“Sem peixe não há pescador, sem pescador não existe tradição: uma investigação antropológica da pesca artesanal na cidade de Pão de Açúcar- Alagoas”. Igor Luiz Rodrigues da Silva 1 [email protected] Resumo: O Rio São Francisco enfrenta hoje uma de suas piores crises, baixa vazão, seca constante, construções de barragens e assoreamento constroem um cenário caótico e desolador. É neste ambiente que vivem hoje milhares de pescadores artesanais que compõem o baixo São Francisco, preocupados com a situação do rio e com a falta de seu meio de trabalho, o peixe some cada vez mais de suas redes e canoas. A região vem sendo alvo de projetos estruturais que dizem promover o desenvolvimento sem ao menos realizar estudos que calculem os impactos socioambientais nas comunidades ribeirinhas e sem que muitas vezes os próprios pescadores possam participar desse desenvolvimento e sejam consultados. Há ainda em meio a todo esse processo, a questão da Transposição do rio, o que pode piorar ainda mais a situação, comprometendo toda uma continuidade de saberes e modos de vida. Assim sendo, o objetivo deste trabalho é entender a atual situação dos pescadores artesanais na cidade de Pão de Açúcar- Alagoas, quais as principais dificuldades que tornam a tradição da pesca ainda mais precária, em fase de extinção e o movimento dos pescadores na defesa do rio e das suas tradições. A pesca artesanal é demarcada pelo Estado como sendo um tipo de trabalho de uso de técnicas tradicionais, na co nstrução dos seus instrumentos, bem como pelo aperfeiçoamento do seu trabalho por meio a oralidade transmitida pelas gerações que constroem suas relações em contato direto com o meio ambiente, demarcando nas sociedades contemporâneas o seu lugar e territór io, como forma autônoma de construir sua historia, atrelada as marcas do passado. Para a obtenção dos resultados a metodologia utilizada se baseou em revisão bibliográfica, análise da realidade com o uso de entrevistas estruturadas e depoimentos, uso de imagens e dados secundários, permitindo assim uma compreensão substancial do objeto investigado. Palavras- Chave: Pesca artesanal; Tradição; Rio São Francisco; Pão de Açúcar; Sustentabilidade; 1 Mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Sergipe, Técn ico da Superintendência de Fomento e Apoio à Produção Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas. Professor da Faculdade Raimundo Marinho. 1. Introdução 1.1 Notas Introdutórias: Este trabalho resulta de uma trajetória pessoal, antes de se tornar pesquisa, é na verdade uma vivência particular e ao mesmo tempo construída socialmente, na medida em que, as mudanças, os contatos, as relações, as disputas, condicionam e posicionam como pesquisador, ao objeto em análise. Pertencente a famílias de pescadores, desde cedo aprendi a olhar o rio e a pesca como sendo fundamentais para o meu desenvolvimento enquanto ser humano (individuo) e enquanto membro de uma sociedade (coletividade) que se organiza em torno da pesca, das condições diferenciadas que o rio e seus recursos são exaltados, valorizados e respeitados, que condiciona a vida de cada um, as idas e vindas, dos espaços habitados. Na infância, a pesca para mim, para os irmãos e primos, era apenas mais uma diversão, um passatempo, uma forma de substituir o tempo ocioso e livre. A “beira do rio” 2 era a extensão das nossas casas. Ao mesmo tempo, as idas e brincadeiras no rio, quando éramos levados pelos nossos avôs, possuía também um cunho educativo, de transmissão de conhecimento e de paixão pelo Rio São Francisco. Hoje, interpretando aquela realidade vivenciada, posso pontuar que as ações produzidas pelos meus avôs se constituem como uma forma descontraída, mas importante, de nos levar as repetições das práticas e dos saberes tão saborosamente vivenciados por eles, da manutenção e reprodução dos modos de vida simples de quem tira da natureza tudo que precisa. Pensando a partir da produção de Giberto Velho (2013), não acho válido, neste caso especifico, manter uma distância brutal com o objeto a ser analisado já que há tanto uma familiaridade, bem como uma interação construída através dos processos de sociabilidade. A distância mínima exigida por certos métodos e por um rigor cientifico, para garantir as condições de objetividade tão fortemente instituídas nos meandros das Ciências Sociais. “Afirma-se ser preciso que o pesquisador veja com olhos imparciais a realidade, evitando envolvimentos que possam obscurecer ou deformar seus julgamentos e conclusões”. (VELHO, 2013: 69). No caso especifico deste objeto, os pescadores e toda a problemática que envolve a realidade que eles estão inseridos, o contato e a proximidade, como já foi dito 2 Expressão usada corriqueiramente pelos habitantes da cidade de Pão de Açúcar. acima, é natural. É um movimento que acontece inevitavelmente, ao mesmo tempo em que acredito ser imprescindível esta interação e posicionamento mais próximo, pois, como situa Gilberto Velho (idem), ao analisar as questões que se colocam diante das categorias de exótico e familiar: No entanto, todos não só fazem parte da minha sociedade, mas são meus contemporâneos e vizinhos. Encontramo-nos na rua, falo com alguns, cumprimento outros, há os que só reconheço e, evidentemente, há desconhecidos também. (VELHO, 2013:72). A dificuldade não está em fazer uma separação dimensional entre o objeto e o pesquisador, a dificuldade se encontra, em quebrar as barreiras, que nos dias atuais, ainda existem dentro de uma academia conservadora e enrijecida. Não se trata aqui de romper definitivamente com os princípios que norteiam as pesquisas em Ciências Sociais, mas tentar ter domínio sobre o seu objeto de pesquisa e suas condicionalidades. Assim, para concluir e encerrar essa discussão, pois não se constitui como foco principal do nosso trabalho, continuo acreditando ser importante essa aproximação com o familiar. Embora familiaridade não seja igual a conhecimento cientifico, é fora de dúvida que representa também um certo tipo de apreensão da realidade, fazendo com que as opiniões, vivencias, percepções de pessoas sem formação acadêmica ou sem pretensões cientificas possam dar valiosas contribuições para o conhecimento da vida social, de uma época, de um grupo. (VELHO, 2013: 77). Deste modo, ao estudar o que está próximo, ao que é familiar, tenho a possibilidade de rever e buscar através da pratica cientifica, enriquecer e relativizar de forma mais sistemática as construções que se dão em torno da pesca artesanal e da problemática que se entende por décadas sobre uma possível morte do Rio São Francisco. Neste sentido, me insiro em uma leva de antropólogos que estão cada vez mais produzindo etnografias sobre nós mesmos (DURHAM, 2004), e preocupados em entender e dialogar com as mudanças sociais que se delineiam no processo cotidiano. Assim sendo, o objetivo deste trabalho é entender a atual situação dos pescadores artesanais na cidade de Pão de Açúcar- Alagoas, quais as principais dificuldades que tornam a tradição da pesca ainda mais precária, em fase de extinção e o movimento dos pescadores na defesa do rio e das suas tradições. Diante do quadro alarmante em que se encontra o “Velho Chico”, como a nova geração de pescadores percebe e se situa frente aos impactos ambientais causados ao longo do tempo, tais como o sumiço de peixes, baixa vazão e transposição? Para responder ao problema que se coloca, a metodologia utilizada se baseou em revisão bibliográfica, análise da realidade com o uso de entrevistas estruturadas e depoimentos, uso de imagens e dados secundários, permitindo assim uma compreensão substancial do objeto investigado. Por se tratar de um trabalho ainda bastante recente e não finalizado, pois pretende-se a partir desta primeira apresentação, construir um projeto de doutorado, existem algumas limitações tanto metodológicas, bem como de tempo para a realização da pesquisa de campo, assim também, limitações em relação aos pescadores entrevistados. As entrevistas foram realizadas entre os meses de maio e junho. Foram entrevistados apenas 02 (dois) pescadores: Rodrigo Simplicio e William3 . Neste sentido, os métodos de pesquisa mais utilizados nesse trabalho são, a construção bibliográfica, que deve fornecer um suporte para que o pesquisador possa se apropriar, mesmo que parcialmente, do assunto, a fim de que o leitor compreenda sobre o que está sendo tratado no trabalho, bem como uma amostragem mais próxima – possível da realidade, possibilitando maior diálogo entre a teoria e pesquisa, como também entre a teoria e objeto de pesquisa. Mais do que um instrumento de coleta de dados, o uso dos recursos audiovisuais nos proporciona, enquanto antropólogos, construção diferenciada de nossa relação com os atores envolvidos, permite por assim dizer, um “discurso visual” 4 , não só pela nossa condição de pesquisador, mas também pelo próprio grupo de informantes , implicando também em um certo grau de negociação. A escolha destes recursos resulta das possibilidades ofertadas pelos mesmos, especialmente pela capacidade de gerar múltiplos olhares, de distanciar de uma visão superficial e imprecisa. Mais do que ser um amontoado de informações, a imagem deve ter como função primeira, criar mecanismos, que seja porta- voz dos acontecimentos que são percebidos e observados na realidade investigada. Entretanto, a contribuição mais importante que a fotografia pode trazer à pesquisa e ao discurso em Ciências Sociais, a meu ver, reside no fato de que, pela sua própria natureza, ela obriga a uma percepção do mundo diferente daquela exigida pelos outros métodos de pesquisa, 3 Voltando a discussão iniciada no princip io deste trabalho, os pescadores até recentemente faziam parte do meu convívio quase que diário, pois dividiamos o mesmo esporte, o mesmo grupo de voleibol, nos nossos tempos livres, mas nunca tínhamos conversado so bre o assunto que é o ponto principal deste trabalho, não pela falta de oportunidade, mas como u ma estratégia minha mes mo, de d ivid ir os espaços que constroem a minha realidade social e por saber que em certo momento essa conversa e esse dia chegariam. 4 Termo utilizado por Silvia Cayubi Noves (2004). dando assim acesso a informações que dificilmente poderiam ser obtidas por outros meios ( GURAN, 2002: 99). Recursos audiovisuais aliados ao texto escrito possibilitam assim, um trabalho rico em detalhes que juntos compõem um todo explicável e com nexo. 1.2 Do Objeto: O Rio São Francisco é conhecido como Rio da Integração ou Unidade Nacional, foi sabiamente chamado pelos índios que habitavam as suas margens em toda a sua extensão, de “Opará”, que na linguagem tupy-guarani, significa “Rio-Mar”. Nasce na Serra da Canastra, no estado de Minas Gerais e atravessa os estados da Bahia e Pernambuco, dividindo os estados de Sergipe e Alagoas, até desembocar no Oceano Atlântico, possui 2800 km de extensão. Figura 1: Mapa que mostra toda a extensão do Rio São Francisco. Fonte: http://racismoambiental.net.br/2014/09/25/ 5 O Rio leva esse nome por ter sido descoberto em 04 de outubro de 1501, um ano após a descoberta do Brasil, no dia de São Francisco de Assis, por Américo Vespúcio. É considerado o terceiro maior rio do país, tendo vazão média de aproximadamente 2850m³/s6 , engloba regiões que apresentam condições naturais bem diversificadas, a parte superior e inferior da bacia, apresentam bom índices pluviométricos e fluviometricos, enquanto os seus afluentes atravessam áreas de climas seco e semiárido. Em Minas Gerais na nascente do rio tem um grande 5 Visitado em 22 de Maio de 2015 às 16:30 minutos. Recentemente a CHESF (Co mpahia Hidroeletrica do São Francisco), soltou uma nota na impressa divulgando que a partir do mês de Julho a vazão das águas do São Francisco vai passar para 900m³/s, marca histórica para as co munidades que dependem das águas como meio fundamental de sobrevivência. 6 potencial agrícola, especialmente para a agricultura (FERREIRA, 2012: 03-04). irrigada. O Velho Chico, como é carinhosamente conhecido, está dividido em 04 (quatro) sub regiões de acordo com características geográficas, de clima e vegetação, o que delimita também características culturais e sociais específicas de cada região, bem como sua forma de navegação. Assim o rio divide-se em: Alto São Francisco (da nascente até a cidade mineira de Pirapora, possui 702 km de extensão); Médio São Francisco (de Pirapora até a cidade baiana de Remanso, possui 1230 km de extensão); Sub-médio São Francisco (de Remanso até outra cidade baiana chamada Paulo Afonso, possui 440 km de extensão) e Baixo São Francisco (da Cidade de Piranhas em Alagoas, até a foz e se encontrando com o mar), tem 214 km de extensão. Entre os mais de 521 municípios que estão situados ao longo do rio, existe na região do Baixo São Francisco, no estado de Alagoas, na parte sertaneja, a cidade de Pão de Açúcar. Segundo o Censo do IBGE de 2014, Pão de Açúcar possui 24.924 (vinte e quatro mil e novecentos e vinte e quatro) habitantes, e tem um território de 683 Km², onde o bioma predominante é a caatinga. Figura 2: Mapa com a localização da cidade de Pão de Açúcar- AL. Fonte: IB GE 7 . O início do povoamento da cidade deu-se através da chegada de índios que vieram da Serra do Arcaré em Sergipe, mais tarde encontraram e passaram a conviver com os brancos europeus, começando o processo de miscigenação. No início do século XVII, os Urumaris, índios que habitavam a região, conseguiram do Rei D. João IV terras às margens do rio São Francisco. Deram ao lugar o nome "Jaciobá", que na linguagem tupi- guarani significa "Espelho da Lua". A doação causou problemas com os índios Xokós, que invadiram as terras dos Urumaris e os expulsaram de lá. Anos mais 7 Visitado em 23 de Maio de 2015, às 22:23 minutos. tarde, em 1634, as terras que eram ocupadas pelos índios passaram a ser de Cristovão da Rocha, em 1660, as terras em forma de sesmarias passaram ao domínio do português Lourenço José de Brito Correia, que transformou as terras em fazenda de gado dando o nome de Pão de Açúcar. 8 O nome (Pão de Açúcar) vem da forma de um dos morros que era semelhante à maneira pela qual se purificava o açúcar. Em1815, as terras foram leiloadas e arrematadas pela família do padre José Rodrigues Delgado, que deu grande impulso ao desenvolvimento do povoado. A freguesia, criada em 1853, invocou o Sagrado Coração de Jesus como padroeiro da cidade. Pão de Açúcar ainda era vila, em 1859, quando D. Pedro II pernoitou lá, em sua viagem para Paulo Afonso. A localidade foi elevada à condição de cidade em 18 de junho de 1887, através da Lei 756, desmembrado de Mata Grande. Pão de Açúcar é hoje uma das cidades mais antigas do estado de Alagoas, de enorme influência no cenário estadual e regional, através do seu legado cultural, político e econômico. Sua população vive dos recursos advindos da agricultura, pecuária, da pesca, do funcionalismo público e do comércio em desenvolvimento, segundo dados do IBGE (Idem). A pesca se constitui como uma das atividades mais importantes para o desenvolvimento econômico e social da cidade de Pão de Açúcar. Os pescadores artesanais se constituem como um grupo social que aliados ao espaço, constroem seus modos de vida, seu produto de consumo e sobrevivência. É entendido aqui como um grupo socialmente diferenciado pelo fato de que não estão alinhados aos moldes de produção e reprodução do capitalismo, pois, pelo contrário, estão realizando suas atividades pesqueiras de outro modo de produção/reprodução/apropriação do espaço. Em que o espaço tem função sagrada e possui o valor de uso e não de troca. Dessa maneira, não se está afirmando que os pescadores artesanais negam os marcos do capital (aliás, isso nem é uma questão mencionada pelos pescadores), mas apenas que tais sujeitos sociais possuem maneiras de lidar com o tempo de trabalho e o de lazer oriundas de um modo de vida fundamentado em relações materiais e simbólicas típicas de grupos sociais que se apoiam em uma fecunda contra-racionalidade (Brandão, 2007, p. 42), distinta da racionalidade da economia moderna, em que, de acordo com a lógica existencial dos grupos tradicionais, a própria economia é uma das muitas dimensões de uma cultura (idem, p. 55), que cruza valores morais, estéticos e sociais não similares aos do mundo dos negócios. (RAMALHO, 2015: 194). 8 IBGE, consultado em Maio de 2015. De maneira geral, podemos dizer que a pesca não pode ser tomada como um acontecimento em estado de isolamento, pois sua construção resulta de aspectos socioambientais, econômicos e culturais da região em que está inserida; e, além disso, a pesca artesanal é produto da manifestação cultural de cada comunidade. A pesca artesanal é fruto da construção histórica da humanidade, e está inserida na atividade extrativista, como uma atividade de caça que sobrevive ao tempo e a modernização dos meios de produção. É notório que, tradicionalmente, as comunidades ribeirinhas que estão situadas às margens do rio São Francisco, entre Alagoas e Sergipe, têm como uma das principais fontes de subsistência a pesca e os recursos que são aproveitados de maneira sustentável e autônoma. Por consequência desse entendimento, a pesca é compreendida não só como uma atividade de busca de peixe, mas como uma construção de relações sociais na terra e no mar, marcadas por identidade, mas também por conflitos e contradições que envolvem não somente os grupos pesqueiros, mas outros tantos agentes sociais, com interesses divergentes, (PEIXOTO, 2011: 110). A construção da pessoa do pescador se dá através da íntima relação que o individuo constrói ao longo do tempo com as tecnologias de pesca e o saber- fazer aí contido, conhecendo fortemente o funcionamento do complexo sistema que o rodeia, crescendo junto com a construção de cada pescaria e os laços que estão contidos entre a terra e o rio. Assim, o objeto deste trabalho, são os pescadores artesanais, a pesca e o território construído a partir do Rio São Francisco e o conjunto de problemas que interferem diretamente nos processos de produção, reprodução dos sistemas simbólicos e culturais, em especial, o processo de transposição do rio. 2.0 - A Pesca Artesanal: Partindo de uma reflexão que busca compreender a pesca artesanal como um fenômeno que sobrevive às mudanças contemporâneas, que ultrapassa as barreiras do tempo e que guarda ainda questões, saberes e segredos que nunca foram superados e expostos às investigações cientificas. A pesca artesanal é ao mesmo tempo totalidade social, pois sua definição assim é, e também um objeto analítico fragmentado, pois se forma a partir de características particulares, criadas pelas relações impressas no convívio entre o rio e a terra. São representações criadas pela coletividade e com doses e nuances estimuladas, muitas das vezes pela individualidade da pescaria, como é o caso da pesca em Pão de Açúcar, conferindo uma abordagem organizacional diferente das encontradas nas relações estabelecidas nas sociedades contemporâneas. A criatividade, o domínio do saber e das técnicas, o domínio sobre os recursos naturais, conferem aos pescadores artesanais uma habilidade diferenciada entre a água e a terra, do mesmo modo que a forma como se dão, não são esgotáveis e nem um pouco simples de se entender. A atividade pesqueira deve ser entendida como um capital simbólico porque denota conhecimento repassado e transmitido através da herança, seja no âmbito familiar ou de compadrio, parentesco e amizade. Para o pescador Rodrigo, 23 anos, casado, pai de 2 filhos, pescador a 10 anos, ou seja desde os 13 anos está inserido na atividade pesqueira, teve e ainda hoje tem, o conhecimento transmitido através dos seus tios. Já o pescador Willian, também de 23 anos, casado e pai de 2 filhos, está na pesca a 8 (oito) anos, e diz que aprendeu só, mas usando a arte do pai e do tio. A construção dos pescadores enquanto uma categoria social e cultural, de Rodrigo e William, está inserida tanto em uma atividade econômica, bem como de cunho simbólico e tradicional. Marshall Sahlins (1987) aponta para sendo a construção simbólica uma construção realçada pelo uso da linguagem, das trocas sociais, interferindo diretamente sobre o espaço ocupado, usando o tempo como fator de consolidação do oficio. “Na medida em que o simbólico é, deste modo pragmático, o sistema é, no tempo, a síntese da reprodução e da variação”. (SAHLINS, 1987: 09). Neste sentido, o sistema de reprodução realizado pelos pescadores está situado concomitantemente entre o fazer e o tempo, o fazer-se pescador e o tempo empregado para esta atividade, abraçando ao máximo as variações dos dias e dos recursos envolvidos nos sistemas naturais. Deve-se pensar a prática pesqueira, como um espaço em que circulam práticas sociais diversas, complementares ou não, cujas relações são dinâmicas, pois não são comunidades que estão isoladas dos centros das cidades, tanto de pequeno, médio o grande porte, há trocas simbólicas e conflitos instaurados nos modos de vida compartilhados pela modernidade, pelo sistema capitalista. Nesse sentido, compartilhando da mesma argumentação de Foster (1971, apud, DIEGUES, 2001: 81), que é importante compreender as comunidades de pescadores, como sendo uma comunidade tradicional situada, “[...], nas “sociedades parciais” (party society), inseridas dentro de uma sociedade mais ampla na qual as cidades exercem papel fundamental”. O aprendizado não é forçado e nem tão pouco se transmite através de instruções normativas rígidas, é algo natural e transmissível como herança que merece ser resguardada, assim é, nas relações pesqueiras em Pão de Açúcar. Percebe-se que há ainda nos estaleiros 9 , a presença das práticas costumeiras, das trocas de saberes entre os mestres fazedores de canoas, mas também entre os pescadores, que dividem o espaço com os equipamentos da pesca e com canoas e botes. A pesca artesanal é um importante meio de fonte de alimentos, de subsistência e renda para muitas famílias em toda extensão costeira e fluvial do Brasil, bem como as margens do Rio São Francisco, em especial na cidade de Pão de Açúcar. A pesca cumpre seu papel econômico na medida em que cria condições de renda e geração de empregos para muitos jovens e homens sem ter de início uma qualificação profissional. Para Rodrigo, quando perguntado por que é um pescador? Assim ele coloca: “Hoje pra mim manter, mais comecei por esporte e diversão”. (Entrevista no dia 07 de junho de 2015). Para o pescador Willian, a pesca também exerce essa mesma função, de ser uma fonte de trabalho e que é prazeroso: “... é uma fonte de trabalho e gosto muito de pesca”. (Entrevista em 08 de junho de 2015). Além do mais, a pesca se constitui como uma cultura do trabalho particular, singular, em constante mediação com os processos capitalistas. Embora nas falas dos dois pescadores, a atividade pesqueira apareça como um meio de trabalho e de renda, não se alinha aos moldes tradicionais do capital, de acumulo de riquezas. No atual estagio de desenvolvimento social e econômico, as novas tecnologias estão dando cada vez mais condições para o fortalecimento e consolidação das formas de produção e consumo. A globalização, ao mesmo tempo em que fortalece os fluxos e altera os padrões tecnológicos e científicos, interfere diretamente nos valores e crenças sustentadoras das sociedades e comunidades tradicionais. (SILVA, 2014: 43). É evidente que, em cada situação, em cada tempo socialmente determinado, o conhecimento adquirido vai tomando outros contornos que se reproduzem, fazendo uma 9 Realizei durante 02 anos a pesquisa de mestrado intitulada: “As Margens do São Francisco: um olhar antropológico sobre os mestres fazedores de canoas na cidade de Pão de Açú car”. Defendida no Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Antropologia da Universidade Federal de Sergipe, em 2014. Neste sentido, alguns dos mestres que realizavam a feitura de canoas e botes, são também pescadores, como é o caso do Mestre Bode. Muito deles estão divididos em 02 ou mais atividades ligadas ao rio e ao que ele pode oferecer. Existe nos estaleiros de Pão de Açúcar não só a presença de mestres canoeiros, mas também pescadores velhos, novos e que dividem o mesmo espaço de construção de saber e de técnicas necessárias para a pescaria. referência tanto ao passado, como tentando se comunicar com o presente, construindo a atividade diária da pesca, através dos símbolos cognitivos perpetuados pela memória. As marcas do presente e da vida urbana ofertam aos pescadores artesanais os signos que constroem proximidades dinâmicas, que tendem a tornar diferente cada vez mais os usos e práticas dos saberes herdados dos antepassados, das ligações afetivas. Ligados a essa realidade, as noções de tempo, espaço e território casam-se. Assim, o tradicional se reinventa para se lançar mais forte para o futuro. Para Cristiano Ramalho, ao analisar a pesca artesanal em Pernambuco, argumenta: É oportuno não esquecer que maneiras tidas como tradicionais do trabalho continuam a sobreviver e recriar-se dentro da sociedade moderna, compondo-a de singularidades, seja ao manter várias de suas dinâmicas socioculturais e ambientais com base em suas autonomias possíveis (Wanderley, 2009), seja reproduzindo processos cada vez mais intensos de subordinação aos ritmos do capitalismo moderno (Melo, 1985). (RAMALHO, 2013:203-204). O espaço socialmente determinado, para os povos tradicionais, a sua ocupação não pode ser nunca decorrente da ação individual, antes é uma apropriação coletiva que envolve e equivale também para a realização da produção, do trabalho e de tudo que dele se utilize. Bem como serve de mecanismos para a reprodução do saber patrimonial. Para Diegues (2001): Além do espaço de reprodução econômico, das relações sociais, o território é também o lócus das representações e do imaginário mitológico dessas sociedades tradicionais. A intima relação do homem com o seu meio, sua dependência maior em relação ao mundo natural, comparada ao homem urbano-industrial faz com que os ciclos da natureza (a vinda de cardumes de peixes, a abundancia nas roças) sejam associados a explicações míticas ou religiosas. As representações que essas populações fazem dos diversos hábitat em que vivem, também se constroem com base no maior ou menor controle de que dispõem sobre o meio físico (DIEGUES, 2001: 85). A apropriação do meio, em parte, também deve ser levada em conta pela seleção determinada e autoconsciente de elementos significativos, tanto derivado da ação coletiva, como pela aplicação, ritualização, manipulação dos objetos e saberes descobertos. Assim sendo, ao escolherem os melhores significados, para representarem um determinado contexto e os compartilham, estão assim reinventando e perpetuando o que eles consideram essenciais representação da comunidade, pois ainda, segundo Wagner (2010: 106), o objetivo da cultura é manter-se viva através da sua continua reinvenção. A reinvenção, então, só se realiza quando conscientes de seu posicionamento, os portadores de tradições entendem o que deve ser o seu alto-reconhecimento tanto ao grupo, como exteriorizando suas condições se vida. Para Rodrigo, ele acha q ue o seu trabalho é uma tradição porque na família dele todos realizam a atividade pesqueira. “Acho. Que na minha família todo mundo pesca”. (Entrevista realizada em 19 de Junho de 2015). Neste sentido, para o pescador Rodrigo, a pesca em Pão de Açúcar é tradicional porque é uma atividade familiar, passada de geração para geração. Rodrigo realiza o seu trabalho com o seu primo, pois é preciso alguém mais para controlar o barco, no caso de Pão de Açúcar, o barco em questão só pode ser uma canoa ou bote. “Pesco com meu primo, porque é necessário alguém para controlar o barco”. (Idem). É importante salientar que no caso da pesca artesanal em Pão de Açúcar, a pescaria não se constitui ou se realiza tendo a formação, por grupos ou coletividade, até porque, como coloco acima, a pesca é realizada através de botes e canoas, esses instrumentos tão característicos do Baixo São Francisco, pois elas não comportam mais que três pessoas. A pesca realizada em água doce é toda realizada de forma artesanal e desse modo sofre com a falta de infraestrutura necessária para atender as demandas econômicas dos pescadores. Há que se considerar, então, que as pescarias (canoas e redes), enquanto instrumentos de trabalho, constituem não apenas meios de produzir peixes, mas também, elementos simbólicos através dos quais se reproduzem relações sociais especificas. Nesse sentido, pois, são mediadoras de relacionamentos e por isso, agregam muitos significados sociais que se transcrevem na própria historia desses meios materiais de trabalho. (BRITTO, 1999:50). A pesca feita por ela se dá através da rede (tarrafa) e através do mergulho com arpão. Os peixes mais encontrados hoje na sua pesca são: chira, piau, pacu, tubarana, camurim, piranha, traíra, tilápia, tucunaré, cará-boi, piaba, lambarai, etc. Todas as espécies podem ser pegas, desde que respeitem o tempo da piracema, conforme relata o pescador: “... e o que não pode ser pego, não temos nenhum tipo de proibição por espécie, só a piracema que proíbe todo tipo de pesca”. (Entrevista realizada em 19 de Junho de 2015). Assim, entende-se que a pesca realizada tanto por Willian, por Rodrigo, está vinculada a uma pescaria autônoma, que se caracteriza por atender ao consumo familiar e em pequena escala, para comércio. Figura 3- O Pescador Rodrigo com o peixe Camurupim, com aproximadamente 2,0 metros. Fonte: Imagem do arquivo do pescador. O Camurupim é um peixe encontrado geralmente na costa brasileira, só que recentemente ele tem sido muito encontrado as margens do Rio São Francisco, essa imagem retrata o peixe que foi capturado pelo pescador Rodrigo com a ajuda do seu primo, em Pão de Açúcar. O peixe foi pescado através de mergulho com ajuda de um arpão. Encontrar peixes como este, é cada vez mais raro e preocupante, assim como tantas outras espécies que desapareceram com os danos causados ao longo de todo o rio. Assim, a região do Baixo São Francisco, vem passando por uma crise hídrica e pesqueira nunca antes vista na região, alguns fatores contribuem para aumentar ainda mais a degradação da biodiversidade do Velho Chico, tais como: as barragens que foram sendo construídas ao longo do século XX, a última delas a de Xingó, aumentando ainda mais a redução do volume de água corrente, assim prejudicando todo o bioma aquático, e consequentemente o desaparecimento de espécies de peixes e crustáceos. Com a construção de barramentos para a formação de lagos hidroelétricos e a utilização da irrigação em toda a bacia do São Francisco, o nível do rio foi alterado, com cotas cada vez mais baixa na porção à jusante de Paulo Afonso. Com essa alteração, o peixe ‘sumiu’ do rio e mesmo os peixamentos feitos pela CODEVASF alteram as condições existentes. ( PEIXOTO, 2011: 25). Para dialogar com a análise acima citada, a fala dos pescadores Rodrigo e William demonstram bem a visão dos pescadores sobre a atual situação do rio. Assim, para eles: “O rio mudou muito e hoje ele está quase morto e com a vazão de mil e cem, o rio está ficando só o leito... Eu acho que a barragem é a principal problema, tanto que não estão soltando mais nada...” (Entrevista em 19 de Junho de 2015). Já para o pescador William, a pesca é prejudicada pela vazão do rio e o desequilíbrio ambiental: “A grande vazão do rio, não tem como os peixes desovar. Também contribui para o aumento das algas, que é o principal problema para a pesca [...] na minha opinião, tá cada vez pior, e cada vez mais as coisas vão piorando de acordo com a vazão do rio, cada vez que o rio seca, seca, as águas vão perdendo sua força e as algas vão tomando de conta, atrapalhando na pesca”. (Entrevistas realizadas em 08 e 17 de Junho de 2015). Nesse sentido, percebe-se cada vez mais, que a Região do Baixo São Francisco, está cada vez mais enfraquecido, a atividade pesqueira em vias de extinção, a diversidade cultural e as tradições ribeirinhas, os modos de vida socialmente construídos estão sofrendo alterações irreparáveis, além dessas consequências, a conclusão do projeto de Transposição promete colocar mais pá de terra sobre o Rio São Francisco, acelerando sua degradação e por fim, sua morte. 3. Sobre a Transposição do Velho Chico: A transposição do Rio Francisco se constitui como uma questão polêmica, embora sua execução esteja em andamento, pois na realidade não se sabe de verdade o tamanho dos impactos socioambientais gerados pelo projeto grandioso. A ideia de transpor águas do Rio São Francisco, remonta há mais de um século. Surge pela primeira vez no século XIX num ambiente em que situação do Nordeste Brasileiro, já contribuía, como hoje, para o agravamento das mazelas sociais daquela região. Como é de consenso, sabemos que a seca no nordeste é uma parte dos grandes problemas do nosso país, e também objeto de analise e controvérsia. (SILVA, 2011: 01). Foi através de D. João VI que primeiro percebeu a necessidade de se levar as águas do Rio São Francisco para as regiões mais secas do nordeste. Durante a seca que durou entre 1877 a 1879, ainda no período imperial, foi formada uma comissão cujo o objetivo, era explorar a região e formular uma proposta de levar água ao nordeste setentrional, a chefia da comissão naquele momento ficou sob a responsabilidade do Barão de Capanema. A partir deste período, vários estudos foram realizados com o intuito de levar o projeto de transposição à diante. Entre o final do século XIX e todo o século XX, existiram três momentos em que a transposição do Rio São Francisco foi colocada em debate. No primeiro momento, entre 1882 e 1985, e no segundo entre 1993 e 1994, predominou a questão política eleitoral. Sendo criticado pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco- CHESF, por não ter fundamentação e consistência técnica, pois previam uma retirada absurda de 300 a 500m³/s e serviam como parte de campanhas eleitorais. (SILVA, 2011:01). O projeto de transposição das águas do Velho Chico volta à tona e co m mais força em 2004, através do interesse do Ministério da Integração Nacional, no governo Lula, com o objetivo mais claro, de levar água até os interiores mais secos do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Pernambuco, permitindo a integração do Rio São Francisco com os rios que estão situados no nordeste setentrional. Figura 4: Mapa dos eixos de Transposição do Rio São Francisco Fonte: http://hiltonfranco.com.br10 10 Fonte consulta em 23 de Maio de 2015, as 14:44 minutos. O mapa mostra o tamanho da obra que está sendo executada, e os dois principais eixos que vão percorrer os estados beneficiados. Muitos impactos sociais e ambientais demonstram a grandiosidade e complexidade, entre políticos, especialistas, ambientalistas e sociedade civil organizada, discordam dessa política de combate à seca, como também existe uma parcela de cada setor acima citado que estão de acordo com esse projeto político. Entre os impactos negativos que devem surgir com a transposição estão: Aumento da oferta e da garantia hídrica; geração de empregos e renda durante a implantação; dinamização da economia regional; abastecimento de água das populações rurais; introdução de tensões e riscos sociais durante a construção, perda temporária de empregos e renda por efeitos das desapropriações; rupturas de relações sóciocomunitárias durante a fase da obra; risco de interferência com o Patrimônio Cultural; possibilidade de interferências com as populações indígenas e interferência sobre a pesca nos açudes receptores. Segundo Lima (2005), ao todo são 44 (quarenta e quatro) impactos de caráter social, elencados pelo estudo de impactos ambientais. Entre os impactos mais visíveis nesse processo de transposição, a interferência sobre a pesca, atinge não somente as bacias receptoras, mas também e principalmente a bacia do São Francisco, com a redução do habitat, o volume do rio, a quantidade de espécies de peixe tendem a desaparecer. Antes de tudo, é preciso destacar que o projeto pode acarretar vários problemas de ordem estrutural e financeira para os cofres públicos, pela disponibilidade de recursos pelo Governo Federal. Para Ferreira (2012), é preciso pensar e planejar uma transposição, de forma que a sustentabilidade seja viável e eficiente, revitalizando e protegendo os ecossistemas característicos das margens do rio. Respeitar o leito do rio e seus afluentes, tentar diminuir a perda de água potável, manter os sedimentos e seu nível de descargas controladas, respeitar o sistema biológico do rio e manter a ação da integração da ação humana com essa bacia hidrográfica. Gerando com isso a revitalização desse rio [...]. A partir dessa temática existe uma analise dos fatores que precisam ser respeitado em cada transposição, pois, é de suma importância que se respeite as comunidades locais, os volumes de água dos rios, a fauna e a flora da região e a qualidade da água transposta. Podemos perceber que toda e qualquer transposição resultam em perdas para a região doadora e ganhos para região receptora, gerando um grande conflito de interesses entre as partes. (FERREIRA, 2012:06). A agenda governamental precisa definir claramente sobre os processos, as características e as peculiaridades que estão implícitos no processo de transposição, quais os movimentos que estão sendo feitos para preservar ao máximo as continuidades, respeitando os aspectos sociais, culturais e econômicos de cada território e evitar de forma substancial, as rupturas de modos de vida, tão particulares e tradicionais. Acrescenta ainda que, a implementação do projeto, afetará o regime fluvial do rio São Francisco, que já arrasta grandes problemas como a degradação em sua bacia hidrográfica, como por exemplo, a diminuição constante da mata ciliar, a retirada da vegetação do cerrado e da caatinga para a produção de carvão; e demais fatores que contribuem para a alteração das condições hidrológicas do rio. (ALVES E NASCIMENTO, 2009: 41). Para os pescadores, Rodrigo e Willian, a conclusão da transposição só vai contribuir ainda mais para degradar o meio ambiente e os recursos hídricos, já que vai está tirando uma grande quantidade de água do rio, e que na pratica, não tem como repor, prejudicando e piorando ainda mais a pesca artesanal. “A transposição só irá terminar de acabar com o rio, será retirada uma quantidade de água que o rio não vai ter como se recuperar”. (Rodrigo, entrevista em 18 de junho de 2015). Já para Willian, quando perguntado se a transposição vai piorar ainda mais a situação do rio, responde assim: “Sim, e muito, quanto mais ele prender a água lá e for desviando mais, mais vazante vai ser no rio, vai criando bastante lodo vai influenciar bastante a pesca, ou seja, vai piorar ainda mais a pesca”. (WILLIAM, entrevista em 17 de junho de 2015). A perda constante na biodiversidade interfere diretamente na atividade pesqueira, prejudicando os sistemas e ciclos naturais de reprodução das espécies. O Comitê da Bacia hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), também alerta para a importância do reflorestamento nas margens dos rios que fazem parte do grande complexo hidrográfico do Velho Chico, como uma alternativa capaz de responder positivamente aos processos destruidores que colaboram para o desaparecimento do rio. 4. Notas Conclusivas: A pesca artesanal é sem duvida uma categoria de trabalho que ultrapassa as condições usuais e comuns das formas de produção reproduzidas pelo e no capitalismo, pois, como já foi visto durante todo o trabalho, é uma atividade que tem como formas de desenvolvimento, a arte milenar da pesca, a construção manual e artesanal dos seus instrumentos de trabalho, da apropriação dos espaços e territórios de forma a respeitar o meio ambiente e lutar pela sua perpetuação, das construções simbólicas de pertencimento e convívio, da transmissão oral do conhecimento e da luta diária para a manutenção das suas tradições. Foi visto também, que o sistema de pesca artesanal está ameaçado, tanto pelos usos indevidos dos recursos hídricos, tanto pela formulação e implementação de políticas que procuram fortalecer o desenvolvimento da região nordeste a qualquer preço e custo. A transposição do Rio São Francisco que promete levar desenvolvimento para a região mais seca do nordeste, deve verdadeiramente, promover o maior desastre ambiental para as comunidades ribeirinhas que estão situadas abaixo da hidroelétrica de Xingó, pois é nessa região que se percebe os prejuízos causados pelas barragens construídas ao longo de todo o Velho Chico, um rio seco, com alargamento dos seus leitos, formação de bancos de areias, desparecimento de espécies nativas e concomitantemente, o fim da atividade pesqueira. Em suma, é importante que haja por parte do Estado e da Sociedade Civil Organizada, promover diálogos e debates que busquem alternativas viáveis para socorrer e controlar os implacáveis processos destruidores do Rio da Integração Nacional. O Rio São Francisco pede socorro. 5. Referencias Bibliográficas: ALVES, José Jackson Amancio; NASCIMENTO, Sebastiana Santos do. Transposição do Rio São Francisco: (des) caminhos para o semi-arido do Nordeste Brasileiro. – REA, nº 99, ano IX, 2009. BRITTO, Rosyan Campos de Caldas. Modernidade e Tradição: construção social dos Pescadores de Arraial do Cabo (RJ). – Niterói: EdUFF, 1999. DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Anna. O Mito Moderno da Natureza Intocada; 3º Ed. – São Paulo: HUCITEC: NUPAUB: CEC- USP, 2001. DURHAM, Eunice. A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspectivas. In. A aventura antropológica. Teoria e Pesquisa; (org.) Ruth C. L. Cardoso. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. PP- 17- 38. FERREIRA, Elisabete Cardoso. 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