A TERAPIA E A CURA NA UMBANDA (RESULTADOS PARCIAIS) FIORI, T.A; ALVES, A.L.P.P. RESUMO O presente trabalho pretende traçar as características do que consideramos doença e seu processo de cura através de uma religião genuinamente brasileira, a Umbanda. Analisamos as concepções de doença mental embasadas pelos estudos do filósofo francês Michel Foucault e as concepções de doenças em geral através de referenciais teóricos que tratam da cura no cenário religioso para então tratarmos dos rituais e cultos de restabelecimento da saúde dessa religião. Palavras-chave: doença, incorporação, saúde ABSTRACT The paper intents to demarcate the characteristics about diseases and their process of healing trough a real brazilian religion: the voodoo rites. We analyze the mental diseases conceptions based in the studies from french philosopher Michel Foucault, and the conceptions of diseases in general trough theoretical references that broach the healing in a religious scenery. So we are able to broach the rituals and the ceremony and recovery of the health in this religion. Keywords: diseases, possession, health INTRODUÇÃO No desenvolvimento religioso experimentado principalmente no fim do século XIX e ao longo de todo o século XX e início de século XXI nota-se leve abertura das doutrinas para responder às necessidades prementes dos fiéis, não apenas garantindo-lhes a salvação eterna (característica do catolicismo clássico), como também a salvação efêmera, reconhecida aqui como a salvação do hoje e do agora. Neste contexto de salvadora insere-se a religião alvo de nosso estudo, a umbanda. De acordo com Oliveira (2006) a umbanda se define como uma manifestação religiosa resultante da relação entre várias práticas culturais, como o candomblé trazido para o Brasil no contexto da escravidão, o kardecismo e a catequese jesuítica. Uma das características históricas dos terreiros de umbanda é a sua função como pronto-socorro espiritual, ou hospital dos Orixás, dirimindo transtornos espirituais, pessoais, de saúde, materiais e interpessoais. (Oliveira, 2006). A atual pesquisa visa realizar um estudo bibliográfico acerca dos temas referentes à terapia e a cura na Umbanda, uma religião genuinamente brasileira e de cunho místico/mediúnico inserida no cenário religioso nacional. No primeiro momento foram selecionados livros, artigos e periódicos que foram previamente analisados para serem utilizados em um segundo momento. Na segunda fase a preocupação será voltada para uma leitura cuidadosa dos impressos bibliográficos. A leitura informativa científica procurará reconhecer as informações sobre o funcionamento do processo de terapia e cura na Umbanda, relacioná-las com os problemas propostos pelo trabalho e, finalmente, analisar os conteúdos obtidos. REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Sabemos que as normas de comportamento são efêmeras, elas passam e se alteram até outras surgirem e tomarem o seu lugar. Nesse sentido é possível que se pinte um mapa histórico de como o binômio normalidade-anormalidade se manifestou ao longo dos anos. O filósofo francês Foucault, (2009), traça a árvore genealógica do desatino, segundo seus aspectos externos, isto é, de acordo com a maneira em que as “disfunções” (entre aspas aqui serve para ressaltar que os processos considerados anormais no passado podem ter galgado à anormalidade atualmente) são percebidas pelo próprio doente e pelas pessoas que o cercam, como grupo da demência, mania, melancolia, histeria e hipocondria. Nessa relação, o espírito se torna inconsciente dos excessos de sua própria sensibilidade. Daí nasce o que Foucault definiu como ‘loucura’ e a comunidade leiga e até mesmo científica subentenderia como ‘doença mental’. Se, como dito anteriormente, a doença gera, definindo de maneira rasa, um desequilíbrio a harmonia humana, é fundamental que se busque, ao por questões psicológicas ou socioculturais, novamente esse equilíbrio. Nasce então a cura. Há em grande parte das filosofias religiosas uma compreensão de adoecimento e cura que se vincula à concepção de vida e morte. A religião ao dar significado a vida e ao sofrimento se faz de elemento constituinte da subjetividade humana. (MIZUMOTO, 2012) Para Vale (2010), o Brasil é um mosaico formado por inúmeras práticas religiosas com berço em diferentes culturas provindas de distintos lugares, muitas de cunho mediúnico, marcadas fortemente pelo recrutamento por via de aflições. De acordo com Mizumoto (2012) experiência religiosa, vista então como uma possível detentora de saberes psicológicos, que envolve o conhecimento e o contato com o sobrenatural, ganha vida no interior de cada um tornando a religião verdadeira, movendo multidões em busca de agências terapêuticas alternativas na esperança de cura de diversos males. Lotufo (1997) ressalta que a experiência mística pode ser considerada como um sinal de saúde assim como um influente poderoso na transformação do indivíduo com resultados visivelmente positivos para o bem estar e coesão social, mais com resultados menores quando se trata em escalas para medir psicopatologias. Existiria na religião um potencial de promoção de saúde mental através da continuidade de laços afetivos, da moderação de estresse e da ênfase em estilos mais reflexivos de adaptação aos problemas. O modo de interação e troca da comunidade religiosa então funciona como uma comunidade resiliente, a qual preveria indivíduos e famílias com novas oportunidades e recursos para lidar com desafios, dando suporte para a recuperação da resistência ao transformar dificuldades em novos modos de funcionamento para a adaptação às novas circunstancias. Esse apoio emocional, material e afetivo dado por uma postura de compreensão e respeito, simboliza outro olhar para as condições psicológicas extenuantes e dá significado aos pertencentes do grupo religioso. (LOTUFO, 1997) Segundo Oliveira (2006), a umbanda é uma religião afro-brasileira que surgiu da bricolagem entre as manifestações religiosas das culturas ameríndias, mais a influência da catequese jesuítica somado ao contato com os cultos de matriz africana e a influência da doutrina kardecista. É por meio da possessão que as entidades espirituais da umbanda se manifestam, quando se apropriando do corpo de um médium se fazem presente diante dos homens. É a partir dessa posse da matéria que a entidade pode realizar seu trabalho colaborando com as necessidades de quem vai a sua procura, seja visando benefícios espirituais seja visando benefícios materiais. Segundo a crença umbandista, as entidades espirituais que tomam o corpo dos filhos e filhas de santo são espíritos que já desencarnaram, que tem a referencia de sua vida pessoal substituída por estereótipos do imaginário popular e que quando evocados descem como a representação de índios, marginais, prostitutas, crianças, alcoólatras, baianos, ciganos e etc. A cura na umbanda é então realizada pela entidade através do médium em rituais dentro e fora do terreiro. Há “entidades” que trabalham especificamente com a cura e que necessitam de um preparo maior e característico tanto do cavalo (quem recebe) quanto dos cambonos (quem prepara). Esses rituais na maioria das vezes são realizados dentro do terreiro por médicos espirituais que incorporam seus cavalos somente com o objetivo de curar, e que precisam de uma organização semelhante à de hospitais e consultórios, assim como roupa branca, máscara e matérias cirúrgicos. Tendo em vista essa diversidade de codificações utilizadas nos terreiros pelos médiuns e entidades, busca-se analisar as formas de tratamento usadas na busca pela cura nesse universo umbandista. CONCLUSÃO Como podemos perceber até o atual estágio de desenvolvimento do trabalho, a doença se baseia na normatização social vigente. Aos poucos o que conhecemos como doença mental se desprendeu das definições de vapores até atingir a categoria de “doença dos nervos”, mudança que permitiu a caracterização da doença mental. Neste contexto, a umbanda, através da incorporação de entidades, desempenha significativo papel na definição dos processos do que entendemos como cura. REFERÊNCIAS FOUCAULT, Michel. História da Loucura na idade clássica. [tradução José Teixeira Coelho Neto]. São Paulo: Perspectiva, 2009. LOTUFO, F. L. Psiquiatria e Religião: A prevalência de Transtornos Mentais entre Ministros Religiosos. Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Livre-docente junto ao Departamento de Psiquiatria, São Paulo. (1997). MIZUMOTO, Suely Akimi. “Dissociação, Religiosidade e Saúde: um estudo no Santo Daime e na Umbanda”. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 2012. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/.../mizumoto_corrigida.pdf> OLIVEIRA, J. H. M. As estratégias de legitimação da umbanda durante o Estado Novo: Institucionalização e evolucionismo. Horizonte, Belo Horizonte: Horizonte, v. 4, n. 8, p.133-143, Junho, 2006. VALE, Johnatan Ferreira Marques de; GONÇALVES, Antônio Giovanni Boaes. “Ele ta no couro de Santo”: Percepções sobre doença e cura num terreiro de Umbanda. 2010. Disponível em: <http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/viewFile/535/374 >