Conflitos socioambientais no rio São Francisco: uma análise da percepção
ambiental dos pescadores artesanais profissionais no município de São FranciscoMG
Mariana Aparecida Farias Almeida1
Ana Paula GlinfskoiThé2
Resumo: O objetivo desse trabalho é fazer uma discussão acerca dos problemas
socioambientais no rio São Francisco, tendo como análise a percepção ambiental dos
pescadores artesanais profissionais da cidade de São Francisco no Norte de Minas
Gerais. Atividade pesqueira é de suma importância para grande parte das famílias de
pescadores do município, assim ela é caracterizada como pesca artesanal comercial e de
subsistência, onde a maioria dos pescadores fabrica seu próprio material de trabalho. Os
pescadores desenvolvem uma relação muito intima com o rio, que vão além dos
aspectos econômicos, onde atribuem-lhe valores que evidenciam modos de vidas locais,
desse modo a relação do pescador-rio é indissociável, onde se desenvolve um
sentimento de topofilia por esse ambiente. Tendo em vista todos os problemas
ambientais ocorridos na bacia do São Francisco, nota-se que o estudo da percepção
ambiental dos pescadores é de grande importância para preservação e conservação dos
sistemas locais produção pesqueira bem como preservação e conservação do próprio rio.
Palavras-chave: Pescadores artesanais; Rio São Francisco; Percepção Ambiental; Meio
Ambiente.
Environmental conflicts in the São Francisco River: an analysis of environmental
perception of professional fishermen in the city of San FranciscoMG
Abstract: The objective of this work is to a discussion of social and environmental
problems in
the
São Francisco,
with
the analysis of environmental
perception,professional fishermen of the city of San Francisco in the north
of Minas Gerais.Fishing activity is of paramount importance for most of the fishing
families of the city, so it is characterized as commercial fishing and subsistence,
where most
anglers manufactures its
own
equipment
for work. The
fishermen develop a very intimate relationship with the river, beyond the economic
aspects, where youassign values to show local ways of life, thus the ratio of
the fisherman is
inseparable River,
where
it
develops a feeling for
this topophilia environment. Given all the environmental problems occurring in the
basin of San Francisco, notes that the study of environmental perception of fishermen
is of
great
importance
for preservation
and
conservation
of local fish
production systems as well as preservation and conservation of the river itself.
Keywords: Artisanal Fishermen; San Francisco River; Environmental Awareness;
Medium Environment.
1
Graduada em Licenciatura Plena do curso de Geografia – UNIMONTES e graduanda em Ciências
Sociais – UIMONTES. Bolsista PIBIC-UNI 2010-2011.
2
Orientadora e professora do Departamento de Biologia Geral – UNIMONTES. Doutora pela UFSCAR.
Bolsista do Programa FAPEMIG PIBID 2010-2012.
Introdução
Aspectos relacionados à temática ambiental vêm se tornando um assunto prioritário,
comum e amplamente discutido na sociedade brasileira, principalmente após a
realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Rio 92), realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992 e, mais recente, em 2003
(Brasília), nas Conferências Infanto-Juvenil e a Nacional de Meio Ambiente. Após esses
eventos, muito se falou e vem se falando sobre meio ambiente no Brasil, contudo no que
se refere aos estudos em percepção ambiental nota-se uma grande complexidade entre
as reais relações das variáveis dos problemas ambientais e seus efeitos sobre o ambiente
como um todo.
Segundo Ferreira (2003) “a Percepção ambiental pode ser definida como sendo uma
tomada deconsciência do ambiente pelo homem, ou seja, o ato de perceber o ambienteque
se está inserido, aprendendo a proteger e a cuidar do mesmo”. Desse modo os estudos em
percepção ambiental das comunidades tradicionais vêm sendo usados como base de
paradigmas da sustentabilidade das atividades humanas e possibilidades de uma melhor
gestão dos recursos naturais, uma vez que a maioria dos membros dessas comunidades
desenvolve uma relação simbiótica com os sistemas de produções locais, onde se pode
citar a relação dos pescadores artesanais profissionais com o Rio São Francisco.
Detentor de saberes essencial e costumes tradicionais locais que caracterizam as
populações ribeirinhas e fortalece o grande aparato cultural regional, sobretudo o nortemineiro, o pescador artesanal possui em sua memória relatos e imagens que podem ser
utilizados para uma melhor caracterização dos problemas ambientais presentes na Bacia
do São Francisco.
Estudar e pesquisar as percepções ambientais dos pescadores atreladas aos modos de
vida locais, identificando assim o seu trabalho, seu lazer, sua família e comunidade,
suas experiências, suas expectativas e frustrações;tornam-se um aspecto fundamental
para uma melhor articulação entre os diversos usuários do rio na tentativa de chegar a
uma melhor gestão desse recurso natural.
O presente estudo se faz necessário para uma compreensão acercadas inter-relações
entre os pescadores e o rio, seus anseios, satisfações e insatisfações, julgamentos e
condutas.Para tanto, foi adotado como metodologia, a pesquisa quanti-qualitativa
através de coleta de dados por meio da execução de entrevistas livres não-organizadas,
entrevistas organizadas e observação participante. Foi realizado também, visita in lócus
aos acampamentos de pesca e levantamento bibliográficos em teses, livros, artigos,
ensaios, coleções, [...].
Essa pesquisa foi estrutura em três etapas: primeiramente realizou-se um levantamento
preliminar de dados coletados por meio de uma entrevista livre não organizada com um
grupo de 15 pescadores artesanais profissionais escolhidos aleatoriamente residentes em
vários bairros do município. No segundo momento foi feito uma visita aos
acampamentos de pesca, ondese estabeleceu um diálogo com os pescadores onde eles
relatavam suas concepções e percepções no que se referiam aos problemas ambientais
ocorridos no rio e suas influencias na pesca. E por fim as considerações finais.
O Rio São Francisco e a atividade pesqueira artesanal: Um breve contexto
histórico
Dentre as bacias hidrográficas brasileiras, a bacia do Rio São Francisco é caracterizada
como uma das principais. O Rio São Francisco tem sua nascente histórica na Serra da
Canastra, enquanto sua nascente geográfica localiza-se na Serra D’Água, ambas em
Minas Gerais e deságua entre os Estados de Sergipe e Alagoas. A Região Hidrográfica
abrange cerca de 521 municípios distribuídos em 6 Unidades da Federação: Bahia
(48,2% da área da bacia), Minas Gerais (36,8%), Pernambuco (10,9%), Alagoas (2,3%),
Sergipe (1,1%), Goiás (0,5%), e Distrito Federal (0,2%) (SATO & GODINHO, 1999).
O Rio principal possui 2.700 quilômetros de extensão, razão pela qual floresceram em
suas margens várias cidades e vilarejos, entre elas São Francisco – MG.
No que se refere aos aspectos populacionais segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatísticas – IBGE, cerca de 13,3 milhões de pessoas residem na Região da Bacia do
São Francisco, distribuídos no Alto com 48,8%, Médio São Francisco com 25,3%, SubMédio 15,2% e Baixo São Francisco 10,7% (IBGE, Censo Demográfico 2010). Nota-se
que a bacia do São Francisco abastece grande parte da população brasileira, assim o seu
uso sustentável é de grande importância para que se possam manter os sistemas locais,
sobretudo o da pesca artesanal.
São inúmeras espécies presentes nesse ambiente. Segundo Britskiet al. (1986), existem
cerca de 158 espécies de peixes no rio, mas novas espécies têm sido descrita com
frequência pois muitas foram introduzidas na bacia e hoje têm populações estabelecidas.
Dentre as espécies de maior importância para a pesca se destacam: a Curimatá-pacu
(Prochilodusargenteus), cutimatá-pioa (Prochiloduscostatus), dourado (Salminus
brasiliensis), matrichã (Bryconorthotaemia), pirá (Conorhynchosconirostris), o surubim
(Pseudoplatystomacoruscans)e a caranha (Piaractusmesopotamicus) (GODINHO &
GODINHO, 2003). Das espécies citadas acima, as mais pescadas em São Francisco
segundo os pescadores são a caranha e o curimatá. As espécies de maior valor, que são
o surubim e o dourado encontram-se praticamente em extinção.
Tendo em vista a grande extensão do rio principal e a área de drenagem da bacia, a
região do Vale do São Francisco, principalmente o Médio São Francisco é, umas das
que mais se destacam na produção pesqueira, mesmo sendo estes capturados por
técnicas rudimentares e embarcações antigas, porém não se sabe exatamente a
quantidade de toneladas que são pescadas e comercializadas por falta de dados
estatísticos mais precisos. Em 1985, o Plano Diretor para o Desenvolvimento do Vale
São Francisco – PLANVASF quantificou a produção de pesca em 26.160 toneladas. No
ano de 2006 a produção pesqueira possuía uma média 15 toneladas3, nota-se uma queda
de aproximadamente 42% na produção de pescados, cuja maioria dos pescadores
associa-se essa queda aos problemas ambientais que o rio vem sofrendo, tais como:
Projetos de Irrigação, Barramento, Poluição e Desmatamento.
Caracterização e localização da área de estudo
Fundada em 1877, por Domingos do Prado e Oliveira, nasce a Fazenda Pedras de Cima,
entre a beleza do rio das pedras e dos angicos, que posteriormente se transformou em
3
VerRelatório Final do Censo Estrutural da Pesca (IBAMA, 2007), no qual é possível obter informações
mais
precisas
a
cerca
da
atividade
pesqueira
na
bacia.
Disponível
em
http://www.sfrancisco.bio.br/arquivos/IBAMA001.pdf. Acesso em maio de 2011.
uma cidade. Essa foi batizada por vários nomes como: Pedras de Cima, Pedras dos
Angicos, São José das Pedras dos Angicos, São Francisco das Pedras e por fim numa
homenagem ao rio, foi sacramentado o nome definitivo, São Francisco (BRAZ, 1977).
Assim, São Francisco é um município brasileiro situado às margens do rio São
Francisco, em Minas Gerais, cuja sede se localiza a margem direita, conforme o mapa 1.
Mapa 1: Localização da cidade de São Francisco na Mesorregião do Norte de Minas
De acordo com o Censo do IBGE (2010), a população de São Francisco corresponde a
aproximadamente 53.898 habitantes, em uma área de 3.308 Km²4. A cidade possui uma
altitude máxima de 918 m, e sua altitude mínina são 455 m, medidas na foz do rio
Pardo. O clima é o tropical quente e seco, onde apresenta temperaturas anuais cuja
máxima é em torno de 32,3°C, a média de 24°C e a mínima de 17,7°C. O índice
pluviométrico anual gira em torno de 1132,9 mm.
Estando numa região de semi-árido, suas características a colocam num contexto
geográfico que interfere na paisagem econômica da cidade, revelando uma conjuntura
de seca, pobreza e com poucas alternativas de sobrevivência para a maior parte da
população. A base econômica do município é agropecuária com ênfase a pecuária de
corte, contudo essa atividade exerce pouco destaque econômico, desse modo, deduz-se
que o município possui pouca relevância na economia mineira, como a maioria dos
municípios norte-mineiros. É justamente pela falta de oportunidades de emprego que
muitos recorrem à pescaria para extrair o sustento da família (VIEIRA, 2006). Segundo
o levantamento feito pelo o Ministério da Pesca e Aquicultura - MPA (2011) existem
em média 1126 pescadores artesanais em São Francisco.
Caracterização Socioeconômica dos Pescadores
4
↑ IBGE Cidades@. O Brasil Município por Município. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Disponível em <www.ibge.gov.br>. Acesso em 29 de Nov de 2010.
Os pescadores da cidade de São Francisco possuem como características
socioeconômicas, o baixo índice de escolaridade, sendo a maioria analfabetos ou
semianalfabetos e baixa renda per capita. Entre os pescadores entrevistados foi possível
perceber que a maioria não possuía o ensino básico completo, antiga 4ª
série,principalmente os pescadores mais velhos, acima de 45 anos. Entre os pescadores
mais novos muitos não concluíram o ensino fundamental, como observado no “Lance
de Pindô”, onde pescadores afirmaram nunca terem frequentado a escola, inclusive uma
adolescente de 13 anos filha de pescadores.
No que se refere população jovem, filhos de pescadores, grande parte frequenta a
escola. Ainda assim, é frequente notar a evasão escolar entre os filhos de pescadores
cuja faixa etária gira em torno de 12 a 16 anos, principalmente os que residem na área
rural e na Ilha do Lajedo. Durante a entrevista quatro jovens disseram que abandonaram
os estudos, tendo como principais motivos às dificuldades de acesso a escola e a
necessidade de ajudar a família na pesca e na lavoura. Assim poucos são os que chegam
ao nível superior de ensino, geralmente param de estudar no ensino médio:
Parei de estudar na 7ª série, minha família mora aqui do outro lado do rio,
ou a gente atravessava esse rio todos os dias para ir à escola, ou morava
com os parentes em São Francisco, ficava difícil. E também meu pai já
estava ficando meio velho pra vir ao rio sozinho, ai ficava com medo de
deixar ele só, comecei a pescar com ele direto, acabei deixando a escola
(Carlos, pescador profissional, 23 anos).
É importante ressaltar que o baixo índice de escolaridade é comum na categoria da
pesca artesanal praticamente em toda bacia, como observado no estudo feito por
Madeira (2006) nos municípios de Três Marias, Pirapora e Ibiaí onde cerca de 27% dos
pescadores entrevistados não frequentava a escola e 5, 4% nunca tinha frequentado. Por
serem analfabetos ou semianalfabetos muitos pescadores não conseguem emprego em
outros setores da economia local, contexto de baixa oportunidade de emprego forçando
grande parte da categoria profissional da pesca artesanal escolher por falta de alternativa
a pesca como estratégia de sobrevivência.
Os principais problemas socioambientais no rio São Francisco e na pesca: uma
analise da percepção dos pescadores
Todo o ciclo de trabalho e a organização social do pescador se convergem para este
ambiente, muitas vezes o pescador passa mais tempo no rio pescando do que em casa
com sua família, “pra mim a maior riqueza é rio, tem vez que atravesso esse rio duas,
três vezes, quando eu vou pra roça, quando vou pescar a noite, parece que o irmão meu
é rio, onde tô ele tá, vivo no rio” (TôiGury, pescador profissional – 60 anos). Assim é
notório um sentimento de topofilia do pescador para com o rio.
As vivências sócia-espaciais dos pescadores no são cotidianas uma vez que, os
pescadores têm como meio de sobrevivência a extração de recursos pesqueiros, assim o
peixe seja ele de forma direta ou indireta é a principal fonte de alimento para sua
família.Por tanto, a preservação do rio e conservação de espécies éimportante para essa
população.
Vale ressaltar que a atividade pesqueira está inserida num sistema regional e abrange
todo o trajeto da montante à jusante do rio e adjacências, ou seja, toda uma bacia
hidrográfica, onde as variáveis ocorridas nesse sistema modificam seu funcionamento,
deixando o meio em desequilibro. Assim, os impactos que o rio sofre afetam e
modificam a vida dos pescadores. Sabe-se que eles dependem intimamente das
variações do ciclo da água e das espécies e ninguém melhor que os pescadores para
apontarem os impactos ambientais que o rio vem sofrendo.
Eu posso dizer que nasci e me criei no rio, eu sei os problema que tem ai, que
acontece ai, tão fazendo muita coisa errada no rio, aqui mesmo tem esgoto
daquela galeria que desce do hospital,ela despeja ali perto, ali. Quando é nas
águas que o rio enche e joga lá nela, agente num aguenta ficar perto de
catinga tudo despejado no rio, eles fez esse esgoto lá pra Itasa, tem o
tratamento lá, mas ainda tem muito rede de esgoto que despeja da galeria
aqui, quando o rio enche é uma catinga. (Sr. Manoel, pescador profissional –
63 anos).
São muitos os problemas ambientais apontados pelos pescadores, tais como: a poluição,
o desmatamento, a construção de barragens, a pesca ilegal.
Gráfico 1: Os principais problemas ambientais que afetam a pesca
Fonte: Pesquisa de Campo, 2010.
Org.: ALMEIDA, M.A.F, 2011.
Percebe-se que a quantidade de peixes tem diminuído bastante, devido aos problemas
ambientais citados acima, razão que gera conflitos entre os pescadores na disputa de
território para realizarem seu trabalho sendo “pouco peixe para muita gente”. Muitos
pescadores profissionais reclamam dos pescadores amadores.
Eles acoitam num lance de rede e me atrapalha demais, agente briga, mas
eles não ouvem , eles têm dinheiro então agente não pode falar nada, só tem
lei pra pobre, pra rico não têm, a leis deles é diferente da nossa, mas eles não
têm o direito de apoita no lance de rede e eles apoita, eles têm que apoita
onde não é lugar do pescador profissional, não nos lance de rede nosso (Sr.
Justino – pescador profissional, 60 anos).
O rio São Francisco é um bem comum de toda a nação5, o que o torna palco de conflitos
entre os seus usuários. Na bacia existem outros grupos econômicos que também
utilizam os recursos do rio, onde o turismo, a indústria, a irrigação, a mineração e outras
atividades competem com pesca artesanal profissional, o que acarreta em conflitos
territoriais no entorno de suas margens e no uso de suas águas.
Por ser uma classe enfraquecida politicamente e com poucos recursos e estudos, os
pescadores são na maioria das vezes os mais prejudicados com a degradação do rio e os
que menos têm voz ativa nas tomadas de decisões a respeito das leis que regulamentam
a pesca e o uso da bacia. É muito comum os demais usuáriosdo rio culparem os
pescadores pela escassez de pescados e poluição das águas.
Eles falam que o pescador que tem acabado com peixe, pescador sozinho tem
como acaba com peixe não, não da conta, peixe demais. Geralmente quem
fala isso são os pescadores amadores, que pescam de vara, eles falam que
tinha que fechar a pescaria 5, 6 anos, pescador de rede tem acabado com a
pescaria, com os peixes, não é assim, o peixe veio diminuir mesmo, bastante
mesmo foi depois dessa poluição que teve ai. Nossa teve tanto surubim
grande morto descendo esse rio, a causa disso é a poluição, não é nós
pescadores. A Votarantim mesmo tá acabando com rio, os surubim morreu
por causa dela (Butinha, pescador – 30 anos).
Moça, há dois anos atrás dava dor de ver esse rio, a água não dava nem pra
nós beber, você não conseguia nem chegar perto do rio, fedia tando, o mal
cheiro ia até pelos rumos do Caic, era muito forte, tinha muito buzinhos no
rio (caramujos), a água estava verde, cheia de lodo. Coitado de nós pescador,
não tínhamos como pescar, fedia demais, não tinha peixe, não tinha como
ficar no rio. Te pergunto, qual o peixe que consegue viver assim? E você
acha que nós pescadores fazerisso com rio?Ficamos um bom tempo parado a
mercê de Deus, daqui um tempo não vai ter pescador, pois não vai ter mais
rio (TôiGury, pescador profissional – 60 anos).
As consequências oriundas da degradação do Rio São Francisco intensificam o
processo de desculturação, aculturação e perca indenitária das comunidades
tradicionais, sobretudo os pescadores, que dependem diretamente das variações dos
ciclos ambientais e da bioecologia dos recursos pescados (THÉ, 2008).
A atividade pesqueira tem-se tornado precária, as dificuldades que os pescadores
enfrentam nas pescarias desestimulam a classe. Muitos pescadores recorrem a outras
atividades econômicas para sobreviverem, os chamados “bicos”.
5
Segundo o Artigo 20, inc. III da Constituição da República “é definido como bens da União: os rios, os
lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banham mais de um Estado”.
Disponível em <www.planalto.gov.br/>. Acesso em abril de 2011. Ou seja, Terreno da União são
aqueles que integram esse patrimônio. Rios que banham mais de Estado tal o São Francisco.
Hoje você pode contar nos dedos os pescadores que vivem só da pesca, não
dá pra sobreviver só da pesca. Tem muitos pescadores que trabalham como
servente de pedreiro, pedreiro, lavrador, agente faz bicos por ai, presta um
serviço aqui, capina quintal, lotes, vixe tem que levar comida pra casa, a
pesca ta difícil, fico triste com isso, prefiro ficar no rio, mas não está tendo
peixe (Sr. Justino – Pescador profissional, 63 anos).
Valêncio (2003) traz uma alerta acerca da extinção da atividade pesqueira devido à
precarização e limitações que os pescadores profissionais enfrentam no ofício da pesca
no Alto-Médio São Francisco:
A pesca profissional de forma artesanal é uma das atividades mais
tradicionais de trabalho no São Francisco, havendo milhares de famílias
ribeirinhas que se dedicam a essa ocupação, por vezes, há mais de uma
geração. Ali, contudo, essa atividade encontra-se em extinção, já que os
ambientais e político-institucionais vêm colocando seus trabalhadores e suas
famílias em processo acelerado de pauperização e exclusão social, embora
nem sempre a sociedade se dê conta disso. Focalizam-se os problemas do São
Francisco, ora sob os aspetos da produção hidroenergética, da irrigação, da
transposição de águas – enfim, sob as formas empresariais que se
desenvolvem a partir do uso dos recursos hídricos –, ora sob o aspecto
ambiental estrito. (VALÊNCIO, 2003 p. 243).
De acordo com o PLANVASF há um decréscimo considerável dos estoques pesqueiros
e atividade é caracterizada como pouco rentável a população e com uma produção
praticamente inexpressiva na economia regional, o que reflete no modo de vida e
trabalho do pescador, (PLANVASF, 1985). O PLANVASF aponta que:
A pesca profissional com características artesanais foi, realizado por grande
contingente de pescadores no Vale, principalmente no Médio, Submédio e
Baixo São Francisco. Atualmente esta atividade não existe em grande parte
da Região, não encontrando-se em muitos casos os pescadores fixos, ou seja,
aqueles que vivem exclusivamente da pesca. (PLANVASF, 1985, p. 4)
Harris (1969), citado por Laraia, afirma que “toda mudança no ambiente resulta numa
mudança no comportamento” e consequentemente numa mudança de hábitos e valores.
(LARAIRA, 2005, p. 26).Como descrito pelo pescador TôiGury, “daqui um tempo não
vai ter mais pescador, pois não vai ter mais rio”. No caso da atividade pesqueira,
geralmente as mudanças no ambiente provocam um sentimento de nostalgia e perda.
Madeira (2006) em seu trabalho sobre os relatos e imagens dos pescadores do AltoMédio São Francisco, nos depoimentos dos pescadores mais velhos percebeu que é
muito comum eles ressaltarem que o rio vai morrer e a pesca vai acabar expressando
que: todo modo de vida morre junto com rio. Portanto, a relação pescador/rio é muito
complexa e deveria envolver todos os agentes sociais em prol da conservação da
cultura, preservação ambiental do rio e melhoria da qualidade de vida do pescador,
sendo esse muito importante na formação histórica das cidades ribeirinhas.
Considerações Finais
Desde os primórdios a atividade pesqueira é algo que se destaca na história do
Município de São Francisco. Através das experiências vivenciadas no rio, homens e
mulheres, deixam como legado uma memória da atividade pesqueira que integram o
diverso aparato cultural do Norte de Minas. O ser humano, como ser social, molda o
espaço transformando este em seu território. No convívio com rio, o pescador
desenvolve um sentimento de topofilia por este ambiente atribuindo-lhe valores que
evidenciam seu gênero de vida e cultura refletindo a integração que possui com o meio
natural para além da perspectiva econômica, produzindo uma perspectiva afetivocultural que se materializa no seu lugar de vida, o Rio São Francisco.
Donos de um saber considerável acerca dos fenômenos da natureza (período de
reprodução das espécies, condições climáticas, regime fluvial entre outros), os
pescadores fazem da pesca um ritual, no qual a riqueza e a difusão folclórica (mitos)
compõem a arte do saber-fazer e do ser pescador.
Vale salientar que o pescador está inserido em um ambiente conflituoso, agravado pela
poluição do rio, pela a disputa de território visando à maximização da produção de
pescados e pela sociedade urbana que o cerca, o que acarreta em um surgimento de
conflitos socioeconômicos e socioculturais, bem como escassez de pescados e
desvalorização cultural.
As relações socioambientais e socioculturais se dão por meio de simbiose, os
pescadores ao defenderem a conservação ambiental do São Francisco, defendem seu
modo de vida, sua identidade e sua cultura. Espera-se que as informações pautadas
nesse trabalho tenham contribuído para um maior conhecimento acerca do mundo da
pesca artesanal do Rio São Francisco em suas múltiplas facetas, demonstrando assim a
importância que essa atividade detém na manutenção da cultura local, bem como para a
sobrevivência de diversas famílias e preservação do rio juntamente com as espécies
locais. É nesse contexto que um dos principais modos de vida é preservado e
propagadona cultura norte mineira, uma identidade é defendida, e um ambiente
sustentável torna-se possível.
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