A FORMA E A POLARIDADE DAS MOLÉCULAS Sabrina Moro Villela Pacheco <[email protected]> Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina, Campus Araranguá, SC, Brasil. 1.0 - Introdução A forma de uma molécula pode ter papel importante em suas propriedades químicas. As mudanças da estrutura tridimensional das proteínas que ocorrem quando um ovo é aquecido, por exemplo, são a principal fonte das diferenças entre um ovo cru e um ovo cozido. Uma ilustração de como as biomoléculas são sensíveis a mudanças em sua estrutura tridimensional é dada pela química da hemoglobina, uma proteína com massa molecular igual a 65.000 u, que transporta oxigênio através do corpo. Essa proteína contém quatro cadeias de aminoácidos, conforme mostra a Figura 1. Figura 1: Representação da estrutura tridimensional da hemoglobina. A anemia das células falciformes ocorre quando é alterada a identidade de um único aminoácido dentre os 146 aminoácidos de uma cadeia b da hemoglobina. A substituição da valina por ácido glutâmico na sexta posição na cadeia produz uma mudança sutil da estrutura da hemoglobina que interfere em sua capacidade de captar oxigênio a baixas pressões. O resultado é tão grave que as crianças que herdam essa enfermidade de ambos os pais raramente passam dos dois anos de idade. As pesquisas expandiram o nosso entendimento de como a forma de uma molécula afeta a maneira como ela se liga a certos receptores na membrana de uma célula. Há muito se sabe, por exemplo, que a toxina do cólera se liga às células que revestem o intestino. Uma vez que isso ocorre, a toxina pode passar pela membrana celular sem destruir a célula. Isto dá início a uma série de reações que induzem as células intestinais a secretar tanta água – até cerca de 40 litros por dia - , que as vítimas do cólera morrem dos efeitos debilitantes da diarréia. Atualmente, sabe-se que o mecanismo pelo qual a toxina do cólera chegava a esses resultados era desconhecido. Em 1991, Rongguang Zhang e Edwin Westbrook, relataram a estrutura da toxina do cólera na revista Science. A proteína contém duas subnidades. A subunidade B, que tem massa molecular de cerca de 55.000 u, forma uma estrutura em rosca. A subunidade A é menor com massa molecular de 29.000 u. A subunidade B aparentemente se liga à célula e, na seqüência, empurra a subunidade A através da membrana celular. A subunidade age como uma enzima dando início às reações que levam à secreção de água. A curto prazo, o conhecimento da estrutura da toxina do cólera vai conduzir a pesquisa para a descoberta de vacinas que possam prevenir o cólera. A longo prazo, poderá a fornecer a base para a concepção de um sistema que leve o medicamento através da membrana celular para destruir células do câncer. Outro exemplo de como a estrutura de um molécula afeta a maneira como ela se liga a um sítio receptor é dado pela progesterona e o análogo sintético desse esteróide. A progesterona é um hormônio secretado na segunda metade do ciclo menstrual. Ela se liga aos receptores no endométrio, preparando o útero para a implantação de um ovo fertilizado. Se ocorrer a gravidez, a produção contínua de progesterona será essencial para a manutenção do embrião e, conseqüentemente, do feto. Em 1975, Georges Teutsch iniciou um projeto para estudar como pequenas mudanças na estrutura da progesterona poderiam afetar a capacidade da molécula de se ligar a cinco tipos de receptores esteróides em uma célula. Os hormônios esteróides sintéticos dividem-se em duas categorias. O antagonistas ligam-se ao receptor, mas não acionam a atividade induzida quando o hormônio natural se liga. Teutsch e colaboradores estavam procurando um antagonista para receptores glicocorticóides, que poderiam aumentar a velocidade de cicatrização de queimaduras e outros ferimentos. Quando testaram um composto originalmente conhecido como RU-38486 descobriram que ele era um poderoso antagonista glicocorticóide. Mas fazia mais que isso: também se ligava muito fortemente ao receptor da progesterona. Como um antagonista da progesterona, a RU-486, como se tornou conhecida era um candidato para teste de uma droga para controle da fertilidade. Em setembro de 1988, a RU-486 tornou-se disponível nos E.U.A. Como ela se liga tão fortemente a diversos tipos de receptores hormonais, a RU-486 tem o potencial de servir a outras funções. Ela poderia ser administrada com oxitocina para induzir trabalho de parte ao final do parto ao final da gravidez, reduzindo, dessa forma, o número de partos por cesariana. Poderia ser utilizada para tratar câncer de mama. Poderia também controlar o crescimento de certos tumores não-cancerígenos que afetam o cérebro. Poderia ainda ser usada para seu objetivo principal – como antagonista glicocorticóide. É certo que a pesquisa dessa droga controversa e seus usos potenciais vai continuar. 2.0 – Como prever a forma das moléculas? Conforme citado no item anterior, o formato das moléculas possuem relação direta com as propriedades da mesma. Com base neste parâmetro podemos responder a vários questionamentos, tais como: ● Porque quando algumas vitaminas são ingeridas em excesso provocam hipervitaminose e o excesso de outras são simplesmente excretados pela urina? ● A impressa frequentemente mostra manchetes de derramamentos de petróleo. O petróleo fica flutuando sobre a água formando uma gigantesca mancha negra. Mas porque eles não se misturam? ● Como os detergentes conseguem remover com eficiência a gordura da louça? ● Como funcionam os hepatoprotetores? Primeiramente, como podemos prever o formato das moléculas? Em vez da palavra formato, em química costuma-se dizer geometria das moléculas. Os principais tipos de geometrias que as moléculas podem possuir encontram-se na Figura 2. (a) linear (b) angular (c) trigonal (d) tetraédrica (e) bipirâmide trigonal (f) octaédrica Figura 2: Principais tipos de geometrias moleculares. Os modelos utilizados ilustram os átomos como esferas e cada reta representa uma ligação covalente. Para prever a geometria de uma molécula existe um método elaborado pelos químicos Nevil Sidgwik e Hebert Powell e aperfeiçoado e divulgado pelo canadense Ronald Gillespie. Trata-se do método mais utilizado para determinar a geometria de moléculas. Ele é chamado Teoria da Repulsão dos Pares Eletrônicos da Camada de Valência. Apesar do nome complicado as idéias são simples. 2.1 – Como prever a forma das moléculas? Imagine que enchêssemos dois balões de gás (bexigas usadas em festas infantis), os amarrássemos pela boca e os soltássemos sobre o chão. Em que disposição geométrica eles iriam cair? E se repetíssemos esse procedimento usando três e quatro balões? Perceba que os balões se afastam o máximo possível uns dos outros. Veja a Figura 3. Figura 3: Disposição de balões quando os mesmos são amarrados pelo ponta. Do mesmo modo que os balões procuram afastar-se ao máximo uns dos outros, os pares de elétrons existentes ao redor o átomo central de uma molécula tendem a se afastar ao máximo, pois, possuindo todas cargas de mesmo sinal (negativo), eles se repelem mutuamente. Assim se houver dois pares de elétrons ao redor do átomo central, eles tenderão a ficar dos lados opostos, graças a essa repulsão. Se forem três pares elétrons, eles terão as posições dos vértices de um triângulo eqüilátero imaginário e, se forem quatro, as posições dos vértices de um tetraedro imaginário. Para determinar a geometria de uma molécula, a Teoria da Repulsão dos Pares Eletrônicos da Camada de Valência propõe uma seqüência de passos que leva em conta as idéias que o acabamos de expor: 1) Escreva a fórmula eletrônica da substância e conte quantos pares de elétrons existem ao redor do átomo central (uma ligação covalente, simples, dupla ou tripla e dativa) (par de elétrons não usado em ligação). 2) Escolha a disposição geométrica que distribua esses pares de elétrons assegurando a máxima distância entre eles. Número de pares de 2 3 4 elétrons Distribuição escolhida Segmento de reta Triângulo eqüilátero Tetraedro Apesar de serem os pares de elétrons que determinam a distribuição geométrica ao redor do átomo central, a geometria molecular é uma expressão da posição relativa dos núcleos dos átomos nela presentes. Assim, considerando apenas os átomos unidos ao átomo central (e ignorando portanto, os pares de elétrons não usados em ligações), determinamos finalmente a geometria da molécula. Observação: No caso de uma molécula biatômica, esto é, formada apenas por dois átomos, a geometria é necessariamente linear, pois não há outro arranjo espacial. Observação 2: Em geometria molecular é muito aplicada a expressão ângulo de ligação. Nas moléculas linear (CO2, BeF2) ele vale 180o; nas trigonais como BF3, 120o ; e nas tetraédricas como CH4 e CCl4, 109,28o. Na molécula de água (angular) e na molécula de amônia (piramidal) os ângulos entre as ligações valem, respectivamente 104,5o e 107o. O fato de esses ângulos serem menores do que 109o é explicado pela repulsão que ocorre entre os pares de elétrons não compartilhados e o que participam das ligações. 3.0 – Como prever a polaridade das moléculas? 3.1 – moléculas biatômicas Considere uma molécula de HF. O par de elétrons compartilhado não é atraído igualmente por ambos os átomos, uma vez que o flúor é mais eletronegativo que o hidrogênio. Embora o par de elétrons esteja sendo compartilhado, ele se encontra mais deslocado no sentido do flúor. Dizemos que no flúor apareceu uma carga parcial negativa (simbolizada por δ-) e no hidrogênio uma carga parcial positiva (simbolizada por δ+). A ligação entre H e F é chamada de ligação covalente polar. Considere as seguintes ligações acompanhadas do respectivo valor da diferença entre as eletronegatividades de ambos elementos (Δ): Cl І: Cl Δ=zero Covalente polar Br І : Cl Δ= 3,0 – 2,8 = 0,2 Covalente polar I І : Cl Δ= 3,0 – 2,5 = 0,5 Covalente polar H І :Cl Δ= 3,0 – 2,1 = 0,9 Covalente polar Δ= 3,0 – 0,9 = 2,1 Iônica Na І :Cl Como pode-se perceber, à medida que a diferença de eletronegatividade aumenta, os elétrons vão sendo cada vez mais atraídos por um dos átomos. Assim, a ligação iônica pode ser encarada como um caso extremo de ligação covalente polar, onde a diferença de eletronegatividade é tão grande que o elétron acaba sendo transferido de um átomo para outro em vez de ser compartilhado por ambos. 3.2 – moléculas com mais de dois átomos Conforme já citado, na molécula de HF ocorre o aparecimento de pólos e ela recebe o nome de molécula polar. A polarização da ligação apresenta uma direção e um sentido e uma intensidade que depende da diferença de eletronegatividade entre os átomos. Segundo Peter Debye (1884-1966 - químico que se destacou pelo estudo das propriedades relativas à polaridade molecular), o vetor possui direção da reta que passa pelo núcleo dos átomos que tomam parte na ligação considerada e é orientado no sentido do pólo positivo para o negativo. Para saber se a molécula é polar ou apolar devemos somar todos os vetores momento de dipolo de todas as ligações e concluir se ele é nulo ou não. Veja os exemplos ilustrados na Figura 4. Figura 4: Exemplos de moléculas com mais de dois átomos polares.