CONTEÚDOS ESCOLARES: NOVAS CONCEPÇÕES, ANTIGAS PRÁTICAS José Evangelista Fagundes RESUMO A comunicação tem como objetivo principal refletir sobre a história ensinada em escolas brasileiras de 5ª a 8ª séries. Para tanto, analisa os conteúdos de história, e a concepção historiográfica neles implícita, verificando se são compatíveis com as inovações do ensino preconizadas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A investigação é de natureza qualitativa (BIKLEN; BOGDAN, 1994) e tomou para análise depoimentos de professores do município de Ceará-Mirim, situado no estado do Rio Grande do Norte. Os resultados apontam a existência de práticas docentes distantes das propostas oficiais elaboradas pelo Estado brasileiro. Isso fica evidente nos conteúdos selecionados pelos professores, em que são predominantes os fatos históricos nacionais e mundiais, com destaque para temas econômicos e políticos, cabendo às questões sociais, culturais e do cotidiano, consideradas relevantes nos PCN de história, um papel secundário. Os dados indicam, ainda, a presença de uma concepção historiográfica conduzida por macroabordagens, em que são privilegiadas as grandes sínteses temáticas e as explicações homogeneizantes. Palavras-chave: Educação Fundamental. Conteúdos Escolares. Historiografia. RÉSUMÉ Le principal objectif de la communication est d'avoir une réflexion sur les programmes d'Histoire travaillés dans les écoles brésiliennes de la 5ème à la 8ème année [équivalent du collège, Ndt]. Pour ce faire, il faut examiner les contenus d'histoire, ainsi la conception historiographique implicite chez eux, tout en vérifiant s'ils sont en accord avec les innovations pédagogiques prônées par la Loi de Directives et Bases (LDB) et par les Paramètres de Programes d'Enseignement Nationaux (PCN). La recherche, de nature qualitative (BIKLEN; BOGDAN, 1994), s'est appuyée sur les témoignages des professeurs de la ville de Ceará-Mirim, dans le Rio Grande do Norte. L'analyse signale l'existence de pratiques d'enseignement éloignées des propositions officielles élaborées par l'État brésilien. Cet écart mis en évidence lorsque nous nous penchons sur les programmes choisis par les professeurs, où prédominent les fait historiques nationaux et mondiaux, surtout ceux à caractère économique et politique. Quant aux sujets touchant aux questions sociales, culturelles et du quotidien, considérés d'importance pour le PCN d'histoire, ils ne détiennent qu'un rôle secondaire. Les données indiquent encore la présence d'une historiographie conduite par des macro-approches, où sont favorisées des grandes synthèses thématiques et des explications homogénéisatrices. Mots-clefs: Éducation fondamentale. Programmes scolaires. Historiographie 2 Introdução Neste texto temos como propósito refletir sobre a história ensinada em turmas de 5ª a 8ª séries, tomando como referência as concepções de conteúdos escolares e de historiografia presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais de história do quarto ciclo do ensino fundamental. Este trabalho é um recorte de uma pesquisa1 desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Elegemos como dados empíricos para a análise os conteúdos escolares selecionados pelos professores que colaboraram com a investigação. Entendemos que os conteúdos trabalhados em uma determinada disciplina são sinalizadores da visão do professor com relação a questões teórico-metodológicas, ao ensino e ao tipo de indivíduos que ele pretende formar. Assim sendo, a seleção de conteúdos de ensino é algo polêmico, pois as escolhas do que será contemplado ou deixado de fora sofrem influência da visão de mundo de seus proponentes, o que pode representar apenas uma opção dentre outras possíveis na comunidade escolar e na sociedade em geral. Segundo Sacristán (1998, p. 150) “o que se ensina, se sugere ou se obriga a aprender, expressa os valores e funções que a escola difunde num contexto social e histórico concreto”. Essa afirmação nos ajuda a compreender o porquê de as disciplinas não terem os mesmos conteúdos sempre: as ideias e os anseios predominantes numa época podem ser minoritários em outros contextos históricos. Conceitualmente, os conteúdos abrangem todas as aprendizagens que os alunos devem alcançar para obter êxito num determinado nível de escolarização, não apenas nas áreas de conhecimento das disciplinas, mas também fora delas. Sacristán (1998, p. 150) ressalta que “é preciso referir-se não apenas a informações que precisam ser adquiridas, mas também os efeitos que se derivam de determinadas atividades. [...] nem tudo o que é real na prática é explícito, existem conteúdos tácitos ou ocultos”. A legitimidade dos conteúdos factuais e conceituais não está em si mesma, mas em valores de caráter social e moral vigentes numa sociedade, tornando-se imperativa aos alunos e aos professores a aquisição de outros conhecimentos cuja origem pode 1 A pesquisa, desenvolvida em nível de doutorado, foi defendida no ano de 2006 com o título A história local e seu lugar na história: histórias ensinadas em Ceará-Mirim. 3 estar relacionada a fatores de ordem psicológica, antropológica, cultural etc. Os PCN, ao negarem uma concepção de conteúdo escolar como algo que se constitui apenas de fatos e conceitos, abrem a perspectiva para uma visão mais ampla em que o conhecimento necessário ao aluno não se restringe apenas à aquisição de informações. Segundo os Parâmetros Curriculares de história para o terceiro e quarto ciclos, “os conteúdos a serem trabalhados com os alunos não se restringem unicamente ao estudo de acontecimentos e conceituações históricas. É preciso ensinar procedimentos e incentivar atitudes nos estudantes que sejam coerentes com os objetivos da História” (BRASIL, 1998b). Para efeito da reflexão que trazemos aqui, no entanto, tomamos apenas um aspecto dos conteúdos escolares, qual seja: o referente aos conhecimentos factuais e conceituais relacionados ao ensino de história da 5ª a 8ª séries de escolas situadas no município de Ceará-Mirim. Essa opção baseia-se na compreensão de que, a partir da seleção dos conteúdos de uma determinada disciplina, poderemos identificar, dentre outros aspectos, a opção historiográfica de seus professores. Ceará-Mirim, o espaço de atuação dos professores envolvidos na pesquisa, está situado na Mesorregião do Leste Potiguar e na Microrregião de Macaíba, cuja sede dista vinte e oito quilômetros da capital, Natal. Por situar-se à margem do rio Ceará-Mirim, toma de empréstimo o seu nome. Entendemos que o fazer pedagógico, no caso do ensino de história, é fortemente influenciado pelo campo historiográfico com o qual o professor interage. Do mesmo modo, entendemos que os conteúdos históricos de uma disciplina possibilitam identificar a filiação historiográfica do responsável por sua seleção. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apóiam-se em contribuições historiográficas inovadoras, cuja abertura possibilita o trabalho com novas fontes históricas, novos objetos e novas abordagens, o que tem contribuído para mudanças significativas na escrita e no ensino da história. Entendemos que a Nova História, a História Social inglesa e a Nova História Cultural convergem no sentido de favorecer abordagens da história numa perspectiva inovadora. Essas correntes serviram de orientação aos PCN. Com o objetivo de saber se há influência dessa nova historiografia no trabalho dos professores de história de Ceará-Mirim, decidimos conhecer os conteúdos de ensino selecionados por esses profissionais. 4 Tomamos por base os depoimentos de três professores do nível fundamental de ensino (então de 5ª a 8ª séries), licenciados em história e que exercem a profissão no município de Ceará-Mirim, sob os pseudônimos de Rui, Mateus e Alberto. Escolhemos os professores como interlocutores por considerarmos esses profissionais os agentes principais na organização e condução das disciplinas e do processo educativo que ocorre na escola. O professor é o agente principal do que “efetivamente acontece nas escolas e se pratica nas salas de aula. [...] é quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, ação fundamental no processo de produção do conhecimento” (BITTENCOURT, 2004, p. 50-51). A técnica de construção dos dados utilizada foi a entrevista semiestruturada, por ela ser um instrumento importante de apreensão dos significados que os interlocutores da pesquisa têm acerca da questão abordada. As entrevistas permitem uma maior interação entre entrevistador e entrevistados e um contato imediato com a informação desejada, além de facilitar possíveis correções e esclarecimentos no próprio processo. Elas possibilitam, ainda, compreender as representações que os sujeitos formam e os conceitos que elaboram, condição importante para as análises e interpretações, na pesquisa qualitativa (BIKLEN; BOGDAN, 1994), estabelecendo assim uma inter-relação entre o mundo vivenciado por eles no dia a dia profissional e as concepções teóricas. A pesquisa tem em vista responder as seguintes questões: que conteúdos são privilegiados pelos professores colaboradores no ensino de história (da 5ª a 8ª séries) em Ceará-Mirim? As escolhas feitas estão de acordo com a perspectiva historiográfica presente nos PCN? O ensino de história na perspectiva do Estado brasileiro: a LDB e os PCN A década de 1990 representa uma nova fase para o ensino de história. Com ela, surgem novas propostas visando mudanças na educação brasileira, na sua maioria capitaneadas pelo poder estatal. Professores, instituições de ensino e poder público, influenciados por novas contribuições no campo da historiografia elaboram currículos sintonizados com os reclames da época. A União, por sua vez, toma para si a responsabilidade de reestruturar a educação brasileira, e o faz a partir de várias ações, como, por exemplo, a aprovação, em 20 dezembro de 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em substituição à LDB de 1971. 5 A nova LDB enfatiza a necessidade de se focalizar diferentes áreas de conhecimento que possam ajudar na formação plena dos alunos, levando em consideração os conhecimentos clássicos, a realidade social e política, especialmente no que diz respeito ao conhecimento da história do Brasil, sob a justificativa da necessidade de o aluno conhecer [...] as nossas matrizes constituintes e sentir-se pertencente à nação. Explicita também a necessidade de uma base comum de conhecimentos para todos e o tratamento de questões específicas de cada localidade. É nessa perspectiva que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram organizados em áreas e temas transversais, prevendo adequações às peculiaridades de cada local (BRASIL, 1998a, p. 57-58). A legislação determina no artigo 9º, que é de responsabilidade da União, em colaboração com os estados, os municípios e o distrito federal, a elaboração do: “[...] Plano Nacional de Educação”, e a definição de “[...] competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”. A lei determina, ainda, que “os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela” (BRASIL, 1996). Com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, aprovados em 1997 pelo MEC, o Estado cumpre com a determinação da LDB de elaborar parâmetros curriculares para orientação do ensino fundamental. O MEC distribuiu aos professores de escolas públicas de 5a à 8a série dois documentos formatados em 3 volumes: um denominado Introdução, outro, Apresentação dos Temas Transversais, e um terceiro, específico da área, dirigido aos docentes de acordo com a sua disciplina. No caso dos professores de história, o volume denomina-se História. No volume que trata dos chamados Temas Transversais, são contempladas questões sociais amplas, vistas como imprescindíveis na contemporaneidade e que envolvem valores de interesse geral da sociedade. Coerentes com a ideia geral dos Parâmetros, os temas deverão ser abordados de forma a não se restringirem ao universo de conhecimento de uma determinada área. Dessa forma, as questões propostas são consideradas de abrangência nacional ou mesmo universal, ao mesmo tempo em que 6 podem ganhar materialidade no diálogo com as questões do cotidiano do professor e do aluno. O volume intitulado História está dividido em duas partes: na primeira, consta a caracterização da área de história e sua relação com o ensino fundamental, e estabelece os objetivos gerais da história e os critérios de seleção e organização dos conteúdos. A segunda parte está subdividida em ciclos (terceiro e quarto) e orientações e métodos didáticos. O terceiro e quarto ciclos estão pontuados por questões como ensino e aprendizagem, objetivos e conteúdos, para cada um. Ao estudar a história, segundo consta nos PCN, pressupõe-se que [...] o aluno pode apreender a realidade na sua diversidade e nas múltiplas dimensões temporais. Destacam [os PCN] os compromissos e as atitudes de indivíduos, de grupos e de povos na construção e na reconstrução das sociedades, propondo estudos das questões locais, regionais e mundiais, das diferenças e semelhanças entre culturas, das mudanças e permanências no modo de viver, de pensar, de fazer e das heranças legadas por gerações (BRASIL, 1998a, p. 60). O ensino fundamental deve possibilitar ao aluno a compreensão da realidade na qual está inserido, assim como relacioná-la e compará-la com outras realidades históricas de diferentes lugares, para que ele possa fazer as suas escolhas e ações, enquanto cidadão defensor da democracia, do respeito às diferenças e contra as desigualdades sociais. Nessa perspectiva, os alunos deverão ser capazes de identificar relações sociais no seu próprio convívio, assim como outras localizadas em espaços e tempos diferentes; questionar sua realidade, identificando problemas e possíveis soluções; conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos, em diversos tempos e espaços; dominar procedimentos de pesquisa escolar e de produção de texto; colher informações de diferentes paisagens e registros escritos (BRASIL, 1998b, p. 43). Os PCN ressaltam a dimensão social da aprendizagem no processo de construção da cidadania, sendo recomendados conteúdos que tenham relevância social e que sejam significativos no desenvolvimento de capacidades, trazendo as seguintes considerações: a preocupação central que o professor deve ter ao selecionar os conteúdos deve ser a de “[...] propiciar aos alunos o dimensionamento de si mesmos e de outros indivíduos e grupos em temporalidades históricas”; não se deve limitar a abordagens dos acontecimentos e das conceituações históricas, mas incluir o ensino de “[...] procedimentos e incentivar atitudes coerentes com os objetivos da história”; deve-se 7 proceder à abordagem e problematização do mundo em que o professor e o estudante estão inseridos, em suas várias dimensões, e fazer as relações, quando pertinente, às situações de outros tempos e espaços; o estudo dos eventos históricos não deve ser prescrito “[...] de uma ordem de graduação espacial e sem a ordenação temporal, como se encontra no que se denomina ‘História Integrada’”. Opta-se pela organização do ensino a partir de eixos temáticos e subtemas; privilegia-se a autonomia e a reflexão do professor quanto às escolhas no que diz respeito aos conteúdos e aos métodos, assim como na criação de intervenções pedagógicas significativas para a aprendizagem do aluno (BRASIL, 1998b, p. 45-47). O ensino de história é conduzido numa abordagem que favorece o trabalho interdisciplinar e fica evidente o seu não comprometimento com a construção de uma identidade nacional comum. Inspirada na historiografia francesa, a proposta sugere a substituição da seriação tradicional por ciclos, bem como o trabalho por eixo temático, sem negar, no entanto, a possibilidade da totalidade histórica. Influenciada pela história social, cultural e do cotidiano, faz crítica à história progressiva por ela deixar implícita a ideia de deslocamento dos acontecimentos a partir de uma segmentação do tipo princípio/meio/fim. Assim, a proposta busca romper com concepções antigas de história, rejeitando a cronologia unidirecional até então predominante no ensino. Ou seja, a proposta se contrapõe às concepções positivista e marxista (pelo menos na sua forma ortodoxa) de história, cuja influência foi marcante, tanto na historiografia, quanto no ensino. Da época de sua aprovação até os dias atuais, os PCN têm se constituído em um referencial para os professores do ensino fundamental. Muitos professores e escolas têm usado esse documento como verdadeiro currículo. No que diz respeito às escolas situadas em Ceará-Mirim, estaduais ou municipais, os PCN preencheram uma lacuna existente, pois escolas e professores, à época da pesquisa, desconheciam a existência de propostas curriculares locais que pudessem servir de referência nas suas atividades docentes (FAGUNDES, 2006). Os Parâmetros de história foram distribuídos amplamente entre os professores e discutidos em encontros promovidos por iniciativa do poder público, o que possibilitou a esses profissionais da rede de ensino oficial a oportunidade de debater acerca da historiografia contemporânea e das novas questões pedagógicas. A mobilização desses profissionais foi feita segundo as orientações existentes nos “Parâmetros em Ação”, documento produzido sob a supervisão do MEC. Esse documento tem como “propósito 8 apoiar e incentivar o desenvolvimento profissional de professores e especialistas em educação, de forma articulada com a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e para a Educação Indígena e da Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos” (BRASIL, 2000). Em Ceará-Mirim, os professores de história da rede pública têm participado de encontros de formação profissional, tendo como base as orientações que constam nos Parâmetros em Ação. Vejamos, então, os posicionamentos dos professores que colaboraram na pesquisa. Estariam eles sintonizados com o debate sobre o ensino presente na LDB e nos PCN? Para identificar o lugar das falas desses professores, tomamos como referência os seus depoimentos acerca dos conteúdos ensinados. Os conteúdos trabalhados pelos professores Os professores entrevistados afirmaram que os conteúdos com os quais trabalham, e as respectivas estratégias de ensino, têm sido definidos nos encontros periódicos promovidos pelas escolas em que trabalham. O professor Alberto, no entanto, afirma a existência de interferência dos interesses de órgãos controladores das escolas (Secretarias de Educação) quanto à escolha dos conteúdos. O professor Rui, por sua vez, ressalta a existência de certa cobrança por parte da escola e dos pais dos alunos para cumprir o conteúdo que está nos livros adotados. Não obstante essas ressalvas, os professores não veem as interferências como algo que venha a comprometer a atuação docente como um todo, conforme mostram abaixo seus depoimentos acerca dos conteúdos de ensino e dos critérios de seleção: Mateus: Didaticamente, eu procuro seguir as orientações inseridas nos livros didáticos. Então na quinta série eu discuto com eles história do Brasil colônia, na sexta série eu trabalho Brasil império, Brasil república, na sétima série eu inicio com um pouco de teoria da história, depois eu vou inserir pré-história, história antiga e o período medieval e vou finalizar, na oitava série, com história moderna e contemporânea. Rui: O conteúdo que eu trabalho de 5ª a 8ª series está dividido de acordo com os livros didáticos da seguinte maneira: em relação à 5ª serie, é pré-história e história antiga; e na 6ª já começa com história medieval e já começa a inserir, a integrar a história do Brasil; na 7ª, já entra um pouco de história moderna e contemporânea; e no caso da 8ª série, também, agora, contextualizando um pouco mais da história mais recente – do século XX no mundo e a história do 9 Brasil. Isso claro que olhando a periodização, segue essa periodização da história como é feita. Alberto: Eu trabalho em escolas públicas, então a gente segue aquilo que é determinado pela Secretaria de Educação do estado e do município, não me apego apenas aos livros didáticos, eu vejo apenas o livro didático como complemento e, nas quintas séries, de acordo com a proposta curricular, o que se coloca no ensino de história na rede municipal é trabalhar a história do Brasil que diz respeito à pré-história, e a todo o período colonial, bem como o período monárquico; no que diz respeito às sextas séries, desenvolvemos a história da América, e a parte que diz respeito à história do Brasil, republicana e os fatos históricos que marcam, que estão bem próximo de nós; nas sétimas séries trabalhamos muito com a história antiga e medieval; e nas oitavas séries trabalhamos com a história moderna e contemporânea. É uma linha que eu sou contra porque dá aquele caráter de fazer da história símbolo de ‘meia idade’, de ter aquela linha como se tudo fosse acontecer dentro daquele tempo, tudo tivesse uma evolução, eu sou contra essa formação e dentro do possível eu procuro interagir com os alunos, procurando trazer discussões novas, comparando textos dentro de uma determinada temática, e de diferentes autores para daí analisar e eles descobrirem qual a linha de pesquisa, qual a linha interpretativa que aquele autor tomou, então dentro do possível eu procuro trazer isso aí. É lógico que também uso a questão da história local porque a partir do momento em que começamos a buscar o entendimento a partir da história local o aluno começa a se situar dentro da história, então eu gosto muito também de, dentro desse contexto, dessa linearidade que é proposta, eu procuro buscar temáticas, partindo da história local nós podemos chegar a uma história mais globalizante. O que primeiro nos chama a atenção é a periodização adotada pelos professores. Opta-se por uma noção de tempo histórico homogêneo e progressivo a partir da concepção de história ainda do século XIX, que divide o estudo do homem em préhistória, história antiga, média, moderna e contemporânea. Essa divisão da história, ao ser consagrada pela historiografia europeia, foi adotada no Brasil por historiadores, professores e livros didáticos e se apresentou ao ensino como a única possibilidade de se abordar a história. É essa a proposta dos professores Mateus e Alberto, para quem estudar a história do Brasil significa iniciar na pré-história americana e passar pelas etapas colonial, monárquica e republicana até chegar às décadas mais recentes. Os professores Mateus e Alberto trabalham com livros didáticos que trazem como proposta a história seriada, enquanto o professor Rui optou por uma proposta de história integrada. Não obstante as diferenciações que tais propostas possam trazer na sua forma de organização, os livros adotados2 por esses professores se assemelham em relação à periodicidade e aos temas expostos. 2 Livros adotados pelos professores: professor Rui: Projeto Araribá – História – Ensino Fundamental. Editora responsável: Maria Raquel Apolinário. São Paulo: Moderna, 2004; professor Mateus: História: Memória Viva, de Cláudio Vicentino, São Paulo: Scipione, 2000; História e Vida, de Nelson Piletti e Claudino Piletti, São Paulo: Ática, 2001 e Viver a História. Ensino Fundamental, de Cláudio Vicentino, 10 A periodização, tal qual apresentada pelos professores, tem sido criticada por ser portadora de uma concepção de história que conduz a uma separação rígida do tempo em passado/presente/futuro e a uma visão processual progressiva com princípio, meio e fim. Ao adotar sequências preestabelecidas, a proposta traz consigo a ideia de uma trajetória progressiva e homogênea para a humanidade. O aluno da 5ª série estuda inicialmente a origem do homem, e nas séries seguintes, paulatinamente, vai seguindo o caminho, ininterrupto, percorrido pela humanidade. Dessa forma, as dimensões temporais (passado, presente e futuro) deixam de se colocarem como objetos de conhecimento para os alunos, pois elas se apresentam como algo pronto e acabado. A história seria um encadeamento de eventos ordenados teleologicamente e inscritos num percurso único. Quanto aos temas, a periodização pressupõe a abordagem de grandes eventos da humanidade, desconsiderando perspectivas temáticas circunscritas a recortes espaciais e temporais que não venham nessa direção. A concepção do tempo a partir da perspectiva de múltiplas temporalidades sugerida por Braudel não se faz presente em nenhum depoimento. Ou seja, se as experiências sociais permitem a percepção dos diferentes ritmos (continuidade, ruptura e simultaneidade) existentes num processo histórico, necessário se faz criar oportunidade aos alunos para que eles compreendam essas diversas temporalidades. Em cada série são abordados temas clássicos da historiografia escolar: as civilizações antigas, o feudalismo europeu, as revoluções industriais, o imperialismo, o socialismo, as guerras mundiais, a guerra fria, entre outros, para a história geral. No caso do conteúdo da história do Brasil: os primeiros habitantes da América, a chegada do europeu no Brasil, a exploração colonial, a escravidão, a independência brasileira, as conturbadas regências, a implementação da república, dentre outros. No primeiro volume de cada coleção, está reservado um espaço para explicar a natureza da produção historiográfica, sendo focalizadas questões como a relação passado e presente, as fontes históricas, os sujeitos da história. Em geral, os depoimentos indicam que há intercalação dos temas quando trabalhados em sala de aula. A intercalação geralmente acontece entre temáticas de história geral com história do Brasil e desta com história local. Prevalece, no entanto, São Paulo: Scipione, 2003; professor Alberto: Viver a História, de Cláudio Vicentino. São Paulo: Scipione, 2005. 11 um discurso circunscrito aos esquemas explicativos que levam à elaboração de visões globais e de sínteses históricas, desprezando os pequenos recortes, sejam espaciais, sejam temáticos. Apesar de anunciada a preocupação com as inquietações do presente, percebe-se uma história em que o presente é refém do passado, só aparecendo para o aluno no final da oitava série. Outro aspecto a se considerar está relacionado com as formas como o espaço e o tempo vêm posicionados nos depoimentos dos professores. Uma determinada dimensão espacial (mundo ou nação) sobrepõe-se a outros espaços (região, município), enquanto uma ordenação temporal linear dá o ritmo e o rumo dos fatos. Assim, ao ressaltar uma história universal e uma história nacional, a história local quase é deixada de lado. Ou seja, os conteúdos selecionados não contemplam as experiências de vida dos alunos, conforme recomendam os PCN. Apresentam-se como algo relacionado com outro mundo, outra época e outros sujeitos históricos, levando-nos a duvidar se esse conhecimento histórico possibilitaria “[...] ajudar o aluno no seu cotidiano [...] e na prática do exercício da cidadania”, como diz Mateus, e “[...] preparar o homem para o presente”, como sugere Aberto. A considerar a abrangência temporal (do homem pré-histórico à sociedade contemporânea) e espacial (da Ásia Ocidental à Europa e América) das propostas, temse a sensação de elas pretenderem abarcar toda a experiência humana a partir da abordagem de algumas temáticas. Mesmo que a escola assuma o papel de mera transmissora de conhecimento, tal pretensão seria impossível de se realizar, pois as experiências humanas se apresentam de forma muito mais rica e complexa. Apesar de explicitamente rechaçada pelos professores colaboradores da pesquisa, a periodização com viés evolutivo, sequencial e linear é recorrente em seus depoimentos e nos livros adotados. Conclusão Tem sido cada vez mais propagada a necessidade de se trabalhar conteúdos que permitam a inserção de questões com as quais os agentes escolares tenham afinidades. No entanto, observamos que a incorporação de questões ligadas ao cotidiano dos alunos, de novas fontes históricas e de novos objetos de estudo, conforme a proposta dos PCN, ainda é algo que precisa ser concretizado pelo conhecimento histórico escolar. 12 A inserção de uma história a partir do espaço vivido pelos que fazem a comunidade escolar, embora encontre apoio na historiografia contemporânea, especialmente na Nova História, é algo que só aparece de forma incipiente no ensino de 5ª a 8ª séries. Nessa nova perspectiva historiográfica, inúmeras fontes e muitos eventos locais poderão se constituir em elementos importantes no processo de reflexão histórica. Portanto, o que emerge dos depoimentos em análise é uma visão de história enquanto processo linear e de abordagem generalizante, conduzida a partir de grandes sínteses temáticas e da legitimação de uma história nacional (embora não assumida explicitamente) e universal que tendem a explicações homogeneizantes nas quais os pequenos recortes, temporais e espaciais, estão ausentes ou se apresentam como algo complementar e secundário. Iniciada na década de 1980, a mobilização em torno da inovação do ensino da história vem garantindo a continuidade das reflexões, sem, no entanto, ainda ter provocado grandes transformações no trabalho em sala de aula, embora haja avanços do debate, o que é visível nos encontros e fóruns do ensino de história. Nesses espaços, junto às críticas ao poder público pelas condições precárias do ensino como um todo, está a autocrítica de diversos professores no sentido de reconhecer que muitas das respostas buscadas passam também pelas ações dos agentes ligados ao ensino, especificamente os professores. Nesse sentido, são ilustrativas as palavras de Caimi (2001, p. 120) ao afirmar que Atualmente, precisamos avançar para análises mais profundas e, sobretudo, para o nível das proposições concretas. Não é mais possível permanecer na posição que aponta os inimigos externos da história ensinada, como se ainda hoje a única razão para a crise da disciplina residisse nas políticas educacionais, no livro didático, no estado autoritário, etc. A responsabilidade, segundo nos parece, é de todos os envolvidos com o ensino de história e a sua renovação depende do esforço conjunto. Isso aponta para a necessidade de nós, docentes, nos imbuirmos de novas posturas que apontem numa direção em que a história ensinada considere as reclamações do mundo contemporâneo. Entendemos que as novas contribuições da historiografia, ao expandirem o campo da história e ampliarem a percepção do professor, permitem oferecer aos alunos inovações que o campo historiográfico já conhece há décadas, mas até hoje estão ausentes na escola fundamental. 13 Referências BIKLEN, Sari Knopp; BOGDAN, Robert C. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto, 1994. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. (Coleção Docência em Formação). BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 20/12/1996). Brasília, 23 dez. 1996. 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