O TERRITÓRIO DO SÃO FRANCISCO: UMA NOVA FORMA DE
COMPREENDER O (DES) ENVOLVIMENTO
Ana Flávia Rocha de Araújo
Andréa Maria Narciso Rocha de Paula
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi estudar a pesca nas corredeiras do Velho Chico no
Município de Buritizeiro, no Norte de Minas Gerais em decorrência dos Projetos de
Desenvolvimento propostos para a região. Neste sent ido, procuramos compreender as
etapas da pesca e quem é o pescador que nas corredeiras do rio construiu histórias de
vida através de um saber-fazer que se dá através dorito da pesca. Para descrever o rito,
utilizamos da etnografia e das técnicas de observação e realização de entrevistas junto
aos pescadores. O estar no rio, o jogar a rede, o esperar o peixe, a partilha dos territórios
da pesca descrevem “homens anfíbios” qu e possuem regras próprias para a gestão do
ambiente, que na complexidade da partilha e compartilha do território promovem a
articulação do grupo e dos saberes tradi cionais, bem como, viabilizam um sobreviver
“nas/das águas” sob a égide de um Projet de Transposição das Águas do São Francisco.
Palavras-Chave: Rio São Francisco, território, (des) envolvimento , pesca e pescador.
INTRODUÇÃO
O processo de desenvolvimento do Norte de Minas ocorreu através de dois grandes
fatos históricos que constituem a história do nosso país: a criação de gado e a vasta
quantidade de terras livres; que posteriormente enalteceram a região, trazendo em sua
estrutura povos de várias etnias (indígenas, africanos e europeus), que através de uma
mão-de-obra escrava, construíram uma identidade de um povo sertanejo nesta região.
(PAULA, 2006).
Segundo Mata-Machado (1991), podemos classificar o homem do campo nortemineiro,
como sendo: barranqueiros, geraizeiro e vaqueiro; com diferenças distintas. Certamente,
o homem barranqueiro é mais desapegado ao território da agricultura, sendo mais
voltado para a pesca e de certa forma para o meio urbano. O geraizeiro seria aquele
homem, que dá valor a “terra” e a desenvolve por meio de mecanismos da agricultura.
Já o vaqueiro, seria o homem lavrador, que agrega a sua “virtude” a posse de grandes
propriedades. No entan to, para grandes estudiosos da região, as especificidades de cada
identidade são c aracterizadas como “cultura sertaneja”.
Atuando como um grupo social, os pescadores artesanais identificados também
enquanto barranqueiros construíram um saber-fazer pautado nas dinâmicas do ambiente
natural. A quebra desta dinâmica ocasiona uma deses truturação do espaço físico,
cultural e diretamente em seu modo de vida. Nesta contrapartida surgem os projetos de
intervenção estatal, em especial o de Transposição das Águas do São Francisco.
DESENVOLVIMENTO
Para Nisbet (1973) em seus estudos sobre sociedade e sobre as relações sociais, um
grupo encontra seu fundamento no homem visto em sua totalidade e não neste ou
naquele papel que possa desempenhar na ordem social, encarada separadamente. “Sua
força psicológica deriva duma motivação mais profun da que a da volição ou do
interesse e realiza-se na fusão de vontades individ uais que seria impossível numa união
que se fundasse na mera conveniência ou em elementos de racionalidade”. O grupo é a
fusão do sentimento e do pensamento, da tradição e da ligação intencional, da
participação e da volição. (NISBET, 1973, p. 47- 48 ).
O sentido de pertencimento e o desenvolvimento de atividades em conjunto, demonstra
a presença da cultura como uma “teia de s ignificados” que o próprio homem teceu,
como caracteriza Geertz (1989, pg. 15) no caso especifico dos pescadores do São
Francisco, pode-se encontrar essa oralidade presente nas territorialidades das
corredeiras.
O conhecimento e autoconhecimento por assim dizer, são construções que surgem
através do saber local de um determinado grupo. Cada sociedade caracteriza-se por uma
configuração particular de espaços e tempos sociais. Nas sociedades tradicionais,
existem temporalidades específicas, mas também formas singulares de relação com o
espaço, as quais se desenvolvem, prom ovendo uma fusão dos acontecimentos
marcantes que conformam a memória co letiva, “aqui compreendida como sendo o
mecanismo da estruturação do processo histórico de certa comunidade ou grupo social
através daquilo que está presente na embrançal dos membros da comunidade ou do
grupo”. (SILVA, 2010, p.123).
De acordo com Paul Litlle (2002/2003), a territorialidade humana tem uma
multiplicidade de expressões que produz grande dive rsidade de territórios e que
manifestam suas particularidades socioculturais. Para Diegues e Arruda (2001) isso só é
possível porque os grupos culturalmente diferenciados, em sua trajetória histórica,
construíram e atualizaram seu modo particular de vida e de relação com a natureza,
considerando a cooperação social entre seus membros , a adaptação a um meio
ecológico específico e um grau variável de isolamento.
De acordo com Rocha (2010, pg. 4) “o território é concebido como o espaço concreto e
simbolicamente apropriado por determinado grupo social, cheio de significações”.
Através desta vertente do concreto e de uma gama de significações é que o homem
afirma uma identidade com este espaço enqua nto lugar, e consequentemente constrói
uma territorialidade, que apesar de possui r vários significados, atua em toda dimensão
social, cultural e política.
Depois de séculos de exploração inapropriada das águas do “Velho Chico”,
beneficiando as mais diversas camadas hierárquicasda sociedade brasileira, hoje ele se
encontra em estado “preocupante” quanto a sua prese rvação, e em processo de
transposição das suas águas para o Semi-Árido brasi leiro.
Quanto a este processo de transposição que há perspectivas contra, e a favor, Alkmim
(2011) enfatiza que as informações recolhida s dos opositores sobre a situação do Rio
São Francisco não se restringem à preocupaçã o com o volume da água, mas também
com as dificuldades da população rural, apesar de residir em áreas do semiárido de
Minas Gerais e Bahia, cortada pelo grande “Rio d a Integração Nacional”, sofre com a
estiagem e não tem acesso à água doce. Essa é a maior de todas as polêmicas, que tem
gerado grandes discussões sobre as obras de transpo sição. Ou seja, ter água nos
municípios não significa necessariamente usufruí-la “como revelam as realidades de
Serra do Ramalho/BA e de Itacarambi – a 673 km de B elo Horizonte/MG.
Esses municípios são cortados pelo Rio São Francisco, mas os habitantes da zona rural
sofrem com a falta d’água e sofrem com uma seca impiedosa”. (ALKMIM, 2011, p.
120).
Para Alkmim (2011) o que os admiradores do Velho Chico esperam é que na bilionária
obra da “transposição”, considerada como um projeto irreversível, também se inclua a
sua total revitalização. Afinal, sem água abundante no leito do rio, que resulta das obras
de proteção das nascentes e dos mananciai s de topo, além do tratamento dos esgotos
das cidades e a distribuição de água potável para os ribeirinhos, não haverá como
transpor água nenhuma, para lugar nenhum.
Dentro do projeto de revitalização, de acordo com informações do Governo federal,
80% das obras em andamento se referem basicamente ao tratamento de esgoto. “O
governo prevê a revitalização de oitocentos mil hectares da bacia do São Francisco –
equivalente a quase um milhão de campos de futebol, por meio de ações de
desassoreamento, contenção de barragens, proteção de nascentes e mananciais e a
recomposição vegetal”. São projetos que precisam urgentemente serem consolidados.
( ALKMIM, 2011, p. 121-122).
Esta visão, porém, faz parte de uma concepção cient ífica, de Academia. Para os
pescadores e moradores ribeirinhos a transposição é um meio/caminho de ajudar quem
precisa. “ Nosso Rio é grande demais, porque não ajudar quem precisa?”(Fala do
pescador Beto, em entrevista – Abril de 2013). As concepções de grandezas, de valores,
se confundem com a visão de um rio extenso (em larg ura e comprimento) que dão a
ideia de inacabável; realidade contestada todos osdias pelos cientistas.
Neste sentido, as populações que conseguiram se sus tentar e manter através das águas
do rio, criaram ciclos bem definidos de trabalho e lazer, diferenciando suas atividades
das demais atividades regidas pelos sistemas capitalistas. Sendo assim, a pesca artesanal
nas corredeiras do São Francisco é hoje caracterizada por um grupo de pescadores, que
não utilizando mão-de-obra assalari ada, capturam o pescado através de técnicas
manuais e de baixo custo financeiro. Contudo, com as dificuldades da pesca advindas da
devastação do rio, da proibição da pesc a nas corredeiras, dos pescadores amadores,
existe na atualidade uma necessidade de profissionalização deste pescador.
É nesta busca de “qualificação”, de encaixe nos pad rões exigidos pela massa do Estado,
que ocorre o confronto entre os saberes tradicionais e a inevitável busca de colaboração
dos Projetos Estatais na sustentabilida de dos povos e comunidades tradicionais. A
pesca compreendida como ritual, os saberes adquiridos dessa prática juntamente com o
processo de transposição proposto como forma de desenvolvimento para a região, que
surge o contra ponto território enquanto água e território enquanto terra.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues . Cerrado, Gerais, Sertão: comunidades tradicionais nos
sertões roseanos. A Comunidade Tradicional. Editora cidade, 2010.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas . Rio de Janeiro: LCT, 1989.
LITLLE, Paul. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia
da territorialidade. In: Anuário Antropológico 2002/2003. Rio de Janeiro: 2004.
NISBET, Robert A. The Sociological Tradition. Tradução de Richard Paul Neto.
Londres: Amorrortu Editores S.A, 1973. p. 47-55.
PAULA, Andréa Narciso Rocha de; BRANDÃO, Carlos Rod rigues; CLEPS JUNIOR,
João . Pesquisa de campo e em campo, os saberes das histór ias de vida em
comunidades rurais no sertão de Minas Gerais/Brasil . In: VII Congresso latino
americano de sociologia rural-Associacion latinoamerciana de sociologia rural, Quito:
Eguador, 2006, anais.
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