTITUCIONAL OAB — FORMAÇÃO DE
LISTA TRÍPLICE EM VOTAÇÃO SECRETA NO DIA 30.3.2009 —
INCONSTITUCIONALIDADE — MEDIDA URGENTE
O Ministério Público do Trabalho — Procuradoria Regional do Trabalho
da 23ª Região, pelo seu Procurador-Chefe ao final subscrito, nos autos do
processo em epígrafe, vem, perante Vossa Excelência, apresentar, nos termos
do art. 91 do Regimento Interno desse Egrégio Conselho Nacional de Justiça
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS COM REQUERIMENTO DE LIMINAR
em face do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, sob a presidência
do Excelentíssimo Senhor Desembargador-Presidente João Carlos Ribeiro de
Souza, com endereço na Av. Historiador Rubens de Mendonça, 3355 — Centro
Político e Administrativo — Cuiabá/MT — CEP: 78050-923, responsável pela
edição da Resolução n. 2/09 de 19 de fevereiro de 2009, pelos fundamentos
fáticos e jurídicos a seguir expostos para ao final requerer.
1. Da Legitimidade do Ministério Público do Trabalho
Segundo preconiza o art. 127 da Constituição da República, o Ministério
Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
(*) Vencedor do Prêmio Evaristo de Moraes Filho — 2009 (1º lugar).
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Dessa forma, do ponto de vista constitucional, os membros do Ministério
Público, em qualquer momento ou em qualquer área de atuação deverão
fiscalizar o fiel cumprimento e aplicação da lei.
Neste diapasão, a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei
Complementar n. 75/93) dispõe que o Ministério Público tem legitimidade para
recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário
(art. 83, inciso VI), em defesa dos interesses cuja guarda a Constituição e a
lei lhe confere (art. 127 da Lei Maior).
“Art. 83
(...)
VI — recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender
necessário, tanto nos processos em que for parte, como naqueles em
que oficiar como fiscal da lei.
(..)
VII — funcionar nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre a matéria em debate, sempre que entender
necessário, sendo-lhe assegurado o direito de vista dos processos em
julgamento, podendo solicitar as requisições e diligências que julgar
convenientes.”
O Código do Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973)
também dispõe sobre a capacidade postulatória do Ministério Público como
‘fiscal da lei’:
Art. 81. O Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos
previstos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus
que às partes.”
Ademais, o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho no julgamento do
Recurso em matéria administrativa, firmou a legitimidade da participação
do Paquet laboral nas Sessões Administrativas realizadas pelos Tribunais Trabalhistas:
“Proc. n. TST-RMA-349.031/97.2
Acórdão
Ministério Público. Participação nas sessões administrativas realizadas
nos Tribunais Trabalhistas.
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1. O interesse do Judiciário trabalhista em manter resguardados os
princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade está acima das questões administrativas. O Ministério Público
do Trabalho, no exercício de suas funções de fiscal da lei e de guardião do
interesse público tem assento assegurado nas sessões administrativas
e judiciais dos órgãos integrantes da Justiça do Trabalho.
2. O representante do Ministério Público, tomando conhecimento de ato
administrativo que tenha como ilegal decisão administrativa relevante,
no sentido do seu interesse para a administração pública, relativamente aos princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal, pode a
qualquer tempo representar junto ao Tribunal Superior do Trabalho, sem
necessariamente seguir o modelo processual do recurso ordinário.
3. Recurso em matéria administrativa conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso em Matéria Administrativa no TST-RMA-349.031/97.2, em que é recorrente Ministério
Público do Trabalho da 15ª Região e recorrido Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.”
Eis a explanação acerca das normas assecuratórias das garantias e
prerrogativas do Ministério Público, que justifica, in casu, a legitimidade ministerial para intervir como custos legis, tanto nos processos judiciais quanto
administrativos, visando à preservação da ordem jurídica e à defesa dos interesses sociais.
2. Objeto do pedido de providências
Trata-se de Pedido de Providências, em caráter de urgência, com
requerimento de liminar, visando a reparar a ilegalidade da decisão proferida
na 4ª Sessão Ordinária do Tribunal Pleno em que julgava feitos de competência
administrativa, realizada em 19.3.2009, quando o E. Tribunal Regional do
Trabalho, por maioria, decidiu que no próximo dia 30.3.2009, às 8h30min,
realizará uma sessão extraordinária para formação da lista tríplice para a
escolha do representante da OAB à vaga do Quinto Constitucional surgida
em virtude do falecimento do D. Desembargador Luis Alcântara, em votação
secreta.
Conforme informação prestada pela Secretaria do Tribunal do TRT 23ª,
a Resolução Administrativa que tratará sobre essa decisão ainda está sendo
redigida, entretanto, devido o exíguo tempo, não há como aguardar sua
publicação.
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Ressalte-se que o Parquet que esta subscreve estava presente na
Sessão, na condição de custos legis, e durante a mesma, no momento em
que os Desembargadores estavam votando a forma de escolha da lista tríplice
mencionada, leu a Recomendação n. 13 desse Colendo Conselho Nacional
de Justiça, recomendando aos Desembargadores a necessidade da votação
ser em sessão pública, mediante votos abertos, nominais e fundamentados.
Entretanto, não foi acatada a aplicação da Recomendação n. 13/CNJ,
permanecendo por parte dos desembargadores o entendimento de que o voto
seja secreto na formação da lista tríplice, a exceção do Desembargador, Dr.
Tarcisio Valente, que refluiu seu voto para atender aos preceitos indicados na
Recomendação n. 13.
Ademais a decisão está desconsiderando a aplicação do próprio
Regimento Interno do TRT-23ª Região, que em seu parágrafo único do art. 6º
dispõe a obrigatoriedade da votação aberta, nominal e fundamentada.
Desta forma, este Órgão Ministerial, por considerar ilegal a decisão
tomada pelo e. TRT da 23ª Região, diante dos fundamentos jurídicos a seguir
expostos, requer providências desse C. CNJ para determinar ao Tribunal
Regional do Trabalho da 23ª Região que realize, na próxima sessão marcada
para o dia 30.3.2009, votação para formação da lista tríplice da OAB em sessão
pública, mediante votos abertos, nominais e fundamentados.
3. Fundamentos jurídicos
Conforme já citado no item anterior, o Regimento Interno do TRT da 23ª
Região trata da formação de listra tríplice de integrantes do Quinto Constitucional em escrutínios abertos, com votação nominal e fundamentada, em
plena conformidade com a Recomendação n. 13 desse Conselho Nacional
de Justiça, nestes termos:
“Art. 6º O Presidente do Tribunal dará imediata ciência à Procuradoria-Geral do Ministério Público do Trabalho e à Seção da Ordem dos
Advogados do Brasil, no Estado de Mato Grosso, da ocorrência de vaga,
quando destinada a integrantes de tais instituições, para a formação de
lista sêxtupla a ser encaminhada ao Tribunal, para organização da lista
tríplice a ser submetida ao Presidente da República.
Parágrafo único. A formação da lista tríplice far-se-á pelo voto da maioria
absoluta dos membros efetivos do Tribunal Pleno, em escrutínios abertos
com votação nominal e fundamentada.” (Grifos nossos) (O Regimento
Interno do TRT da 23ª encontra-se no seguinte sítio: <http://www.
trt23.jus.br/conhecaotrt/regimento/REG_INTERNO_11NOV200 8.pdf>)
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A Recomendação n. 13 do Conselho Nacional de Justiça recomenda
aos Tribunais que regulamentem a orientação emanada desse Conselho
Nacional de Justiça, aplicável a todos, no sentido de que a lista tríplice a que
se refere o art. 94, parágrafo único, da Constituição Federal seja formada em
sessão pública, mediante votos abertos, nominais e fundamentados.
Denota-se assim que a decisão emanada pelo Tribunal Pleno do E. TRT/
23ª Região encontra-se em dissonância com os fundamentos constitucionais
que originaram a Recomendação n. 13/CNJ.
E mais, diversas decisões a respeito da mesma matéria já foram tratadas
por esse Colendo Conselho Nacional de Justiça e, da mesma forma, decidiram
pela aplicação da referida Recomendação.
É importante demonstrar que o Conselho Nacional de Justiça é Órgão
integrante do Poder Judiciário, com atribuições de exercer o controle da
atuação administrativa e financeira dos tribunais, tanto na esfera estadual e
federal, como também no aspecto formal e material. No uso dessas atribuições,
conferidas no art. 103-B, § 4º e incisos, da Constituição Federal, pode expedir
atos regulamentares, zelar pela observância dos princípios constantes do art.
37 da mesma Constituição, apreciar, de ofício ou mediante provocação, a
legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Poder Judiciário. É-lhe facultado, ainda, desconstituir ou rever tais atos, fixando
prazo para que sejam adotadas as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, bem como avocar processos disciplinares em curso e
rever, também de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares
de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano.
Acresça-se, ainda, a essas atribuições, a possibilidade de concessão
de medidas urgentes por este Conselho, conforme previsão constante do inciso
XI do art. 25 do Regimento Interno.
Nesse contexto, é possível estabelecer, de forma exemplificativa, alguns
pressupostos para a atuação desse Conselho: o exame de matéria que
necessariamente envolva interesse público; a reapreciação de decisão administrativa de Tribunais, somente na ocorrência de ilegalidade ou afronta aos
preceitos da norma constitucional; o esgotamento da manifestação das áreas
administrativas dos órgãos; a precedência de informações do Órgão Requerido
e do interessado, antes da deliberação da matéria; a formação do juízo de
conveniência e oportunidade para apreciação de cada caso concreto submetido a sua apreciação.
No caso em espécie, a postulação representa interesse que transcende
o individual e encontra ressonância geral no Poder Judiciário, atendendo a
todas as demais condições.
A inserção do Ministério Público e da Advocacia nos Tribunais, por meio
do Quinto Constitucional, é assegurada pelo art. 94 da Constituição da
República, com o seguinte teor:
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“Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais
dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de
membros, do Ministério Público, com mais de 10 anos de carreira, e
de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais
de 10 anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla
pelos órgãos de representação das respectivas classes.
Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice,
enviando-a ao Poder Executivo, que, nos 20 dias subsequentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.”
A Constituição da República, promulgada em 5 de outubro de 1988,
não disciplinou a forma pela qual se faria essa seleção, motivo por que os
Tribunais não se viam obrigados a dar publicidade e motivação à escolha dos
futuros integrantes do denominado Quinto Constitucional. Resultava, daí, a
adoção de procedimentos heterogêneos, ora optando-se pelo voto aberto,
ora pelo voto secreto. Todavia, com a entrada em vigor da Emenda n. 45, de
8 de dezembro de 2004, fixou-se a regra geral de que mesmo as decisões
administrativas dos Tribunais devem ser motivadas e em sessão pública, com
a ressalva de que as disciplinares seriam tomadas pelo voto da maioria
absoluta de seus membros. (CF, art. 93, X)
Desse comando constitucional extrai-se que até mesmo as decisões
disciplinares têm como regra geral a publicidade e motivação, salvo as hipóteses expressamente previstas no seu texto.
Consagrou-se, assim, no âmbito supralegal, o princípio da publicidade,
em homenagem à transparência das decisões do Poder Judiciário, que, por
sua vez, encontra ressonância em um dos princípios sensíveis enumerados
no inciso VII do seu art. 34, em especial, na alínea a, que assegura a observância da forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático.
Com efeito, as razões que levaram o Constituinte Derivado a elevar ao
nível constitucional o dever de publicidade e motivação das decisões judiciais,
sejam elas jurisdicionais ou administrativas, foram assim magistralmente sintetizadas pelo eminente ex-Conselheiro Alexandre de Moraes na obra
Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional:
“A legitimidade democrática do Poder Judiciário baseia-se na aceitação
e respeito de suas decisões pelos demais poderes por ele fiscalizados e,
principalmente, pela opinião pública, motivo pelo qual todos os seus
pronunciamentos devem ser fundamentados e públicos.” (5. ed. São
Paulo: Atlas, 2005. p. 1.351)
A questão da adoção do voto aberto como regra tem sido enfrentada
pelo Supremo Tribunal Federal, conforme revelam as passagens extraídas
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do voto vencido do eminente Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello
no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade — ADI ns. 2.461/RJ
e 3.208/RJ, cujo objetivo era a declaração de inconstitucionalidade do § 2º do
art. 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que previa que a perda
do mandato de Deputado Estadual seria decidida por votação aberta, por
contrariar disposições dos arts. 27, § 1º e 55, § 2º, da Constituição da República. Na ocasião, assim se expressou aquele insigne Ministro:
“(...)
Acresce que deflui da Constituição Federal que os ares democráticos
nela revelados direcionam a uma regra quanto a escrutínios, que é a
votação aberta.
(...)
Se formos à disciplina do Judiciário, essa disciplina, de forma clara,
precisa, concreta, é abrangente na Carta da República, ou seja, alcança
não só o Judiciário federal como o estadual.
Estabeleceu-se como regra o escrutínio aberto. Aqui mesmo no Supremo
Tribunal Federal, só me lembro de haver presenciado um caso de votação em regime fechado — do qual fui relator depois —, com a saída, da
sala, da assistência. Recordo que, inclusive, deu-se a publicação de
ato no Diário da Justiça noticiando os parâmetros da controvérsia. Mesmo assim, caminhamos para a sessão dita secreta, que fica bem em
relação a certas sociedades, como, talvez, para exemplificar, na da
Maçonaria, Rosa Cruz etc., mas que não guarda consonância quando
em jogo a Administração Pública, quando em jogo algo que deve ser,
acima de tudo, transparente, perceptível aos olhos da sociedade.
Quanto ao Judiciário, hoje temos que até mesmo as sessões administrativas devem ser públicas, correndo a exceção à conta, apenas no campo
jurisdicional, daquelas situações em que o interesse público — e creio
que aqui o interesse público está justamente na votação aberta — dite
a ausência de publicidade do ato a ser praticado.
(...)
Digo mais uma vez: a Constituição Federal excepcionou a regra, a revelar
princípio, norteando, portanto, a interpretação do grande todo, que é a
publicidade dos atos, gênero administrativo, a transparência desses atos
administrativos.
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(...)
A meu ver, a votação aberta atrai o que se pressupõe relativamente ao
setor público, que é a transparência dos atos praticados por agentes
políticos, visando à fiscalização (...).”
No mesmo sentido convergiu o veemente voto do ilustre Ministro Celso
de Mello:
“(...)
Por isso mesmo, Senhora Presidente, tenho como inquestionável que a
exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho
de Estado traduz consequência que resulta de um princípio essencial a
que a nova ordem jurídico-constitucional vigente em nosso País não
permaneceu indiferente.
O novo estatuto político brasileiro — que rejeita o poder que oculta e
que não tolera o poder que se oculta — consagrou a publicidade dos
atos e das atividades estatais como valor constitucional a ser observado,
inscrevendo-a, em face de sua alta significação, na declaração de direitos
e garantias fundamentais que a Constituição da República reconhece e
assegura aos cidadãos, tal como expressamente proclamou o Supremo
Tribunal Federal, no julgamento plenário do MI 284/DF, Rel. p/ o acórdão
Min. Celso de Mello (RTJ 139/712-732) (...).” (ADI 2.461/RJ — Ac. TP
— Rel. Min. Gilmar Mendes — J. 12.5.2005 — DJU 7.10.2005 — p. 3 —
RTJ v. 195-03 — p. 897)
É importante registrar, que mesmo antes da edição da Emenda
Constitucional n. 45/04, a Suprema Corte brasileira já sinalizava no sentido
da votação aberta e motivada, como mostra o seguinte trecho da lavra do
eminente Ministro Sydney Sanches, na ADI n. 2.700-MC-RJ:
“I. Em face da orientação sugerida pelo STF, na elaboração do Projeto
de Estatuto do Magistratura Nacional e em vários precedentes jurisdicionais, quando admitiu que a matéria fosse tratada, conforme o âmbito
de incidência, em Lei de Organização Judiciária e em Regimento Interno de
Tribunais, é de se concluir que não aceita, sob o aspecto formal, a
interferência da Constituição Estadual em questões como as tratadas
nas normas impugnadas. 2. A não ser assim, estará escancarada a
possibilidade de o Poder Judiciário não ser considerado como de âmbito
nacional, assim como a Magistratura que o integra, em detrimento do
que visado pela Constituição Federal. Tudo em face da grande disparidade que poderá resultar de textos aprovados nas muitas unidades da
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Federação. 3. Se, em alguns Estados e Tribunais, não houverem sido
implantadas ou acatadas, em Leis de Organização Judiciária ou em
Regimentos Internos, normas autoaplicáveis da Constituição Federal,
como as que regulam a motivação das decisões administrativas, inclusive
disciplinares e, por isso mesmo, o caráter secreto da respectiva votação,
caberá aos eventuais prejudicados a via própria do controle difuso de
constitucionalidade ou de legalidade.” (DJU 7.3.2003).
Não é outra a exegese defendida pela doutrina, cabendo destacar, pela
concisão, o entendimento expresso pelo ilustre Desembargador Nagib Slaibi
Filho, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
“A alteração na redução do art. 93, X, está na exigência que agora se
faz de que a decisão administrativa seja tomada em sessão pública,
assim exigindo a presença ao menos dos interessados ou de seus
procuradores.
O princípio da publicidade é fundamento da Administração Pública, como
decorre do disposto no art. 37 da Constituição, e impregna as decisões
em todos os Poderes e em todos os níveis federativos.
Ao prever que as decisões administrativas dos tribunais se realizem em
sessão pública, objetivou a Constituição garantir que as decisões colegiadas de interesse individual ou coletivo sejam tomadas na presença das
partes ou de seus advogados.” Reforma da Justiça. Notas à Emenda
Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004. Niterói: Impetus, 2005.
p. 80181).
Desse modo, deve-se reconhecer, portanto, que decisões administrativas
proferidas pelos Tribunais, inclusive na espécie apreciada — formação da lista
tríplice para a escolha dos membros que o comporão, nas vagas destinadas
a advogados e ao Ministério Público —, deve ser tomada em sessão pública,
com votação aberta e motivada, em cumprimento ao postulado constitucional
inserido no inciso X do art. 93 e a aplicação da regra geral acerca do escrutínio
aberto.
4. Do pedido de liminar
Por vislumbrar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, o
MPT está requerendo a presente medida liminar para que esse Colendo
Conselho Nacional de Justiça determine ao Tribunal Regional do Trabalho da
23ª Região que proceda à votação da lista tríplice para a escolha do Quinto
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Constitucional — vaga da advocacia, em sessão aberta, com votação nominal
e fundamentada, nos termos da Recomendação n. 13 desse C. Conselho.
No que concerne ao fumus boni iuris, o preenchimento de tal requisito
faz-se evidenciar ao longo de toda a presente peça, em que restou
demonstrado o direito de componente da OAB assumir a vaga destinada ao
quinto constitucional deixada pelo D. Desembargador Dr. Luis Alcântara, devido
seu falecimento.
No que concerne ao periculum in mora, este está fortemente presente,
tendo em vista que os critérios para formação da lista tríplice, estabelecidos
pelo Pleno do TRT 23ª Região, serão aplicados dentro de poucos dias, qual
seja, em 30.3.2009 (menos de uma semana), portanto, a não concessão da
liminar poderá comprometer todo o processo de escolha para lista tríplice.
5. Dos pedidos
Considerando a ilegalidade explícita do ato administrativo que resultou
em estabelecer critérios ilegais para a formação da lista tríplice para a vaga do
Quinto Constitucional destinada à OAB, bem como a competência do Conselho
Nacional de Justiça, nos termos do art. 103-B, § 4º, inciso II, da Constituição
Federal, em zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante
provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou
órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo
para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei,
requer o Ministério Público do Trabalho, como fiscal da lei:
Liminarmente:
a) A suspensão dos efeitos da decisão do Tribunal Regional do Trabalho
da 23ª Região, até o julgamento definitivo do mérito, tendo em vista que
a formação de lista tríplice em votação secreta, sem motivação e fundamentação acarretará dano irreparável ou de difícil reparação à ordem
Constitucional;
b) A imediata determinação para que o e. Tribunal Regional do Trabalho
da 23ª Região proceda à votação aberta, motivada e fundamentada na
eleição para escolha dos advogados componentes da lista tríplice que
ocorrerá no próximo dia 30.3.2009.
Em definitivo:
a) A anulação do ato emanado pelo e. Tribunal Regional do Trabalho da
23ª Região que decidiu pela votação secreta para formação de lista
tríplice de advogados que comporão o Quinto Constitucional no próximo
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dia 30.3.2009, na vaga deixada pelo falecimento do d. Desembargador
Dr. Luis Alcântara;
b) A imediata determinação ao e. Tribunal Regional do Trabalho da 23ª
Região para que proceda à votação aberta, motivada e fundamentada
na eleição para escolha dos advogados componentes da lista tríplice
que ocorrerá no próximo dia 30.3.2009, bem como em todas as votações
futuras relativas ao Quinto Constitucional, tanto para membros do Ministério Público, quanto para advogados.
Termos em que pede deferimento.
Cuiabá, 23 de março de 2009.
José Pedro dos Reis
Procurador-Chefe
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA: AGÊNCIAS
DE
EMPREGO(*)
EXMO. SR. DR. JUIZ DA VARA DO TRABALHO DO RIO DE JANEIRO
“O trabalho não há de ser considerado como
mercadoria ou artigo de comércio.”
Tratado de Versalhes, art. 427.
O Ministério Público do Trabalho, por seu Procurador adiante assinado,
com endereço na Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, situada
na Av. Churchill, 94, 8º andar, Castelo, Rio de Janeiro, RJ, com base nos arts.
127 e 129, incs. III, da Constituição, art. 83, inc. III da LC n. 75/93 e nas Leis
ns. 7.347/85 e 8.078/90, vem respeitosamente perante Vossa Excelência
ajuizar
Ação Civil Pública em face de
Manager Assessoria em Recursos Humanos Ltda., pessoa jurídica de
direito privado, CNPJ 35.790.955/0001-74, com sede na Rua Nilo Peçanha,
50, grupo 3109, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20020-100, pelos motivos
de fato e de direito a seguir aduzidos:
I — Objeto da ação
O Ministério Público do Trabalho ajuíza a presente ação em defesa dos
interesses difusos dos trabalhadores que se encontram no mercado de trabalho
e procuram emprego nas agências da empresa requerida em todo o país. O
objeto da ação é vedar a conduta do réu de cobrança de valores do trabalhador
em razão de seu encaminhamento a um emprego.
(*) Vencedor do Prêmio Evaristo de Moraes Filho — 2009 (2º lugar).
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II — Dos fatos
O Ministério Público do Trabalho recebeu representação por e-mail da
cidadã Eline Fonseca de Oliveira (fl. 4), a qual, em síntese, denunciava o ora
réu por lhe haver cobrado o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para recolocá-la no mercado de trabalho, sem, contudo, cumprir o que fora ajustado, uma
vez que a denunciante havia sido chamada para participar de apenas duas
entrevistas admissionais, referentes a empregos para o exercício de funções
que eram completamente estranhas a seu perfil profissional.
Recebida a representação, o Procurador que ora subscreve a presente
petição determinou a instauração de procedimento investigatório (fls. 7/9),
designando preliminarmente audiência para oitiva do depoimento da
requerente.
Em seu depoimento, cujo respectivo termo se encontra às fls. 11, a
denunciante prestou os seguintes esclarecimentos: “que procurou a empresa
requerida em janeiro de 2006, tendo celebrado um contrato, cujo objetivo era
elaboração de currículo, divulgação deste currículo entre os clientes e
agendamento de entrevistas; que o valor pago foi de R$ 2.000,00 em quatro
parcelas; que somente depois de seis meses é que marcaram a primeira
entrevista, após a depoente ter reclamado da demora; que esta primeira entrevista foi encaminhada para uma empresa cuja vaga oferecida não
tinha nada a ver com o currículo da depoente; que cinco meses depois foi
agendada uma nova entrevista para uma vaga temporária e que estava muito
abaixo da qualificação profissional da depoente; que a depoente é analista
de informação; que faz pesquisas de imagens e textos para dar suporte a
jornalistas; que a primeira entrevista era para uma vaga para pesquisa de
mercado; que a segunda entrevista era para análise de cadastro de clientes
da loja CASA & VÍDEO; que somente após muita insistência da depoente,
depois de um ano, a empresa devolveu a quantia paga, sem correção.” Na
mesma audiência, a requerente anexou ao procedimento cópia de comunicações por e-mail mantidas com o réu (fls. 12/13).
Em prosseguimento à investigação, determinou-se a notificação do
requerido para prestar esclarecimentos. O representante legal do ora réu
compareceu à Procuradoria e prestou o seguinte depoimento, conforme termo
que se encontra às fls. 17/18: “que a empresa possui matriz em São Paulo e
filiais em outros cinco Estados; que a empresa possui um único contrato padrão
que oferece àqueles que procuram os seus serviços; que o objeto desse
contrato é uma assessoria na recolocação profissional, que inclui desde o
atendimento psicológico, elaboração de currículo, aconselhamento profissional;
que não há um compromisso no contrato de encontrar uma vaga; que a remuneração por esse serviço é calculada aproximadamente com base no valor
que o cliente pretende receber, que, deste valor ajustado, 60% são pagos no
ato da contratação (podendo ser parcelado) e 40% pagos após a recolocação;
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que a requerida não mantém contrato com empresas que oferecem vagas; que
a obtenção de postos de trabalho se dá da seguinte forma: as empresas com
vagas abertas oferecem estas vagas à MANAGER ou o pessoal da MANAGER
busca estas vagas em jornais ou diretamente junto às empresas; que no Rio
de Janeiro são aproximadamente 30 pessoas; que no total tem cerca de 300
trabalhadores; que todos os empregados são contratados com registro em
carteira; que há uma outra divisão da empresa que faz recrutamento; que
neste caso há contratos específicos com as empresas que precisam de mão
de obra; que neste caso há também um contrato padrão; que há uma terceira
divisão, cuja atividade é de recolocar empregados, sob o patrocínio do ex-empregador (outplacement); que há uma quarta divisão denominada
Treinamento e Desenvolvimento; que esta atividade não está relacionada
diretamente a recrutamento; que no caso da denunciante a empresa informou
a ela, desde o início, que seria difícil encontrar para ela uma colocação melhor
do que aquela em que se encontrava; que mesmo assim ela insistiu em “testar
o mercado”. Ao final da audiência foi requerido ao réu que apresentasse nos
autos do procedimento investigatório cópia dos contratos-padrão assinados
entre a empresa e os trabalhadores que procuram seus serviços, o que foi
atendido às fls. 27/31.
No contrato apresentado, consta a seguinte cláusula: “O pagamento será
efetuado em 3 (três) parcelas, discriminadas a seguir: a) R$........... na assinatura do presente contrato; b) R$........... por ocasião do início da fase de
apresentação do profissional ao mercado de trabalho; c) 40% (quarenta por
cento) do salário de admissão, 30 (dias) após a contratação do profissional
por qualquer empresa”.
III — Do direito
No Brasil, não há legislação regulamentando a atividade das agências
de emprego. Isto não significa que as condutas do réu acima descritas possam
ser tidas por lícitas pelo singelo argumento de que “não há lei que as proíba”.
Como é sabido, o trabalho, em razão de seu “valor social” (Constituição,
arts. 1º, inc. IV e 170, caput), é objeto de tutela especial por normas de ordem
pública, isto significando que a liberdade de contrato, nesta matéria, é restrita,
não sendo autorizado aos particulares negociar o conteúdo mínimo “indisponível” dos direitos trabalhistas, assim entendido como aquele que, de acordo
com princípios constitucionais e a legislação própria, preserve a condição
humana do trabalhador.
Ou, em outras palavras, o Estado limita a liberdade de contrato entre
capital e trabalho para preservar o princípio da dignidade da pessoa humana
do trabalhador (Constituição, art. 1º, inc. III).
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Assim é que o fato de haver um vazio legislativo em uma questão afeta
ao Direito do Trabalho não autoriza, por si só, a aplicação do consagrado
princípio do direito privado de que “ao particular é autorizado fazer tudo aquilo
que a lei não proíba”.
A esse propósito, lembra Mauricio Godinho Delgado: “Qualquer dos
princípios gerais que se aplique ao Direito do Trabalho sofrerá, evidentemente,
uma adequada compatibilização com os princípios e regras próprias a este
ramo jurídico especializado, de modo que a inserção da diretriz geral não se
choque com a especificidade inerente ao ramo justrabalhista”. (Curso de direito
do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 191/192)
Tanto isto é verdade que a CLT, em rigorosa observância àquela matriz
publicista do Direito do Trabalho, estabelece em seu art. 8º:
“As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais
de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com
os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que
nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse
público.”
No caso, há de se buscar nas fontes do Direito do Trabalho preconizadas
pelo art. 8º da CLT normas que possam disciplinar a controvérsia em questão
diante do vazio legislativo a respeito da matéria, uma vez que ao magistrado
não é dado deixar de decidir ao argumento de omissão legislativa. Este
dispositivo celetista, diga-se (a exemplo, também, do art. 4º da LICC), remonta
à tradição jurídica positivista de completude do ordenamento jurídico, como
se observa da clássica lição de Hans Kelsen a respeito das lacunas da lei,
quando, segundo ele, “o tribunal recebe poder ou competência para produzir,
para o caso que tem perante si, uma norma jurídica individual cujo conteúdo
não é de nenhum modo predeterminado por uma norma geral de direito material criada por via legislativa ou consuetudinária. Neste caso, o tribunal não
aplica uma norma geral, mas a norma jurídica que confere ao tribunal poder
para esta criação ‘ex novo’ de direito material”, concluindo mais adiante que
“não é possível, neste caso — de lacuna —, a aplicação de uma norma jurídica
singular. Mas é possível a aplicação da ordem jurídica — e isso também é
aplicação do Direito.” (Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
p. 271/273)
Conforme lição de Norberto Bobbio, na qual adota a terminologia criada
por Carnelutti, a superação das lacunas da lei pode se dar pelo recurso a
dois métodos diferentes, o da heterointegração e o da autointegração. Pelo
primeiro método, a integração se dá quando o intérprete pode recorrer a
ordenamentos ou fontes do direito diversos das dominantes, como quando a
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lei o remete, por exemplo, ao direito comparado, ao costume, à jurisprudência
ou à doutrina. Pelo segundo método, a integração ocorre quando o intérprete
é autorizado a encontrar a solução para a lacuna dentro do mesmo ordenamento ou da mesma fonte dominante, quando a lei lhe permite, por exemplo,
valer-se da analogia ou dos princípios gerais de direito. (Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: UnB, 1999. p. 146/147)
Vê-se, portanto, que o art. 8º da CLT permite tanto a heterointegração
quanto autointegração. Assim, para dirimir o presente conflito e seguindo
expressamente o que determina o art. 8º da CLT, o Ministério Público do
Trabalho recorre a ambos os métodos de integração da norma, invocando,
de um lado, a aplicação dos princípios gerais de direito (no caso, de direito
constitucional) e a analogia (o art. 18 da Lei n. 6.019/74) e, de outro lado, do
direito comparado, em especial da Convenção n. 181 da OIT, a qual vigora
com força de lei em países com tradição jurídica semelhante à brasileira, como
Portugal.
A. Dos princípios de direito constitucional aplicáveis ao caso
Inicialmente, deve ser observado que a remição do art. 8º da CLT aos
“princípios gerais de direito” — já encontradiça nos códigos europeus da
segunda metade do século XIX para superar a fadiga da codificação napoleônica — deve ser interpretada à luz de nossa época, em que as Constituições
assumiram um papel de centralidade no sistema jurídico. Mencionando o significado do constitucionalismo democrático do pós-guerra, Luís Roberto Barroso
observa como “a Constituição passa a ser, assim, não apenas um sistema
em si — com a sua ordem, unidade e harmonia —, mas um modo de olhar e
interpretar todos os demais ramos do Direito”. (Interpretação e aplicação da
Constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 340)
Ou seja, os “princípios gerais de direito” hoje devem ser buscados, antes
de mais nada, no sistema de princípios constitucionais que informam o ordenamento jurídico, como aliás percebeu também Norberto Bobbio: “Muitas
normas da Constituição são princípios gerais do Direito; mas, diferentemente
das normas do Código Civil, algumas delas esperam ainda ser aplicadas: são
princípios gerais expressos não aplicados”. (Op. cit., p. 159)
Assim é que o Ministério Público invoca em defesa de sua tese os
seguintes princípios constitucionais:
A.1. Princípio constitucional de garantia de acesso ao mercado de
trabalho
O art. 6º da Constituição estabelece que o trabalho é um direito social.
Isto significa que o direito ao exercício de uma ocupação remunerada que
assegure a subsistência é assegurado constitucionalmente.
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Embora o art. 6º da Constituição, ao garantir o “direito ao trabalho”, possa
ser classificado dentre as normas constitucionais programáticas — por impor
ao Estado políticas públicas direcionadas ao pleno emprego —, nem por isto
estaria tal dispositivo destituído de eficácia. A esse propósito, calha a lição do
professor Luís Roberto Barroso: “Em verdade, as normas programáticas não
se confundem, por sua natureza e projeção no ordenamento, com as normas
definidoras de direitos. Elas não prescrevem, detalhadamente, uma conduta
exigível, vale dizer: não existe, tecnicamente, um dever jurídico que corresponda a um direito subjetivo. Mas, indiretamente, como efeito, por assim dizer,
atípico, elas invalidam determinados comportamentos que lhes sejam antagônicos. Neste sentido, é possível dizer que existe um dever de abstenção,
ao qual corresponde um direito subjetivo de exigi-la”. (O direito constitucional
e a efetividade de suas normas. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 123)
Ou seja, e retornando ao caso dos autos, embora o art. 6º da Constituição
não assegure aos trabalhadores o direito subjetivo e concreto a uma ocupação
remunerada determinada, tem eficácia suficiente para reprimir condutas que
dificultem o seu acesso ao mercado de trabalho. E, sem sombra de dúvida, a
conduta do réu está claramente em colisão com a norma em análise, já que
ninguém pode ser onerado economicamente para exercer um direito constitucional social. Aceitar a conduta do réu seria o mesmo que admitir que
qualquer particular possa cobrar do cidadão pelo acesso à educação ou à
saúde públicas, pouco importando, aqui, a natureza privada do contrato de
trabalho: ainda que o contrato de emprego seja privado, o mercado de trabalho
não o é, uma vez que fortemente regulado por normas de ordem pública,
inclusive de extrato constitucional, como se vê, por exemplo, no art. 7º, incs.
XX, XXX e XXXI da Carta da República.
A.2. Princípio constitucional de valorização do trabalho humano e de
garantia da dignidade da pessoa do trabalhador
Como se sabe, o Tratado de Versalhes, documento que é o marco da
internacionalização do Direito do Trabalho, estabeleceu em seu art. 427 o
princípio fundamental segundo o qual “o trabalho não há de ser considerado
como mercadoria ou artigo de comércio”. Este postulado foi incorporado posteriormente pela Organização Internacional do Trabalho, que o incluiu na chamada “Declaração de Filadélfia”, a qual estabeleceu os fins e objetivos daquela
organização internacional.
O postulado acima mencionado significa que o trabalho não pode ser
tratado como um bem meramente econômico, sujeito às leis de oferta e
demanda, não podendo, por conseguinte, ser objeto de livre estipulação pelas
partes. Isto é, há de ser observado um conteúdo mínimo de limitações à alienação do trabalho, na medida em que se reconhece que as transações entre
o capitalista e o trabalhador não podem dispor livremente sobre padrões que
assegurem a dignidade da pessoa humana.
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Obviamente que o postulado fundante do direito laboral de que o
“trabalho não é uma mercadoria” foi plenamente incorporado pela Constituição
de 1988. Como bem observa o Procurador do Ministério Público do Trabalho
Viktor Byruchko Junior: “A Carta Magna prescreve que a República Federativa
do Brasil tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, incisos III e IV), estabelecendo,
no seu Título II, Capítulo II, os direitos sociais, dentre os quais se destacam
os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, merecendo relevo o direito à
relação de emprego (art. 7º, caput e inciso I). Por seu turno, a Ordem Econômica e Financeira, no Título VII, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, possui como princípio a busca do pleno emprego (art.
170, caput e inciso VIII). Neste passo, (...) a ordem jurídica repele a possibilidade de se admitir como mercadoria, bem comerciável, moeda de troca
para aquisição de produtos e/ou serviços, o valor social trabalho, que se
conecta com a dignidade da pessoa humana. E isso sob pena de restar ferida
esta última quando aquele valor social é inserido como mercadoria, moeda
de troca. Não se olvide, também o que prega o art. 193 da Carta Magna de
1988: ‘A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo
o bem-estar e a justiça sociais’”. (Petição inicial da ação civil pública).
Ora, como se depreende do procedimento investigatório instruído pelo
Ministério Público, o réu aufere seus lucros comercializando vagas existentes
no mercado de trabalho, cobrando dos desempregados e candidatos a emprego um taxa que recai sobre suas remunerações iniciais. Os trabalhadores
que se submetem a esta condição, certamente premidos pela necessidade
urgente e muitas vezes desesperadora de subsistência, estão se vendo obrigados a onerar-se economicamente para poder exercer um direito social constitucionalmente assegurado. Portanto, está o réu claramente comercializando a
mercadoria “trabalho alheio”, conduta que se choca frontalmente com todos
os princípios constitucionais acima referidos, em especial o de proteção à
dignidade do trabalhador e do trabalho como valor social.
A.3. Princípio constitucional de proteção ao salário (ou princípio da
intangibilidade salarial)
A Carta de 88 elevou a status constitucional um dos princípios mais
caros ao Direito do Trabalho, o da intagibilidade salarial. O art. 7º, inc. X, assegura a “proteção do salário” na forma da lei. Na legislação ordinária, este dispositivo é regulado pelo art. 462 da CLT, que estabelece de forma exaustiva as
restritas hipóteses em que o salário do empregado pode ser legitimamente
descontado e por certo nenhuma delas contempla a possibilidade de redução
no salário para pagamento do processo admissional.
Não se alegue que a parcela cobrada pelo réu não se caracteriza como
“desconto”, porque não retida pelo empregador. O princípio constitucional de
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proteção ao salário é muito mais amplo, não se limitando, apenas, a evitar
que o empregador promova descontos ilegais no salário do empregado. Como
lembra Mauricio Godinho Delgado: “Estabelece o princípio da intagibilidade
dos salários que esta parcela justrabalhista merece garantias diversificadas
da ordem jurídica, de modo a assegurar seu valor, montante e disponibilidade
em benefício do empregado. Este merecimento deriva do fato de considerar-se ter o salário caráter alimentar, atendendo, pois, a necessidades essenciais
do ser humano”. (Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.
p. 206). Ora, ao firmar com os trabalhadores um contrato vinculando o pagamento pelo seu “serviço” a percentuais que incidirão sobre salários futuros, o
réu claramente compromete-lhes a disponibilidade de sua remuneração.
Ademais, a admitir-se como lícita a conduta do réu, estar-se-ia permitindo, por via indireta, repassar ao empregado parte dos custos com a administração dos recursos humanos. Isto porque os custos do processo de
recrutamento e treinamento da mão de obra são inerentes à atividade econômica e por isto devem ser suportados pelo empregador e jamais pelo empregado. Admitir o contrário seria fazer com que o empregado suportasse, de
forma indireta, os ônus econômicos e riscos do empreendimento capitalista.
B. Da aplicação por analogia do disposto no art. 18 da Lei n. 6.019/74
O art. 18 da Lei n. 6.019/74, que regula a atividade das empresas de
trabalho temporário no Brasil, assim dispõe:
“é vedado à empresa de trabalho temporário cobrar do trabalhador
qualquer importância, mesmo a título de mediação, podendo apenas
efetuar os descontos previstos em lei.”
Diante do vazio legislativo que envolve os fatos em questão, deve-se
considerar que se as empresas de trabalho temporário não podem impor valores a seus empregados para encaminhá-los ao mercado de trabalho, idêntica
medida, por analogia, deve ser aplicada às agências de emprego, uma vez
que consentânea com o ordenamento jurídico pátrio, em especial com os
princípios constitucionais já invocados.
C. Do direito comparado aplicável ao caso — a Convenção n. 181 da OIT
Como já foi visto no início deste arrazoado, as Convenções da OIT, ainda
que não ratificadas, podem ser aplicadas pela Justiça do Trabalho na hipótese
de vazio legislativo, por expressa autorização do art. 8º da CLT. Este entendimento, diga-se, foi respaldado em recente conclave jurídico patrocinado pelo
TST e pela ANAMATRA (1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça
do Trabalho, realizado em 23.11.2007), nos seguintes termos:
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“Enunciado n. 3. I — Fontes do Direito — Normas Internacionais. O
Direito comparado, segundo o art. 8º da CLT, é fonte subsidiária do Direito
do Trabalho. Assim, as Convenções Internacionais do Trabalho não
ratificadas pelo Brasil podem ser aplicadas como fontes do Direito do
Trabalho, caso não haja norma do direito interno regulando a matéria. II
— Fontes do Direito do Trabalho. Direito Comparado. Convenções e
Recomendações da OIT. O uso das normas internacionais, emanadas
da Organização Internacional do Trabalho, constitui-se em importante
ferramenta da implementação do Direito Social e não se restringe à
aplicação direta das Convenções ratificadas pelo país. As demais normas
da OIT, como as Convenções não ratificadas e as Recomendações,
assim como os relatórios de seus peritos, devem servir como fonte de
interpretação da lei nacional e como referência a decisões judiciais
baseadas na legislação doméstica.”
A Convenção n. 181 da OIT regula a atividade das agências privadas
de emprego. É certo, repita-se, que este tratado internacional não foi ratificado
pelo Brasil. Portanto, o que se busca aqui não é sua aplicação com força de
lei ordinária, mas sim sua aplicação como fonte subsidiária do direito do
trabalho, em virtude da possibilidade de aplicação do direito comparado na
esteira do vazio legislativo, conforme autoriza claramente o art. 8º da CLT.
Preconiza a Convenção n. 181 da OIT:
Art. 7º 1 — “As agências de emprego privadas não devem impor aos
trabalhadores, direta ou indiretamente, no todo ou em parte, o pagamento
de honorários ou outros encargos.”
Obviamente que esta norma da OIT nada mais é do que o postulado
fundador daquela organização, já mencionado anteriormente, segundo o qual
“o trabalho não é mercadoria”, aplicado às agências de emprego. Fica patente
também que é vedada a imposição “indireta” de encargos ou honorários, que
no caso vertente é muito claramente caracterizada quando o réu, além de
cobrar determinado valor diretamente do trabalhador, vincula o seu pagamento
a percentuais incidentes sobre os futuros salários.
Observe-se que não se quer aqui impedir ou extinguir a atividade
econômica do réu (recrutamento, preparação, treinamento, encaminhamento
ao mercado de trabalho, head hunter etc.), mas apenas discipliná-la em
atenção aos princípios constitucionais e à ordem jurídica trabalhista.
Obviamente que o réu poderá continuar a exercer sua atividade, mas prestando o serviço ao empregador, que é quem deve arcar com os custos do
recrutamento, como preconiza a OIT. Não se alegue, tampouco, que o
entendimento do Ministério Público inviabilizaria a atividade do réu,
pela dificuldade em obter o lucro. Ora, em todos os países civilizados onde
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a Convenção da OIT é lei, as agências de emprego prosperam cobrando
os seus serviços dos empregadores.
IV — Competência da Justiça do Trabalho
Poder-se-ia cogitar, de forma precipitada e por isto mesmo enganosa,
que a presente controvérsia diz respeito à relação de consumo entre o
trabalhador contratante e a empresa contratada para prestar um suposto
“serviço”.
É bem verdade que não se está aqui diante de um conflito típico a
envolver empregado e empregador. No entanto, o que se questiona aqui é a
atuação do réu como agente de integração dos trabalhadores ao mercado de
trabalho. Ou seja, o que se submete à apreciação do Judiciário é a conduta
do réu em impor um “custo” ao trabalhador para que este exerça o direito
constitucional de ingresso ao mercado de trabalho.
Como é sabido, o que define a competência é “a natureza do direito
material controvertido” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Teoria geral do direto
processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. 1, p. 166). O fato aqui
colocado é o entrave que o réu impõe aos trabalhadores para o exercício do
direito constitucional ao trabalho, bem como o comprometimento de seus
salários futuros. Para coibir esta conduta, o que se busca aqui é a aplicação
de princípios de proteção ao trabalhador (e não ao consumidor). Todas as
normas (princípios e regras) aqui invocadas são de natureza trabalhista,
previstas no direito constitucional laboral e na legislação tutelar. Tanto se cuida
aqui de Direito do Trabalho que as relações jurídicas em questão são objeto
de regulamentação pela Organização Internacional do Trabalho, conforme a
referida Convenção n. 181, cuja aplicação é defendida pelo Ministério Público
com base no art. 8º da CLT.
Ademais, o art. 114 da Constituição da República, com a redação que
lhe conferiu a EC n. 45, ampliou a competência da Justiça do Trabalho para
além do vínculo empregado/empregador, submetendo à sua apreciação todas
as controvérsias em que esteja presente uma “relação de trabalho”. Embora
não haja uma relação de trabalho entre os tutelados por esta ação e o réu, há
uma relação jurídica entre eles que afeta a relação de trabalho entre os jurisdicionados e o seu futuro empregador, comprometendo-lhes parte significativa
de seu salário.
V — Condenação em dinheiro
A conduta do réu vem provocando claro prejuízo econômico a milhares
de trabalhadores que por meio dele procuram emprego, na tentativa muitas
vezes agônica de encontrar uma forma de subsistência.
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A recomposição do bem lesado, pela devolução de todas as importâncias
cobradas indevidamente, se afigura processualmente inviável.
Assim, nos termos do art. 13 da Lei n. 7.347/85, requer a condenação
do réu no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), reversíveis ao Fundo
de Amparo ao Trabalhador.
VI — Pedido
a) seja o réu condenado em obrigação de fazer consistente em abster-se, em todo o território nacional, de cobrar direta ou indiretamente dos trabalhadores quaisquer valores ou honorários, incluindo-se percentuais incidentes
sobre salários futuros, para encaminhamento a entrevistas ou vagas de
emprego, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
b) seja o réu condenado no pagamento de indenização no valor de R$
500.000,00 (quinhentos mil reais), pelos danos provocados, reversíveis ao
Fundo de Amparo ao Trabalhador.
VII — Requerimento final
Requer-se a citação do réu para, querendo, responder à presente ação
e protesta-se pela produção de todas as provas em direito admitidas, inclusive
depoimento pessoal do representante legal do réu.
Finalmente, pede-se sejam julgados procedentes todos os pedidos,
atribuindo-se à causa, para fins de alçada, o valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais).
Termos em que pede deferimento.
Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2008.
Cássio Casagrande
Ministério Público
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AÇÃO RESCISÓRIA: PROGRAMA
EMERGENCIAL DE AUXÍLIO-DESEMPREGO(*)
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO, DOUTOR ANTÔNIO JOSÉ
TEIXEIRA DE CARVALHO
“Não há degradação histórica maior do que aquela
situação em que o pobre ainda acredita que sua
emancipação dependa dos outros, sobretudo, do
grupo dominante.”
Pedro Demo
O Ministério Público do Trabalho, CNPJ n. 26.989.715/0055-03, por
intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, com sede na
Rua Aurora n. 955, nesta Capital, CEP 01209-001, vem, com as honras de
estilo, à presença de Vossa Excelência, no desempenho das funções que lhe
são outorgadas pelo art. 127 da Constituição da República, combinado com o
art. 83, inciso I, da Lei Complementar n. 75/93, e com supedâneo nos arts.
485, inciso V e 487, inciso I, ambos do CPC, propor
AÇÃO RESCISÓRIA,
em face da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos — CPTM, sociedade
de economia mista estadual, inscrita no CNPJ/MF sob o n. 71.832.679/0001-23, com sede na Rua Boa Vista, n. 185, Centro — São Paulo/SP — CEP
01014-001; visando à desconstituição do r. acórdão oriundo da 9ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região — acórdãos n. 20030621121 e
(*) Vencedor do Prêmio Evaristo de Moraes Filho — 2009 (3º lugar).
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20030717617 —, de relatoria da Desembargadora Federal do Trabalho, Dra.
Laura Rossi, proferidos nos autos da ação civil pública, tombada neste E.
TRT sob o n. 20030008365, cumulado com pedido de novo julgamento, pelos
fatos e fundamentos a seguir expostos.
I. Dos fatos
Cuida-se de processo decorrente de ação civil pública, tombada sob o
n. 1.781/01, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face da
Companhia Paulista de Trens Metropolitanos — CPTM, fundada em inquérito
civil público, na qual se apurou o desvirtuamento da Lei Estadual n. 10.321/99,
que instituiu o “Programa emergencial de auxílio-desemprego”, resultando na
contratação de empregados sem a observância do disposto no art. 37, inciso
II, da Constituição Federal.
Na ação civil pública pleiteou o Ministério Público do Trabalho a concessão de liminar, a declaração de nulidade dos contratos firmados com base
nas Leis Estaduais ns. 10.321/99 e 10.618/00, a condenação da ré no imediato
desligamento dos trabalhadores denominados bolsistas da Frente de Trabalho, a fixação de multa diária para hipótese de descumprimento de obrigação
de fazer e não fazer e a condenação da ré em indenização correspondente
por danos a interesses difusos e coletivos e demais consectários.
Em primeiro grau de jurisdição, após a concessão da liminar pleiteada,
em decisão de lavra do MM. Juiz do Trabalho, Dr. Adalberto Martins, a ação
civil pública foi julgada parcialmente procedente, declarando a nulidade dos
contratos firmados pela ré com fundamento nas Leis Estaduais ns. 10.321/99
e 10.618/00, condenando-a ainda a promover o desligamento dos bolsistas e
a abster-se de proceder novas admissões, em até 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa.
Inconformada com a decisão, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos — CPTM ingressou com recurso ordinário, devidamente contra-arrazoado pelo Ministério Público do Trabalho, que foi distribuído à 9ª Turma do E.
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, tombado sob o n. 20030008365.
Na Sessão de julgamento, a E. 9ª Turma, acolhendo o voto da Exma.
Desembargadora do Trabalho, Dra. Laura Rossi, por unanimidade de votos,
resolveu dar provimento ao recurso da reclamada para, em reforma a sentença
de origem, julgar improcedente a ação civil pública, nos seguintes termos,
que ora transcrevemos do v. acórdão n. 20030621121:
“Ocorre que, não obstante tenha o julgado hostilizado acolhido o pleito
com base na verificação da implementação do ‘Programa Emergencial
de Auxílio-Desemprego (PEAD)’ com aviltamento de tais leis e da Constituição Federal, contrariamente ao entendimento de origem, não se vislumbra a existência de subordinação jurídica ensejadora do vínculo laboral.
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De fato, tendo a reclamada aceitado a participação no programa
assistencial de combate ao desemprego fomentado por tais normas
estaduais, a convite da ‘Secretaria Estadual do Emprego e Relações do
Trabalho’ (SERT), a quem competia a coordenação do programa, a
seleção dos trabalhadores e a alocação dos mesmos nos órgãos da
Administração Pública Direta ou Indireta, bem como nas empresas Metrô,
CPTM, Sabesp, CDHU e Dersa; não se pode concluir pelo reconhecimento da subordinação nos moldes celetistas, uma vez que, na realidade,
a direção, fiscalização e determinação das tarefas a serem realizadas
pelas frentes emergenciais de trabalho era responsabilidade precípua
da empresa participante para a consecução da ocupação dos desempregados e respectivas qualificações profissionais decorrentes do
programa.
Até porque, como se verifica dos autos às fls. 185/208, por exemplo, as
atividades não podem ser consideradas inerentes aos ferroviários, como
a limpeza da via férrea, desobstrução de valas, reparos de alvenaria,
construção de muros divisórios etc. Pois essas atividades, inclusive,
comportam terceirização, bem como outras informadas no decorrer do
inquérito da ACP e corroboradas nos autos, como auxílio a deficientes
físicos nas estações e auxílio aos usuários.
Ressalte-se, também, que restou inequívoco nos autos a participação
dos trabalhadores, em um dia por semana como prevê o PEAD, em
cursos de qualificação profissional, demonstrando a atipicidade da
relação jurídica no campo trabalhista, uma vez que, por outro lado, a
orientação profissional aos bolsistas, evidentemente, demanda a existência de comandos específicos na definição e distribuição das atividades
para a alocação do significativo número, em torno de 1900 bolsistas, no
universo previsto de 50.000 desempregados, o que não pode ser confundido com a típica relação de emprego, sequer com a substituição de
pessoal regular.
Observe-se que as questões pertinentes ao eventual desvirtuamento
da finalidade das leis estaduais, bem como a ausência de atendimento
aos pressupostos ensejadores do programa estipulado, comportam a
efetiva fiscalização pelos órgãos competentes, e eventualmente até
a imposição de penalidades previstas em lei, mas não a nulidade dos
contratos de cunho eminentemente social e assistencial de combate ao
desemprego, inclusive que atendem ao disposto nos incisos VII e VIII
do art. 170 da Constituição Federal, como bem destacou o eminente
Juiz Luiz Edgard no aludido voto, não havendo falar em necessidade
de realização prévia de concurso público ou mesmo nas lesões a direitos
coletivos dos ferroviários.
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Ademais, ainda que assim não fosse, a questão paradoxal verificada
no referido acórdão paradigma aqui se repete, uma vez que, no caso
em tela, o inquérito civil público que propiciou a ACP que instruiu a
exordial, decorreu no período de setembro/outubro de 2000, com o
ajuizamento em agosto/2001, quando se relatou a existência de 1.611
bolsistas nas condições apuradas na reclamada. Assim, hoje com
praticamente três anos das apurações, daqueles contratos não se tem
nenhuma noção atual, porquanto eram previstos para duração inicial
de 6 meses, prorrogáveis por mais 3 meses, o que, logicamente, induz
à perda do objeto da demanda, especialmente no tocante à nulidade
dos contratos. Assim, resta inviável o atendimento dos demais pleitos
da Ação Civil Pública (ACP) como a obrigação da ré se abster de admitir
trabalhadores por meio de frente de trabalho (letra b), multa diária de
R$ 1.000,00 na hipótese de não cumprimento das obrigações de fazer
e não fazer (letra c) e, finalmente, a indenização correspondente à
respon-sabilidade por danos a interesses coletivos e difusos causados
pela conduta supostamente ilícita da ré (letra d), conforme se vê às fls.
33/34 da exordial.”
Da decisão, o Ministério Público do Trabalho opôs embargos de declaração, com base no art. 535, inciso II, do CPC, para prequestionamento dos
dispositivos constitucionais — arts. 7º e 37, II e § 2º — que fundamentaram o
pedido ministerial. A E. 9ª Turma, por unanimidade de votos, acolheu parcialmente os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público do Trabalho,
apenas para prestar os esclarecimentos referentes aos mencionados dispositivos, o que o fez nos seguintes termos (acórdão n. 20030717617):
“De plano, assoma descabida a oposição de embargos declaratórios
para sanar omissão, uma vez não observados os limites traçados pelo
art. 897-A da CLT.”
A prestação jurisdicional restou implementada, inclusive para fins de
prequestionamento, com apreciação de todas as questões postas em pauta
no apelo, sendo certo que, tendo firmado seu convencimento e fundamentado
sua conclusão, o magistrado não está obrigado a examinar a questão sob a
ótica das partes, não havendo falar em omissões a sanar, mas sim em inconformismo da parte com o que restou decidido, não sendo os embargos declaratórios via adequada à reforma do julgado.
De todo modo, e a fim de prevenir eventual arguição futura de negativa
de prestação jurisdicional, cumpre esclarecer que o pedido consistente na
imposição à ré de obrigação de se abster de admitir trabalhadores por meio
de Frente de Trabalho, sem prévia aprovação em concurso público (item V,
letra b, fl. 33), foi objeto de apreciação no acórdão, que fundamentadamente
rejeitou a pretensão, como decorrência lógica do entendimento — que inclusive
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conduziu ao decreto de improcedência da ação civil pública — de que as admissões efetuadas no contexto do “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego” (PEAD) tiveram cunho eminentemente social e assistencial, dentro dos
limites da legalidade e legitimidade, não se constatando fraude ensejadora
da pretendida imposição de obrigação de não fazer. Ficou explicitado que
não se configurou típica relação de emprego e nem substituição de pessoal
regular e efetivo.
Quanto à alegada violação aos arts. 7º e 37, II e IX, da CF, cumpre
ressaltar que o acórdão firmou entendimento fundamentado no sentido de
que os trabalhadores admitidos não estavam submetidos a vínculo empregatício, situando-se fora da órbita dos preceitos celetistas. Ficou também
devidamente fundamentado o posicionamento segundo o qual o caráter emergencial, transitório e assistencial da contratação dispensava a realização de
concurso público, enfatizando-se que a hipótese não envolvia provimento
de cargo ou emprego público”. Diante disso, o Ministério Público do Trabalho
interpôs recurso de revista, que, entretanto, não foi conhecido pelos Ministros
da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, na esteira do Enunciado n.
126 do TST, bem como por revelarem-se inespecíficos os arestos
colacionados, na esteira do Enunciado n. 296 do TST.
Após sucessivos embargos de declaração opostos pelo Ministério
Público do Trabalho, e rejeitados pelo Tribunal Superior do Trabalho, em
13.11.2007, a decisão transitou em julgado, consoante se verifica na certidão
de fl. 985, em anexo.
Eis os fatos, sinteticamente narrados, acompanhados de cópia integral
dos autos judiciais, devidamente autenticados pelo Ministério Público do
Trabalho, que os retratam em sua inteireza.
II. Da decisão rescindenda
Do criterioso exame dos fundamentos utilizados nos acórdãos ora atacados verifica-se que a E. 9ª Turma deste Tribunal decidiu ser legal e legítima a
admissão de pessoal na administração pública, sem concurso público e com
a supressão de direitos trabalhistas, efetuadas no contexto do Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego.
E assim concluiu por entender que o cunho eminentemente social e
assistencial da relação jurídica havida entre a Secretaria Estadual do Emprego
e Relações do Trabalho, a CPTM e os bolsistas da “Frente de Trabalho” não
permite o reconhecimento da existência de uma relação de emprego, vez que
a “existência de comandos específicos na definição das atividades” dos bolsistas, não pode ser confundida com a subordinação nos moldes celetistas e
sequer com a substituição de pessoal regular.
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Entendeu ainda a v. decisão rescindenda que, como os trabalhadores
da “Frente de Trabalho” foram admitidos em caráter social e assistencial, estão
situados fora da órbita dos preceitos celetistas e que, dado o também caráter
emergencial, transitório e assistencial, é dispensável a realização de concurso
público, por não envolver provimento de cargo ou emprego público.
Por fim, em complementação ao quanto exposto, entendeu a E. 9ª Turma
que as questões pertinentes ao desvirtuamento da finalidade na execução do
programa comporta apenas fiscalização pelos órgãos competentes e imposição
de penalidades, mas não a nulidade dos contratos. Ademais, mesmo que assim
não fosse, entendeu o Tribunal ainda que, a ação teria perdido o objeto, no
tocante à nulidade dos contratos, em razão de, à época da decisão, não se
ter nenhuma noção de sua vigência, inicialmente previstos com duração de 6
meses, prorrogados por mais 3 meses. Entretanto, ao assim decidir, o v.
acórdão colegiado violou frontal e literalmente o disposto na Constituição
Federal, no que pertine ao princípio da dignidade humana e aos direitos sociais
dos trabalhadores (arts. 1º, incisos III e IV, 3º, incisos III e IV, 5º, caput, 6º, 7º,
193 e 203), aos princípios e deveres da administração pública (art. 37, inciso
II e § 2º) e aos princípios gerais da atividade econômica (art. 170), bem como
a Legislação Ordinária Consolidada e Extravagante (quanto à confi-guração
da relação jurídica de emprego e aos direitos que essas garantem aos
empregados) e, ainda, em desacordo com a Súmula n. 363 do E. TST, além
de incorrer também em negativa de prestação jurisdicional (arts. 5º, incisos
XXXV, LIV e LV e 93, inciso IX da Constituição Federal e art. 832 da
Consolidação das Leis do Trabalho).
Diante disso, transitada e julgada a decisão, que é manifestamente inconstitucional e ilegal, outra saída não resta ao Ministério Público do Trabalho senão
ajuizar a presente ação rescisória, com fulcro no art. 485, inciso V, do CPC,
visando ao restabelecimento da ordem jurídica constitucional violada e a recomposição dos danos sofridos, em razão da ofensa aos direitos social constitucionalmente garantidos aos trabalhadores, conforme restará demonstrado.
II.1. Da violação literal a dispositivos constitucionais e legais
Violação literal ao disposto nos arts. 1º, incisos III e IV, 3º, incisos III e
IV, 5º, 6º, 7º, 193 e 170, caput, todos da Constituição Federal: do direito ao
trabalho digno. Já no seu art. 1º, inciso III, a Constituição brasileira eleva a
dignidade humana em fundamento da República Federativa do Brasil. E, igualmente no mesmo artigo, no inciso IV, o constituinte elegeu o valor social do
trabalho também como fundamento do Estado Brasileiro, fazendo intervir,
assim, o trabalhador como titular de direitos de igual dignidade.
O art. 3º, incisos III e IV, da Constituição Federal, por seu turno, menciona
como objetivos da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e
a marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais, bem
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como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, etnia, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Interpretando-se sistematicamente a previsão dos arts. 1º e 3º, da
Constituição Federal, verifica-se que estes dispositivos afastam a compreensão
meramente individualista da dignidade, para encartá-la em uma dimensão
comunitária (ou social) justamente por serem todos iguais em dignidade e
direitos (na iluminada fórmula da Declaração Universal de 1948) e pela
circunstância de nesta condição conviverem em determinada comunidade.
Concebendo a dignidade humana, assim, não com base no que cada pessoa
possui ou consome, mas pela posição que ocupa no grupo ou sociedade, ou
pelos papéis desempenhados socialmente.
Assim, quando a Constituição Federal entabula o valor da pessoa humana como um princípio fundamental no art. 1º, inciso III, conjugado com o
art. 3º, verifica-se que este deve ser efetivado sob diferenciados aspectos no
contexto societário, seja no tocante ao próprio interesse individual da pessoa,
seja no plano econômico ou social.
Observa-se ainda que, a Lei Maior garante amplitude temática ao princípio da dignidade da pessoa humana, descrevendo dimensões deste
princípio, especialmente em seu art. 5º, ao garantir a igualdade de todos
perante a lei e a inviolabilidade de seus direitos, no art. 170, ao determinar que
a ordem econômica garanta a todos uma existência digna e, em seu art. 193,
ao exigir que a ordem social tenha como objetivos o bem-estar e a justiça social, sempre tendo como foco central o princípio da dignidade da pessoa humana e como princípio fundamental de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Seguindo essa esteira de raciocínio Carmen Lúcia Antunes Rocha afirma
que a Constituição Federal de 1988 contemplou a dignidade sob dois enfoques
distintos, o do direito à vida digna (art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...”) e o do
direito à existência digna (art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:...”).
Para a autora a existência digna é um conceito mais amplo que a vida
digna, porque considera o ser desde a concepção.
“O direito à existência digna abrange o direito de viver com dignidade,
de ter todas as condições para uma vida que se possa experimentar
segundo os próprios ideais e vocação, de não ter a vida atingida ou
desrespeitada por comportamentos públicos ou privados, de fazer as
opções na vida que melhor assegurem à pessoa a sua escolha para a
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realização plena. O direito de viver é também o de ser; ser o que melhor
pareça à pessoa a sua escolha para a vida, quer façam as opções a
própria pessoa ou quem a represente (pais, responsáveis etc.).”
(ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Vida digna: direito, ética e ciência (os
novos domínios científicos e seus reflexos jurídicos. In: ROCHA, Carmen
Lúcia Antunes (coord.). O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórun,
2004. p. 86)
Do ponto de vista da incidência da dignidade nas relações de trabalho,
o direito à existência digna destaca-se como elemento fundante para a constituição de uma ética em condições que permitam aos indivíduos colocarem
em prática sua concepção de dignidade. Neste contexto, o direito à existência
digna, conforme os ditames da justiça social, não é um direito subjetivo e
individual, mas de todos, que não admite miséria nem marginalização em parte
alguma e distribui o bem-estar e o desenvolvimento com equidade. Protege,
não privilegia. É fraternidade e ausência de discriminação. Não se mede por
um absoluto, mas é, conforme certos limites de possibilidade estabelecidos,
um sentido de orientação para não excluir ninguém.
Posto isso, ante aos termos da r. decisão rescindenda, impossível não
se questionar se os trabalhadores sem vínculo empregatício, mas trabalhadores, não teriam, por exemplo, direito a um salário mínimo capaz de satisfazer
às necessidades normais de um trabalhador e sua família (art. 7º, IV, CF), à
jornada de 8 horas (art. 7º, XIII, CF), ao repouso semanal remunerado, às
férias remuneradas (art. 7º, XV e XVII, CF), ao FGTS (art. 7º, III, CF), e à preservação de sua incolumidade física e moral (art. 7º, XXII, da CF), mediante a
manutenção de um meio ambiente adequado de trabalho, a fim de coibir os
riscos de acidentes de trabalho.
O questionamento assume maior relevância notadamente quando se
constata, conforme demonstrado na inicial da ação civil pública, que nenhum
desses direitos é observado no contexto do “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego”.
Ora, como estatuído na Constituição Federal, mais precisamente no
capítulo destinado aos Princípios da atividade econômica, a Ordem Econômica,
mesmo capitalista, prioriza a existência de todos com dignidade, nos moldes
da justiça social. Esta assertiva fica mais bem clara, como bem leciona Josue
Lafayete Petter, quando se leva em consideração a finalidade da ordem
econômica, que deve estar direcionada à potencialização do homem, seja
em sua dignidade existencial, seja na substantivação das qualidades que o
singularizam (PETTER, Josué Lafayete. Princípios constitucionais da ordem
econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 158). Na realidade, como bem explica
Mauricio Godinho Delgado, o texto constitucional vai além, vez que reconhece
o direito social ao trabalho “como condição da efetividade da existência digna”
(DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr,
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2005. p. 1114). Por essa razão é que o valor social do trabalho é fundamento
da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, CF/88); a ordem econômica
deve assegurar a todos existência digna, pautando-se na valorização do
trabalho (art. 170, CF/88) e a ordem social deve ter como base o primado
do trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça social (art. 193, CF/88).
Logo, se o trabalho é um direito fundamental, como condição da efetividade da existência digna, deve pautar-se na dignidade da pessoa humana.
Por isso, quando a Constituição Federal de 1988 refere-se ao direito ao
trabalho, implicitamente já está compreendido que o trabalho valorizado pelo
texto constitucional é o trabalho digno. Primeiro, devido ao nexo lógico existente
entre direitos fundamentais (direito fundamental ao trabalho, por exemplo) e
o fundamento nuclear do Estado Democrático de Direito que é a dignidade da
pessoa humana. Segundo, porque apenas o trabalho exercido em condições
dignas é que é instrumento hábil a construir a identidade social do trabalhador.
Por outro lado, se existe um direito fundamental, deve também existir um dever
fundamental de proteção. Quando o Direito utiliza-se da regulamentação jurídica significa, antes de tudo, que ele servirá como suporte de valor para
proteger o homem em seus direitos.
Gabriela Neves Delgado ensina que:
“Sob esse aspecto é que considera que a ideia do trabalho, considerada
sua conotação ética, somente pode ser viabilizada por meio de sua proteção jurídica, revelando-se como um direito universal e fundamental
do ser humano” (DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao
trabalho digno. São Paulo: LTr. 2006. p. 71).
Desse dever fundamental de proteção importa conferir ao trabalho e
seus agentes (os trabalhadores) um standard mínimo de direitos e de proteção
jurídica que possibilite o mínimo indispensável, pois não se pode falar em
existência digna, ou trabalho digno, se não estiverem asseguradas condições
mínimas de trabalho, como a liberdade para a formação e manutenção do
contrato de trabalho, um ambiente de trabalho higienizado do ponto de vista
da medicina e segurança do trabalho, o desenvolvimento da atividade em
condições de equidade etc.
Nesse sentido também é papel do Direito reconhecer toda e qualquer
manifestação do valor trabalho digno, ou seja, o Direito do Trabalho deve considerar todas as formas de inserção do homem em sociedade, que se façam
pelo trabalho e que possam dignificá-lo, assegurando, por conseguinte, a todo
e qualquer trabalhador um patamar mínimo para a preservação da sua
dignidade.
Isso porque, a dignidade do trabalhador e, portanto, o seu direito a uma
existência digna, preexiste ao vínculo contratual, constituindo direito atribuído
genericamente aos cidadãos, que também são trabalhadores, e, como tal
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configura-se como condição necessária que deve estar presente no trabalho,
em qualquer de suas formas.
Entendimento diverso conduziria à absurda conclusão de que um trabalhador pode ser submetido à condição análoga à de escravo ou a um trabalho
degradante, por exemplo, caso não tenha ele vínculo empregatício com o
tomador de seus serviços.
Feitas essas considerações, é necessário estabelecer, expressamente,
quais são, no caso brasileiro, os direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta capazes de assegurar a todo e qualquer trabalhador o patamar civilizatório
mínimo do direito fundamental ao trabalho digno.
Entende-se que os direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta,
na expressão de Mauricio Godinho Delgado (Curso de direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 2005. p. 217-218) estão previstos em três grandes eixos
jurídicos, positivados pelo Direito do Trabalho brasileiro.
O primeiro eixo, de amplitude universal, refere-se aos direitos trabalhistas
de indisponibilidade absoluta estabelecidos nas normas de tratados e
convenções internacionais (inclusive da OIT) ratificadas pelo Brasil.
Referidos instrumentos internacionais destacam um patamar civilizatório
universal de direitos para o ser humano trabalhador, reconhecendo o direito
de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis para
que possa levar uma vida digna. Asseguram, especialmente, o direito à remuneração que promova a existência digna do próprio trabalhador e de sua
família; o direito à segurança e higiene no trabalho; a proteção ao trabalho e
ao emprego; o direito a períodos de descanso e ao lazer; o direito à limitação
razoável das horas de trabalho, tanto diárias como semanais; o direito à remuneração dos feriados; o direito de greve e o direito de os trabalhadores organizarem sindicatos e de se filiarem ou não a eles.
O segundo eixo dos direitos de indisponibilidade absoluta dos trabalhadores está previsto na Constituição Federal, nos arts. 5º, 6º e 225, da CF,
exemplificativamente: direito à intimidade, à imagem, à privacidade, à saúde,
ao lazer, à proteção à maternidade, à previdência social, direito de associação,
direito ao meio ambiente salubre de trabalho; e, também, alguns direitos
previstos no art. 7º, da CF, como uma remuneração mínima que garanta dignidade, limitação da jornada, períodos de descanso, proteção contra acidentes
do trabalho, aviso prévio, dentre outros.
Com efeito, o art. 7º da Constituição apregoa: “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais”. Não há no dispositivo qualquer restrição ao tipo de
trabalhador a que se refere, pois em nenhum momento está ali escrito que se
cingem exclusivamente às relações de emprego. Logo, os direitos elencados
neste dispositivo aplicam-se a todo e qualquer trabalhador e não apenas para
os empregados urbanos e rurais, como bem pontua Gabriela Neves Delgado.
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Obviamente, a concessão destes direitos constitucionais trabalhistas
será assegurada a cada trabalhador conforme a possibilidade da própria
estrutura de trabalho estabelecida, o que não significa a defesa de
discriminações, mas pelo contrário, o respeito às diferenças estruturais que
se estabelecem no mundo do trabalho. (DELGADO, Gabriela Neves. O trabalho
digno enquanto suporte de valor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 40, 30.4.2007
[Internet]. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura &artigo_id=1770> Acesso em: 17.7.2008) Aliás,
essa noção de “relação de emprego” advém não da Constituição — já que
em seu art. 7º, faz referência à “relação de trabalho” — e sim da Consolidação
das Leis do Trabalho.
Ocorre que, como se sabe, a norma constitucional, notadamente a
previsão do art. 7º, não pode ser interpretada como sendo apenas uma norma
programática ou mesmo de eficácia contida. E, em sendo assim, não pode
ser interpretada a partir de um condicionamento de sua aplicabilidade no mundo jurídico à norma hierarquicamente inferior, ou seja, “de baixo para cima”.
A supor-se assim, o que se tem é a condição da Norma Maior à existência
de outra inferior, emanada por um quórum não constituinte, o que seria uma
quebra da divisão de normas do sistema pátrio, deixando, assim, aberta
uma brecha para que o legislador introduza sutilmente alterações na
Constituição, o que, como assevera, com propriedade, Canotilho, levaria a
“legalidade da Constituição a sobrepor-se à constitucionalidade da lei”
(CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, p. 1217/1219).
Finalmente, o terceiro eixo de direitos de indisponibilidade absoluta está
presente nas normas infraconstitucionais como, por exemplo, na Consolidação
das Leis do Trabalho, que estabelece preceitos indisponíveis relativos à saúde
e segurança no trabalho, à identificação profissional, à proteção contra
acidentes de trabalho, entre outros.
Somente quando respeitados esses três grandes eixos jurídicos dos
direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta, o trabalho se revelará pelo
prisma da dignidade, sendo valorizado em sua perspectiva ética e jurídica.
Pois bem. No caso em exame, nada disso foi observado pela r. decisão
rescindenda, na medida em que, a pretexto do suposto cunho social e assistencial da relação jurídica havida, recusou vigência e efetividade à dignidade dos
trabalhadores do “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego”, posto que
permitiu trabalho sem patamar civilizatório mínimo.
De fato, conforme se verifica na Lei n. 10.321/99, aos trabalhadores do
“Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego” é assegurado apenas uma
bolsa auxílio-desemprego, cesta básica e realização de cursos de qualificação
profissional (art. 2º, da Lei n. 10.321/99, com redação dada pela Lei Estadual
n. 10.618, de 19 de julho de 2000).
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Como se pode falar em dignidade do trabalhador quando a ele se garante
apenas uma bolsa auxílio-desemprego e cesta básica, sem direito à preservação da incolumidade física e moral, sem proteção à maternidade, à
previdência social, a uma remuneração mínima que garanta dignidade, períodos de descanso, proteção contra acidentes do trabalho, aviso prévio, dentre
outros, enfim, sem o direito de participar da vida em sociedade com um mínimo
de condições?
Observe-se, aliás, que os depoimentos colhidos no inquérito civil e
juntados à inicial da ação civil pública, são no sentido de que os “bolsistas”
são tratados com descaso pelo pessoal da CPTM, carregam pesos, não recebem água potável, executam trabalhos perigosos e insalubres sem qualquer
proteção, sem saberem os riscos ergonômicos, biológicos e físicos a que estão
expostos, não recebem assistência quando acidentados ou doentes, enfim,
trabalham em sistema precário, de desvalorização do trabalho humano.
Quando não se reconhece a qualquer trabalhador esses direitos fundamentais que lhe são inerentes — inclusive os mais comezinhos, como o relacionado, por exemplo, a um meio ambiente do trabalho saudável —,
permitindo-lhe seja exigido um labor nas condições constatadas pelo Ministério
Público do Trabalho, em verdade, não se está negando-lhe a própria
dignidade?
Sem dúvida que sim! No entanto, infelizmente, a sociedade (e isto se
reflete na r. decisão rescindenda) tende a excluir socialmente o trabalhador
que não consegue vender sua força de trabalho no mercado porque está
desempregado, recusando a ele um tratamento digno, mas não exclui aquele
que, embora não trabalhe, vive de rendas ou investimentos e tem patrimônio,
nem recusa a este indivíduo o reconhecimento de dignidade por não estar
inserido no trabalho.
Assim, parece lógico, por essa visão distorcida, que os trabalhadores
que prestam serviços no contexto do “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego” — Frente de Trabalho, pelo sói fato de serem “agraciados” pelo
Estado com uma ocupação, não merecem nenhuma outra mais proteção
social, pois o trabalho, por si só, já seria condição de dignidade.
Essa visão não é apenas tacanha, como também bastante equivocada,
posto que, conforme já salientamos anteriormente, o trabalho não é condição
da dignidade, mas a dignidade é condição que deve estar presente no trabalho.
Compreender que o trabalho é condição da dignidade da pessoa importa
recusá-la aos que, por alguma razão, não estão inseridos no mundo do
trabalho, como os nascituros, as crianças que não alcançaram a maioridade
trabalhista, os incapazes, os aposentados, enfim, todos os que não estão
inseridos em ocupação produtiva e remunerada, temporária ou definitivamente.
Negando-lhe, assim, a sua própria condição de cidadão.
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Na verdade, a distinção entre os “cidadãos” e os “não cidadãos” constitui-se historicamente na sociedade brasileira a partir da regulamentação
profissional. Nesse aspecto, o trabalhador figurou como o possuidor de direitos
e garantias legais validadas pela sua condição de possuir a carteira de trabalho
assinada e, em contrapartida, o “pobre” (“desempregado”), fora visto como o
“carente”, necessitando, portanto, de “ajuda” do Estado para manter-se em
sociedade, para este não é garantido direito, mas uma “ajuda” do Estado
provedor. Assim, o ponto divisório, nesta concepção, é o acesso ao trabalho
como a capacidade de viver dignamente em sociedade, isto é, de ser
considerado cidadão.
Não obstante, reportando-se à doutrina de Kant, Joaquim Carlos Salgado
esclarece que o homem, enquanto sujeito de liberdade, não pode ser considerado meio, mas apenas fim em si mesmo. Logo, sua valoração faz-se não
pela utilidade, mas sim pela sua qualidade de ser humano. E é justamente
em função de sua condição humana que o homem tem o direito de participar
da riqueza social, provendo suas necessidades espirituais e materiais básicas
(SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: seu fundamento na
liberdade e na igualdade. Belo Horizonte: UFMG, 1986. p. 346).
Portanto, o trabalho deve dignificar o homem e não excluí-lo ou subjulgá-lo à condição de exploração e sofrimento. E o trabalho não violará o homem
enquanto fim em si mesmo, desde que prestado em condições dignas, isto é,
quando assegura, como já é frase recorrente na doutrina, um piso vital mínimo
de direitos, que permita ao homem muito mais do que meramente sobreviver,
viver com dignidade.
De outra banda, é importante perceber o que significa, em uma perspectiva maior, a aceitação dessa prática de trabalho sem condições dignas
ao trabalhador, que, diante da existência de uma mão de obra abundante e
carecida de emprego, desprovida de meios de defesa coletiva aceita trabalho
por qualquer preço, nas condições mais degradantes. O malefício não se traduz apenas nas perdas imediatas desse trabalhador. Está consubstanciado,
isso sim, no retrocesso que representa. Anos de conquistas sociais trocadas
por absolutamente nada, apenas para eximir o Estado de seus deveres constitucionais. Não há Estado de Direito e sociedade digna que subsista, quando
formada por um povo espoliado, cujos direitos mínimos são desrespeitados.
Esse trabalhador, contratado por um ente público, que tem sua remuneração reduzida e suprimidos os direitos mais básicos, tem sua dignidade
abalada. Tal situação, multiplicada aos milhares resulta num contingente de
trabalhadores humilhados, destituídos de sua dignidade humana, reduzidos à
condição de meros sobreviventes. Um trabalhador assim constituído, não vive
plenamente como apregoa a nossa Constituição Federal, apenas sobrevive.
Por isso, a lógica do “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego”
— Frente de Trabalho — é perversa sob qualquer ângulo de análise. É perversa
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quando atribui ao trabalhador o ônus de “retribuir”, com trabalho, em uma
companhia estatal, a sua “formação para o trabalho”, cujo dever é do Estado
fornecer, sem condicionamentos. É perversa quando retira direitos já conquistados, destituindo o homem de sua dignidade e, pois, da condição que o
diferencia dos animais. É perversa quando gera uma sociedade de sobreviventes que, porque espoliados, não conseguem se emancipar.
Não se nega a necessidade de adoção de medidas de combate ao
desemprego, entretanto, a preocupação com o combate e eliminação
ao desemprego não justifica que injustiças (perversidades) sejam consagradas
pelo direito, em detrimento da dignidade do homem enquanto trabalhador,
pois esta assegura muito mais do que o direito ao trabalho, qualquer trabalho,
a qualquer custo e inserido na conjuntura do direito civil. A dignidade do trabalhador assegura, isto sim, consoante a dicção dos arts. 1º, incisos III e IV, 3º,
incisos III e IV, e 7º, caput, todos da Constituição, o direito ao trabalho decente,
que corresponde a um Direito do Trabalho que forneça nível de proteção abaixo
do qual não se pode admitir trabalho humano com dignidade.
Por fim, vale registrar que o Direito do Trabalho e a proteção à dignidade
da pessoa do trabalhador, por intermédio deste, são fruto de lutas e conquistas
históricas. Por isso, não podem ser substituídos simplesmente pelo direito ao
trabalho. Não se pode priorizar o mal menor que é o desemprego, cometendo-se injustiças e retrocessos sociais com a supressão de garantias trabalhistas,
como feito pela r. decisão rescindenda.
II.2. Da violação literal a dispositivos constitucionais e legais
Violação literal ao disposto nos arts. 7º, caput, 170, caput e incisos VII e
VIII, e 203, todos da Constituição Federal: do princípio da proibição do
retrocesso.
A pobreza contemporânea como produto do processo de desigualdades
sociais de um capitalismo exacerbado passa a se caracterizar como um
fenômeno “multidimensional, atingindo tanto os clássicos pobres (indigentes,
subnutridos, analfabetos (...) quanto outros segmentos da população pauperizados pela precária inserção no mercado de trabalho (...) precário acesso
aos serviços públicos e, especialmente, a ausência de poder”. (SAWAIA, Bader
e outros (org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da
desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2001). Surge, então, um novo conceito
de precariedade e de pobreza, o de nova pobreza, para designar os
desempregados de longa duração que vão sendo expulsos do mercado
produtivo e os jovens que não conseguem nele entrar, impedidos do acesso
ao “primeiro emprego”. Ou seja, são camadas da população consideradas
aptas ao trabalho e adaptadas à sociedade moderna, porém, vítimas da
conjuntura econômica e da crise de emprego. Assim, excluídos na terminologia
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dos anos 90, não são residuais nem temporários, mas contingentes
populacionais crescentes que não encontram lugar no mercado (SAWAIA,
2001, p. 19). Diante desse quadro, várias foram as formas de enfrentamento
utilizadas, no contexto brasileiro, para a inclusão social desse contingente
populacional apartado.
Nesse contexto, pode-se apontar a Assistência Social como prática
histórica, e que, ao longo do tempo evoluiu em sua concepção para o apoio
às ações de assistência aos pobres.
Com efeito, o atendimento às necessidades da população, durante os
primeiros 400 anos da história brasileira era encarado como caridade,
embasado em princípios morais e cristãos, sendo prestado por segmentos
da sociedade como a igreja, entidades filantrópicas, e almas caridosas, obras
de caridade; sempre vinculado à ideia de doação e do favor imerecido.
No século XIX, com a emergência da sociedade industrial, o aumento
das necessidades pelas contradições capitalistas, fez surgir a exigência de
que o Estado brasileiro passasse a promover esta ação, que se caracterizava
como o acesso a um bem que era efetivado por meio de benesse, de doação,
por meio de ações fragmentadas, transitórias, pontuais e clientelistas. A
Assistência passava a ser usada, assim, pelo próprio sistema para sua
dominação, o que chamamos de assistencialismo. A partir de 1967, o modelo
econômico e político é definido e não se fala mais em política social como um
fim em si mesma, visto que o atendimento às necessidades sociais passa a
ser feito em nome dos efeitos econômicos ou da racionalidade tecnocrática.
Nesse sentido, as situações de injustiça social e as desigualdades gritantes persistiram e se agravaram no Brasil, durante os governos militares
deixando como herança uma enorme dívida social a ser saldada pela Nova
República.
Por conseguinte, com a abertura democrática, fortalecem-se os
movimentos sociais urbanos e rurais, bem como o sindicalismo, apoiados por
intelectuais e pela Igreja que fizeram prevalecer a ideia de assistência enquanto
direito, e não mais como benevolência.
A Constituição Federal de 1988 encampa “o projeto de transformar em
direito o que sempre fora tratado como favor e de reconhecer os desamparados
como titulares ou sujeitos de direitos” (In: PEREIRA, Potyara A. P. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. São Paulo: Cortez,
2000. p. 156) e a Assistência Social assume, portanto, o status de política
pública, no contexto da Seguridade, com a função precípua de inclusão social.
Com isso, a Constituição de 1988 inovou a concepção de Assistência
Social, ao conferir-lhe o status de política pública, direito do cidadão e dever
do Estado. Inovou também pela garantia da universalização dos direitos e
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por introduzir o conceito de mínimos sociais. Fazendo ruir, assim, a vetusta
doutrina assistencialista que embasava as ações sociais pretéritas, por
considerar todos como cidadãos plenos, e, portanto, sujeitos de direitos.
No presente caso concreto, o “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego” (Frente de Trabalho) não atende minimamente à concepção
de Assistência Social preconizada pela Constituição. Isto porque, enquanto
as ações sociais são aquelas exercidas com o objetivo de se conseguir o
bem-estar e a justiça sociais, mediante a defesa de direitos: o direito à vida
em padrões éticos de dignidade construídos historicamente em uma dada
sociedade; no “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego” a ação do
Estado caracteriza-se pelo padrão corporativista e clientelista, em que os
benefícios se relacionam diretamente à sobrevivência do indivíduo (caráter
reducionista) e em que ser beneficiário implica diretamente retribuir o benefício
recebido com trabalho.
O que se verifica, então, no “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego”, é, pois, o contraponto do direito e, consequentemente, da própria
noção de ação social, já que nele não há o reconhecimento do direito no vasto
campo de atendimento às necessidades sociais das classes subalternas,
administram-se, na verdade, favores, benesses. Vale dizer: insinua, em uma
relação pública, os parâmetros de retribuição de favor que caracterizam as
relações na esfera privada.
Com isso, desloca o acesso a um direito para o velho processo de doação e seu vínculo com a retribuição, como reconhecimento do favor do doador
pela atenção recebida, na forma que melhor interessar a este, já que os “assistidos” são percebidos como pessoas que recebem um favor, portanto, devem
algo a alguém, transformando-se, assim, em dependente, um apadrinhado,
um devedor etc. E neste caso, a moeda de troca é o trabalho sem condições
dignas.
Percebe-se por essa noção que é adotada pelo “Programa Emergencial
de Auxílio-Desemprego” uma clara restrição no conceito de cidadania, já que
o acesso ao trabalho, com dignidade, é direito fundamental, e, portanto, inderrogável, irrenunciável e inalienável.
De fato, na perspectiva moderna, o cidadão possui uma identidade diferente daquela formulada na Antiguidade. Cidadão não é apenas aquele que
vota no cenário político, mas aquele que possui liberdade física e de expressão,
educação, cultura, saúde, trabalho, lazer, e meio ambiente saudável, dentre
outros direitos, e participa conscientemente das decisões políticas de sua comunidade, em igualdade de condições, não apenas a igualdade jurídica, mas
também em igualdade de oportunidades, que apresenta, evidentemente, um
componente econômico, a freedom from want (liberdade contra a necessidade). Enfim, é um indivíduo livre que não pode ser abusivamente molestado
pelo Estado.
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O “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego”, entretanto, simplifica
essa noção de cidadania a título de uma supervalorização de uma ocupação
em atividade útil, simplesmente, reduzindo a importância dos demais direitos
constitutivos do campo da cidadania, notadamente ao relacionado ao trabalho
digno.
Ao mesmo tempo, o “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego”
impõe aos trabalhadores uma cidadania passiva, assistida, benevolente, uma
vez que, como é pela necessidade que se vinculam ao Poder Público, por
esta necessidade, estes indivíduos acabam assumindo um reconhecimento
de si mesmos de total desrespeito a quaisquer direitos que a lei lhes assegure
e uma identidade construída numa situação de exploração permanente. De
modo que, em uma sociedade regida pelo trabalho, lhes parece melhor ter o
tipo de trabalho que prestam a não ter nenhum trabalho. Com isso, perdem a
noção elementar de que possuem o direito a um trabalho digno e de que toda
iniciativa pública voltada ao tema se caracteriza “dever fundamental de
proteção do Estado”.
Essa ausência de reconhecimento de si próprio como detentor de
dignidade, com a privação, assim, da noção de cidadania, segundo Lafer:
“... afeta substantivamente a condição humana, uma vez que o ser
humano privado de suas qualidades acidentais — o seu estatuto político
— vê-se privado de sua substância, vale dizer: tornado pura substância,
perde a sua qualidade substancial, que é de ser tratado pelos outros
como um semelhante.” (LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos
humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988. p. 151)
Logo, essa noção de cidadania que embasa o “Programa Emergencial
de Auxílio-Desemprego”, de negativa à concretização dos direitos sociais
conquistados pelos trabalhadores, mediante a ruptura da relação emprego-rendimento, com a implantação de um rendimento parcial determinado do
modo coletivo, separadamente do emprego, põe em xeque a própria noção
ampliada de cidadania explicitada na Constituição de 1988, em comprometimento, consequentemente, à nova concepção de Assistência Social preconiza
pela Constituição.
Ressalte-se, à guisa de reforço, que o Estado Social, em cuja tipificação
formal se inclui o Estado brasileiro, deve atender à totalidade dos membros
de uma sociedade, quaisquer que sejam suas condições, visando ao equilíbrio
social que é, indubitavelmente, o fundamento da democracia, cujos objetivos
precípuos se situam na promoção do bem-estar social e da justiça social.
Para tanto, as ações governamentais em termos de direitos sociais
devem estar voltadas à promoção da igualdade absoluta e material de todos
os componentes da comunidade, não se prestando para fomentar a ideia de
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inferioridade e disseminar a diminuição do homem em sua dignidade, como
ocorre quando há o nivelamento “por baixo” do valor social do trabalho, pela
sua condição social, por não ser condizente com a ideia de justiça social.
Afinal, como lembra Paulo Bonavides, o Estado Social é um Estado
produtor da igualdade e não de desigualdades sociais. Esse objetivo —
promoção da igualdade material — deve iluminar sempre toda a hermenêutica
constitucional, em se tratando de estabelecer equivalência de direitos.
(BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 343)
Assim, quando o Estado corta o laço entre rendimento e emprego, assim
desaparecendo a relação social que sustenta a parte socializada do rendimento, como feito no “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego”, esta
fica reduzida a uma mera esmola de sobrevivência.
Disso se percebe que o “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego”
está, então, totalmente fora dos padrões éticos de dignidade construídos historicamente, que têm como corolário, no que diz respeito às relações de trabalho,
a valorização do trabalho humano. E, consequentemente, a r. decisão rescindenda, na medida em que o legitima e o valida em detrimento do valor social
do trabalho, que exige, como inserida no texto constitucional, sobretudo no
art. 170, em casos como o presente, sejam excluídas interpretações que:
“venham a desdenhar do trabalho, por valorizar o não trabalho; que considerem a remuneração pelo labor como uma caridade, feita ao bel prazer
de quem paga; como também interpretações que incentivem a desigualdade na sociedade brasileira.” (PETTER, Josué Lafayete. Princípios
constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
p. 158)
Vale ressaltar, ademais, que a Carta Magna, em seu art. 7º, estabeleceu
todo um sistema principiológico a ser desenvolvido pelo legislador infraconstitucional, visando à melhoria das condições sociais dos trabalhadores, jamais
para gerar influxo restritivo a estes direitos, já que um dos efeitos gerais
pretendidos pela Constituição foi a progressiva ampliação dos direitos em
questão.
Nesse sentido, como ensina Jorge Pinheiro Castelo, ao demarcar o valor
social do trabalho como fundamento da República e limite maior ao exercício
dos poderes políticos, enquanto direito humano fundamental:
“... o caput do art. 7º da Constituição Federal, ao estabelecer que ‘são
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social’, fixa dois princípios constitucionais
fundamentais do direito do trabalho. Primeiro, ao estabelecer no plano
constitucional o objetivo do direito laboral como da busca da melhoria
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da condição social, fixa a proibição do retrocesso social, especialmente
por norma infraconstitucional. Segundo, eleva para o nível constitucional
a garantia da norma mais favorável.” (In: O direito material e processual
do trabalho e a pós-modernidade, a CLT, o CDC e as repercussões do
novo Código Civil. São Paulo: LTr, p. 283)
Resulta disso evidente que, a vedação ao retrocesso dos valores sociais
do trabalho não exige apenas uma proteção em face de atos de cunho
retroativo, mas também não dispensa uma proteção contra medidas
retrocessivas, isto é, que olvidem, fulminem e diminuam as conquistas sociais
do trabalho ou que propiciem a estas.
Desse modo, quando se convalida ou colegitima uma medida
assistencialista, como ocorre no presente caso concreto, sem dúvida, está-se permitindo aquilo que a Constituição veda, que é o retrocesso social.
II.3. Da violação literal a dispositivos constitucionais e legais
Violação literal ao disposto nos arts. 3º e 9º, ambos da Consolidação
das Leis do Trabalho c/c arts. 5º, caput e incisos XXXV, LIV e LV, e 93, inciso
IX, da Constituição Federal e art. 832 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Como bem definiu Mário de La Cueva, o contrato de trabalho é um
contrato-realidade. Sua configuração há de ser perquirida, portanto, no desdobramento da realidade fática que envolve toda a prestação de serviços,
pois é nesta que se vislumbra o desenrolar da relação.
Desta forma, independente, até mesmo, da intenção que se tenha
firmado no ajuste inicial — quando, no decorrer do contrato-realidade, constata-se a presença de dados que definem sua natureza jurídica no sentido da
existência dos elementos ínsitos no art. 3º, da CLT —, há que ser reconhecida
a relação de emprego.
Isso porque não foi o direito quem inventou a relação de trabalho
subordinado e os requisitos que a envolvem. O que de fato ocorreu é que
estes elementos, notadamente a subordinação do trabalhador — requisito primordial na relação de emprego —, pré-existiam à regulamentação do contrato
de trabalho, e o direito positivo, confrontando-se com uma situação de subordinação já existente, traçou os limites formais para definir a relação de emprego,
não sendo, portanto, inventada, mas apenas regulamentada, pela introdução
de um conceito jurídico-formal, o de “subordinação jurídica”.
Portanto, para a caracterização do contrato de trabalho há que se examinar a presença ou não dos requisitos constituidores da relação de emprego,
a partir da realidade fática, valendo mais os fatos demonstrados, quanto à
prestação pessoal dos serviços, que os aspectos formais constantes da
relação.
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Neste sentido, é pacífica a jurisprudência das nossas Cortes
Trabalhistas, inclusive deste E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região,
conforme se infere das ementas abaixo colacionadas:
“CONTRATO-REALIDADE. MÚSICO DE RESTAURANTE. TRABALHO
RESTRITO AOS SÁBADOS. A caracterização do contrato de trabalho
independe do rótulo e formato que lhes deem as partes, mas na realidade
que se revela na sua execução. Quando a força de trabalho dirige-se à
consecução da atividade econômica, irrelevante que seja ocupada em
apenas um dia da semana, desde que desta forma haja continuidade. A
subordinação jurídica não se revela por submissão absoluta a regras
disciplinares mas à execução do trabalho, tal como foi contratado.” (TRT2ª Região, Acórdão n. 20000318862, RO 02990254476/99, 8ª Turma,
Rel. Juiz José Carlos da Silva Arouca, pub. DOE SP, PJ, TRT 2ª, de
18.7.2000)
“RELAÇÃO DE EMPREGO — REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. A
constituição de pessoa jurídica e posterior contrato de representação
comercial, por si só, não fazem prova do trabalho autônomo. Muitas
vezes é difícil distinguir entre o trabalho subordinado e o autônomo, pela
presença da ‘zona gris’. Entretanto, quando ausente a livre-iniciativa e
presente a condição de mero colaborador da atividade empresária,
desponta a relação de emprego. Provada a subordinação, pessoalidade
e demais requisitos do art. 3º da CLT, reconhece-se a relação de
emprego. O aspecto formal, consubstanciado no contrato social e no
de representação comercial, não podem se sobrepor ao contrato-realidade, como é considerado o contrato de trabalho. Por isso, atos
fraudulentos que tenham por escopo mascarar a relação de emprego,
são tidos como nulos ao teor do art. 9º da CLT. TRT 9ª Região, RO
5.175/90, Rel. Juiz José Montenegro Antero, DOE 31.1.92." (TRT-10ª
Região, RO 00756/2002, 3ª Turma, Rel. Juiz Douglas Alencar Rodrigues,
decisão de 14.6.2002)
Pois bem. No caso em exame, a E. 9ª Turma, mesmo instada a se manifestar, inclusive em sede de embargos de declaração, sobre a realidade fática
existente no trabalho prestado no contexto do “Programa Emergencial de
Auxílio-Desemprego” — Frente de Trabalho, deixou de se manifestar quanto
à totalidade do acervo probatório existente nos autos, que continham elementos caracterizadores do vínculo empregatício. Limitando-se a apreciar a presença
dos requisitos da relação de emprego sob o enfoque dos aspectos formais
previstos na lei que instituiu a Frente de Trabalho.
Ocorre que, em sendo o contrato de trabalho um contrato-realidade,
sua configuração, como já se disse, há de ser perquirida no desdobramento
da realidade fática para sua subsunção ao disposto no art. 3º da CLT que
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apregoa “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços
de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante
salário”.
Tais elementos fáticos a configurar a relação de emprego são traduzidos,
pela doutrina, respectivamente, por: pessoalidade, continuidade, onerosidade
e subordinação.
Por pessoalidade denomina-se o fato da exigência de pessoa física para
realização do trabalho e também comparecimento pessoal para cumprir o
contrato, independentemente da duração contratual (prazo determinado ou
indeterminado), sendo que este último aspecto tem previsão no art. 2º da CLT,
em que ocorre a definição de empregador.
Onerosidade é considerado o fato de haver no contrato de trabalho
obrigações das partes envolvidas. O empregado assume a responsabilidade
pela realização do trabalho e o empregador se responsabiliza pela respectiva
contraprestação.
O significado de oneroso de acordo com De Plácido e Silva:
“Oneroso: Do latim onerosus, de ônus, geralmente qualifica tudo o que
está sujeito a ônus ou encargo. É a qualidade ou condição de estar
onerado ou ter ônus.
Oneroso: Na técnica dos contratos, em oposição ao que é gratuito, exprime que se faz com reciprocidade ou se regula por prestações e
contraprestações.
É costume dizer-se a título oneroso, ou simplesmente oneroso, ao
contrato em que há obrigação de dar ou fazer, com reciprocidade.”
(SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 573)
Para o contrato de trabalho, atender a um dos princípios trabalhistas, o
da continuidade, há necessariamente que perdurar no tempo. São tidos como
exceções os contratos de curta duração.
O elemento dependência, entendida como subordinação, demonstra a
condição em que o empregado se coloca diante do empregador no cumprimento do contrato, no sentido de submeter-se à autoridade e direção do
empregador de modo a orientar, por meio de ordens, instruções e
determinações para a realização da atividade, fiscalizando sua atuação, com
o objetivo de orientar para o fim proposto da atividade.
Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento (Curso de direito do
trabalho, p. 404):
“Prefiro definir subordinação como uma situação em que se encontra o
trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua
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vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre
a atividade que desempenhará. A subordinação significa uma limitação
à autonomia do empregado, de tal modo que a execução dos serviços
deve pautar-se por certas normas que não serão por ele traçadas.”
Em suma, para o ilustre doutrinador, entende-se por subordinação
jurídica, a condição em que se coloca o trabalhador para receber ordens tendo
seu trabalho devidamente supervisionado pelo empregador.
A subordinação jurídica, no entanto, não significa sujeição pessoal, como
bem assevera Francisco Meton Marques de Lima (Elementos de direito do
trabalho e processo trabalhista, p. 89):
“A subordinação não significa sujeição ou submissão pessoal. Este
conceito corresponde a etapa histórica já ultrapassada e faz lembrar
lutas políticas que remontam à condição do trabalhador como objeto de
locatio, portanto equiparado a coisa (res). O trabalhador, como pessoa,
não pode ser confundido com a atividade, esta sim, objeto da relação
jurídica.”
No mesmo sentido, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena mostra que na
produção realizada pelo empregador, o principal fator é o trabalho que dirigirá
e não uma suposta condição de “servidão” do empregado:
“A dependência do empregado, que sublinha tal contrato, há de ser
entendida, pois, no sentido jurídico. Como se explica esta subordinação
de um contratante a outro? O empregador, que exerce um empreendimento econômico, reúne, em sua empresa, os diversos fatores de
produção. Esta, precisamente, sua função social. Desses fatores, o
principal é o trabalho. Assumindo o empregador, como proprietário da
empresa, os riscos do empreendimento, claro está que lhe é de ser
reconhecido o direito de dispor daqueles fatores, cuja reunião forma uma
unidade técnica de produção. Ora, sendo o trabalho, ou melhor, a força
de trabalho, indissoluvelmente ligada à sua fonte, que é a própria pessoa
do trabalhador, daí decorre, logicamente, a situação subordinada em
que este terá que ficar relativamente a quem pode dispor do seu trabalho.
(...) Mas a subordinação do empregado é jurídica, porque resulta de um
contrato: nele encontra seu fundamento e seus limites. O conteúdo desse
elemento caracterizador do contrato de trabalho não pode assimilar-se
ao sentido predominante na Idade Média: o empregado não é ‘servo’ e
o empregador não é ‘senhor’. Há de partir-se do pressuposto da
liberdade individual e da dignidade da pessoa do trabalhador.” (VILHENA,
Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e pressupostos, p. 219)
No mesmo sentido, Tarso Fernando Genro oferece as características
de subordinação, e também destaca a subordinação jurídica, mostrando que
o empregado faz parte do sistema de produção:
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“A faculdade de aplicar penas disciplinares, de controlar o trabalho e
comandar a atividade do empregado, são os limites da subordinação
jurídica. A subordinação, porém, não é sempre a obediência a ‘ordens’
no sentido comum do vocábulo. Ela pode ser a inserção do prestador
num sistema coordenado, em função dos interesses do empregador,
no qual os atos de trabalho do empregado não são atos de escolha,
mas atos de integração no processo produtivo ou nos serviços, exigidos
pelas finalidades essenciais da empresa.” (GENRO, Tarso Fernando.
Direito individual do trabalho, p. 98)
Essas singelas definições oferecidas pela doutrina e pela própria
jurisprudência pacífica deixam claro, portanto, que a caracterização da relação
de emprego “independe do rótulo e formato que lhes deem as partes, mas na
realidade que se revela na sua execução”, de modo que pouco importa se a
relação jurídica estabelecida está rotulada como “de cunho social ou assistencialista” e seu formato preveja, por exemplo, a participação em curso de
qualificação profissional; o que importa, isto sim, é a presença dos requisitos
da relação de emprego de acordo com a realidade fática, independentemente
do tipo de atividade exercida e/ou a qualidade das “ordens” emanadas do
empregador, de direção, fiscalização e determinação das tarefas.
A propósito, sobre a questão do tipo de atividade envolvida, o E. TST,
por meio da Súmula n. 331, deixou claro que, nas atividades-meio é possível
a terceirização, desde que ausentes a pessoalidade e a subordinação direta.
Disto se infere que o tipo de atividade exercida (se meio ou fim) em nada
define para fins da configuração da relação de emprego.
Logo, a r. decisão rescindenda ao apreciar a presença dos requisitos
da relação de emprego a partir do rótulo e formato da relação havida, das
atividades exercidas e da qualidade das ordens emanadas pela CPTM, ignorando, consequentemente a realidade que revela a execução do trabalho,
negou vigência ao disposto nos arts. 3º e 9º, ambos da Consolidação das
Leis do Trabalho.
Ademais, considerando que o contrato de trabalho é um contrato-realidade, como já bem frisado alhures, a controvérsia sobre o tema reclamava
exame acurado do conjunto fático-probatório existente nos autos, cabendo à
decisão expor os fundamentos fáticos e jurídicos formadores da convicção
exteriorizada no acórdão, ainda que para refutar as alegações do autor quanto
à realidade fática demonstrada pelas provas, pelo que caracterizada está
também, no presente caso concreto, a negativa de prestação jurisdicional,
com consequente violação dos arts. 5º, incisos XXXV, LIV e LV e 93, inciso
IX, ambos da Constituição Federal e art. 832 da Consolidação das Leis do
Trabalho.
Nesse sentido, note-se que, em caso análogo ao presente, em que não
foi analisado o contexto probatório, o E. TST tem assim se posicionado:
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“RECURSO DE REVISTA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
CARACTERIZAÇÃO. Em sede de embargos declaratórios, a Corte
Regional foi instada a se manifestar acerca de todo o acervo probatório
produzido pelo autor, tanto documental como testemunhal, limitando-se, contudo, a asseverar que um único depoimento testemunhal tem
consistência probatória suficiente para emprestar veracidade ao fato
afirmado na defesa. Releva observar, ainda, que, no acórdão embargado, o Regional deixou assentado que o autor não se desincumbiu de
provar os fatos constitutivos de seu direito, deixando, todavia, de analisar
as provas por ele trazidas, ou, pelo menos, refutá-las expressamente
na decisão. Nesse contexto, e considerando que a controvérsia reclama
pelo exame acurado do conjunto fático-probatório existente nos autos,
procedimento vedado nesta instância extraordinária pela Súmula n. 126,
cabia ao magistrado expor os fundamentos fáticos e jurídicos formadores
da convicção exteriorizada no acórdão, ainda que para refutar as
alegações do autor. A omissão do Regional acaba por impedir a justa
apreciação da controvérsia nesta instância extraordinária, pelo que
conclui-se estar caracterizada a alegada negativa de prestação
jurisdicional, com consequente violação do art. 832 da CLT. Recurso de
revista conhecido e provido.” (TST-RR -1143/2001-053-15-00, Rel. Min.
Dora Maria da Costa, pub. DJ 9.5.2008).
Registre-se, por oportuno que, caso a E. Turma, prolatora da decisão
tivesse analisado a realidade fática, e não apenas os aspectos formais da
relação havida como fez, teria verificado, claramente, que a CPTM, fazendo
uso do programa social, passou a usufruir de EMPREGADOS, em serviços
não eventuais e subordinados, para a execução de sua atividade ferroviária.
Com efeito, no presente caso concreto, os “bolsistas” do “Programa
Emergencial de Auxílio-Desemprego” — Frente de Trabalho prestam serviços
não eventuais, vez que, são atividades que precisam ser realizadas continuamente (de forma permanente), pois visam a atender às necessidades normais,
constantes e uniformes da CPTM, por coincidirem com seus objetivos fins, e
o fazem com pessoalidade e subordinação, estando, inclusive, sujeitos a
controle de frequência. Neste sentido, vale conferir os depoimentos prestados
no Ministério Público do Trabalho.
Em contrapartida, ao invés de perceberem salários, recebem uma bolsa.
O que não deixa de conferir o caráter oneroso ao trabalho prestado pelos
“bolsistas”.
Aliás, a par da remuneração ser chamada de “bolsa”, na verdade o
auxílio financeiro mensal não tem qualquer finalidade de ressarcimento por
gastos comprovadamente efetuados pelos “bolsistas” em prol da atividade, e
sim visa a retribuir financeiramente a própria atividade exercida por estes.
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Em outras palavras: só recebe a bolsa se houver trabalho, sem o trabalho
não há a bolsa. Logo, a bolsa é contrapartida ao trabalho prestado, o que a
enquadra no conceito de “onerosidade”.
Configurada a existência de relação de emprego, a partir da realidade
fática, não é admissível, em face da Constituição Federal vigente, a supressão
de direitos sociais dos trabalhadores, e, muito menos que se crie um regime de
trabalho subordinado destoante daqueles constitucionalmente autorizados,
com a fomentação e promoção da precarização do trabalho, com a finalidade
de atender aos interesses da administração pública, como foi feito no
“Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego” — Frente de Trabalho.
As consequências da fraude acima descrita são claras. A mais notória
delas é violação ao art. 9º, da Consolidação das Leis do Trabalho, e ao princípio
do concurso público, insculpido no art. 37, II, da CRFB, pois, como se sabe,
empregados de empresa de economia mista só podem ser admitidos e
remunerados mediante prévia aprovação em concurso público, nos termos
do art. 37, II, da Constituição Federal.
II.4. Da violação literal a dispositivos constitucionais e legais
Violação literal ao disposto no art. 37, caput, inciso II e § 2º, da Constituição Federal — Princípio do concurso público. A admissão de “bolsistas”,
em verdade empregados, sem o concurso público, representa manifesta
violação do aludido preceito constitucional.
Com o advento da Carta Republicana em 5.10.88, a Administração
Pública, seja direta, indireta ou fundacional, deve obediência ao disposto no
art. 37, inciso II, que prevê a investidura em cargo ou emprego somente por
meio de concurso público de provas ou de provas e títulos.
Referido dispositivo constitucional tem por escopo atender aos valores
básicos em que a Constituição Federal busca fundamentos: 1) dignidade do
ser humano, 2) segurança das relações jurídicas e 3) promoção da justiça,
posto que:
a) faz prevalecer a dignidade humana, uma vez que fornece igual possibilidade a todos de ingresso na Administração Pública; b) garante a
segurança das relações jurídicas, eis que os critérios de escolha são
objetivos e determinados, de forma clara e prévia, no edital, e, c)
promove-se justiça, já que a diferenciação entre os candidatos é feita
por mérito, pela capacidade e preparo de cada um, tudo por critérios
objetivos, o que, na hipótese, se apresenta como meio ético e razoável
de escolha.
O concurso público também se fundamenta nos princípios constitucionais
que regem a Administração Pública (art. 37 da Lei Maior).
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Efetivamente, o princípio da moralidade administrativa exige que os
agentes públicos tenham comportamento ético no desempenho de suas
funções, assim, qualquer contratação de pessoal deve ser feita segundo as
regras constitucionais e em busca da melhor escolha para a Administração
Pública, ou seja, contratando-se quem demonstrou, no concurso público, maior
aptidão para o emprego.
Pelo princípio da impessoalidade se reforça a ideia no sentido de que a
contratação de pessoal deve atender ao interesse público e não ao gosto do
administrador que irá firmar o contrato em nome da entidade da Administração
Pública. Em consonância com o princípio da impessoalidade, no ato de
contratar empregados, o agente público não pode levar em conta suas
preferências pessoais ou vínculos afetivos.
O próprio princípio da eficiência demanda a escolha de pessoal
realmente capaz, logo, novamente, se constata a obrigatoriedade do concurso
público.
Em síntese, o concurso público não é exigência apenas do art. 37, II,
da Constituição Federal, mas sim trata-se de instituto fundado nos valores e
princípios de nossa Lei Maior.
Essa disciplina jurídico-constitucional peculiar à administração pública,
por se embasar nos três valores básicos buscados pela Constituição como
fundamentos do Estado de Direito e nos princípios constitucionais, explícitos
ou implícitos, como os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, eficiência e indisponibilidade do interesse público, vinculam o
Estado à sua observância, a fim de garantir e resguardar os interesses da
coletividade.
Nenhum dos princípios acima enumerados foi respeitado pela r. decisão
rescindenda, uma vez que, negando a realidade fática, permitiu a admissão e
manutenção de trabalhadores que, reconhecidamente, foram admitidos sem
concurso público.
Não respeitar a regra constitucional do concurso público, como autorizado pela r. decisão rescindenda, nas contratações posteriores a 5.10.88,
implica ofensa ao direito difuso dos que teriam interesse em participar do
mesmo, caso fosse realizado.
Nos termos do art. 37, II, da CF, a admissão de trabalhadores diretamente
pela Administração Pública direta ou indireta, independentemente do regime
de contratação, necessariamente, deve ser precedida de concurso público.
Do regramento geral, de admissão de trabalhadores após a aprovação em
concurso público, o Constituinte excepcionou somente a contratação por prazo
determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público (CF, art. 37, IX) e as nomeações para cargos comissionados (CF, art.
37, II, in fine).
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Fora estas hipóteses, não há qualquer permissão da Constituição para
que, por qualquer mecanismo, o princípio do concurso público fosse
excepcionado nas admissões efetuadas diretamente pelos entes públicos, por
ser o princípio do concurso público de ordem pública. Não é por outra razão
que prescreve o § 2º, do art. 37, da Constituição Federal, que a não observância do disposto nos inciso II e III implicará a nulidade do ato e a punição
da autoridade responsável, nos termos da lei. É esta, aliás, a dicção da Súmula
n. 363 do E. TST.
Igualmente, não há permissão da Constituição para o condicionamento
da exigência do concurso público, pois exceção ou condições quando existem
estão na própria Constituição, não cabendo ao intérprete criar outras exceções
ou novas condições para a exigibilidade do concurso público, por ser este
princípio de ordem pública. Neste sentido, vale consignar a decisão da
Suprema Corte, proferida nos autos do Mandado de Segurança n. 21.322,
Ministro Relator Paulo Brossard, publicado no Diário Oficial de 23.4.93, que
pacificou a matéria, cuja ementa transcrevemos:
“EMENTA: CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS. ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E FUNDACIONAL. ACESSIBILIDADE.
CONCURSO PÚBLICO. A acessibilidade aos cargos públicos a todos
os brasileiros, nos termos da Lei e mediante concurso público é princípio
constitucional explícito, desde 1934, art. 168. Embora cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a regra, não só foi reafirmado pela Constituição, como ampliado, para alcançar os empregos
públicos, art. 37, I e II. Pela vigente ordem constitucional, em regra, o
acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público, que
pode não ser de igual conteúdo, mas há de ser público. As autarquias,
empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à
regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade
econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com
o expresso no art. 173, § 1º. Exceções ao princípio, se existem, estão
na própria Constituição.”
Nesse acórdão pioneiro, destacou o Exmo. Sr. Ministro Relator que, as
autarquias estão incluídas na expressão “administração pública indireta”, que
“significa o conjunto de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, criadas
por lei, para o desempenho de atividades assumidas pelo Estado, como serviços públicos ou a título de intervenção no domínio econômico”. E, prossegue
o Exmo. Sr. Ministro afirmando:
“Se a Constituição, na exigência de concurso público para provimento
de cargos e empregos públicos, não fez qualquer restrição às entidades
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da administração pública indireta, é de se concluir que a exigência se
aplica a toda empresa estatal, seja ela prestadora de serviço público,
seja ela prestadora de atividade econômica de natureza privada.”
E conclui:
“Desse modo, também as autarquias, empresas públicas ou sociedades
de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração
direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. As exceções ao princípio,
de resto, estão expressas na própria Constituição.”
O Exmo. Sr. Ministro Celso de Mello, que acompanhou o Exmo. Ministro
Relator, foi ainda mais contundente, lembrando que a Constituição excepciona
a regra do concurso público apenas no caso de cargos de comissão, não
havendo qualquer exceção em relação a qualquer ente público, seja ele dotado
de personalidade jurídica de direito público, seja de direito privado.
Vê-se, assim, que não tendo a Constituição Federal excepcionado o
concurso público para trabalho prestado nas entidades públicas sob o rótulo
de programa social, não cabe ao intérprete fazê-lo, pois o cumprimento da
Constituição não é algo que esteja dentro do arbítrio do administrador público
ou mesmo do intérprete, a ponto de se assegurar a escolha, por parte de quem
quer que seja, “quando”, “como” e “se” irá obedecer a norma constitucional. Se
a própria Constituição fulmina de nulidade absoluta a contratação sem a observância do concurso público, não se pode conceber que a simples vontade
individual justifique a manutenção ou convalidação dos contratos de trabalho
irregularmente firmados, porque se assim se admitisse, qualquer um, sob
qualquer pretexto, poderia deixar de cumprir a Constituição, sem qualquer
punição, o que não se compatibiliza com o Estado de Direito adotado pelo
Brasil.
Registre-se, ademais, que, como pondera Hely Lopes Meirelles, “na
Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto
na Administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza” (MEIRELLES, Hely
Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000).
No caso, dentre as funções precípuas do Estado não está incluída a colocação
de pessoas desempregadas em seus quadros, quer sejam da administração
direta, indireta ou fundacional, visto que, embora o direito ao trabalho seja um
direito do cidadão e, por conseguinte, dever do Estado, quanto a este direito
social especificamente, a Carta Política não impôs ao Estado a obriga-ção de
assegurá-lo a todas as pessoas, limitando seus deveres à formação
profissional por meio da educação, bem como a implementação de políticas
públicas com vistas a alcançar o pleno emprego mediante a iniciativa privada.
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Nessa esteira de raciocínio, a admissão de trabalhadores na
administração pública somente deve ocorrer por concurso público (como regra)
e quando necessária ao bom andamento na prestação dos serviços públicos.
Portanto, em razão do disposto no § 2º do art. 37, da CF, a nulidade
dos contratos de trabalho, firmados no contexto do “Programa Emergencial
de Auxílio-Desemprego” — Frente de Trabalho, é medida que se impõe.
III. Conclusão
Pelo exposto, ante a violação frontal e literal do disposto na Constituição
Federal, no que pertine ao princípio da dignidade humana e aos direitos sociais
dos trabalhadores (arts. 1º, incisos III e IV, 3º, incisos III e IV, 5º, caput, 6º, 7º,
193 e 203), aos princípios e deveres da administração pública (art. 37, inciso
II e § 2º c/c Súmula n. 363, do E. TST) e aos princípios gerais da atividade
econômica (art. 170), bem como a Legislação Ordinária Consolidada e Extravagante (quanto à configuração da relação jurídica de emprego e aos direitos
que essas garantem aos empregados) e, ainda, a negativa de prestação
jurisdicional (arts. 5º, incisos XXXV, LIV e LV, e 93, inciso IX, da Constituição
Federal e art. 832 da Consolidação das Leis do Trabalho), requer o Parquet o
acolhimento de todos os pedidos para:
1. no iudicium rescindens, desconstituir o r. acórdão oriundo da 9ª Turma
do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região — acórdãos n.
20030621121 e 20030717617 —, de relatoria da Desembargadora Federal do Trabalho, Dra. Laura Rossi, proferidos nos autos da ação civil
pública, tombada neste E. TRT sob o n. 20030008365; 2. no iudicim
rescissorium, proferir novo julgamento, para declarar, incidentalmente,
a inconstitucionalidade do “Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego” — Frente de Trabalho, instituído pela Lei n. 10.321/99, bem como
para: a) declarar nulos os contratos de trabalho (contrato-realidade)
firmados pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos — CPTM,
com espeque na Lei Estadual n. 10.321/99, com a redação dada na Lei
Estadual n. 10.618/00, condenando a empresa ré a promover o imediato
desligamento dos trabalhadores denominados bolsistas da Frente de
Trabalho; b) determinar que a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos — CPTM se abstenha de admitir trabalhadores denominados
Bolsistas, por meio de Frente de Trabalho, nos termos da Lei Estadual
n. 10.321/99, com a redação dada na Lei n. 10.618/00; c) fixar multa
diária no valor de R$ 1.000,00 (mil Reais), para a hipótese de não cumprimento das obrigações de fazer e não fazer (itens “a” e “b” acima), por
bolsista mantido irregularmente, multa essa reversível ao FAT — Fundo
de Amparo ao Trabalhador, nos termos dos arts. 10 e 11 da Lei n. 7.998/
90 de 11.1.90; d) pagar indenização correspondente à responsabilidade
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por danos a interesses coletivos e difusos causados pela sua conduta
ilícita, apurada por uma condenação em dinheiro (Lei n. 7.347/85, art.
3º), reversível ao FAT — Fundo de Amparo ao Trabalhador, no valor de
R$ 2.306.974,32 (dois milhões, trezentos e seis mil, novecentos e setenta
e quatro reais e trinta e dois centavos), como calculado no item III desta
peça.
Finalmente, requer-se a citação do Réu para contestar a ação, querendo, sob pena de incidir nos efeitos próprios da decretação de revelia.
Requer ainda a intimação pessoal dos atos processuais proferidos no
presente feito, na forma do art. 84, inciso IV, da Lei Complementar n. 75/93
(Lei Orgânica do Ministério Público da União), bem como do art. 236, § 2º, do
Código de Processo Civil.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito
permitidos, sem exceção.
Dá-se à presente ação, para fins de alçada, o valor de R$ 10.000,00
(dez mil reais), na forma da inicial da ação civil pública.
Nestes Termos,
E. Deferimento. São Paulo, 4 de agosto de 2008.
Viviann Rodriguez Mattos
Procuradora do Trabalho
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA VALE VERDE
EMPREENDIMENTOS AGRÍCOLAS LTDA.
— SETOR SUCROALCOOLEIRO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE
GOIANINHA-RN
O Ministério Público do Trabalho — Procuradoria Regional do Trabalho
da 21ª Região, por intermédio dos Procuradores no final assinados, vem, guardando o usual respeito, com fundamento nos arts. 129, III, da Constituição
Federal, 83, III, da Lei Complementar n. 75/93 e 9º da CLT, combinados com
o disposto nas Leis ns. 7.347/85 e 8.078/90, propor a presente
Ação Civil Pública, com pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela
Inaudita Altera Parte, em face de
Vale Verde Empreendimentos Agrícolas Ltda, pessoa jurídica de direito
privado, inscrita no CNPJ sob o n. 02.414.858/0003-90, localizada na Rodovia
RN 62, Km 9, s/n, Fazenda Pedrosa, município de Baía Formosa, neste Estado
do Rio Grande do Norte, pelas razões de fato e de direito a seguir declinadas:
I. Considerações iniciais
O processo de expansão do setor sucroalcooleiro e a especial atenção
dispensada pelo Ministério Público do Trabalho às atividades laborais vinculadas ao cultivo de cana-de-açúcar:
1. O setor sucroalcooleiro, como é público e notório, vem experimentando
um crescimento vertiginoso ao longo dos últimos anos, e o etanol desponta como uma das principais matrizes energéticas do século XXI,
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atraindo o interesse dos mercados consumidores internacionais para a
sua produção no Brasil, que é hoje a segunda maior em todo o mundo.
2. O crescente volume de recursos aportados no setor sucroalcooleiro
não tem se refletido, todavia, na melhoria da qualidade das práticas
trabalhistas vigorantes nesse segmento econômico. Muito pelo contrário.
3. No processo de expansão vivenciado pelo setor sucroalcooleiro, o
cumprimento da legislação trabalhista e o aprimoramento dos mecanismos de proteção à saúde do trabalhador têm sido visivelmente relegados a um segundo plano.
4. Em razão da necessidade de sanar as irregularidades no setor, foi
criado o Programa de Combate às Irregularidades Trabalhistas no Setor
Sucroalcooleiro, tornando-se, assim, uma política institucional de caráter
permanente.
II. Dos fatos
II.1. Do programa de combate às irregularidades trabalhistas no setor
sucroalcooleiro no Estado do Rio Grande do Norte — da Operação
Potiguar
5. O referido Programa de Combate às Irregularidades Trabalhistas no
Setor Sucroalcooleiro deu início às suas atividades no Estado do Rio Grande
do Norte com a denominada Operação Potiguar, iniciada no último dia 2 de
março do corrente ano.
6. Trata-se de um trabalho conjunto, que conta com a participação de
Membros e Servidores de várias Procuradorias Regionais do Trabalho do país,
além do auxílio de Auditores Fiscais da Superintendência Regional do Trabalho
e Emprego do Rio Grande do Norte e de integrantes das Polícias Federal e
Rodoviária Federal.
7. Nesse trabalho interinstitucional, foram realizadas várias diligências
de fiscalização nas usinas de açúcar e álcool, destilarias e em algumas propriedades rurais deste Estado, com o objetivo de dar cumprimento e efetividade, com especial destaque, às normas de segurança, medicina e higiene
do trabalho estabelecidas pela NR-31 (Norma Regulamentadora da Atividade
Rural editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego), assim como às demais
disposições legais de proteção aplicável ao labor rural.
8. Dentre as empresas fiscalizadas figura a Vale Verde Empreendimentos
Agrícolas Ltda. (doravante denominada apenas Vale Verde), ora Ré, que cultiva
e processa a cana-de-açúcar para fabricação de açúcar e álcool.
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9. Às 3h15min do dia 3 de março de 2009, partiu da sede da Procuradoria
Regional do Trabalho da 21ª Região a equipe de trabalho integrante da Força
Tarefa do Setor Sucroalcooleiro — Operação Potiguar.
10. Por volta das 5h da manhã, os ônibus que transportavam trabalhadores rurais foram parados pelos agentes da Polícia Federal. A equipe de
trabalho passou, então, a colher o depoimento dos motoristas dos ônibus bem
como dos passageiros, todos trabalhadores rurais.
Segue em anexo, relatório de inspeção, com vídeo com as imagens
dos momentos das inspeções nos veículos (doc. 1).
11. O primeiro ônibus que transportava trabalhadores da Usina Vale
Verde a ser inspecionado foi o de placa KSZ 5557, de Arez-RN, ano de fabricação 1991, guiado pelo Sr. Wagner Silva da Paz. Foram encontradas as
seguintes irregularidades no veículo, consoante ilustram as fotos em anexo:
1. Autorização para transporte de trabalhadores vencida em
15.10.2008;
2. Motorista sem sapatos, de sandálias tipo havaianas;
3. Sem água potável para os trabalhadores. Reservatório de água
instalado no ônibus, para fornecer água aos trabalhadores, quando
o ônibus estaciona na frente de trabalho, estava completamente vazio
e com visível sujeira;
4. Sem kit de primeiros socorros;
5. Sem pagamento das horas in itinere, segundo depoimento uníssono dos trabalhadores;
6. Trabalhadores com EPIs desgastados, principalmente as botas.
Todos sem luvas;
7. A usina não realiza a lavagem das roupas usadas pelos trabalhadores na aplicação de agrotóxicos, os quais as levam para lavar em
suas próprias residências.
12. O segundo ônibus da empresa a ser inspecionado foi o de placa
LAF-6703, de Lagoa de Pedras-RN, fabricado em 1994. Foram encontradas
as seguintes irregularidades no ônibus, consoante ilustram as fotos em anexo:
1. Veículo sem tacógrafo; 2. Sem autorização para transporte de trabalhadores.
13. Os trabalhadores que estavam sendo transportados relataram as
seguintes irregularidades:
1. A usina não faz a pesagem da cana;
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2. Não há anotação das horas in itinere. Os trabalhadores tomam o
ônibus, em média, às 5h da manhã e retornam no mesmo ônibus,
para suas residências, às 17h;
3. A empresa não fornece água potável nas frentes de trabalho.
14. Esses veículos eram conduzidos por motoristas desprovidos de
documentos pessoais, inclusive habilitação, não tinham autorização da autoridade de trânsito para o transporte de trabalhadores, transportavam ferramentas
juntamente com os trabalhadores e apresentavam condições mecânicas precárias, sobretudo pelo longo tempo de uso que aparentavam, sendo evidente
a exposição dos trabalhadores transportados a grave risco de acidente.
15. Foram colhidos os depoimentos de trabalhadores empregados da
Vale Verde, conforme termos em anexo.
16. Nas instalações da Fazenda Pedrosa, de propriedade da usina Vale
Verde, no Município de Baía Formosa/RN, a equipe da Força-Tarefa encontrou
uma frente de trabalho que realizava o serviço de limpa (capinação) do
canavial, tendo constatado, de logo, as seguintes irregularidades:
1. Barraca sanitária inadequada, sem vaso sanitário, sem água, sem
fossa seca;
2. Abrigo para refeições sem mesas e cadeiras;
3. Ônibus (placa MUJ 4164, Jundiá-RN) de transporte dos trabalhadores sem autorização para transporte, sem o documento de porte
obrigatório (certificado de licenciamento anual), sem tacógrafo;
4. Material de primeiros socorros com tesoura enferrujada e gases
sujas de sangue;
5. Falta de água potável.
17. Na referida frente de trabalho, foram tomados os depoimentos dos
prepostos do empregador e dos trabalhadores, conforme termos em anexo.
18. Durante a inspeção, a empresa providenciou equipamentos de
proteção individual para os trabalhadores, o que demonstra que tinha adquirido
alguns desses equipamentos, mas dolosamente não os utilizava, só possuindo
tais equipamentos para “inglês ver”, ou, no caso, a fiscalização. O fato é que,
conforme demonstram as fotos 21 e 22 (fl. 21 do relatório de inspeção em
anexo — doc. 1), os trabalhadores receberam luvas novas e óculos de proteção. As luvas, de tão brancas e novas, em contraste com os calos e ferimentos
nas mãos e a sujeira nas unhas dos trabalhadores, demonstravam que nunca
foram utilizadas. Já os óculos ainda estavam nos plásticos! As botas, entregues
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às pressas aos trabalhadores, ainda tinham a etiqueta, em oposição ao estado
das botas que os trabalhadores calçavam nos ônibus que os transportavam.
Bonés tipo visionários, de má qualidade, foram também entregues às pressas,
aos trabalhadores. Vê-se, nas fotografias em anexo, que os bonés foram
colocados em cima dos bonés próprios que os trabalhadores usavam para
proteger-se precariamente. Vide também relatório técnico elaborado pela
Analista Pericial em Engenharia de Segurança do Trabalho do Ministério
Público do Trabalho (fl. 13 — doc. 2).
19. Como resultado final da inspeção, foram constatadas, em suma, as
irregularidades a seguir elencadas, com a indicação das respectivas normas
descumpridas:
1. Ônibus efetuando o transporte de trabalhadores conduzido por
motorista não habilitado e não identificado. (item 31.16.1, c, da Norma
Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.16.1.
O veículo de transporte coletivo de passageiros deve observar os
seguintes requisitos: c) ser conduzido por motorista habilitado e
devidamente identificado);
2. Ônibus efetuando o transporte de trabalhadores sem autorização
emitida pela autoridade de trânsito competente para tal fim. (item
31.16.1, a, da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.16.1. O veículo de transporte coletivo de
passageiros deve observar os seguintes requisitos: a) possuir
autorização emitida pela autoridade de trânsito competente);
3. Ferramentas e ferragens sendo transportadas juntamente com os
trabalhadores no interior do ônibus.(item 31.16.1, d, da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.16.1. O
veículo de transporte coletivo de passageiros deve observar os
seguintes requisitos: d) possuir compartimento resistente e fixo para
a guarda das ferramentas e materiais, separado dos passageiros);
4. Ônibus efetuando o transporte de trabalhadores conduzido por
motorista que não portava o documento do veículo (certificado de
licenciamento anual) (art. 133 do Código de Trânsito Brasileiro: Art.
133. É obrigatório o porte do Certificado de Licenciamento Anual);
5. Ônibus destinado ao transporte de trabalhadores sem registrador
instantâneo inalterável de velocidade e tempo (tacógrafo) (art. 105,
II, do Código de Trânsito Brasileiro: Art. 105. São equipamentos
obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo
CONTRAN: II — para os veículos de transporte e de condução
escolar, os de transporte de passageiros com mais de dez lugares e
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os de carga com peso bruto total superior a quatro mil, quinhentos e
trinta e seis quilogramas, equipamento registrador instantâneo
inalterável de velocidade e tempo);
6. Motorista conduzindo o ônibus de transporte de trabalhadores com
calçado (sandália) inapropriado (art. 252, IV, do Código de Trânsito
Brasileiro: Art. 252. Dirigir o veículo: (...) IV — usando calçado que
não se firme nos pés ou que comprometa a utilização dos pedais.
Infração — média. Penalidade — multa);
7. Ônibus efetuando o transporte de trabalhadores sem possuir cinto
de segurança para os passageiros (art. 105, I, do Código de Trânsito
Brasileiro: Art. 105. São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre
outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN: I — cinto de
segurança, conforme regulamentação específica do CONTRAN, com
exceção dos veículos destinados ao transporte de passageiros em
percursos em que seja permitido viajar em pé);
8. Não fornecimento de água potável (item 31.23.9 da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.23.9. O
empregador rural ou equiparado deve disponibilizar água potável e
fresca em quantidade suficiente nos locais de trabalho);
9. Falta de abrigo para refeições com mesas e cadeiras para atender a todos os trabalhadores (item 31.23.4.3 c/c item 31.23.4.1,
todos da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e
Emprego: 31.23.4.3. Nas frentes de trabalho devem ser disponibilizados abrigos, fixos ou móveis, que protejam os trabalhadores contra as intempéries, durante as refeições. 31.23.4.1. Os locais para
refeição devem atender aos seguintes requisitos: b) capacidade
para atender a todos os trabalhadores; c) água limpa para higienização;
d) mesas com tampos lisos e laváveis; e) assentos em número suficiente);
10. Não registro na jornada de trabalho das horas do percurso casa-trabalho-casa (horas in itinere) em transporte fornecido pelo empregador para local de difícil acesso e não servido por transporte
público regular (art. 58, § 2º, da CLT: O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho,
salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido
por transporte público, o empregador fornecer a condução);
11. Falta de proteção nas ferramentas (bainhas nos facões) (item
31.11.4 da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho
e Emprego: 31.11.4. As ferramentas de corte devem ser: a)
guardadas e transportadas em bainha);
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12. Falta de material de primeiros socorros (item 31.5.1.3.6 da Norma
Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego:
31.5.1.3.6. Todo estabelecimento rural deverá estar equipado com
material necessário à prestação de primeiros socorros, considerando-se as características da atividade desenvolvida);
13. Não fornecimento e não substituição, quando necessária, de equipamentos de proteção individual (itens 31.20.1 e 31.20.1.1 da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego:
31.20.1. É obrigatório o fornecimento aos trabalhadores, gratuitamente, de equipamentos de proteção individual (EPI) (...); 31.20.1.1.
Os equipamentos de proteção individual devem ser adequados aos
riscos e mantidos em perfeito estado de conservação e funcionamento);
14. Não exigência do uso dos equipamentos de proteção individual
pelos trabalhadores (item 31.20.1.2 da Norma Regulamentadora n.
31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.20.1.2. O empregador
deve exigir que os trabalhadores utilizem os EPIs);
15. Não descontaminação, sob a responsabilidade da empresa, ao
final de cada jornada de trabalho, dos equipamentos de proteção individual e vestimentas de trabalho utilizados pelos empregados que
fazem a aplicação de agrotóxicos. Os próprios trabalhadores, em suas
residências, fazem a descontaminação. (item 31.8.9 da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.8.9.
O empregador rural ou equiparado, deve adotar, no mínimo, as seguintes medidas: (...) b) fornecer os equipamentos de proteção individual e vestimentas de trabalho em perfeitas condições de uso e
devidamente higienizados, responsabilizando-se pela descontaminação dos mesmos ao final de cada jornada de trabalho, e substituindo-os sempre que necessário);
16. Não fornecimento de recipiente para conservação da alimentação consumida pelos trabalhadores (item 31.23.4.2 da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.23.4.2.
Em todo estabelecimento rural deve haver local ou recipiente para a
guarda e conservação de refeições, em condições higiênicas, independentemente do número de trabalhadores);
17. Falta de instalações sanitárias ou utilização de instalações
inadequadas nas frentes de trabalho (item 31.23.3.4. da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.23.3.4.
Nas frentes de trabalho, devem ser disponibilizadas instalações
sanitárias fixas ou móveis compostas de vasos sanitários e lavatórios,
na proporção de um conjunto para cada grupo de quarenta
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trabalhadores ou fração, atendidos os requisitos do item 31.23.3.2,
sendo permitida a utilização de fossa seca);
18. Não concessão do intervalo para repouso e alimentação. A
empresa, algumas vezes, transporta os trabalhadores de uma frente
de trabalho para outra durante o intervalo intrajornada (art. 71, caput,
da CLT: Art. 71. Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda
de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para
repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e,
salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá
exceder de 2 (duas) horas);
19. Não concessão de pausas para descanso (itens 31.10.7 e 31.10.9
da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.10.7 Para as atividades que forem realizadas necessariamente em pé, devem ser garantidas pausas para descanso. 31.10.9.
Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica devem ser incluídas pausas para descanso e outras medidas que
preservem a saúde do trabalhador);
20. Não fornecimento gratuito das ferramentas necessárias ao trabalho (item 31.23.3.4. da Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego: 31.11.1 O empregador deve disponibilizar,
gratuitamente, ferramentas adequadas ao trabalho e às características físicas do trabalhador, substituindo-as sempre que necessário).
20. Todas as irregularidades descritas constam do relatório de inspeção
e no relatório técnico, em anexo (docs. 1 e 2). 21. Imperioso salientar, ainda,
que não só o Ministério Público do Trabalho, como também o Ministério do
Trabalho e Emprego constatou violações à ordem jurídica trabalhista perpetradas pela Vale Verde.
21. Os Auditores Fiscais do Trabalho da SRTE-RN, que participaram
das inspeções juntamente com o Parquet Trabalhista, ante a gravidade da
situação fática encontrada, procederam à autuação da empresa.
22. Foram lavrados, ao todo, 8 (oito) autos de infração pelos Auditores
Fiscais. Estes autos não encerram todas as ilegalidades existentes na empresa-ré, mas, exemplificativamente, ilustram e corroboram algumas das irregularidades também encontradas pelo Ministério Público do Trabalho.
23. Com efeito, a empresa foi autuada em razão das seguintes ilegalidades, seguindo em anexo os respectivos autos (docs. 3 a 10):
1. Transportar trabalhadores em veículo de transporte coletivo de
passageiros que não possua compartimento resistente e fixo para a
guarda das ferramentas e materiais, separado dos passageiros (auto
de infração n. 018322514);
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2. Deixar de exigir que os trabalhadores utilizem os equipamentos
de proteção individual (auto de infração n. 018322522);
3. Utilizar máquina ou equipamento motorizado móvel que não possua
faróis e/ou luzes e sinais sonoros de ré acoplados ao sistema de
câmbio de marchas e/ou buzina e/ou espelho retrovisor (auto de infração n. 018322531);
4. Deixar de conceder período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho (auto de infração
n. 018321291);
5. Permitir que dispositivo de proteção ou vestimenta contaminada
seja levado para fora do ambiente de trabalho (auto de infração n.
018314848);
6. Manter local para refeição que não tenha assentos em número
suficiente (auto de infração n. 018314864);
7. Deixar de disponibilizar, nas frentes de trabalho, instalações sanitárias compostas de vasos sanitários e lavatórios ou disponibilizar,
nas frentes de trabalho, instalações sanitárias compostas de vasos
sanitários e lavatórios, em proporção inferior a um conjunto para cada
grupo de 40 trabalhadores ou fração ou disponibilizar, nas frentes de
trabalho, instalações sanitárias em desacordo com o disposto na NR31 (auto de infração n. 018314856);
8. Deixar de consignar em registro mecânico, manual ou sistema eletrônico, os horários de entrada, saída e período de repouso efetivamente praticados pelo empregado (auto de infração n. 018319343).
24. Considerando a quantidade de irregularidades havidas e a gravidade
da situação fática, o Ministério Público do Trabalho ainda buscou uma solução
extrajudicial, propondo à empresa a celebração de termo de compromisso de
ajustamento de conduta.
25. No entanto, em audiência ocorrida no último dia 10 (dez) de março
de 2009, os representantes da Vale Verde optaram por recusar a proposta do
Parquet.
26. O ânimo da empresa de lesar os direitos dos trabalhadores, bem
como de resistir, injustificadamente, em ajustar sua conduta à lei, restou clarividente na respectiva assentada (ata de audiência em anexo — doc. 11),
conforme se observa do ponto relativo à obrigação de registrar as horas in
itinere nos controles de jornada de trabalho. A empresa objetou que, insistindo-se na exigência do cômputo na jornada de tal período, “... cobrará o transporte
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e descontará até 6% do salário do empregado”. É, realmente, de estarrecer,
a postura apresentada pela empresa-ré.
27. Acrescente-se que as empresas do setor sucroalcooleiro deste Estado já vêm se beneficiando, em detrimento do interesse de seus empregados, com o não pagamento das horas in itinere. Isto porque a última convenção
coletiva de trabalho do setor, válida até o mês de novembro de 2008, continha cláusula manifestamente ilegal, que desonerava as empresas de computar na jornada as horas de percurso que não excedam o tempo de 1h15min
(uma hora e quinze minutos). Tal cláusula, como dito, já não vige, uma vez
que a representação sindical dos trabalhadores compreendeu o prejuízo que
a cláusula causava à categoria e a retirou da proposta de CCT 2009/2010, o
que ensejou que a representação patronal não assinasse a convenção coletiva de trabalho (doc. 12).
28. Ao fim da audiência acima referida, o Parquet, ainda perseguindo o
ânimo conciliatório, concedeu à empresa a oportunidade de apresentar
contraproposta de termo de ajuste até o dia 18 de março de 2009.
29. Ocorreu que a contraproposta apresentada pela empresa (cópia
anexa) refoge à razoabilidade, agride o ordenamento jurídico e causa indignação naqueles que buscam a preservação da dignidade do trabalhador do
campo e a reparação dos prejuízos já suportados pelos trabalhadores rurais.
30. Diante desse quadro fático, e tendo em conta principalmente a conduta irregular e contumaz da Ré e o caráter irrenunciável das normas de segurança e de proteção da vida, da saúde e da integridade física do ser humano,
não resta outra alternativa ao Ministério Público do Trabalho senão ajuizar a
presente Ação para restabelecer definitivamente a ordem jurídica e o respeito ao valor social do trabalho e à dignidade e à saúde dos trabalhadores.
II.2. Do histórico da empresa-ré perante o Ministério Público do Trabalho
31. Importante destacar que a conduta da empresa ora Ré, de
desrespeito à legislação do trabalho, não é recente. Em relação à gravíssima
irregularidade de não possuir lavanderia para lavagem de vestimentas utilizadas na atividade de aplicação de agrotóxicos, a empresa foi notificada,
em 2.6.2008, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para providenciar a
lavanderia, mas não cumpriu a determinação, tendo sido encontrados, durante
a força-tarefa, trabalhadores levando suas vestimentas contaminadas para
serem limpas fora do local de trabalho, em suas próprias residências (vide
auto de infração n. 018314848 em anexo).
32. Já em 20 de outubro de 1999, ou seja, há quase 10 (dez) anos, a
Vale Verde comprometeu-se, perante o Parquet Trabalhista, a ajustar a sua
conduta à lei, em virtude de irregularidades apuradas em procedimento
investigatório.
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33. Ocorreu, no entanto, que a Vale Verde descumpriu o compromisso
de ajustamento de conduta, o que levou o Ministério Público do Trabalho a
ajuizar a ação de execução do mencionado título executivo extrajudicial (cópia
da petição inicial em anexo — doc. 13).
34. Conforme consta da referida ação de execução, a fiscalização do
trabalho, em ação fiscal ocorrida nos dias 18 e 24 de outubro de 2000, encontrou 49 (quarenta e nove) empregados sem os devidos EPIs, bem como
verificou a inexistência de abrigos de proteção e de fornecimento de água
potável para os empregados.
35. Como se pode ver, não se trata de “ré primária”, utilizando-se a
terminologia típica do direito penal. Cuida-se, sim, de ré reincidente, recalcitrante e contumaz descumpridora da legislação trabalhista. Ressalte-se
que a empresa firmou conciliação nos autos da execução acima referidos,
recolhendo ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, em 2001, a quantia de R$
13.070,81 (treze mil e setenta reais e oitenta e um centavos), mas nem a
cominação dessa penalidade a inibiu de continuar descumprindo a lei, o que
exige uma resposta mais efetiva do sistema de aplicação da lei, com condenação maior pelo reiterado descumprimento das normas legais, como adiante se demonstrará.
36. Sendo assim, é imprescindível uma resposta judicial efetiva, no objetivo de se compelir a empresa-ré a cumprir as normas trabalhistas, em especial
as de proteção à saúde e segurança no trabalho.
III. Dos fundamentos de direito
III.1. Do trabalho degradante
37. O conjunto probatório carreado nos autos e narrado nos itens anteriores desta peça encerra uma realidade inescusável: a existência de trabalho degradante, em toda a sua acepção jurídica moderna, nas fazendas da
Ré.
38. Divisar as práticas que caracterizam a presença de trabalho degradante ou análogo à de escravo implica debruçar-se sobre o alcance dos Princípios da Dignidade, Igualdade, Liberdade e Legalidade, insertos na Constituição
Federal como pilares do Estado Democrático de Direito.
39. Apesar das divergências doutrinárias a respeito da definição jurídica
do tipo penal da redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, a
Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003, pacificou a questão ao alterar o
artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que tipificou a conduta criminosa da
seguinte forma:
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“Art. 149 — Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto.
Pena — Reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I — cerceia o uso de qualquer transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II — mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera
de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de
retê-lo no local de trabalho.”
40. De acordo com a nova redação do caput do art. 149 do Código
Penal, portanto, a caracterização do trabalho em condições análogas à de
escravo não mais centra-se no tolhimento da liberdade de ir e vir.
41. A degradação das condições de trabalho também hoje se apresenta
como tipo penal da escravidão moderna, porque avilta as condições de dignidade do trabalhador — substrato jurídico do princípio fundamental erigido
no art. 3º da Constituição Federal: a construção de uma sociedade livre, justa
e solidária.
42. A doutrina mais abalizada testifica o quanto aqui foi ressaltado:
“Na atual definição que deve ser emprestada ao trabalho em que há
a redução do homem à condição análoga à de escravo deve forçosamente ser reconhecido que não é mais a liberdade o fundamento
maior que é violado, mas sim outro, mais amplo, e que repele as
duas espécies: o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes.
(...)
No caso do trabalho em condições degradantes, da mesma forma.
Embora não exista a restrição à liberdade, o homem, ao ter negadas
as condições mínimas para o trabalho, é tratado como se fosse mais
um dos bens necessários à produção; e, podemos dizer sem dúvidas,
‘coisificado’.
E qual é o fundamento que impede a quantificação, a coisificação do
homem? A dignidade da pessoa humana. Esse o fundamento maior,
então, para a proibição do trabalho em que há a redução do homem
à condição análoga à de escravo.
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Assim deve ser visto, hoje, o crime de redução à condição análoga à
de escravo, até no caso do trabalho em condições degradantes.
É preciso, pois, alterar a definição anterior, fundada na liberdade, pois
tal definição foi ampliada, sendo seu pressuposto hoje a dignidade.
(...)
Não aceitar a mudança é querer negar que o homem tem sua dignidade ferida no mais alto grau não só quando sua liberdade é cerceada, mas também quando sua condição de homem é esquecida, como
na hipótese do trabalho em condições degradantes.
Ora, não há justificativa suficiente para não aceitar que, tanto o
trabalho sem liberdade como o em condições degradantes são intoleráveis se impostos a qualquer ser humano. É preciso aceitar que,
usando uma palavra hoje comum, o ‘paradigma’ para a aferição mudou; deixou de ser apenas o trabalho livre, passando a ser o trabalho digno.
Não há sentido, então, na tentativa que se vem fazendo de descaracterizar o trabalho em condições degradantes, como se este não
pudesse ser indicado como espécie de ‘trabalho escravo’.
Na verdade, reproduzir essa ideia é dar razão para quem não tem,
no caso para aqueles que se servem do ser humano sem qualquer
respeito às suas necessidades mínimas, acreditando que este é o
país da impunidade e da desigualdade.” (in: Trabalho com redução
do homem à condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa
humana. José Cláudio Monteiro de Brito Filho — Doutor em Direito das
Relações Sociais. Professor e Pesquisador do Centro Universitário
do Estado do Pará — CESUPA. Professor Adjunto da Universidade
Federal do Pará. Professor Titular da Universidade da Amazônia).
43. Na “Carta de Belém”, documento firmado por operadores do Direito
do Trabalho, são definidas as práticas consideradas análogas à escravidão:
“PELO RESGATE DA LIBERDADE E DA DIGNIDADE NO TRABALHO, COMO ELEMENTO DE JUSTIÇA E PAZ SOCIAL.
O Ministério Público do Trabalho, contando com a participação de
Membros do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário Federal,
além de integrantes do Ministério do Trabalho e Emprego, Polícia
Federal, Ordem dos Advogados do Brasil — OAB, Organização
Internacional do Trabalho, Poderes Executivo e Legislativo do Estado
do Pará, IBAMA, INCRA, além de importantes segmentos da sociedade civil organizada, tais como a Confederação Nacional dos Bispos
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do Brasil (CNBB), Comissão Pastoral da Terra e a Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Pará — FETAGRI, realizou, nos dias
6 e 7 de novembro de 2000, o SEMINÁRIO INTERNACIONAL:
TRABALHO FORÇADO — REALIDADE A SER COMBATIDA, estando
presentes o Exmo. Sr. Procurador-Geral do Trabalho, a Corregedora-Geral do Ministério Público do Trabalho, Sub-Procuradores, Procuradores Regionais e Procuradores do Trabalho.
I — DOS FATOS CONSTATADOS:
I.1) Não obstante as grandes conquistas alcançadas no campo do
Direito Positivo, tanto na esfera nacional, como em patamares
internacionais, a realidade brasileira agride, em pleno limiar do Século
XXI, a literalidade dos Princípios Fundamentais da República
Federativa do Brasil, mormente no que se refere à dignidade da
pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, incisos III e IV
da Lex Mater), além dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos
relacionados no capítulo I do Título II da Constituição Federal, as
leis ordinárias em vigor e as Convenções ns. 29 e 105, da Organização Internacional do Trabalho, ratificadas pelo Brasil, evidenciando-se a continuidade da exploração do trabalho forçado em diversas
unidades da federação;
I.2) O ‘trabalho forçado’, denominação genérica que abrange o trabalho escravo stricto sensu, servil e degradante, serve de ignóbil instrumento de produção e centralização de riquezas em detrimento dos
valores transcendentais do trabalho e dos primados mais basilares
dos direitos naturais do ser humano, diante dos olhos semicerrados
e ainda omissos do Estado Brasileiro;
I.3) Os trabalhadores submetidos à ‘moderna escravidão’, não declarada, não percebem remuneração suficiente para o seu sustento,
nenhuma garantia trabalhista lhes é assegurada, além de laborarem
em ambiente insalubre e/ou perigoso, sujeitos a graves doenças ou
a acidentes de trabalho, sem proteção adequada;
I.4) Assim, o trabalho forçado, em seu conceito mais amplo, deve
ser entendido como aquele que contempla, dentre outras, as seguintes situações:
Utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão de obra
pelos chamados ‘gatos’ e pelas Cooperativas fraudulentas;
Utilização de trabalhadores aliciados em outros Municípios ou Estados, pelos próprios tomadores de serviços ou através de interposta
pessoa, com promessas enganosas e não cumpridas;
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Servidão de trabalhadores por dívida, com o cerceamento de sua
liberdade de ir e vir e o uso de coação moral ou física, para mantê-los no trabalho;
Submissão de trabalhadores a condições precárias de trabalho, pela
falta ou inadequado fornecimento de alimentação sadia e farta e de
água potável;
Fornecimento aos trabalhadores de alojamentos sem condição de
habitabilidade e sem instalações sanitárias adequadas;
Falta de fornecimento gratuito aos trabalhadores de instrumentos para
prestação de serviços, de equipamentos de proteção individual e de
materiais de primeiros socorros;
Não utilização de transporte seguro e adequado aos trabalhadores;
Não cumprimento da legislação trabalhista, desde o registro do contrato na carteira de trabalho, passando pela falta de cumprimento
das normas de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores,
até a ausência de pagamento da remuneração a eles devida;
Coagir ou induzir trabalhador a se utilizar de armazéns ou serviços
mantidos pelos empregadores ou seus prepostos.
I.5) Além da violação às normas trabalhistas, o fenômeno que envolve
o ‘trabalho forçado’, distante dos centros urbanos, não raro, vem
acompanhado, de enfisemas sociais de diversas ordens, tais como
desmatamento ambiental, violência (inclusive com casos registrados
de homicídios de trabalhadores), alcoolismo, como também completa
destituição dos direitos civis básicos do cidadão-trabalhador, como a
personalidade e capacidade jurídica;
I.6) Desafortunadamente, conquanto exista ágil atuação do Grupo
Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado — GERTRAF, vinculado
ao Ministério do Trabalho, através dos grupos móveis compostos de
Auditores-Fiscais do Trabalho, e a força da atuação dos Membros
do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal,
nota-se ausência de coordenação efetiva entre os diversos órgãos
estatais diretamente interessados no combate a esse flagelo social.
Inexiste política governamental eficaz para extirpar definitivamente o
trabalho forçado do seio da sociedade. Com efeito, a relação entre
os diversos órgãos públicos, quando muito, limita-se a convênios ou
parcerias, quase nunca levados à realidade dos fatos;
I.7) A política agrária da República Brasileira ainda não atingiu níveis
satisfatórios, haja vista que existem legiões de sem-terras, que servem
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para integrar o ‘exército’ de ‘novos escravos’, dando azo à exploração
desumana do trabalho;
I.8) O instituto, hoje vigorante, da desapropriação das terras, onde
se desenvolvem trabalhos forçados, não atinge os fins aos quais se
destina, haja vista que, inúmeras vezes, em vez de punição, traduz-se em bonificação aos proprietários, face às vultosas indenizações
que lhes são pagas.
II — DAS CONCLUSÕES:
ANTE AOS FATOS RELATADOS, manifestam-se nos seguintes
termos:
II.1) Apoio ao grupo móvel vinculado ao Ministério do Trabalho e
Emprego, preconizando-se maiores subsídios por parte do Poder
Executivo Federal a fim de agilizar e otimizar a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho;
II.2) Maior coordenação entre os órgãos governamentais interessados
na erradicação do trabalho forçado, criando-se núcleos interinstitucionais;
II.3) Ênfase à atuação extrajudicial do Parquet Trabalhista, mormente
no que se refere à inspeção ministerial in loco, bem como à subscrição
do Termo de Ajuste de Conduta, haja vista que esta tem se revelado
mais célere e eficaz que a via judicial;
II.4) Concordância com a interiorização do Ministério Público do Trabalho, implantando-se Sub-Procuradorias junto às Varas Trabalhistas,
cuja jurisdição abranja localidades envolvendo focos de trabalho
forçado;
II.5) Alteração dos dispositivos penais voltados para a tipificação dos
delitos que atentem contra a liberdade individual (art. 149 do Código
Penal) e o trabalho (art. 197 do mesmo diploma), com majoração
das penalidades cominadas;
II.6) Incentivo à implantação do condomínio de empregadores rurais,
como alternativa econômica viável para melhorar a qualidade e as
condições de trabalho no meio rural;
II.7) Reformas, inclusive na legislação, com o objetivo de se buscar
maior rapidez no sistema de desapropriação de terras, onde se
explore trabalho forçado, mas sem o pagamento de qualquer
indenização;
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II.8) Reforma agrária mais eficaz e célere, com a intenção de resgatar
o valor social da propriedade como interesse público maior, que paira
acima de quaisquer direitos individuais privados.
Belém, 7 de novembro de 2000.”
44. No presente caso, é imperioso que se encontre resposta para a
seguinte indagação: constitui ou não uma situação de trabalho em condições
degradantes aquela encontrada na empresa ré pelos integrantes da
Operação Potiguar?
45. Para se responder a tal indagação, é importante relembrar, apenas
ilustrativamente, que:
1. Os trabalhadores da empresa são transportados em condições
precaríssimas, em total desacordo com a legislação vigente: os ônibus são velhos (fabricados há décadas); nenhum dos ônibus possuía autorização para o transporte de trabalhadores, nem tampouco
cinto de segurança; boa parte dos motoristas sequer portava a carteira de habilitação; muitos estavam com calçados inadequados (sandálias tipo havaianas); ônibus sem tacógrafo, sem documento de porte
obrigatório; ferramentas transportadas junto aos trabalhadores;
2. Não há fornecimento de água potável: neste particular, importante
ver as fotos em anexo onde se constata que, visivelmente, a água
fornecida nas frentes de trabalho é imprópria para o consumo
humano;
3. Não há instalações sanitárias nas frentes de trabalho, consoante
determina a NR-31: os trabalhadores, de forma uníssona, declaram
fazer suas necessidades fisiológicas “no mato”;
4. Não há material de primeiros socorros nas frentes de trabalho:
os poucos materiais encontrados eram inservíveis. Havia tesouras
enferrujadas e material para curativos já utilizados, sujos com sangue;
5. Não há abrigo para refeições nas frentes de trabalho com mesas e cadeiras para atender a todos os trabalhadores: na primeira
frente de trabalho inspecionada, não havia uma mesa sequer, nem
tampouco assentos;
6. Não há o fornecimento regular dos equipamentos de proteção
individual: nas duas frentes de trabalho, a maioria dos trabalhadores
realizavam a capinação sem luvas. Foram encontradas também botas
bastante desgastadas e condenadas ao uso;
7. A empresa sequer dispõe de lavanderia para descontaminação
dos equipamentos de proteção individual e vestimentas de trabalho
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utilizados pelos empregados que fazem a aplicação de agrotóxicos:
os próprios trabalhadores, em suas residências, fazem a “descontaminação”.
46. Diante de um quadro tão cruel e pungente, não se há de fugir da
conclusão de que os trabalhadores empregados da empresa Vale Verde são
submetidos, sim, a condições de trabalho degradantes, em inadmissível
violação aos atributos da sua dignidade.
III.2. Das horas in itinere
47. Consoante restou sobejamente comprovado nos depoimentos dos
trabalhadores empregados da Ré e em face das demais provas dos autos, a
empresa não considera, no cômputo da jornada de trabalho de seus
empregados, o tempo despendido no deslocamento (em transporte por ela
fornecido), até o local da prestação de serviço, que é de difícil acesso e não
servido por transporte público regular, e para o seu retorno.
48. Ora, a partir da edição da Lei n. 10.243/01, deve-se aplicar
estritamente o disposto no § 2º do art. 58 da CLT, computando-se na jornada
todo o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o
retorno, em transporte fornecido pelo empregador, quando o local de trabalho
é de difícil acesso ou não servido por transporte público.
49. Importante salientar que, nesse particular, o direito ao cômputo das
horas in itinere não pode sequer ser mitigado mediante convenção ou acordo
coletivo de trabalho. Saliente-se, aqui, que a última convenção coletiva de
trabalho do setor, válida até o mês de novembro de 2008 — portanto, não
mais em vigência, como dito antes —, continha cláusula manifestamente ilegal, que desonerava as empresas de computar na jornada as horas de
percurso que não excediam o tempo de 1h15min (uma hora e quinze minutos).
Hoje, porém, já não há mais qualquer norma coletiva que, não obstante a
patente ilegalidade, possa ainda ser invocada para justificar o procedimento.
50. Destaque-se, a propósito, que a matéria em liça já foi objeto de
apreciação pelo Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região que, ao analisar
Recurso Ordinário interposto pela empresa ora Ré, assim se pronunciou:
(...) 2. Recurso da Reclamada. 2.1. Horas in itinere. Presentes os
pressupostos para a concessão do direito, por se tratar de horas à
disposição do empregador, não se pode admitir que norma coletiva
venha a afastar esse direito, assegurado no art. 58, § 2º, da CLT,
acrescentado pela Lei n. 10.243/01, sobre o qual não cabe negociação, cujo intuito primordial é o de proteger a precarização ainda
maior do trabalho rural. (...) (Acórdão n. 59.078. Recurso Ordinário
n. 00856-2004-020-21-00-7. Juíza Relatora: Elizabeth Florentino
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Gabriel de Almeida. Recorrente: Kerginaldo Franco Ferreira.
Recorrente: Vale Verde Empreendimentos Agrícolas Ltda. Recorrido:
os mesmos. Procedência: Vara do Trabalho de Goianinha)
51. No mesmo diapasão, a jurisprudência mansa e pacífica do C. Tribunal
Superior do Trabalho:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RITO
SUMARÍSSIMO. HORAS IN ITINERE. ACORDO COLETIVO DE
TRABALHO. PERÍODO POSTERIOR À EDIÇÃO DA LEI N. 10.243/01.
VALIDADE. A Lei n. 10.243/01 acrescentou o § 2º ao art. 58 da CLT,
passando o conceito de horas in itinere, que decorria de construção
jurisprudencial, a ser um direito legalmente assegurado aos trabalhadores. O entendimento que vem sendo firmado nesta Corte é o
de que normas coletivas que reduzem o pagamento das horas in
itinere, ajustadas após a vigência da Lei n. 10.243/01 não são válidas.”
(TST-AIRR-51019/2004-025-09-40.8)
“RECURSO DE REVISTA. HORAS IN ITINERE. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. LIMITAÇÃO. PAGAMENTO APENAS A PARTIR
DA SEGUNDA HORA. INVALIDADE. SUPRESSÃO DE DIREITO. O
art. 7º, XXVI, da Constituição da República, em que assegurado o
reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, não
tem o condão de afastar desta Justiça Especializada o exame daquilo que entabulado pelos transatores, a fim de lhe conferir a validade
— relativa a sua presunção —, na esteira do entendimento jurisprudencial da Excelsa Corte (STF-AG-REG-AI-617.006-5/MG). A autonomia da vontade coletiva, portanto, há de se exercer no âmbito que
lhe é próprio, com observância do chamado núcleo duro do Direito
do Trabalho, formado por normas de fonte estatal, imperativas e de
ordem pública, informadas pelos princípios da proteção e da irrenunciabilidade, com ressalva das hipóteses de abertura, pela própria legislação, à referida autonomia (art. 7º, VI, XIII e XIV, da Carta Política).
No que diz com a remuneração das horas in itinere, consabido que
esta Corte Superior se alinhou no sentido de que, antes do advento
da Lei n. 10.243/01, ampla a negociação coletiva no aspecto, na
medida em que o cômputo do tempo de percurso na jornada de trabalho, desde a década de 70, era fruto de construção jurisprudencial
(Súmula n. 90, I, do TST, RA 80/78). Contudo, referida lei, ao acrescentar, em 19.6.2001, o § 2º do art. 58 da CLT, alçou o conceito de
horas in itinere à estatura de direito legalmente assegurado aos trabalhadores. E, com o ingresso no ordenamento jurídico, tal instituto
passa a nele encontrar, com maior ênfase, novos parâmetros, exigindo, por conseguinte, do julgador, diversa abordagem, a fim de
compatibilizá-lo aos preceitos da Lei Maior, que, a um só tempo,
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informam e limitam a transação na esfera coletiva (art. 7º, VI, XIII e
XIV), bem como às disposições da própria Consolidação das Leis do
Trabalho (arts. 9º e 444). Assim, sob a égide da inovação legislativa,
não há como se olvidar que, ao exame da validade do ajuste, necessário aferir se, de fato, nele presentes concessões recíprocas, elemento imanente ao instituto, que se desnatura quando apenas um
dos transatores logra proveito, enquanto o outro, exclusivamente,
suporta prejuízos e, ainda — observados os princípios da razoabilidade e da boa-fé —, se o direito do trabalhador restou direta ou indiretamente suprimido, hipótese com a qual não se compraz a
sistemática normativa, na medida em que denota a intenção de desprover o comando legal de qualquer eficácia. No caso, o ajuste pela
não remuneração das — horas in itinere até o limite de duas, verdadeira isenção do pagamento previsto no art. 58, § 2º, da CLT, configura vedada renúncia a direito trabalhista. Desatendido, também, o
princípio da razoabilidade, na medida em que estipulado lapso temporal de duas horas diárias de deslocamento sem a correspondente
remuneração, passível de acrescer à jornada contratual, em tese,
carga semanal de 12 e mensal de 48 horas, sem a contraprestação
pecuniária determinada na lei, razão pela qual manifesto o escopo
de afastar, ainda que por via oblíqua, a incidência da legislação trabalhista. Acordo desse jaez — supressão de direito sob as vestes de
ajuste coletivo — não merece a chancela do Poder Judiciário, seja à
luz do art. 9º da CLT, seja porque a via da negociação dos direitos
trabalhistas, oportunizada pela Carta Política, somente se faz possível se assentada na boa-fé, à evidência ausente na espécie, consignado pela Corte de origem que não há contrapartida para uma das
partes envolvidas. Precedentes desta Corte Superior. Recurso de revista conhecido e não provido.” (TST — RECURSO DE REVISTA:
RR 38 38/2005-271-06-00.6. Relator(a): Rosa Maria Weber Candiota da Rosa. Julgamento: 30.4.2008. Órgão Julgador: 3ª Turma, Publicação: DJ 23.5.2008)
52. Sendo assim, imperioso concluir que as horas in itinere devem ser
consideradas para o cômputo da jornada de trabalho, desprezando-se qualquer
eventual limitação baseada em convenção ou acordo coletivo de trabalho já
extinto, pela sua evidente nulidade e ausência de efeitos jurídicos, e, por
conseguinte, remuneradas como extras as horas excedentes à 8ª (oitava)
diária.
III.3. Da configuração do dano moral coletivo e a sua reparação
53. As condutas praticadas pela empresa traduzem, comprovadamente,
uma ofensa intolerável ao ordenamento jurídico, a expressar o desprezo
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evidente aos seus valores e regras de proteção aos diretos dos trabalhadores,
em sua dimensão coletiva.
54. Demonstra-se, à evidência, práticas reiteradas de ofensa à dignidade
da coletividade dos trabalhadores, em decorrência do descumprimento de normas básicas de proteção, envolvendo o meio ambiente do trabalho, a saúde,
segurança e higiene, e também a jornada laboral.
55. É inequívoco, nesse sentido, que o menoscabo flagrante às normas
fundamentais da Constituição Federal e da legislação trabalhista, não apenas
gerou, mas continua a produzir danos à coletividade de trabalhadores que
vivencia, no seu cotidiano, a indignidade do tratamento que lhes é dispensado.
56. As ofensas reveladas aos direitos dos trabalhadores — e a forma
como se têm concretizado — não pode ser admitida em um Estado Democrático de Direito, cuja Constituição inclui o respeito à dignidade da pessoa
humana como cânone maior e centro axiológico do sistema jurídico (art.
1º, III).
57. Sendo assim, não se pode conceber que a empresa, em momento
posterior, por força de decisão judicial, apenas venha a corrigir a sua conduta,
a partir de determinado período, mediante a cessação das irregularidades
descritas, desconsiderando-se a violação injusta e grave já perpetrada à ordem
jurídica e os danos causados à coletividade de trabalhadores vítimas das condutas ilícitas reveladas nos relatórios de inspeção (tanto os atuais empregados
quanto aqueles que já se afastaram do emprego, e que foram vitimados com
as práticas denunciadas).
58. Tem-se, pois, efetivamente, a evidência de danos a interesses de
natureza coletiva, cuja gravidade e intolerabilidade enseja a devida reparação,
nos moldes previstos na legislação. Nesse sentido, é autorizada a lição de
André de Carvalho Ramos ao aduzir que
“(...) não somente a dor psíquica pode gerar danos morais; devemos
ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes
interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal
importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral
individual acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a
um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que
afetam negativamente toda uma coletividade. (...) Assim, é preciso
sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas
agressões aos interesses transindividuais, afeta-se a boa imagem da
proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranquilidade do cidadão,
que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera.
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Tal intranquilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos
coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral
que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém
duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus
direitos, não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de
pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? (...).
A reparação moral deve se utilizar dos mesmos instrumentos da
reparação material, já que os pressupostos (dano e nexo causal) são
os mesmos. A destinação de eventual indenização deve ser o Fundo
Federal de Direitos Difusos, que será responsável pela utilização do
montante para a efetiva reparação deste patrimônio moral lesado.
Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo
abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva
ou estado anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na
pessoa física (...).” (A ação civil pública e o dano moral coletivo. In:
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, n. 25, p. 80/98,
jan./jun. 1998)
59. Sem dúvida que a hipótese vertente reflete a ocorrência de dano
coletivo, em face da violação grave da ordem jurídica, com o desrespeito à
dignidade dos trabalhadores, de maneira a ensejar a necessária condenação
do seu responsável. Quer-se dizer, então, que se caracteriza, em todos os
matizes, o dano moral coletivo(1).
60. Nesse passo, não é demais dizer que, no tempo atual, tornaram-se
imprescindíveis a imediata reação e a resposta eficaz do sistema jurídico, em
face de situações reveladoras de condutas que configuram lesão injusta a
interesses juridicamente titularizados pela coletividade, em todas as suas
expressões (grupos, classes ou categorias).
61. Assinale-se, destarte, que a ideia e o reconhecimento do dano
moral coletivo, bem como a necessidade de sua reparação, constituem mais
uma evolução nos contínuos desdobramentos do sistema da responsabilidade civil, significando a ampliação do dano extrapatrimonial para um conceito
não restrito ao mero sofrimento ou à dor pessoal, porém extensivo a toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer ofensa aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade, e que refletem o
alcance da dignidade dos seus membros.
62. Assim, condutas eivadas de grave ilicitude, a demonstrar uma linha
de procedimento irregular adotado, inserem-se em um plano muito mais
abrangente de alcance jurídico, a exigir necessária consideração para efeito
de proteção e sancionamento, no âmbito da tutela de natureza coletiva.
(1) Cf. MEDEIROS NETO, Xisto Tiago. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr,
2007.
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63. Na atualizada análise do magistrado mineiro Vicente de Paula Maciel
Júnior, “as tentativas de explicação do fenômeno coletivo e do processo coletivo
não devem ter como ponto referencial os sujeitos, mas o fato, o acontecimento,
o bem da vida que se pretende tutelar e que revelará que aquela demanda
possui natureza coletiva lato sensu”(2).
64. A garantia da reparação do dano moral coletivo ganha induvidoso
relevo nas hipóteses em que apenas a imposição judicial de uma abstenção
(não fazer), de cessação da conduta danosa ou mesmo de um dever (fazer
algo), deixaria impune e irressarcida a lesão já perpetrada (e suas consequências danosas), favorecendo-se, assim, o próprio lesante autor da prática
ilícita grave, tendo como resultado o abuso, o desrespeito e a exploração dos
lesados (o grupo ou toda a coletividade), atingidos que foram nos interesses
e valores de maior expressão na órbita social.
65. Não é admissível, em suma, que o autor de condutas ilícitas, diante
do sistema jurídico — e da lógica de equidade, justiça e razoabilidade que o
orienta —, possa haurir proveito de práticas ou omissões lesivas à coletividade
ou determinados grupos de pessoas, delas se enriquecendo patrimonialmente ou auferindo situações de vantagem.
66. Se assim ocorresse, quebrar-se-ia toda a estrutura principiológica
que informa e legitima o ordenamento, resultando em se corromper a viga-mestra que dá suporte à responsabilidade civil, exatamente refletida em uma
reação jurídica pertinente e eficaz, a emergir diante da conduta ilícita danosa,
de molde a tornar não estimulante ou compensador para o agente e outros
potenciais violadores a reiteração da prática condenada.
67. A reparação que se almeja constitui um meio legalmente previsto
de se assegurar que não vingue a ideia ou o sentimento de desmoralização
do ordenamento jurídico e dos princípios basilares que lhe dão fundamento,
em especial o do respeito à dignidade humana, em toda a extensão que se
lhe reconhece.
68. E mais: nessas hipóteses de inequívoca gravidade não há de se
falar unicamente em reparação em favor do grupo de trabalhadores, no sentido de compensá-los pelos danos pessoais. Enseja ter-se em conta, mais propriamente, a imposição, também, ao ofensor, de uma condenação pecuniária
que signifique uma penalização pela prática de conduta tão reprovável quanto ilícita, que, certamente, resultou em benefícios indevidos para si, circunstância que fere e indigna a sociedade com um todo.
69. A lesão intolerável a interesses coletivos, portanto, enseja reação e
resposta equivalente a uma reparação adequada à tutela almejada, traduzida
essencialmente por uma condenação pecuniária, a ser arbitrada pelo juiz, com
destinação específica.
(2) Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr, 2006. p. 174.
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70. Dessa maneira, por meio do manejo da Ação Civil Pública, pretende
o Ministério Público do Trabalho a responsabilização pelo ato ilícito perpetrado
pela empresa, e que resultou danos ao sistema jurídico e aos trabalhadores.
Invoque-se, aqui, a disposição do art. 1º da Lei n. 7.347/85, quando prevê:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
(...)
V — a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”
71. O Ministério Público do Trabalho visa não só a fazer cumprir o ordenamento jurídico, mas, também, a restaurá-lo, uma vez que já foi violado de
maneira injusta e inadmissível. Tem por escopo, ainda, coibir a repercussão
negativa na sociedade que essa situação gera(3).
72. Assim, o restabelecimento da ordem jurídica abrange, além da suspensão da continuidade das lesões indicadas anteriormente, a adoção de
outras duas medidas: a primeira, tendente a impedir que a ré volte a incidir na
prática ilícita; a segunda, suficiente a propiciar a reparação do dano coletivo
emergente das condutas desrespeitosas ao arcabouço de princípios e normas,
constitucionais e infraconstitucionais, que tutelam as relações de trabalho.
73. Ressalta-se, ademais, que órgãos judiciais trabalhistas têm, remansosamente, firmado posição, de maneira elogiável, no reconhecimento do dano
moral coletivo e fixação de sua indenização. São exemplos destas manifestações os seguintes acórdãos, versando especificamente quanto a condições
degradantes de trabalho no meio rural, a começar com a decisão prolatada
pelo Tribunal Superior do Trabalho:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. REPARAÇÃO. POSSIBILIDADE. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DOS TRABALHADORES RURAIS DA REGIÃO. Não resta dúvida quanto à proteção
que deve ser garantida aos interesses transindividuais, o que
encontra-se expressamente delimitado no objetivo da ação civil
pública, que busca garantir à sociedade o bem jurídico que deve ser
tutelado. Trata-se de um direito coletivo, transindividual, de natureza
indivisível, cujos titulares são os trabalhadores rurais da região de
Minas Gerais ligados entre si com os recorrentes por uma relação
jurídica base, ou seja, o dispêndio da força de trabalho em condições
(3) (...) A motivação da ação civil pública, portanto, não é o descumprimento da lei
trabalhista, mas a repercussão negativa na sociedade que essa situação gera. MAIOR,
Jorge Luiz Souto. Ação civil pública e execução de termo de ajuste de conduta: competência da Justiça do Trabalho. In: Revista LTr, São Paulo: LTr, 62-10/1332.
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que aviltam a honra e a dignidade e na propriedade dos recorridos.
Verificado o dano à coletividade, que tem a dignidade e a honra
abalada em face do ato infrator, cabe a reparação, cujo dever é do
causador do dano. O fato de ter sido constatada a melhoria da
condição dos trabalhadores em nada altera o decidido, porque ao
inverso da tutela inibitória que visa a coibir a prática de atos futuros
a indenização por danos morais visa a reparar lesão ocorrida no
passado, e que, de tão grave, ainda repercute no seio da coletividade.
Incó-lumes os dispositivos de lei apontados como violados e
inespecíficos os arestos é de se negar provimento ao agravo de
instrumento.” (Processo ST-AI-RR n. 561/2004-096-03-40.2, 6ª T.).
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANO À COLETIVIDADE — Para que o Poder Judiciário se justifique, diante da necessidade social da justiça célere e eficaz, é imprescindível que os
próprios juízes sejam capazes de ‘crescer’, erguendo-se à altura dessas novas e prementes aspirações, que saibam, portanto, tornar-se
eles mesmos protetores dos novos direitos ‘difusos’, ‘coletivos’ e ‘fragmentados’, tão característicos e importantes da nossa civilização de
massa, além dos tradicionais direitos individuais (Mauro Cappelletti).
Importa no dever de indenizar por dano causado à coletividade, o
empregador que submete trabalhadores à condição degradante de
escravo.” (TRT 8ª — Acórdão n. 00276-2002-114-08-005, 1ª T./RO
861/2003, Rel. Juíza Maria Valquíria Norat Coelho, julgado em
1º.4.03)
“DANO MORAL — SUBMISSÃO DE EMPREGADOS A CONDIÇÕES
DE TRABALHO DEGRADANTE — SOLIDARISMO CONSTITUCIONAL QUE IMPÕE A OBSERVÂNCIA DE PRECEITOS COMO O DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA — QUANTUM ARBITRADO —
PARÂMETROS DA TEORIA DO DESESTÍMULO — A submissão de
trabalhadores a condições degradantes de trabalho, em total infringência aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais, tais como
a ausência de local adequado para a realização das refeições, não
fornecimento de água potável, contrariando disposições do art. 157,
I, da CLT e NR-24 do MTBE, trata-se de conduta a ser punida por
este ramo do Judiciário, levando-se em conta todo o instrumental
jurídico relativo à prevenção e reparação dos danos eventualmente
havidos, inclusive a punição exemplar, em observância à Teoria do
Desestímulo, a qual deve servir de parâmetro para a garantia da observância das normas protetivas à dignidade da pessoa humana, dos
direitos e garantias fundamentais do cidadão e da relação de trabalho.” (Processo: RO n. 00443.2005.066.23.00-0. Relator: Juiz Paulo
Brescovici. TRT 23ª R, 1ª Turma, 21.11.06, publicado em: 29.11.06)
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“DANO MORAL COLETIVO — POSSIBILIDADE — Uma vez
configurado que a ré violou direito transindividual de ordem coletiva,
infringindo normas de ordem pública que regem a saúde, segurança,
higiene e meio ambiente do trabalho e do trabalhador, é devida a
indenização por dano moral coletivo, pois tal atitude da ré abala o
sentimento de dignidade, falta de apreço e consideração, tendo
reflexos na coletividade e causando grandes prejuízos à sociedade.”
(TRT/8ª Região, RO n. 5309/2002, Rel. Juiz Luis de José Jesus
Ribeiro, j. 17.12.2002)
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. A prática de atos que violam direitos fundamentais dos trabalhadores afeta a sociedade, haja vista ser do interesse de todos a
observância das garantias legais para a realização do trabalho,
sendo certo que o desrespeito aos valores, tão fundamentais,
desencadeia um sentimento coletivo de indignação e repulsa, caracterizando-se ofensa à moral social. De fato, a valorização e a proteção ao trabalho devem nortear as relações entre empregados e
empregadores, sendo importante para a sociedade a preservação
de tais princípios. Não restam dúvidas de que o pedido de indenização por dano moral em decorrência da violação aos direitos coletivos e difusos encontra suporte na legislação pátria, haja vista o art.
5º, inciso X, da CRF de 1988, bem como os arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002, sendo certo que o patrimônio moral da sociedade,
assim como o do indivíduo, deve ser preservado, oferecendo-se à
coletividade compensação pelo dano sofrido. Portanto, comprovada
a ocorrência de dano, em virtude de ato da empresa, há que se
deferir a indenização postulada.
Nos termos dos arts. 944 e seguintes do Código Civil, o juiz tem
liberdade para fixar a indenização, devendo para tanto avaliar a
extensão do dano e a capacidade econômica das partes. Portanto,
atento à realidade e às circunstâncias do caso concreto, arbitro o
valor da indenização em R$ 1.000.000,00.
A indenização em razão do dano moral coletivo deve ser destinada
ao Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT (art. 13 da Lei n. 7.347
de 1985), porquanto será revertida em custeio de programas assistenciais aos trabalhadores.” (Processo n. RO-01488-2005-067-03-00-7,
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, 3ª T., Rel. Juiz Bolívar
Viégas Peixoto, em 2.8.2006)
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. DANOS CAUSADOS AOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS. INDENIZAÇÃO. A Lei n. 7.347/85, em seu art. 1º, inciso V,
prevê expressamente a possibilidade de ser ajuizada ação civil
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pública para se obter a reparação de danos morais e materiais a
interesses difusos e coletivos. A infringência às regras de higiene e
segurança do trabalho causa danos a toda a sociedade, que acaba
por ter de arcar diretamente com os possíveis resultados desta
lesão, pois é ela quem custeia a Previdência Social. Além disso, os
prejuízos causados à esfera dos direitos de personalidade dos
trabalhadores (danos morais coletivos), em razão da exploração do
trabalho em condições degradantes e sub-humanas, afetam todo o
equilíbrio social, já que a sociedade se sente aviltada pelo estado de
discriminação e de desrespeito à dignidade humana a que foram submetidos os trabalhadores. Constatada a conduta causadora de inegáveis danos aos interesses difusos de toda a coletividade de
trabalhadores, devida a indenização pertinente.
Nem (...) se pode deixar impunes condutas tão repugnantes e sórdidas que tanto ofendem o ordenamento laboral e a própria dignidade
da pessoa humana.
No exercício do poder discricionário para a fixação do valor da indenização fluida (fluid recovery) a ser pago ao Fundo de Amparo ao
Trabalhador, e considerando a gravidade e reincidência do dano, a
situação econômica do seu causador e as condições da sociedade
lesada, bem como a necessidade de se desestimular a conduta lesiva, entendo razoável o valor proposto pelo autor da ação.
Dou, portanto, provimento ao recurso ordinário ministerial para,
reformando a decisão primária, condenar o réu ao pagamento da
indenização de R$ 100.000,00, a título de reparação pela lesão causada aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores, corrigido monetariamente até o efetivo recolhimento ao FAT.” (Processo n. RO
00151-2004-811-10-00-4, Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, 1ª T., Rel. Juíza Cilene Ferreira Amaro Santos, em 4.5.2005)
“SENTENÇA: PROCESSO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
REPARAÇÃO DE DANO COLETIVO. AFRONTA À LEGISLAÇÃO DE
HIGIENE, MEDICINA E SEGURANÇA DO TRABALHO. TRABALHO
FORÇADO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONFIGURAÇÃO. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO. POSSIBILIDADE. INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS DOS TRABALHADORES. OCORRÊNCIA. Inexistindo dúvida
razoável sobre o fato de o réu utilizar-se abusivamente de mão de
obra obtida de forma ilegal, aviltante e de maneira degradante, com
base nos Relatórios de Inspeção do Grupo de Fiscalização Móvel,
emitidos pelos Auditores Fiscais do MTE, tal ato é suficiente e necessário a gerar a possibilidade jurídica de concessão de reparação
por dano moral coletivo contra o infrator de normas protetivas de
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higiene, segurança e saúde do trabalho. Dizer que tal conduta não
gera dano, impõe chancela judicial a todo tipo de desmando e inobservância da legislação trabalhista, que põe em risco, coletivamente, trabalhadores indefinidamente considerados. Os empregadores
rurais, que se utilizam de práticas ilícitas, dessa natureza e magnitude,
devem ser responsabilizados pecuniariamente, com a reparação do
dano em questão, em atenção às expressas imposições constitucionais, insculpidas nos arts. 1º, III; 4º, II; 5º, III, que, minimamente,
estabelecem parâmetros em que se fundam o Estado brasileiro e as
garantias de seus cidadãos. Desse modo, o pedido do autor tem natureza nitidamente coletiva, o que autoriza a atuação do Ministério
Público do Trabalho, de acordo com sua competência constitucional, podendo ser acatado, sem rebuços de natureza legal ou acadêmica, pois a atividade produtiva impõe responsabilidade social (art.
1º, IV, da CF/88) e o direito de propriedade tem função de mesma
natureza, a ele ligado por substrato constitucional, insculpido no art.
5º, XXIII, pois de nada adianta a existência de Leis justas, se estas
não forem observadas, ainda que por imposição coercitiva, punitiva
e reparadora, que a presente Ação visa a compor. Reparação por
dano moral coletivo julgada procedente.”
“ACÓRDÃO: TRABALHO EM CONDIÇÕES SUB-HUMANAS. DANO
MORAL COLETIVO PROVADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Uma vez
provadas as irregularidades constatadas pela Delegacia Regional do
Trabalho e consubstanciadas em Autos de Infração aos quais é
atribuída fé pública (art. 364 do CPC), como também pelo próprio
depoimento da testemunha do recorrente, é devida indenização por
dano moral coletivo, vez que a só notícia da existência de trabalho
escravo ou em condições subumanas no Estado do Pará e no Brasil
faz com que todos os cidadãos se envergonhem e sofram abalo moral,
que deve ser reparado, com o principal objetivo de inibir condutas
semelhantes.” (Processo n. 218/02, Vara do Trabalho de Parauapebas-PA, TRT 8ª Região, Juiz Jorge Antônio Ramos Vieira, em
30.4.2003, e Recurso Ordinário n. 4453/2003, 1ª Turma, Rel. Juíza
Suzy Elizabeth Cavalcante Koury, em 30.9.2003).
74. Assim exposto, e considerando:
a) a gravidade, a natureza, a abrangência e a repercussão das condutas ilícitas denunciadas, a atingir e lesionar toda a coletividade de
trabalhadores;
b) a grandeza econômico-financeira da empresa;
c) o grau de reprovabilidade social das práticas adotadas e a
contumácia da ré; e
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d) a imperiosidade de ser imposta uma condenação de natureza
pecuniária que signifique reparação e sancionamento eficaz à ré,
medida que se apresenta como mecanismo adequado de responsabilização jurídica, no plano da tutela dos direitos coletivos e difusos
(arts. 1º e 13 da Lei n. 7.347/85 e art. 6º, VII, e 83, do CDC), impõe-se a condenação da empresa ao pagamento do dano moral coletivo, no valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), quantia que
se apresenta razoável, diante da situação econômica do infrator —
correspondendo aproximadamente a apenas 1% (um por cento) do
seu faturamento anual —, e em face dos danos causados e sua
extensão e reiteração no tempo, em prejuízo de toda a coletividade
de trabalhadores.
75. Ressalte-se que a empresa ré é uma empresa que faz parte do
Grupo Farias, um dos maiores do setor sucroalcooleiro brasileiro, com um
total de dez usinas. Segundo o site <www.paginarural.com.br>, em matéria
publicada em: 25.9.2006, o Grupo Farias tem um faturamento anual de cerca
de R$ 800 milhões anuais. De acordo com o site <www.intelog.com.br>, em
matéria publicada em: 11.11.2007, o Grupo Farias investiu cerca de R$ 1 bilhão
em uma usina de produção de ETBE (etil-tercio-butiléter) substância formada
pela mistura de álcool e um derivado de petróleo.
76 . A ré, portanto, é uma empresa com grande capacidade econômica,
e, apesar disso, não distribui equipamentos de proteção individual aos seus
empregados; não monta uma lavanderia para lavagem das roupas utilizadas
pelos trabalhadores que aplicam agrotóxicos; não lhes fornece transporte
seguro e digno; local higiênico e confortável para repouso e alimentação;
instalações sanitárias higiênicas e adequadas e, ainda, não lhes paga as horas
de percurso, argumentando que, se a isso for judicialmente obrigada, cobrará
o transporte dos trabalhadores!
77. A constatação desses fatos gera um sentimento de indignação e a
convicção social de que é preciso que o sistema jurídico dê uma resposta
exemplar, condenando a ré ao pagamento de indenização por dano moral
coletivo no valor justificadamente requerido pelo Ministério Público do Trabalho.
IV. Do pedido de antecipação de tutela
78. O material probatório acostado aos autos e colhido no âmbito dos
procedimentos de inspeção e fiscalização (em anexo), inequivocamente
demonstra a violação flagrante do ordenamento jurídico-laboral, estando a
expressar a verdade dos fatos narrados.
79. Nesse sentido, os documentos, relatórios, depoimentos, fotografias
e autos de infração lavrados têm valor probante ex vi lege, e são dotados de
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fé pública, eis que produzidos pelas autoridades federais encarregadas da
inspeção do trabalho, com amparo na Convenção n. 81 da OIT e arts. 626 e
seguintes da CLT.
80. Daí justificar-se plenamente a concessão da antecipação parcial dos
efeitos da tutela, porquanto há prova inequívoca da ilegalidade, guardando
verossimilhança as alegações trazidas, respaldadas que estão em relatórios
e demais documentos elaborados de forma minudente e fundamentada, que
gozam de presunção de veracidade, em face refletir ato de agentes da administração federal no exercício constitucional do seu mister.
81. É inolvidável, também, que a continuidade do procedimento ilícito
adotado pela ré representa situação de dano irreparável ou de difícil reparação,
pois se perpetua a cada dia a exploração dos trabalhadores, a sonegação de
direitos fundamentais e, por mais relevante, os riscos à sua saúde e segurança,
decorrentes do ambiente de trabalho impróprio e inadequado e do descumprimento das normas de proteção, como anteriormente exposto. Aqui se destaca
a nota de urgência da tutela requerida, inclusive por se estar diante do descumprimento de normas de caráter cogente, indisponível e irrenunciável.
82. Saliente-se que a situação fática existente na empresa Ré é de grave
e iminente risco para os trabalhadores, ante as flagrantes irregularidades no
cumprimento de normas mínimas de saúde e segurança no trabalho, e também
quanto à jornada laboral, como se observa com a negligência quanto ao
transporte de trabalhadores, ao fornecimento de água potável, às instalações
sanitárias, aos abrigos nas frentes de trabalho, às ferramentas para o trabalho
e à inexistência de uma lavanderia para lavar as roupas contaminadas por
agrotóxicos, obrigando os empregados a levarem as roupas contaminadas
para suas próprias residências, para lavá-las, expondo a risco seus filhos e
familiares.
83. É importante destacar que o infortúnio no trabalho não escolhe dia
e hora para acontecer e, em permanecendo as condições em que se encontram submetidos os empregados da Ré, a qualquer momento podem ter suas
vidas ceifadas ou sua integridade física comprometida em razão da conduta
negligente e recalcitrante observada.
84. Em suma, repise-se que a perpetuação da conduta da Ré produz
riscos e danos de difícil ou impossível reparação aos direitos dos trabalhadores
e ao próprio ordenamento jurídico laboral, haja vista que, a cada dia, mais e
mais trabalhadores encontram-se na iminência de sofrerem lesões.
85. Portanto, quanto mais tempo persistir a prática ilícita, maior será o
universo dos trabalhadores afetados, e cujos direitos estarão sendo sonegados, concretamente.
86. Dessa forma, não será possível garantir-se a reparação dos danos
que forem causados no curso da presente ação civil pública, caso seja
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permitida a continuidade das situações de irregularidade evidenciadas. Se
não for deferida a medida ora pugnada, muito dificilmente o provimento judicial
definitivo atenderá à utilidade e eficácia que são imperativos do objetivo de
efetivação de justiça, concebidos no âmbito de um Estado Democrático
de Direito.
87. É, pois, com clarividência, que se configuram todos os requisitos
previstos legalmente como necessários à concessão dos efeitos antecipados
da tutela (art. 12 da Lei n. 7.347/85; art. 84, § 3º do CDC e art. 273 do CPC).
88. Assim, requer o Ministério Público do Trabalho, a antecipação parcial
da tutela, inaudita altera parte, a fim de que seja determinado o cumprimento
imediato, pela ré, das seguintes obrigações de fazer e não fazer:
1) Transporte dos trabalhadores
• TRANSPORTAR os empregados, diretamente ou através de terceiros contratados para tal serviço, em veículo(s) de transporte coletivo
de passageiros, que deve(m) observar os requisitos a seguir: a) possuir autorização, dentro do prazo de validade, portada pelo condutor
do veículo, emitida pela autoridade de trânsito competente; b) transportar todos os passageiros sentados, observado o número máximo
de passageiros estipulado na autorização emitida pela autoridade de
trânsito competente; c) ser conduzido por motorista habilitado, devidamente identificado, usando calçado que se firme nos pés e que
não comprometa a utilização dos pedais; d) guardar as ferramentas
e materiais, separados dos passageiros, em compartimento resistente fixo; e) portar o Certificado de Licenciamento Anual dentro do
prazo de validade; f) possuir registrador instantâneo inalterável de
velocidade e tempo (tacógrafo) em pleno funcionamento; g) possuir
cinto de segurança para todos os passageiros e que seja exigido o
efetivo uso;
2) Fornecimento de água potável
• DISPONIBILIZAR água potável e fresca em quantidade suficiente,
inclusive nas frentes de trabalho, garantindo-se a reposição dos
garrafões de água portados pelos empregados, com água igualmente
limpa e fresca;
3) Abrigos nas frentes de trabalho
• DISPONIBILIZAR, nas frentes de trabalho, abrigos, fixos ou móveis, que protejam os trabalhadores contra as intempéries, durante
as refeições, com mesas e assentos em número suficiente para acomodar a todos os trabalhadores, não permitindo que, no horário de
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intervalo para repouso e alimentação, trabalhadores estejam fora do
abrigo e sem acomodação em mesa e cadeira;
4) Ferramentas para o trabalho
• DISPONIBILIZAR, gratuitamente, ferramentas adequadas ao
trabalho e às características físicas do trabalhador, substituindo-as
sempre que necessário, devendo também GUARDAR e TRANSPORTAR as ferramentas de corte protegidas por bainha;
5) Primeiros socorros
• MANTER disponível material necessário à prestação de primeiros
socorros, inclusive nas frentes de trabalho, considerando-se as características da atividade desenvolvida e FAZER a reposição periódica
do material, bem como GARANTIR a remoção do trabalhador
acidentado, em caso de urgência, sem ônus para a vítima;
6) Equipamentos de proteção individual
• FORNECER aos seus empregados, gratuitamente, os equipamentos
de proteção individual necessários à atividade desenvolvida, EFETUAR a reposição imediata quando se deteriorarem, bem como
ORIENTAR e FISCALIZAR a sua efetiva utilização;
7) Trabalho com agrotóxicos
• CUMPRIR, com relação ao trabalho com a utilização de agrotóxicos,
adjuvantes e produtos afins, as seguintes obrigações: a) FORNECER
instruções suficientes aos que manipulam estes produtos e aos que
desenvolvam qualquer atividade em áreas onde possa haver
exposição direta ou indireta; b) PROPORCIONAR capacitação, na
forma prevista no item 31.8.8.1 da NR-31, sobre prevenção de acidentes com agrotóxicos a todos os trabalhadores expostos diretamente;
c) FORNECER equipamentos de proteção individual e vestimentas
adequadas aos riscos, que não propiciem desconforto térmico
prejudicial ao trabalhador; d) FORNECER os equipamentos de
proteção individual e vestimentas de trabalho em perfeitas condições
de uso e devidamente higienizados, responsabilizando-se pela sua
descontaminação ao final de cada jornada de trabalho, substituindo-os sempre que necessário; e) ORIENTAR quanto ao uso correto
dos dispositivos de proteção; f) DISPONIBILIZAR um local adequado
para a guarda da roupa de uso pessoal; g) FORNECER água,
sabão e toalhas para higiene pessoal; h) GARANTIR que nenhum
dispositivo de proteção ou vestimenta contaminada seja levado para
fora do ambiente de trabalho; i) GARANTIR que nenhum dispositivo ou vestimenta de proteção seja reutilizado antes da devida
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descontaminação; j) VEDAR o uso de roupas pessoais quando da
aplicação de agrotóxicos; l) ABSTER-SE de transportar simultaneamente trabalhadores e agrotóxicos, em veículos que não possuam
compartimentos estanques projetados para tal fim; m) REALIZAR a
aplicação dos agrotóxicos nas horas frescas do dia, abstendo-se de
fazê-lo no horário de 10h da manhã até às 15h da tarde, respeitando
o limite máximo de seis horas diárias de jornada de trabalho;
8) Marmitas e garrafas térmicas
• FORNECER, gratuitamente, aos trabalhadores, recipientes ou
marmitas térmicas, para conservação dos alimentos e garrafas
térmicas para manter a água fresca, que atendam às exigências de
higiene e estejam em perfeito estado de conservação;
9) Instalações sanitárias
• DISPONIBILIZAR, nas frentes de trabalho, instalações sanitárias
fixas ou móveis, compostas de vasos sanitários e lavatórios, na proporção de um conjunto para cada grupo de quarenta trabalhadores
ou fração, atendidos os seguintes requisitos: a) ter portas de acesso
que impeçam o devassamento e ser construídas de modo a manter
o resguardo conveniente; b) ser separadas por sexo; c) estar situadas
em locais de fácil e seguro acesso; d) dispor de água limpa e papel
higiênico; e) estar ligadas a sistema de esgoto, fossa séptica ou
sistema equivalente; f) possuir recipiente para coleta de lixo;
10) Intervalo para repouso e alimentação
• CONCEDER, em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda
de 6 (seis) horas, um intervalo para repouso ou alimentação de, no
mínimo, 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em
contrário, não excedente de 2 (duas) horas; ABSTER-SE de transportar trabalhadores de uma frente de trabalho para outra durante o
intervalo para repouso e alimentação;
11) Intervalo interjornada
• CONCEDER período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para
descanso entre duas jornadas de trabalho;
12) Pausas para descanso
• CONCEDER, nas atividades que forem realizadas necessariamente em pé ou que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica,
pausas para descanso e outras medidas que preservem a saúde do
trabalhador;
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13) Máquinas e equipamentos motorizados
• UTILIZAR máquinas ou equipamentos motorizados que possuam
faróis ou luzes ou sinais sonoros de ré acoplados ao sistema de
câmbio de marchas, ou que possuam buzina ou espelho retrovisor,
bem como ABSTER-SE de utilizar empregado não habilitado e/ou
sem identificação, contendo nome e fotografia em local visível,
operando equipamento de transporte motorizado, e ABSTER-SE de
transportar pessoas em máquinas ou equipamentos motorizados ou
nos seus implementos acoplados, inapropriados para esse fim;
14) Horas in itinere
• COMPUTAR na jornada de trabalho dos empregados o tempo
despendido no deslocamento até o local da prestação de serviço de
difícil acesso ou não servido por transporte público regular, e no seu
retorno, em transporte fornecido pelo empregador;
15) Registro da jornada de trabalho
• CONSIGNAR em registro mecânico, manual ou sistema eletrônico
os horários de entrada, saída e período de repouso efetivamente praticados pelo empregado.
89. Postula-se, também, como meio legal e processual de se garantir o
atendimento à ordem judicial, a fixação de cominação pecuniária diária no
valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em caso de descumprimento de qualquer uma das obrigações e cumulativamente; valores a serem corrigidos monetariamente até o efetivo cumprimento da obrigação e que reverterão ao FAT
— Fundo de Amparo ao Trabalhador.
V. Do pedido definitivo
90. Em razão do exposto, requer o Parquet a condenação da ré, em
caráter definitivo, nas obrigações legais elencadas no pedido de antecipação
de tutela (item IV), devendo também ser fixada multa diária pelo eventual
descumprimento da decisão judicial, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)
por cada uma das obrigações descumpridas e cumulativamente.
91. Requer, além dos pedidos acima, a condenação da ré ao pagamento
de indenização por DANO MORAL COLETIVO, a título de reparação pelas
graves violações aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores, na quantia
de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), corrigida monetariamente até o
efetivo recolhimento, em favor do FAT.
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VI. Dos requerimentos finais
92. Por fim, cumpre requerer:
1) a citação da empresa, no endereço acima declinado, a fim de que,
querendo, ofereça contestação, sob pena de revelia e confissão
quanto à matéria de fato;
2) a produção de todos os meios de prova admitidos em direito;
3) a notificação pessoal e nos autos do Ministério Público do Trabalho,
consoante o disposto nos arts. 18, II, h e 84, IV, da Lei Complementar
n. 75/93 e 236, § 2º, do Código de Processo Civil;
4) a expedição de ofício à Superintendência Regional do Trabalho
local, a fim de que tome ciência dos termos da decisão liminar que
vier a ser concedida e verifique constantemente o seu efetivo cumprimento pela Ré, no âmbito da respectiva circunscrição administrativa.
Dá-se à presente ação o valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais).
Natal, 25 de março de 2009.
Xisto Tiago de Medeiros Neto
Procurador Regional do Trabalho
Ileana Neiva Mousinho
Procuradora-Chefe
Marcos Antônio Ferreira Almeida
Procurador do Trabalho
Rodrigo Raphael R. de Alencar
Procurador do Trabalho
Edelamare Barbosa Melo
Procuradora Regional do Trabalho
Luercy Lino Lopes
Procurador do Trabalho
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TERMO DE CONCILIAÇÃO:
SETOR SUCROALCOOLEIRO
Processo: 00866-2009-020-21-00-7 (ACP)
Ao(s) 10 dias do mês de agosto do ano de 2009, nesta cidade, na VARA
DO TRABALHO DE GOIANINHA, tendo comparecido Ministério Público do
Trabalho Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região, Autor e Vale Verde
Empreendimentos Agrícola Ltda, representado pelo preposto ULISSES
GOMES DA SILVA, com endereço à Rodovia RN 62,KM 17, sn — Zona Rural
— BAÍA FORMOSA/RN, foi pelo(a) Excelentíssimo(a) Sr(a) Juiz(a), proposta
a conciliação à qual, tendo as partes litigantes concordado, deverá ser
cumprida nas seguintes condições:
1) DO TRANSPORTE DOS TRABALHADORES. TRANSPORTAR os
trabalhadores, diretamente ou através de terceiros contratados para tal
serviço, em veículos de transporte coletivo de passageiros, que devem
observar os seguintes requisitos: a) possuir autorização, dentro do prazo
de validade, portada pelo condutor do veículo, emitida pela autoridade de
trânsito competente; b) transportar todos os passageiros sentados,
observado o número máximo de passageiros estipulado na autorização
emitida pela autoridade de trânsito competente; c) ser conduzido por
motorista habilitado, devidamente identificado, usando calçado que se firme
aos pés e que não comprometa a utilização dos pedais, e com contrato de
trabalho devidamente anotado em sua CTPS, quer seja pela compromissária, quer seja pelo terceiro contratado para efetuar o serviço de
transporte, salvo se conduzido pelo próprio proprietário; d) guardar as
ferramentas e materiais, separados dos passageiros, em compartimento
resistente e fixo; e) portar o Certificado de Licenciamento Anual dentro do
prazo de validade; f) possuir registrador instantâneo inalterável de
velocidade e tempo (tacógrafo) em pleno funcionamento; g) possuir cinto
de segurança para todos os passageiros e que seja exigido o efetivo
uso.
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2) DA ÁGUA POTÁVEL. DISPONIBILIZAR água potável e fresca em
quantidade suficiente, inclusive nas frentes de trabalho, garantido-se a
reposição dos garrafões de água portados pelos empregados, com água
igualmente limpa e fresca.
3) DO ABRIGO PARA REFEIÇÕES NAS FRENTES DE TRABALHO E
DAS MARMITAS TÉRMICAS. DISPONIBILIZAR, nas frentes de
trabalho, abrigos fixos ou móveis, que protejam os trabalhadores contra
intempéries, durante as refeições, com mesas e assentos em número
suficiente para acomodar a todos os trabalhadores, de acordo com a
escala para o horário de refeição, desde que garantido integralmente o
intervalo legal intrajornada, não permitindo que, no horário para repouso
e alimentação, o trabalhador esteja fora do abrigo e sem acomodação
em mesa e cadeira. Quando o empregador fornecer veículos para o
transporte dos trabalhadores e os referidos veículos permanecerem nos
locais de trabalho, poderão os abrigos referidos neste item ser acoplados
aos veículos ou substituídos por mesas no seu interior, desde que
respeitadas as condições de higiene e conforto.
4) DAS FERRAMENTAS PARA O TRABALHO E DOS EQUIPAMENTOS
DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. DISPONIBILIZAR, gratuitamente, as
ferramentas adequadas para o trabalho e às características físicas do
trabalhador, substituindo-as sempre que necessário, devendo também
guardar e transportar as ferramentas de corte protegidas por bainhas.
5) DO MATERIAL DE PRIMEIROS SOCORROS E REMOÇÃO DE
TRABALHADOR EM CASO DE ACIDENTE. EQUIPAR-SE E MANTER
DISPONÍVEL os materiais necessários à prestação de primeiros socorros, inclusive nas frentes de trabalho, considerando-se as características
da atividade desenvolvida e de acordo com a orientação que deverá
ser fornecida pela Superintendência Regional do Trabalho, repondo
periodicamente o material, bem como GARANTIR a remoção do acidentado, inclusive nas frentes de trabalho, em caso de urgência, sem ônus
para o trabalhador.
6) EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL —FORNECER aos
empregados, gratuitamente, os equipamentos de proteção individual
necessários à atividade desenvolvida; EFETUAR a reposição imediata
quando se deteriorarem, bem como ORIENTAR e FISCALIZAR a sua
efetiva utilização.
7) DO TRABALHO COM AGROTÓXICOS. CUMPRIR, com relação ao
trabalho com a utilização de agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins,
as seguintes obrigações: a) FORNECER instruções suficientes aos que
manipulam agrotóxicos, adjuvantes e afins, e aos que desenvolvam
qualquer atividade em áreas onde possa haver exposição direta ou
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indireta a esses produtos; b) MINISTRAR capacitação, na forma prevista
no item 31.8.8.1 da NR-31, sobre prevenção de acidentes com agrotóxicos a todos os trabalhadores expostos diretamente; c) FORNECER
equipamentos de proteção individual e vestimentas adequadas aos
riscos; d) FORNECER os equipamentos de proteção individual e
vestimentas de trabalho em perfeitas condições de uso e devidamente
higienizados, responsabilizando-se pela descontaminação dos equipamentos, das vestimentas e instrumentos de aplicação, ao final de cada
jornada de trabalho, e substituindo-os sempre que necessário; e)
ORIENTAR quanto ao uso correto dos dispositivos de proteção; f)
DISPONIBILIZAR um local adequado para a guarda da roupa de uso
pessoal; g) FORNECER água, sabão e toalhas para higiene pessoal; h)
GARANTIR que nenhum dispositivo de proteção ou vestimenta
contaminada seja levado para fora do ambiente de trabalho; i)
GARANTIR que nenhum dispositivo ou vestimenta de proteção seja
reutilizado antes da devida descontaminação; j) VEDAR o uso de roupas
pessoais quando da aplicação de agrotóxicos; l) ABTER-SE de transportar simultaneamente trabalhadores e agrotóxicos, em veículos que
não possuam compartimentos estanques projetados para tal fim; m)
REALIZAR aplicação de agrotóxicos nas horas frescas do dia, abstendo-se de fazê-la no horário de 10h da manhã até as 15h da tarde, respeitando o limite máximo de seis horas diárias de jornada de trabalho.
8) DOS RECIPIENTES E MARMITAS TÉRMICAS — FORNECER,
gratuitamente, aos trabalhadores, marmitas térmicas para a conservação
dos alimentos, e garrafas térmicas para manter a água fresca, que
atendam às exigências de higiene e estejam em perfeito estado de
conservação.
9) DAS INSTALAÇÕES SANITÁRIAS — DISPONIBILIZAR, nas frentes
de trabalho, instalações sanitárias fixas ou móveis, compostas de vasos
sanitários e lavatórios, na proporção de um conjunto para cada grupo
de 40 trabalhadores ou fração, atendidos os seguintes requisitos: a) ter
portas de acesso que impeçam o devassamento e ser construídas de
modo a manter o resguardo conveniente; b) ser separadas por sexo; c)
estar situadas em locais de fácil e seguro acesso; d) dispor de água
limpa, sabão e papel higiênico; e) estar ligadas a sistema de esgotos,
fossa séptica ou seca; f) possuir recipiente para coleta de lixo.
10) INTERVALOS. CONCEDER, em qualquer trabalho contínuo, cuja
duração exceda a 6 (seis) horas, um intervalo para repouso e alimentação, de, no mínimo, 1 (uma) hora, e, salvo acordo escrito e
convenção coletiva de trabalho, não excedente de 2 (duas) horas.
11) TRANSPORTE DE UMA FRENTE DE TRABALHO PARA OUTRA
– ABSTER-SE de transportar trabalhadores de uma frente de trabalho
para outra durante o intervalo para repouso e alimentação.
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12) INTERVALO INTERJORNADA — CONCEDER período mínimo de
11 (onze) horas consecutivas para descanso entre duas jornadas
de trabalho.
13) PAUSAS PARA DESCANSO – CONCEDER, nas atividades que
forem realizadas necessariamente em pé, ou que exijam sobrecarga
muscular estática ou dinâmica, pausas para descanso e outras medidas
que preservem a saúde do trabalhador.
14) MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – UTILIZAR máquinas e equipamentos motorizados que possuam faróis ou luzes ou sinais sonoros de
ré acoplados ao sistema de câmbio de marchas, ou que possuam buzina
ou freio retrovisor, bem como ABSTER-SE de utilizar empregado não
habilitado e/ou sem identificação, contendo nome e fotografia em local
visível, operando equipamento de transporte motorizado; e ABSTER-SE de transportar pessoas em máquinas ou equipamentos motorizados
ou nos seus implementos acoplados, inapropriados para esse fim.
15) DAS HORAS IN ITINERE. COMPUTAR, na jornada de trabalho, o
tempo despendido no deslocamento até o local da prestação de serviços
de difícil acesso ou não servido por transporte público regular, e no seu
retorno, em transporte fornecido pelo empregador.
16) DO REGISTRO DA JORNADA DE TRABALHO – CONSIGNAR em
registro mecânico, manual ou sistema eletrônico os horários de entrada,
saída e períodos de repouso efetivamente praticados pelos empregados.
17) SALAS DE AULA E CONTRATAÇÃO DE PROFESSORES. A empresa compromete-se a reformar e equipar suas salas de aula com
cadeiras apropriadas, quadro didático, televisão, DVD, bebedouro, e
demais equipamentos necessários ao seu funcionamento.
COMPROMETE-SE a pagar professores suficientes e capacitados para
ministrar aulas de alfabetização e capacitação em geral para 80 (oitenta) de
seus trabalhadores, sendo permitida a presença no corpo discente dos
familiares dos trabalhadores.
FICA FACULTADA a utilização das salas de aula pelo SENAR e pelo
Município de Baia Formosa, para que utilizem as instalações da escola para
realização de cursos de qualificação, sem ônus para a empresa.
PRAZO: A reforma das salas, a instalação dos equipamentos e a contratação dos professores deve ocorrer até dezembro de 2009, e vigoram, como
todas as obrigações do acordo, exceto a cláusula seguinte (doação de
equipamentos à SRTE/RN) por prazo indeterminado.
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18) DOAÇÃO DE EQUIPAMENTOS — A empresa compromete-se a
doar materiais à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no
Rio Grande do Norte (SRTE/RN) no valor total de R$ 100.000,00 (cem
mil reais), no prazo de 90 dias.
A lista de materiais será repassada ao MPT e o prazo de entrega iniciará
a partir da data da entrega do rol de equipamentos pelo MPT à empresa Vale
Verde.
19) ELABORAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE CARTILHA AOS TRABALHADORES. A empresa acordante compromete-se a elaborar e distribuir,
até a primeira quinzena de janeiro de 2010, uma cartilha discorrendo
sobre os direitos e deveres decorrentes do presente termo relativamente
às questões de saúde e segurança do trabalho;
A tiragem das cartilhas deverá corresponder ao número de trabalhadores
em exercício no mês de janeiro de 2010.
20) MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DO COMPROMISSO E
AJUSTE. Pelo descumprimento da cláusula 17 (SALAS DE AULA e
CONTRATAÇÃO DE PROFESSORES) do presente ACORDO JUDICIAL,
a empresa sujeitar-se-á ao pagamento de multa diária, no valor correspondente a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Em caso de descumprimento das demais cláusulas, a empresa pagará
multa pecuniária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada obrigação
descumprida.
A execução das multas, em caso de eventual descumprimento de alguma
cláusula, não impede a execução das cláusulas de fazer ou não fazer.
Em caso de verificação do descumprimento de qualquer das obrigações
previstas neste Termo, fica facultado ao MPT, a seu exclusivo critério, antes
de executar a multa incidente, notificar a empresa para manifestar-se sobre a
situação observada.
Determinou o Juízo que cópia do presente termo seja enviada aos sindicatos dos trabalhadores afetados pelo presente acordo, para fins de publicação
– em local visível — na sede da entidade sindical.
21) Custas pela ré, no importe de R$ 2.000,00, calculadas sobre
R$ 100.000,00.
Do que para constar, foi lavrado o presente Termo, que vai assinado
pelo(a) Excelentíssimo(a) Sr(a) Juiz(a), por ambas as partes e por mim,
DIRETOR DE SECRETARIA, subscrito.
Zéu Palmeira Sobrinho
Juiz do Trabalho
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA NORDESTE SEGURANÇA
DE VALORES LTDA. — DISCRIMINAÇÃO POR IDADE
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DO TRABALHO DA
VARA DO TRABALHO DE CAMPINA GRANDE (PB)
Ministério Público do Trabalho, por intermédio da Procuradoria Regional
do Trabalho da 13ª Região — Procuradoria do Trabalho no Município de
Campina Grande, com endereço na Rua Antônio Campos, n. 594, Bairro Alto
Branco, CEP 58.102-565, Campina Grande-PB, através do Procurador do
Trabalho ao final subscrito, com base no art. 3º, inciso II, art. 5º, caput e inciso
XLI, art. 7º, inciso XXX, art. 127, caput, e no art. 129, inciso III e § 1º, todos da
Constituição Federal; no art. 5º, inciso I; art. 6º, VII e art. 83, I, estes últimos
da Lei Complementar n. 75/93; no art. 1º da Lei n. 9.029/95; no art. 373-A,
inciso II, da CLT; no art. 187 do Código Civil; e no art. 12 da Lei n. 7.347/85;
bem como demais dispositivos legais atinentes à espécie, vem à presença de
Vossa Excelência promover a presente
Ação Civil Pública com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela
em face da empresa Nordeste Segurança de Valores Ltda., pessoa jurídica
de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o n. 09.349.861/0002-35, com
endereço em Campina Grande-PB na Av. Getúlio Vargas, n. 782, Centro, pelos
fatos e fundamentos jurídicos adiante expostos.
I — Dos fatos
Foram recebidas, no âmbito da Procuradoria do Trabalho no Município
de Campina Grande, denúncias ofertadas por trabalhadores que haviam sido
recentemente demitidos dos quadros da empresa Nordeste Segurança de
Valores [fls. 6/7 e fls. 12/13 dos autos do Inquérito Civil Público (ICP) n. 135/08,
cujas cópias das principais peças ora são anexadas a esta exordial], os quais
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aduziram que suas respectivas dispensas teriam se dado por motivo
discriminatório, notadamente em razão da idade, sendo afirmado pelo primeiro
denunciante que “a empresa está demitindo os vigilantes com idade superior
a 40 (quarenta) anos” e que, embora não saiba “informar o percentual dessas
demissões”, seria perceptível “que são muitos e há notícias, no meio dos
vigilantes, de que está acontecendo uma ‘RENOVAÇÃO DE FROTA’ [destaque
nosso], expressão utilizada pejorativamente para indicar que os trabalhadores
‘velhos‘ estão sendo substituídos por trabalhadores novos”.
O segundo denunciante, por sua vez, afirmou que “nas várias reuniões
que o denunciante participou enquanto vigilante, realizadas a cada três meses,
ouviu várias vezes os representantes da empresa Nordeste afirmarem que a
meta é admitir novos trabalhadores somente que tenham servido às Forças
Armadas, tenham o segundo grau completo e com idade máxima de 28 (vinte
e oito) anos”, complementando que “essa informação é de domínio de todos
os vigilantes”.
Ainda aduziu o segundo denunciante que estaria “havendo uma limpeza
com a colocação de sangue novo na empresa denunciada [grifou-se],
ocorrendo de um ano e meio para cá, ou seja, a partir do início de 2007, pois
todos os vigilantes com certa idade (principalmente acima de 40 anos) estão
sendo demitidos. E o denunciante acredita ter sofrido discriminação quanto à
idade (tem 43 anos) e adquiriu uma enfermidade, que mesmo curada deixou
sequelas, que para o interesse econômico da empresa não serve mais”.
Merece ainda destaque o fato de ter sido mencionado pelo segundo
denunciante que um outro vigilante portador de enfermidade — no caso,
hipertensão arterial — também teria sido demitido recentemente sem justa
causa, inobstante já contasse com mais de 16 (dezesseis) anos de trabalho
na empresa denunciada.
Dada a gravidade dos fatos relatados, fora imediatamente instaurado
Procedimento Preparatório de Inquérito Civil Público pelo Parquet laboral, a
fim de colher uma maior quantidade de elementos e, a depender do que viesse
a ser verificado nas investigações, virem a ser adotadas as medidas cabíveis,
inclusive na esfera judicial, como ora se faz.
Desse modo, ao passo em que foram requisitados documentos à empresa então investigada — inclusive relações contendo os nomes tanto dos
trabalhadores demitidos nos últimos meses quanto dos que foram admitidos,
em substituição àqueles —, reputou-se pertinente proceder-se à colheita de
prova testemunhal, razão pela qual, tomando-se por base relação fornecida
pela própria empresa, foram ouvidos diversos trabalhadores que haviam sido
desligados recentemente dos quadros da demandada, a fim de conciliar, a
um só tempo, o conhecimento dos fatos com a ausência de receio de perder
o emprego.
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Pois bem (na realidade, “pois mal”, diante do que fora constatado), a
partir do depoimento de tais testemunhas, pôde-se perceber o quão grave é
a situação de discriminação, notadamente em razão da idade, praticada no
âmbito da empresa Nordeste Segurança de Valores Ltda.
De início, chama-se a atenção para as declarações prestadas pelo
trabalhador José Bonifácio Correia Soares (fl. 261 do ICP n. 135/08), o qual
fora demitido pela demandada logo após completar 50 (cinquenta) anos de
idade e acredita que tal fato estaria ligado umbilicalmente à sua demissão,
conclusão à qual chegou devido aos seguintes fatos por ele narrados:
“QUE antes de ser demitido, alguns meses antes, sempre ouvia comentários dos supervisores da empresa que a mesma ia fazer o desligamento
dos vigilantes e outros empregados mais antigos, que tivessem próximos dos cinquenta anos ou mais idade, e que até o ano de 2010, a
empresa tem como meta excluir dos seus quadros todos aqueles com
idade próxima de 50 anos ou mais e que na seleção de novos empregados a idade estabelecida para contratação será de no máximo 28
(vinte e oito) anos e que depois mudaram para 38 (trinta e oito) anos
devido às denúncias no Ministério Púbico do Trabalho e que outro
critério que está sendo estabelecido é a estatura do candidato que deve
ter altura mínima de 1,75 (um metro e setenta e cinco centímetros) e
que more no núcleo urbano da cidade de Campina Grande, não podendo
morar em regiões ou cidades vizinhas, porque o vale-transporte é um
pouco mais caro que aquele utilizado nesta cidade.” [destaques
acrescidos]
No mesmo sentido, vejamos o depoimento do trabalhador José Rosil
da Silva (fls. 287/288 do ICP n. 135/08), o qual laborou para a empresa por
mais de uma década:
“QUE trabalhou na empresa Nordeste Segurança de Valores Ltda., na
condição de vigilante, por dois períodos, sendo que o último deles durou
14 anos e 6 meses, mais especificamente entre janeiro de 1994 e junho
de 2008, quando foi demitido dos quadros da empresa; QUE anteriormente, mais especificamente entre o final da década de 1980 e o início
da década de 1990, já havia trabalhado o depoente para a mesma
empresa, também na condição de vigilante, por cerca de 4 anos; QUE
sua demissão em junho de 2008 se deu sem justa causa; QUE não
fora oficialmente esclarecido o motivo da demissão do depoente, muito
embora acredite o mesmo que não tenha sido contenção de despesas,
uma vez que ele foi substituído em seu posto de trabalho por um outro
vigilante recém-contratado; QUE quando dos trâmites burocráticos
referentes à rescisão do seu contrato de trabalho, um funcionário da
administração da empresa, que tinha vindo de João Pessoa justamente
para tratar de tais trâmites, ao ser indagado pelo depoente acerca
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dos motivos de sua demissão, informou que a empresa estaria
‘renovando a frota‘, expressão pejorativa por ele utilizada que
incomodou o depoente; QUE tal expressão queria dizer que a empresa
estaria desligando de seus quadros os trabalhadores com idade mais
elevada e substituindo-os por outros mais jovens; QUE, a título de
exemplo, informa que o vigilante que veio a substituir o depoente em
seu posto de trabalho aparentava ter pouco mais de 20 anos de idade;
QUE outra questão que acredita o depoente ter influenciado em sua
demissão, assim como a de outros vigilantes, diz respeito ao fato de o
depoente residir em Queimadas, Município vizinho a Campina Grande,
distando pouco menos de 20 Km desta última cidade; QUE os vigilantes
que residiam nos Municípios circunvizinhos implicavam em custos um
pouco mais elevados que os daqueles residentes em Campina Grande,
tendo em vista que os vales-transportes dos primeiros eram mais caros
que os destes últimos; QUE o depoente chegou a ouvir em reuniões
da empresa diversos comentários, oriundos de representantes da
administração da própria empresa, chamando a atenção para os custos
oriundos dos vales-transportes dos trabalhadores residentes em
Municípios circunvizinhos; QUE em tais ocasiões era ressaltado, algumas
vezes, que a empresa não mais iria arcar com tais custos adicionais, o
que acabava não ocorrendo, inobstante as ameaças; QUE recorda o
depoente que os últimos gerentes da empresa na região de Campina
Grande foram, pela ordem cronológica, o Capitão Nascimento, George,
Crispim e Luiz Cláudio; QUE os dois primeiros costumavam realizar
reuniões com certa frequência, o primeiro com periodicidade quase que
mensal e o segundo a cada dois ou três meses; QUE era justamente
em tais reuniões que eram feitos os comentários supramencionados;
QUE quando o depoente foi demitido, em junho de 2008, foram também
desligados dos quadros da empresa outros diversos vigilantes, numa
média de 30 pessoas; QUE quase a totalidade daqueles que estavam
sendo demitidos tinha idade superior a 40 anos, sendo que alguns
deles tinham faixa etária superior a esta, recordando o depoente que
dois dos trabalhadores demitidos, CÍCERO e ALUÍSIO, estavam bem
próximos da aposentadoria; QUE tem conhecimento o depoente que a
empresa viria, na época de sua demissão, desligando de seus quadros
um número significativo de trabalhadores a cada mês, com cerca de 20
a 30 demissões a cada vez; QUE antes da demissão do depoente já
havia ocorrido uma outra demissão de um número significativo de
vigilantes; QUE na ocasião de sua demissão, conforme já mencionado,
foram demitidos cerca de 30 vigilantes; QUE mediante comentários
ouvidos de outros antigos colegas que continuaram trabalhando para
a empresa, ficou sabendo o depoente que após a sua demissão
continuaram a ser demitidos diversos outros trabalhadores; QUE as
demissões das quais teve o depoente conhecimento, via de regra,
atingiam trabalhadores normalmente com faixa etária acima dos 40
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anos; QUE quando o depoente foi demitido tinha 44 anos de idade;
QUE atualmente o depoente trabalha como vigilante, porém para uma
outra empresa.” (grifos e negritos ausentes no original)
Observe-se, por outro lado, as informações prestadas pela testemunha
Antonio França Silva (fl. 285 do ICP n. 135/08), a qual laborou para a empresa
entre 1995 e 2008:
“(...) QUE recorda o depoente que quase a totalidade dos diversos
trabalhadores que estavam sendo demitidos naquela ocasião, salvo a
sua situação específica e a de um outro único colega, não haviam pedido
para ser desligados, uma vez que pretendiam continuar laborando para
a empresa, inobstante esta não tivesse interesse em dar continuidade
aos seus respectivos contratos de trabalho; QUE a justificativa
apresentada na época para as demissões teria sido contenção de
despesas; QUE estranhou o depoente tal justificativa, uma vez que
os trabalhadores demitidos vieram a ser em seguida substituídos por
outros; QUE, como os postos de vigilância não podem ficar sem
ninguém, ou seja, sem vigilante, as substituições se davam de imediato,
de modo que quando um trabalhador estava sendo demitido o seu
substituto chegava na mesma época, a fim de não ficar o posto abandonado, o que não seria admissível; QUE por tal razão tem ciência o
depoente do fato de os trabalhadores demitidos terem sido substituídos
por outros; QUE os trabalhadores que substituíram aqueles que foram
demitidos eram, conforme pôde constatar o depoente, bastante jovens,
musculosos e com ‘boa aparência’; QUE recorda o depoente que a
maior parte dos vigilantes que foram demitidos na mesma ocasião
que ele tinha vários anos de serviços prestados à empresa, com média
de idade entre 40 e 55 anos, alguns deles bem próximos da
aposentadoria; QUE soube o depoente posteriormente, em contatos
com outros vigilantes que permaneceram na empresa, que esta teria
continuado nos meses seguintes a realizar diversas demissões de
vigilantes, não sabendo precisar quantos.” [grifos e negritos ausentes
no original]
Também as testemunhas José Alves Pequeno (fl. 278 do ICP n. 135/
08), José Severino da Silva Filho (fl. 282 do ICP n. 135/08) e Valmir Agostinho
de Miranda (fl. 283 do ICP n. 135/08) ressaltaram, de forma clara, terem
presenciado a demissão de dezenas e dezenas de vigilantes dos quadros
da empresa, sendo que a expressiva maioria desses demitidos seria formada
por trabalhadores com faixa etária mais elevada.
Já no que concerne à discriminação baseada em outros motivos, a
exemplo da origem dos trabalhadores, também não foram poucos os relatos,
a exemplo do que fora ressaltado pelo trabalhador Amaro Gomes da Silva:
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“(...) QUE o depoente vinha ouvindo comentários havia já algum tempo
no sentido de que a empresa iria desligar de seus quadros os trabalhadores que residiam em Municípios circunvizinhos, tendo em vista os
custos mais elevados inerentes aos vales-transportes destes últimos;
QUE eram sofridas diversas ameaças no que tange ao seu desligamento,
assim como de outros empregados residentes em Queimadas, pelo
motivo já supramencionado; QUE tais ameaças eram mencionadas
pelo fiscal da empresa em algumas ocasiões em que este comparecia
aos postos de serviços, assim como também em reuniões realizadas
no âmbito da própria empresa, sob o comando de ‘gerentes de base‘
da empresa; QUE em qualquer ocasião em que era eventualmente
consta-tada alguma falha, por mais insignificante que fosse, do depoente
ou de outros colegas seus em situações semelhantes, os representantes
da empresa, fossem os fiscais nos postos de serviço ou os gerentes
nas reuniões realizadas na própria empresa, sempre faziam questão
de ressaltar que os trabalhadores residentes em outros Municípios
deveriam ter mais cuidado que os outros uma vez que poderiam
‘voar‘ a qualquer momento, o que significa dizer que poderiam ser
desligados a qualquer tempo; QUE quando o depoente foi demitido, sem
justa causa, em junho de 2008, foram também desligados dos quadros
da empresa, na mesma ocasião, mais de 20 outros vigilantes, sendo
que quase a totalidade dos mesmos residia em Municípios vizinhos a
Campina Grande, notadamente Queimadas e Lagoa Seca; QUE naquela
ocasião o depoente ouviu comentários no sentido de que a empresa
estaria demitindo os trabalhadores mais velhos para substituí-los por
outros mais jovens; QUE quando o depoente foi demitido tinha 51 anos
de idade e recorda que quase a totalidade dos diversos empregados
que foram demitidos na mesma ocasião tinha idade semelhante ou, pelo
menos, média de idade superior a 40 anos (…)”
Dada a relevância do que fora pelo mesmo afirmado, ainda se reputa
pertinente a transcrição de trechos do depoimento do trabalhador Júnior César
Pereira (fls. 706/707 do ICP n. 135/08), o qual também laborou para a empresa
por vários anos e veio a ser, posteriormente, quando tinha 42 anos de idade,
demitido sem que lhe fosse dada qualquer explicação. Observemos, pois, seu
depoimento:
“(...) QUE naquela mesma ocasião, no dia 23.6.2008, assim como o
depoente, estavam na sede da empresa outros diversos vigilantes que
também estavam sendo demitidos naquela mesma data, totalizando
cerca de 30 (trinta) trabalhadores; QUE o depoente tinha 42 anos de
idade quando foi demitido; QUE pôde perceber que quase a totalidade
dos trabalhadores que estavam sendo demitidos tinha idade superior a
40 anos, sendo que alguns deles tinham idade bem superior a esta,
estando já próximos da aposentadoria; QUE à época ouviu o depoente
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comentários no âmbito da empresa no sentido de que a mesma estaria
fazendo uma ‘limpeza‘ com o objetivo de colocar ‘sangue novo‘ em seus
quadros; QUE isso significa que a empresa estaria demitindo funcionários
mais antigos e com faixa etária mais elevada para substituí-los por outros
mais jovens; QUE o depoente ouviu tal afirmação do fiscal da empresa
Bonifácio, o qual, por sua vez, informou que teria tido tal informação a
partir do supervisor da empresa, de nome Luiz Cláudio; QUE soube o
depoente que, após a ocasião em que fora o mesmo demitido juntamente
com algumas dezenas de outros vigilantes, a empresa teria realizado
outras ‘etapas‘ de tais demissões, por meio das quais teriam sido desligados dos seus quadros diversos outros trabalhadores, notadamente
dentre aqueles ‘mais antigos‘; QUE teria sido informado ao depoente
que os empregados demitidos teriam sido substituídos por outros mais
jovens que haviam sido contratados poucos dias antes das demissões;
QUE o depoente foi a João Pessoa, a fim de proceder à homologação
do seu Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho (TRCT), tendo sido
tal viagem feita em veículo do tipo micro-ônibus fretado pela própria
empresa, tendo em vista o grande número de trabalhadores que haviam
sido demitidos ao mesmo tempo; QUE em tal viagem pôde o depoente
constatar mais uma vez que os vigilantes demitidos estavam em faixa
etária superior aos 40 anos, sendo que alguns deles já contavam com
idade bem superior a esta.” [destaques nossos]
Como se tudo isso não bastasse, mostra-se bastante esclarecedor o
depoimento da testemunha George Bezerra de Araújo (fl. 724 do ICP n.
135/08), o qual foi durante anos supervisor da empresa, razão pela qual geria
uma grande área geográfica, tendo tal gestor relatado o seguinte:
“QUE trabalhou para a empresa Nordeste Segurança de Valores Ltda.
por mais de oito anos, exercendo variadas funções, sendo que, nos
últimos anos em que trabalhou para a referida empresa, exerceu a função
de supervisor da filial de Campina Grande, sendo responsável por uma
área geográfica que abrangia tal Município e região, estendendo-se até
Monteiro, Esperança, Cuité, dentre outros do Compartimento da
Borborema e do Cariri Paraibano; QUE fora desligado dos quadros da
empresa, sem justa causa, por volta de outubro de 2007; QUE por volta
do último ano em que trabalhou para a empresa, entre 2006 e 2007,
recorda o depoente ter sido estabelecido regramento interno no âmbito
da empresa tratando de suas novas admissões de pessoal, a fim de se
exigir dos novos contratados uma maior instrução, tal como 2º grau
completo, além de não se admitir mais a admissão de pessoas com
mais de 27 anos de idade; QUE ao menos durante esse período, as
regras atinentes à idade máxima dos trabalhadores da empresa diziam
respeito apenas aos novos admitidos; QUE o suprarreferido regramento
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interno adotado pela empresa, que não admitia contratação de
trabalhadores com mais de 27 anos, não consistia em algum ato
normativo ou algo equivalente escrito, mas sim em orientações
repassadas aos supervisores e outros ocupantes de cargos de gestão
da empresa, a exemplo do depoente, o que era feito em reuniões, em
e-mails, por orientações verbais e outras maneiras congêneres”.
Clara, portanto, a prática discriminatória, conforme relatado por diversas
testemunhas, inclusive um ex-gestor da empresa, o qual narrou que tal discriminação consistia, de fato, em política estratégica da empresa.
Merece destaque, ademais, o fato de que a única pessoa que negou tal
reprovável — para dizer o mínimo, na falta de melhor vernáculo — prática foi
o atual supervisor da filial de Campina Grande, Sr. Luiz Cláudio Fernandes da
Silva, o que, de todo modo, não é de se estranhar, tendo em vista que tal
pessoa ainda integra os quadros da demandada, ocupando inclusive cargo
de relevância, motivo pelo qual é natural que, por temor de represálias, tenha
receio de relatar a realidade fática, ainda mais quando se observa que o
mesmo, quando de sua oitiva, fez-se acompanhar de advogado da própria
empresa (fl. 726 do ICP n. 135/08).
Além de todos os robustos elementos probatórios extraídos dos vários
depoimentos prestados perante este ramo especializado do Ministério Público
da União (alguns deles transcritos supra), ainda é de se observar que
documentos fornecidos pela própria empresa também estão a demonstrar,
sem resquício de dúvida, a nefasta prática discriminatória que se busca
combater por meio desta Ação Civil Pública.
De fato, tomando-se por base informações prestadas pela própria
demandada, a exemplo dos documentos colacionados às fls. 30/34 e 44/62
dos autos do ICP n. 135/08, concernentes ao seu quadro de pessoal no Município de Campina Grande e região (a título meramente ilustrativo) à época da
instauração do feito investigatório e aos trabalhadores desligados de seus
quadros entre janeiro de 2007 e o segundo semestre de 2008, pode-se
perceber que, dentre os obreiros demitidos em tal região no referido período,
mais de 70% possuíam idade superior a 30 anos.
Verifica-se, por outro lado, a partir da relação dos empregados que integravam seus quadros na região de Campina Grande quando do início das
investigações (final do segundo semestre de 2008), que apenas cerca de 8%
possuía idade superior a 50 anos, ao passo em que quase 70% de seus
empregados estavam situados na faixa etária abaixo dos 40 anos.
Fazendo-se um “cruzamento” de tais dados, resta claro que, de fato, a
empresa está desligando os trabalhadores com idade acima de 30 anos em
desproporção clara em relação ao que há no seu quadro de pessoal atualmente.
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Já da análise, por sua vez, da relação fornecida pela empresa no que
tange aos empregados pela mesma admitidos de janeiro de 2007 até fevereiro
de 2009 (fls. 305/318 dos autos do ICP n. 135/08), observa-se serem raríssimos
— praticamente inexistentes, em verdade —, dentre os empregados
contratados, aqueles que tenham nascido antes da década de 80, o que
demonstra que não há praticamente nenhum obreiro (ou quase nenhum,
para não alterarmos a realidade fática) admitido no período com idade superior
a vinte e poucos anos.
Indubitável, pois, a reprochável prática discriminatória perpetrada pela
empresa investigada.
Mesmo diante de tal situação, ainda entendeu por bem este Órgão Ministerial designar uma audiência, no âmbito da Procuradoria do Trabalho (ata
respectiva às fls. 1386/1387 dos autos do ICP n. 135/08), a fim de discutir
com a empresa então investigada e ora demandada a possibilidade de regularização da situação, com a adoção de uma série de medidas visando a restabelecer a legalidade.
Os representantes da referida empresa, contudo, ressaltaram expressamente que “não haveria possibilidade de se vir a discutir a celebração de
um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta”.
Desse modo, diante da narrativa supra e das gravíssimas irregularidades
constatadas, não restou outra alternativa ao Ministério Público do Trabalho
senão a propositura da presente Ação Civil Pública, pelos fundamentos jurídicos a seguir delineados, a fim de buscar, por meio de um provimento judicial,
o restabelecimento do ordenamento jurídico tão flagrantemente violado.
II — Do direito violado pela conduta ilícita da ré
A conduta ilícita da ré, devidamente comprovada através da prova carreada aos autos, vulnera um dos mais elementares direitos fundamentais do
cidadão, que é o direito isonômico basilar, instituído logo no caput do art. 5º
da Carta Magna, o qual prescreve que “TODOS são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”.
Já o inciso XLI do mesmo artigo, por sua vez, ressalta que “a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
No âmbito específico das relações de trabalho, por sua vez, em cumprimento ao dispositivo constitucional, disciplina a questão a Lei n. 9.029/95,
a qual, em seu art. 1º, estabelece:
“Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e
limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua
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manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação
familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao
menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
[grifou-se]
Como se isso não bastasse, o inciso XXX do art. 7º da Constituição
ressalta a ‘proibição de diferença de salários, de exercício de funções e
de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil’.
[grifos acrescidos].
Já dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,
elencados no art. 3º da Carta Magna, consta a promoção do bem de
todos, ‘sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer
outras formas de discriminação’.” [grifou-se]
Nesse mesmo sentido, o inciso II do art. 373-A, da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), veda expressamente a conduta consistente em
“recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de
sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez”.
A prática perpetrada pela ré, que nitidamente discrimina seus trabalhadores em razão da idade, além de terem também sido mencionadas discriminações sofridas por aqueles residentes em Municípios circunvizinhos ao da
prestação de seus serviços, produz efeitos nefastos que ofendem ao disposto
nos arts. 3º, inc. IV, 5º, caput e 7º, inc. XXX, todos da Constituição Federal,
sem se olvidar daquilo que prescreve a Lei Federal n. 9.029/95 e o inciso II
do art. 373-A da CLT, além de causar danos materiais e morais aos trabalhadores, passíveis de reparação.
Poder-se-ia até alegar, num exercício extremo de argumentação — e
tal hipótese NÃO é admitida a não ser a título meramente argumentativo —,
que, em se tratando de empresa privada, poderia a mesma agir como bem
entendesse no que tange à escolha dos trabalhadores que vai contratar ou
demitir, desde que pague regularmente as verbas rescisórias destes últimos.
Não é isso, contudo, o que se extrai dos ditames estabelecidos pelo
ordenamento jurídico pátrio!
Inquestionavelmente, portanto, a prática da empresa demandada se inscreve enquanto abuso de direito, por esta ter-se utilizado de um poder
(contratar e demitir seus empregados) de modo efetivamente abusivo, contrário
à sua finalidade, isto é, de forma vedada pelo ordenamento jurídico, por gerar
um excesso de efeitos nocivos ao meio social e por violar princípios de fundamental interesse público.
Vê-se, assim, que, além de discriminar, a ré abusa de seu poder
econômico durante a contratação, bem como na demissão de trabalhadores
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antigos, integrantes dos quadros da empresa há tanto tempo, alguns já
próximos da aposentadoria, mas que, devido a uma política estratégica de
“renovação da frota” [faz-se questão, aqui, de repetir tal expressão pejorativa
porque fora a mesma mencionada por mais de uma testemunha, as quais,
por sua vez, tê-la-iam ouvido da parte de representantes da administração da
empresa demandada], vêm sendo, por tal razão, desligados dos quadros
da empresa sem qualquer motivo aparente a não ser a reprovável
discriminação da qual são vítimas tais trabalhadores.
Ora, o abuso de direito se caracteriza pelo exercício irregular de uma
prerrogativa prevista em lei e, em virtude de seus efeitos deletérios na ordem
jurídica e de sua causa transgressora de interesses sociais e estatais, deve
ensejar a sua anulação, sem prejuízo das medidas cabíveis contra o agente
violador da ordem jurídica.
Segundo o ensinamento de Orlando Gomes (Introdução ao direito civil,
9. ed. 1987. p. 114), “a concepção do abuso de direito é construção doutrinária
tendente a tornar mais flexível a aplicação das normas jurídicas inspiradas
numa filosofia que deixou de corresponder às aspirações sociais da atualidade.
Trata-se de um conceito amortecedor. Sua função precípua é aliviar os choques
frequentes entre a lei e a realidade. No fundo, técnica de reanimação de uma
ordem jurídica agonizante, fórmula elástica para reprimir toda ação discrepante
do novo sentido que se empresta ao comportamento social”.
Assim, a ideia de abuso de direito surge como reação ao individualismo
jurídico e, portanto, ligado ao relativismo jurídico, o qual vincula a validade do
ato praticado ao exercício legítimo de respectivo direito.
Todo direito seria, por conseguinte, relativo, exigindo a observância às
diretrizes que transcendem a relação da qual participa diretamente o sujeito,
envolvendo igualmente interesses do Estado e da sociedade.
A noção de abuso de direito já se encontra consagrada nos códigos
civis de diversos países, dentre estes o alemão (art. 266) e o suíço (art. 2º).
No Código Civil brasileiro, está positivado no art. 187: “Também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes”.
Saliente-se que a teoria do abuso de direito não se restringe à esfera
cível, sendo aplicável também ao direito do trabalho, em que assume uma
relevância social ainda mais significativa, em razão do estado de subordinação
que marca as relações laborais.
O ilustre professor Mauricio Godinho Delgado, no artigo intitulado Proteções contra discriminação na relação de emprego. In: Discriminação. São
Paulo: LTr, 2000. p. 97, leciona que:
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“Discriminação é a conduta pela qual nega-se à pessoa tratamento
compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta
por ela vivenciada. A causa da discriminação reside, muitas vezes, no
cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma
pessoa em virtude de uma sua característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de
indivíduos (cor, raça, sexo, nacionalidade, riqueza etc.). Mas pode, é
óbvio, também derivar a discriminação de outros fatores relevantes a
um determinado caso concreto específico.
O combate à discriminação é uma das mais importantes áreas de
avanço do direito característico das modernas democracias ocidentais.
Afinal, a sociedade democrática distingue-se por ser uma sociedade
suscetível a processos de inclusão social, em contraponto às antigas
sociedades, que se caracterizam por serem reinos fortemente impermeáveis de exclusão social e individual.
Também o Direito do Trabalho tem absorvido essa moderna vertente
de evolução da cultura e prática jurídicas. No caso brasileiro, essa
absorção ampliou-se, de modo significativo, apenas após o advento da
mais democrática carta de direitos já insculpida na história política do
país, a Constituição da República de 1988.” [destaques nossos]
Por sua vez, o eminente professor Márcio Túlio Viana, na mesma obra
acima citada, p. 357 e 358, no artigo intitulado “A proteção trabalhista contra
os atos discriminatórios” (análise da Lei n. 9.029/95)”, assim se manifesta:
“Somos livres para decidir se, quando, como e quem contratar. Mas é
uma liberdade, digamos assim, vigiada, e em boa parte flexionada
pelo legislador. Valendo-nos de uma imagem que Couture usou com
outros propósitos, poderíamos talvez comparar o empregador a um
prisioneiro no cárcere: pode dar alguns passos, e nisso é livre, mas as
grades lhe impõem limites ao seu ir e vir.
Aliás, de certo modo, é o que acontece com todas as liberdades. São
sempre relativas, na medida em que se interagem com outras
liberdades, ou mais propriamente com as liberdades dos outros. O
que varia não é a existência do cárcere, mas as suas dimensões e,
algumas vezes, a grossura de suas barras.
Tratando-se do contrato de trabalho, a liberdade no ‘se’ e no ‘quando’ é
a mais ampla de todas, mas ainda assim não chega a ser absoluta. O
empregador é obrigado, por exemplo, a admitir um certo número de
aprendizes, proporcional à sua massa de empregados. E não pode, regra
geral, contratar substitutos para os grevistas (caso de restrição negativa
à liberdade).
Já a liberdade no ‘como’, de todas, é a menor. Mesmo em tempos de
acelerada flexibilização, a lei contém ainda, na expressão de La Cueva,
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um contrato mínimo de trabalho. O empregador só pode se mover em
seu próprio desfavor, isto é, criando condições melhores que as previstas
em lei, sentença normativa ou convênio coletivo.
Mas é a liberdade no ‘quem’ contratar que nos interessa mais de perto.
É dela que cuida a Lei n. 9.029/95. O empregador pode escolher entre
João e Pedro, ainda que não explique os motivos, e mesmo que não
tenha motivos. Mas não pode preferir Pedro, por exemplo, em razão de
sua cor.” [grifou-se]
Da leitura dos textos ora transcritos, observa-se que a discriminação
caracteriza-se pelo tratamento desqualificador de uma pessoa com base em
uma característica sua, determinada externamente.
Ora, ao vir adotando como política estratégica a demissão dos trabalhadores mais antigos e com faixa etária mais elevada, conforme restou amplamente demonstrado, bem como vir evitando, claramente, a admissão de
empregados mais velhos, a empresa extrapolou a sua liberdade de escolha,
uma vez que o fator idade — assim como o local de residência e/ou domicílio
do trabalhador — não pode ser, nem muito menos é, determinante da capacidade laboral.
Há de se atentar, por fim, para o contido nas Convenções ns. 100 e
111 da Organização Internacional do Trabalho, ambas ratificadas pelo Brasil,
referentes, respectivamente, à igualdade de remuneração para mão de obra
masculina e feminina por trabalho de igual valor e à vedação de discriminação
em matéria de emprego e ocupação, destacando-se esta última, que entende
por discriminação toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça,
cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social,
que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de
tratamento em matéria de emprego ou profissão.
Não pode, pois, o Ministério Público — nem tampouco o Poder Judiciário
— co-onestar atitudes ilegais, imorais e inconstitucionais, com evidente conteúdo discriminatório, como estas, amplamente demonstradas, perpetradas pela
empresa ré.
III — Do dano moral coletivo
A violação de tão caro princípio, consubstanciada na conduta da empresa
demandada, que reconhecidamente inclui a diretriz discriminatória na sua política de contratação e demissão de empregados, produz, além de danos patrimoniais de natureza individual, dano moral na coletividade de empregados
da empresa, antigos e atuais, e na sociedade como um todo, que reclama reparação em dimensão difusa e coletiva.
Exatamente para não deixar impunes situações como essas, em que
determinadas empresas pensam poder tudo, até mesmo afrontar a Carta
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Magna ao seu bel prazer, que se apresenta a possibilidade de condenação
em danos morais coletivos, a qual se encontra em consonância com o
movimento mais recente do Direito, no sentido de sua coletivização ou
socialização.
Trata-se de uma nova concepção do fenômeno jurídico e de seu alcance,
oposto à visão individualista até então prevalecente, fruto de uma concepção
liberal do Estado e de suas relações com os indivíduos. Ao contrário dessa
visão, constatamos que a Constituição Federal de 1988 consagra a coletivização dos direitos ao prever instrumentos como o Mandado de Segurança
Coletivo e a Ação Popular, merecendo ainda ser citado o surgimento de avançados diplomas legislativos, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor.
É dentro deste contexto que surge a noção de dano moral coletivo.
Até então, todas as considerações sobre o dano moral referiam-se ao
indivíduo. Contudo, se o indivíduo pode padecer de um dano moral, não há
também qualquer óbice a que o mesmo se dê com a coletividade. Observe-se o entendimento doutrinário a respeito da matéria:
“...o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma
dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado
círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo,
está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de
uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi
agredido de uma maneira absolutamente injustificável do ponto de
vista jurídico... Como se dá na seara do dano moral individual, aqui
também não há que se cogitar de prova de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação...” (BITTAR FILHO,
Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico
brasileiro. In: Revista Direito do Consumidor, n. 12, out./dez. 1994)
[negritou-se]
O dano moral coletivo desponta, portanto, como a violação em dimensão
transindividual. Se o particular sofre uma dor psíquica ou passa por uma
situação vexatória, a coletividade, vítima de dano moral, sofre de desapreço,
descrença em relação ao poder público e à ordem jurídica. Padece a
coletividade de intranquilidade, insegurança.
Busca-se, assim, com a presente a ação, não só a condenação em obrigações de fazer e de não fazer, mas também que seja a ré condenada ao
pagamento de indenização pelo dano genérico, prevista no art. 13 da Lei n.
7.347/85.
No caso em tela, como já evidenciado, verifica-se a ocorrência de um
dano moral geral, causado a toda a coletividade. Trata-se de um prejuízo moral
potencial de que foi — e ainda o é — alvo toda a coletividade de trabalhadores
que integra e integrou os quadros da demandada, assim como a própria
sociedade, na medida em que violada a ordem social.
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Resta inquestionavelmente demonstrada, portanto, a verificação, in casu,
do dano moral coletivo, a merecer reparação exemplar, o que é de inegável
importância para a sociedade, haja vista decorrer do ferimento a interesses
transindividuais, à luz do equilíbrio e da paz almejados pelo Direito.
De fato, há de se mostrar para a empresa Nordeste Segurança de Valores que não compensa transgredir de forma tão veemente o ordenamento
jurídico pátrio. Precisa ser demonstrado que o Poder Judiciário não compactua
com atitudes de grandes empresas no sentido de transgredir violentamente
princípios basilares de nosso ordenamento jurídico.
Afinal de contas, se após praticar conduta ilegal como a de que tratam
estes autos, lesiva a toda uma massa de obreiros — considerada tanto em
seu aspecto coletivo quanto difuso, conforme já ressaltado supra, negando-se, inclusive, a adequar sua conduta perante o Parquet laboral, a empresa
ré for simplesmente condenada, ao final, a cumprir a legislação que ela já
tem plena consciência de que vem descumprindo ao seu bel-prazer, estarse-á gerando, na verdade, uma grande sensação de impunidade.
Desse modo, certamente as empresas irão “fazer as contas” e constatar
que compensa descumprir as normas que, a seu ver, não sejam interessantes
do ponto de vista econômico. Afinal, se um dia forem condenadas, terão
apenas que cumprir aquilo que já deveriam ter feito há muito tempo — não se
olvidando o seu conhecimento do descumprimento de tais leis —, sem nenhuma condenação a mais, apesar de terem lucrado por tanto tempo, à custa do
desrespeito aos direitos laborais dos seus empregados.
Realmente inadmissível tal hipótese!!
Assim, não há de se descurar que, nos conflitos e lesões de massa, a
dimensão proeminente do coletivo, em relação ao individual, sinaliza ainda
mais para a relevância da garantia reparatória.
Saliente-se, aqui, a relevância da compreensão coletiva da demanda e
a respectiva reparação do dano causado, sem as quais restaria impune a
conduta ilícita, à míngua de qualquer sancionamento ao ofensor, resultando
também em descrédito ao ordenamento jurídico violado.
A reparação sob exame constitui, pode-se dizer, um meio de se assegurar que não vingue a ideia ou o sentimento de desmoralização do ordenamento jurídico e dos princípios basilares que lhe dão fundamento.
Enseja-se, assim, ter em conta, mais propriamente, a imposição, aos
ofensores, de uma condenação pecuniária que signifique uma penalização
pela prática de conduta tão reprovável quanto ilícita, que, certamente, resultou
em benefícios indevidos para si, circunstância que fere e indigna a sociedade
como um todo.
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Mostra-se imperioso, portanto, fazer o lesante aprender, pela sanção
imposta, a força da reprovação social e os efeitos deletérios decorrentes da
sua conduta.
Em suma, a lesão a interesses de feição extrapatrimonial coletiva
representa, no mais das vezes, um dano à própria sociedade, a exigir a imposição de sanção exemplar, o que se concretiza por meio de uma obrigação
pecuniária.
Considerando (a) a natureza imaterial/indisponível dos bens em
discussão (que tratam da própria dignidade da pessoa humana), (b) o caráter
transindividual dos direitos e interesses tutelados, (c) a contumaz e renovada
prática irregular da empresa acionada, (d) o grande número de pessoas
sujeitas a lesão; (e) a lesão à sociedade como um todo, considerada em
seu aspecto difuso, dada a absurda conduta discriminatória perpetrada pela
demandada (f) o porte da empresa ré (que tem atuação em 19 Estados
brasileiros e faturamento anual de cerca de 1 BILHÃO de reais, conforme
noticiado em seu próprio site — versão impressa anexada a esta exordial); e
(g) a conveniência social do efeito pedagógico da reparação; o Ministério
Público pede que a indenização por danos genéricos seja arbitrada em, no
mínimo, R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Com efeito, a gravidade dos fatos de que trata esta Ação Civil Pública
já impõe — até mesmo como caráter pedagógico, com o escopo de inibir
novas práticas reprováveis como a ora narrada —, uma reparabilidade que
represente, pelo menos, o montante acima apontado, notadamente quando
se atenta para o porte da empresa (com atuação em parte considerável do
território nacional, repita-se) que está a descumprir o ordenamento jurídico
pátrio, com reprováveis — para dizer o mínimo — práticas discriminatórias
que vêm vitimando toda uma gama de obreiros, além de trazer, também, consequências nefastas para TODA a sociedade.
Mostra-se imperiosa, portanto, a condenação da ré ao pagamento de
indenização pelo dano moral coletivo causado, cujo valor deverá ser revertido
ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fixando-o de acordo com os
parâmetros acima delineados.
Quanto a esse quesito, chama-se a atenção para o fato de que a própria
empresa, em seu site na internet, vangloria-se de ser “líder no mercado brasileiro
de segurança privada”, bem como de seu faturamento, em 2008, de R$ 915
milhões, com previsão de, agora em 2009, ultrapassar a marca de R$ 1 bilhão
de faturamento, de modo que a indenização ora pleiteada, como decorrência
das gravíssimas irregularidades constatadas, representa apenas 0,1% — vale
dar destaque: apenas 0,1 % (zero vírgula um por cento) — do faturamento
anual da empresa demandada.
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IV — Da antecipação dos efeitos da tutela
A ação civil pública “poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou
o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” (Lei n. 7.347/85, art. 3º),
possibilitando o art. 4º do mesmo diploma legal o ajuizamento de ação cautelar
para os fins dessa Lei.
Por sua vez, o art. 11 da Lei em referência tem o seguinte teor:
“Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o Juiz determinará o cumprimento da prestação da
atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente
ou compatível, independentemente de requerimento do autor.”
Mais adiante, o art. 12, caput, da referida lei autoriza o provimento liminar
de antecipação dos efeitos da tutela, in verbis:
“Art. 12. Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.”
Assim, o legislador autorizou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida na ação civil pública, nos moldes de norma processual que foi, posteriormente, introduzida no Código de Processo Civil (CPC), art. 461.
Esse é o entendimento agasalhado pela melhor doutrina:
“O mandado liminar de que fala a Lei n. 7.347/85, art. 12, diverso dos
seus arts. 4º e 5º, está mais próximo da antecipação da tutela específica
de que fala o art. 461 do CPC, com a nova redação dada pela Lei n.
8.952/94, muito embora possa confundir-se com a cautelar incidente. O
legislador, em sede de ação civil pública, concebeu a cautelar satisfativa,
autorizando que fosse adiantado o próprio meritum causae, total ou
parcialmente.” (OLIVEIRA, Francisco Antonio de. In: Ação civil pública
— enfoques trabalhistas. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 198) [grifos
acrescidos].
No mesmo sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite (In: Ministério Público
do Trabalho, São Paulo: LTr, p. 140), in verbis:
“Trata-se (o art. 12 da Lei n. 7.347/85), a nosso ver, de liminar de natureza
satisfativa, antecipatória da tutela definitiva.”
Posteriormente, o art. 461 do CPC, modificado pela Lei n. 8.952/94,
passou a permitir, genericamente, a antecipação dos efeitos da tutela específica de obrigação de fazer ou não fazer, dispondo o seu § 3º:
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“Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar
poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão
fundamentada.
Ora, no caso dos autos, a relevância do fundamento e a plausibilidade
do direito restam evidentes, havendo, outrossim, o fundado receio de
ineficácia do provimento final, porquanto a situação aferida nos autos
do Inquérito Civil Público conduzido pelo Ministério Público do Trabalho
demonstra a sonegação ao trabalhador de direito básico, como o de
emprego (seja pela demissão dos trabalhadores que vêm sendo
vítimas da discriminação, seja pelo desligamento dos trabalhadores
‘antigos’ da empresa, os quais a mesma reputa muito velhos para
continuar trabalhando e, por tal razão, opta simplesmente por
DESCARTÁ-LOS, como se fossem meros objetos, e substituí-los por
outros mais jovens), o que merece pronta e enérgica atuação, visando
a fazer cessar, de imediato, tal absurdo!!!”
Vale registrar, por oportuno, que as mais recentes decisões das Cortes
trabalhistas pátrias, inclusive do colendo Tribunal Superior do Trabalho, evidenciam a conveniência, a oportunidade e a legalidade da concessão da tutela
antecipada quando o Ministério Público do Trabalho ajuíza ação civil pública
calcada em provas previamente colhidas no processo administrativo instaurado
no âmbito da Procuradoria.
Plenamente justificada, assim, a antecipação dos efeitos da tutela, nos
termos do art. 12 da Lei n. 7.347/85 c/c o art. 461 do CPC, além de toda a
fundamentação supra.
V — Dos pedidos
V.1 — Do pedido de antecipação dos efeitos da tutela
Ex positis, o Ministério Público do Trabalho requer a antecipação dos
efeitos da tutela, a fim de que a empresa demandada, Nordeste Segurança
de Valores Ltda., passe a observar as seguintes determinações:
a) não utilize qualquer critério de cunho discriminatório em relação aos
seus empregados, seja para suas respectivas contratações ou dispensas, em especial critérios que tomem como referência a idade e/ou a
origem (local de residência/domicílio) dos trabalhadores, sem se olvidar
de outros critérios, tais como aqueles baseados no sexo, na cor, no
estado civil, na situação familiar, ou em qualquer outro que venha a ensejar o reconhecimento de prática discriminatória;
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b) dê amplo conhecimento aos empregados das obrigações acima
elencadas, afixando em todas as suas unidades (matriz e filiais, aí
incluídos eventuais “escritórios” ou algo do gênero), em local de fácil
visibilidade para seus empregados, cópia da decisão judicial, dando
destaque às obrigações constantes no item anterior;
c) sejam fixadas astreintes para a hipótese de descumprimento das obrigações retroelencadas, no valor mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)
por empregado prejudicado, sendo que, na hipótese específica da obrigação constante do item b, seja fixada multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), revertendo-se as multas suprarreferidas, caso venham a
incidir, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT.
V.2 — Dos pedidos definitivos
De conformidade com os fundamentos expendidos, pleiteia o Ministério
Público do Trabalho que, em confirmação à decisão concessiva da tutela
antecipatória, seja a empresa condenada a:
a) não utilizar qualquer critério de cunho discriminatório em relação aos
seus empregados, seja para suas respectivas contratações ou dispensas, em especial critérios que tomem como referência a idade e/ou
a origem (local de residência/domicílio) dos trabalhadores, sem se olvidar
de outros critérios, tais como aqueles baseados no sexo, na cor, no
estado civil, na situação familiar, ou em qualquer outro que venha a
ensejar o reconhecimento de prática discriminatória;
b) seja obrigada a alcançar, no prazo máximo de 2 (dois) anos, dentre
trabalhadores na faixa etária superior a 30 (trinta) anos, um percentual
mínimo de 60% (sessenta por cento) de todo o seu quadro de pessoal,
sendo distribuído tal percentual da seguinte forma: em 23% (vinte e três
por cento) para empregados com idade entre 30 (trinta) a 39 (trinta e
nove) anos, 25% (vinte e cinco por cento) para idade de 40 (quarenta)
a 49 (quarenta e nove) anos, e 12% (doze por cento) para trabalhadores
com idade acima de 50 (cinquenta) anos;
c) dê amplo conhecimento aos empregados das obrigações acima elencadas, afixando em todas as suas unidades (matriz e filiais, aí incluídos
eventuais “escritórios” ou algo do gênero), em local de fácil visibilidade
para seus empregados, cópia da decisão judicial [a qual deverá ficar
afixada por, pelo menos, 6 (seis) meses a partir da prolação da sentença], dando destaque às obrigações constantes no item anterior;
d) sejam fixadas astreintes para a hipótese de descumprimento das obrigações retroelencadas, no valor mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)
por empregado prejudicado, sendo que, na hipótese específica da
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obrigação constante do item c, seja fixada multa diária de R$ 500,00
(quinhentos reais), revertendo-se as multas suprarreferidas, caso
venham a incidir, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT.
e) seja condenada a empresa ré a pagar, nos termos do art. 13 da Lei n.
7.347/85, indenização em valor que não seja inferior a R$ 1.000.000,00
(um milhão de reais), reversível ao Fundo de Amparo do Trabalhador
— FAT, pelos danos morais coletivos decorrentes da lesão genericamente causada, notadamente em razão da grave afronta ao ordenamento jurídico verificada, nos termos da fundamentação supra.
VI — Dos requerimentos
Por fim, requer o Ministério Público do Trabalho:
VI.1 — a citação da empresa demandada, no endereço declinado no
preâmbulo, a fim de que a mesma, querendo, responda aos termos da
presente ação, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria fática;
VI.2 — a notificação pessoal do Parquet laboral no que concerne a todos
os atos do processo, consoante o disposto no art. 18, II, h, da Lei Complementar n. 75/93, bem como no art. 236, § 2º, do Código de Processo
Civil e, por fim, o Provimento n. 4/00, da d. Corregedoria Geral da Justiça
do Trabalho;
VI.3 — a produção de todos os meios probatórios em direito admitidos,
especialmente juntada de novos documentos, depoimento pessoal, oitiva
de testemunhas (as quais serão oportunamente indicadas, a fim de
serem notificadas por esse douto juízo), além de outros que venham a
se mostrar relevantes para o deslinde das questões trazidas a juízo
através da presente demanda.
Atribui-se à presente causa o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de
reais).
Campina Grande (PB), 17 de julho de 2009.
Carlos Eduardo de Azevedo Lima
Procurador do Trabalho
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ANTECIPAÇÃO DE TUTELA:
DISCRIMINAÇÃO POR IDADE
1ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINA GRANDE — PB
Proc. 00730.2009.007.13.00-0
Antecipação de Tutela
Autor: Ministério Público do Trabalho
Ré: Nordeste Segurança de Valores Ltda.
Vistos etc.
Trata-se de pedido de antecipação dos efeitos da tutela, formulado pelo
Ministério Público do Trabalho, em sede de Ação Civil Pública promovida em
face de Nordeste Segurança de Valores Ltda., objetivando que seja vedada à
empresa demandada, a utilização de qualquer critério de cunho discriminatório
em relação a seus empregados, seja para suas respectivas contratações ou
dispensas, em especial, aqueles que se relacionem a idade e/ou origem (local
de residência/domicílio), bem como a ciência aos empregados da proibição
suprarreferida, com afixação em todas as unidades (matriz e filiais), em local
de fácil visibilidade, de cópia da decisão judicial neste sentido. Requer, ainda,
o MPT, que em caso de descumprimento de tais obrigações, sejam fixadas
astreintes, no valor mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por cada empregado prejudicado, e, de R$ 500,00, na hipótese de não atendimento da
exigência de publicidade, revertendo-se as multas referidas em favor do Fundo
de Amparo do Trabalhador — FAT.
Aduz a parte autora, em suma, que após o recebimento de denúncias de
ex-trabalhadores da ré, recentemente demitidos, e instauração de inquérito civil,
foi constatado no âmbito da empresa reclamada a prática de discriminação,
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notadamente em razão da idade, em total afronta às disposições contidas no
art. 1º da Lei n. 9.029/95. Menciona, ainda, que, além do dispositivo citado, a
conduta da empresa fere o inciso II do art. 373-A, da CLT, e arts. 3º, IV, 5º,
caput e 7º, XXX, todos da Constituição Federal de 1988.
Para corroborar sua tese juntou aos autos, dentre outros documentos,
cópias dos autos do Inquérito Civil n. 135/08.
Analisando a documentação trazida à colação pelo autor, verifica-se,
de plano, a verossimilhança da alegações da parte autora no que concerne à
discriminação praticada no âmbito da empresa, em especial relacionada a
idade. Nos depoimentos prestados perante o Ministério Público do Trabalho,
cujas atas foram acostadas aos autos (fls. 65/70 e 87/90), termo de declaração
de fl. 64, a atitude discriminatória se revela. O confronto entre a relação de
empregados demitidos a partir de janeiro de 2007, com a relação de trabalhadores admitidos no mesmo ano, atesta que um percentual significativo dos
dispensados tem idade superior a 40 anos (40 empregados), ou 30 anos e,
em contrapartida, os contratados, mais de 200, têm idade inferior a 30 anos,
se coadunando perfeitamente com as informações prestadas nos depoimentos
referidos.
Num primeiro olhar, à luz do ordenamento jurídico pátrio, o empregador
dispõe da prerrogativa de dispensar seus empregados a qualquer tempo e
sem qualquer motivo, mediante o pagamento de verbas rescisórias. O direito
potestativo do empregador encontra óbice, entretanto, quando a hipótese
caracteriza dispensa discriminatória, ou seja, aquela que seja proveniente de
um tratamento desigual injustificado, que pode ter origem em diversos fatores,
sendo a idade um deles.
Neste norte, o Egrégio TST vem desenvolvendo importante corrente jurisprudencial, partindo da premissa de que, os motivos apontados no art. 1º da
Lei n. 9.029 não são exaustivos, e que o empregador não pode exercitar o
seu direito amplo de dispensa, sem a observância dos preceitos constitucionais
da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF) e vedação a atos
discriminatórios (art. 3º, inciso IV, CF).
A gravidade inerente a qualquer conduta discriminatória, que induvidosamente, afronta o direito fundamental da igualdade de trato e a necessidade
premente de obstacular tal prática, justifica o deferimento de antecipação da
tutela.
Ante tais considerações, com fundamento no § 3º do art. 461 do CPC,
defiro o pleito de antecipação para: a) determinar que a ré se abstenha de
utilizar qualquer critério de cunho discriminatório nas contratações ou dispensas
de seus empregados, em especial aqueles relacionados a idade; b) dê amplo
conhecimento aos empregados através de afixação em todas as unidades de
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Campina Grande e Região, em local de fácil visibilidade, de cópia da presente
decisão.
Na hipótese do não cumprimento das obrigações supracitadas, itens a
e b, a ré arcará com multas, a serem revertidas em favor do FAT, de R$
5.000,00 (cinco mil reais), por cada empregado prejudicado, e R$ 500,00 (quinhentos reais), por dia, respectivamente.
Expeça-se mandado para cumprimento da decisão COM URGÊNCIA.
No mais, designo audiência para o dia 4.8.2009 às 14:30 horas, oportunidade
em que a demandada, querendo, poderá apresentar defesa, e dar-se-á a
instrução do feito. Intimem-se.
Campina Grande, 22.7.2009.
Roberta de Paiva Saldanha
Juíza do Trabalho
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA EXPRESSO MERCÚRIO
S.A. — ASSÉDIO MORAL: IMPUTAÇÃO DE APELIDOS
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DO TRABALHO DE
UMA DAS VARAS DO TRABALHO DE NATAL-RN, A QUEM COUBER POR
DISTRIBUIÇÃO LEGAL
O Ministério Público do Trabalho — Procuradoria Regional do Trabalho
da 21ª Região, situada na Rua Dr. Poty Nóbrega, n. 1941, Lagoa Nova, Natal/
RN, pelos Procuradores do Trabalho infra-assinados, com base nos arts. 127
e 129, inciso IX, da Constituição da República, arts. 6º, VII, d, e 83, inciso III,
da Lei Complementar n. 75/93 e na Lei n. 7.347/85, vem ajuizar,
Ação Civil Pública com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela
em face da Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) — com sede à Av. Sertório
6.500, Porto Alegre, RS — CEP: 91060-590, inscrita no CNPJ sob o n.
95.591.723/0001-19, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:
1 — Dos fatos
Através da representação em face de denúncia realizada por Andrea
Magda Ramos Cavalcanti na Procuradoria Regional do Trabalho, foi instaurado
Procedimento Preparatório de Inquérito Civil Público (PP n. 238/08), com fins
a reunir elementos de prova necessários à configuração dos fatos denunciados
que demonstravam as seguintes irregularidades: desvio de função, pagamento
de salário “por fora”, trabalho durante feriados, não pagamento de horas
extras e mau tratamento concedido aos empregados da empresa denunciada.
Com a apreciação prévia, foi determinada a notificação das testemunhas
indicadas pela denunciante para que prestassem depoimento na sede da
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Procuradoria Regional do Trabalho nos dias 2 e 3 de setembro, bem como foi
requisitada à Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte
uma fiscalização para verificação da veracidade das informações prestadas.
A requisição enviada à fiscalização do trabalho obteve resposta, subscrita
pela chefe do núcleo de fiscalização do trabalho, Eloísa da Luz Biasuz,
encaminhando relatório de fiscalização do Auditor Fiscal do Trabalho Josenildo
Liberato Freire, CIF 02939-4, realizada na empresa Expresso Mercúrio S.A.
(TNT Mercúrio).
O relatório supramencionado (fl. 59 do Procedimento anexo) constata,
dentre outras irregularidades, que a fiscalizada deixou de conceder intervalo
interjornada, motivo pelo qual foi lavrado o auto de infração n. 18308066,
Ementa n. 0353, e que os empregados eram os responsáveis pela limpeza
dos banheiros. Para sanar tal desvio de função, a empregadora contratou
empregado (ASG) para a execução dos serviços de limpeza.
Analisando-se o teor do Relatório em questão, conclui-se que a empresa
Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) apresenta uma série de desvios e
falhas no que diz respeito ao cumprimento da legislação trabalhista. Foram
lavrados 3 (três) autos de infração em decorrência de algumas de suas condutas trabalhistas irregulares.
Às audiências designadas compareceram o Sr. Hélio Grigório de Souza,
a Sra. Maria Aparecida Borges, a Sra. Priscila de Assis Bertuleza, o Sr.
Calixtrato Hipólito Soares Neto e o Sr. Bruno Palmeira Lito, que compareceram
à sede da Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região para prestarem
seus respectivos depoimentos.
Os depoentes relataram alguns fatos envolvendo a empresa ré, dentre
os quais destaca-se a forma humilhante e vexatória com a qual são tratados
os seus empregados, especialmente no que diz respeito ao Sr. Roni Victor e
ao gerente Michael Deivison, apontado como alguém extremamente desrespeitoso em todos os depoimentos.
O Sr. Hélio Grigório de Souza, testemunha arrolada pela denunciante,
revelou que
“o chefe junto com o encarregado operacional utilizava-se palavras um
tanto vulgar ‘HOJE É LEI DO CÃO PARA TODOS’, se referindo à hora
extra que todos teriam de cumprir; que o chefe sempre citava que ‘nordestino era sempre a terceira pessoa depois de ninguém’; o senhor
Michael Deivison disse que o depoente era um ‘bandidinho fedorento’,
fato este presenciado pela senhora Andréa; que o depoente já ouviu do
citado senhor, na frente de todos os empregados, dizer que ‘a empresa
não era puleiro’.
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(...)
‘assim que começou a trabalhar na empresa ganhou logo um apelido
de CARREIRINHA, segundo o chefe era porque parecia muito com um
ator de um filme brasileiro chamado de AUTO DA COMPADECIDA; que
quando a empresa estava completando 60 anos e na comemoração
foram tiradas fotos; que o Sr. Michael utilizou uma foto do dopoente da
festa e no dia seguinte ao expediente colocou-a no quadro de aviso do
refeitório com os seguintes dizeres ‘PROCURA-SE — ESTE RAPAZ É
UM PERIGO PARA AS MOÇAS E MULHERES DE NATAL’, sendo que
ficou três dias essa foto no quadro, motivo de chacota por parte dos
colegas de trabalho; a foto foi retirada pelo seu chefe após três dias,
sob a alegação, em tom de brincadeira, que retirou a foto pois poderia
sofrer algum processo na justiça devido ao uso de imagem indevida;
que o chefe junto com o encarregado operacional utilizava-se palavras
um tanto vulgar ‘HOJE É LEI DO CÃO PARA TODOS’, se referindo à
hora extra que todos teriam de cumprir” (fls. 25/26 do Procedimento
anexo)
Outra testemunha arrolada, a sra. Maria Aparecida Borges, relatou que
“certa vez só porque a depoente reclamou ao Gerente Michael que o
banheiro do escritório estava muito sujo, esse a destratou na frente dos
colegas dizendo que se ela quisesse o banheiro limpo que ela mesmo
o limpasse; quando ela disse que não era essa a sua função pois era
vendedora, o senhor Michael, falando alto e gesticulando bastante, disse
que já que ela não ia limpar o banheiro então que ela ‘fosse se lascar’,
‘que fosse se danar’; que ela não poderia ser tratada daquela forma
grosseira; então o senhor Michael disse que ele tratava ela e os seus
colegas e até mesmo o gerente regional da empresa da mesma forma
grosseira e, em tom de ameaça, mandou a depoente ‘calar a boca’ e
‘tomar cuidado’ pois ela não sabia com quem ela estava falando; que o
citado senhor chamava outra empregada Vilmária de ‘verrugão’ por conta
de um sinal no nariz; que o senhor Michael chamou a senhora Daniela,
outra empregada, de ‘puta’ e ‘fácil’ na frente de todos os demais empregados; ele chamava o seu próprio encarregado, senhor Roni, de gay;
que o senhor Michael tinha o costume de chamar todos de ‘burro’ e
‘incompetentes’.” (fls. 29/31 do Procedimento anexo)
A depoente Priscila de Assis Bertuleza, não diferentemente, afirmou que
“o gerente Michael tinha o costume de destratar os seus colegas de
trabalho, por meio de brincadeiras sem graça; que a depoente acredita
serem inapropriadas para o local de trabalho, pois, diariamente, ele ficava
usando palavras de desapreço à empregada Vilmária chamando-a de
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‘cobra’, ‘mal caráter’, ‘que ela não era de confiança’, ‘que o marido dela
era corno’.” (fls. 34/35 do procedimento anexo).
Corroborando com os depoimentos anteriores, o Sr. Bruno Palmeira Lito
relatou que
“o senhor MICHAEL apelidava vários empregados, colocando os
seguintes apelidos: VERRUGÃO, FEDORENTO, ANÃO DE JARDIM,
PILOTO DE AUTORAMA, FUNCIONÁRIO ABELHA, MAGA PATALÓGICA; que em determinada ocasião, o senhor MICHAEL, comentando
sobre o funcionário que apelidava como ANÃO DE JARDIM, fez um
comentário indelicado acerca do tamanho do órgão sexual do
empregado, tendo o depoente observado que o citado empregado no
momento do comentário ficou bastante abalado; que no comentário foi
citado o seguinte: ‘ISSO TEM A VER COM AS PROPORÇÕES CORPÓREAS’.” (fls. 40/43 do Procedimento anexo).
No que se refere às práticas repressivas aos que não cumprissem as
metas lançadas, o supracitado depoente revelou que “no final do dia o senhor
MICHAEL dirigiu-se à ANDREA em voz alta, na presença de vários funcionários, reclamando do mau rendimento nas vendas”. (fl. 42 do Procedimento
anexo).
Estes fatos relatados, por si sós, já dão ensejo a uma condenação
inibitória, bem como uma indenização por danos morais coletivos, uma vez
que a ocorrência deste tipo de procedimento, sem que careça de provas, já
fere a alma, honra, intimidade, reputação e a autoestima dos empregados
da denunciada, uma vez revestir-se de ilegalidade este tipo de ação de natureza punitiva, aliada ao fato de terem sido realizadas em diversas oportunidades sempre na presença de outros companheiros de venda.
Com efeito, os procedimentos adotados pela ré foram além das lesões
já relatadas, situando-se na esfera do extremamente desumano e imoral.
A disposição de apelidos jocosos em alguns dos empregados da Denunciada, como bem foi destacado pelos depoentes, além de procedimento
deplorável, é reveladora da ocorrência de prática discriminatória, o que não
pode ser aceito em nenhuma hipótese. Ao contrário, a situação vexatória em
que se encontram os que trabalham na empresa revela-se insustentável e
tais práticas devem ser coibidas.
A denunciante, que labora para a empresa denunciada desde 21 de
maio de 2007 na função de assistente comercial, afirmou que o representante
da empresa, o Sr. Michael Deivison, “trata mal todos os empregados, tendo
chamado a denunciante de idiota, amadora, fraca, insegura, destemperada,
funcionária abelha, que não era agressiva para as vendas e que tais palavras
eram proferidas na frente de todos os empregados”.
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Qualquer pessoa na situação dos empregados da Expresso Mercúrio
S.A. (TNT Mercúrio), teria a sua tranquilidade e honra abaladas. Apenas em
casos raros, no caso de absoluta falta de autoestima, poder-se-ia dizer que
as práticas adotadas pela denunciada seriam tomadas com indiferença pelos
seus atuais e futuros empregados.
Ademais, como é sabido, a República Federativa do Brasil tem como
fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho,
da mesma forma que rege-se, nas relações internacionais, pelo princípio do
respeito aos direitos humanos. Desta forma, a dignidade moral do trabalhador
deve ser respeitada, o que não se verifica na relação existente entre a empresa
denunciada e seus empregados.
O Ministério Público do Trabalho emitiu despacho determinando o envio
de cópia dos autos ao gerente-geral da empresa Expresso Mercúrio S.A. (TNT
Mercúrio) no Brasil, em virtude de não ter observado qualquer indicação de
que os diretores da empresa compartilham com a conduta do gerente local. A
empresa ficou, portanto, notificada para apresentar defesa escrita e/ou as
medidas adotadas face ao contido no procedimento no prazo de 30 (trinta)
dias, sob pena de medidas e sanções previstas em lei. (fl. 54 do Procedimento
anexo).
A denunciada apresentou sua defesa (fls. 66/68 do Procedimento anexo),
discordando de todas as alegações feitas contra a empresa. No que diz respeito à relação contratual propriamente dita, concernente ao pagamento de
verbas remuneratórias “por fora”, afirmou que não efetua tal forma de pagamento, ao contrário do que diz a denunciante. O mesmo asseverou em relação
às horas extras, declarando que a denunciante realiza atividades externas,
as quais são incompatíveis com a fixação do horário de trabalho, não fazendo
jus, portanto, ao pagamento das horas extras.
Afirma que os empregados não são obrigados a trabalhar nos domingos
e feriados, tampouco a lavar banheiros, varrer e realizar atividades ligadas à
limpeza, visto que a empresa contrata mão de obra especializada para esse
tipo de serviço.
Em suma, a Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) rebate todas as
acusações feitas, inclusive no tocante ao gerente responsável pela filial da
empresa onde a denunciante trabalha. Sustenta que “a prova reunida pela
denunciante é por demais escassa para, diante dos fatos relatados, se concluir
que o Sr. Michael Deivison tenha efetivamente se conduzido de maneira agressiva ou ofensiva contra a mesma ou contra outros funcionários”.
Assim, pode-se concluir que a denunciada se posicionou de forma
contrária aos fatos narrados pelos depoentes, não demonstrando qualquer
interesse em averiguar a possível ocorrência do tratamento degradante
dispensado aos seus empregados.
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Ademais, pelo teor dos depoimentos prestados e pelo resultado da
fiscalização realizada na empresa ré, observa-se a existência de outras irregularidades, tais como o pagamento de valores salariais “por fora” e deixar
de conceder o intervalo interjornada legal (mínimo de 11 horas consecutivas
para descanso entre duas jornadas de trabalho) aos seus empregados.
A dignidade de cada trabalhador é um valor supremo, construído pela
razão jurídica, sendo ela intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de
todo poder público.
2 — Da competência material e funcional
Pretende o Ministério Público do Trabalho, com o ajuizamento da presente ação, tutelar direito difuso e coletivo relativamente ao direito constitucional
de todo trabalhador ter sua dignidade respeitada, e não sofrer abusos travestidos de regular exercício do poder hierárquico, quer pelo seu empregador,
quer por qualquer preposto seu, evitando-se que venha a ser discriminado
e/ou assediado moralmente por características físicas individuais.
A competência desta Justiça Especializada, para apreciar a presente
demanda, decorre do art. 114 da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I — as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de
direito público externo e da administração pública direta e indireta da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
(...)
IX — outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma
da lei.”
A competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da Ação Civil
Pública, ajuizada para defesa de interesses transindividuais de cunho laboral,
está explicitada também no art. 83, III, da Lei Complementar n. 75/93, que
dispõe:
“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das
seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:....
III — Promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho,
para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos
sociais constitucionalmente garantidos” (grifamos).
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Corrobora esse entendimento a lição do professor João Oreste Dalazen,
na sua obra Competência material trabalhista. São Paulo: LTr, 1994. p. 220:
“É irrefutável o cabimento da ação civil pública no direito processual do
trabalho em virtude de norma constitucional explícita (art. 129, inc. III),
e porque a LC n. 75/93, com todas as letras, legitima o Ministério Público
do Trabalho a promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do
Trabalho.”
E mais adiante (p. 231-2), o ilustre Ministro do Colendo Tribunal Superior
do Trabalho arremata:
“Percebe-se, pois, que o critério determinante da competência material
da Justiça do Trabalho para a ação civil pública não é a existência atual,
ou pretérita, da relação de emprego, tampouco emergir a lide entre os
respectivos sujeitos. Nisto reside a especificidade, ou o traço sui generis
de tal competência: não é ‘material’ a competência pela natureza e existência da relação jurídica em si, onde brota o litígio, mas pela natureza
da prestação ou do bem jurídico objeto de disputa, sempre referida ou
referível a um contrato de trabalho.”
No mesmo sentido, são os ensinamentos de Ives Gandra da Silva
Martins Filho, sem grifos no original:
“Tratando-se de defesa de interesses coletivos e difusos no âmbito das
relações laborais, a competência para apreciar a ação civil pública é da
Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114 da CF, que estabelece competir a esse ramo do Judiciário a apreciação não somente dos dissídios
individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, mas também
‘outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho’. Quanto à
competência funcional, a ação civil pública deve ser proposta na Junta
de Conciliação e Julgamento, tendo em vista a natureza de dissídio
individual, ainda que plúrimo, da ação. Não se trata de dissídio coletivo,
de competência dos Tribunais Regionais ou Superiores, pois, no caso
da ação civil pública não se busca o estabelecimento de novas normas
e condições de trabalho, mas o respeito às já existentes e que podem
estar sendo violadas.” (A ação civil pública trabalhista, Revista LTr 567/809-813).
A competência hierárquica, por sua vez, é definida pelo lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, em cuja Vara do Trabalho respectiva deve ser
ajuizada a ação civil pública, a teor do que dispõe o art. 2º da Lei n. 7.347/85,
textualmente transcrito:
“Art. 2º — As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local
onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para apreciar
e julgar a causa.”
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Na hipótese dos autos, a competência para apreciar o litígio é de uma
das MM. Varas do Trabalho de Natal/RN, onde funciona o estabelecimento
da ré, conforme se depreende da leitura do art. 93 da Lei n. 8.078/90, aplicável
à espécie por força do art. 21 da Lei n. 7.347/85, in verbis:
“Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente
para a causa a justiça local:
I — no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando
de âmbito local;”
A jurisprudência está sedimentada quanto à competência material e
funcional da Justiça do Trabalho, consoante demonstram os seguintes
arestos:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA — ESTAGIÁRIOS — DESVIO DE
FINALIDADE. A Ação Civil Pública é de natureza ordinária e individual,
pois envolve a aplicação da legislação vigente, o que implica dizer
que, como qualquer Ação Ordinária, o órgão competente para
apreciá-la originariamente é, em virtude do critério da hierarquia, a
Junta de Conciliação e Julgamento. (...)” (TST-ACP-154.931/94.8, Ac.
SBDI2-881/96, Min. Ronaldo Leal, DJU 29.11.96, p. 42434).
“MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEDIDA LIMINAR. CONTRIBUIÇÃO CONFEDERATIVA. 1. Mandado de segurança contra liminar
concedida em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do
Trabalho, mediante a qual se suspendeu a cobrança de contribuição
confederativa de associados e de não associados, instituída em
assembleia sindical. Alegação do Impetrante de que faleceria competência à Justiça do Trabalho para a ação civil pública. Acórdão regional
concessivo da segurança para cassar a liminar, sob o fundamento
de incompetência funcional do juízo de primeiro grau de jurisdição
para julgar a ação civil pública. 2. Irrecusável a competência da
Justiça do Trabalho para instruir e julgar a ação civil pública
‘trabalhista’, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, objetivando resguardar interesses difusos e interesses coletivos dos trabalhadores empregados. Exegese do art. 114, 2ª parte, da CF/88,
conjugado com a Lei Complementar n. 75/93 (art. 83, caput e inc.
III). 3. Transcende da competência funcional originária dos Tribunais
do Trabalho a ação civil pública ‘trabalhista’, constituindo causa
afeta à competência inicial das Varas do Trabalho, pois não guarda
identidade plena com o dissídio coletivo, nem é autorizado reconhecer-se dita competência mediante analogia. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal (STF RE 206220 — 1 — MG, Rel. Min.
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Marco Aurélio) e do Tribunal Superior do Trabalho. 4. Sindicato de
categoria profissional não é titular de direito líquido e certo à cassação
de liminar que suspende a cobrança de contribuição confe-derativa
atentatória ao direito de livre associação e sindicalização,
constitucionalmente assegurados, em manifesta contrariedade ao
Precedente Normativo n. 119 da SDC/TST. 5. Recurso ordinário do
Ministério Público a que se dá provimento para denegar a segurança,
restabelecendo a medida liminar em ação civil pública, que suspendeu
a exigibilidade da contribuição confederativa.” (TST-ROMS-458254/
1998, SDI-2, Ministro João Oreste Dalazen, DJU de 10.8.2001, p. 446).
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. SUPRESSÃO DE
PAGAMENTO DE GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL. CLÁUSULA DE
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. Segundo o art. 2º da Lei
n. 7347/85, a competência funcional para processar e julgar as ações
civis públicas é do juízo do local onde ocorreu o dano. A alteração
introduzida no art. 16 da mencionada Lei não cuidou de competência,
mas dos limites subjetivos da coisa julgada. E a competência é do
juiz de primeiro grau, pois não há como se cogitar de competência
presumida, ela sempre decorre da lei ou da Constituição. Declina-se
da competência deste Tribunal para a 28ª Vara do Trabalho de São
Paulo — SP.” (TST-ACP-548420/1999, SDI-2, Ministro José Luciano
de Castilho Pereira, DJU de 1º.6.2001, p. 472).
Nesse diapasão, resta patenteada a competência material da Justiça
do Trabalho e funcional de uma das Varas do Trabalho desta capital.
3 — Do cabimento da ação civil pública e da legitimidade do Ministério
Público do Trabalho
O Ministério Público do Trabalho ajuíza a presente ação em defesa da
ordem jurídica e dos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores, buscando,
também, a condenação da empresa ré no pagamento de uma indenização
pelo dano moral coletivo causado.
Dispõe o inciso III do art. 129 da Carta Magna ser função institucional
do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (grifamos).
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).
No mesmo sentido, preceitua a Lei da Ação Civil Pública, n. 7.347/85,
que rege as ações de responsabilidade por danos causados, entre outros, a
qualquer outro interesse difuso e coletivo (art. 1º, IV).
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De outro lado, a Lei Complementar n. 75/93, em seu art. 83, inciso III,
assim dispõe:
“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das
seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: ...
III — Promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho,
para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos
sociais constitucionalmente garantidos.”
Não resta dúvida, pois, que o Ministério Público do Trabalho tem
legitimidade para propor a ação civil pública, ante a expressa previsão legal.
Nesse ponto, a atitude da Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) em
tratar seus empregados de forma jocosa e humilhante, é genérica, vez que
tem como destinatária a coletividade de empregados que prestem ou
que venham prestar serviços à empresa. Os seus reflexos não permitem individualização, pois atingem não somente os atuais empregados, mas também
aqueles que, futuramente, venham a laborar nas dependências da ré, os quais
terão de submeter-se ao tal ambiente de trabalho, onde podem vir a receber
apelidos e sofrer ordens para prática de atos que, nitidamente, atentam contra
suas dignidades, constrangendo-os e ferindo de morte suas honras e
intimidades.
Com isso, o que se tenciona é demonstrar que o Ministério Público não
objetiva nesta ação defender interesses ou direitos individuais, mas sim de
um grupo de trabalhadores coletivamente considerados. Além disso, o procedimento da ré ofende a ordem jurídica, pois tem como resultado uma prática
discriminatória injustificável, o que determina a atuação do Ministério Público,
que não pode nem deve ficar inerte diante do abuso de direito perpetrado
pela empresa ré. Inegável, ainda, que o interesse ora defendido assume,
também, o caráter difuso, na medida em que inclui todos os trabalhadores
que poderão vir a ser admitidos na empresa, indetermináveis, portanto, além
do que a obediência à Constituição é desejada pelos cidadãos brasileiros.
Indiscutível, portanto, a legitimidade do Ministério Público do Trabalho,
sendo a ação civil pública adequada para tutelar o direito vindicado.
4 — Do direito
4.1 — Pagamento “por fora”
O salário, elemento essencial do contrato de trabalho, encontra em sua
natureza alimentar, de subsistência, característica social relevante, inspiradora
da proteção constitucional que lhe é conferida.
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Observa-se, nesse passo, que o sistema jurídico pátrio inseriu a proteção
ao salário como direito fundamental, prevendo a Constituição Federal garantia
neste sentido, inclusive erigindo à condição de delito a sua retenção dolosa
(CF, art. 7º, X).
A Consolidação das Leis do Trabalho traçou o sistema de amparo ao
salário (arts. 457/467), tendo-se em evidência, nas palavras de Mozart Victor
Russomano, que a “natureza alimentar do salário obrigou o legislador de todas
as nações modernas à adoção de normas amplas para sua proteção” (In:
Curso de direito do trabalho. 5. ed. Curitiba: Juruá, 1995. p. 331).
Assim dispõe o art. 457 da CLT:
“Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos
os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
§ 1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como
também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias
para viagens e abonos pagos pelo empregador.”
Os empregados da empresa ré recebem valores que não constam na
CTPS. Trata-se do chamado valor “por fora”. Assim, o que deveria constar
na carteira e da ficha de registro dos empregados é, na verdade, ofertado
como extra, a título evidente de camuflar a real remuneração paga.
A existência de tal forma de pagamento revela a má-fé, diante das próprias circunstâncias e características de execução, no mais das vezes não
deixa provas documentais de sua existência — fato coerente, aliás, com o
caráter camuflado da conduta empregadora, daí que não se mostra razoável
exigir-se provas outras além da testemunhal, e, através do aceite da prova
testemunhal, tem-se por cumprida a exigência que cabe ao autor no tocante
ao art. 818, CLT.
A satisfação salarial deve ser realizada mediante apresentação de recibo,
o que não foi verificado no presente caso, de acordo com os depoimentos
prestados. Observe-se o que afirma o art. 464, caput, da CLT:
“Art. 464. O pagamento do salário deverá ser efetuado contra recibo,
assinado pelo empregado; em se tratando de analfabeto, mediante sua
impressão digital, ou, não sendo esta possível, a seu rogo.”
4.2 — Intervalo interjornada
A concessão de intervalo interjornada em período inferior a 11 (onze)
horas fere o preceito do art. 66 da CLT, o qual dispõe:
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“Art. 66. Entre duas jornadas de trabalho haverá um período mínimo de
11 horas consecutivas para descanso.”
Comprovou-se a inobservância do referido intervalo legal por meio da
fiscalização realizada pela Superintendência Regional do Trabalho no Rio
Grande do Norte. A empresa fiscalizada recebeu o auto de infração n.
018308074, baseado no livro de registro de ponto, onde foi verificado que a
empresa deixou de conceder a alguns de seus empregados o intervalo mínimo
de 11 horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho.
Tal prática merece severa repressão, pois coloca o empregado em
situação de risco, em face do excesso de labor sem descanso.
4.3 — Assédio moral
A Constituição da República consagra, no rol dos Direitos e Garantias
Fundamentais (Título II), que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, inciso X), bem como
estabelece, dentre os Direitos Sociais (Capítulo II), a redução dos riscos inerentes
ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. No mesmo
sentido do que dispõe a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem,
ou seja, que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os
outros em espírito de fraternidade” (art. 1º); e que “Ninguém sofrerá intromissões
arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio e na sua
correspondência, ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões
ou ataques toda pessoa tem direito à proteção da lei” (art. 12).
Nem mesmo em períodos de exceção, como o vivido na ditadura militar
(pós-64), os cidadãos são privados de suas dignidades. O tratamento do ser
humano de forma digna não pode ser coarctado, sobretudo por atitudes ilegais
e imorais, de inegável caráter discriminatório e persecutório.
Não podem encontrar guarida no Judiciário práticas dessa natureza,
ainda que efetivadas sob o pálio do princípio da livre-iniciativa, pois, se
hierarquia existe entre os princípios gerais da Atividade Econômica, no topo
dessa ordem está o da valorização do trabalho humano, disposto em primeiro
plano no art. 170 da CF/88, com o fito de “assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social” (art. 170 CF/88, in fine).
Por outro lado, tem-se que o Constituinte de 88 elegeu como objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação (art. 3º, IV), para, logo em seguida, dispor que “a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art.
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5º, XLI), no mesmo sentido do que dispõe a própria Declaração Universal dos
Direitos do Homem, ou seja, que: “Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem
agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (art. 1º); “Todos são
iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito à igual proteção da lei. Todos
têm direito à proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação” (art. 7º); e que
“Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família,
no seu domicílio e na sua correspondência,ataques à sua honra e reputação.
Contra tais intromissões ou ataques toda pessoa tem direito à proteção da
lei” (art. 12).
Diante disso, não há como fazer parecer moral e legal a conduta da
Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio), em tratar seus empregados de forma
humilhante e discriminatória, apelidando-os e fazendo-os passar por toda sorte
de constrangimentos, com propósitos evidentes de perseguição, agressivo à
garantia de respeito à dignidade do trabalhador, o que é fácil de ser comprovado
nas atas de audiência ocorridas neste MPT, onde foram tomados os depoimentos da denunciante e de funcionários e ex-funcionários que sofreram e
presenciaram ditas humilhações, transcritas alhures, quando do relato dos
fatos.
A conduta fere, ainda, o princípio da igualdade, consagrado no caput
do art. 5º da Constituição, segundo o qual “todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza ...”
A situação enquadra-se perfeitamente no denominado assédio moral,
ou mobbing, como denominado por vários estudiosos do assunto (dentre os
quais se destacam Heinz Leymann e Marie-France Hirigoyen), configurando-se como o terror psicológico imputado pelo empregador a seus empregados,
que são ameaçados com punições humilhantes, estando, constantemente,
sob forte pressão psicológica. É um comportamento opressivo, malicioso,
intimidatório ou insultuoso, desenvolvido de forma persistente no local de trabalho que provoca no seu interior medos ou humilhações, minando a autoconfiança da pessoa e marginalizando-a na comunidade laboral.
Com isso, para o obreiro, que deveria ter no seu trabalho não apenas
seu sustento e de sua família, mas, também, uma satisfação pessoal, incluindo-o na sociedade em que vive e o fazendo sentir-se útil e necessário a uma
atividade econômica, torna o labor um fardo pesado e psicologicamente desgastante, sujeitando-o, assim, ante seu estresse cotidiano, a danos emocionais
e doenças psicossomáticas, como alterações do sono, distúrbios alimentares,
diminuição da libido, aumento da pressão arterial, desânimo, insegurança,
entre outros, podendo acarretar quadros de pânico e de depressão, o que
redundaria, em casos mais graves, em morte e suicídio.
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Sobre o conceito de assédio moral, Marie-France Hirigoyen, citada por
Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins(1), assim dispôs:
“Por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e
qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamento, palavras, gestos, escritos, que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa,
pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.”
Aliás, referindo-se ao Assédio Moral, assim se manifestou Sebastião
Vieira Caixeta(2):
“Essa guerra psicológica no local de trabalho agrega dois fenômenos: o
abuso de poder e a manipulação perversa de fatos e informações. Caracteriza-se por humilhações constantes, exposição do trabalhador ao
ridículo, supervisão excessiva, críticas cegas, empobrecimento de
tarefas, sonegação de informações, repetidas perseguições. Deteriora,
sensivelmente, o meio ambiente do trabalho, com diminuição de produtividade e incremento de acidentes.”
E finaliza o autor, afirmando:
“A tutela do trabalhador se entrelaça com sua essência e dignidade
humana. Jamais a subordinação jurídica pode ser interpretada como
menosprezo do empregado ou consentimento para impor-lhe humilhações e constrangimentos.”
Assim, a conduta da empresa é marcada pela abusividade e discriminação, vulnerando os arts. 3º, inciso I, e 5º, X, da Constituição Federal, além
do art. 1º da Lei n. 9.029/95, analogicamente.
A Carta Magna, como é sabido, aponta que a República Federativa do
Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos,
dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais
do trabalho, nos termos do art. 1º, incisos II, III e IV, 1ª parte, não se podendo
falar, portanto, em direito de prejudicar alguém com atitudes dessa estirpe.
Ao expor seus empregados a situações vexatórias e humilhantes, a
Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) retira destes a dignidade como pessoa
humana e paz de espírito, instala nos mesmos o receio, o medo, o pavor do
desemprego e da falta de seus salários, e do risco de sua própria sobrevivência,
(1) Dano moral — múltiplos aspectos nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p.
83/84.
(2) Procurador do Trabalho, Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do
Trabalho. Artigo localizado no site: <http://www.anpt.org.br>.
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fere de morte as regras humanitárias, e atinge o valor social que o trabalho
tem. É o que Arion Sayão Romita(3) chama de conteúdo ético do trabalho, que
foi maltratado e esquecido com essa prática:
“A Constituição Federal aponta o primado do trabalho como base da
ordem social (art. 193). Os valores sociais do trabalho, ao lado
da dignidade da pessoa humana, representam um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito em que se constitui o Brasil (CF, art. 1º,
III e IV). A ordem econômica tem por fundamento a valorização do
trabalho humano e por fim assegurar a todos existência digna, conforme
aos ditames da justiça social (CF, art. 170). A Carta Magna realça,
portanto, o conteúdo ético do trabalho humano. Ela não se limita a garantir o mínimo que assegura ao trabalhador benefícios de ordem
material (art. 7º). De sua sistemática, depreende-se que os chamados
direitos personalíssimos, subjetivos e imateriais (honra, decoro pessoal,
boa fama etc.) devem também dispor de proteção na área trabalhista.”
Cabe ser ressaltado, também, o caminho que vem seguindo a jurisprudência, conforme bem exemplificam as seguintes ementas, nas quais é
perfeitamente enquadrado o caso em comento:
“ASSÉDIO MORAL. Dispensar o empregado é direito potestativo do empregador. Não se admite, porém, que lance mão habitualmente da
ameaça da utilização desse direito para pressionar o empregado, visando
ao aumento de produção. Ao assim agir, inclusive submetendo o empregado a comentários humilhantes e vexatórios sobre sua produção e
capacidade, configura-se o assédio moral, passível de indenização, pois
afeta diretamente a dignidade do trabalhador e a sua integridade psíquica
e até física, violando princípio fundamental da Constituição da República.”
(art. 1º, III da CF). (TRT 3ª Reg. RO 00021-2004-097-03-00-0 — Ac. 8ª
T. Relª Juíza Denise Alves Horta. DJMG 27.7.2004, p. 14. Citado por
Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins, Op. cit., p. 96)
“ASSÉDIO MORAL — INDENIZAÇÃO — O assédio moral no ambiente
de trabalho caracteriza-se, genericamente, pela prática sistemática e
reiterada de atos hostis e abusivos por parte do empregador, ou de
preposto seu, em face de um determinado trabalhador, com o objetivo
específico de atingir sua integridade e dignidade física e/ou psicológica,
degradando as condições de trabalho, de molde a comprometer o
desenvolvimento da atividade laboral. Tal espécie de conduta inegavelmente traduz dano ao patrimônio moral do trabalhador, mostrando-se
apto a dar ensejo à indenização por parte do empregador.” Ementa da
(3) Os direitos sociais na Constituição e outros estudos. São Paulo: LTr, 1991. p. 137.
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lavra do Juiz Relator. (TRT 10ª R. — RO 00827-2007-010-10-00-0 — 1ª
T. — Rel. Juiz André R. P. V. Damasceno — J. 11.6.2008)
Diante disso, deve a Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) ser punida
e compelida a mudar sua conduta para com seus empregados, vez que está
na contramão dos recentes movimentos sociais que visam, sempre mais, à
democratização das sociedades, em que as reivindicações das pessoas
passam a ter lugar importante na cultura política dos países industrializados.
5 — Do dano moral coletivo
A conduta da empresa, seja por ação ou omissão, produziu, além
de danos patrimoniais de natureza individual, dano moral na coletividade de
empregados e na sociedade, que reclama reparação em dimensão difusa e
coletiva, com indenização revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador —
FAT.
Os fatos demonstrados violam vários dispositivos constitucionais que
tutelam direitos de subsistência humana de espectro físico, psicológico e social. A ré, além de obstar direitos básicos como a busca da satisfação pessoal
e autoestima através do exercício do labor, feriu a dignidade humana dos
trabalhadores, não podendo disso deixar de ser, pesadamente e exemplarmente, punida.
A possibilidade de condenação em danos morais coletivos encontra-se
em consonância com o movimento mais recente do Direito, no sentido de sua
coletivização ou socialização. Trata-se de uma nova concepção do fenômeno
jurídico e de seu alcance, oposta à visão individualista até então prevalecente, fruto de uma concepção liberal do Estado e de suas relações com os indivíduos. Assim, vemos a Constituição da República consagrando a coletivização
dos direitos ao prever instrumentos como o mandado de segurança coletivo,
a ação popular etc.; e o surgimento de diplomas como o Código de Defesa do
Consumidor.
É dentro deste contexto que surge a noção de dano moral coletivo. Até
então, todas as considerações sobre o dano moral se referiam ao indivíduo.
Contudo, é de indagar-se: Se o indivíduo pode padecer um dano moral, porque
a coletividade não o pode? E como bem delineado por Carlos Alberto Bittar
Filho(4):
“... o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada
comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo
(4) Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. In: Revista Direito do
Consumidor, n. 12, out./dez. 1994.
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de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se
fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi agredido de
uma maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico...
Como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há
que se cogitar de prova de culpa, devendo-se responsabilizar o agente
pelo simples fato da violação...”.
O autor aponta, ainda, a necessidade de fortalecimento, no direito
brasileiro, do espírito coletivo, afirmando que a ação civil pública, neste
particular, atua como “poderoso instrumento de superação do individualismo
(...)”.
O dano moral coletivo, portanto, desponta como sendo a violação em
dimensão transindividual dos direitos da personalidade. Se o particular sofre
uma dor psíquica ou passa por uma situação vexatória, a coletividade, vítima
de dano moral, sofre de desapreço, descrença em relação ao poder público e
à ordem jurídica. Padece a coletividade de intranquilidade, insegurança.
Assim, acompanhando uma visão mais social do direito, a doutrina e a
jurisprudência já se mostram sensíveis à questão do dano moral coletivo, como
demonstra o trecho de acórdão abaixo transcrito:
“EMENTA — DANO MORAL. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
O senso comum indica má-fé e intenção de obter vantagem ilícita às
custas de quem lhe prestou serviços, quando flagrados em poder da
empresa ré documentos assinados em branco, entre eles recibos de
salário mensal e termos de rescisão contratual, restando caracterizado
o dano moral, difuso ou coletivo, a que se refere a Lei n. 7.346/85.
Penso, pois, que o ato praticado pela recorrida não decorreu da
ingenuidade de um administrador de pessoal ou do inocente propósito
do empregador organizar-se melhor. O senso comum está a indicar má-fé e intenção de obter vantagem ilícita às custas de quem lhe prestou
serviços. Se assim não fosse, por que os termos de rescisão de contrato
assinados em branco?
O dano moral, difuso ou coletivo, a que se refere a Lei n. 7.347/85, está
perfeitamente caracterizado nos presentes autos, sendo perfeitamente
aplicável a referida norma, o que impõe o acolhimento do pedido de
aplicação da multa sugerida pelo Ministério Público do Trabalho.
(...)
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Acordam os Juízes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da
12ª Região, por unanimidade de votos, conhecer do recurso. No mérito,
por maioria de votos, vencidos os Exmos. Juiz Revisor e Roberto Luiz
Guglielmetto, dar-lhe provimento para acrescer à condenação o pagamento de indenização, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador,
equivalente a 3.000,00 (três mil) UFIRs.” (TRT — SC- RO 931/98 —
Rel: Juiz Gilmar Cavalheri — julgado em 22.9.98).
A decisão acima espelha a evolução da teoria do dano moral. Se nas
ações individuais, a indenização por danos morais atendia a dupla função:
caráter compensatório com relação à vítima e caráter punitivo com relação
ao ofensor; no dano moral coletivo, exsurge mais um aspecto, qual seja, a
função preventivo-pedagógica. Nesse sentido, o dever da ré de indenizar o
dano moral coletivo terá, além da função reparadora, a função educadora.
Conforme João Carlos Teixeira, em seu Dano Moral Coletivo na Relação
de Emprego(5), sem grifos no original:
“Nota-se, pois, que a doutrina e a jurisprudência vêm evoluindo na
aplicação da teoria da responsabilidade civil em matéria de dano moral,
especialmente em ações coletivas, em que a reparação, com caráter
preventivo-pedagógico e punitivo, é devida pelo simples fato da efetiva
violação de interesses metaindividuais socialmente relevantes e juridicamente protegidos, como é o caso de serviço de transporte coletivo,
de grande relevância pública, eis que explorado por empresa privada,
mediante contrato de concessão, pelo qual está obrigada a prestar um
serviço satisfatório e com segurança, o que não foi cumprido pela
empresa. Tal atitude negligente causou transtorno e tumulto para o
público usuário, configurando o dano moral coletivo puro, perceptível
pelo senso comum, porque diz respeito à natureza humana, dispensando-se a prova (damnun in re ipsa). Repara-se o dano moral coletivo
puro, independentemente de caracterização efetiva, em nível individual,
de dano material ou moral. O conceito do valor coletivo, da moral coletiva
é independente, autônomo, e, portanto, se desatrela da moral individual.”
Ressalte-se, também, o esclarecedor posicionamento de Xisto Tiago de
Medeiros Neto, em “Dano moral coletivo: fundamentos e características”, artigo
publicado na Revista do MPT, ano XII, set. 2002. p. 77/113, que assim dispôs:
“A efervescência de novos interesses e a correlata visualização de
inéditos e graves conflitos sociais (pela proporção e efeitos), tudo isso,
inequivocamente, fez nascer novas configurações de danos injustos,
cuja proteção jurídica aos lesados (pessoas ou coletividades),
(5) In: Temas polêmicos de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 129.
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objetivando a sua reparação, é garantida por força da vocação expansiva
da teoria da responsabilidade civil.” (grifos no original).
Da mesma forma ocorreu na hipótese dos autos, em que a ré, solenemente, desprezou a legislação social e adotou conduta incompatível com a
consciência coletiva, que reclama respeito à dignidade da pessoa humana e
aos valores sociais do trabalho. Ofendida em princípio que lhe é caro, a
sociedade repudia o desrespeitoso comportamento e clama pela reparação
devida.
Atitudes como a da demandada colaboram para a formação e proliferação de abusos hierárquicos contra o hipossuficiente, que têm o poder de
causar tumultos psicológicos aos empregados que são obrigados a aceitar
tratamentos humilhantes e indiferentes à dignidade constitucionalmente
garantida.
Não se alegue a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar
pedido de dano moral, questão já pacificada no Supremo Tribunal Federal,
que se manifestou no sentido de que “compete à Justiça do Trabalho o julgamento de ação por indenização, por danos materiais e morais, movida pelo
empregado contra seu empregador, fundado em ato decorrente da relação
de trabalho (CF, art. 114), nada importando que o dissídio venha a ser resolvido
com base nas normas de Direito Civil”. (STF-CJ-6959-6-DF, Min. Sepúlveda
Pertence, RTJ 134/96).
Se a lesão é intentada contra a pessoa, o indivíduo, nesta qualidade, a
competência para apreciação do pedido de dano moral é, inquestionavelmente,
da Justiça Comum. Entretanto, se o dano é praticado contra a pessoa, enquanto empregado, sendo, portanto, decorrente do contrato de trabalho, a competência é da Justiça Especializada.
No dizer de Jorge Pinheiro Castelo(6):
“O Direito Civil e a Justiça Comum não têm condições de apreciar o
dano moral trabalhista, visto que inadequados a dar conta e compreender
a estrutura da relação jurídica trabalhista, bem como um dano moral
que é agravado pelo estado de subordinação de uma das partes, já
que estruturados na concepção da igualdade das partes na relação
jurídica. O dano moral trabalhista tem como característica uma situação
que o distingue absolutamente do dano moral civil, e que inclusive o
agrava, qual seja, uma das partes encontra-se em estado de subordinação.”
Revela-se a ação civil pública o meio adequado para buscar-se a
reparação desses danos causados à coletividade. Com efeito, estabelece o
(6) Dano moral trabalhista. Competência. In: Trabalho & Doutrina, n. 10, 1996, p. 39.
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art. 129, inciso III, da Constituição Federal, que dentre as funções do Ministério
Público está a de: “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. (grifamos)
Nesse mister, esclarece Hugo Nigro Mazzilli(7) que, com a edição do
Código de Defesa do Consumidor, ampliou-se o campo de abrangência da
Lei n. 7.347/85, pois “seus arts. 83, 110 e 117 permitiram, às expressas, a
defesa de qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por meio da ação civil
pública”.
E acrescenta o autor:
“Atualmente inexiste, portanto, sistema de taxatividade para a defesa
de interesses difusos e coletivos. Além das hipóteses já expressamente
previstas em lei para tutela judicial desses interesses (defesa do meio
ambiente, do consumidor, do patrimônio cultural, das crianças e adolescentes, das pessoas portadoras de deficiência, dos investidores lesados
no mercado de valores mobiliários, de interesses ligados à defesa da
ordem econômica) — qualquer outro interesse difuso ou coletivo pode
ser defendido em juízo, seja pelo Ministério Público, seja pelos demais
legitimados do art. 5º da Lei n. 7.347/85 e do art. 82 do Código do
Consumidor.” (grifos nossos).
Portanto, com a presente ação, busca-se a condenação em obrigação
de fazer e de não fazer, bem como o pagamento pela ré de indenização pelo
dano genérico, prevista no art. 13 da Lei n. 7.347/85.
No caso em tela, como já evidenciado, verifica-se a ocorrência de um
dano moral geral, causado a toda a coletividade. Trata-se de um prejuízo moral
potencial de que foi alvo toda a coletividade de trabalhadores da ré, assim
como a própria sociedade, na medida em que violados os Direitos e Garantias
Fundamentais, conforme demonstrado acima. Configura-se, portanto, a lesão
não só a interesses coletivos, como também a interesses difusos.
Destaque-se, ainda, que esse dano, desferido potencialmente a um
universo de pessoas que é impossível de se determinar, tanto a priori, como
a posteriori, deve ser reparado incontinenti, não se confundindo, em absoluto,
com as eventuais reparações individuais que venham a ser impostas aos réus.
Saliente-se, assim, que o montante pecuniário relativo à indenização
genérica aqui mencionada não será, jamais, deduzido de condenações judiciais
que se venham imputar, por idênticos fatos, aos réus a título de reparação
pelo dano individualmente sofrido. De igual forma, a indenização genérica não
quita, sequer parcialmente, prejuízos individuais.
(7) A defesa dos interesses difusos em juízo. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
1997. p. 153/154.
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Justifica-se a reparação genérica, não só pela transgressão ao
Ordenamento Constitucional vigente, com a qual a sociedade não se compadece, mas também pelo caráter pedagógico da sanção indenizatória, além
de permitir, ao menos de forma indireta, o restabelecimento da legalidade pela
certeza de punição do ato ilícito.
Aliás, a reparação do dano genérico está prevista no art. 13 da Lei n.
7.347/85, que possibilita a reversão da indenização a um fundo destinado a
favorecer os bens jurídicos lesados. Assim determina o citado artigo:
“Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano
causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por
Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério
Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.”
A propósito, calha a lição de Antônio Augusto Melo de Camargo, Édis
Milaré e Nelson Nery Junior(8), a qual transcrevemos a seguir:
“Uma solução inovadora exigia também o problema da destinação da
indenização: como o bem lesado é coletivo, como os interesses desrespeitados são difusos, seria tarefa impossível distribuir a indenização por
todos os prejudicados (muitas vezes toda a coletividade).
Titular do direito à indenização não pode ser também o Estado-Administração, que muitas vezes é o causador direto do dano e que sempre
será indiretamente responsável por ele.
(...)
A alternativa que nos parece eficaz é a da criação de um fundo, constituído pela soma das indenizações que venham a ser fixadas e que
deverá ser aplicado para a recomposição dos estragos perpetrados
contra os bens de uso coletivo.” (grifamos)
Observe-se que atualmente se vem flexibilizando a ideia de “reconstituição dos bens lesados”, referida na parte final do art. 13, para se considerar
como objetivo da indenização e do fundo não somente a reparação daquele
bem específico lesado, mas de bens a ele relacionados.
No caso em tela, em que a lesão decorreu da relação de trabalho, a
indenização deverá ser revertida ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador),
(8) A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 81 e 82.
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de sorte a beneficiar, ainda que indiretamente, a classe operária, a qual fora
atingida pela conduta ilícita. Com essa indenização, o referido Fundo terá mais
recursos para proporcionar benefícios aos obreiros, em contrapartida pelos
danos sofridos.
Nesse sentido se posiciona Hugo Nigro Mazzilli (9) ao comentar o objetivo
do fundo a que se refere o art. 13 da Lei da Ação Civil Pública, a cuja lição
nos reportamos:
“O objetivo inicial do fundo era gerir recursos para a reconstituição dos
bens lesados. Sua destinação foi ampliada: pode hoje ser usado para a
recuperação dos bens, promoção de eventos educativos e científicos,
edição de material informativo relacionado com a lesão e modernização
administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução da
política relacionada com a defesa do interesse desenvolvido.
(...)
A doutrina se refere ao fundo de reparação de interesses difusos como
fluid recovery, ou seja, alude ao fato de que deve ser usado com certa
flexibilidade, para uma reconstituição que não precisa ser exatamente
à da reparação do mesmo bem lesado. O que não se pode é usar o
produto do fundo em contrariedade com sua destinação legal, como
para custear perícias.
Há bens lesados que são irrecuperáveis, impossíveis de serem reconstituídos: uma obra de arte totalmente destruída; uma maravilha da
natureza, como Sete Quedas ou Guaíra, para sempre perdida; os últimos
espécimes de uma raça animal em extinção ... Casos há em que a
reparação do dano é impossível. É comovente o provérbio chinês que
lembra poder uma criança matar um escaravelho, mas não poderem
todos os sábios recriá-lo...
Ao criar-se um fundo fluído, enfrentou-se o problema de maneira
razoável. Mesmo nas hipóteses acima exemplificadas, sobrevindo condenação, o dinheiro obtido será usado em finalidade compatível com sua
causa. Assim, no primeiro exemplo, poderá ser utilizado para reconstituição, manutenção ou conservação de outras obras de arte, ou para
conservação de museus ou lugares onde elas se encontrem...”
(grifamos).
(9) A defesa dos interesses difusos em juízo. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
1997. p. 153 e 154.
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Pelo exposto, requer-se a condenação da ré ao pagamento de
indenização pelo dano moral coletivo, cujo valor deverá ser revertido ao Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A jurisprudência vem apresentando a sua tendência, irreversível, na
aceitação e aplicação do dano moral coletivo, conforme decisões trazidas
abaixo:
“Uma das questões que mais causa perplexidade ao julgador é
exatamente a fixação da indenização por danos morais, com certeza
por causa da subjetividade deste, de natureza imensurável. Por esta
razão, deve obedecer a alguns parâmetros. Primeiro, deve ser considerado o bem da vida atingido ... Segundo, deve ser observado o grau
de culpa ou dolo do agente ... Terceiro, é imprescindível a verificação
da capacidade econômica e financeira tanto do lesado quanto do
devedor da indenização ... Quarto, é fundamental levar-se em conta o
caráter punitivo e inibidor da indenização por danos morais. O valor
da violação de direitos que geram danos morais não é materialmente
medido, porém sabe-se que esses bens da vida são de tal importância
que não é possível sua alienação, devendo esta indenização ter caráter
de pena e retração. Julgo procedente o pedido para declarar que todos
os consumidores que tenham sofrido danos materiais e morais, em razão
do fato do desabamento do Edifício Palace II, têm direito a serem
indenizados integralmente (...).” (Processo n. 11.040/98, 4ª Vara de
Falências e Concordatas, Rio de Janeiro — RJ, Juíza de Direito Márcia
C.S. A. de Carvalho, 31.8.98. In: Revista de Direito do Consumidor, n.
29, jan;/mar. 1999. p. 139-148 e 187-199). (grifos nossos)
“Destarte, inafastável o dever do réu de indenizar o dano moral coletivo
experimentado, que terá a função reparadora e, principalmente,
educadora. Nesse passo, urge estabelecer os critérios para fixar o
quantum indenizatório: capacidade e qualidade da ré; reparação pelos
danos causados e punição para que, doravante, situações semelhantes não ocorram. Posto isso, julgo procedente o pedido inicial para
condenar a ré a pagar, a título de dano moral coletivo (...)” (Processo n.
99.001.021584-1 2' Vara de Falências e Concordatas, Rio de Janeiro
— RJ, Juiz de Direito Luís Felipe Salomão, 5.10.99. In: Dano moral
coletivo na relação de emprego. TEIXEIRA, João Carlos. Op. cit., p. 128-129). (grifos nossos)
“Dano Moral Coletivo. A ocorrência de violação ao direito de intimidade
dos empregados configura dano moral coletivo e impõe sua correspondente reparação. Ademais, a filmagem dos trabalhadores durante
o período de trabalho, efetivou-se de forma sigilosa, sem ciência dos
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empregados, configurando agressão ao grupo, prática que afeta
negativamente o sentimento coletivo, lesão imaterial que atinge parte
da categoria. Inteligência do art. 5º, X, da Carta Magna.” (TRT-5º Região
(BA), Recurso ordinário n. 01.16.00.2105-50, Ac. 5º Turma, n. 4.832/02,
Relatora Juíza Maria Lisboa, 02.04.02). (grifos nossos)
6 — Da antecipação dos efeitos da tutela
A ação civil pública “poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou
o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” (Lei n. 7.347/85, art. 3º),
possibilitando o art. 4º do mesmo Diploma Legal o ajuizamento de ação cautelar
para os fins dessa Lei.
Por sua vez, o art. 11 da Lei em referência tem o seguinte teor:
“Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o Juiz determinará o cumprimento da prestação da
atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de
execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.”
Mais adiante, o art. 12, caput, da Lei n. 7.347/85 autoriza o provimento
liminar de antecipação dos efeitos da tutela, in verbis:
“Art. 12. Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.”
Assim, o legislador, sem primar pela técnica, autorizou a antecipação
dos efeitos da tutela pretendida na ação civil pública, nos moldes de norma
processual que foi, posteriormente, introduzida no Código de Processo Civil,
art. 461.
Esse é o entendimento agasalhado pela melhor doutrina(10):
“O mandado liminar de que fala a Lei n. 7.347/85, art. 12, diverso dos
seus arts. 4º e 5º, está mais próximo da antecipação da tutela específica
de que fala o art. 461 do CPC, com a nova redação dada pela Lei n.
8.952/94, muito embora possa confundir-se com a cautelar incidente. O
legislador, em sede de ação civil pública, concebeu a cautelar satisfativa,
autorizando que fosse adiantado o próprio meritum causae, total ou
parcialmente.” (grifos nossos)
(10) OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Ação civil pública — enfoques trabalhistas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, p. 198.
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No mesmo sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite(11), in verbis:
“Trata-se (o art. 12 da Lei n. 7.347/85), a nosso ver, de liminar de natureza
satisfativa, antecipatória da tutela definitiva.”
Posteriormente, o art. 461 do CPC, modificado pela Lei n. 8.952/94,
passou a permitir, genericamente, a antecipação dos efeitos da tutela específica de obrigação de fazer ou não fazer, dispondo o seu § 3º:
“Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu.”
Ora, no caso dos autos, a relevância do fundamento e a plausibilidade
do direito restam evidentes, havendo, outrossim, o fundado receio de ineficácia
do provimento final, porquanto a situação aferida nos autos do Procedimento
Preparatório de Inquérito Civil Público demonstra a sonegação aos trabalhadores de direitos básicos, tais como respeito a sua dignidade, como seres
humanos que são.
Então, em relação aos requisitos da medida de antecipação da tutela,
restam mais do que verificados.
A prova inequívoca é encontrada nos depoimentos prestados pelos trabalhadores e ex-trabalhadores da empresa, os quais alegam, de forma reiterada,
as humilhações e constrangimentos a que são ou foram submetidos pela
empresa ré, na pessoa do seu gerente.
A relevância do fundamento da demanda tem-se na repercussão social
que causa a conduta da ré, acarretando na vulneração a diversos dispositivos
legais, inclusive constitucionais.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é indiscutível, eis que se a empresa continuar destratando empregados, da forma como
vem procedendo, poderá causar-lhes prejuízos psicológicos, com danos emocionais e doenças psicossomáticas, como alterações do sono, distúrbios
alimentares, diminuição da libido, aumento da pressão arterial, desânimo,
insegurança, entre outros, podendo acarretar quadros de pânico e de depressão, podendo levar até à morte ou ao suicídio do trabalhador exageradamente
cobrado, o que deve ser repelido com veemência e rapidez.
Por outro lado, a medida não é irreversível, podendo ser revogada ou
modificada a qualquer tempo.
As mais recentes decisões do egrégio Tribunal Superior do Trabalho
evidenciam a conveniência, a oportunidade e a legalidade da concessão da
(11) Ministério Público do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 140.
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tutela antecipada, quando o Ministério Público do Trabalho ajuíza ação civil
pública calcada em provas previamente colhidas no processo administrativo
instaurado no âmbito da Procuradoria, consoante se depreende da seguinte
ementa reproduzida fielmente:
“MANDADO DE SEGURANÇA — LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA
— LEGALIDADE.
1. Não fere direito líquido e certo a concessão de liminar em ação civil
pública sustando a intermediação fraudulenta de mão de obra por
cooperativa, quando conta com sólido respaldo fático e jurídico.
2. In casu, a ação civil pública foi lastreada em minucioso procedimento
investigatório levado a cabo pelo Ministério Público, com ampla dilação
probatória, em que os próprios prepostos da empresa e cooperativa investigadas reconheceram que a cooperativa só prestava serviços para
essa empresa de calçados, com os cooperados laborando na atividade-fim da empresa, com seu maquinário e matéria-prima por ela fornecida, submetidos a metas produtivas impostas pela empresa. Assim,
além desse respaldo fático, a liminar deferida gozava do suporte jurídico da autorização do art. 12 da Lei n. 7.347/85 e da existência de norma jurídica malferida pelas Reclamadas, qual seja, o art. 4º da Lei n.
5.764/71, que estabelece os princípios norteadores das cooperativas,
desvirtuados pela camuflagem da nítida relação de emprego existente
entre cooperados e a empresa na qual efetivamente laboravam.
3. Convém destacar que a disciplina das liminares e da tutela antecipada em sede de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do
Trabalho em defesa de interesses coletivos é distinta dos processos
meramente individuais, pois dispondo o Ministério Público de amplo poder investigatório, instrui a ação civil pública com os autos do inquérito
civil público nos quais se oferece ampla possibilidade de defesa, justificação e composição com os inquiridos, não havendo que se falar em
ausência do contraditório.
4. Ademais, a liminar e a tutela antecipada são o veículo oportuno para
se dar celeridade à prestação jurisdicional nas ações de caráter coletivo,
quando patente o descumprimento do ordenamento jurídico trabalhista
e urgente a correção da ilegalidade, pelos efeitos danosos que provoca
na sociedade. Recurso ordinário provido.” (TST-ROMS-647470/2000,
SDI-2, Min. Ives Gandra Martins Filho, DJU de 24.8.2001, p. 736. No
mesmo sentido: TST-ROMS-746061/2001, SDI-2, Min. Ives Gandra
Martins Filho, DJU de 10.8.2001, p. 444).
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Plenamente justificada, assim, a antecipação dos efeitos da tutela, nos
termos do art. 12 da Lei n. 7.347/85 c/c o art. 461 do CPC.
No tocante ao quantum da parcela indenizatória, deve ser verificado
que o bem atingido diz respeito à cidadania do trabalhador, ao direito a sua
dignidade como pessoa humana, e ao valor social do trabalho, com impacto
direto na sobrevivência do mesmo, quando em risco está o seu salário, o seu
sustento e o de sua família.
Em segundo lugar, observa-se o grau de culpa ou de dolo do agente,
que no caso da Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) resta constatado, face
aos depoimentos prestados pelos seus empregados.
Em terceiro lugar, destaque-se a capacidade econômica e financeira do
lesado e do devedor da indenização. Ora, os lesados são todos os trabalhadores que trabalharam, trabalhem ou que venha a trabalhar na empresa, e
até mesmo aqueles que nem sequer irão tentar esse trabalho com medo desse assédio moral, sendo trabalhadores com parcos recursos, que vivem, quando trabalham, de salário comercial, fora quando estão desempregados, o que
demonstra a sua difícil situação econômica e financeira.
Diferentemente da devedora da indenização, a Expresso Mercúrio S.A.
(TNT Mercúrio), recentemente comprada pela empresa holandesa TNT Group,
que já possui redes na Europa e na Ásia e acaba de entrar no ramo do transporte de cargas expressas no Brasil. Evidentemente, a empresa conta com
um invejável suporte econômico-financeiro que permite essa disseminação.
Nesse sentido, demonstra o acórdão abaixo transcrito:
“INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL — CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR — A reparabilidade pecuniária do dano moral deve, de
um lado, servir como uma compensação pela sensação de dor experimentada pela vítima, de acordo com a gravidade e a extensão do dano
e, de outro, constituir uma sanção ao ofensor, considerando sua capacidade econômica, a fim de desestimulá-lo a praticar o ato novamente.
Desse modo, o valor fixado deve ter uma finalidade verdadeiramente
educativa, induzindo o agente que praticou o ato ilícito a mudar o seu
comportamento, sem proporcionar à vítima, de outro lado, enriquecimento sem causa. Recurso ordinário da reclamante conhecido e parcialmente provido para majorar o valor da indenização.” (TRT 9ª R. —
ACO 03943-2006-664-09-00-7 — Rel. Paulo Ricardo Pozzolo — J.
1º.4.2008)
Por último, deve-se levar em consideração o caráter punitivo e inibidor
da indenização por danos morais, que possa servir de exemplo para que outros
casos não mais aconteçam, seja na empresa, seja em outra, tendo uma
natureza de pena e retratação, ou até mesmo, pedagógica.
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7 — Do pedido
7.1 — Do pedido de antecipação dos efeitos da tutela
Ante o exposto, o Ministério Público do Trabalho requer a antecipação
dos efeitos da tutela para determinar:
a) à empresa Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) que se abstenha
de imputar apelidos ou outros constrangimentos a qualquer de seus
empregados, privando-se, por conseguinte, de praticar ou tolerar o assédio
moral em seu ambiente de trabalho;
b) a fixação de multa diária (astreinte) de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)
pelo descumprimento de qualquer das obrigações acima, por empregado
prejudicado, reversível ao FAT, cujo pagamento ficará a cargo da ré.
7.2 — Do pedido definitivo
De conformidade com os fundamentos expendidos, o Ministério Público
do Trabalho requer:
a) a condenação definitiva da Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio)
nas obrigações especificadas no pedido de antecipação dos efeitos da
tutela, no sentido de se abster de imputar apelidos ou outros constrangimentos a qualquer de seus empregados, privando-se, por conseguinte,
de praticar ou tolerar o assédio moral em seu ambiente de trabalho;
b) a condenação da Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio) a pagar,
nos termos do art. 13 da Lei n. 7.347/85, a indenização de R$
1.000.000,00 (hum milhão de reais), reversível ao Fundo de Amparo do
Trabalhor — FAT, instituído pela Lei n. 7.998/90, pelo dano moral coletivo
decorrente da lesão por ela genericamente causada;
c) a fixação de multa diária (astreinte) de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)
pelo descumprimento de qualquer das obrigações acima por empregado
prejudicado, cujo pagamento ficará a cargo da ré que der ensejo ao
inadimplemento, reversível ao FAT;
d) a citação da ré para, querendo, apresentar defesa, sob pena de revelia
e confissão, prosseguindo o feito até decisão final;
e) a condenação da ré ao pagamento das despesas processuais.
O Ministério Público do Trabalho requer, ainda, sua intimação pessoal
de todos os atos do processo, com a remessa dos autos, com vista, à Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região, de conformidade com o Provimento
n. 4/00 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, com o art. 84, IV, da
Lei Complementar n. 75/93, e com o art. 236, § 2º, do CPC.
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Requer, por fim, a produção de todas as provas em direito admitidas,
especialmente a documental que segue junto à petição inicial, o depoimento
pessoal dos prepostos da ré e a oitiva das testemunhas Maria Aparecida
Borges, brasileira, RG n. 1655836-SSP/RN, residente e domiciliada à Av. Abel
Cabral, apto. 201, bloco A, n. 484, Nova Parnamirim; Bruno Palmeira Lito,
brasileiro, RG n. 11390391-8-IFP/RJ, residente e domiciliado à Rua Capitão
Aviador Eraldo da Cunha Martinho, n. 1015, apto. 207, Nova Parnamirim; e
Andréa Magda Ramos Cavalcanti, brasileira, RG n. 1267055-SSP/RN,
residente e domiciliada à Av. Mahatma Ghandi, Condomínio Flórida Ghandi,
casa 8, Nova Parnamirim, cujas intimações se requer.
Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais).
Nesses termos, pede deferimento.
Natal, 15 de janeiro de 2009.
Rosivaldo da Cunha Oliveira
Procurador do Trabalho
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ASSÉDIO
DECISÃO
MORAL: IMPUTAÇÃO
DE
APELIDOS
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO
ATA DE JULGAMENTO DA RT N. 00060-2009-007-21-00-9
Aos quinze dias do mês de maio do ano dois mil e nove, às quatorze
horas e quarenta e cinco minutos, estando aberta a audiência da Sétima Vara
do Trabalho de Natal, na sua respectiva sede, na Avenida Capitão Mor
Gouveia, 1738, Lagoa Nova, nesta, com a presença da Excelentíssima
Senhora Juíza do Trabalho Titular desta Vara, Joseane Dantas dos Santos,
foram, por ordem desta, apregoados os litigantes:
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
Requerida: EXPRESSO MERCÚRIO S.A. (TNT MERCÚRIO)
Ausentes as partes.
Instalada a audiência e relatado o processo, a Juíza Titular passou a
proferir a seguinte decisão:
Vistos etc.
O Ministério Público do Trabalho propõe a presente Ação Civil Pública
contra Expresso Mercúrio S.A. (TNT Mercúrio), dizendo que recebeu denúncia da Sra. Andréa Magda Ramos Cavalcanti relativa a desvio de função, pagamento de salário por fora, trabalho em feriados, não pagamento de horas
extras e maus-tratos aos empregados; afirma que foi instaurado procedimento preparatório de inquérito civil público, com a notificação das testemunhas
indicadas pela denunciante, além de ter sido requisitada fiscalização para verificação das informações prestadas; alega que o relatório do procedimento
mencionado constata a não concessão de intervalo intrajornada, com lavratura de auto de infração, bem como o fato de a limpeza dos banheiros ser
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realizada pelos empregados da empresa requerida; acrescenta que o relatório
conclui que a requerida apresenta uma série de desvios e falhas no que diz
respeito ao cumprimento da legislação trabalhista; aponta que as testemunhas relataram fatos envolvendo a requerida, destacando-se a forma humilhante como são tratados seus empregados, ferindo a alma, honra, intimidade,
reputação e autoestima destes; aduz que a prática de utilizar apelidos jocosos revela a ocorrência de prática discriminatória, em violação ao princípio da
dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho; argumenta
que a requerida apresentou defesa, discordando de todas as alegações feitas,
não demonstrando o interesse em averiguar a possível ocorrência do tratamento degradante dispensado a seus empregados; trata da competência
material e funcional desta Justiça, bem como do cabimento da ação ora proposta e sua legitimidade para o ajuizamento; menciona a existência de pagamento por fora aos empregados da requerida, ausência de concessão de
intervalo intrajornada e existência de assédio moral; alude à existência
de dano moral coletivo. Requer: a antecipação dos efeitos da tutela para condenar a requerida a se abster de imputar apelidos ou outros constrangimentos ilegais a qualquer dos seus empregados, privando-se de praticar ou tolerar
o assédio moral em seu ambiente de trabalho; que se abstenha de realizar
pagamentos por fora, bem como de conceder intervalo intrajornada em período inferior a 11 horas a seus empregados; e fixação de multa diária. Pugna,
por fim, pela condenação definitiva da requerida nas obrigações especificadas no pedido de antecipação de tutela, no sentido de se abster de imputar
apelidos ou outros constrangimentos a qualquer de seus empregados, privando-se de praticar ou tolerar assédio moral em seu ambiente de trabalho;
que se abstenha de realizar pagamentos “por fora”, bem como de conceder
intervalo intrajornada em período inferior a 11 (onze) horas a seus empregados; a condenação da requerida à indenização de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) pelo dano moral decorrente da lesão por ela genericamente
causada, reversível ao FAT; fixação de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) pelo descumprimento de qualquer das obrigações acima, por empregado prejudicado, com pagamento reversível ao FAT (fls. 2/32). Junta os
documentos de fls. 33/143.
Este Juízo, pela decisão de fls. 147/149, concedeu parcialmente a
antecipação de tutela pretendida, determinando à requerida que se abstenha
de imputar apelidos ou qualquer outro constrangimento ilegal a seus
empregados, privando-se de praticar ou tolerar o assédio moral no ambiente
de trabalho, bem como se abster de realizar pagamentos “por fora”, sob pena de
multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por empregado prejudicado,
reversível ao FAT.
A requerida contesta a ação, tratando inicialmente da incompetência
funcional deste Juízo para a apreciação da demanda, dizendo que, diante da
existência de “direito coletivo”, a competência originária é do segundo grau;
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argui a ilegitimidade de parte do autor, haja vista que está restrita às hipóteses
de inexistência de direito subjetivo a uma exigibilidade especial, limitando-se
às disposições do art. 1º, da Lei n. 7.347/85; diz ausente procuração que
outorgue poderes ao procurador para representar o Ministério Público do Trabalho; diz que o valor dado à causa é desproporcional ao número de empregados; argumenta que, considerando o seu número de empregados, seria
absurdo se pretender que não existisse qualquer autuação relativa à jornada
de trabalho por eles praticada; aponta que os autos de infração contemplam
número inexpressivo de empregados em situação irregular, quando comparado ao total do seu quadro; diz que, em razão da atividade desenvolvida,
não é possível a paralisação dos serviços em dias de feriado, tendo permissão de transporte com a conclusão de entrega de cargas e também permanente para trabalho em feriados, na conformidade do Decreto n. 24.048/49,
acrescentando que, extrapolada a jornada, o empregado recebe a contraprestação correspondente; menciona que o art. 61, da CLT, permite que a jornada
seja prorrogada além do limite legal e que somente alguns empregados prestam horas extras; destaca que seus empregados gozam de folgas todos os
domingos e que o trabalho em feriados ocorre de maneira excepcional; chama a atenção para o fato de não constar no relatório de fiscalização a existência de horas extras pendentes de quitação; alega que os empregados Maria
Aparecida Borges, Bruno Palmeira Lito, Andréa Magda Ramos Cavalcanti e
Abdel Alves de Sousa não estão sujeitos a controle de horário, porque realizam trabalho externo; alude ao fato de que todos os empregados têm ciência
de que precisam manter a ordem e a organização do seu espaço de trabalho,
não tendo sido obrigados a realizar limpeza das dependências da empresa e
dos banheiros, contestando a alegação de existência de desvio de função;
nega a existência de pagamento por fora, defendendo que a remuneração
efetivamente paga é aquela contida nos documentos alusivos ao pagamento
realizado; acrescenta que os assistentes comerciais recebiam remuneração
fixa acrescida de comissões com discriminação nos recibos, pagando ainda
ajuda de custo pelo veículo utilizado com a denominação de auxílio-combustível, parcela esta meramente indenizatória; reputa fantasiosas as alegações
de existência de assédio moral, já que prima pela observação das regras de
ética, honra e moral, com cartilha sobre Princípios de Negócios de conhecimento de todos os empregados, negando a alusão discriminatória aos nordestinos contida no processo; afirma que as mensagens eletrônicas anexadas
denotam o ótimo relacionamento entre a Sra. Andréa Magda e o ex-gerente
da filial, Sr. Michael, sendo as denúncias decorrentes da inconformação dos
empregados com a dispensa ocorrida; argumenta que o gerente tratava sua
equipe de forma cordial e solícita, não existindo qualquer prática que pudesse configurar humilhação; nega a utilização de apelidos e qualquer ato desrespeitoso, mencionando que não houve qualquer informação à empresa de
tal circunstância; aduz que o autor pretende transformar a Justiça em órgão
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fiscalizador a fim de suprir eventual omissão do órgão legitimado e aparelhado
para tal finalidade; pugna pela improcedência da reclamação (fls. 160/191).
Junta os documentos de fls. 192/398 e 406/497.
Manifestação do autor às fls. 513/514.
Em audiência, foram ouvidos o preposto da requerida e seis testemunhas
(ata de fls. 523/533). Juntados ainda os documentos de fls. 534/534.
Encerrada a instrução, o autor apresentou as razões finais de fls.
541/548 e a requerida às fls. 549/554.
Recusadas as propostas de conciliação.
É o relatório.
ISTO POSTO.
1. Da Incompetência deste Juízo
Alicerça a reclamada a alegação de incompetência deste Juízo no fato
de haver, no presente caso, discussão acerca de “direitos coletivos”, o que
atrairia a competência do segundo grau para a apreciação da demanda.
A legislação específica que rege a ação civil pública dispõe que a sua
proposição se dará no foro do local onde ocorrer dano, cujo Juízo terá
competência funcional para processar e julgar a causa.
Salienta-se que a posição doutrinária que defende a competência do
segundo grau para a apreciação se reporta aos processos de natureza coletiva,
como dissídio coletivo, onde a discussão travada diz respeito à criação de
normas e condições de trabalho, sendo os Tribunais detentores do poder
normativo, não se podendo equiparar a ação civil pública a tal procedimento,
já que não possuem a mesma natureza.
Sobre o tema, o magistrado Cláudio Armando Couce de Menezes(1) discorre: “A argumentação da segunda tese também não está isenta de críticas.
O fato de a ação ser coletiva não eleva a competência ao Tribunal, pois ações
também ditas coletivas são ajuizadas e apreciadas pelo primeiro grau (ação
civil pública e ação de cumprimento), dentro do balizamento segundo o qual
na falta de regra expressa dispondo sobre a competência originária dos tribunais a competência pertence à Vara. Por outro lado, a ação do MP não se
confunde com o dissídio coletivo econômico, pois o conflito que denota é de
natureza jurídica, relacionado à violação de liberdades individuais e coletivas
e às liberdades fundamentais; ao passo que com os dissídios coletivos de
(1) Anulação de cláusulas, acordos e convenções coletivas de trabalho. Síntese Trabalhista n. 166, abr. 2003. p. 126.
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natureza econômica o que se pretende é a criação de normas e condições de
trabalho. Aos tribunais, por conseguinte, compete apenas o julgamento dos
dissídios coletivos, não das ações coletivas em geral”.
Também, tem-se que a matéria em discussão já foi apreciada pelo
Colendo Tribunal Superior do Trabalho, como se pode aferir do aresto a seguir:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA FUNCIONAL. VARA DO TRABALHO. A ação civil pública é de natureza ordinária e individual, pois
envolve a aplicação de legislação existente, o que implica dizer que quem
tem competência para apreciá-la originariamente é, em virtude do critério da hierarquia, a Vara do Trabalho. Considerando que não há na Justiça do Trabalho lei que regule a ação civil pública, aplica-se por analogia
a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), cujo art. 93
declara, ressalvando a competência da Justiça Federal, que o foro é o
do lugar em que ocorreu o dano, quando o dano é de âmbito local, e da
capital do estado ou do Distrito Federal quando o dano é de âmbito
regional ou nacional. Assim, a 1ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP é competente para apreciar e julgar a presente ação. Acresça-se que a Lei n.
7.347/85 (ação civil pública), com a redação da Medida Provisória
n. 1.570-5/97, convertida na Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997,
não alterou a competência originária na hipótese de apreciação de
lesões a interesses coletivos de uma mesma categoria. O legislador apenas se refere aos limites subjetivos da coisa julgada, destacando que,
após ser conhecida e julgada a causa coletiva com observância das
regras determinadoras da competência, a sentença civil terá eficácia e
autoridade erga omnes.” (TST, SBDI-II , Proc. n. TST-ACP-754.436/
2001.0, Rel. Min. Ronaldo Leal).
Rejeita-se, por consequência, a incompetência alegada.
2. Da ilegitimidade de parte
Trata a requerida na defesa da ilegitimidade de parte do parquet, sob o
fundamento de que a pretensão é de inibição da prática de irregularidades de
grupos de empregados de uma empresa, não estando defendendo o meio
ambiente e a sociedade, nos exatos termos do art. 1º, I, da Lei n. 7.347/85.
Em primeiro lugar, há que se ressaltar que a Ação Civil Pública, quando
ajuizada perante a Justiça do Trabalho, visa a coibir a prática de ilícito
constatado no campo das relações de trabalho e tem como característica a
busca pela observância das normas jurídicas vigentes, presumidamente
descumpridas, buscando a preservação da ordem jurídica, quando violados
direitos sociais constitucionalmente garantidos.
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No dizer de Hugo Nigro Mazzilli, “na noção mais abrangente de interesse
público, estão incluídos os interesses da coletividade, como um todo, os
interesses sociais e individuais indisponíveis, os interesses coletivos e os interesses difusos”. Desta assertiva, pode-se se concluir que o interesse público,
embora de forma reflexa, atinge toda a sociedade, abrangendo, portanto, o
interesse coletivo e até o interesse individual indisponível.
Mais ainda a Lei Complementar n. 75/93 dispõe, quando trata da função
institucional do Ministério Público (art. 5º), que cabe a este a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses
individuais indisponíveis, considerando-se os fundamentos e princípios que
estabelece, além de consignar, no art. 6º, VII, a defesa de outros interesses
individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.
A mesma norma estabelece no seu art. 83, que: “Compete ao Ministério
Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos
da Justiça do Trabalho: I — ...; II — ....; III — promover a ação civil pública no
âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando
desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”.
Destarte, patente a legitimidade do autor para a presente ação.
3. Da ausência de procuração
Alega a requerida que não há nos autos procuração conferida ao representante do autor que subscreve a inicial.
Em relação ao tema, tem-se que a representação processual de procurador do Ministério Público do Trabalho não depende de instrumento de mandato, porque decorrente de seu título de nomeação ao cargo, estando a
atuação em Juízo legitimada pelas normas legais que definem sua atuação.
Nada há a definir sobre a alegação.
4. Do valor da causa
Também há afirmação da requerida de que o valor dado à causa é
desproporcional ao número de empregados, sem, no entanto, haver qualquer
pedido decorrente de tal alegação.
Note-se que o valor dado à causa se refere especificamente ao quantum
pretendido a título de indenização pelo dano coletivo alegado, não se vinculando, por consequência, ao número de empregados da empresa requerida.
Rejeita-se.
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5. Do mérito
5.1. Da obrigação de não fazer
O primeiro pedido formulado pelo autor diz respeito à pretensão de que
seja determinado à requerida que se abstenha de realizar pagamentos “por
fora” e de imputar apelidos ou outros constrangimentos a seus empregados.
O segundo ponto, relativo aos apelidos, será apreciado no tópico relativo ao assédio moral alegado, analisando-se primeiramente a questão do pagamento irregular noticiado, tendo afirmado o autor que os empregados da
empresa requerida recebem valores que não constam da CTPS, o que revela
a má-fé da empregadora, defendendo que o pagamento deve ocorrer contra
recibo, na forma do art. 464, da Consolidação das Leis do Trabalho.
A requerida, na defesa, nega a existência de pagamento por fora, defendendo que a remuneração efetivamente paga é aquela contida nos
documentos alusivos ao pagamento realizado; acrescenta que os assistentes
comerciais recebiam remuneração fixa acrescida de comissões com discriminação nos recibos, pagando ainda ajuda de custo pelo veículo utilizado com a
denominação de auxílio-combustível, parcela esta meramente indenizatória.
A alegação ora trazida está contida no depoimento prestado perante o
Ministério Público do Trabalho pela denunciante (fls. 34/35).
No curso do procedimento perante o Ministério Público do Trabalho foram ouvidas algumas pessoas, tendo os senhores Maria Aparecida Borges e
Calixtrato Hipólito Soares Neto tratado da percepção de valor fora dos contracheques, consistente em ajuda de custo, ao passo que a Sra. Priscila de
Assis Bertuleza negou a percepção de qualquer plus; ainda, o Sr. Bruno Palmeira Lito deu notícias do acréscimo salarial, referente a auxílio-combustível.
Os depoimentos tomados quando da realização da audiência são no
mesmo sentido, não restando configurado, na realidade, o pagamento de remuneração “por fora”, mas ajuda de custo ou auxílio-combustível, como dito pelas
testemunhas, não se configurando, portanto, qualquer violação aos comandos
do art. 464, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Sobre a matéria, dispõe o art. 457, § 2º, da Consolidação das Leis do
Trabalho, que: “Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como
as diárias para viagem que não excedam de cinquenta por cento do salário
percebido pelo empregado”.
Francisco Antonio de Oliveira(2), ao comentar o artigo supracitado, adverte
que sua redação permite interpretações díspares, sendo que “a jurisprudência
(2) Comentários aos enunciados do TST. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
p. 854/855.
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firmou-se de forma plena no sentido de que somente as diárias, quando
superiores a 50%, integram o salário em sua totalidade. A ajuda de custo, por
não ter natureza salarial, não o integra nunca. Quando se fala em ajuda de
custo, tem-se em mente ajuda de custo no seu sentido conceitual, qual seja o
de ressarcimento de despesas, não evidentemente o uso de simples nomen
juris que tenha por objetivo mascarar salário”. Nesse sentido, dispõe o aresto
abaixo, do Tribunal Superior do Trabalho:
“AJUDA DE CUSTO QUILOMETRAGEM. NATUREZA JURÍDICA. Consoante o art. 457, § 2º, da CLT, a verba paga a título de ressarcimento
por quilômetro rodado possui caráter meramente indenizatório, não
integrando o salário do empregado para nenhum efeito legal, principalmente em se constatando que o seu escopo era compensar as despesas
com combustível então havidas em veículo do próprio empregado na
execução de seu serviço, não se constituindo um pagamento pelo serviço
prestado. Ademais, da simples denominação da parcela em foco, deduz-se que seu valor variava em função da quilometragem percorrida num
determinado período. Ora, pela conjunção destes dois elementos, torna-se fácil fixar sua natureza jurídica como parcela de mero ressarcimento,
incluindo-se no rol das espécies de ajuda de custo. Portanto, descabe
falar em alteração ilícita das disposições contratuais atinentes à
supressão de semelhante indenização. Recurso de Revista parcialmente
conhecido, mas desprovido.” (TST, RR 419.195/98.3/6ª R, 2ª T., Relª
Juíza Anélia Li Chum, DJU 1º.3.2002, p. 917).
Vê-se, pois, do conjunto probatório constante dos autos, que o título
em questão não se trata de salário stricto sensu, mas parcela paga para indenizar gastos porventura efetuados por seus empregados, não se integrando ao
salário nem gerando reflexos, de modo que não procede a pretensão deduzida,
porque não vislumbrada a violação legal alegada.
5.2. Do intervalo interjornadas
Há na inicial pedido no sentido de que a requerida se abstenha de
conceder intervalo interjornadas inferior a 11 (onze) horas a seus empregados,
reportando-se à existência de fiscalização realizada pela Superintendência
Regional do Trabalho neste Estado, com expedição de auto de infração.
A contestação expressa que, em razão da atividade desenvolvida, não
é possível a paralisação dos serviços em dias de feriado, tendo a empresa
permissão de transporte com a conclusão de entrega de cargas e também
permissão permanente para trabalho em feriados, na conformidade do Decreto
n. 24.048/49, acrescentando que, quando extrapolada a jornada, o empregado
recebe a contraprestação correspondente; menciona que o art. 61, da Consolidação das Leis do Trabalho, permite que a jornada seja prorrogada além do
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limite legal e que somente alguns empregados prestam horas extras; destaca
que seus empregados gozam de folgas todos os domingos e que o trabalho
em feriados ocorre de maneira excepcional; chama a atenção para o fato de
não constar no relatório de fiscalização a existência de horas extras pendentes
de quitação.
Dos autos, verifica-se a existência de relatório de fiscalização, constando
no item 6 que: “A fiscalizada deixou de conceder intervalo interjornada. Por
essa conduta, lavrei o auto de infração n. 018308074, Ementa n. 353, capitulada no art. 66, da CLT. O auto de infração respectivo descreve o seguinte: A
empregadora acima qualificada deixou de conceder um período mínimo de
11 (onze) horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho.
Senão vejamos: Francisco Jailson Ribeiro trabalhou no dia 11.8.08, até às
23h30, e iniciou a jornada de trabalho no dia seguinte, 12.8.08, às 7h00; e
Francisco Ferreira Dionísio laborou no dia 17.9.2008, até às 22h50, no entanto,
iniciou a jornada de trabalho no dia 18.9.2008, às 7h00; ambos operadores
de transporte da Expresso Mercúrio S.A. — fl. 98”.
Os depoimentos prestados perante este Juízo não são elucidativos
acerca do tema ora exposto, constando do depoimento de fls. 57/58 prestado
pelo senhor Hélio Grigório de Souza, que o horário cumprido era de 8h00 a
22h00/23h00, com intervalo de 60 a 90 minutos, mas a anotação no ponto se
restringia ao horário de 22h00, o que denota que, mesmo alegada a irregularidade, a sobrejornada era registrada.
A fiscalização realizada pela órgão administrativo se baseou em tais
documentos, conforme se pode aferir do auto de infração, não tendo constatado a circunstância de modo habitual, mas tão somente dois casos pontuais,
em relação a dias específicos, não se configurando, via de consequência,
que a requerida adote de forma corriqueira tal procedimento, afastando-se,
por conseguinte, a pretensão na forma ora deduzida.
5.3. Do dano moral coletivo
Há na inicial alegação de configuração do dano moral coletivo, decorrente
da forma de tratamento dos empregados da requerida, que era humilhante e
discriminatória, com a utilização de apelidos e submissão a constrangimentos
com propósito evidente de perseguição, agressivos à dignidade do trabalhador.
Inicialmente, para a necessária apreciação e enquadramento da situação
em análise, há que se ter em mente o conceito de assédio, de modo a enquadrar com precisão a situação trazida no presente processo, salientando-se
que, etimologicamente, a palavra em questão tem o significado de: pôr assédio,
cerco ou sítio a (praça ou lugar fortificado); cercar, envolver, rodear; perseguir
com insistência; enfadar, importunar, maçar.
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Tem-se, portanto, que se trata de ato cometido de forma repetida, com
a finalidade de obtenção de um resultado, seja a demissão do empregado ou
a elevação do nível de produtividade no caso do assédio moral ocorrido na
relação de trabalho, sendo o seu agente normalmente o superior hierárquico.
Especificamente no que diz respeito à tipificação do comportamento
enquadrado como caracterizador do assédio moral, releva ressaltar que a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) expendeu informe, no ano de
2002, onde lista alguns atos que se configuram como assédio moral, quais
sejam: medida destinada a excluir uma pessoa de uma atividade profissional;
ataques persistentes e negativos ao rendimento pessoal ou profissional sem
razão; a manipulação da reputação pessoal ou profissional de uma pessoa
através de rumores e ridicularização; abuso de poder através do menosprezo
persistente do trabalho da pessoa ou a fixação de objetivos com prazos
inatingíveis ou pouco razoáveis ou a atribuição de tarefas impossíveis; e
controle desmedido ou inapropriado do rendimento de uma pessoa.
A magistrada Rilma Aparecido Hemetério, em artigo intitulado “Assédio
Moral no Trabalho”(3), assim explicita: “As táticas de acossamento vão desde
a simples rejeição até a lesão criminosa. O empregado visado é submetido à
difamação, achincalhamento verbal, conduta agressiva e tratamento frio e
impessoal. Dentro deste quadro algumas vítimas, com frequência, são escolhidas para fazer as tarefas mais desagradáveis possíveis, aquelas que ninguém
mais quer executar, ou recebem, propositalmente, trabalhos excessivos, os
esforços de trabalhar produtivamente são sabotados, não lhes são fornecidas
— ou são retidas — as informações necessárias para o desempenho da
atividade, recebem apelidos pejorativos, sofrem isolamento, recebendo sempre
comentários depreciativos etc.”
Sobre a matéria, relevante é a citação dos julgados a seguir ementados:
“ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO. Na caracterização do assédio
moral, conduta de natureza mais grave, há quatro elementos a serem
considerados: a natureza psicológica, o caráter reiterado e prolongado
da conduta ofensiva ou humilhante, a finalidade de exclusão e a presença
de grave dano psíquico-emocional, que comprometa a higidez mental
da pessoa, sendo passível de constatação pericial. Por outras palavras,
o assédio moral, também conhecido como ‘terror psicológico’, mobbing,
‘hostilização no trabalho’, decorre de conduta lesiva do empregador que,
abusando do poder diretivo, regulamentar, disciplinar ou fiscalizatório,
cria um ambiente de trabalho hostil, expondo o empregado a situações
reiteradas de constrangimento e humilhação, que ofendem a sua saúde
física e mental. Restando evidenciado nos autos que o empregador, ao
instaurar ‘rito de apuração sumária’, para apurar irregularidades imputadas
(3) Juris Síntese, n. 64, mar/abr. 2007.
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à reclamante, extrapolou os limites regulamentar que lhe são facultados,
expondo a reclamante a um período prolongado de pressão psicológica,
além do permitido no Regulamento, devido se torna o pagamento da
indenização pleiteada.” (TRT 3ª Reg., RO 00715.2005. 080.03.00.7, 3ª T.,
Relª Juíza Maria Lucia Cardoso Magalhães, DJMG 20.5.2006)
“ASSÉDIO MORAL. REQUISITOS CARACTERÍSTICOS. INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS. EXISTÊNCIA. Na configuração do assédio moral,
faz-se imprescindível a presença de dois requisitos característicos: a
agressão à dignidade, integridade psíquica ou física do trabalhador e a
repetição da conduta assediadora, com seu prolongamento no tempo.
A indenização por danos morais em decorrência de assédio moral
somente pode ser reconhecida quando estiver calcada em provas
seguras acerca da conduta abusiva do empregador ou de seu preposto,
consubstanciada pela pressão, agressão psicológica ou pela violência
sub-reptícia, por gesto, por palavras, de forma repetitiva e prolongada
no tempo, que fere a dignidade do trabalhador, bem como acerca do
necessário nexo de causalidade entre a conduta violadora e a dor experimentada pela vítima. Neste contexto, presente prova de que o preposto
patronal manteve um ambiente de trabalho hostil e descortês, mantendo
pressão na realização das tarefas cotidianas, inclusive em relação ao
Autor, deve haver responsabilidade da Reclamada pelo ilícito praticado,
caracterizado pelo abuso do direito e que gerou danos morais ao
trabalhador.” (TRT 23ª Reg., RO 00219.2007.008.23.00-9, Rel. Des.
Tarcísio Valente, J. 15.1.2008)
No caso dos autos, vê-se que o autor pretende o reconhecimento de
que as atitudes da empresa abrangem a coletividade de seus empregados,
pugnando pelo deferimento de indenização por dano moral coletivo, sendo
necessário, portanto, verificar-se a extensão do procedimento de modo a se
aferir o cabimento ou não da pretensão.
Em relação ao dano moral coletivo, o procurador Xisto Tiago de Medeiros
Neto(4) leciona: “Resta evidente, com efeito, que, toda vez em que se vislumbrar o ferimento a interesse moral (extrapatrimonial) de uma coletividade, configurar-se-á dano passível de reparação, tendo em vista o abalo, a repulsa, a
indignação ou mesmo a diminuição da estima, infligidos e apreendidos em
dimensão coletiva (por todos os membros), entre outros efeitos lesivos. Nesse passo, é imperioso que se apresente o dano como injusto e de real significância, usurpando a esfera jurídica de proteção à coletividade, em detrimento
dos valores (interesses) fundamentais do seu acervo”. (grifo não existente no
original)
(4) Dano moral coletivo. São Paulo: LTr, 2004. p. 136/137.
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Nehemias Domingos de Melo, em artigo “Dano Moral Coletivo nas
Relações de Consumo”(5), assinala:
É importante destacar que foi possível cogitar-se do dano moral coletivo
a partir do alargamento da conceituação do dano moral porquanto
conforme preleciona André de Carvalho Ramos, “com a aceitação da
reparabilidade do dano moral em face de entes diversos das pessoas
físicas, verifica-se a possibilidade de sua extensão ao campo dos
chamados interesses difusos e coletivos”.
A doutrina pátria tem se esforçado para definir adequadamente o dano
moral coletivo. Neste aspecto o jurista Carlos Alberto Bittar Filho procurou
defini-lo afirmando ser “ ... a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores
coletivos”. Para depois arrematar: “Quando se fala em dano moral coletivo,
está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de
maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer,
em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial”.
A denúncia apresentada pela Sra. Andréa Magda Ramos Cavalcanti,
conforme se pode verificar do termo de fls. 34/35, expressa que a empresa
não paga horas extras; utiliza procedimento de pagamento “por fora”; obriga
os empregados a trabalhar em férias; obriga os empregados a fazer o trabalho
de limpeza das suas dependências, inclusive banheiros; acrescenta que o
representante da empresa tratava mal todos os empregados, noticiando a
forma como ela própria foi tratada, bem como os senhores Hélio, Altanir e Eri
Lima; menciona incidentes ocorridos.
Vários dos documentos acostados à inicial pelo autor são mensagens
eletrônicas, sendo o primeiro do gerente Michael Deivison, reportando-se a
e-mail da Sra. Cleiane, onde consta: “Quem não lê as Its não cumpre as regras
e quem não cumpre as regras não vai ficar no barco da TNT (fl. 42)”. O
documento a seguir trata de “mutirão” para trabalho em dia sábado (fl. 43),
constando ainda aquele de fl. 44, destinado a determinadas pessoas, tratando
também de operação em feriado.
A partir da fl. 57 constam termos de depoimentos prestados no
procedimento investigatório, tendo o Sr. Hélio Grigório de Souza dito que era
obrigado a lavar os banheiros, tendo sido apelidado de Carreirinha, em razão
de se parecer com o ator respectivo no filme Auto da Compadecida; acrescenta
que o Sr. Michael utilizou uma foto sua para afixação no quadro de avisos do
refeitório com a seguinte informação: “PROCURA-SE. ESTE RAPAZ É UM
PERIGO PARA AS MOÇAS E MULHERES DE NATAL”, tendo permanecido
(5) Juris Síntese, n. 49, set./out. 2004.
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por três dias no local, sendo alvo de chacota de seus colegas; acrescenta
que quando havia a realização de horas extras, o gerente em questão se
referia que “hoje é lei do cão para todos”, além de discriminar nordestinos; diz
ainda que foi chamado de ladrão e de “bandidinho fedorento”, noticiando outros
fatos envolvendo empregados da empresa.
A senhora Priscila de Assis Bertuleza diz que presenciou o Sr. Michael
gritando com os empregados Valtermir e Eri, ocasião em que afirmou que o
procedimento operacional feito por eles se constituía roubo, devendo arcar
com o prejuízo; menciona que o gerente era grosseiro e autoritário, principalmente quando constatava algum erro, tendo sido a depoente envergonhada
em público em decorrência de atitude desta natureza do gerente; acrescenta:
“que a depoente acredita serem inapropriadas para o local de trabalho, pois,
diariamente, ele ficava usando palavras de desapreço à empregada Vilmária
chamando-a de ‘cobra’, ‘mal caráter’, ‘que ela não era de confiança’, ‘que o
marido dela era corno’.”
Outra pessoa ouvida no procedimento, o Sr. Calixtrato Hipólito Soares
Neto, afirma que soube da acusação dos gerentes aos empregados Altanir e
Eri Lima, chamando-os de ladrões, noticiando ainda ter sofrido perseguições
na empresa pelo mesmo gerente e o Sr. Roni Victor; afirma ainda que ouviu o
gerente ser grosseiro com os empregados, chamando-os de “idiotas”, “ineficientes” e “retardados” na presença dos demais, reportando-se à empregada
Cida como “piranha”; aduz finalmente que nos momentos de descontração o
gerente e o Sr. Roni Victor faziam chacota com os empregados, colocando
apelidos, com menção a Verrugão para a Sra. Vilmária e Maga Patalógica
para a Sra. Andréa.
As demais pessoas ouvidas no procedimento interno realizado pelo autor
prestaram depoimento perante este Juízo, ratificando as assertivas contidas
nos documentos lançados com a inicial.
A primeira testemunha, a Sra. Andréa Magda, denunciante junto ao
Ministério Público do Trabalho afirma em Juízo que o tratamento dispensado
pelo gerente Michael era o pior possível, sendo agressivo e desrespeitoso,
maltratando verbalmente os empregados, além de impingir apelidos e lançar
palavrões, chamando-os de “burros”, “incompetentes”, “que nordestinos eram
lerdos”; acrescenta que viu citada pessoa maltratar outros empregados, citando
o preposto, além de Vilmária e Bruno etc.; afirma que o pessoal da operação
era chamado de “ladrão”, além de informar que os maus-tratos ocorriam na
frente de todos; ratifica a alegação de que a limpeza do local de trabalho era
feita por todos em determinada época; diz: “que o gerente chamava o preposto
de ‘gay’; que a empregada Vilmária era chamada de ‘verrugão’ e ‘pernalonga’;
que a depoente era chamada de ‘maga patalógica’ e porque foi trabalhar de
blusa branca foi chamada de ‘Heloisa Helena’; que a empregada chamada
Daniele tinha o apelido de ‘sovaco podre’; que o empregado Rodrigo era
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chamado de ‘piloto de Autorama’, ‘anão de jardim’; que o empregado Hélio
era chamado de ‘Carreirinha’, porque, segundo ele, o gerente, parecia com o
personagem de um filme; que a depoente não trabalhou com Aparecida, tendo
substituído-a; que o gerente chamava esta pessoa de ‘galinha’ e dizia que ela
tinha saído da empresa porque lá não era poleiro”. Por fim, alega que passou
a sofrer de depressão em razão do tratamento recebido.
Em seguida foi ouvida a Sra. Maria Aparecida, que afirma que o ambiente do trabalho era meio pesado, sendo que o gerente fazia chacota com os
empregados, mencionando a ocorrência do fato a seguir descrito: “que a depoente foi ao banheiro e esqueceu de passar o trinco, sendo que um rapaz
que fazia as vezes de ASG, Sr. Hélio, entrou no local, mas a depoente estava
vestida; que posteriormente ficou sabendo que o gerente Michael e o Sr. Ronny
ficavam fazendo um tipo de teatro de baixo calão reproduzindo o que tinha
acontecido. Também ratifica a testemunha a informação de que eram impingidos apelidos aos empregados da requerida, acrescentando: que a depoente ficou sabendo que o gerente, ao se reportar à depoente para terceiros, fez
a alusão de que a empresa não era galinheiro; ...; que a depoente tem conhecimento de que outros empregados eram maltratados pelo gerente principalmente os ajudantes, chamando-os de ‘burros’, ‘ignorantes’ e ‘nordestinos’; que
a depoente e o Sr. Bruno são cariocas, sendo que o gerente permanecia na
sala dizendo que ia ficar um pouco ali porque não aguentava permanecer
junto com nordestinos; ...; que a depoente esteve em uma comemoração na
casa do gerente e teve um karaokê; que a depoente ficou sabendo posteriormente que o Sr. Michael ficava imitando a depoente no local de trabalho, ‘fazendo a alegria do pessoal’; que a depoente soube dos fatos mencionados
pelas Sras. Vilmária e Daniela; que outras coisas ficou sabendo depois de
sua saída da empresa; que a depoente acredita nas informações, porque conhece o procedimento da citada pessoa, tendo chamado a Sra. Daniele de
‘puta’; que isto ocorreu porque um cliente chamou a Sra. Daniela para almoçar, tendo ela recusado; que na ocasião o Sr. Michael faz a afirmação de que
a atitude dela foi de ‘puta’; que o Sr. Michael dizia que a Sra. Vilmária ‘chifrava’ o marido”.
A terceira testemunha do autor, Sr. Bruno, noticia que o ambiente de
trabalho inicialmente era agradável, mas o gerente costumava fomentar
divergências entre os empregados para que não fossem criados vínculos entre
eles; afirma que presenciou uma discussão do gerente com a Sra. Aparecida
sobre a limpeza do banheiro, nos seguintes termos: “que a Sra. Aparecida fez
alguma reclamação sobre a limpeza do banheiro, tendo o gerente dito que o
material estava ali e que ela limpasse; que a discussão ficou acirrada e o
gerente disse que ela ‘não sabia com quem estava lidando’”; menciona que
presenciou a Sra. Andréa ser chamada à atenção em público, tendo o gerente
em determinada ocasião comentado com o depoente que a citada pessoa
era idiota; por fim, acrescenta: “que a Sra. Daniele atendeu o telefonema de
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um cliente que a convidou para almoçar; que a Sra. Daniele ficou sem jeito e
não soube se desvencilhar da situação; que na ocasião, a Sra. Daniele
comentou o fato com o gerente e este disse que isto era coisa de ‘puta’, porque
ela deveria ter tido jogo de cintura para sair da situação; que o empregado
Hélio também fazia limpeza do banheiro e ao adentrar no local a Sra. Aparecida
não tinha fechado a porta; que posteriormente o fato foi motivo de chacota,
com brincadeiras sobre o ocorrido, pelo Sr. Michael e o Sr. Ronny; que o
depoente não presenciou o fato, mas ficou sabendo disto em conversas com
o pessoal, achando o depoente que pela própria Sra. Aparecida; que o
depoente ficou sabendo que era chamado de ‘idiota marrento’ depois, porque
não visitava clientes; ... que existia iniciativa do gerente em colocar nomes
nos empregados para ridicularizá-los; que a Sra. Andréa Magda era chamada
de ‘funcionária abelha’, supostamente porque fazia cera; que a mesma
empregada era chamada de ‘Maga Patalógica’ e também ‘Heloisa Helena’,
porque estava com uma blusa parecida com a da senadora; que o Sr. Rodrigo
era chamado de ‘anão de jardim’, ‘piloto de autorama’, em razão de sua
estatura; que a Sra. Vilmária era chamada de ‘verrugão’; que a senhora Daniele
era chamada de ‘sovaco fedorento’ ou coisa parecida; que o Sr. Hélio era
chamado de ‘carreirinha’, não sabendo o depoente informar o motivo; que um
empregado João Paulo sofreu um acidente sério, tendo colocado uma placa
na testa, passando o gerente a chamá-lo de ‘testa de ferro’; que Gérson era
‘Pacato’, por ser tranquilo”.
De sua parte, as testemunhas trazidas pela empresa negam a existência
de problemas no ambiente de trabalho, além da colocação de apelidos,
notificando que era harmoniosa a convivência com o gerente da requerida
em questão.
Vê-se da prova produzida que ficou demonstrado que o tratamento do
gerente da requerida com os empregados se configurou evidente assédio
moral, porque contribuiu para o terror psicológico no ambiente de trabalho,
com fomento de atitudes negativas e problemas de relacionamento, de forma
generalizada, com comportamento desrespeitoso e incitação a situações vexatórias, em evidente afronta à honra e a dignidade dos empregados da requerida, salientando-se que a responsabilização da requerida está prevista
no art. 932, do Código Civil, que dispõe que: “São também responsáveis pela
reparação civil: ... III — o empregador ou comitente, por seus empregados,
serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.
Mais ainda, é sintomático o fato de o gerente nominado na presente
ação ter se afastado da empresa, o que, aliás, torna inócua a pretensão dos
autos no sentido de imputar à requerida a obrigação de não fazer, consistente
em não colocar apelidos nos empregados, já que o responsável pela conduta
não mais faz parte dos quadros da empresa.
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Assim, reconhecida a ocorrência dos fatos ensejadores da reparação
por dano moral coletivo, há que se definir a quantificação da indenização,
que deve levar em conta, além da capacidade da empresa, o caráter
pedagógico esperado, fixando, com base em tais parâmetros, o valor de R$
200.000,00 (duzentos mil reais).
Diante do que restou decidido, fica cassada a antecipação de tutela
concedida nos presentes autos.
Ante o exposto, RESOLVE a Sétima Vara do Trabalho de Natal julgar
PROCEDENTE EM PARTE a pretensão deduzida na Ação Civil Pública
proposta por Ministério Público do Trabalho contra Expresso Mercúrio S.A.
(TNT Mercúrio), para condenar esta a pagar indenização por danos morais
coletivos no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), reversível ao Fundo
de Amparo ao Trabalhador — FAT, com a cassação da antecipação de tutela
anteriormente deferida. Sobre a condenação incidem juros de mora e correção
monetária, esta a partir desta decisão.
Custas, pela requerida, de R$ 4.000,00, calculadas sobre o valor da
condenação (R$ 200.000,00).
Intimem-se as partes.
E, para constar, foi lavrada a presente ata, que vai devidamente
assinada.
Joseane Dantas dos Santos
Juíza Titular
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA FARMA SERVICE
DISTRIBUIDORA LTDA.:
FALSOS REPRESENTANTES COMERCIAIS
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DO TRABALHO DA
____ VARA DO TRABALHO DE CAMPINA GRANDE (PB)
Ministério Público do Trabalho, por intermédio da Procuradoria Regional
do Trabalho da 13ª Região — Ofício Campina Grande, com endereço na Rua
Antônio Campos, n. 594, Bairro Alto Branco, CEP 58.102-565, Campina
Grande-PB, através do Procurador do Trabalho ao final subscrito, com base
no art. 127, caput, e no art. 129, inciso III e § 1º, todos da Constituição Federal;
no art. 5º, inciso I; art. 6º, VII; e art. 83, I, estes últimos da Lei Complementar
n. 75/93; e no art. 12 da Lei n. 7.347/85; bem como demais dispositivos legais
atinentes à espécie, vem à presença de Vossa Excelência promover a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS
EFEITOS DA TUTELA
em face da empresa Farma Service Distribuidora Ltda., pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o n. 4.154.059/0001-95, com sede
na STRC/Sul, Trecho 2, Conjunto A, Guará, Brasília-DF, pelos fatos e fundamentos jurídicos adiante expostos.
I — Dos fatos
Fora instaurado, no âmbito do Ofício de Campina Grande da Procuradoria Regional do Trabalho da 13ª Região, o Procedimento Preparatório de
Inquérito Civil Público n. 163/07 (doravante denominado, simplesmente, PP
n. 63/07), o que se deu em razão do encaminhamento de cópias de peças
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extraídas dos autos de reclamações trabalhistas individuais, notadamente
daquela de que trata o processo n. 89.2007.008.13.00-9, no qual restou
reconhecido que a empresa Farma Service Distribuidora Ltda., viria fraudando
a legislação trabalhista.
Da leitura atenta das peças informativas, pôde-se perceber que o
Judiciário, tanto em primeiro quanto em segundo grau de jurisdição, entendeu
ter restado comprovado que a empresa viria se valendo dos serviços prestados
por trabalhadores que, inobstante fossem subordinados a tal empresa e, na
prática, fossem efetivos empregados, não viriam sendo reconhecidos como
tais, haja vista vir a empresa mascarando as relações mantidas com tais
obreiros sob a falsa roupagem da representação comercial.
Pôde-se perceber, assim, logo de início, a gravidade dos fatos trazidos
ao conhecimento deste Parquet através do encaminhamento das peças
extraídas do processo judicial supraespecificado.
De fato, o egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, no acórdão cuja remessa de cópia dera origem à investigação, demonstrou, de maneira detalhada, a fraude perpetrada pela empresa, a qual, evidentemente,
vem vitimando toda uma coletividade de trabalhadores e não só aquela obreira que figurou no polo ativo da reclamatória na qual fora proferida a decisão
remetida a este Órgão Ministerial.
Vê-se, assim, ter sido ressaltado que “a relação havida entre as partes
foi de natureza empregatícia, nos moldes do art. 3º da CLT, eis que a autora
não tinha autonomia em suas atividades, trabalhava de forma subordinada,
cumprindo metas determinadas pela empresa”, sendo ressaltado em seguida
que “se a demandante fosse, de fato, vendedora autônoma, não haveria necessidade de cumprimento de metas e acompanhamento de sua atuação,
pois o risco seria da autora”.
No mesmo sentido, é aduzido que “contrariando a contestação, a preposta disse que a empresa, no caso de cliente inadimplente, pagava a comissão ao vendedor, sem retorno desta comissão, demonstrando que o risco do
negócio pertencia à reclamada”, bem como que a “a segunda testemunha
ainda disse que precisou fazer o registro no CORE para vender os produtos
da empresa, confirmando a alegação da autora de que houve uma imposição
da reclamada neste sentido”.
Relevante o trecho em que se chama a atenção para o fato de que
“também a testemunha da reclamada disse que a empresa não tinha nenhum
vendedor que fosse registrado como empregado, quando a sua atividade-fim
consiste, exatamente, na comercialização de produtos. Ora, em sendo esta
a atividade-fim da empresa, é de se estranhar que não tenha um único
vendedor em seus quadros, mas apenas representantes comerciais, o que
me parece ser uma forma de eximir-se do cumprimento de obrigações
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trabalhistas, sociais e tributárias em relação a esse pessoal”. (grifos e negritos
ausentes no original)
Ademais, reputa-se pertinente transcrever ainda o seguinte trecho do
decisum:
“(...) Assim, a contratação da reclamante, na verdade, não foi formalizada
como um típico contrato civil, no qual as partes estipulam livremente as
condições e objeto do pacto.
Do que foi exposto, entendo que a autora foi contratada para trabalhar
na venda de produtos da reclamada, onde não havia liberdade na execução de suas atividades. Além disso, não possuía organização própria e autonomia típica do representante comercial na condução do
empreendimento, eis que não poderia visitar clientes, a não ser os
determinados pela empresa. Fato confirmado pela preposta que disse
que ‘a empresa fornecia uma relação de clientes aos seus vendedores
(autônomos).
Esta Corte, julgando processo similar (Proc. n. 00091.2007.007.13.00-0),
da relatoria da Drª Juíza Ana Madruga, onde a empresa figura como
reclamada, desconsiderou o contrato de representação entre as partes,
sob o fundamento de que se tratava realmente de vínculo de emprego,
como ocorre no presente caso.
Concluo, assim, pela existência de uma relação de emprego, enquadrada
nos requisitos estabelecidos pelo art. 3º da CLT, conforme reconhecido
pela instância de origem, restando correta a condenação para que a
reclamada anote a CTPS da autora, no período de 1º.9.2004 a
30.9.2005." (grifos acrescidos)
Restou amplamente demonstrada e fundamentada, portanto, a prática
fraudulenta, podendo se observar, da leitura das transcrições supra, que não
é a primeira vez que o Judiciário Trabalhista da Paraíba se vê diante da
utilização de tal fraude por parte da empresa Farma Service Distribuidora Ltda.
Ao assumir a condução das investigações, o Procurador do Trabalho
que esta subscreve adotou uma série de medidas com o intuito de melhor
instruir o feito, notadamente através da requisição de documentos e colheita
de prova oral, através da oitiva de testemunhas.
Observou-se, assim, o enorme quantitativo de “contratos de representação comercial autônoma” firmados pela empresa ré, a qual, conforme se
pôde perceber, tem como atividade-fim justamente a realização de vendas
de diversos produtos e, no entanto, não possui um único empregado
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vendedor — salvo, segundo seu gerente, também ouvido por este Órgão
Ministerial, aqueles que trabalham no denominado telemarketing —, o que é,
no mínimo, de se estranhar, na falta de melhor vernáculo.
A fim de melhor elucidar as questões de que trata o caso que ora se
nos apresenta, convém transcrever trechos de alguns dos referidos depoimentos, a exemplo daquele prestado pela trabalhadora Mércia Ferreira Gaião,
a qual informou o seguinte:
“QUE prestou serviços para a empresa Farma Service Distribuidora Ltda.
durante o período compreendido entre os meses de janeiro e outubro
de 2006; QUE atuava na área de vendas, mais especificamente na comercialização de produtos de higiene e beleza; QUE a depoente não
era registrada como empregada da empresa, uma vez que sua prestação de serviços era formalizada por meio de contrato de representação
comercial; QUE a depoente nunca trabalhou como representante comercial antes de prestar serviços à Farma Service; QUE após deixar de
prestar serviços a tal empresa a depoente não mais atuou como representante comercial; QUE a necessidade de se inscrever no Conselho
Regional dos Representantes Comerciais (CORE) fora ressaltada à depoente justamente durante o processo de contratação da mesma pela
Farma Service; QUE a depoente teve contato com o então gerente da
empresa, o qual lhe disse que a empresa estaria contratando trabalhadores para laborar na área de vendas, tendo, em razão disso, sugerido
que a depoente apresentasse seu currículo, tendo a mesma providenciado a entrega de tal currículo ao próprio gerente da Farma Service;
QUE após análise do currículo da depoente, e submissão desta a entrevista da qual participou representante da empresa vindo de João
Pessoa, fora dito à mesma que o seu perfil se adequava àquele que a
empresa estava buscando nas contratações que estaria realizando para
a área de vendas; QUE fora informado à depoente que, para a formalização de sua contratação, seria necessário que a mesma se inscrevesse no CORE, uma vez que seria contratada como representante
comercial; QUE até então imaginava a depoente que sua contratação,
caso viesse a ocorrer, dar-se-ia como empregada da empresa; QUE
não sabe informar se a empresa teria algum vendedor empregado ou
se todas as vendas da mesma se dariam por meio de representantes
comerciais; QUE a administração da empresa informou à depoente que
a mesma não poderia comercializar produtos que não fossem exclusivamente aqueles repassados pela própria Farma Service; QUE teria sido
informado à depoente que a consequência para a desobediência a essa
regra, ou seja, à exclusividade na venda de produtos comercializados
pela empresa, seria a rescisão do contrato firmado entre a depoente e
a empresa, resultando, assim, no encerramento dos serviços prestados pela depoente a esta última; QUE a remuneração se dava à base
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exclusivamente de comissões; QUE havia reuniões periódicas na sede
da empresa localizada em João Pessoa, às quais a depoente era obrigada a comparecer, ocasiões em que encontrava com outros representantes comerciais com atuação na região de Campina Grande, bem como
de outras regiões do Estado da Paraíba; QUE no Município de Campina Grande, até onde fora informado à depoente, havia 7 (sete) pessoas
trabalhando na área de vendas para a Farma Service, todas elas
contratadas por meio de contratos de representação comercial; QUE
nessas reuniões eram traçadas metas a serem obedecidas pelos
representantes comerciais, citando a depoente como exemplo o fato
de ter de ser ‘positivado’ a cada semana pelo menos 1 (um) cliente;
QUE ‘positivar’ significa efetuar venda aos clientes; QUE os clientes com
os quais a depoente mantinha relação comercial durante o período em
que prestou serviços para a Farma Service eram, em sua maioria, supermercados; QUE quando a depoente começou a prestar serviços
para a empresa, fora-lhe entregue uma relação de alguns clientes que
já costumavam adquirir produtos da empresa, tendo a depoente dado
continuidade a tal relação comercial; QUE os pedidos feitos pelos clientes, resultado das vendas efetuadas pela depoente, precisavam ser
repassados à empresa diariamente, salvo se não houvesse sido feito
qualquer pedido em determinado dia; QUE a comissão era paga pela
empresa à depoente independentemente de o cliente honrar ou não o
pagamento da compra pelo mesmo efetuada; QUE havia a obrigação
de a depoente, na condição de representante comercial, visitar todos
os clientes todas as semanas; QUE quando havia redução do número
de vendas, a depoente era contactada pelo gerente da empresa, o
qual lhe cobrava resultados, inclusive indagando se a depoente não
estaria visitando os clientes como deveria.” [grifos e negritos ausentes
no original]
Em sentido semelhante o depoimento do trabalhador José Ricardo
Hermínio de Araújo, o qual aduziu o seguinte:
“(...) QUE, assim como no período anterior em que prestou serviços
para a referida empresa, o depoente é atualmente contratado na condição de representante comercial; QUE tal situação fora formalizada
mediante assinatura de contrato; QUE quando do primeiro ingresso do
depoente no quadro de representantes comerciais da empresa, houve
um processo seletivo consistente na análise de currículo e entrevista
realizada pelo gerente da empresa, mais especificamente da unidade
desta em Campina Grande; QUE após ter sido selecionado, fora esclarecido ao depoente que o mesmo deveria apresentar a documentação
necessária, bem como estar em situação regular no CORE (Conselho
Regional de Representantes Comerciais); QUE, quando do início das
atividades, fora repassado pela empresa ao depoente um computador
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portátil do tipo palm top, no qual constavam informações alusivas aos
clientes com os quais o depoente iria operar, ou seja, comercializando
produtos vendidos pela empresa; QUE em tal palm constava lista dos
retroaludidos clientes, com os seus respectivos endereços; QUE o
depoente não pode comercializar produtos de outras empresas diversos
daqueles ao mesmo repassados pela Farma Service (....) QUE
atualmente o depoente presta serviços exclusivamente para a Farma
Service (...) QUE são estabelecidas metas a serem cumpridas pelos
representantes comerciais (...)” [grifou-se]
Observe-se, ademais, o que fora informado pelo trabalhador José Darlan
Alves do Nascimento:
“(...) QUE o depoente presta serviços, na condição de representante
comercial, exclusivamente para a empresa Farma Service (...) QUE a
empresa não tem nenhum vendedor empregado, devidamente registrado
em CTPS, uma vez que o setor de vendas da empresa seria tocado por
meio de representantes comerciais; QUE na área de vendas haveria,
como empregado, apenas os gerentes, os quais, todavia, não atuam
diretamente na realização de vendas, uma vez que apenas coordenam
as atividades dos representantes comerciais; QUE cada um dos representantes comerciais recebe da empresa um computador portátil do tipo
palm top, por meio do qual recebem instruções e orientações da
empresa, notadamente do gerente, além de eventuais alterações na
tabela de preços e outras informações relevantes; QUE o contato com
o gerente, que, conforme já ressaltado, coordena as atividades dos
representantes comerciais, dá-se por meio de mensagens eletrônicas
frequentes, via palm top, por contato telefônico, em situações que
requeiram maior urgência, bem como por meio das reuniões mensais,
que são realizadas com a participação do gerente e dos representantes
comerciais pelo mesmo coordenados; QUE em tais reuniões são entregues os RPA (Recibos de Pagamento a Autônomos), material de
divulgação dos produtos comercializados pela empresa, passadas
orientações pelo gerente aos representantes comerciais a serem
observadas por estes últimos no exercício de suas atividades,
repassados relatórios de desempenho, bem como, em sendo o caso,
cobrado maior empenho dos representantes comerciais; QUE nos
contatos telefônicos às vezes mantidos pelo gerente com os representantes comerciais, é cobrado destes maior empenho em algumas
situações pontuais nas quais seja necessária tal cobrança, bem como
solicitado que seja dada atenção especial a algum cliente, a depender
do caso concreto; QUE a remuneração do depoente se dá exclusivamente à base de comissão; QUE há metas a serem cumpridas pelos
representantes comerciais (...) QUE, na hipótese de o cliente não honrar
o pagamento dos produtos adquiridos, o representante comercial não
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deixa de receber sua comissão; QUE o pagamento das comissões se
dá em 2 (duas) datas de cada mês, mais especificamente no dia 20 e
no dia 10 do mês seguinte.” [grifou-se]
Reputa-se esclarecedor o depoimento do trabalhador Marcos Venício
Galdino Menezes, o qual aduz que, já tendo trabalhado na venda de produtos
para a ora demandada, estaria atualmente laborando para uma outra empresa
do mesmo setor (concorrente), porém com seu contrato de trabalho
devidamente registrado em CTPS, ressaltando que “não há maiores diferenças
entre o trabalho prestado atualmente e o que era prestado para a Farma
Service”, concluindo que, “como representante comercial ou como vendedor
empregado, o serviço prestado pelo depoente se dá em moldes idênticos”.
Observe-se:
“QUE prestou serviços para a empresa Farma Service durante cerca
de 2 (dois) anos, tendo encerrado tal prestação de serviços
recentemente, mais especificamente no dia 1º de maio de 2008; QUE
durante todo o período prestou serviços na área de vendas, não sendo
contudo registrado como vendedor empregado da empresa, uma vez
que sua prestação de serviços fora formalizada por meio de contrato
de representação comercial (...) QUE atualmente o depoente trabalha
como vendedor para uma outra empresa, também com atuação no
segmento de higiene e beleza, porém com seu contrato de trabalho devidamente registrado em CTPS; QUE sua atual empregadora é a empresa GISAN; QUE não há, de acordo com o depoente, maiores
diferenças entre o trabalho prestado atualmente e o que era prestado
para a Farma Service, sendo diferente apenas pelo fato de atualmente
atender a grandes empresas e, no passado, quando prestava serviços
para a Farma Service, atendia empresas de pequeno porte; QUE, como
representante comercial ou como vendedor empregado, o serviço
prestado pelo depoente se dá em moldes idênticos (...) QUE na empresa
não existiam vendedores empregados, uma vez que todas as suas
vendas eram realizadas por representantes comerciais, assim
contratados; QUE havia o estabelecimento de metas mensais a serem
cumpridas (...) QUE a remuneração do depoente se dava exclusivamente à base de comissões; QUE a empresa fornecia aos representantes comerciais um computador portátil do tipo palm top, por meio
do qual eram repassadas com frequência diária, via mensagens
eletrônicas, orientações oriundas da empresa a serem seguidas pelos
representantes comerciais no exercício de suas atividades; QUE o
contato com a empresa, além dessas mensagens eletrônicas, era mantido pelo gerente da mesma com os representantes comerciais (...) QUE
a transmissão dos pedidos feitos pelos clientes se dava diariamente,
via palm top (...)” [grifou-se]
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Outra trabalhadora que candidatou-se a uma vaga para trabalhar na
área de vendas, no âmbito da ora demandada e de uma outra empresa do
mesmo grupo econômico da mesma, Patricia da Cunha Sousa, assim como
outros trabalhadores, somente quando da formalização de sua contratação
fora que teve conhecimento de que não seria registrada como empregada,
havendo necessidade de formalizar contrato de “representação comercial
autônoma” e, portanto, inscrição no CORE. Veja-se:
“QUE trabalhou para a empresa Farma Service durante o primeiro
semestre de 2007, mais especificamente entre os meses de janeiro e
maio ou junho do mesmo ano; QUE a depoente trabalhava na área de
vendas; QUE não era a depoente registrada em CTPS como
empregada vendedora da empresa, uma vez que sua contratação fora
formalizada por meio de contrato de representação comercial; QUE a
depoente havia trabalhado como representante comercial, antes de
laborar para a Farma Service, numa única oportunidade, quando prestou
serviços para uma empresa que, segundo fora informado à depoente,
seria do mesmo grupo econômico da Farma Service; QUE tal empresa
seria denominada Martins; QUE a depoente trabalhou para a tal empresa durante cerca de 10 (dez) meses no curso do ano de 2006, tendo de
lá saído para trabalhar na área de vendas da Farma Service, a qual,
conforme já ressaltado, seria do mesmo grupo econômico da Martins;
QUE somente quando começou a prestar serviços para ambas as
empresas supramencionadas foi que a depoente providenciou sua
inscrição no Conselho Regional de Representantes Comerciais
(CORE); QUE a depoente, após indicação de uma pessoa que já
trabalhava para a Martins, no caso seu irmão, submeteu-se a um processo seletivo realizado no âmbito da empresa, no qual obteve aprovação,
tendo sido à mesma ressaltado que estaria habilitada a ser contratada
para trabalhar na área de vendas, sendo que, todavia, para tanto seria
necessário que se inscrevesse no CORE, a fim de ser formalizada a
sua contratação; QUE foi o próprio gerente da empresa que encaminhou
a depoente para realizar sua inscrição no CORE; QUE depois, tal
inscrição fora também utilizada quando da contratação da depoente pela
empresa Farma Service, do mesmo grupo da empresa Martins; QUE
somente para as retroaludidas empresas a depoente prestou serviços
na condição de representante comercial; QUE não possui a depoente
escritório de representação comercial nem presta esse tipo de serviço
para qualquer empresa atualmente; QUE todos aqueles que trabalham
no setor de vendas da Farma Service são contratados por meio de
contratos de representação comercial, não havendo um único vendedor
empregado; QUE eram realizadas reuniões mensais, as quais eram
presididas pelo gerente da Farma Service, havendo participação dos
representantes comerciais da região; QUE em tais reuniões costumavam
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comparecer cerca de 20 (vinte) representantes comerciais ou um pouco
menos; QUE em tais reuniões, costumava o gerente da empresa
discutir com os representantes a forma pela qual vinha se dando a
atuação destes, inclusive chamando a atenção dos representantes que
entendia o gerente que estariam trabalhando de maneira errada, de
modo a prejudicar as vendas da empresa; QUE havia discussão também
nas reuniões acerca das metas a serem cumpridas pelos
representantes comerciais (...) QUE era comum o gerente encaminhar
mensagens por meio do palm top, nas quais repassava atualizações
das tabelas de preços dos produtos comercializados pela a empresa,
além de orientações no que tange ao modo pelo qual deveriam atuar
os representantes comerciais visando a aumentar as vendas, bem
como cobrando costumeiramente o cumprimento das metas estabelecidas pela a empresa; QUE tais mensagens eram bastantes frequentes,
sendo encaminhadas pelo gerente quase que diariamente; QUE
quando a depoente passou a trabalhar para a empresa, fora para a
mesma entregue a relação dos clientes da empresa para os quais a
depoente deveria efetuar as vendas, tendo se ressaltado que a depoente
poderia angariar novos clientes para a empresa; QUE a empresa
cobrava da depoente que a mesma visitasse periodicamente todos os
clientes, sendo que em relação a alguns deles, notadamente as
empresas maiores, as visitas deveriam se dar com uma frequência
maior; QUE se tais visitas não fossem realizadas, havia cobrança por
parte do gerente da Farma Service; QUE tais cobranças se davam,
normalmente, nas reuniões e nas mensagens encaminhadas para os
palm tops dos representantes comerciais, havendo ocasiões em que
o próprio gerente ligava para o representante, a fim de tratar de assuntos
relacionados às vendas de responsabilidade deste último; QUE a própria
depoente chegou a receber várias ligações do gerente da empresa para
falar acerca das vendas (...).” [grifou-se]
Foram ouvidas ainda algumas outras testemunhas, as quais prestaram
depoimentos em sentido bastante semelhante aos que foram supratranscritos.
Vale frisar, por oportuno, o fato de ter se procedido à oitiva do gerente
da empresa, Sr. Wellington Alves Dantas, o qual ressaltou que “a Farma
Service comercializa atualmente uma linha de cerca de 3.000 (três mil) produtos, nas áreas de medicamentos, higiene e beleza”, tendo ainda confirmado a
existência de reuniões periódicas entre o gerente e os representantes comerciais, bem como que há exigência, por parte da empresa, no sentido de
serem periodicamente visitados os clientes pelos representantes comerciais,
tendo sido ainda informado que “a empresa não possui nenhum empregado
que labore no setor de vendas externas, uma vez que tais atividades são
desempenhadas exclusivamente por representantes comerciais autônomos”.
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Em suma, pôde-se perceber que se está a tratar de uma grande
empresa, a qual tem por atividade-fim a realização de vendas de um número
enorme de produtos e que, inobstante tais fatos, realiza tais vendas por meio
de trabalhadores que não são registrados como seus empregados, muito
embora tenham suas atividades monitoradas, inclusive com a cobrança de
metas, realizações de reuniões periódicas, acompanhamento de suas
atividades por meio de telefone, computador portátil, das retroaludidas
reuniões, lista de clientes a serem atendidos repassada pela própria empresa,
cobrança de visitas periódicas aos clientes, enfim, numa clara tipificação de
relação de emprego, mascarada, contudo, sob o simulacro de uma suposta
representação comercial autônoma.
Indubitável, portanto, diante de toda a narrativa supra, a existência de
graves irregularidades, razão pela qual se impôs o ajuizamento da presente
Ação Civil Pública.
II — Do direito
Conforme amplamente demonstrado, a ré oculta verdadeiras relações
de emprego sob o manto de supostos contratos de representação comercial,
acarretando, com isso, a sonegação dos direitos trabalhistas daqueles que,
de fato, são seus empregados vendedores.
II.1 — Da inexistência de representação comercial
Inicialmente, vejamos o que dispõe a legislação acerca da definição de
empregado e de representante comercial, uma vez que, da definição de ambos,
constatar-se-á facilmente porque está irregular a situação da empresa ré.
Os requisitos da relação empregatícia são extraídos dos arts. 2º, caput,
e 3º, caput, da CLT:
“Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige
a prestação pessoal de serviços.”
“Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços
de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e
mediante salário.”
Por sua vez, a atividade de representantes comerciais autônomos é
regulada pela Lei n. 4.886, de 9 de dezembro de 1965, que em seu art. 1º
estabelece:
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“Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou
pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter
não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a
realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos,
para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.”
As provas coletadas nos autos do PP n. 163/07 permitem afirmar que,
na realidade, os supostos representantes comerciais da ré são verdadeiros
empregados, inserindo-se na definição prevista na CLT.
É bem verdade que há traços comuns entre a representação comercial
e o vínculo empregatício, tais como a habitualidade e a onerosidade. Entretanto, a pessoalidade e a subordinação jurídica, principalmente o último, são
os dois elementos diferenciadores entre um e outro instituto jurídico.
De qualquer forma, há que ser ressaltado que o trabalho, via de regra é
subordinado e, portanto, em regra, configura relação empregatícia. A autonomia não é presumida, nem aspectos formais podem sobrepor-se à realidade.
No caso concreto, pode-se facilmente perceber que a relação de fato
existente entre os contratados e a demandada não se coaduna com a Lei n.
4.886/65.
A Lei mencionada, em seu art. 2º, exige autonomia do representante
comercial, a qual, definitivamente, não existe quando há obrigatoriedade de
realização de visitas periódicas; de participação de reuniões também periódicas; quando é necessário manter contato praticamente diário — seja através
de telefone, pessoalmente ou através de mensagens trocadas via palm top
— com o gerente da empresa; quando este último costumeiramente cobra
resultados dos representantes comerciais, inclusive chamando-lhes a atenção em virtude da ausência de visita a algum cliente; dentre vários outros
fatos constatados no curso das investigações, os quais demonstram, sem
sombra de dúvida, que se está diante, em verdade, de efetiva relação empregatícia, inobstante seja a mesma mascarada mediante fraude.
Encontra-se, pois, a situação da demandada em total dissonância com
o que prescreve o ordenamento jurídico pátrio, inclusive a doutrina atinente à
espécie. Senão, vejamos o que diz a respeito da matéria Paulo Emílio Ribeiro
de Vilhena, citado por Isabel Raposo e Silva:
“O representante comercial é trabalhador autônomo, com ampla
liberdade de condução de sua atividade, organizando seu trabalho com
poderes jurídicos decorrentes do contrato, escolhendo a clientela como
bem lhe aprouver, sem interferência da empresa representada, que se
limita a receber pedidos e pagar as comissões respectivas. (...)” (In:
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SILVA, Isabel Cristina Raposo e. Da subordinação jurídica no contrato
de representação comercial como elemento caracterizador do vínculo
de emprego. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 104, 15 out. 2003) (Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4236>) [grifou-se]
Vale observar que o gerente da empresa informou, de maneira expressa,
que “quando se dá o ingresso de um novo representante comercial, via de
regra em substituição a um outro representante que saiu do rol de contratados
pela empresa, esta última repassa a relação dos clientes daquela área na
qual o representante comercial irá atuar”.
Por outro lado, a subordinação ficou evidente na necessidade de
cumprimento de metas de vendas e na realização de visitas aos clientes, tendo
o próprio gerente da empresa, por sinal, ressaltado que “via de regra, exige-se que os representantes comerciais visitem cada um dos clientes pelo menos
uma vez por mês, podendo diminuir ou aumentar tal periodicidade, a depender
do caso concreto”, tendo sido esclarecido, ademais, “que quando ocorre, por
exemplo, de um cliente que costuma comprar com certa frequência passar
muito tempo sem efetuar qualquer compra, o gerente da empresa mantém
contato com o representante comercial daquela área, a fim de indagar-lhe
os motivos de tal situação” [grifos e negritos acrescidos].
Para completar o quadro que torna clara a existência de uma verdadeira
relação de emprego, chama-se a atenção, mais uma vez, para o que fora
ressaltado pela testemunha Marcos Venício Galdino Menezes, o qual afirmou
que já trabalhou para a empresa ora demandada realizando vendas para esta,
na condição de representante comercial, e que atualmente realizaria serviços
semelhantes para uma empresa concorrente, porém “com seu contrato de
trabalho devidamente registrado em CTPS”, ressaltando, ainda, que, “como
representante comercial ou como vendedor empregado, o serviço prestado
pelo depoente se dá em moldes idênticos” [grifou-se].
Destarte, pela análise das provas constantes dos autos, não é difícil a
percepção de que os contratos colacionados a esta peça inicial não passam
de contratos de fachada, que têm por desiderato atribuir a contratos de trabalho
subordinados a roupagem de contratos de representação comercial, com a
finalidade precípua de abster-se de arcar com os direitos trabalhistas dos seus
empregados, os quais, na realidade são promotores de vendas ou vendedores
externos.
Em sede jurisprudencial, destaque-se que o egrégio Tribunal Regional
do Trabalho da 13ª Região por diversas vezes já emitiu decisões reconhecendo
o vínculo empregatício de supostos representantes comerciais com a ré,
conforme se extrai, inclusive, da leitura do acórdão cuja remessa a este Parquet
laboral deu origem às investigações por parte deste ramo especializado do
Ministério Público da União (processo n. 00089.2007.008.13.00-9).
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II.2 — Da terceirização ilegal
Ainda que se pudesse ultrapassar a situação descrita no tópico anterior,
o que certamente não ocorrerá, a contratação de representantes comerciais
pela Farma Service Distribuidora Ltda. configura, inegavelmente, terceirização
ilegal.
De tudo que se extrai das peças que instruem esta peça vestibular, bem
como diante de toda a narrativa supra, verifica-se que a empresa tem como
atividade-fim justamente a realização de vendas, comercializando atualmente,
inclusive, conforme informado por seu gerente, “uma linha de cerca de 3.000
(três mil) produtos, nas áreas de medicamentos, higiene e beleza”.
Inobstante tal fato, o que se observa é que as vendas da empresa — o
que, repita-se, constitui justamente sua atividade finalística — são realizadas
por pessoas que, ao menos formalmente, não são reconhecidas como suas
empregadas.
De fato, a cláusula 1.1 dos contratos de representação comercial traz o
seguinte objeto:
“Constitui objeto do presente Contrato a mediação para realização de
negócios mercantis, visando à venda de produtos do ramo comercial
da Farma Service e/ou de terceiros, cujos produtos serão indicados nas
listas de preços fornecidas previamente pela Farma Service e em
consonância com as condições de comercialização estabelecidas.”
Ora, sendo o objeto dos contratos de representação comercial a promoção da venda dos produtos comercializados pela ré — que atua justamente
nesse segmento de vendas, o que constitui sua atividade-fim —, resta clara a
existência de flagrante terceirização ilícita promovida pela empresa demandada.
Acerca da matéria, dispõe o Enunciado n. 331, do colendo Tribunal
Superior do Trabalho, que:
“I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,
formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo
no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.1974).
II — (...).
III — Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de
serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.1983), e de conservação e
limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio
do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação.”
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Assim, somente se mostraria possível a terceirização das atividades que
não constituam o próprio fim da empresa, ou seja, somente as atividades-meio poderiam ser terceirizadas e, ainda assim, sem pessoalidade e
subordinação.
Pertinente a lição de Mauricio Godinho Delgado, que com clareza expõe
as diferenças entre as atividades-fim e meio das empresas:
“O quarto grupo de situações passíveis de contratação terceirizada lícita
diz respeito a serviços especializados ligados à atividade-meio do
tomador.
Esse grupo envolve atividades não expressamente discriminadas, mas
que se caracterizam pela circunstância unívoca de serem atividades que
não se ajustam ao núcleo das atividades empresariais do tomador de
serviços — não se ajustam, pois, às atividades-fim do tomador.
(...)
Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas
empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e
contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades
nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador
de serviços” (In: Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002. p.
583/585).
Percebe-se, assim, a ilegalidade da conduta da empresa ré, notadamente quando se observa que a atividade objeto dos contratos de
representação comercial é justamente a mesma que constitui o desiderato da
empresa ré, o que faz com que, na forma do Enunciado n. 331 do TST, seja
considerada a existência de vínculo empregatício entre ela e os seus supostos
“representantes”, na medida em que os mencionados contratos de representação comercial são fraudulentos.
O Judiciário Trabalhista tem tido a oportunidade, já há muito tempo, de
proferir decisões acerca da ilegalidade de contratos de representação
comercial também sob a ótica da terceirização ilícita. Abaixo seguem excertos
de 2 (dois) desses julgamentos, oriundos da 18ª Região:
“(...) O citado Enunciado n. 331 do Colendo TST tem limites estreitos,
que excluem a possibilidade de terceirização da atividade-fim da
empresa.(...). Na inicial o autor afirma que foi contratado diretamente
pela 2ª reclamada, mas que prestava serviços com exclusividade para
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a 1ª reclamada, sendo subordinado a ambas as empresas. Segundo a
defesa, o autor prestava serviços como vendedor para a empresa Soares
& Willuweint Ltda., para a qual a recorrente terceirizou o serviço de venda
de consórcios, através da representação comercial. Entretanto, sendo
atividade-fim da 1ª reclamada a venda de consórcios, os vendedores
são essenciais para o funcionamento da empresa, e a alegada
terceirização de suas atividades é manifestamente ilegal, nos termos
do art. 9º da CLT e do En. n. 331, I, do TST, formando-se o vínculo
diretamente com o tomador dos serviços.(...). Dessa forma, a alegada
contratação por empresa interposta constitui fraude às leis trabalhistas,
a teor do art. 9º da CLT. Assim, tendo a 1ª reclamada, tomadora de
serviço, contratado prestadores de serviço por meio de uma empresa
de representação autônoma, para desenvolver sua atividade-fim,
incorreu em ato defeso pelo Direito do Trabalho. Daí, resultando em
reconhecimento do vínculo diretamente com ela, a teor do En. n. 331, I,
do C. TST, ainda mais quando restou demonstrado que a segunda empresa
era apenas atravessadora de mão de obra. Destarte, reformo a sentença
na parte em que declarou existir vínculo de emprego com a 2ª reclamada e
condenou a 1ª reclamada subsidiariamente, para declarar reconhecido o
vínculo de emprego com a 1ª reclamada nos termos do que dispõe o
inciso I do En. n. 331 do C. TST, condenando-a ao pagamento das verbas
trabalhistas deferidas ao obreiro.(...)” (TRT 18ª Região, RO 2694/01,
rel. Juiz Octávio José de Magalhães Drummond Maldonado)
“(...) No mérito, data venia, divirjo, haja vista que as argumentações
recursais não resistem ao confronto com a bem lançada sentença a
quo, cujos fundamentos se pede venia para transcrever, eis que exaurem
a matéria: ‘(...)A nosso ver, a existência de vendedor ou representante
comercial, diga-se de passagem o nomem juris é irrelevante para se
definir a verdadeira relação jurídica, em face do princípio da primazia
da realidade, no quadro ou servindo aos interesses comerciais da
reclamada, contribuindo para a atividade principal da empresa é fator
preponderante para se classificar corretamente a espécie de relação
mantida entre as partes. In casu, não paira a menor dúvida de que o
reclamante prestava serviços para beneficiar a principal atividade da
empresa reclamada, uma vez que, por ser fabricante e distribuidora,
evidente que não poderia subsistir sem a colaboração dessa categoria
de trabalhadores. Essa pequena digressão faz-se necessária para
demonstrar que o contrato de trabalho firma-se, de forma insofismável,
para corroborar e beneficiar o objeto principal da pessoa jurídica, ao
passo que o contrato de autônomo, via de regra, visa à atividade-meio,
para se propiciar o desenvolvimento e garantir a sobrevivência da
atividade-fim. Sendo a garantia dos vendedores elemento fundamental
para a consecução dos objetivos da empresa, optou esta em contratá-los
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na modalidade de ‘representantes’, embora para as grandes transações,
com órgãos governamentais ou clientes diferenciados, utilize empregados contratados (...)” (TRT 18ª Região, RO 2283/00, rel. Juiz José
Luiz Rosa). [grifos acrescidos]
Destarte, também sob o aspecto da terceirização ilegal, os contratos
de representação comercial firmados pela empresa ré são nulos, sendo os
representantes comerciais, na realidade, empregados dela, por força dos arts.
2º, 3º e 9º, todos do texto consolidado e, ainda, do Enunciado n. 331 do TST.
III — Do dano moral coletivo
A violação de tantos dispositivos legais produz, além de danos patrimoniais de natureza individual, dano moral na coletividade de empregados da
empresa e na sociedade como um todo, que reclama reparação em dimensão
difusa e coletiva.
Exatamente para não deixar impunes situações como essas, em que
determinadas empresas pensam poder tudo, até mesmo afrontar a legislação
ao seu bel prazer e descumprir princípios jurídicos elementares, que se
apresenta a possibilidade de condenação em danos morais coletivos, a qual
se encontra em consonância com o movimento mais recente do Direito, no
sentido de sua coletivização ou socialização.
Trata-se de uma nova concepção do fenômeno jurídico e de seu alcance,
oposto à visão individualista até então prevalecente, fruto de uma concepção
liberal do Estado e de suas relações com os indivíduos. Ao contrário dessa
visão, constatamos que a Constituição Federal de 1988 consagra a coletivização dos direitos ao prever instrumentos como o Mandado de Segurança
Coletivo e a Ação Popular, merecendo ainda ser citado o surgimento de avançados diplomas legislativos, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor.
É dentro deste contexto que surge a noção de dano moral coletivo.
Até então, todas as considerações sobre o dano moral referiam-se ao
indivíduo. Contudo, se o indivíduo pode padecer de um dano moral, não há
também qualquer óbice a que o mesmo se dê com a coletividade. Observe-se o entendimento doutrinário a respeito da matéria:
“...o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma
dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado
círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo,
está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de
uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi
agredido de uma maneira absolutamente injustificável do ponto de
vista jurídico... Como se dá na seara do dano moral individual, aqui
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também não há que se cogitar de prova de culpa, devendo-se
responsabilizar o agente pelo simples fato da violação...” (BITTAR
FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico
brasileiro. In: Revista Direito do Consumidor, n. 12, out./dez. 1994)
[negritou-se]
O dano moral coletivo desponta, portanto, como a violação em dimensão
transindividual. Se o particular sofre uma dor psíquica ou passa por uma
situação vexatória, a coletividade, vítima de dano moral, sofre de desapreço,
descrença em relação ao poder público e à ordem jurídica. Padece a
coletividade de intranquilidade, insegurança.
Busca-se, assim, com a presente ação, não só a condenação em
obrigações de fazer e de não fazer, mas também que seja a ré condenada ao
pagamento de indenização pelo dano genérico, prevista no art. 13 da Lei n.
7.347/85.
No caso em tela, como já evidenciado, verifica-se a ocorrência de um
dano moral geral, causado a toda a coletividade. Trata-se de um prejuízo moral
potencial de que foi — e ainda o é — alvo toda a coletividade de trabalhadores
que integra e integrou os quadros da demandada, assim como a própria
sociedade, na medida em que violada a ordem social.
Levando em consideração, ademais, que a empresa simplesmente
vilipendia todo o ordenamento jurídico pátrio ao utilizar-se de flagrantes fraudes
visando a mascarar efetivas relações empregatícias sob o simulacro de falsas
“representações comerciais”, chega-se à inevitável conclusão no sentido de
que há de existir, de fato, uma condenação de caráter não só sancionatório
mas, acima de tudo, pedagógico, a fim de fazer cessar tal absurdo.
A impressão (equivocada, é bem verdade, mas inegavelmente existente)
que a empresa ré passa para os seus empregados, “representantes comerciais” e, por conseguinte, para a sociedade, é de que, como se diz coloquialmente, “pode tudo”, não estando, assim, obrigada a cumprir o que determina
a legislação pátria.
Urge, pois, que os órgãos do Estado adotem as medidas cabíveis no
sentido de fazer com que cesse essa sensação de verdadeira impunidade!!!
Resta inquestionavelmente demonstrada, portanto, a verificação, in casu,
do dano moral coletivo, a merecer reparação exemplar, o que é de inegável
importância para a sociedade, haja vista decorrer do ferimento a interesses
transindividuais, à luz do equilíbrio e da paz almejados pelo Direito.
Não há de se descurar que, nos conflitos e lesões de massa, a dimensão
proeminente do coletivo, em relação ao individual, sinaliza ainda mais para a
relevância da garantia reparatória.
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Saliente-se, aqui, a relevância da compreensão coletiva da demanda e
a respectiva reparação do dano causado, sem as quais restaria impune a
conduta ilícita, à míngua de qualquer sancionamento ao ofensor, resultando
também em descrédito ao ordenamento jurídico violado.
A reparação sob exame constitui, pode-se dizer, um meio de se assegurar que não vingue a ideia ou o sentimento de desmoralização do ordenamento jurídico e dos princípios basilares que lhe dão fundamento.
Enseja-se, assim, ter-se em conta, mais propriamente, a imposição, aos
ofensores, de uma condenação pecuniária que signifique uma penalização
pela prática de conduta tão reprovável quanto ilícita, que, certamente, resultou
e vem resultando em benefícios indevidos para a empresa e seus administradores, circunstância que fere e indigna a sociedade como um todo.
Mostra-se imperioso, portanto, fazer o lesante aprender, pela sanção
imposta, a força da reprovação social e os efeitos deletérios decorrentes da
sua conduta.
Em suma, a lesão a interesses de feição extrapatrimonial coletiva representa, no mais das vezes, um dano à própria sociedade, a exigir a imposição
de sanção exemplar, o que se concretiza por meio de uma obrigação pecuniária.
Quanto ao valor, mostra-se razoável, no caso em tela, tendo em vista
que se trata de grande empresa, a qual comercializa uma linha de milhares
de produtos, e com atuação em todo o país (conforme narrado pelo próprio
representante da empresa em audiência administrativa realizada no Ministério
Público do Trabalho, cuja ata respectiva vai em anexo, o mesmo se depreendendo, ademais, das informações contidas nos documentos apresentados pela
própria empresa), que a condenação NÃO seja inferior ao montante de R$
300.000,00 (trezentos mil reais), sob pena de restar inócua para o fim ao
qual se propõe, qual seja, desestimular a continuidade da reprovável prática
ora combatida.
IV — Da antecipação dos efeitos da tutela
Os elementos contidos no Procedimento Preparatório de Inquérito Civil
Público n. 163/07 (do qual foram extraídos os documentos que foram anexados
a esta Ação Civil Pública), deixam claro que a atitude da empresa ré lesa os
direitos trabalhistas de uma quantidade significativa de obreiros, os quais
consistem em empregados que laboram sob a roupagem de “representantes
comerciais”, mas que na realidade atuam de forma pessoal e subordinada, e,
ainda, na atividade-fim da ré, conforme amplamente demonstrado nos
documentos que instruem esta actio.
Necessária, destarte, atitude desse douto Juízo para impedir que tais
prejuízos venham atingir outros trabalhadores até o final julgamento da ação,
através da concessão de tutela antecipada, em caráter liminar.
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A antecipação é medida de caráter satisfativo.
No caso presente, que visa à imposição à ré de obrigações de fazer e
não fazer, ela é fundada nos arts. 461 do CPC e 84 da Lei n. 8.078/90.
Trata-se de tutela liminar específica das obrigações de fazer e não fazer,
para a qual são exigidos apenas a relevância do fundamento da demanda e o
justificado receio de ineficácia do provimento final.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery comentam o assunto:
“§ 3º 13. Adiantamento da tutela. A tutela específica pode ser adiantada,
por força do CPC 461 § 3º, desde que seja relevante o fundamento da
demanda (fumus boni juris) e haja justificado receio de ineficácia do
provimento final (periculum in mora). É interessante notar que, para o
adiantamento da tutela de mérito, na ação condenatória em obrigação
de fazer ou não fazer, a lei exige menos do que para a mesma providência na ação de conhecimento tout court (CPC 273). É suficiente a mera
probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda, para a
concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer
(...)” (In: Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 1997.
p. 673) [grifou-se]
Essa probabilidade está plenamente satisfeita com as provas e
elementos em anexo, notadamente quando se percebe que as irregularidades
que se visa coibir com o imediato impedimento de novas contratações de outros
empregados de fato sob a regência de falsos contratos de “representação
comercial” estão mais do que demonstradas através dos inúmeros documentos
anexados a esta exordial.
Destaque-se, ainda, que a relevância dos direitos apresentados neste
momento permitem que um provimento jurisdicional seja antecipado, ainda
que de maneira provisória, em relação ao resultado da demanda com plena
cognição.
De outra parte, há receio de ineficácia do provimento final — periculum
in mora — diante da real possibilidade de continuidade da prática ilegal exercida
pela demandada, em prejuízo de direitos sociais básicos dos trabalhadores.
Ademais, o que se pede é o cumprimento da Lei, não se podendo afirmar
que o provimento antecipatório será irreversível (art. 461, § 3º, 2ª parte, do
CPC).
Por outro lado, não advirá qualquer prejuízo à ré, vez que todos os
pedidos formulados consistem tão somente no estrito cumprimento da lei — a
qual, no entanto, não vem sendo observada pela empresa, e continuará a
não sê-lo, caso não haja uma determinação judicial nesse sentido, como ora
se pleiteia.
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Assim, a tutela antecipada deve ser deferida para obstar a continuidade
da utilização irregular dos contratos de “representação comercial” que
mascaram verdadeiras relações de emprego subordinado nas atividades
relacionadas à comercialização dos produtos da ré, ou seja, sua atividade-fim.
Vale registrar, por oportuno, que as mais recentes decisões das Cortes
trabalhistas pátrias, inclusive do colendo Tribunal Superior do Trabalho, evidenciam a conveniência, a oportunidade e a legalidade da concessão da tutela
antecipada, quando o Ministério Público do Trabalho ajuíza ação civil pública
calcada em provas previamente colhidas no processo administrativo instaurado
no âmbito da Procuradoria.
Plenamente justificada, assim, a antecipação dos efeitos da tutela, nos
termos do art. 12 da Lei n. 7.347/85 c/c o art. 461 do CPC, além de toda a
fundamentação supra.
V — Dos pedidos
V.1 — Do pedido de antecipação dos efeitos da tutela
Ex positis, o Ministério Público do Trabalho requer a antecipação dos
efeitos da tutela, inaudita altera parte, a fim de se determinar o seguinte:
a) seja condenada a empresa demandada, Farma Service Distribuidora
Ltda., na obrigação de não fazer consistente em não mais se utilizar de
contratos civis, como o de representação comercial ou outros artifícios
assemelhados, para mascarar verdadeiras relações trabalhistas, como
se dá com os chamados “representantes comerciais” que a empresa
contrata para a realização de vendas dos produtos que a mesma
comercializa, o que, não custa lembrar, consiste justamente na atividade
desempenhada, finalisticamente, pela empresa;
b) seja declarado o vínculo empregatício de todos os empregados da
Ré contratados como “representantes comerciais” para a realização de
vendas dos produtos que a mesma comercializa, ou seja, para a realização de sua atividade-fim;
c) sejam fixadas astreintes para a hipótese de descumprimento das
obrigações retroelencadas, no valor mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) mensais, a incidir por empregado prejudicado por tal descumprimento, revertendo-se a multa suprarreferida, caso venha a incidir, ao
Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT.
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V.2 — Dos pedidos definitivos
De conformidade com os fundamentos expendidos, pleiteia o Ministério
Público do Trabalho que, em confirmação à decisão concessiva da tutela antecipatória, seja a empresa condenada a:
a) seja condenada a empresa demandada, Farma Service Distribuidora
Ltda., na obrigação de não fazer consistente em não mais se utilizar de
contratos civis, como o de representação comercial ou outros artifícios
assemelhados, para mascarar verdadeiras relações trabalhistas, como
se dá com os chamados “representantes comerciais” que a empresa
contrata para a realização de vendas dos produtos que a mesma comercializa, o que, não custa lembrar, consiste justamente na atividade
desempenhada, finalisticamente, pela empresa;
b) seja declarado o vínculo empregatício de todos os empregados da
Ré contratados como “representantes comerciais” para a realização de
vendas dos produtos que a mesma comercializa, ou seja, para a realização de sua atividade-fim;
c) sejam fixadas astreintes para a hipótese de descumprimento das obrigações retroelencadas, no valor mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) mensais, a incidir por empregado prejudicado por tal descumprimento, revertendo-se a multa suprarreferida, caso venha a incidir, ao
Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT;
d) seja condenada a empresa ré a pagar, nos termos do art. 13 da Lei
n. 7.347/85, indenização por danos morais coletivos em valor que não
seja inferior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), reversível ao Fundo
de Amparo do Trabalhador — FAT, pelos danos morais coletivos decorrentes da lesão genericamente causada, notadamente em razão da
grave afronta ao ordenamento jurídico verificada, nos termos da fundamentação supra.
VI — Dos requerimentos
Por fim, requer o Ministério Público do Trabalho:
VI.1 — a citação da empresa demandada, no endereço declinado no
preâmbulo, a fim de que a mesma, querendo, responda aos termos
da presente ação, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria
fática;
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VI.2 — a notificação pessoal do Parquet laboral no que concerne a todos
os atos do processo, consoante o disposto no art. 18, II, h, da Lei
Complementar n. 75/93, bem como no art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil e, por fim, o Provimento n. 4/00, da d. Corregedoria Geral
da Justiça do Trabalho;
VI.3 — a produção de todos os meios probatórios em direito admitidos,
especialmente juntada de novos documentos, depoimento pessoal, oitiva
de testemunhas, perícia, além de outros que venham a se mostrar
relevantes para o deslinde das questões trazidas a juízo através da
presente demanda.
Atribui-se à presente causa o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil
reais).
Campina Grande (PB), 1º de setembro de 2008.
Carlos Eduardo de Azevedo Lima
Procurador do Trabalho
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SENTENÇA
FALSOS REPRESENTANTES COMERCIAIS
3ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINA GRANDE
Processo 00689.2008.009.13.00-4
Aos 5 dias do mês de agosto do ano de dois mil e nove, às 16h53min,
estando aberta a audiência da 3ª Vara do Trabalho de Campina Grande, na
sala respectiva, com a presença do Dr. Paulo Nunes de Oliveira, Juiz do
Trabalho, foram apregoados os litigantes, Ministério Público do Trabalho.
Requerente: Farma Service Distribuidora Ltda.
Requerida: Ausentes as partes.
Instalada a audiência, foi prolatada a seguinte Sentença
Vistos etc.
Ministério Público do Trabalho ajuíza, em 2.9.2008, Ação Civil Pública
contra Farma Service Distribuidora Ltda., alegando, em resumo, violação da
legislação trabalhista. Após exposição fática, postula os pedidos elencados
na inicial, inclusive com a antecipação dos efeitos da tutela. Dá à causa o
valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
O pleito da antecipação dos efeitos da tutela foi rejeitado, conforme os
termos da decisão de fls. 515/516.
A requerida apresenta defesa às fls. 537/565, arguindo preliminares e
contestando os pedidos da inicial.
É produzida prova documental.
É produzida prova testemunhal.
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Sem mais provas é encerrada a instrução.
As razões finais, pela requerente, são orais, e pela requerida, por
memoriais.
As tentativas de conciliação restam frustradas.
Fica marcada a data de 13.4.2009, às 16h59min, para leitura e publicação de sentença.
A publicação da decisão foi adiada, em razão da complexidade da
matéria.
É o relatório.
Decido
I — Preliminar
a) Carência de ação. Ilegitimidade ativa
A requerida alega a ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho. Aduz que o direito em questão é individual, divisível, não homogêneo e
disponível. Fundamenta suas alegações nas disposições da Lei Complementar n. 75/93 e em entendimentos jurisprudenciais que se posicionam, alguns,
de forma contrária à possibilidade do órgão Ministerial atuar na defesa de
direitos individuais homogêneos, e outros no sentido de que não poderia
atuar, o Parquet, na defesa de direitos individuais “puros”. Ressalto os dois
entendimentos jurisprudenciais, pois o item da contestação que trata sobre o
tema, por vezes, deixa implícito o entendimento de que o MPT não poderia
atuar na defesa de direitos individuais homogêneos. Assevera que, ao
contratar seus prestadores de serviço na modalidade de representação
comercial, e não como empregados, a situação se individualiza, não ocorrendo situação de fato única a ligar os representantes comerciais. Alega que os
“direitos trabalhistas” são disponíveis, exemplificando com possíveis conciliações judiciais.
O MPT se manifesta em relação à preliminar arguida, defendendo sua
legitimação ativa para o caso em comento. Aduz que o Ministério Público,
conforme disposição constitucional, é essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis. Assevera que o Ministério Público
do Trabalho tem por função a defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores, o que abrange os direitos difusos, coletivos stricto sensu e os individuais
homogêneos.
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Ressalta que o que se discute, na presente lide, é a fraude à legislação
trabalhista, visando a mascarar relações de emprego, sob o manto de relações
de representação comercial. Alega que a presente ACP não busca reparação de direitos individuais, mas sim, de fazer cessar as práticas fraudulentas
e reparar, na forma de indenização, toda a coletividade.
Segundo o sistema das condições da ação, concebido por Liebman,
adotado pelo Código de Processo Civil pátrio (arts. 3º e 267, VI) e aplicado
subsidiariamente ao processo do trabalho (CLT, art. 769), se o autor não reúne
as condições exigidas para o julgamento do mérito da causa, pronuncia-se a
sua carência e extingue-se o processo sem julgamento do mérito. Entende-se, contudo, que o exame do mérito depende somente da configuração das
condições da ação em confronto com as afirmativas lançadas na petição inicial
— consideradas in statu assertionis —, de modo que a veracidade ou não
daquelas afirmativas não deve ser objeto de análise, pelo juiz, quando da
avaliação específica das condições da ação, e sim traduzir matéria relacionada
às questões de mérito.
A legitimidade para a causa, de regra, diz respeito àqueles a
quem pertence o interesse de agir e perante quem esse interesse deve ser
manifestado.
No geral, ela se refere aos titulares da relação jurídica de direito material
afirmada em juízo, mas, em casos excepcionais, confere-se legitimidade a
quem não detém aquela titularidade, como nas hipóteses de substituição
processual.
Assim, é necessário avaliar a legitimidade ativa do MPT para atuar no
presente feito com base nas alegações constantes de sua petição inicial, onde
consta a afirmação de que a relação jurídica trazida a juízo configura direito
individual homogêneo. Assim, eventual “descaracterização” de homogeneidade
da situação jurídica sob exame remete à análise de mérito, o que impossibilita
o reconhecimento de carência de ação, por ilegitimidade ativa.
Analiso, por cautela, por ser tese defendida em alguns dos entendimentos jurisprudenciais transcritos na contestação, a possibilidade de o MPT
atuar na defesa dos direitos individuais homogêneos.
Os direitos individuais têm seu contraponto nos chamados direitos
metaindividuais. Veja o que dispõe a Lei n. 8.078/90:
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das
vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I
— interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
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pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II —
interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular
grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base; III — interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”
O art. 6º, da Lei Complementar n. 75/93, determina que o Ministério
Público deve proteger os direitos individuais indisponíveis, homogêneos,
sociais, difusos e coletivos.
Assim, não vejo qualquer dúvida quanto à legitimidade do Ministério
Público do Trabalho atuar na defesa dos direitos individuais homogêneos dos
trabalhadores, conforme se verifica nos julgados abaixo:
STF, RE 394.180, Rel. Min. Ellen Gracie:
“[...] Com relação à legitimidade do Ministério Público do Trabalho para
ajuizar ação civil pública de natureza não coletiva, o Tribunal a quo divergiu da orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema,
conforme se verifica do seguinte julgado: Recurso Extraordinário. Trabalhista. Ação Civil Pública. 2. Acórdão que rejeitou embargos infringentes, assentando que ação civil pública trabalhista não é o meio
adequado para a defesa de interesses que não possuem natureza coletiva. 3. Alegação de ofensa ao disposto no art. 129, III, da Carta Magna. Postulação de comando sentencial que vedasse a exigência de
jornada de trabalho superior a 6 horas diárias. 4. A Lei Complementar
n. 75/93 conferiu ao Ministério Público do Trabalho legitimidade ativa,
no campo da defesa dos interesses difusos e coletivos, no âmbito trabalhista. 5. Independentemente de a própria lei fixar o conceito de interesse coletivo, é conceito de Direito Constitucional, na medida em que
a Carta Política dele faz uso para especificar as espécies de interesses
que compete ao Ministério Público defender (CF, art. 129, III). 6. Recurso conhecido e provido para afastar a ilegitimidade ativa do Ministério
Público do Trabalho (RE n. 213.015-0, Rel. Min. Neri da Silveira, DJ
24.5.2002). 7. Outrossim, no mesmo sentido, aponto o RE 163.231-3,
Rel. Min. Mauricio Correa, Plenário, unânime, DJ de 29.6.01. 9. Diante
do exposto, com fundamento no art. 557, 1-A do CPC, dou provimento
ao recurso extraordinário para assentar a legitimidade do Ministério Público do Trabalho, devendo a Corte de origem prosseguir no julgamento
da presente ação civil pública como entender de direito (2.8.2004).”
“TST, RR-2699/2000-042-03-00.6, DJ 21.9.2007: RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO,
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PELA RÉ, DE EMPREGADOS POR COOPERATIVA DE TRABALHO.
DENÚNCIA DE FRAUDE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DO TRABALHO. CARACTERIZAÇÃO. [...] a pretensão diz respeito a
direitos individuais homogêneos, sendo, portanto, legítimo o Ministério
Público do Trabalho para ajuizar a presente ação civil pública. Recurso
de revista conhecido e provido. Brasília, 15 de agosto de 2007. HORÁCIO SENNA PIRES Ministro-Relator.”
“TST, RR-763.332/2001.3, DJ 6.9.2007: RECURSO DE REVISTA —
AÇÃO CIVIL PÚBLICA — LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
— DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. A teor do art. 83, III, da
Lei Complementar n. 75/93, o Ministério Público do Trabalho detém
legitimidade para a defesa judicial de direitos individuais homogêneos,
considerados como tais os decorrentes de origem comum, na forma do
art. 81, III, da Lei n. 8.078/90. Precedentes do STF e do TST. Recurso
de Revista conhecido e provido. Brasília, 15 de agosto de 2007. Maria
Cristina Irigoyen Peduzzi Ministra-Relatora.”
“TST, RR 599.234/99.1: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES. COOPERATIVA.
FRAUDE. 1. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade ativa
para propor ação civil pública em desfavor de empregador, organizado
em cooperativa, a não proceder à intermediação de mão de obra de
trabalhadores, associados, ou não, para exercer qualquer prestação em
favor de terceiros, em atividade-fim ou atividade-meio. 2. Trata-se de
legitimação anômala, prevista no art. 91 da Lei n. 8.078/90, em que o
Ministério Público atua como substituto processual em defesa de interesses individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, inciso III, da
Lei n. 8.078/90). Tais interesses, decorrentes de origem comum, diferenciam-se dos difusos e dos coletivos pela característica da divisibilidade. São, pois, direitos subjetivos, divisíveis pela própria natureza, de
que são titulares pessoas determinadas. Podem ser postulados individualmente ou, mediante litisconsórcio; ou, ainda, pelo Ministério Público. 3. Sobretudo, se a prestação de serviços dá-se, mediante empresa
interposta e em favor de terceiros, em fraude às normas trabalhistas.
Tal circunstância ressalta o caráter público do interesse jurídico ofendido, a que toca ao Ministério Público, institucionalmente, defender. 4.
Recurso de revista de que não se conhece.
Brasília, 9 de agosto de 2006. João Oreste Dalazen Ministro Relator.
Assim, rejeito a preliminar.”
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b) Carência de ação. Impossibilidade jurídica do pedido
A requerida alega que o requerente elabora seus pedidos “em dois
grupos”, sendo o primeiro o referente à antecipação de tutela e o segundo o
“principal”. Aduz a impossibilidade jurídica de os pedidos serem formulados
desta forma. Assevera que a existência de fraude, como defendido pelo
Ministério Público do Trabalho, não se presume, dependendo de prova. Ainda,
defende que não pode ser imposta a abstenção de prática de ato que a lei
permite (no caso, a contratação de prestadores de serviço sob o manto de
contrato de representação comercial). Por fim, alega que não existe “dano
moral coletivo” indenizável, pois dano moral é típico da pessoa natural.
Todas as alegações trazidas pela requerida, no tópico, se confundem
com a análise do mérito da questão, e serão oportunamente abordadas.
Pedido juridicamente impossível é aquele que tem expressa vedação
legal, o que não é o caso dos autos.
Rejeita-se a preliminar.
c) Carência de ação. Impossibilidade jurídica do pedido
A requerida alega a falta de interesse processual por impossibilidade
jurídica do pedido. Aduz que a postulação do Ministério Público do Trabalho,
no sentido de abstenção de utilização de contratos civis para mascarar relação trabalhistas e reconhecimento, como de emprego, do vínculo dos representantes comerciais é, de forma oblíqua, ação de controle concentrado de
constitucionalidade.
Como afirmado acima, pedido juridicamente impossível é aquele que
tem expressa vedação legal, o que não é o caso dos autos.
A análise da legalidade dos contratos de representação comercial
celebrados pela requerida será efetuada no momento oportuno.
Por amor ao debate, o órgão Ministerial em momento algum defende a
inconstitucionalidade da lei que dispõe sobre o contrato de representação
comercial. Apenas alega que a contratação de representantes comerciais pela
requerida foi feita com o intuito de mascarar relações trabalhistas.
Rejeito a preliminar.
d) Carência de ação. Impossibilidade jurídica do pedido
Alega a requerida que há impossibilidade jurídica nos pedidos, pois
cumula pedidos de obrigação de fazer e não fazer, com pedido de condenação
em dinheiro, enquanto a Lei n. 7.347/85, em seu art. 3º, dispõe que o objeto
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da condenação será em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer.
Os pedidos em comento têm origem no mesmo fato, mas possuem natureza jurídica distinta. Enquanto um (obrigação de fazer e não fazer) tem
natureza de cessação de irregularidades, com projeção futura de seus efeitos,
com nítida natureza preventiva, o outro (indenização por dano moral coletivo)
tem nítida natureza compensatória em relação a irregularidades já praticadas.
Como anteriormente afirmado, pedido juridicamente impossível é aquele
que tem expressa vedação legal, o que não é o caso dos autos.
e) Processo discriminatório. Declaração de inconstitucionalidade
A requerida afirma ser legal e regular a contratação de representantes
comerciais, sendo prática comum no mundo empresarial. Assevera, assim,
que a presente demanda tem vício insanável de inconstitucionalidade, por
revelar “cunho discriminatório”, devendo ser extinta sem resolução de mérito.
A análise da regularidade ou não das contratações realizadas pela
requerida será feita quando da análise do mérito da questão, o que levará à
procedência ou improcedência da demanda, e não sua extinção sem resolução
de mérito.
Rejeito a preliminar.
II — Mérito
a) Representação comercial. Irregularidade. Vínculo de emprego
O Ministério Público do Trabalho interpõe a presente Ação Civil Pública,
alegando que foi instaurado Procedimento Preparatório de Inquérito Civil
Público n. 163/07, no qual restou reconhecido que a requerida viria fraudando
a legislação trabalhista. Aduz que a demandada estaria se valendo de
trabalhadores que, inobstante fossem subordinados a tal empresa e, na prática,
fossem efetivos empregados, não viriam sendo reconhecidos como tais, haja
vista vir a empresa mascarando as relações mantidas com tais obreiros sob a
falsa roupagem da representação comercial. Aduz que a requerida tem como
atividade-fim a venda de produtos, mas não possui empregado vendedor
contratado. Assevera que, no âmbito do inquérito administrativo, foram ouvidas
testemunhas e requisitados documentos.
A requerida alega a regularidade dos contratos de representação
comercial que celebra com seus prestadores de serviço. Aduz que mantém
empregados vendedores. Assevera que diversas ações individuais postulando
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vínculo de emprego foram ajuizadas nesta Justiça do Trabalho da 13ª Região,
sendo que algumas foram julgadas procedentes e outras improcedentes. Alega
que existem ações de representantes comerciais com contrato extinto, postulando verbas atinentes a este contrato. Aduz que as provas colhidas no
procedimento administrativo no âmbito do Ministério Público do Trabalho, na
verdade, não são provas, mas “meros elementos de informação”, colhidos
sem contraditório e de forma inquisitiva. Assevera que os representantes
comerciais da requerida não estão obrigados ao comparecimento em reuniões,
não são obrigados a manter contatos diários com prepostos e não têm “cobrança por resultados”. Alega que as metas de vendas são estipuladas como estímulo
aos representantes comerciais. Aduz que não há ilicitude na contratação de
representantes comerciais para realizar vendas, mesmo que essa seja a
atividade-fim da empresa.
Não há possibilidade de analisar o presente feito sem antes verificar as
características dos contratos de emprego e de representação comercial.
A Constituição Federal estabelece como fundamentos da República:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III — a dignidade
da pessoa humana; IV — os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; [...].”
Mais, o art. 6º da Constituição Federal elege, como direito FUNDAMENTAL social, o direito ao trabalho e à previdência social:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Já no art. 7º da Constituição Federal, o legislador constituinte elenca os
direitos e garantias FUNDAMENTAIS dos trabalhadores, aqui entendidos
os trabalhadores empregados, conferindo especial proteção e importância a
esta classe (deixo de transcrever o artigo na íntegra, em razão da sua extensão, o que ressalta a grande gama de direitos FUNDAMENTAIS estendidos
aos empregados na ordem jurídica constitucional brasileira). Não sem outro
motivo é que existe ramo especializado no Judiciário (desde a Constituição
Federal de 1946, quando a Justiça do Trabalho foi inserida no Poder Judiciário,
apesar da sua existência anterior) para julgar, de forma preponderante, as
lides provenientes da relação de emprego (ressaltando a sua ampliação de
competência, levada a efeito pela EC n. 45/04).
Por fim, assim dispõe a Constituição Federal, quando regula a ordem
econômica:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
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digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: [...] III — função social da propriedade; [...] VIII — busca do
pleno emprego; [...].”
Segundo Luís Roberto Barroso, em sua obra Direito constitucional
contemporâneo (São Paulo: Saraiva), quanto ao seu objeto, as normas constitucionais, do ponto de vista material, destinam-se tipicamente a (i) organizar
o poder político (normas constitucionais de organização), (ii) definir os direitos
fundamentais (normas constitucionais definidoras de direitos) e (iii) indicar
valores e fins públicos (normas constitucionais programáticas).
Não há nenhuma dúvida de que a Constituição Federal de 1988 privilegia
o emprego como a forma precípua de prestação de trabalho. É sabido que a
relação de emprego é aquela que mais protege o trabalhador, com um leque
de direitos FUNDAMENTAIS constitucionalmente garantidos. Ainda, é na relação de emprego que reside grande parte do financiamento da previdência
pública. Ainda, o sistema do FGTS é garantidor de várias ações públicas
governamentais de interesse geral da população, como saneamento básico
e habitação popular.
Não é outro motivo pelo qual é pacífico que, se existe relação de trabalho,
se presume que seja de emprego, sendo que quem alega o contrário é que
tem o ônus de provar sua alegação. Ainda, ressalto o caráter objetivo da
relação de emprego, pouco importando a “vontade” do trabalhador. Reconhecida a relação de emprego (por exemplo, pela fiscalização do Ministério
do Trabalho), é irrelevante que o empregado se reconheça como tal. Isso
explicita o grau de importância social das relações de emprego.
A Consolidação das Leis do Trabalho assim define a figura do empregador e do empregado:
Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige
a prestação pessoal de serviço.
[...] Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar
serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência
deste e mediante salário.
[...] O contrato de representação comercial está regulado na Lei n. 4.886/65
(alterada parcialmente pela Lei n. 8.420/92). Em seu art. 1º, define o
representante comercial:
Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica
ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em
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caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação
para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou
pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos
relacionados com a execução dos negócios.”
Da análise dos dispositivos legais da CLT e da legislação específica
sobre a representação comercial, a doutrina enumera “critérios” para verificação da existência de um ou outro vínculo ou natureza jurídica contratual. Nem
sempre é fácil essa verificação, em razão de algumas semelhanças entre os
contratos.
Mauricio Godinho Delgado, em sua obra Curso de direito do trabalho
(São Paulo: LTr), ensina que o contrato de representação comercial “refere-se a uma relação jurídica não empregatícia, caracterizada pela autonomia
do representante comercial ou agente e distribuidor perante o representado
ou proponente. Portanto, a primeira diferença que afasta tal tipo mercantil do
tipo legal dos arts. 2º e 3º, caput, e 442 da CLT é o elemento autonomia, em
contraponto ao elemento subordinação inerente ao contrato de trabalho. A
relação mercantil/civil em análise é necessariamente autônoma, ao passo em
que é necessariamente subordinada a relação trabalhista de emprego”.
Acentua, ainda, o mesmo autor, que o outro elemento diferenciador é a
pessoalidade. Existindo a contratação de prepostos, auxiliares, pelo representante comercial, configurada estaria a regularidade do contrato. Se inexistir
a prática da delegação de funções, realizando estas, o representante, em
sua totalidade, presente a pessoalidade.
Continua o mestre mineiro na tentativa de diferenciar os dois contratos,
afirmando que “a subordinação, por sua vez, é o elemento de mais difícil
aferição no plano concreto deste tipo de relação entre as partes. Ela tipifica-se pela intensidade, repetição e continuidade de ordens do tomador de
serviços com respeito ao obreiro, em direção à forma de prestação dos serviços
contra-tados. Se houver continuidade, repetição e intensidade de ordens do
tomador de serviços com relação à maneira pela qual o trabalhador deve
desempenhar suas funções, está-se diante da figura trabalhista do vendedor
empregado (arts. 2º e 3º, caput, CLT; Lei n. 3.207/57)”.
Aqui ressalto a existência de legislação própria para o empregado vendedor, a Lei n. 3.207/57. Parte da doutrina entende que a Lei n. 4.886/65, que
regula o contrato de representação comercial, permitindo a possibilidade de
seu exercício por pessoa física, foi uma das primeiras experiências flexibilizantes da legislação trabalhista. O certo é que, se a representação comercial
for exercida por pessoa física, deve sempre ser analisada com cuidado e ressalvas, mormente após a Constituição Federal de 1988, com os fundamentos
acima lançados de proteção e privilégio da relação de emprego em face de
outras formas/contratos de trabalho.
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Após estabelecer as diferenças entre os contratos de emprego e
representação comercial, assim como suas especificidades, devemos analisar
pontualmente algumas provas constantes nos autos em contraponto a estas
diferenças e especificidades.
De início, verifico pela análise do Contrato Social da requerida (fls. 1057/
1059v), em sua cláusula 2 (fl. 1057v), que seu objeto social, entre outros, é
“comércio atacadista de produtos em geral e comércio atacadista, varejista e
dispensação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos,
higiene pessoal, cosméticos e limpeza em geral, em suas embalagens
originais, como drogaria em estabelecimento independente”.
Assim, não há negar que sua atividade-fim é a de “comércio”, tanto atacadista como varejista.
Não há como exercer o “comércio atacadista e varejista” sem ter quem
faça as vendas de seus produtos. Em outras palavras: se uma empresa se
dispõe, se propõe, como atividade-fim, a realização de vendas não há como
imaginar o exercício desta atividade sem “vendedores”.
O Ministério Público do Trabalho, em sua petição inicial, alega que a
requerida não possui nenhum empregado vendedor, mas somente representantes comerciais autônomos, aduzindo que tal fato serve para encobrir
verdadeiras relações de emprego, em fraude à legislação trabalhista.
A requerida assim contesta a alegação do órgão Ministerial: “Nesse
sentido, convém destacar que a empresa efetivamente possui em seu quadro
de funcionários, profissionais de vendas, contratados em regime celetista.
Ressalvando, todavia, que tal opção somente é aplicada a trabalhadores que
se submetem de fato a poder diretor, como ocorre com os vendedores internos”.
Alega ainda, a requerida, o seguinte: “Em verdade a empresa promovida
tem sua matriz em Brasília-DF, consoante demonstra a cópia de seu estatuto
social, possui escritório administrativo em João Pessoa-PB, sem possuir
qualquer outra sede no Estado da Paraíba.
A inexistência de estrutura física capaz de exercer poder de direção
sobre as pessoas que trabalham a quilômetros de distância de seus escritórios,
por vezes sem possibilidade de qualquer contato, haja vista inexistência de
cobertura telefônica em localidades mais isoladas, legitima a opção pela
contratação de profissionais autônomos para intermediar vendas, mormente
quando possuem atividade regulamentada em lei específica, e quando os
contratos são redigidos nos estritos termos regulamentados”.
Preliminarmente, ressalto que em nenhum momento o requerente defendeu a ilegalidade, em tese, ou inconstitucionalidade do contrato de representação comercial, mas sim o seu desvirtuamento pela requerida, com o intuito
de fraudar a legislação trabalhista.
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A alegação da reclamada, de “inexistência de estrutura física capaz de
exercer poder de direção sobre as pessoas que trabalham a quilômetros
de distância de seus escritórios, por vezes sem possibilidade de qualquer
contato, haja vista inexistência de cobertura telefônica em localidades mais
isoladas, legitima a opção pela contratação de profissionais autônomos para
intermediar vendas”, por vários motivos, não se sustenta.
Primeiro, tanto é possível a contratação, como empregado, de trabalhador que se ative em localidades distantes da “estrutura física” da empresa,
que existem disposições legais específicas para esta característica contratual. Segundo, são raras as localidades que não contam com cobertura telefônica, sendo que essa situação (que, de regra, também não afasta a
possibilidade da contratação de trabalhador empregado) não se enquadra no
quadro fático em análise nestes autos, mormente pelo caráter itinerante da
atividade (prestadores de serviço viajantes, exceto para aqueles que trabalhavam fixo em uma cidade, que então não se enquadraria como “localidade
sem cobertura telefônica”).
Ainda, e principalmente, a requerida mantinha contato, pessoal e
telefônico, frequente com seus prestadores de serviço.
A trabalhadora Mércia Ferreira Gaião informa que “havia reuniões periódicas na sede da empresa localizada em João Pessoa, às quais a depoente era obrigada a comparecer”, completando “que nessas reuniões eram
traçadas metas a serem obedecidas pelos representantes comerciais”. A mesma trabalhadora afirma “que os pedidos feitos pelos clientes (...) precisavam
ser repassados à empresa diariamente” e que “quando havia redução do número de vendas, a depoente era contactada pelo gerente da empresa, o qual
lhe cobrava resultados, inclusive indagando se a depoente não estaria visitando os clientes como deveria”.
O trabalhador Hermínio de Araújo confirma o estabelecimento de metas.
No mesmo tom, o depoimento do trabalhador José Darlan Alves do
Nascimento, que afirma “que a empresa não tem nenhum vendedor empregado, devidamente registrado em CTPS, uma vez que o setor de vendas da
empresa seria tocado por meio de representantes comerciais”. Informa, também, o mesmo trabalhador “que na área de vendas haveria, como empregados, apenas os gerentes, os quais, todavia, não atuam diretamente na
realização de vendas, uma vez que apenas coordenam as atividades dos
representantes comerciais”.
Continua, o mesmo trabalhador, José Darlan, confirmando que “cada
um dos representantes comerciais recebe da empresa um computador portátil do tipo palm top, por meio do qual recebem instruções e orientações da
empresa, notadamente do gerente, além de eventuais alterações na tabela
de preços e outras informações relevantes”. Ainda, informa “que o contato
com o gerente, que, conforme já ressaltado, coordena as atividades dos
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representantes comerciais, dá-se por meio de mensagens eletrônicas frequentes,
via palm top, por contato telefônico, em situações que requeiram maior
urgência, bem como por meio das reuniões mensais, que são realizadas com
a participação do gerente e dos representantes comerciais pelo mesmo
coordenados, e que em tais reuniões, são entregues os RPA (Recibos de Pagamento Autônomo), material de divulgação dos produtos comercializados
pela empresa, passadas orientações pelo gerente aos representantes comerciais a serem observadas por estes últimos no exercício de suas atividades,
repassados relatórios de desempenho, bem como, em sendo o caso, cobrado maior empenho dos representantes comerciais”. Finaliza afirmando “que
nos contatos telefônicos às vezes mantidos pelo gerente com os representantes comerciais, é cobrado destes maior empenho em algumas situações pontuais nas quais seja necessária tal cobrança, bem como solicitado que seja
dada atenção especial a algum cliente, a depender do caso concreto”, confirmando que “há metas a serem cumpridas pelos representantes comerciais”.
O trabalhador Hermínio de Araújo confirma a entrega, pela requerida,
de aparelho palm top, aos representantes comerciais.
Os depoimentos dos trabalhadores Marcos Venício Galdino Menezes e
Patrícia da Cunha Souza, vão ao encontro das informações acima referidas.
Destaco, por fim, na análise dos depoimentos tomados durante o Procedimento Preparatório de Inquérito Civil Público n. 163/07, o prestado por
Wellington Alves Dantas, Gerente da reclamada (fls. 508/509): ...”que trabalhou na condição de representante comercial para empresa do mesmo grupo
econômico do qual faz parte a empresa Farma Service;... que após tal período, passou a trabalhar para a empresa Farma Service, na condição de
“gerente distrital de vendas” da mesma; que como gerente passou a ser empregado da empresa, tendo-se procedido aos respectivos registros em sua
CTPS; que é gerente da empresa desde setembro de 2002, tendo ficado
inicialmente responsável pela área abrangida pelo sertão do Estado da Paraíba,
período em que ficou sediado em Souza, tendo posteriormente, a partir de
julho de 2006, passado a ficar responsável pela região de Campina
Grande, sediando-se em tal Município, mais com atuação em vários outros
Municípios, inclusive aqueles da região do brejo paraibano;”...
Por este trecho do depoimento, observamos o equívoco da contestação em afirmar que “possui escritório administrativo em João Pessoa-PB, sem
possuir qualquer outra sede no Estado da Paraíba”, com o intuito claro de
fundamentar a impossibilidade de contato/fiscalização/controle com(dos) os
representantes comerciais. A presença de um gerente distrital de vendas,
atuando de forma regional (veja que o Estado da Paraíba foi dividido em, ao
menos, três regiões, sertão, Campina Grande/Brejo e Litoral), possibilita esse
contato/controle/fiscalização, ainda que não seja uma “sede” (sede, na
verdade, significa “espaço físico”, que por certo não controla, fiscaliza ou mantém contato com os empregados).
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Continua o Gerente Wellington Alves Dantas:
“...que a área pela qual é responsável atualmente o depoente, na
condição de gerente da empresa, tem 23 (vinte e três) representantes
comerciais em atividade; que a empresa não possui nenhum empregado que labore no setor de vendas externas, uma vez que tais atividades são desempenhadas exclusivamente por representantes comerciais
autônomos;...que desde que o depoente começou a trabalhar para o
grupo econômico integrado pela Farma Service, o que se deu a cerca
de 17 (dezessete) anos, que a situação é exatamente essa, no que tange a ausência de empregados no setor de vendas externas; ...que o
depoente costuma trabalhar em sua residência e/ou, eventualmente,
empreendendo visitas a clientes, notadamente quando solicitado por
algum representante comercial, a fim de acompanhá-lo em tal visita;
...que o depoente, na condição de gerente, atua dando suporte aos representantes comerciais da região de Campina Grande e outros municípios inseridos na sua área de atuação ...; ... que quando se dá o
ingresso de um novo representante comercial, via de regra em substituição a um outro representante, que saiu do rol de contratados pela
empresa, esta última repassa a relação dos clientes daquela área na
qual o representante comercial irá atuar; ... que, via de regra, exige-se
que os representantes comerciais visitem cada um dos clientes uma
vez por mês, podendo diminuir ou aumentar tal periodicidade, a depender do caso concreto; que quando ocorre, por exemplo, de um cliente
que costuma comprar com certa frequência passar muito tempo sem
efetuar qualquer compra, o gerente da empresa mantém contato com o
representante comercial daquela área, a fim de indagar-lhe os motivos
de tal situação; que os representantes comerciais recebem da empresa
um computador portátil do tipo palm top para usarem no exercício de
suas funções; que alguns representantes comerciais também recebem
da empresa um aparelho de telefonia móvel (celular); que é cobrado
um aluguel em razão do fornecimento de tais aparelhos pela empresa;
... que a orientação da empresa é no sentido de que os pedidos sejam
repassados à mesma no mesmo dia em que são feitos pelos clientes;
... que a empresa realiza forte controle dos clientes a serem cadastrados, a fim de evitar problemas com a inadimplência”...
O traço principal do contrato de representação comercial, a sua principal
característica, é a autonomia do representante. Tanto é assim, que alguns
agregam esta característica na denominação da figura jurídica, chamando-a
de “representante comercial autônomo”. Essa autonomia leva à conclusão de
que o representante comercial deve atuar como “um pequeno empresário”
(isso no mínimo, já que há grandes firmas de representação comercial).
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Uma simples e superficial análise do depoimento do Gerente Distrital
de Vendas da reclamada afasta, por completo, essa autonomia.
De início, a própria existência de um Gerente Distrital de Vendas em
cada região estipulada pela reclamada indica a subordinação dos representantes em relação a ele. Veja que é o próprio gerente Wellington quem afirma
que atuava coordenando (dando suporte, acompanhando em visitas, quando
solicitado) o trabalho dos representantes. O normal seria o contato do representante diretamente à área de venda da empresa, já que é de se supor que,
se a empresa contrata um Representante Comercial Autônomo, é porque quer
um especialista naquela área ou em determinado tipo de venda.
Na verdade, esse é o traço que mais salta aos olhos do intérprete, quando analisa o caso em questão. O Representante Comercial Autônomo deveria
ser um especialista na sua área; deveria ser o diferencial buscado pelo representado; deveria atuar com autonomia e como um empresário; deveria atuar
‘por conta própria’, e não com alteridade em relação a seu representado.
Nada disso se observa no caso dos autos. A requerida mantém Gerente
Distrital de Vendas em cada região, “dando suporte aos representantes” (na
verdade, deveria acontecer exatamente o contrário, o representante comercial
dar suporte ao representado), o que efetivamente desnatura a relação de
autonomia. A empresa requerida “abastecia” os representantes com seu
material de trabalho (palm top e telefone celular), o que evidencia que nenhum
dos representantes contratados atuava como “empresário”, não faziam
qualquer investimento no seu “negócio autônomo”. A condição de cobrar pelo
equipamento em nada modifica o raciocínio.
Observe-se que, se o contrato era extinto, tudo o que pertencia ao
anterior representante comercial passaria para o novo representante, como a
área, os clientes, que a reclamada já entregava em lista própria, os equipamentos etc.
A relação existente entre os “representantes” e a requerida, narrada pelo
gerente Wellington, na realidade, caracteriza, com precisão, a figura do vendedor externo.
Mas não é só.
Foram anexados aos autos os contratos de representação comercial
celebrados pela requerida e seus representantes.
Ressaltamos, novamente, as características essenciais do representante
comercial, a autonomia, a condição de “empresário” e a atuação como especialista em vendas (ou no produto, ou na região).
Os contratos de representação celebrados pela reclamada com seus
representantes comerciais são idênticos. Tal fato soe acontecer com contratos
de trabalho, quando o trabalhador empregado não “discute cláusulas”, não
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“inclui alguma especificidade na sua atuação” etc. Quase como um contrato
de adesão.
Será que podemos admitir, entender possível, que isso ocorra com
contratos de representação comercial? Será que a autonomia, a condição de
“dono do próprio negócio”, a condição de especialista na área, o que
presumiria, ao menos em tese, a celebração de cláusula contendo alguma
especificidade, não faria com que os contratos fossem, ao menos um pouco,
diferentes entre si? Assim, o que defende a requerida é a regularidade dos
contratos de representação comercial “por adesão”.
É óbvia, nítida, a total falta de autonomia na relação existente entre a
requerida e seus prestadores de serviço, e isso desde a formação do contrato.
Ainda, e não menos importante, admitir a total entrega da atividade-fim
de uma empresa, para trabalhadores não empregados, é fazer da Constituição
Federal letra morta, quando estabelece a proteção e privilégio da relação de
emprego em face de outras formas/contratos de trabalho. Não se pode
“terceirizar” as atividades finalísticas da empresa, ainda que “pulverizadas”
em vários “terceirizados” (ditos representantes comerciais), e não somente
na mão de uma empresa prestadora. Este é o entendimento da jurisprudência
pacificada no TST, como se observa na leitura da súmula 331 daquele Tribunal.
A lúcida lição do Ministro Mauricio Godinho Delgado, transcrita na petição inicial (fls. 19/20), demonstra que a “entrega” da atividade objeto do empreendimento a terceiros, não empregados, denota flagrante ilegalidade, que
atinge não só o trabalhador de forma direta, mas a sociedade como um todo.
Por certo que a requerida, como qualquer empresa, pode contratar
representantes comerciais para a realização de vendas. Mas estas vendas
não podem Ser Realizadas Apenas por Representantes Comerciais.
Este fato já indica a desnaturação da figura da representação comercial.
A possibilidade de contratação nesta modalidade contratual não prescinde da existência de circunstâncias específicas, como por exemplo, a necessidade da empresa em abrir um novo campo de atuação, pelo lançamento
de um novo produto em que o representante se mostra especialista; a necessidade de abrir uma nova área de venda, onde o representante já atua,
conhecendo os hábitos dos potenciais clientes, as especificidades da região
etc.
Assim, a entrega total das vendas para as mãos de representantes
comerciais, afasta as especialidades que permitiriam, em tese, a atuação deste
profissional na atividade finalística da empresa.
Ressalto que os argumentos acima lançados não se enquadram no caso
em tela, isso em razão do reconhecimento de que a relação entre a requerida
e seus “representantes comerciais”, na verdade, era de emprego.
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Assim, reconheço a irregularidade das contratações, pela empresa
requerida, de representantes comerciais para a realização total das vendas
de seus produtos.
Determino que a requerida se abstenha de utilizar contratos de
representação comercial, com o intuito de mascarar relações de emprego.
Em caso de descumprimento, fixo multa de R$ 50.000,00 por trabalhador
admitido como representante comercial, e que seja reconhecido, judicialmente
ou administrativamente, como empregado.
Declaro a existência de relação de emprego entre a requerida e todos
os trabalhadores, ainda em atividade, contratados como “representantes
comerciais”, retroativa à data do início da prestação dos serviços.
Deverá a requerida, após o trânsito em julgado, no prazo de 10 dias,
contados da sua intimação para tanto, comprovar a assinatura da CTPS dos
empregados acima referidos, assim como, no prazo de 60 dias, contados da
intimação para tanto, comprovar a regularização das contribuições previdenciárias e dos depósitos do FGTS, sob pena de, em caso de descumprimento,
aplicação de multa-dia de R$ 2.000,00 por empregado.
No caso de aplicação da multa por descumprimento, o valor deverá ser
revertido para o Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT.
Por fim, a existência de decisões judiciais reconhecendo a legalidade
na contratação de representantes comerciais não invalida o caminho trilhado
nesta sentença.
De início, tais decisões se referem a contratos já findos, não abrangidos
por essa ação, mormente em relação às tutelas consistentes em obrigação
de fazer e não fazer.
Ainda, a natureza das ações individuais diverge da natureza das ações
coletivas, ainda que possa ocorrer certa semelhança no objeto ou na situação
fática analisada.
Certo é que, nas ações individuais, o julgador tem um campo de análise extremamente mais restrito que na ação coletiva. A prova produzida neste
âmbito, é mais ampla, mais abrangente, mais completa do que no âmbito das
ações individuais. Pode-se citar, a título de exemplo, o “contrato de representação comercial de cada representante”. Analisado individualmente, guarda
aparência de regularidade. Analisado em conjunto com todos os outros contratos de representação comercial, idênticos, espelha de modo claro a irregularidade, com a nítida tentativa de mascarar verdadeiras relações de emprego.
b) Indenização. Dano moral coletivo
O Ministério Público do Trabalho alega que a violação dos dispositivos
legais pela requerida produz danos morais na coletividade de empregados da
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empresa, assim como na sociedade como um todo. Postula indenização por
danos morais coletivos.
A requerida nega tenha cometido qualquer irregularidade.
Aduz a inexistência de embasamento legal para o pleito. Assevera que,
mesmo que reconhecido o descumprimento de obrigações trabalhistas, esse
fato não configuraria dano moral coletivo.
Absurda a tese de falta de embasamento legal para o pleito Ministerial.
A Constituição Federal adota o princípio da reparação integral do dano,
realçando e reforçando a tutela dos interesses transindividuais, valorizando
estes direitos e os instrumentos para a sua defesa, mormente na atuação do
Ministério Público.
Conforme referido no início desta decisão, não há nenhuma dúvida que
a Constituição Federal de 1988 privilegia o emprego como a forma precípua
de prestação de trabalho. É sabido que a relação de emprego é aquela que
mais protege o trabalhador, com um leque de direitos FUNDAMENTAIS constitucionalmente garantidos. Ainda, é na relação de emprego que reside grande parte do financiamento da previdência pública. Ainda, o sistema do FGTS
é garantidor de várias ações públicas governamentais de interesse geral da
população, como saneamento básico e habitação popular.
Assim, a fraude cometida pela requerida, no sentido de mascarar verdadeiras relações de emprego, com contratações de supostos “representantes comerciais”, configura ilícito trabalhista, atingindo não só a coletividade
de trabalhadores empregados da requerida, não reconhecidos como tais, mas
toda a coletividade, que indiretamente tira proveito dos vínculos de empregos
reconhecidos, mormente em relação ao custeio da previdência pública e do
sistema do FGTS.
Resta o arbitramento da indenização.
A determinação do montante da indenização, no aspecto, não prescinde da consideração, além da sempre necessária razoabilidade, de elementos
vinculados ao caso concreto, como a extensão do dano, as condições socioeconômicas dos envolvidos — prestando-se, a tanto, as informações constantes da petição inicial — e o grau de culpa do agente — grave, conforme
fundamentos acima lançados —, tudo de modo a assegurar, a quem cujos
bens sem cunho patrimonial sejam violados, uma soma que compense o dano
ocorrido, além do necessário caráter preventivo-inibitório do ofensor, sem descurar do caráter punitivo.
A título de indenização de danos morais coletivos, fixa-se o valor de R$
200.000,00 (duzentos mil reais), sujeito, na forma da lei, à atualização monetária, a contar da data de publicação desta decisão, e juros de mora, na forma
da lei (Lei n. 8.177/91, art. 39, caput e § 1º), e revertidos para o Fundo de
Amparo ao Trabalhador — FAT.
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Frente ao exposto, julgo procedente a ação, nos termos da fundamentação, para determinar que a requerida se abstenha de utilizar contratos
de representação comercial, com o intuito de mascarar relações de emprego.
Em caso de descumprimento, fixo multa de R$ 50.000,00 por trabalhador
admitido como representante comercial, e que seja reconhecido, judicialmente
ou administrativamente, como empregado. Ainda, declaro a existência de
relação de emprego entre a requerida e todos os trabalhadores, ainda em
atividade, contratados como “representantes comerciais”, retroativa à data do
início da prestação dos serviços. Deverá a requerida, após o trânsito em
julgado, no prazo de 10 dias, contados da sua intimação para tanto, comprovar
a assinatura da CTPS dos empregados acima referidos, assim como, no prazo
de 60 dias, contados da intimação para tanto, comprovar a regularização das
contribuições previdenciárias e dos depósitos do FGTS, sob pena de, em caso
de descumprimento, aplicação de multa-dia de R$ 2.000,00 por empregado.
Por fim, a título de indenização de danos morais coletivos, condeno a requerida
no pagamento do valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Custas de R$
4.000,00, calculadas sobre o valor da condenação de R$ 200.000,00, pela
requerida.
Intimem-se as partes, na forma legal, e a União. Após o trânsito em
julgado, cumpra-se.
Nada mais.
Paulo Nunes de Oliveira
Juiz do Trabalho
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RECURSO ORDINÁRIO — BANCO DO BRASIL:
PRORROGAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO
EXMª JUÍZA DO TRABALHO DA MM. 6ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA/DF
Ref.: Processo 00727-2008-006-10-00-6
O Ministério Público do Trabalho — Procuradoria Regional do Trabalho
da 10ª Região, pelo Procurador que subscreve a presente petição, vem, com
amparo no art. 893, inciso II, da CLT, interpor Recurso Ordinário contra a
decisão de fls. 281/297, requerendo a juntada aos autos da presente petição,
bem como das razões anexas, e posterior encaminhamento ao egrégio Tribunal
Regional do Trabalho da 10ª Região.
Nestes termos, pede deferimento.
Brasília, 3 de setembro de 2008
Processo 00727-2008-006-10-00-6
Recorrente: Ministério Público do Trabalho
Recorrido: Banco do Brasil S.A.
O MM. Juízo de 1º grau pronunciou a improcedência da ação civil pública
ajuizada pelo Ministério Público, revogando liminar anteriormente exarada nos
autos de demanda cautelar, sob o argumento, em síntese, de que a conduta
do réu apontada na petição inicial não estaria eivada de ilegalidade.
A r. decisão assim se manifestou em relação aos limites e fundamentos
do controle judicial dos atos administrativos:
“O fato de ser o ato discricionário não significa que ao Administrador é
possível a adoção de qualquer procedimento, ao seu mero alvedrio. Na
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realidade, trata-se não de um ato, mas sim, de um Poder Discricionário
da Administração e, como tal, está afeto aos estritos limites da lei, ao
princípio da legalidade, e, sob este enfoque, é que pode ser objeto de
análise pelo Poder Judiciário.
Contudo, o Poder Judiciário se limita a analisar o ato discricionário sob
o prisma da legalidade, uma vez que o mérito administrativo é obra do
administrador, sob pena de ofensa aos princípios da separação e
independência dos poderes” (fl. 292).
No que diz respeito à conduta do banco réu, o MM. Juízo asseverou:
“O Concurso de 2006 foi aberto com o objetivo de constituir para o Réu
cadastro de reserva, não havendo, pois, previsão de qualquer número
de vagas a serem preenchidas, tal como se verifica dos excertos do
Edital retrotranscritos.
Logo, uma vez que o réu não se vinculou, por meio de Edital, o seu ato
de prorrogação ou não do concurso público é, essencialmente, discricionário e, como já asseverado, apenas pode ser analisado por esta
Justiça Especializada sob o aspecto da legalidade e, sob este prisma
não há qualquer ilegalidade a ser declarada. A não prorrogação do Concurso de 2006 insere-se na esfera da conveniência administrativa do
Réu e, portanto, é vedada a interferência do Poder Judiciário sob pena
de ofensa à separação dos poderes. Igualmente, exatamente por se
inserir a não prorrogação do concurso na esfera da discricionariedade
do Réu, desnecessária sua fundamentação, até mesmo porque consistia em mera faculdade do Banco do Brasil.
Na realidade, o que está a postular o Autor, in casu, é que o Poder Judiciário Trabalhista se substitua ao Administrador, determinando a prorrogação de ato que já caducou e que, nesta condição, sequer poderia ser
prorrogado pelo próprio Administrador” (fls. 293/294).
E, por fim, no que se relaciona à configuração da necessidade de serviço,
a r. sentença ponderou:
“Diferentemente do que está a asseverar o Autor o presente ato não se
tornou vinculado em razão da necessidade do serviço. Isso porque ao
aduzir tal fato, ao Autor incumbia o ônus da prova (CPC, art. 333, I, e
CLT, art. 818), por traduzir fato constitutivo de seu direito. De tal obrigação
o Autor não se desincumbiu, na medida em que não trouxe qualquer
prova de que estaria havendo necessidade imediata de contratação
de novos empregados pelo Réu. Ademais, com a abertura do Edital de
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2008 a única conclusão a que se chega é que existe necessidade de
manutenção de cadastro de reserva, fato que, por si só, não torna a
prorrogação do Concurso de 2006 um ato vinculado” (fls. 294/295).
Entende-se, contudo, que a sentença merece reforma.
A adequada tutela dos princípios constitucionais e dos direitos
fundamentais envolve a percepção, que é inerente aos regimes democráticos,
de que ninguém, numa sociedade que adote os pressupostos do Estado de
Direito, está acima da lei, ou imune a qualquer tipo de controle. Isso é
especialmente válido em relação a entes da Administração Pública, que,
exatamente em função de sua destinação pública, submetem-se aos princípios
e regras estampados na Constituição da República.
Como assinalado por Michel Rosenfeld, professor de Direitos Humanos
e Direito Constitucional na Cardozo Law School:
“Parece não existir uma definição amplamente aceita sobre o constitucionalismo; no entanto, pode-se dizer que o constitucionalismo moderno requer a imposição de limites aos poderes do governo, a adesão ao
Estado de Direito e a proteção aos direitos fundamentais” (Modern constitutionalism as interplay between identity and diversity. In: ROSENFELD,
M. (ed.) Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy — theoretical perspectives. Durham and London: Duke University Press, 1994.
p. 3 — tradução livre do subscritor das presentes razões).
Por outro lado, ainda segundo o entendimento do referido autor, há
adesão ao Estado de Direito quando, numa determinada organização política,
(1) os cidadãos estejam sujeitos apenas a leis publicamente promulgadas,
(2) a função legislativa seja minimamente separada da função judicial e (3)
ninguém esteja acima da lei (The rule of law, and the legitimacy of constitutional
democracy. Working Paper Series, n. 36, New York: Cardozo Law School,
mar. 2001. p. 2 — tradução livre do subscritor das presentes razões).
Nesse contexto, a expressão “separação de poderes”, a que faz alusão
a r. sentença de 1º grau, não poderá, num regime democrático, significar a
concessão de um espaço privilegiado, imune a toda forma de controle, particularmente quando se trata da discussão em torno de direitos fundamentais
— e sua postulação em face da conduta de ente componente da Administração Pública.
O que se percebe, no caso em tela, consoante exaustivamente
demonstrado na petição inicial e na peça de fls. 257/278, é a completa ausência
de fundamentação válida, pelo banco réu, para a não prorrogação da validade do
concurso, quando ficou demonstrada, de modo incontroverso, a necessidade
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de serviço, decorrente da admissão, nos primeiros dias do mês de junho do
corrente ano, de 300 candidatos aprovados para o emprego público de
escriturário.
Se não fosse suficiente a simples abertura de um concurso quando ainda
em vigor concurso para idêntico emprego — passível de prorrogação, segundo
expressa autorização do Edital —, a efetiva convocação de candidatos
aprovados só vem reiterar a necessidade do serviço.
Isso, na verdade, não é negado pelo réu. Ele não se opõe à convocação
de candidatos aprovados no concurso referente ao Edital de 2008. Por razões
desconhecidas, ele não quer proceder à convocação dos candidatos do
Edital de 2006, o que se revela desfundamentado, arbitrário e contrário aos
princípios que embasam o Estado Democrático de Direito.
A questão foi apreciada, de modo absolutamente exemplar, nos autos
do RE 192.568-PI, em que o Supremo Tribunal Federal definiu o campo de
compreensão do instituto do concurso público.
O aresto está assim ementado:
“CONCURSO PÚBLICO — VAGAS — NOMEAÇÃO. O princípio da
razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o
preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio
de poder ato da Administração Pública que implique nomeação parcial
de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem
justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com
idêntica finalidade. ‘... Como o inciso IV (do art. 37 da Constituição
Federal) tem o objetivo manifesto de resguardar precedências na
sequência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá,
sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar
deliberadamente o período de validade do período de concurso anterior
para nomear os aprovados em certames subsequentes. Fora isto
possível e o inciso IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais
rúptil das garantias’.” (RE 192568-0-PI, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª Turma,
DJU 13.9.96 — íntegra às fls. 197/209)
Consoante frisado na petição inicial, o precedente aqui invocado aplica-se inteiramente ao caso presente, na medida em que analisa os efeitos de
aprovação em concurso público à luz dos princípios constitucionais aplicáveis
à Administração Pública Indireta e dos direitos fundamentais.
É esse tratamento constitucional do tema que permite verificar o evidente
desvio de finalidade do ato administrativo em questão.
Observe-se, ainda, que outros ramos do Poder Judiciário vêm consagrando o direito dos aprovados à regular convocação, desde que demonstrada
a necessidade de serviço.
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O egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em caso análogo,
decidiu pela vinculação da Administração aos motivos determinantes de seus
atos, em caso que envolvia a aprovação em concurso público. O Exmo. Relator,
Desembargador João Batista Moreira, expôs em seu voto:
“Tenho insistentemente sustentado que a dicotomia civilista expectativa
de direito e direito adquirido não é plenamente satisfatória no âmbito do
direito administrativo-constitucional. Constata-se que há, na prática,
posições intermediárias (direitos imperfeitos, interesses), entre uma e
outra modalidade, que merecem ser consideradas. A classificação de
direitos fracos ou enfraquecidos é própria da doutrina italiana,
significando situações que só podem ser suprimidas estritamente no
interesse público (SUNDFELD, Carlos Ari. O concurso público e o direito
à nomeação. In: Estudos de direito administrativo — em homenagem
ao prof. Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo: Max Limonad,
1996. p. 17). Tais posições, se não configuram direito adquirido, podem
estar, no entanto, protegidas por outros princípios constitucionais, como
o princípio da confiança legítima, consagrado no direito alemão, que
impõe sejam respeitadas as ‘esperanças fundadas’. O critério é mais
amplo que o da proteção dos direitos adquiridos, pois protege
expectativas legítimas e situações em vias de constituição sob o pálio
de promessas firmes do Estado (MEDAUAR, Odete. O direito
administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 246).”
Prossegue a decisão, invocando arestos do Supremo Tribunal Federal
(citado acima), do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Tribunal Regional
Federal da 1ª Região:
“A equiparação, que se dá no sistema jurídico brasileiro, entre direito
adquirido e direito subjetivo e a noção de que a proteção constitucional
está circunscrita a tais categorias têm ensejado abusos da discricionariedade administrativa. A expectativa e o interesse legítimo (direitos
imperfeitos), porque tidos como desprotegidos, são ignorados pela
Administração, do que é exemplo a omissão em admitir candidatos
aprovados em concurso público, deixando transcorrer o respectivo prazo
de validade, no qual — alega-se — há apenas expectativa de direito,
para em seguida promover novo certame. Não havendo direito adquirido
ou direito subjetivo é como se a Administração estivesse livre de
quaisquer amarras jurídicas. A situação foi bem percebida pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento do RE n. 192.568-0/PI, Rel. Ministro
Marco Aurélio, maioria, DJ 13.9.1996:
CONCURSO PÚBLICO — EDITAL — PARÂMETROS — OBSERVAÇÃO.
As cláusulas constantes do edital de concurso obrigam candidatos e
Administração Pública. Na feliz dicção de Hely Lopes Meirelles, o edital
é a lei interna da concorrência.
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CONCURSO PÚBLICO — VAGAS — NOMEAÇÃO. O princípio da
razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o
preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio
de poder, ato da Administração Pública que implique nomeação parcial
de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem
justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com
idêntica finalidade. “Como o inciso IV (do art. 37 da Constituição Federal)
tem o objetivo manifesto de resguardar precedência na sequência dos
concursos, segue-se que a Administração não poderá, sem burlar o
dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar
deliberadamente o período de validade do concurso anterior para nomear
os aprovados em certames subsequentes. Fora isto possível e o inciso
IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais útil das garantias.”
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Regime constitucional dos
servidores da administração direta e indireta, p. 56).
De forma semelhante decidiram o Superior Tribunal de Justiça e o
Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
“A Administração Pública detém poder discricionário para determinar a
oportunidade e conveniência do preenchimento do cargo de Fiscal do
Trabalho. Entretanto, deve observar o direito subjetivo do candidato à
nomeação, anteriormente expectativa, emergente da manifestação inequívoca da necessidade do seu provimento, quando, no prazo de validade do certame (Edital n. 1/94), noticia, in casu, através do Edital n.
69/98, a existência de novas vagas e a imprescindibilidade de outro concurso, deslocando a questão do campo da discricionariedade para o da
vinculação.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. In: Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos. São Paulo: RT). (STJ 3ª Seção. MS
6.153/DF. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Unânime. Data do julgamento: 24.11.1999. DJ de 17.12.1999, p. 317).
“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATOS APROVADOS NAS DUAS FASES. EXISTÊNCIA DE VAGAS. AUTORIZAÇÃO
PARA NOMEAÇÃO. PREVISÃO DE ABERTURA DE NOVO CONCURSO. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. PRAZO DE VALIDADE PRESTES
A EXPIRAR. DIREITO À NOMEAÇÃO.
No direito administrativo, a dicotomia expectativa de direito e direito
adquirido já não satisfaz. Há, na prática, posições intermediárias, entre
uma e outra modalidade, que merecem proteção.
Não pode o Estado, sem justificativa, baseado tão somente na discricionariedade, deixar de cumprir promessas firmes e positivas, porque
seria infringir os princípios da confiança e da boa-fé.
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No caso, o edital de concurso previa que o provimento dos cargos dar-se-ia em vagas existentes ou que viessem a ocorrer no prazo de
validade do concurso; o curso de formação (2ª fase) constituiu-se, no
mínimo, de 320 (trezentas e vinte) horas de duração, desenvolvendo-se em tempo integral, com atividades em horários diurno e noturno,
inclusive sábados e domingos; os candidatos receberam a retribuição
prevista no Decreto n. 1.285/94.
Diante de tais fatos, aliados à autorização para preenchimento das vagas
e, inclusive, para abertura de novo concurso, não poderia a Administração, à míngua de justificativa socialmente aceitável (STF, RE 192568/
PI), deixar expirar, sem prorrogação e sem nomeação dos impetrantes,
o prazo de validade do concurso.
A discricionariedade da Administração está sujeita a controle judicial sob
o aspecto da razoabilidade.” (TRF — 1ª Região. 1ª Turma. MAS
1998.01.00.077100-9/DF. Relator: Juiz Federal João Batista Gomes
Moreira — convocado. Unânime. Data do julgamento: 11.2.2000. DJ de
11.6.2001, p. 272).
Na lição de Luciano Ferraz, até pouco tempo “a zona de atuação
discricionária concretizava-se, à margem do Direito, mediante atos de
império, imunes, portanto, ao controle dos órgãos judiciários”; “o mérito
administrativo era indevassável, pena de afronta ao princípio da separação dos poderes”. Acrescenta:
“Dentro desse quadro é que se desenvolveu a ideia de que os indivíduos
aprovados em concursos públicos teriam, em todo e qualquer caso, mera
expectativa de direito à nomeação para cargos e empregos públicos,
porquanto, à falta de norma legal que determinasse a assunção, tudo
se resolveria num juízo de conveniência e oportunidade a cargo da Administração Pública.
Esta, contudo, não tem sido posição perfilhada na atualidade. A Teoria
Geral do Direito tem se esforçado em buscar perspectivas mais afinadas
com um Estado Democrático, fundado em valores tais como cidadania,
dignidade humana, pleno emprego, livre-iniciativa, pluralismo político:
as Constituições hodiernas — a exemplo da Constituição de 1988 —
fiéis à corrente pós-positivista do Direito, têm buscado a ‘superação do
legalismo, não como recurso a ideias metafísicas ou abstratas, mas pelo
reconhecimento de valores compartilhados por toda comunidade. Estes
valores integram o sistema jurídico, mesmo que não positivados em um
texto normativo específico. Os princípios expressam valores fundamentais do sistema, dando-lhe unidade e condicionando a atividade do
intérprete’ (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos
do novo direito constitucional brasileiro. Revista Interesse Público, n.
11, 2000. p. 69) — FERRAZ, Luciano. Concurso público e direito à
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nomeação. In: MOTTA, Fabrício (coord.). Concurso público e
Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 246-247.
A Constituição Federal prevê, no art. 37, III, que ‘o prazo de validade do
concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual
período’, acrescentando o inciso IV que, ‘durante o prazo improrrogável
previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público
de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre
novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira’.
Interpretação menos literal e mais sistemática e principio-lógica desses
dispositivos, com vistas a preservar os princípios da confiança legítima,
razoabilidade, discricionariedade motivada, democracia, moralidade,
economicidade, eficiência etc., permite afirmar que o prazo de validade
do concurso público é, em regra, de até quatro anos, podendo ser
prorrogado por mais de uma vez o prazo inferior a dois anos, inicialmente
estabelecido, até atingir esse limite. De outra parte, é sustentável, na
linha da jurisprudência acima transcrita, que a Administração não pode
frustrar o interesse legítimo dos candidatos e a garantia estabelecida
no art. 37, IV, da Constituição, sem justificativa socialmente aceitável,
estabelecendo prazo de validade de concurso inferior a dois anos,
consequentemente deixando de prorrogar o prazo de validade até o
prazo-limite de quatro anos. Embora admitindo relativa liberdade à
Administração para fixar o prazo inicial de validade do concurso, sustenta
o mesmo prof. Luciano Ferraz (como uma ‘novidade’), ‘haver direito
subjetivo dos aprovados à prorrogação desse prazo, direito este que
somente deixará de prevalecer se a Administração puder razoavelmente
justificar — atendendo ao princípio da motivação — o porquê de não se
efetivar a prorrogação. É que se afigura medida factível, afinada com o
princípio da razoabilidade, a prorrogação do prazo de validade do
concurso, afinal ele — o concurso — é instrumento garante da isonomia,
e não meio indireto de obtenção de receitas pelo Poder Público.” (Op.
cit., p. 253-254).
E, por fim, arremata o julgado, afastando, de modo adequado, a suposta
impossibilidade de convocação de candidatos aprovados por se tratar de
“cadastro de reserva”:
“No caso em exame, não foi declarado pela Administração, nem é possível deduzir, qualquer motivo para fixar o prazo inicial de apenas um
ano, prorrogado por igual período, atitude que entra em confronto com
a inequívoca demonstração — com a abertura de novo concurso ainda
no prazo de validade do anterior — da necessidade de recrutamento
de novos servidores. Não é despropositado cogitar da possibilidade de
que o objetivo seja financeiro (arrecadação de recursos com a taxa
de inscrição), em detrimento da massa de desempregados e, especificamente, do interesse de candidato aprovado em concurso anterior, que
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naturalmente deve ter despendido tempo, dinheiro e emoções para
conseguir a aprovação.
O fundamento principal da r. sentença recorrida — não se ter ingressado
com o mandado de segurança durante o prazo de prorrogação do
concurso —, não se sustenta porque é devido à própria Administração
o fato de ter sido mantido o candidato na expectativa, até o último momento, de que seria convocado. Isto, sem contar que a proteção aos
direitos ou interesses dos candidatos em concurso não está estritamente
condicionada ao ingresso na via judicial dentro do prazo de validade
formalmente estabelecido, uma vez que a Administração não pode
‘deixar escoar deliberadamente o período de validade do concurso
anterior para nomear os aprovados em certames subsequentes’.
Não desconheço a alegação da Administração de que o novo concurso
se destina a criar um quadro-reserva de concursados, ainda não
havendo vagas para admissão dos aprovados. Sem ingressar na
avaliação da legalidade e conveniência de um procedimento dessa
natureza — concurso para vagas inexistentes —, que reforça a possibilidade de que um dos objetivos seja arrecadar dinheiro, tenho que a
situação não impede a proteção parcial do interesse do impetrante,
mantendo-o, com prioridade, nesse quadro-reserva até o limite de quatro
anos, que deve valer para seu concurso, salvo justificativa razoável em
contrário, que não foi dada, nem é possível deduzir.” (TRF-1ª R., AMS
2004.35.00.011107-5/GO, 5ª T., Rel. Des. Fed. João Batista Moreira,
DJU 29.8.2005)
É interessante salientar, ainda, que alguns dos candidatos aprovados
no concurso realizado a partir do Edital de 2006 impetraram mandado de
segurança na Justiça Comum visando à preservação do direito de convocação,
considerando a configuração da necessidade de serviço.
Evidentemente, cuida-se de decisão proferida por Juízo incompetente,
na medida em que a Justiça do Trabalho é o único ramo do Judiciário com
competência para enfrentar o pedido, pois se trata de pleito referente ao
período pré-contratual, que se projeta na relação celetista, atraindo, assim, a
competência da Justiça do Trabalho, conforme salientado às fls. 257/278.
Ensejam reflexão, contudo, as razões expendidas pelo MM. Juízo da 6ª
Vara Cível de Brasília naqueles autos:
“Ocorre que, como toda liberdade constitucional, pública ou privada, a
discricionariedade administrativa não se mostra absoluta, estando
jungida pelos demais princípios constitucionais, sob pena de desvio
de poder ou arbitrariedade, que constituem a essência, no plano
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administrativo, do princípio da proibição de excesso (Das Übermassverbot Prinzip), uma das facetas do princípio do devido processo legal em
sentido substantivo (art. 5º, inciso LIV, Constituição da República), que
engloba os axiomas da razoabilidade e da proporcionalidade.”
Com a costumeira precisão, ensina-nos a prof. dra. Odete Medauar
acerca da conotação atual do poder discricionário, in verbis:
“Hoje no âmbito de um Estado de Direito é impossível cogitar-se de
poder discricionário fora do Direito, subtraído a toda disciplina legal. Na
contraposição poder vinculado — poder discricionário, o primeiro corresponderia às matérias de reserva legal absoluta e o segundo a matérias
de reserva legal relativa. A discricionariedade significa uma condição de
liberdade, mas não liberdade ilimitada; trata-se de liberdade onerosa,
sujeita a vínculo de natureza peculiar. É uma liberdade-vínculo.
Só vai exercer-se com base na atribuição legal, explícita ou implícita,
desse poder específico a determinados órgãos ou autoridades. Por outro
lado, o poder discricionário sujeita-se não só às normas específicas para
cada situação, mas a uma rede de princípios que asseguram a congruência da decisão ao fim de interesse geral e impedem seu uso abusivo.
Permanece, no entanto, certa margem livre de apreciação da conveniência e oportunidade de soluções legalmente possíveis. Daí a atividade
discricionária caracterizar-se, em essência, por um poder de escolha
entre soluções diversas, todas igualmente válidas para o ordenamento.
Com base em habilitação legal, explícita ou implícita, a autoridade
administrativa tem livre escolha para adotar ou não determinados atos,
para fixar o conteúdo de atos, para seguir este ou aquele modo de adotar
o ato, na esfera da margem livre. Nessa margem, o ordenamento fica
indiferente quanto à predeterminação legislativa do conteúdo da decisão.
A autoridade, ao exercer o poder discricionário, deve atender ao interesse
público referente à competência que lhe foi conferida; por isso, a escolha
que realiza é finalística. Evidente que há diversos interesses no contexto
social, o que leva à ponderação comparativa de todos ante aquele
atinente à sua competência. Por isso, um setor da doutrina menciona a
relevância do conhecimento fiel e completo dos fatos relacionados à
decisão a ser tomada e da consideração de todos os interesses envolvidos, atribuindo a cada um o peso justo.” (MEDAUAR, Odete. Direito
administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 122)
“Se a decisão pela não prorrogação da validade do certame se evidencia
infundada, irrazoável e desmotivada — malferindo, em perspectiva (juízo
de prognóstico acerca dos efeitos da restrição), os preceitos constitucionais que asseguram aos impetrantes a não preterição, cuja ameaça
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é patente —, cuida-se de ato administrativo írrito, configurador de
autêntico abuso do poder discricionário.
(...)
Do simples confronto dos editais lançados pelos impetrados nos anos
de 2006 e 2008 constata-se que ambos os concursos se destinam à
contratação de empregados públicos para os mesmos cargos
(escriturário), sendo idênticas as suas atribuições (itens 2.4 dos editais)
e exigências de ingresso.
Desse modo, as simples alegações de que o primeiro concurso mencionado se destinava à formação de cadastro de reserva, ou de que
inexistiria norma legal vedando a instauração de novo certame ainda
na vigência do anterior, e ainda de que a instituição financeira não está
obrigada a prorrogar o concurso não são suficientes para afastar a
conclusão quanto ao abuso da discricionariedade administrativa.
Havendo vagas disponíveis para preenchimento — o que se conclui até
pelo fato de a instituição ter publicado novo edital de concurso público
—, absolutamente nada justifica deixar de prorrogar o certame anterior,
optando-se por realizar novo concurso para os mesmos cargos e para
o desempenho das mesmas atribuições que lhe são correlatas, em
manifesto prejuízo, ainda que em perspectiva (prognose), sob o tom da
ameaça a direito, aos legítimos interesses dos candidatos já aprovados.
Sob este enfoque, faz-se necessário ressaltar que a aprovação em
concurso público não gera apenas expectativas de direito, que se restringem aos atos futuros, de nomeação e posse. Produz também autênticos
direitos, como o de não ser preterido por candidatos eventualmente
aprovados em concursos públicos posteriores, apenas por força da
formal e infundada opção de não prorrogação adotada pelo administrador
público.
Cuida-se, neste último caso, de autêntico direito, assentado expressamente no art. 37, inciso IV, da Constituição da República, que assim
dispõe:
IV — Durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação,
aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos
será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir
cargo ou emprego, na carreira;
Nessa linha, acaso fosse constitucionalmente tolerado que a Administração Pública deixasse de prorrogar o certame, sem qualquer motivação
plausível, fundada a conduta na singela alegação de discricionariedade
administrativa, estar-se-ia admitindo, além do verdadeiro arbítrio do
administrador, fosse contornada a regra constitucional prevista no citado
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inciso IV do art. 37 da Constituição, porquanto, para se evitarem as
nomeações dos candidatos aprovados e classificados no certame
anterior bastaria a não prorrogação da validade desse, seguindo-se a
abertura de novo certame e classificação de novos candidatos.
Consequentemente, cumpre imprimir adequada interpretação aos dois
preceitos constitucionais invocados (incisos III e IV do art. 37), no sentido
de que, em verdade, somente se poderia falar em pura discricionariedade
do administrador se igualmente não houvesse mais interesse público
em novas contratações. Ao contrário, se há interesse na realização de
novo concurso é porque persistem as mesmas razões que sustentaram
a realização do anterior, do que exsurge para os candidatos aprovados
neste o direito líquido e certo à prorrogação.
Cuida-se, pois, de ato que, a despeito de sua natureza originalmente
discricionária, tornou-se vinculado, por força de uma premissa empírica
dotada de alto grau de certeza, qual seja, a persistência do interesse
público na contratação via concurso público.
Logo, se a restrição imposta ao direito dos impetrantes à não preterição
— que certamente se consubstanciará, pois o novo concurso foi aberto
em 12.3.2008 (fl. 34) —, não se mostra adequada, necessária e ponderada, conclui-se que não assiste ao administrador o direito a invocar sua
discricionariedade e deixar de prorrogar o concurso anterior” (6ª Vara
Cível, Brasília, proc. n. 2008.01.1.04507, Juiz de Direito Ruitemberg
Nunes Pereira — decisão anexada com as presentes razões recursais)
Analisando-se as duas decisões ora transcritas, verifica-se que, em
ambos os casos, a mera alegação da entidade da Administração, alusiva ao
cadastro de reserva, não é suficiente para ensejar a ausência de fundamentação para a não convocação. No caso em apreço, tal circunstância é ainda
mais acentuada, considerando que o réu convocou candidatos remanescentes
do concurso realizado em 2006 quando já havia promovido a abertura do
certame de 2008, o que não se revela razoável ou defensável perante os
princípios constitucionais da moralidade, legalidade, impessoalidade e, no que
diz respeito à realização do concurso, o princípio da eficiência.
Ficou claro que o réu não apresentou motivação socialmente aceitável
para sua terminante — e desfundamentada — recusa em proceder à prorrogação do prazo de validade do concurso, o que representa nítida afronta aos
princípios constitucionais que regem a relação existente entre a Administração
Pública e os cidadãos brasileiros.
Por tal razão, revela-se imperiosa a reforma da r. sentença de 1º grau,
para que seja reconhecida a conduta ilegal do réu, com a consequente
condenação em todos os pedidos deduzidos na inicial.
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Torna-se manifesta, por derradeiro, a necessidade da condenação do
réu ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, nos termos
descritos na petição inicial e na réplica apresentadas em Juízo. O caráter
emblemático da ilicitude da conduta do réu assume ainda maior gravidade
quando é levada em consideração a história da instituição, seu papel na história
brasileira e o enorme significado simbólico da ideia de concurso para ingresso
no Banco do Brasil.
Por esse motivo, não é suficiente a condenação alusiva às obrigações
de fazer e não fazer (alíneas a e b do pedido, fl. 37). É crucial, no caso presente,
a condenação ao pagamento de indenização (alínea c do pedido, fls. 37/38)
em virtude da prática ilícita reiterada do réu, na esteira das reflexões
doutrinárias e decisões judiciais invocadas às fls. 25/36 e 274/276 dos autos.
Conclusão
Diante do exposto, requer o Ministério Público o conhecimento e
provimento do recurso, para que, com a pronúncia de procedência da
demanda, o banco réu seja condenado a cumprir as obrigações e a satisfazer
as indenizações contempladas na petição inicial (fls. 37/38, alíneas a, b,
c e d).
Brasília, 3 de setembro de 2008
Cristiano Paixão
Procurador do Trabalho
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ACÓRDÃO
PRORROGAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
Tribunal Regional do Trabalho — 10ª Região
Processo: 00727-2008-006-10-00-6-RO
Acórdão do(a) Exmo(a) Desembargador(a)
Federal do Trabalho Douglas Alencar Rodrigues
Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENTIDADE VINCULADA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE
VALIDADE DE CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO EM EDITAL.
DECISÃO NEGATIVA. ATO DISCRICIONÁRIO. MOTIVAÇÃO EXPOSTA
AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. POSSIBILIDADE DE
SUBMISSÃO AO CONTROLE JUDICIAL. I — Embora a prorrogação
do prazo de validade de concurso público encerre ato discricionário do
Administrador, vinculado a juízos próprios de conveniência e
oportunidade, a indicação das razões que justificam a conduta viabiliza
e legitima a sua submissão à sindicância judicial — à luz das teorias do
desvio de poder e dos motivos determinantes —, sem que isso implique
invasão da margem de liberdade conferida à Administração. Precedentes
do STF. II — No Estado Democrático de Direito, não se tolera a prática
de atos abusivos e arbitrários, infensos ao controle judicial (CF, art. 5º,
XXXV). Assim, se os motivos apresentados para justificar a decisão de
não prorrogação do prazo de validade de concurso público ressentem-se da ausência de razoabilidade, se há candidatos aprovados
aguardando convocação e se está demonstrada a necessidade de
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contratação imediata de empregados pelo ente público envolvido, será
impositiva e irrecusável a obrigação de processar, em respeito ao
interesse público e aos princípios constitucionais aplicáveis (CF, art. 37),
a contratação dos trabalhadores aprovados no processo democrático
de seleção realizado. Recurso conhecido e provido.
Relatório
A Excelentíssima Juíza do Trabalho Substituta Raquel Gonçalves Maynarde, em exercício na MMª 6ª Vara do Trabalho de Brasília DF, proferiu a r.
sentença de fls. 281/297, julgando improcedentes os pedidos deduzidos pelo
Ministério Público do Trabalho em face do Banco do Brasil S.A.. Inconformado, recorre ordinariamente o Requerente às fls. 298/312, insistindo no deferimento dos pleitos formulados na peça inicial. Contrarrazões apresentadas pela
Reclamada às fls. 323/335. O Recorrente é isento do recolhimento de custas
processuais (art. 790-A, II, da CLT). A despeito do disposto no art. 102, IV, do
Regimento Interno desta Corte, os autos foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho, que se manifestou no sentido da desnecessidade de emissão de parecer (fls. 340/341). É, em resumo, o relatório.
Voto
1. Admissibilidade
Alega o Recorrido, em contrarrazões, que o apelo está desfundamentado, porquanto as razões de irresignação não refutaram a fundamentação
principal da sentença prolatada. Pretende, por esse motivo, o não conhecimento do apelo, com base no art. 514, II, do CPC. Não lhe assiste razão.
Muito embora a legislação laboral assegure maior informalidade na interposição de recursos que não sejam de natureza meramente técnica, a exemplo
do recurso ordinário (CLT, art. 899), fato é que a convivência harmônica entre
a simplicidade — que preside o processo especializado — e o princípio da
devolutibilidade — próprio ao reexame dos atos judiciais decisórios — torna
imperiosa a existência de fundamentação regular e argumentação lógica que
traduzam a irresignação da parte contra o provimento que lhe foi desfavorável. No caso em exame, o Recorrente desenvolve sólida argumentação, fundada em lições doutrinárias e em precedentes jurisprudenciais, asseverando
a possibilidade de controle judicial de quaisquer atos, bem como a ilegalidade
da não convocação dos aprovados remanescentes do concurso iniciado em
2006.
As razões do apelo, na forma como expostas, permitem o conhecimento
do recurso, não se revelando razoável, data venia, exigir do Recorrente o
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ataque particularizado a cada parágrafo julgado impugnado. Rejeito a
preliminar. Tempestivo e regular, conheço do recurso.
2. Mérito
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho
— Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região em face do Banco do
Brasil. Na petição inicial, disse o Requerente ter recebido denúncia de
irregularidade praticada pelo Requerido no que tange à gestão de pessoal,
envolvendo a convocação de candidatos aprovados em concurso público para
o emprego de escriturário. Afirmou que a referida denúncia envolvia a
publicação de edital pelo Requerido, informando a abertura de novo concurso
para o emprego de escriturário no Distrito Federal, quando ainda em vigor o
prazo de validade do concurso anterior destinado ao provimento de idênticos
empregos, realizado em 2006, em cujo edital estava prevista a possibilidade
de prorrogação por mais dois anos daquele prazo. Narrou que, em razão da
denúncia, deu início a procedimento preparatório de inquérito civil público,
notificando o Banco do Brasil a prestar esclarecimentos e a apresentar os
documentos necessários à apuração dos fatos. Acrescentou que o Banco do
Brasil justificou a realização de nova seleção e a não prorrogação do concurso
de 2006 como opção gerencial, nos exatos termos do item 13.7 do edital do
certame.
Anotou que o Diretor de Gestão de Pessoas do Requerido, Sr. Juraci
Masiero, em audiência realizada na sede da Procuradoria Regional do Trabalho, explicou que a decisão de não prorrogar o concurso deveu-se à constatação de que a aceitação à convocação diminui à medida em que o prazo de
validade do concurso vai chegando ao seu termo final. Asseverou que foi proposta a assinatura de termo de ajuste de conduta com a finalidade de obter a
prorrogação do prazo de validade do concurso, o que não foi aceito pelo Réu,
razão pela qual propôs ação cautelar inominada, cujo pedido foi liminarmente
deferido pelo juízo de origem. Destacou que a demanda visa à tutela dos
direitos dos cidadãos aptos a postular a aprovação em concurso para ingresso em emprego público, preservando-se os princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade.
Ressaltou que 1.453 candidatos do certame de 2006 foram chamados,
restando 1.291 aprovados que ainda aguardam convocação, tendo sido aberta
nova seleção quando ainda vigente aquele concurso de 2006. Após transcrever trechos de julgados, deduziu o pedido inicial com o objetivo de que seja o
Réu condenado a: i) prorrogar o prazo de validade do concurso público de
que trata o Edital n. 1-2006/001; ii) abster-se de convocar os candidatos aprovados e classificados por meio do Edital n. 1-2008/001, até que tenham sido
convocados todos os candidatos aprovados no concurso regido pelo Edital n.
1-2006/001; iii) pagar indenização por danos morais coletivos no valor de
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R$100.000.000,00 (cem milhões de reais); iv) pagar multa diária de R$
100.000,00 em caso de descumprimento do provimento judicial. O pedido de
antecipação dos efeitos da tutela restou indeferido pelo juízo de origem em
decisão lavrada às fls. 212/213. Defendeu-se o Réu alegando que os editais
das seleções de 2006 e 2008 não asseguram a contratação de todos os aprovados para a formação de cadastro de reserva. Disse que não foram demonstradas quais normas alusivas ao concurso estariam sendo desrespeitadas,
aduzindo que o preenchimento das vagas subordina-se aos limites impostos
pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Dec. n. 6.081/07). Alegou não ter suspendido a contratação dos candidatos aprovados no concurso de 2006, tanto que, da abertura da seleção de 2008 até o dia 9.6.2008,
ocorreram 537 convocações. Sustentou que inexiste lei que impeça a realização de novo concurso dentro do prazo de validade do certame anterior (arts.
5º, II, e 37, caput, da CF), inexistindo violação à expectativa de direito dos
candidatos aprovados para formação do cadastro de reserva.
Afirmou não ter violado os princípios informativos da atuação da Administração Pública, destacando que a prorrogação do prazo de validade do
concurso é ato discricionário do administrador. Com outros argumentos, disse que o inciso IV do art. 37 da CF não obriga a prorrogação do prazo de
validade do certame e que a Justiça do Trabalho não pode interferir em seu
juízo de conveniência e oportunidade, atribuindo ilegalidade ao seu ato por
suposto desvio de poder. Solucionando a controvérsia, a d. juíza sentenciante pontuou que a prorrogação do concurso, como aludido no próprio edital da
seleção de 2006, se daria a critério exclusivo do Réu, tratando-se de ato discricionário, conforme pacificado entendimento jurisprudencial. Sentenciou que
o ato discricionário do administrador só pode ser analisado pelo Judiciário
sob a óptica da legalidade, pelo que não cabe discussão sobre o mérito administrativo, sob pena de ofensa aos princípios da separação e independência
dos poderes. Pontuou que a hipótese dos autos não diz respeito ao preenchimento de vagas — caso em que o ato prorrogativo tornar-se-ia vinculado —,
pois o concurso foi lançado para constituição de cadastro de reserva.
Anotou que o ato discricionário de não prorrogar o concurso não depende de fundamentação e até já caducou, não podendo ser praticado sequer pelo Administrador. Acrescentou que o Autor não fez prova de que o ato
tornou-se vinculado em razão da imediata necessidade de contratação de
novos empregados. Decidiu que a situação verificada nos autos não se assemelha à dos precedentes colacionados pelo Autor, eis que a hipótese versada nos autos não é de preterição de candidato pela contratação de
terceirizados. Assinalou que a abertura da seleção de 2008 quando ainda em
vigor o concurso de 2006 não foi impugnada nos presentes autos, sendo certo que o item 1.3 do edital daquele certame resguardou a preferência dos
aprovados neste, no prazo remanescente de sua vigência, razão por que preservada a regra do art. 37, IV, da CF. Concluiu, ao final, que não houve desvio
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de poder, nem qualquer ilegalidade na ausência de prorrogação do concurso
de 2006. Em suas razões recursais, o Ministério Público do Trabalho sustenta que nenhum ato pode ficar imune ao controle judicial, sob pena de ofensa
ao postulado da separação dos poderes.
Diz ter sido demonstrada a necessidade de serviço, ante a contratação
de 300 candidatos no mês de junho do presente ano. Alega que são
desconhecidas as razões pelas quais não quer o Banco Réu convocar os
demais candidatos do concurso de 2006. Assevera que a questão tem que
ser examinada à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais,
contexto em que se evidencia o desvio de finalidade do ato administrativo
objeto de discussão. Com base em precedente do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região, alude à aplicação da teoria dos motivos determinantes a atos
que envolvem a aprovação em concursos públicos. Aduz, finalmente, que
inexiste motivação socialmente aceitável para a recusa em promover a
prorrogação do concurso de 2006. Penso que assiste razão ao Recorrente.
Dispõe o art. 37 da Lei Maior, no caput e nos incisos III e IV:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] III — o prazo de
validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma
vez, por igual período; IV durante o prazo improrrogável previsto no edital
de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de
provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados
para assumir cargo ou emprego, na carreira. A leitura do supratranscrito
inciso III revela que a prorrogação do prazo de validade do concurso
público constitui ato de discrição do Administrador, consoante juízo
próprio de conveniência e oportunidade.”
Essa é a interpretação reinante na doutrina e também a orientação
seguida pacificamente pela jurisprudência, como se verifica dos seguintes
arestos:
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO NA PRIMEIRA ETAPA E NÃO APROVEITAMENTO NA SEGUNDA. DIREITO ADQUIRIDO: INEXISTÊNCIA.
1. Candidatos aprovados na primeira etapa de concurso público. Classificação além do número de vagas existentes para o segundo estágio.
Hipótese não amparada pelas normas do edital. 2. Mera previsão
de vagas para futuros concursos não constitui fato concreto gerador de
direito líquido e certo. 3. A prorrogação do concurso é ato discricionário
da Administração, a teor do inciso III do art. 37 da Carta de 1988.
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Recurso não provido.” (STF, RMS 23788/DF, 2ª T., Rel. Min. Maurício
Corrêa, DJ 28.8.2001)
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO.
PRAZO DE VALIDADE. PRORROGAÇÃO. ATO DISCRICIONÁRIO DA
ADMINISTRAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Conforme cediça jurisprudência deste Tribunal, a fixação do prazo de validade do concurso,
assim como a sua prorrogação, respeitando-se o balizamento constitucional, insere-se na esfera da discricionariedade da Administração
Pública. II. Agravo interno desprovido.” (STJ, AgRg-ED-REsp 585013/
RJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 8.11.2004)
Ocorre, porém, que a questão alusiva à prorrogação do prazo de validade
do concurso público realizado em 2006, ante a expressa permissão que constou do edital correspondente, deve ser objeto de análise individualizada,
consideradas as particularidades do caso concreto. É que não pode ser
olvidado que o edital do concurso aberto no ano de 2008 foi lançado quando
ainda faltavam três meses para o esgotamento do prazo de validade do
certame realizado em 2006.
As particulares circunstâncias que cercam o caso em exame autorizam
o controle jurisdicional da legalidade da ausência de prorrogação, até porque
isso nada tem de inaudito, pois o próprio Excelso Supremo Tribunal Federal
já enfrentou o referido tema, conforme se extrai do seguinte julgado:
“CONCURSO PÚBLICO EDITAL PARÂMETROS OBSERVAÇÃO. As
cláusulas constantes do edital de concurso obrigam candidatos e Administração Pública. Na feliz dicção de Hely Lopes Meirelles, o edital é lei
interna da concorrência. CONCURSO PÚBLICO VAGAS NOMEAÇÃO.
O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto
do concurso, o preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio de poder, ato da Administração Pública que implique
nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo
do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo
edital com idêntica finalidade. ‘Como o inciso IV (do art. 37 da Constituição Federal) tem o objetivo manifesto de resguardar precedências na
sequência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá,
sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar
deliberadamente o período de validade de concurso anterior para nomear
os aprovados em certames subsequentes. Fora isto possível e o inciso
IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais rúptil das garantias’
(MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Regime constitucional dos
servidores da administração direta e indireta, p. 56).” (RE 192568/PI, 2ª
T., Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 23.4.1996)
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É pertinente lembrar que o Conselho Nacional de Justiça também já
analisou o assunto — prorrogabilidade do concurso público —, no
julgamento proferido no Procedimento de Controle Administrativo — PCA
n. 73.” (Rel. Conselheira Ruth Lies Sholte Carvalho, DJ 25.7.2006).
A par disso, tem-se compreendido, modernamente, que a discricionariedade do Administrador não ostenta caráter absoluto. Os atos discricionários
facultam ao Administrador, diante de duas ou mais soluções possíveis, escolher a que lhe pareça a melhor (a melhor para a Administração), segundo seu
juízo de conveniência e oportunidade. E o mérito do ato administrativo é
traduzido por essa margem de liberdade de que dispõe o Administrador no
processo de escolha da opção que melhor atenda ao interesse público, à luz
dos aludidos critérios de conveniência e oportunidade. Mas, como antes
sugerido, está ultrapassada a ideia de que a discricionariedade conferida à
Administração coloca o mérito do ato administrativo numa espécie de reduto
insuscetível de controle judicial.
A esse respeito, cumpre trazer à colação a lição de Lúcia Valle
Figueiredo:
“A discricionariedade, como foi descrita, deve provir da valoração do
intérprete dentro de critérios de razoabilidade e da principiologia do ordenamento. E pode ser controlada pelo Judiciário (...) Aliás, doutrina e
jurisprudência estão a admiti-lo, esbarrando, entretanto, no chamado
‘mérito’ do ato administrativo. Esta é a palavra da qual nos afastamos,
pois ‘mérito’, como vinha sendo entendido, como tinha trânsito normal,
e ainda parcialmente tem, constitui-se na conveniência e oportunidade
do ato, porém consideradas insuscetíveis de controle, de aferição pelo
Poder Judiciário. Destarte, desta forma, a palavra acabou por se desvirtuar, acabou por ser um ‘abre-te sésamo’, porta aberta a desmandos
administrativos. É comum verificar-se o próprio Judiciário furtar-se ao
controle de determinados atos administrativos por temer adentrar seu
mérito. Assim, na verdade, deixa de examinar os próprios postulados
da legalidade. É claro que não irá o Judiciário verificar, por exemplo, se
a estrada ‘X’ deverá passar pelo traçado ‘a’ ou ‘b’. Entretanto, poderá
dizer o Judiciário — isto, sim — se aquela declaração de utilidade pública está nos termos da lei e se não há manifesta irrazoabilidade.” (Curso
de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, p. 224-225)
Em semelhante direção doutrina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, verbis:
“Com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível mas
terá que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que
ela é assegurada à Administração Pública pela lei. [...] A rigor, pode-se
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dizer que, com relação ao ato discricionário, o Judiciário pode apreciar
os aspectos de legalidade e verificar se a Administração não ultrapassou os limites da discricionariedade; neste caso, pode o Judiciário
invalidar o ato, porque a autoridade ultrapassou o espaço livre deixado
pela lei e invadiu o campo da legalidade.” (Direito administrativo.
16. ed. São Paulo: Atlas, p. 210-211)
Alexandre de Moraes manifesta-se na mesma linha:
“Assim, mesmo o ato administrativo discricionário está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por Chevallier, ‘o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo
Direito’. O Estado de Direito exige a vinculação das autoridades ao Direito, e, portanto, o administrador, ao editar um ato discricionário, deve
respeito a seus elementos de competência, forma e finalidade, bem como
a veracidade dos pressupostos fáticos para sua edição (motivo). Nesse
sentido, Vedel aponta a existência de um controle mínimo do ato discricionário, que deverá ser pelo ângulo dos elementos do ato administrativo, pois, embora possa haver competência do agente, é preciso, ainda,
que os motivos correspondam aos fundamentos fáticos e jurídicos do
ato, e o fim perseguido seja legal, concluindo que o Poder Judiciário
deve exercer somente o juízo de verificação de exatidão do exercício
de oportunidade perante a legalidade. A revisão judicial da atuação administrativa deverá, igualmente, verificar a realidade dos fatos e também a coerência lógica da decisão discricionária com os fatos. Se
ausente a coerência, a decisão estará viciada por infringência ao ordenamento jurídico e, mais especificamente, ao princípio da proibição da
arbitrariedade dos poderes públicos, que impede o extravasamento dos
limites razoáveis da discricionariedade, e evita que esta se converta em
causa de decisões desprovidas de justificação fática e, consequentemente, arbitrárias, pois o exame da legalidade e moralidade, além do
aspecto formal, compreende também a análise dos fatos levados em
conta pelo Executivo. [...] Com a finalidade de afastar arbitrariedades
praticadas pela Administração, no exercício de seu poder discricionário, a evolução da doutrina constitucional administrativista mostra a redução interpretativa do sentido da palavra ‘mérito’, adequando-a ao
moderno sentido de um Estado de Direito.” (Direito constitucional administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, p. 118-119)
Di Pietro e Moraes, nas obras citadas, referem-se ainda às teorias
elaboradas com o escopo de possibilitar a ampliação da apreciação do ato
administrativo discricionário pelo Poder Judiciário: a teoria do desvio de poder
e a teoria dos motivos determinantes. Há desvio de poder quando o Administrador pratica o ato que lhe incumbe em desconformidade com a finalidade
almejada pelo interesse público.
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Não é outro o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que
inclusive vai mais adiante na definição do desvio de poder:
“(...) tanto haverá desvio de poder quando a autoridade pratica um ato
com objetivos alheios a qualquer interesse público (perseguição ou
favoritismo) quanto nas hipóteses em que, embora buscando um interesse público, o faz mediante ato cuja destinação legal é diversa. Em
tal caso a autoridade incorre em desvio de poder por haver-se valido de
um meio jurídico inidôneo para servir ao fim que buscou, já que a via
utilizada era — de direito — preordenada a satisfazer outro escopo normativo e não aquele para o qual foi manejado. Como diz Eduardo
Garcia de Enterría: ‘Os poderes administrativos não são abstratos, utilizados para qualquer finalidade; são poderes funcionais, outorgados pelo
ordenamento em vista de um fim específico, com o que apartar-se do
mesmo obscurece a fonte de sua legitimidade.’ [...] Não importa que o
objetivo público visado pudesse ser alcançado através de outro ato, correspondente a outra competência. Se as condições do exercício de uma
e outra era distintas, a Administração não pode, em função de vantagens ou facilidades, manejar uma dada competência quando seria o
caso de utilização de outra. Nestas hipóteses, diz-se, no direito francês, que ocorre um detournement de procedure, isto é, um ‘desvio de
procedimento’.” (Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, p. 64-65)
Mais adiante, o mesmo autor explica que o desvio de poder não se faz
presente apenas quando a intenção do agente é viciada. Eis a sua didática
exposição:
“É usual a assertiva de que no desvio de poder há um vício de intenção. Convém recebê-la com cautela. Realmente, é comum que no desvio de poder haja um móvel incorreto. Esta intenção defeituosa
geralmente resulta de propósitos subalternos que animam o agente,
como, conforme já dito, os de vingança ou perseguição por sentimentos pessoais ou políticos, por interesses sectários ou então por favoritismo, em prol de amigos, correligionários, apaniguados ou até mesmo
para satisfazer o proveito individual do próprio autor do ato. Outras vezes, o vício de intenção não procede da busca de finalidades mesquinhas. Deriva de uma falsa concepção do interesse público. Nestes casos,
o sujeito do ato não está animado de interesses pessoais ou facciosos,
contudo, desnatura a finalidade da própria competência ao praticar atos
visando objetivos que não são os próprios da providência adotada, ou
seja, que não coincidem com a finalidade legal específica. É dizer: com
o fito de costear embargos, tornar mais expedita a ação administrativa,
ladear obstáculos que se anteporiam se fosse se valer do ato adequado de direito à hipótese ou simplesmente por considerar que a medida
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incorretamente eleita produz melhores resultados para atender o objetivo
público do que aquela que a lei previu para suprir tal finalidade, o
administrador prefere adotar providência que, embora prevista na
ordem jurídica, não , à face da lei, a via idônea para atender o objetivo
almejado. [...] Em suma, este uso impróprio de uma competência,
tendo em vista alcançar um fim público, pode ocorrer como fruto de: (a)
uma consciente (e injurídica) opção pela via inadequada; (b) uma
consciente (e igualmente injurídica) adoção da via imprópria, por supô-la adequada ao caso, quando deveras não o era.” (op. cit., p. 69-71)
E sobre a prova desse vício, o festejado administrativista arremata:
“Não obstante ressaltem as dificuldades de prova, os autores acentuam
também que, por força mesmo da compostura esquiva deste vício, a
exigência probatória não poderia ser levada a rigores com ele incompatíveis, sob pena de inviabilizar-se o controle jurisdicional destas condutas viciadas (...)Concorrem para identificar o desvio de poder fatores
como a irrazoabilidade da medida, sua discrepância com a conduta habitual da Administração em casos iguais, a desproporcionalidade entre
o conteúdo do ato e os fatos em que se embasou, a incoerência entre as
premissas lógicas ou jurídicas firmadas na justificativa e a conclusão
que delas foi sacada, assim como os antecedentes do ato reveladores
de animosidade, indisposição política ou, pelo contrário, de intuitos de
favoritismo.” (Op. cit., p. 78-80)
A seu turno, a teoria dos motivos determinantes preconiza que, se
explicitados os motivos que animaram determinada conduta administrativa, a
validade do ato fica condicionada à efetiva ocorrência daqueles pressupostos
de fato. Fixada a premissa de que o ato discricionário é passível de controle
judicial, cumpre demonstrar que a atuação do Requerido não encontra abrigo
na lei, porquanto que os pressupostos fáticos adotados como justificativa não
podem ser validados. De fato, exteriorizada a razão pela qual optou por
deixar de prorrogar o prazo de validade do concurso de 2006, fica o Banco do
Brasil vinculado à motivação apresentada, na forma da mencionada teoria
dos motivos determinantes. E o motivo por ele apresentado para a não convocação dos candidatos remanescentes do concurso de 2006 — diminuição
do percentual de aceitação da convocação com o decorrer do tempo, consoante declarado pelo representante do Banco perante o órgão do Ministério
Público do Trabalho (fls. 135/136) — revela o extravasamento do campo da
discricionariedade.
As premissas fáticas sobre as quais se apoia o ato omissivo questionado,
isto é, as bases em que se assenta a decisão do Banco do Brasil, revelam-se
inteiramente despidas de razoabilidade, com todas as vênias. Como antes
assinalado, os atos discricionários da Administração não se encontram acima
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da lei. O ordenamento jurídico não lhes confere imunidade absoluta, como
parece acreditar o Requerido.
Definitivamente, a possibilidade de submissão à sindicância judicial das
condutas praticadas por entes vinculados aos princípios essenciais que
presidem a gestão administrativa, em maior ou menor grau, constitui característica expressiva do Estado Democrático de Direito, em que não se tolera
a prática de atos abusivos e arbitrários. Nesse sentido, a liberdade de escolha,
ínsita à noção de discricionariedade administrativa, significa poder/dever de
opção entre alternativas albergadas na lei, sempre dentro de critérios de impessoalidade, eficiência, moralidade, publicidade, proporcionalidade e razoabilidade. Não há dúvida de que o Banco Requerido detém autonomia gerencial
ou discricionária para definir a prorrogação ou não do concurso público ou
mesmo para deixar de realizá-lo, nos moldes do permissivo legal inscrito no
art. 37, IV, da CF.
Mas essa discricionariedade administrativa, entretanto, encontra restrição
no interesse público, princípio que foi, lamentavelmente, desprezado na
hipótese concreta, em razão da ausência de razoabilidade na conduta omissiva
questionada. Vale insistir, a justificativa apresentada pelo Banco Requerido,
consistente num alegado declínio da aceitação da convocação dos candidatos
aprovados à medida que o tempo passa, não se revela “socialmente aceitável”
(expressão trasladada do RE 192568/PI do E. STF, já mencionado), traduzindo
uma inadequada e abusiva exegese dos incisos III e IV do art. 37 da CF.
Releva destacar que há precedentes do Excelso STF que muito se
assemelham à espécie examinada, cujas ementas peço vênia para reproduzir:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONCURSO PÚBLICO. DIREITO À NOMEAÇÃO. SÚMULA N. 15 STF. I. A
aprovação em concurso público não gera, em princípio, direito à nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito surgirá se for
nomeado candidato não aprovado no concurso, se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação do candidato aprovado
(Súmula n. 15 STF) ou se, indeferido pedido de prorrogação do prazo
do concurso, em decisão desmotivada, for reaberto, em seguida, novo
concurso para preenchimento de vagas oferecidas no concurso anterior
cuja prorrogação fora indeferida em decisão desmotivada. II.
Precedentes do STF: MS 16.182/DF, Ministro Evandro Lins (RTJ 40/
02); MS 21.870/DF, Ministro Carlos Velloso, DJ de 19.12.94; RE 192.568/
PI, Ministro Marco Aurélio, DJ de 13.9.96; RE 273.605/SP, Ministro Néri
da Silveira, DJ de 28.6.02. III. Negativa de seguimento ao RE. Agravo
não provido.” (RE-AgR 419013/DF, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
25.6.2004, sublinhei)
“CONCURSO PÚBLICO AUDITOR FISCAL DO TESOURO NACIONAL
CONVOCAÇÃO DE APROVADOS ETAPAS NOVO CONCURSO
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PRIORIDADE DE CONCURSADOS. A Constituição Federal assegura,
durante o prazo previsto no edital do concurso, prioridade na convocação
dos aprovados, isso em relação a novos concursados. Insubsistência
de ato da Administração Pública que, relegando a plano secundário a
situação jurídica de concursados aprovados na primeira etapa de certo
concurso, deixa de convocá-los à segunda e, em vigor o prazo inserido
no edital, imprime procedimento visando à realização de novo certame.
Harmonia de provimento judicial emanado do Superior Tribunal de Justiça
(mandado de segurança n. 3.137 6/DF, Redator Ministro Vicente
Cernicchiaro, Diários da Justiça de 11 de setembro de 1995 e 27 de
novembro de 1995) com a Lei Maior, mais precisamente com alcance
do preceito do inciso IV, do art. 37.” (AI-AgR 188196/DF, 2ª T., Rel. Min.
Marco Aurélio, DJ 14.2.1997)
No caso do primeiro precedente analisado pela Suprema Corte (REAgR 419013), a prorrogação do prazo de validade do concurso fora indeferida
em decisão administrativa desmotivada; no conflito ora em exame, o motivo
enunciado pela Administração mostra-se absolutamente inválido, pois há
maltrato aos princípios da razoabilidade e da impessoabilidade.
No segundo aresto (AI-AgR 188196), resta nítida a compreensão do
Excelso STF no sentido de que a realização de novo certame, quando ainda
em curso processo de seleção anteriormente deflagrado, encerra ato administrativo inválido. No caso vertente, em nome de um melhor atendimento à
dinâmica empresarial (fl. 136), agiu o Requerido de maneira inteiramente desarrazoada, com todas as vênias, insisto. De fato, ainda que não tenha atuado com a deliberada intenção de afastar-se da finalidade pública, sua conduta
configura claro e inequívoco desvio de poder. Afinal, nos autos da ação cautelar n. 401-2008-000- 10-00-0, em trâmite neste Regional, o Banco do Brasil
requereu permissão para contratação dos candidatos aprovados na Seleção
Externa 2008/001, reservando-se as vagas correspondentes aos aprovados
no certame 2006/001 até o julgamento do presente recurso ordinário. Mostra-se clara, pois, a necessidade de recrutamento imediato de pessoal, evidência que se reforça diante da constatação de que o edital da Seleção Externa
2008/001 foi lançado com quase três meses de antecedência da expiração
do prazo de vigência do concurso 2006/001.
Quando a necessidade de contratação de pessoal é premente e há um
concurso cujo prazo de validade está em curso, a conduta lógica, natural,
esperada e usualmente habitual do Administrador corresponde à prorrogação
do aludido prazo. Há de se convir, portanto, que o modo de agir do Banco do
Brasil não foi usual, pois a simples prorrogação do concurso seria suficiente
para atender a seus interesses e com custos menores, o que se coaduna
com o ideal da eficiência administrativa. A contratação de 537 aprovados no
certame de 2006, ocorrida no interregno temporal verificado entre a publicação
do edital da Seleção Externa 2008/001 (17.3.2008) e a expiração do prazo de
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validade do concurso anterior (9.6.2008), conforme noticiado à fl. 330, é fato
que também enfraquece o motivo que teria determinado a opção pela não
prorrogação daquele certame.
Definitivamente, é difícil sustentar que os candidatos chamados nos três
meses que precederam o termo final do prazo prorrogável do certame tenham
interesse maior na contratação do que aqueles que seriam convocados, por
exemplo, no primeiro mês do prazo improrrogável. Insisto que há de se convir
também que, estando em curso um certame para formação de “cadastro de
reserva”, não se mostra razoável a conduta administrativa concernente ao
lançamento de edital de um novo processo seletivo, com idêntico fim, quando
sequer havia transcorrido o prazo prorrogável do primeiro. E a cautela constante do item 1.3 do edital da Seleção Externa 2008/001, envolvendo a possível
contratação de aprovados no certame de 2006 (fl. 61), demonstra, na verdade,
a tentativa de disfarçar a real intenção do Requerido, tornando mais nítida a
conduta desviada da parte. Mas a caracterização do desvio de poder é
patenteada por outra e mais grave constatação: a não prorrogação do certame
de 2006 e o expedito lançamento de novo concurso implica a possibilidade de tentativa de vedação de acesso de um ou alguns dos aprovados
remanes-centes aos quadros do Banco Requerido.
Afinal, (i) se há candidatos aprovados aguardando convocação, (ii) se o
Banco do Brasil tem necessidade de contratação imediata de empregados e
(iii) se o Banco tem ciência dos nomes dos aprovados remanescentes, é óbvio
que a negativa de prorrogação do certame implica inadmissível violação ao
princípio da impessoalidade.
Ora, a Administração possui conhecimento da lista de concursandos
aprovados. Essas circunstâncias sugerem, então, que poderia haver preterição
deliberada de um ou mais aprovados remanescentes, situação que não se
compadece com o postulado da impessoalidade (art. 37, caput, da CF). Como
se percebe, a suposta legalidade da conduta impugnada, baseada na propalada conveniência administrativa, é meramente ilusória, não subsistindo à
verificação objetiva de que a única solução apta ao atendimento do interesse
público seria a prorrogação do concurso deflagrado no ano de 2006.
Não fossem suficientes os fundamentos já expostos, acresço o brilhante
enfoque constitucional — acerca do aparente conflito de normas constitucionais
— conferido pelo Exmo. Juiz Substituto da 6ª Vara Cível do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios, Ruitemberg Nunes Pereira, ao decidir mandado
de segurança impetrado por aprovados remanescentes do concurso de 2006,
em que pleitearam a prorrogação desse certame:
“[...] Nessa linha, acaso fosse constitucionalmente tolerado que a
Administração Pública deixasse de prorrogar o certame, sem qualquer
motivação plausível, fundada a conduta na singela alegação de discricionariedade administrativa, estar-se-ia admitindo, além do verdadeiro
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arbítrio do administrador, fosse contornada a regra constitucional prevista
no citado inciso IV do art. 37 da Constituição, porquanto, para se evitarem
as nomeações dos candidatos aprovados e classificados no certame
anterior bastaria a não prorrogação da validade desse, seguindo-se a
abertura de novo certame e classificação de novos candidatos.
Consequentemente, cumpre imprimir adequada interpretação aos dois
preceitos constitucionais invocados (incisos III e IV do art. 37), no sentido
de que, em verdade, somente se poderia falar em pura discricionariedade
do administrador se igualmente não houvesse mais interesse público
em novas contratações. Ao contrário, se há interesse na realização de
novo concurso é porque persistem as mesmas razões que sustentaram
a realização do anterior, do que exsurge para os candidatos aprovados
neste o direito líquido e certo à prorrogação. Cuida-se, pois, de ato que,
a despeito de sua natureza originalmente discricionária, tornou-se
vinculado, por força de uma premissa empírica dotada de alto grau de
certeza, qual seja, a persistência do interesse público na contratação
via concurso público. Logo, se a restrição imposta ao direito dos
impetrantes à não preterição que certamente se consubstanciará, pois
o novo concurso foi aberto em 12.3.2008 (fl. 34), não se mostra adequada, necessária e ponderada, conclui-se que não assiste ao administrador o direito a invocar sua discricionariedade e deixar de prorrogar
o concurso anterior. Seguindo a doutrina predominantemente acolhida
no Direito Brasileiro poder-se-ia afirmar a existência, no caso, de uma
autêntica colisão aparente de normas constitucionais: 1) de um lado, o
direito ou a liberdade discricionária do administrador de não prorrogação
do prazo de validade do concurso (art. 37, inciso III, CRB/88); 2) de
outro lado, o direito do candidato de não ser preterido, no prazo
improrrogável do concurso, por outros candidatos aprovados em
concurso posterior (art. 37, inciso IV, CRB/88). Trata-se de uma colisão
atípica, porque envolve a dimensão objetiva de determinada norma
constitucional e a dimensão subjetiva de outra. Em sede de colisão de
normas constitucionais, não apenas a doutrina nacional como o próprio
Supremo Tribunal Federal têm perfilhado a solução dada pelo Direito
Constitucional Alemão, construída pelo Tribunal Constitucional Alemão
(Bundesverfassungsgerichtshof) a partir dos julgamentos dos casos Lüth,
Schmid Spiegel e Blinkfüer, ocorridos em 1958, 1961 e 1969. [...] Ocorre
que o Banco do Brasil e os demais impetrados sequer esclareceram
qual seria o interesse público justificante da não prorrogação do certame
de 2006. Limitaram-se, em verdade, ao argumento formal de que a não
prorrogação seria uma prerrogativa discricionária e que não haveria
norma jurídica obrigando a prorrogação. Ressalte-se que, em tema de
restrição de direitos constitucionais, o administrador não goza do direito
de não fundamentar suas decisões. Cuida-se, ao contrário, de mister
inerente ao ônus da prova das premissas empíricas que nortearam a
decisão restritiva. [...] Na esteira desses ensinamentos, não pode
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prevalecer a restrição aos direitos dos impetrantes, se a entidade
paraestatal deixou de comprovar e mesmo de aduzir as razões que
nortearam a sua conduta restritiva. Assim, ausentes fundamentos
que justifiquem a cedência do direito dos autores, esse deve prevalecer
sobre a atuação administrativa. Cabe ressaltar que, no caso, não se
mostra relevante o fato de se cuidar de entidade da Administração
Indireta, regida pelo Direito Privado (art. 173, § 1º, inciso II, CRB/88),
pois, em se tratando de regime de contratação de empregados, aquela
entidade se submete aos mesmos condicionamentos aplicáveis aos
órgãos da Administração Pública Direta, como dispõe o art. 37, inciso
II, da CRB/88. O segundo critério da proporcionalidade é o da necessidade
(Notwendigkeit/Erförderlichkeit), segundo o qual a restrição de um direito
constitucional somente é admitida quando dentre todas as alternativas
possíveis e disponíveis adota-se aquela que restrinja ou interfira o menos
possível no âmbito de proteção do direito. Em outros termos, havendo
meios menos gravosos, são esses que devem ser adotados. No contexto
que ora se examina, não há dúvida de que os impetrados perfilharam o
caminho mais gravoso aos direitos dos impetrantes. No caso, o meio
menos gravoso para os impetrantes é a simples prorrogação da validade
do certame, medida que em absolutamente nada interferiria no interesse
público que norteia a atividade do administrador. Na hipótese, ao
contrário do que sustentam os impetrados, a prorrogação do certame
não impediria a abertura de novo concurso, o que atende aos interesses
da Administração, ao mesmo tempo em que também não tolheria o direito
dos impetrantes, que teriam assegurada a não preterição diante dos
novos candidatos classificados. Portanto, o meio menos gravoso, tanto
para os impetrantes quanto para os impetrados e a Administração, é a
prorrogação da validade do concurso. Aplica-se, assim, o ‘ótimo de
Pareto’, segundo o qual é possível melhorar uma posição sem necessariamente piorar a outra. [...] Por outro lado, se se der prevalência ao
direito dos impetrantes, assegurando-se-lhes a prorrogação da validade
do concurso e a consectária não preterição relativamente aos candidatos
que vierem a ser aprovados no novo certame, o grau de afetação dos
direitos da entidade administrativa é MÍNIMO, porque essa continuará
tendo o direito de abrir e dar prosseguimento ao novo concurso, sendo-lhe restringida apenas a discricionariedade de não prorrogar o certame
anterior, já que as premissas empíricas continuam justificando tanto o
concurso pretérito como o certame atual. Estamos, portanto, diante de
uma restrição LEVE ao direito-poder discricionário da Administração
(segundo Alexy, uma não satisfação ‘leve’, light). Conclui-se, pois, que
à não satisfação máxima do direito alegado pelos impetrantes não
corresponde uma maior e mais relevante satisfação dos direitos do administrador. Ao contrário, a satisfação daquele direito é compossível com
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um grau elevado e importante de satisfação dos direitos do administrador.
Os direitos, portanto, são compatíveis, a despeito da aparente colisão.
[...] A respeito desta questão não tenho dúvidas em reconhecer que se
deve dar prevalência ao interesse dos autores, porque, considerado o
sistema constitucional, o direito de não preterição está fundamentado e
justificado, ao passo que o direito de não prorrogação não ostenta
qualquer motivação razoável. Assim, é GRANDE a importância abstrata
do direito dos autores; ao passo que é MÍNIMA a importância do direito
de não prorrogação da validade do concurso, na espécie, notadamente
porque a sua exclusão não produz quaisquer efeitos, na prática, para
os interesses da Administração.” (MS 2008.01.1.045107-8, sentença
publicada em 6.8.2008 e disponível no sítio <www.tjdf.jus.br>)
Por todas essas razões, entendo que, na espécie examinada, o Banco
do Brasil não pode contornar a regra inserta no inciso IV do art. 37 da CF com
o pretexto de exercer a faculdade assegurada no inciso III do mesmo
dispositivo constitucional. À luz das circunstâncias fáticas analisadas nos autos,
em conjunto com os princípios da razoabilidade e da impessoalidade, mostra-se inarredável, no caso concreto, a prevalência do interesse público na prorrogação do prazo de validade do concurso de 2006. Dou, pois, provimento ao
recurso ordinário, determinando que o Requerido prorrogue o prazo de validade
do certame deflagrado em 2006, abstendo-se de convocar os candidatos
aprovados na Seleção Externa 2008/001 até o exaurimento da convocação
dos classificados no primeiro concurso (2006), tudo sob pena de pagamento
de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), reversível ao Fundo de
Amparo ao Trabalhador — FAT. Quanto ao dano moral coletivo, assinalo que
os fatos apurados demonstraram que o Banco do Brasil assumiu postura intransigente, esquivando-se do cumprimento de princípios que informam a atuação
da Administração Pública, como a supremacia do interesse público, a impessoalidade e a razoabilidade. Mesmo tendo oportunidade de ajustar sua
conduta, recusou a proposta de assinatura de termo de compromisso oferecida
pelo Ministério Público do Trabalho, preferindo pautar seus atos à margem
das prescrições decorrentes dos princípios regentes da atividade administrativa. A postura abusiva do Requerido impõe a reparação do dano
correspondente, a teor do disposto nos arts. 5º, V e X, da CF, 186, 187 e 927
do CCB e 1º, IV, e 13 da Lei n. 7.347/85.
In casu, o procedimento do Banco do Brasil atinge toda a coletividade,
eis que, ostentando a condição de maior instituição bancária do país e
integrante da Administração Pública Indireta, atentou contra princípios que
disciplinam o ingresso de trabalhadores pela via do concurso público e contra
a própria valorização do trabalho humano. Portanto, em respeito à dignidade
da coletividade e aos interesses difusos e coletivos de toda a comunidade de
trabalhadores, efetivos ou potenciais afetados, condeno o Requerido ao
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pagamento de indenização. No que diz respeito ao quantum indenizatório, é
certo que, dada a magnitude dos valores imanentes à personalidade humana,
os prejuízos causados nessa esfera patrimonial não são passíveis de
reparação pecuniária precisa e absoluta, tanto mais quando a hipótese é
de dano moral coletivo. Desse modo, considerando a condição econômica da
empresa Requerida, o caráter corretivo e pedagógico da medida aplicada —
como meio de inibir a reincidência da conduta antijurídica —, entendo razoável
arbitrar o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) pelos danos morais.
Portanto, atento aos critérios de razoabilidade e equidade, condeno o Banco
Requerido ao pagamento de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de
indenização por danos morais, a ser revertido ao Fundo de Amparo ao
Trabalhador — FAT. Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso
interposto.
III — Conclusão
Pelo exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, dou-lhe
provimento para condenar o Requerido a prorrogar o prazo de validade do
certame deflagrado em 2006, abstendo-se de convocar os candidatos
aprovados na Seleção Externa 2008/001 até o exaurimento da convocação
dos classificados no primeiro concurso (2006), tudo sob pena de pagamento
de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), reversível ao Fundo de
Amparo ao Trabalhador — FAT, bem como a pagar indenização por danos
morais no importe de R$ 200.000,00, nos termos da fundamentação. Inverto
o ônus da sucumbência, arbitrando à condenação o valor de R$ 200.000,00,
do que resultam custas processuais de R$ 4.000,00. É o meu voto.
Acórdão
Por tais fundamentos, Acordam os Desembargadores da Egrégia
Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, conforme
certidão de julgamento, em aprovar o relatório, conhecer do recurso ordinário
e, no mérito, dar-lhe provimento para condenar o Requerido a prorrogar o
prazo de validade do certame deflagrado em 2006, abstendo-se de convocar
os candidatos aprovados na Seleção Externa 2008/001 até o exaurimento da
convocação dos classificados no primeiro concurso (2006), tudo sob pena de
pagamento de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), reversível
ao Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT, bem como a pagar indenização
por danos morais no importe de R$ 200.000,00. Ementa aprovada. Invertido
o ônus da sucumbência, arbitrando-se à condenação o valor de R$ 200.000,00,
do que resultam custas processuais de R$ 4.000,00.
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Certidão(ões)
Órgão Julgador: 3ª Turma
40ª Sessão Ordinária do dia 26.11.2008
Presidente: Desembargador(a) Federal do Trabalho
Douglas Alencar Rodrigues
Juiz Relator
Composição:
Juíza Heloisa Pinto Marques
Juiz Bertholdo Satyro
Juiz Braz Henriques de Oliveira
Juíza Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro
por unanimidade aprovar o relatório, conhecer do recurso ordinário e, no mérito,
dar-lhe provimento para condenar o Requerido a prorrogar o prazo de validade
do certame deflagrado em 2006, abstendo-se de convocar os candidatos
aprovados na Seleção Externa 2008/001 até o exaurimento da convocação
dos classificados no primeiro concurso (2006), tudo sob pena de pagamento
de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), reversível ao Fundo de
Amparo ao Trabalhador — FAT, bem como a pagar indenização por danos
morais no importe de R$ 200.000,00. Invertido o ônus da sucumbência,
arbitrando-se à condenação o valor de R$ 200.000,00, do que resultam custas
processuais de R$ 4.000,00. Tudo nos termos do voto do Des. Relator. O
Des. Bertholdo Satyro ressalvou seu entendimento quanto à matéria. Ementa
aprovada.
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TERMO
DE
COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO
CONDUTA — BOMPREÇO
DE
A empresa Bompreço Supermercados do Nordeste Ltda., inscrita no
CNPJ sob o n. 13.004.510/0006-93, com sede na Avenida Caxangá, 3841,
Sala 9, Iputinga, Recife/PE, neste ato representada pelos advogados, doutores
Rafael Mendes Gomes, OAB 155533/SP, Luís Rodrigues de Almeida, OAB
1381/PE, e Arnaldo José de Barros e Silva Júnior, OAB 10431/PE, firma, pelo
presente instrumento, nos autos dos procedimentos em epígrafe, TERMO DE
Compromisso de Ajustamento de Conduta, nos moldes do art. 5º, § 6º, da Lei
n. 7.347/85, perante o Ministério Público do Trabalho/Procuradoria Regional
do Trabalho da 21ª Região, representado pela Procuradora do Trabalho Ileana
Neiva Mousinho, nos seguintes termos:
I — Das Obrigações
Cláusula 01ª — Não prorrogar a jornada de trabalho dos trabalhadores
do Caixa Central e checkouts, tendo em vista os riscos para a saúde dos
trabalhadores decorrentes da grande incidência de LER/DORT nessas
atividades, conforme já reconhecido no Nexo Técnico Epidemiológico (Decreto
n. 6.042, de 12.2.07), exceto quando algum empregado do mesmo setor
houver faltado ao serviço ou para conclusão de passagem de compras pelo
cliente atendido no momento do término da jornada de trabalho, desde que
não ultrapasse fração de uma hora, e não haja habitualidade.
Cláusula 02ª — Manter, no mínimo, um ensacador a cada checkout em
funcionamento, nos termos do item 3.3, alínea a, do Anexo I, da Norma
Regulamentadora n. 17, do Ministério do Trabalho e Emprego, e Lei Municipal
n. 192/01, do Município de Natal, exceto nos caixas de pequenas compras,
podendo esse serviço ser complementado por outros empregados da loja,
desde que o contingente de complementação não ultrapasse 20% (vinte por
cento) do número de empacotadores registrados.
Cláusula 03ª — Realizar treinamento específico para os operadores de
checkout, periodicamente, durante a jornada de trabalho, com a participação
dos integrantes do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do
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Trabalho, da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho, e
dos responsáveis pela implementação do Programa de Controle Médico de
Saúde Ocupacional. Prazo: comprovar 50% (cinquenta por cento) do
treinamento em 180 (cento e oitenta) dias e 50% (cinquenta por cento) até 15
de janeiro de 2010.
Cláusula 04ª — Adequar os postos de trabalho dos operadores de
checkouts, nos termos da determinação contida no item 2, do Anexo I, da
Norma Regulamentadora n. 17, do Ministério do Trabalho e Emprego.
Cláusula 05ª — Conceder o intervalo intrajornada observando a divisão
lógica da jornada de trabalho, de modo que, o intervalo deverá ser concedido
quando completada 50% (cinquenta por cento) da jornada de trabalho, admitida
a antecipação ou prorrogação excepcionais do início do intervalo intrajornada,
dentro do limite de uma hora.
Cláusula 06ª — Realizar os exames médicos obrigatórios previstos na
Norma Regulamentadora n. 7, do Ministério do Trabalho e Emprego, no prazo
legal, atestando a aptidão ou não ao trabalho, possíveis limitações e riscos a
que estão sujeitos os trabalhadores no setor de trabalho.
Parágrafo primeiro — Havendo manifestação de doença do trabalho
antes do prazo previsto para o exame periódico, deverá ser realizado,
imediatamente, exame médico, com pedido, pelo médico examinador, de
exames complementares específicos, custeados pela empresa.
Parágrafo segundo — Em caso de acidente de trabalho típico, de trajeto
ou doença do trabalho, a Comunicação de Acidente de Trabalho — CAT deve
ser emitida pelo médico da filial da empresa em que trabalha o empregado.
Cláusula 07ª — Na definição da periodicidade dos exames periódicos
no PCMSO, eleger como critério prioritário o risco do setor de trabalho, não
se limitando à fixação da periodicidade dos exames pelo critério idade.
Cláusula 08ª — Orientar seus gerentes, supervisores e responsáveis
pelos setores de saúde e segurança do trabalho a tratar com urbanidade os
empregados, e a explicar-lhes, com paciência e educação, os resultados dos
exames médicos e os encaminhamentos determinados pela legislação em
caso de afastamento do trabalhador para recebimento de benefício previdenciário, e as aplicações de sanções disciplinares previstas em lei, observada a
proporcionalidade.
Cláusula 09ª — Elaborar, e implementar efetivamente, Programa de
Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) de acordo com a estrutura proposta
pela Norma Regulamentadora n. 9, do Ministério do Trabalho e Emprego,
contendo informações claras, precisas e objetivas, com dados estatísticos
completos e atualizados anualmente, além de comparação com dados do ano
anterior.
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Parágrafo único — O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e
o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional deverão ser elaborados
por profissionais que compareçam ao estabelecimento, verificando e
acompanhando a implementação dos referidos programas.
Cláusula 10ª — Elaborar laudo técnico de condições ambientais de
trabalho de maneira precisa e objetiva, avaliando detalhadamente as condições
ambientais de trabalho (agentes químicos, calor, frio, iluminação, ruído, ergonomia, entre outros) e o grau de insalubridade a que estão expostos os
empregados.
Cláusula 11ª — Fornecer os Equipamentos de Proteção Individual —
EPIs a todos os empregados, de acordo com os riscos da atividade e fazer a
reposição imediata quando se deteriorarem.
Cláusula 12ª — Elaborar, e implantar efetivamente, Programa de
Controle Médico de Saúde Ocupacional, de acordo com a estrutura determinada na Norma Regulamentadora n. 7, do Ministério do Trabalho e Emprego,
contendo informações claras, precisas e objetivas, identificando todos os riscos
a que estão expostos os empregados.
Cláusula 13ª — Elaborar relatório anual do Programa de Controle Médico
de Saúde Ocupacional (PCMSO) contendo, entre outros: dados estatísticos
referentes a absenteísmo e suas principais causas na loja, com divisão por
setor; número de Comunicações de Acidente do Trabalho (CAT) emitidas no
período em questão, especificando causas e setores de trabalho dos
empregados acidentados; providências tomadas em relação aos empregados
que retornaram de benefícios por doença profissional e acidente de trabalho,
bem como comparação com dados do ano anterior.
Parágrafo único — Todos os prontuários e exames médicos dos empregados das filiais da empresa em Natal deverão ser arquivados no setor médico
da empresa em Natal.
Cláusula 14ª — Implantar programa de prevenção de LER/DORT efetivo
e consistente, como parte integrante do PCMSO, e definindo de maneira clara
e objetiva as medidas implementadas para sua prevenção e também para a
readaptação dos empregados que retornam de benefícios por doença
profissional e acidente de trabalho.
Cláusula 15ª — Realizar o processo de reabilitação profissional dos
empregados da empresa que retornarem do INSS, em consonância com as
orientações dos técnicos e médicos do setor de reabilitação profissional do
INSS.
Cláusula 16ª — Elaborar Análise Ergonômica do Trabalho (AET),
conforme previsto na Norma Regulamentadora n. 17, e no “Manual de
Aplicação da NR-17”, do Ministério do Trabalho e Emprego, com informações
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claras e objetivas, contendo dados relativos à organização do trabalho (horas
extras, como se dão as pausas e substituições — para ir ao banheiro, tomar
água etc. — hierarquia, ordens de serviço) e medidas concretas para melhoria
do processo de trabalho e do ambiente laboral.
Cláusula 17ª — Incluir no Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
e no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional a forma de divulgação dos referidos Programas.
Cláusula 18ª — Diante da responsabilidade solidária da empresa em
relação a mão de obra terceirizada que presta serviços em suas dependências,
incluir nos programas de Segurança e Saúde da empresa, a obrigação de
vigilância quanto a adoção das normas de medicina e segurança do trabalho
pelas empresas contratadas.
Cláusula 19ª — Inserir nos contratos de prestação de serviços, firmados
com empresas prestadoras de serviços, cláusula estabelecendo a obrigatoriedade de a empresa manter programas de segurança e saúde do trabalho
com conteúdo igual ao da empresa tomadora de serviços, devendo comprovar-lhe a realização de exames médicos, a adoção de medidas de proteção
coletiva e o fornecimento de equipamentos de proteção individual, sob pena
de rescisão do contrato de prestação de serviços.
Cláusula 20ª — Não utilizar o trabalho de promotores de vendas para
realizar atividades próprias dos seus empregados e não desviar de função
quaisquer de seus empregados, exceto a situação prevista na cláusula segunda, que não constituirá desvio de função, mas prestação de serviço auxiliar.
Cláusula 21ª — Não utilizar o trabalho de aprendizes na atividade de
empacotamento de compras dos clientes, em atividades que não demandem
formação profissional e em se tratando de adolescentes, em atividades em
que haja riscos à sua saúde e segurança, tais como no setor de padaria,
corte de frios, deslocamento de cargas, entre outros, segundo avaliação do
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
§ 1º A avaliação de riscos do ambiente de trabalho, no que se refere
aos aprendizes adolescentes, será feita em anexo do PPRA, devendo o
PCMSO também contemplar ações referentes a este específico grupo, e
ambos os programas deverão, nos relatórios anuais, esclarecer as medidas
adotadas para prevenção da saúde dos aprendizes, e as normas de segurança
adotadas.
§ 2º A jornada de trabalho dos aprendizes, na empresa, não poderá
exceder a quatro horas diárias, sendo computadas na jornada máxima prevista
em lei (CLT, art. 432) as horas em que o aprendiz frequenta o curso de
aprendizagem.
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§ 3º Em nenhuma hipótese será admitida prorrogação ou compensação
da jornada de trabalho do aprendiz (CLT, art. 432), nem trabalho aos domingos
e feriados.
Cláusula 22ª — Efetuar o transporte de produtos retirados do depósito
da empresa para as prateleiras e vice-versa, com os Equipamentos de
Proteção Coletiva — EPCs e instrumentos de trabalho adequados, e por intermédio de trabalhadores devidamente treinados para o transporte manual de
pesos.
Cláusula 23ª — Abster-se de sujeitar seus empregados a longas esperas
pelo transporte fornecido pela empresa, iniciando o transporte no máximo até
20 (vinte) minutos do término da jornada, em veículo em bom estado de conservação e com a lotação máxima permitida pela legislação de trânsito, observado
o uso de cinto de segurança.
Cláusula 24ª — Manter o livro de registro de empregados ou sistema
de ponto eletrônico em cada filial da empresa, com possibilidade de impressão
de todas as fichas de horários quando requisitadas pela fiscalização do
trabalho.
Cláusula 25ª — A empresa compromete-se a confeccionar 5.000 (cinco
mil) cartilhas sobre as causas de LER/DORT e as medidas de sua prevenção
no ambiente de trabalho.
Cláusula 26ª — Afixar cópia do presente Termo de Ajuste de Conduta
em local que tenha publicidade dentro da empresa, para que possa chegar
ao conhecimento de todos os empregados.
II — Da multa
Cláusula 27ª — O descumprimento do presente Termo de Compromisso
de Ajustamento de Conduta sujeitará a empresa ao pagamento de multa no
valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), ao mês, por cada cláusula descumprida, aplicada em dobro, no caso de reincidência, e corrigida monetariamente,
reversíveis ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), nos termos dos arts.
5º, § 6º e 13, da Lei n. 7.347/85, combinados com o art. 585, inciso II, do
Código de Processo Civil (redação dada pela Lei n. 8.953/94), sem prejuízo
da execução das obrigações de fazer e não fazer.
III — Da fiscalização
Cláusula 28ª — O Ministério Público do Trabalho, diretamente ou através
da Delegacia Regional do Trabalho, velará pela fiel observância do presente
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compromisso, notificando o Signatário sobre eventual inadimplemento e
consequente imposição da multa fixada no item II;
Cláusula 29ª — A multa estipulada no item II não é substitutiva das
obrigações contraídas neste Termo nem impede a aplicação de outras multas
pelo Ministério do Trabalho e Emprego;
Cláusula 30ª — Na hipótese de não pagamento voluntário da referida
multa, proceder-se-á à sua execução, na forma da lei;
Cláusula 31ª — O presente compromisso vigorará por prazo indeterminado.
Natal/RN, 4 de maio de 2009.
Ileana Neiva Mousinho
Procuradora do Trabalho
Rafael Mendes Gomes
Advogado OAB 155533/SP
Luís Rodrigues de Almeida
Advogado OAB 1381/PE
Arnaldo José de Barros e Silva Júnior
Advogado OAB 10431/PE
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JURISPRUDÊNCIA
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DEMISSÃO EM MASSA. ABUSIVIDADE.
SUSPENSÃO. TRT 3ª REGIÃO
TRT-DC-00308-2009-000-03-00-5
Suscitante: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Siderúrgicas,
Metalúrgicas, Mecânicas, de Material Elétrico e de Informática
de Ipatinga, Belo Oriente e Santana do Paraíso — Sindipasuscitadas: Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. —
Usiminas, Usiminas Mecânica S.A. — Umsa, Sankyu S.A.,
Empresa Brasileira de Eng. e Com. S.A. — Ebec —, Embasil —
Embalagens Siderúrgicas Ltda., Convaço — Construtora Vale
do Aço Ltda. e ES Serviços Ltda.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Siderúrgicas, Metalúrgicas,
Mecânicas, de Material Elétrico e de Informática de Ipatinga, Belo Oriente e
Santana do Paraíso — SINDIPA — postula a instauração de dissídio coletivo
de natureza jurídica, com pedido liminar, em face de USIMINAS — Usina
Siderúrgica de Minas Gerais S.A., UMSA — Usiminas Mecânica S.A., Sankyu
S.A., EBEC — Empresa Brasileira de Eng. e Com. S.A., EMBASIL —
Embalagens Siderúrgicas Ltda., CONVAÇO — Construtora Vale do Aço e E.S.
Serviços Ltda., ao argumento de que estas últimas suscitadas prestam serviços
à primeira — USIMINAS — em atividade-fim da tomadora de serviços.
Destaca, ainda, que para a execução dos seus contratos a primeira
suscitada utiliza-se de mecânicos, oficiais de mecânica, soldadores, oficiais
de soldador, eletricista, ajudantes industriais, encarregados de elétrica, todos
trabalhadores das prestadoras sob o comando e direção da tomadora
USIMINAS. Ressalta que as suscitadas promoveram um gigantesco corte nos
postos de trabalho, sob a alegação de necessidade de redução dos custos
por força da crise econômica mundial amplamente noticiada. Aduz que as
empresas citadas, desde o mês de dezembro de 2008 até a presente data já
promoveram a demissão de mais de 1.500 (um mil e quinhentos) empregados,
sem qualquer justificativa contábil ou financeira. Demitiram — prossegue —
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trabalhadores doentes, trabalhadores com 20, 30 anos de serviços prestados,
sem qualquer comunicação ou tentativa de negociação com o sindicato na
busca de alternativa para evitar as demissões. Acrescenta que notícias veiculadas pela imprensa indicam que a pretensão das suscitadas a atingir o patamar
de 20%, do seu contingente, em demissões. Enaltece que, diante desse
quadro, formulou denúncias junto ao Ministério Público do Trabalho, à Ministra
da Casa Civil da Presidência da República, tendo solicitado à primeira
suscitada, desde dezembro/2008, explicações sobre as notícias de demissões,
sendo certo que, entre negativas e evasivas, as suscitadas negavam os cortes,
todavia continuaram implementando as dispensas dos trabalhadores.
Reporta-se, o suscitante, à previsão do art. 678, I, a, da CLT, para
enaltecer a competência desta Especializada quanto ao tema, ressaltando o
caráter abusivo das demissões em massa, que ultrapassa o grupo de
trabalhadores atingidos, alcançando a coletividade de trabalhadores das
empresas suscitadas. Dá como violados os arts. 1º, itens III e IV, 5º, XIV, 7º,
XXVI, 8º, III e VI, todos do texto constitucional, bem como a Convenção n. 98
e as suas Recomendações ns. 94 e 163, além dos arts. 187 e 422, ambos do
Código Civil.
Pede, assim, a concessão de liminar para que seja determinada a suspensão cautelar das demissões nas empresas suscitadas; a reintegração
liminar de todos os demitidos; a designação, em caráter de urgência, de audiência de tentativa de conciliação; que seja determinado às suscitadas que
apresentem os balanços patrimoniais e contábeis dos últimos 2 (dois) anos;
que seja oficiado do Ministério Público do Trabalho, para integrar a lide, e
que, a final, seja julgado procedente o presente dissídio coletivo e declarada
a nulidade das demissões coletivas levadas a efeito.
Do cabimento
A ação intentada, diante dos termos da OJ n. 7 da SDC do eg. Tribunal
Superior do Trabalho, é cabível. Demais disso, o presente dissídio coletivo de
natureza jurídica visa à interpretação das normas jurídicas preexistentes, não
de caráter genérico, referentes à demissão, lançando dúvidas sobre o poder
potestativo dos empreendimentos em caso de dispensa em massa de empregados. As normas da Consolidação das Leis do Trabalho que não abrangem
a totalidade das situações fáticas concretas exigem a normatização coletiva,
justificando a admissibilidade do processamento do dissídio, que admito.
Ressalto, outrossim, que a regra do mútuo consentimento, tendo em
vista a alegada paralisação do empreendimento, o que por analogia poder-se-ia aplicar a regra do locaute — salvo expressa justificação e comprovação
das causas da paralisação — implicam na possibilidade jurídica da ação.
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Do pedido liminar
O art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil veio sustentar no panorama
legal a influência das normas esparsas editadas sobre a pressão do crescente
movimento em torno do que se denominou a “questão social”(1). A ebulição
política em torno da questão social, na década de 20, especialmente, do século
passado, tornara-se intensa e a falta de normatização das questões relativas
ao trabalho que era tratado como mera locação de serviços pela lei civil, impelia
os debates sobre o tema. A reunião das Leis esparsas, denominada Consolidação das Leis do Trabalho, por si não garantiria o alcance do bem-estar
social, senão associada com a já existente LICC, de 1942, que possibilitou,
através da hermenêutica jurídica estimulada, a exata atenção aos “fins sociais”
da lei e ao “bem comum”.
A legislação do trabalho de cunho social, ao invés do cunho individual e
liberal da legislação civil, veio justamente para se contrapor àquilo que determinava a desigualdade e o desnível acentuado da divisão de ganhos.
Como fins sociais devemos entender os fins do direito, pois “a ordem
jurídica, como um todo, é o conjunto de normas para tornar possível a sociabilidade humana” e a aplicação da lei deve observar sua finalidade sem a qual o
ato de aplicação da norma torna-se burla à própria norma.(2)
Por outro lado, com o enquadramento da regra do art. 5º, da Lei de
Introdução ao Código Civil, o intérprete poderá concluir que um caso que se
enquadra na lei não poderá ser por ela regido porque não está dentro de sua
razão, não atendendo à finalidade social. Se a norma não corresponder à
sua finalidade, ou seja, ao fim a que veio, tornar-se-ia em elemento de desordem e instrumento de arbítrio.
Orozimbo Nonato,(3) “ao referir-se ao bem comum, entende que a
invocação é indicativa das tendências frenadoras dos abusos do individualismo,
ao qual se opõem os imperativos da democrática social”.
Já para Godofredo Teles Junior(4) o bem comum é a ordem jurídica, por
ser único bem rigorosamente comum que todos os participantes da sociedade
política desejam necessariamente, que ninguém pode dispensar. A harmonização de que não se consegue com a eficácia dos bens particulares e os da
comunidade é o resultado da equação que deve o intérprete buscar na
aplicação da norma.
(1) Veja-se Paulo Garcia Macedo Neto em sua monografia A questão social na era
Vargas (em vias de publicação).
(2) Celso Antônio Bandeira de Mello.
(3) In: DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil comentada, p. 173.
(4) Op. cit., p. 175.
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Reportando-se, ainda, a Paulo Garcia, no trabalho citado, ao se valer
do ensinamento de Alípio Silveira, em sua obra O fator político-social na
interpretação das leis, quando ressalta que a inserção do art. 5º da LICC no
ordenamento brasileiro significa:
“1) Repulsa à interpretação literal, dedutivista e à aplicação mecânica
da lei; 2) Repulsa ao sistema interpretativo da intenção ou vontade do
legislador, de cunho subjetivista, substituído por aquele da intenção ou
fim da lei, de caráter objetivista; 3) Repulsa ao in claris cessat
interpretatio, já que toda e qualquer aplicação de lei deverá conformar-se aos seus fins sociais e às exigências do bem comum, sem embargo
de sua aparente ou superficial clareza; 4) Predomínio do caráter
valorativo, político-social, da interpretação e consequente alargamento
desse conceito, como desenvolvimento vivo, quase uma segunda criação
da regra já estabelecida pelo legislador; 5) Atenuação do liberalismo
individualista abstrato e do absolutismo dos direitos individuais.
(SILVEIRA, 1946, p. 67).”
Na aplicação da norma trabalhista deve-se ter em conta o bem comum,
o fim social e o bem individual que num somatório traduzem o que se denomina
pacto social.
Com tais informações doutrinárias, passamos a examinar o pedido de
liminar que visa à suspensão cautelar das demissões sem justa causa ou sob
o fundamento de dificuldades financeiras alegadas pelas suscitadas.
Como bem realça o eminente professor e magistrado Antônio Álvares
da Silva, em seu artigo “Dispensa coletiva e seu controle pelo Judiciário”:
“Desproteger a relação de emprego e liberar a dispensa é desfigurar o Direito
do Trabalho e esvaziar-lhe a função social, transformando-o num mero
contrato, que pode ser rescindido segundo motivação do empregador, sem
qualquer consideração ao elemento social e protetor que sempre caracterizou
a essência das relações de trabalho desde a Revolução Industrial”.
Dentro da regra explicitada da interpretação do conjunto do direito —
incidibilidade do direito positivo brasileiro — bem como se firmando na regência
do art. 8º, da CLT, encontramos a questão do direito de dispensar e a atitude
abusiva do direito de dispensar. O abuso de direito, por sua vez, tem previsão
no art. 187 do Código Civil, que assim dispõe: “Também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes”.
Pontes de Miranda,(5) escudando-se na lei civil, menciona que “no direito
brasileiro a condição potestativa pura é inexistente”.
(5) Tratado de direito privado, v. 47, p. 511.
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No presente caso, tem-se notícia de dispensa indiscriminada em
“exercício abusivo de um direito” de milhares de empregados sem qualquer
critério e diálogo com o sindicato profissional. Saliente-se que a dignidade da
pessoa humana, bem como o princípio da dispensa necessária sem
desqualificação profissional e com indenização justa (art. 7º, I, da CF) é o que
deve prevalecer, antecedida de ampla negociação, pena de gerar ainda ação
de danos morais e materiais.
A negociação deverá abranger os motivos da dispensa; o número e as
categorias de profissões dos trabalhadores que serão dispensados; os prazos
das dispensas; os critérios de escolha dos que serão dispensados.
A ausência da negociação e da fixação de critérios implica no deferimento, em parte, da liminar pretendida, assegurando-se o impedimento de
demissões a partir desta ordem até que sejam restabelecidos os critérios para
a dispensa em negociação com o sindicato profissional, com a presença, se
necessário, do Ministério Público do Trabalho.
Da mesma forma, em liminar, o pretendido na letra “c” da inicial, bem
como que seja exibida a relação de todos os demitidos, tempo de serviço
deles e prazo para as respectivas aposentadorias.
Deixo para o exame final e após a instrução própria as demais questões
pretendidas nesta ação.
P. e I.
Belo Horizonte, 30 de março de 2009.
Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello
Desembargador Vice-Presidente Judicial
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CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ELEIÇÃO
REPRESENTANTES SINDICAIS. STJ
DE
Superior Tribunal de Justiça
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 56.040 — SP (2005/0174224-5)
Autor : Fábio Marcelo Pimentel
Advogado : Luiz G. Faria e Outro
Réu : Sindicato dos Servidores Estatutários Municipais de Santos
Advogado : Mário Eduardo Alves e Outro
Suscitante : Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Santos — SP
Suscitado : Juízo de Direito da 2ª Vara Cível De Santos — SP
Relatório
A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon: — Trata-se de conflito negativo
de competência suscitado pelo Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Santos —
SP, em face do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Santos — SP, nos autos
de ação ajuizada, em 21.7.2003, por Fábio Marcelo Pimentel contra o Sindicato
dos Servidores Estatutários Municipais de Santos, em que objetiva a anulação
de todo o processo referente à eleição de representantes sindicais.
Em virtude do advento da EC n. 45/04, foi determinada a remessa dos
autos à Justiça do Trabalho de Santos. Dessa decisão, a entidade sindical
interpôs agravo de instrumento, o qual resultou na ratificação da decisão do
Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Santos — SP.
O Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Santos — SP, por sua vez, entendeu
que, mesmo após a alteração promovida pela emenda constitucional
supracitada, permanece com a Justiça comum a competência para prestar a
jurisdição relativa a sindicato de servidores públicos estatutários.
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Ouvido o MPF, opinou pela declaração da competência do Juízo
Suscitante.
É o relatório.
Voto
A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): — A Emenda
Constitucional n. 45/04 estabeleceu, no art. 114, inciso III, que compete à
Justiça do Trabalho processar e julgar as ações relativas à representação
sindical entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e
empregadores. A partir disso, no julgamento do Recurso Especial 727.196/
SP, datado de 25 de maio de 2005, a Primeira Seção desta Corte decidiu
que, por ter a norma jurídica aplicação imediata a todos os processos em
curso, independentemente da fase em que se encontram, eles devem ser
remetidos à Justiça do Trabalho, sob pena de nulidade. Confira-se a ementa:
“DIREITO SINDICAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO
SINDICAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. ART. 114,
INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC N. 45 DE 8 DE DEZEMBRO DE 2004. APLICAÇÃO IMEDIATA. ART. 87 DO CPC. 1. Recurso
especial interposto contra acórdão oriundo de ação objetivando o
recebimento de contribuição sindical rural fundada no art. 578 e seguintes
da Consolidação das Leis Trabalhistas em c/c o DL n. 1.166/71. 2. A EC
n. 45 dispõe, conforme redação que deu ao art. 114, III, da CF/88, que:
‘Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: ... III — as ações
sobre representação sindical, entre sindicatos e trabalhadores, e entre
sindicatos e empregadores’. 3. As ações ajuizadas por entidades
sindicais atinentes à cobrança de contribuição sindical devem ser processadas e julgadas na Justiça Trabalhista em face da carga cogente do
art. 114, inciso III, da Constituição Federal. Competência atribuída pela
EC n. 45 de 8 de dezembro de 2004. 4. No tocante ao fenômeno da
aplicação da Emenda Constitucional referida no tempo, tenho que ela
se aplica, desde logo, em virtude do disposto na parte final do art. 87 do
CPC. Todos os processos, em consequência, qualquer que seja a fase
em que se encontrem, devem ser enviados à Justiça do Trabalho, sob
pena de nulidade absoluta. 5. Diante da incompetência absoluta deste
Tribunal para conhecer da matéria discutida no presente recurso
especial, determino que sejam os autos remetidos ao egrégio Tribunal
Superior do Trabalho.” (REsp 727.196/SP, Rel. Ministro José Delgado,
Primeira Seção, julgado em 25.5.2005, DJ 12.9.2005. p. 202)
Com base nesse entendimento, a Primeira Seção vem declarando a
competência da Justiça Trabalhista para processar e julgar os feitos de que
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trata o art. 114 da CF/88, com a nova redação, afastando o enunciado da
Súmula n. 222/STJ após o advento da EC n. 45/04.
Transcrevo, pois, os seguintes precedentes:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ELEIÇÃO SINDICAL.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. ART. 114, INCISO III, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC N. 45 DE 8 DE DEZEMBRO DE 2004.
APLICAÇÃO IMEDIATA. ART. 87 DO CPC. 1. Examina-se conflito de
competência negativo suscitado pelo Juízo da Quarta Vara do Trabalho
em face do Juízo de Direito da Décima Vara Cível, ambos da cidade de
Santos/SP. O ponto em debate no processado está fundado no exame
de competência entre a Justiça Estadual Comum e a Justiça do Trabalho
para processar e julgar ação declaratória c/c obrigação de fazer ajuizada
por sindicalizado, visando suspender os efeitos da eleição ocorrida no
Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santos/SP, entre outras
providências. O Douto representante do Parquet opinou pela declaração
de competência da Justiça Trabalhista. 2. A EC n. 45 dispõe, conforme
redação que deu ao art. 114, III, da CF/88, que: ‘Compete à Justiça do
Trabalho processar e julgar: ... III — as ações sobre representação
sindical, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e
empregadores’. 3. As demandas relacionadas à representação sindical,
dentre as quais aquelas decorrentes do processo eleitoral da categoria,
devem ser julgadas no âmbito da justiça trabalhista. Precedente: CC
48431/MA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 1º.8.2005. 4. No
tocante ao fenômeno da aplicação da Emenda Constitucional referida
no tempo, tenho que ela se aplica, desde logo, em virtude do disposto
na parte final do art. 87 do CPC. Todos os processos, em consequência,
qualquer que seja a fase em que devem ser enviados à Justiça do
Trabalho, sob pena de nulidade absoluta. 5. Conflito conhecido para
declarar a competência do Juízo da Quarta Vara do Trabalho de Santos/
SP, o suscitado.” (CC 51.633/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira
Seção, julgado em 28.9.2005, DJ 17.10.2005. p. 166)
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO (CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
ART. 114, III, ALTERADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/04)
— A 1ª Seção, apreciando Questão de Ordem no RESP n. 727.196/SP,
Min. José Delgado, julgada em 25.5.2005, decidiu que a competência
para apreciação das causas promovidas por entidades sindicais visando
à cobrança de contribuição sindical é da Justiça do Trabalho, em face
do que dispõe a Lei n. 8.984/95 e o art. 114, III, da CF/88, com a redação
dada pela EC n. 45/04, cuja aplicação é imediata, alcançando os
processos em curso — Conflito conhecido para declarar competente o
Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Governador Valadares — MG.” (CC
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48.299/MG, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Primeira Seção,
julgado em 12.12.2005, DJ 20.2.2006. p. 180)
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL INSTITUÍDA POR LEI. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. ART. 114, INCISO III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC N. 45 DE
8 DE DEZEMBRO DE 2004. APLICAÇÃO IMEDIATA. ART. 87 DO CPC.
REMESSA, DE OFÍCIO, DOS AUTOS À JUSTIÇA LABORAL. 1. Examina-se conflito de competência negativo suscitado pelo Juízo Federal da
Vara de Guarapuava/PR em face do Juízo de Direito da Primeira Vara
Cível, também da cidade de Guarapuava/PR. O ponto em debate no
processado está fundado no exame de competência entre a Justiça
Estadual Comum e a Justiça Federal para processar e julgar ação de
cobrança ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura e outros
objetivando o recebimento de contribuição sindical fundada no art. 578
e seguintes da Consolidação das Leis Trabalhistas. O Douto representante do Parquet opinou pela declaração de competência da Justiça
Comum Estadual. 2. Ainda que instaurado o conflito de competência
nos moldes exigidos pelo art. 115, I e II do CPC, reconheço a incompetência absoluta de ambos os juízos para processar e julgar o presente
feito, por entender ser a matéria de competência da Justiça Laboral. 3.
O entendimento jurisprudencial desta Corte estava firmado no sentido
de atribuir competência à Justiça Comum Estadual para processar e
julgar as ações relativas à contribuição sindical instituído por lei. Instaurou-se, entretanto, novo panorama jurídico oriundo da reforma operada
na Carta Magna com a edição da Emenda Constitucional n. 45 de 8 de
dezembro de 2004. 4. A EC n. 45 dispõe, conforme redação que deu ao
art. 114, III da CF/88, que: ‘Compete à Justiça do Trabalho processar e
julgar: ... III — as ações sobre representação sindical, entre sindicatos
e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores’. 5. As ações ajuizadas por entidades sindicais atinentes à cobrança de contribuição sindical devem ser processadas e julgadas na Justiça Trabalhista em face
da carga cogente do art. 114, inciso III da Constituição Federal. Competência atribuída pela EC n. 45 de 8 de dezembro de 2004. 6. No tocante ao fenômeno da aplicação da Emenda Constitucional referida no
tempo, tenho que ela se aplica, desde logo, em virtude do disposto na
parte final do art. 87 do CPC. Qualquer decisão proferida por órgão judiciário incompetente, após a vigência da EC n. 45, é nula de pleno
direito, por ser a incompetência absoluta inderrogável (art. 111 do CPC).
7. Em face do exposto, DETERMINO, DE OFÍCIO, o envio dos autos da
ação de cobrança ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura
e Outros para distribuição a uma das Varas da Justiça do Trabalho da
cidade de Guarapuava/PR.” (CC 49.659/PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 28.9.2005, DJ 17.10.2005. p. 165)
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“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA E PECUÁRIA — CNA.
PROMULGAÇÃO DA EC N. 45/04. INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA
REGRA DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL. ATRIBUIÇÃO JURISDICIONAL DEFERIDA À JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, III, DA
CF. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 222/STJ. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. A Emenda Constitucional n. 45/04 ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho atribuindo-lhe competência para dirimir as controvérsias sobre representação
sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores. 2. Consequentemente, a novel redação dada
ao art. 114, da Carta Maior, decorrente da reforma constitucional em
questão, suprimiu a competência da Justiça comum, para a cognição
das ações sindicais como sói ser a ação de cobrança de contribuição
sindical que ensejou a suscitação do presente conflito, exsurgindo inquestionável a competência da Justiça do Trabalho para julgamento de
demandas que tenham por cerne questões análogas à referida. 3. É
cediço na Corte que a modificação de competência constitucional tem
aplicabilidade imediata, alcançando, desde logo, todos os recursos especiais versando contribuição sindical, ainda em curso de processamento
no Superior Tribunal de Justiça, quando da promulgação da EC n.
45/04, raciocínio que se estende às Federações e Confederações (ubi
eadem ratio ibi eadem dispositio). 4. A Primeira Seção desta Corte
Superior, quando da apreciação de Questão de Ordem, suscitada no
REsp n. 727.196/PR, de relatoria do Exmo. Sr. Ministro José Delgado,
julgada em 25.5.2005, firmou a mencionada incompetência ratione materiae vinculativa para as suas respectivas Turmas. De igual modo, no
julgamento do Conflito de Competência n. 48.891/PR, firmou posicionamento pela inaplicabilidade, a partir da vigência da EC n. 45/04, do Enunciado Sumular n. 222 deste Sodalício, que dispunha: ‘Compete à Justiça
Comum processar e julgar as ações relativas à contribuição sindical prevista no art. 578 da CLT’. (Precedente: CC n. 48.891/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 1º.8.2005) 5. A competência em razão da matéria é
absoluta e, portanto, questão de ordem pública, podendo ser conhecida pelo órgão julgador a qualquer tempo e grau de jurisdição. Embora o
conflito não envolva a Justiça do Trabalho, devem ser remetidos os autos a uma das varas trabalhistas de Lages/SC. 6. Conflito conhecido
para determinar a remessa dos autos a uma das Varas da Justiça do
Trabalho em Lages/SC.” (CC 46.538/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 28.9.2005, DJ 10.10.2005. p. 209)
“AÇÃO PROMOVIDA POR ENTIDADE SINDICAL, VISANDO À COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
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DO TRABALHO (CF, ART. 114, III, REDAÇÃO DA EC N. 45/04).
DESNECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO DO PRECEDENTE. 1. A 1ª
Seção, apreciando Questão de Ordem no RESP n. 727.196/SP, Min.
José Delgado, julgada em 25.5.2005, decidiu que a competência para
apreciação das causas promovidas por entidades sindicais visando à
cobrança de contribuição sindical é da Justiça do Trabalho, em face do
que dispõe o art. 114, III, da CF/88, com a redação dada pela EC n. 45/04,
cuja aplicação é imediata, alcançando os processos em curso. 2. ‘A
impugnação da parte é viabilizada pelas razões de decidir da decisão
agravada, não havendo qualquer prejuízo na ausência de publicação
do leading case adotado’ (AgRg no RESP 586015/MG, 3ª Turma, Min.
Castro Filho, DJ de 18.10.2004). 3. Agravo regimental a que se nega
provimento.” (AgRg no CC 49.557/MG, Rel. Ministro Teori Albino
Zavascki, Primeira Seção, julgado em 24.8.2005, DJ 12.9.2005. p. 195)
“DIREITO SINDICAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONFEDERAÇÃO
NACIONAL DA AGRICULTURA E PECUÁRIA — CNA. EC N. 45/04. ART.
114, III, DA CF/88. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1.
Após a Emenda Constitucional n. 45/04, a Justiça do Trabalho passou
a deter competência para processar e julgar não só as ações sobre
representação sindical (externa — relativa à legitimidade sindical, e
interna — relacionada à escolha dos dirigentes sindicais), como também
os feitos intersindicais e os processos que envolvam sindicatos e empregadores ou sindicatos e trabalhadores. 2. As ações de cobrança de
contribuição sindical propostas pelo sindicato, federação ou confederação respectiva contra o empregador, após a Emenda, devem ser
processadas e julgadas pela Justiça Laboral. 3. Precedentes da Primeira
Seção. 4. A regra de competência prevista no art. 114, III, da CF/88
produz efeitos imediatos, a partir da publicação da EC n. 45/04, atingindo
os processos em curso, ressalvado o que já fora decidido sob a regra
de competência anterior. 5. Após a Emenda, tornou-se inaplicável a
Súmula n. 222/STJ. 6. A competência em razão da matéria é absoluta
e, portanto, questão de ordem pública, podendo ser conhecida pelo
órgão julgador a qualquer tempo e grau de jurisdição. Embora o conflito
não envolva a Justiça do Trabalho, devem ser remetidos os autos a
uma das Varas trabalhistas de Guarapuava/PR. 7. Conflito conhecido
para determinar a remessa dos autos a uma das Varas da Justiça do
Trabalho em Guarapuava/PR.” (CC 48.891/PR, Rel. Ministro Castro
Meira, Primeira Seção, julgado em 8.6.2005, DJ 1º.8.2005. p. 305)
Com essas considerações, conheço do conflito para declarar competente
o Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Santos-SP, o suscitante.
É o voto.
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TST.
TERCEIRIZAÇÃO EM ATIVIDADE-FIM.
EMPRESA DE RAMO DE ENERGIA ELÉTRICA
“RECURSO DE EMBARGOS — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TERCEIRIZAÇÃO EM ATIVIDADE-FIM — EMPRESA DO RAMO DE ENERGIA
ELÉTRICA — EXEGESE DO ART. 25 DA LEI N. 8.987/95 — INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO
TRABALHO — VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT. A Lei n. 8.987, de 13
de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e
permissão de prestação de serviços públicos, ostenta natureza administrativa e, como tal, ao tratar, em seu art. 25, da contratação com terceiros
de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço
concedido, não autorizou a terceirização da atividade-fim das empresas
do setor elétrico. Isso porque, esse diploma administrativo não aborda
matéria trabalhista, nem seus princípios, conceitos e institutos, cujo plano
de eficácia é outro. A legislação trabalhista protege, substancialmente,
um valor: o trabalho humano, prestado em benefício de outrem, de forma
não eventual, oneroso e sob subordinação jurídica, apartes à já insuficiente conceituação individualista. E o protege sob o influxo de outro
princípio maior, o da dignidade da pessoa humana. Não se poderia,
assim, dizer que a norma administrativista, preocupada com princípios
e valores do Direito Administrativo, viesse derrogar o eixo fundamental
da legislação trabalhista, que é o conceito de empregado e empregador,
jungido que está ao conceito de contrato de trabalho, previsto na CLT.
O enunciado da Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho guarda
perfeita harmonia com princípios e normas constitucionais e trabalhistas
e trouxe um marco teórico e jurisprudencial para o fenômeno da terceirização nas relações de trabalho no Brasil, importante para o desenvolvimento social e econômico do País, já que compatibilizou os
princípios da valorização do trabalho humano e da livre concorrência e
equilibrou a relação entre o capital e o trabalho. Recurso de embargos
conhecido e parcialmente provido.”
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de
Revista TST-E-RR n. 586.341/1999.4, em que é Embargante Ministério Público
do Trabalho da 18ª Região e Embargada Centrais Elétricas de Goiás S/A — CELG.
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Adoto o relatório elaborado pelo Ministro Relator originário do feito:
Trata-se de ação civil pública, em que o Ministério Público do Trabalho
da 18ª Região, embargante, requereu o cumprimento pela CELG — Centrais
Elétricas de Goiás S.A. das normas de medicina e segurança do trabalho,
além de proibição para a prática de terceirização de seus serviços.
A c. Quarta Turma, mediante o acórdão de fls. 875-876, da lavra do
Exmo. Sr. Juiz Convocado Luiz Antonio Lazarin, não conheceu do recurso de
revista do Ministério Público do Trabalho da 18ª Região, que pretendia a
procedência da ação civil pública para que fosse impedida a prática de
terceirização dos serviços da CELG — Centrais Elétricas de Goiás S.A.
Concluiu o Colegiado que o recurso de revista não merecia conhecimento
por contrariedade à Súmula n. 331, I, do C. TST, tendo em vista que somente
reexaminando-se o conjunto fático probatório dos autos, poderia se verificar
a existência de terceirização da atividade-fim, tendo em vista que o Eg. Tribunal
Regional “não explicitou que a reclamada deveria proceder à terceirização do
serviço da atividade-fim, de modo a atrair a incidência do Enunciado n. 331,
que, em seu inciso III, recepciona a contratação de serviços especializados
ligados à atividade-meio”.
Interpostos embargos de declaração pelo Ministério Público, pelas razões
de fls. 880-882, afirmando que, diversamente do concluído pela C. Turma,
havia tese sobre o tema.
Inconformado, o reclamante opõe embargos, às fls. 893/896, indicando
nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional, por entender que
a C. Turma não examinou omissões apontadas em embargos de declaração.
Aponta ofensa aos arts. 832, 896 e 897-A da CLT, 535 do CPC, XXXV e LV do
art. 5º e 93, IX, da Constituição Federal. Alega ofensa ao art. 896 da CLT,
porque a v. decisão contrariou a Súmula n. 331 do c. TST, por não se tratar
de matéria fática.
Não foi apresentada impugnação, conforme certidão de fl. 898.
Sem remessa dos autos à d. Procuradoria-Geral do Trabalho, por ser
parte no feito.
É o relatório.”
VOTO
1 — Conhecimento
1.1 — Negativa de prestação jurisdicional da decisão da turma
Adoto os fundamentos do voto originário quanto ao conhecimento do
presente tema, aprovados à unanimidade pela Subseção I Especializada em
Dissídios Individuais:
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A C. Turma entendeu por não conhecer do recurso de revista do
Ministério Público do Trabalho, diante da incidência da Súmula n. 126 do C.
TST, ao fundamento de que a decisão do eg. Tribunal Regional como colocada
demanda a verificação da existência de terceirização de atividade-fim.
Embargos de declaração foram opostos pelo parquet, destacando que
a decisão do eg. Tribunal Regional não demanda reexame de prova, pois a
questão jurídica colocada é no sentido de que é proibida a terceirização de
atividade-fim.
Os embargos de declaração foram rejeitados, ao fundamento de que a
matéria fora examinada.
Sustenta o Ministério Público nulidade do julgado, por negativa de
prestação jurisdicional. Alega ofensa aos arts. 832, 896 e 897-A da CLT, 535
do CPC, XXXV e LV do art. 5º e 93, IX, da Constituição Federal.
A C. Turma explicitou a inexistência de tese a possibilitar o exame do
tema nesta instância revisional, em face do óbice da Súmula n. 126 do C.
TST.
Todavia, verifica-se da v. decisão regional os seguintes fundamentos:
“Data venia, o pedido de condenação da requerida à obrigação de não
fazer impondo-a a não terceirizar parte de seus serviços não está diretamente ligada aos sinistros registrados nos autos, pois, como observamos, os três primeiros afetaram empregados da requerida, cujos
motivos foram ligação de chave de energia, inadvertidamente; não
procedimento de teste em pára-raios que permitiu energização precipitada
da rede elétrica e da não utilização de equipamentos de proteção. E
quanto aos empregados da empresa terceirizada os sinistros foram
consequentes de negligência e falta de orientação e fiscalização da própria
requerida pelo não cumprimento das normas de segurança e não em
decorrência do fator terceirização.
A tradição do Direito Trabalhista é repudiar o atravessamento ilegal da
mão de obra e, quais níveis profissionais ou atividades econômicas, pois
a prática da marchandage sempre foi vista como prejudicial ao obreiro.
Entretanto aqui no caso, a requerida desenvolve atividades ao longo de
todo Estado e nos mais variados setores. Usando a prestação de serviço
terceirizado é uma forma de atender melhor e mais eficiente a sociedade
consumidora urbana e rural, fato esse que não passa despercebido aos
olhos goianos, pois nos mais longínquos pontos que hajam pessoas,
estas estão sendo beneficiadas por energia elétrica levada pela
requerida. (grifei)
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Assim, vejo o fator terceirização como uma forma de equilibrar os
interesses sociais, que é o dever precípuo do Estado, com os interesses
econômicos os quais terão mais abrangência nas atividades prestadas
pela requerida. E sendo necessária a contratação de empresas
especializadas na mão de obra usada pela requerida onde não haja
diretamente uma dependência hierárquica do empregado com esta, a
relação direta passa a ser com a atividade-meio, situação esta que vem
agilizar, flexibilizar e agregar competitividade ao negócio prestado ou
que se propõe a prestar, pois a mobilização inteligente e dentro dos
parâmetros legais refletirá, sem dúvida, diretamente na produção e na
produtividade.” (grifei)
É oportuno complementar com a opinião do E. Juiz do TRT da 2ª Região,
Francisco Antonio de Oliveira:
“A terceirização se traduz hoje em fonte estratégica com a qual poderá
contar a empresa para atingir um índice elevado de racionalização, liberando-se de fases secundárias e terciárias do processo produtivo,
reduzindo o seu núcleo operacional, com possibilidade maior de controle
de qualidade. A terceirização trará também, com certeza, a maior especialização do empregado, uma vez que se dedicará a uma parte restrita
do processo produtivo. E, fatalmente existirão no mercado várias empresas com o mesmo objetivo terceirizado, sendo inevitável a concorrência entre elas. E disso resultará para a empresa tomadora o benefício
da redução do tempo no processo produtivo, a redução do custo e a
excelência do produto final.”
Compartilho-me ainda com o d. julgador a quo quando diz:
“Verifica-se, pois, sob a perspectiva do direito positivo, que a ordem
jurídica pátria não contém disposição expressa vedando a terceirização
de serviços, qualquer que seja a área de atividade. Mesmo a aparente
proibição emergente, a contrario sensu, do item III, do Enunciado
n. 331, do C. TST, revela-se menos uma vedação que uma afirmação
da possibilidade de terceirização de atividades nas áreas ali mencionadas. Do ponto de vista do Direito do Trabalho, inexiste, na ordem
jurídica pátria, vedação à prestação de atividades por uma empresa em
favor de outra, quer na área-meio, quer na área-fim, desde que, evidentemente, tal expediente seja utilizado de forma legítima, sem o intuito
de mascarar a marchandage ou de, por qualquer modo, fraudar a legislação do trabalho.
Acrescentando ainda que: Em se tratando de empresas públicas, a
terceirização mostra-se, muitas vezes, indispensável à realização de
atividades, visto que a própria admissão de empregados, por razões sumamente relevantes ligadas à moralidade, legalidade e impessoalidade
administrativas, exige a realização de concurso público.
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Ressalte-se não ser o caso de se condenar aqui a rigidez legislativa
trabalhista ou a exigência de concurso para acesso aos empregos
públicos, ambas resultado de uma valoração não somente legítima, mas
em muitos aspectos irrecusável, da realidade nacional. Faz-se uma
constatação, necessária à assimilação, sob o prisma jurídico, das diversas formas como se dá a interação entre direito positivo e a realidade
social.
Deveras, na seara trabalhista seria inconcebível a apreciação do jurídico
com abstração do social e do econômico. As forças e interesses sociais
e econômicos, que refletem diretamente na qualidade de vida das pessoas, encontram-se numa relação de constante tensão, a exigir do
legislador e do aplicador do direito uma precisão cirúrgica em suas
intervenções, para que não se rompa o precário equilíbrio que sustenta
aqueles dois vetores fundamentais da vida social e se garanta que sua
resultante seja direcionada à preservação e ampliação do nível de bem
estar já alcançado, sem comprometimento do nível de atividade
econômica, através da qual é gerada a riqueza que irá propiciar aquele
bem-estar.
Desta forma, mantenho a decisão a quo quanto ao indeferimento do
pedido de condenação da requerida em abster-se da prática de
terceirização para execução de serviços aqui ventilados nos autos.” (grifei)
A questão jurídica a que se refere o embargante é o próprio conteúdo
da ação civil pública, interposta com o fim não somente de determinar à CELG
a observância de normas de medicina e segurança do trabalho, como também
que se abstenha de contratar empregados para a realização de atividade-fim.
O fato é incontroverso, na medida em que não negado pela empresa, e
consta na transcrição acima que o entendimento do eg. Tribunal Regional foi
no sentido de que tanto a atividade-meio como a atividade-fim podem ser
objeto de terceirização.
Efetivamente, portanto, a decisão da C. Turma, ao deixar de se manifestar acerca da alegação do Ministério Público, de se tratar de questão jurídica,
negou a prestação jurisdicional.
No entanto, no caso em exame, exatamente por se tratar de questão
jurídica, é possível o exame do tema, aplicando-se o teor da Súmula n. 297,
III, do C. TST, para considerar prequestionada a matéria, entendendo-se que
não há óbice da Súmula n. 126 do C. TST, como alegado.
Deste modo, deixa-se de aplicar a nulidade, em razão da possibilidade
de se proceder ao exame do conhecimento do recurso do Ministério Público,
sem o óbice levantado pela C. Turma.
Não conheço.
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1.2 — Terceirização em atividade-fim — Empresa do ramo de energia
elétrica — Contrariedade à Súmula n. 331, I, do Tribunal Superior
do Trabalho — Violação do art. 896 da CLT
A Turma não conheceu do recurso de revista do Ministério Público do
Trabalho, ao seguinte entendimento, verbis:
“Segundo o Colegiado de origem, o recorrente pugna pela reforma da
sentença no que diz respeito à terceirização, para impedir a requerida
da prática de terceirizar seus serviços (fl. 832).
O Ministério Público do Trabalho insurge-se contra a decisão, apontando
contrariedade ao item I do Enunciado n. 331 do TST.
Contudo, o acórdão Regional não explicitou que a Reclamada deveria
proceder à terceirização do serviço da atividade-fim, de modo a atrair a
incidência do Enunciado n. 331 que, em seu inciso III, recepciona
a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio.
A terceirização constitui mecanismo válido, impondo ao tomador de
serviços a responsabilidade subsidiária, a teor do inciso IV do referido
Verbete Sumular.
A alegada contrariedade ao item I do Enunciado n. 331, como posta
pelo Regional, implicaria o revolvimento de matéria fática para se verificar
a existência de terceirização da atividade-fim, o que é vedado em sede
extraordinária, a teor do Enunciado n. 126 do TST.
Destaque-se, ainda, que o recurso vem estribado em teses jurídicas
sobre a terceirização, sem colacionar divergência jurisprudencial ou
apontar violação direta à legislação federal ou ao Texto Constitucional,
desatendendo os requisitos de admissibilidade previstos pelas letras a
e c, do art. 896, da CLT. Não conheço.
Alega o embargante ofensa ao art. 896 da CLT, porque a decisão contrariou a Súmula n. 331, I, do TST, sustentando não se tratar de matéria
fática, como decidido pela Turma.”
O Colegiado entendeu, conforme já constatado no tópico anterior, da
negativa de prestação jurisdicional, que tem razão o embargante, pois não há
necessidade de debate fático acerca da existência de contratação de
trabalhadores para execução de tarefas atinentes à atividade-fim da empresa.
Trata-se exatamente da matéria objeto da ação.
A ação civil pública refere-se à pretensão do Ministério Público em obrigar
a Centrais Elétricas de Goiás — CELG a abster-se da contratação de
trabalhadores, por meio de empresa interposta, com o fim de terceirização da
atividade-fim.
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O entendimento da Turma foi no sentido de fazer incidir o item III da
Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho, destacando que não há tese
na decisão recorrida de que se estaria a terceirizar atividade-fim, fazendo incidir
o óbice da Súmula n. 126 do TST.
Ao contrário do entendimento turmário, consta expressamente na
decisão regional a tese de que é possível terceirizar atividade-fim, não havendo
óbice relacionado a matéria fática, como concluído pela Turma.
Resta, assim, verificar se a Turma aplicou indevidamente ao caso dos
autos o item III da Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho, maculando
o art. 896 da CLT, como sustenta o autor.
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho
em que se pretende, dentre outros provimentos judiciais relativos ao cumprimento das normas de medicina e segurança do trabalho, que a empresa se
abstenha de terceirizar sua atividade-fim, tal como construção e reforma de
redes de energia elétrica, manutenção de emergência em redes de energia
elétrica, serviços técnicos comerciais e manutenção em redes energizadas e
desenergizadas (fls. 10 e 173).
O Tribunal Regional confirmou a decisão de primeiro grau, que julgara
procedente apenas parte dos pedidos relativos às medidas de segurança do
trabalho, indeferindo a pretensão do Ministério Público do Trabalho de impedir
a terceirização na área finalística da empresa.
A Turma não conheceu do recurso de revista do Ministério Público, com
fulcro na Súmula n. 331, item III, e, também, no Verbete Sumular n. 126, ambas
do Tribunal Superior do Trabalho, óbice processual que está sendo superado
agora em sede de embargos, para enfrentamento do mérito relativo à
possibilidade de se terceirizar a atividade-fim da empresa.
A presente controvérsia é extremamente complexa na seara trabalhista,
em face da delimitação do que vem a ser, na terceirização, atividade-fim e
atividade-meio, e do alcance das expressões utilizadas pelo legislador ordinário
ao se reportar a serviços inerentes e serviços acessórios e suas implicações
com a legislação trabalhista.
Sem embargo desses aspectos jurídicos, há de se ponderar também
sobre os aspectos de natureza econômica e social, tendo como pano de fundo
a nova realidade do mundo globalizado, que demanda a especialização no
meio produtivo.
Nas palavras de Luís Roberto Barroso:
“A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes
premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu
relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao
papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma
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aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida.
Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema
jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento,
de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas
são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a
serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção.
(...)
Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre
as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de
ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma,
verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível
produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema,
dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do
juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico,
voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O
intérprete torna-se coparticipante do processo de criação do direito,
completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para
as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.”
(BARROSO, Luís. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do
direito. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel
(coords.). A constitucionalização do direito — fundamentos teóricos e
aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 213-14)
Outrossim, neste contexto, não se olvidam os elementos tradicionais
da interpretação do Direito: o gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico. Assim o é também quanto aos critérios para solucionar os eventuais
conflitos normativos, nominadamente o hierárquico (lei superior prevalece
sobre a inferior), o temporal (lei posterior prevalece sobre a anterior) e o especial (lei especial prevalece sobre a geral).
Nesse diapasão, inicialmente, sob o ângulo sistemático, há de se observar que à hipótese vertente, terceirização das atividades-fim no setor de energia
elétrica — tendo-se em vista que o objeto social da empresa é a execução
dos empreendimentos constantes do plano de eletrização do Estado de Goiás
e a realização de estudos, projeção e operação de usinas geradoras, linhas
de transmissão, redes de distribuição e estações de transformação de energia
elétrica, bem como a prática dos atos de comércio decorrentes dessas
atividades (fl. 10), não se aplicam as normas constantes da Lei n. 9.472, de
16 de julho de 1997, denominada Lei Geral de Telecomunicações, especialmente no que tange ao art. 94, seus incisos e parágrafos. Essa legislação
disciplina a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e o
funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos
termos da Emenda Constitucional n. 8, de 1995, atualizada com as alterações
introduzidas pelas Leis ns. 9.986/00 e 9.691/98.
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De fato, a Lei Geral de Telecomunicações, em seus diversos dispositivos,
cuida dos serviços de telefonia em suas singularidades, e, em especial, no
que concerne ao seu art. 210 — STF — ADIn n. 1.668/98 — negando a suspensão da eficácia do referido dispositivo —, quanto às concessões, às permissões,
às autorizações e às respectivas licitações, cuja dicção afasta da órbita de
incidência de suas relações jurídicas as Leis ns. 8.666/93, 9.074/95 e 8.987/95,
com importantes reflexos hermenêuticos para o caso em exame, pois, ante a
letra do art. 71 da Lei n. 8.666/93, em tese, o contratado é o responsável exclusivo pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais
resultantes da licitação, hipótese não contemplada no art. 94 da LGT, pois
não há subconcessão de serviços.
O caso vertente tem, no plano do ordenamento jurídico, à luz ainda da
sistemática, a Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, em que se dispõe sobre
o regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos, previsto
no art. 175 da Constituição Federal. No que toca à questão do autos, objetivamente, o disposto no art. 25 e seus parágrafos, com a seguinte redação:
“Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido,
cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder
concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida
pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.
§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a
concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de
atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço
concedido, bem como a implementação de projetos associados.
§ 2º Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a
que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não
se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder
concedente.
§ 3º A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o
cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço
concedido.”
Apenas a título ilustrativo, não se pode negar, todavia, a interpolação
entre o § 1º da referida regra e o inciso II e § 2º do art. 94 da LGT, embora,
frise-se, em contextos normativos diferentes, como já salientado, que dispõe,
verbis:
“Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá,
observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:
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I — (...)
II — contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes,
acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação
de projetos associados.
§ 1º (...)
§ 2º Serão regidos pelo direito comum as relações da concessionária
com os terceiros, que não terão direitos frente à Agência, observado o
disposto no art. 117 desta Lei.”
Conforme se depreende da leitura daquele dispositivo legal e seus
respectivos parágrafos, a novel legislação alterou os parâmetros tanto no
tocante à responsabilidade da concessionária de serviços públicos, quanto
ao que concerne aos limites da execução desses mesmos serviços, implicando
teoricamente a terceirização dessas atividades.
Do cotejo entre a disposição constante no caput do art. 25 da mencionada lei, com o seu § 1º, depreende-se que a responsabilidade da empresa
concessionária de serviços públicos, quanto aos prejuízos causados à concedente, aos usuários e a terceiros, em que se insere o trabalhador, é sempre
objetiva e direta ou solidária, porque decorre de texto expresso de lei, e
não mais subsidiária, independentemente da contratação de terceiros para o
desenvolvimento de suas atividades, quer “inerentes, acessórias ou
complementares do serviço concedido”.
Muito embora cuide-se de norma de índole administrativa, não há dúvida
de que a referência legal a terceiros alcança não só o trabalhador da
empresa concessionária dos serviços, como os trabalhadores das empresas
contratadas pela concessionária, na forma autorizada no § 1º do já mencionado art. 25 da lei, uma vez que o parágrafo único do art. 31 da Lei n. 8.987/95
assim se reporta, ao dispor que, verbis:
“Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão de obra, feitas pela
concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela
legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre
os terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente.”
Revela-se evidente que, no espectro dos elementos da interpretação
tradicional, revelam-se insuficientes os critérios clássicos para o equacionamento da lide.
Como se viu, no plano sistemático, a normativização levada a efeito na
Lei n. 8.987/95 assume natureza administrativa e tem plena eficácia no plano
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do Direito Administrativo. Isso é fato inquestionável. Não tratou, portanto, de
matéria trabalhista nem de seus princípios, conceitos e institutos, cujo plano
de eficácia é outro, especialmente no que tange às relações jurídicas de
natureza mista, público-privadas, porque amalgamadas às normas trabalhistas
que regulam uma relação privada, regras de proteção mínima, associadas à
imperatividade das normas de ordem pública, daí a sua cogência e irrenunciabilidade à formação das relações de emprego, desde que preenchidos seus
requisitos legais — art. 3º da CLT.
Torna-se claro que o critério gramatical também não se eleva como o
único, suficiente e adequado à solução da questão trazida a juízo. Fosse assim,
feita a leitura do § 1º do art. 25 da Lei n. 8.987/95, estaria solvida a controvérsia,
pois, independentemente dos princípios e regras consolidadas, estar-se-ia a
legalizar administrativamente a terceirização, novo nomen iuris da intermediação de mão de obra, instituto próprio do Direito do Trabalho, em detrimento,
outrossim, do critério interpretativo histórico, cuja observância faz remontar à
construção histórico-sociológica da legislação do trabalho ao longo dos tempos,
mediante a implementação de sucessivas lutas sociais.
Dessarte, são normativos distintos que regulam espécies distintas, em
planos de eficácia distintos, dentro de um mesmo ordenamento jurídico. São
normas que encerram contradições de valores ou princípios dentro de um
mesmo ordenamento.
O aspecto teleológico também não se revela apto a solucionar a presente
questão, porque não somente a Consolidação das Leis do Trabalho busca a
valorização do trabalho humano e a proteção da figura hipossuficiente do trabalhador, como a eficiência e efetividade dos serviços públicos centralizados ou
descentralizados, no plano administrativo, visam ao implemento das atividades
do Estado em benefício do cidadão.
No mesmo sentido, não caberia cogitar no âmbito da lógica do critério
da especificidade, pois a especialidade da norma trabalhista — lei especial
prevalece sobre a geral — não afasta a incidência na sua esfera de atuação
da generalidade da norma que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públ
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