1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE TEOLOGIA VOCAÇÃO: O CHAMADO PARA SERVIR Cerlândia Aguiar Barbosa São Bernardo do Campo, Novembro de 2003 2 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE TEOLOGIA VOCAÇÃO: O CHAMADO PARA SERVIR Por CERLÂNDIA AGUIAR BARBOSA T RABALHO APRESENTADO À CONGREGAÇÃO DA FACULDADE DE TEOLOGIA COMO REQUISITO P ARA CONCLUSÃO DO CURSO DE BACHAREL EM T EOLOGIA São Bernardo do Campo, Novembro de 2003 3 A Comissão, tendo examinado o presente Trabalho de Conclusão de Curso, o considera _______________________________ _______________________________ Prof. . Josias Pereira Orientador _______________________________ Prof. Dr. James Farris Leitor 4 "Ao sermos vocacionados para Vida fomos postos em sela definitiva e insuperável. Nossa vocação é a partir de outras vocações. A vida que, num ato primeiro, a ti pertence como tesouro intransferível é, na verdade, patrimônio compartilhado com tantos outros e outras que receberam o mesmo presente que nós, todavia com digitais diferentes. Estamos entrelaçados, amarrados, aprisionados e amalgamados com outros como nós. O curioso e irônico é que esta sela está com sua porta e suas janelas abertas. - O quê? Estamos presos aos caminhos de outros e somos livres pelas mãos de outros. Assim, nosso abismo mostra-se ainda mais profundo e convidativo, apaixonante e impactante." Hugo Fonseca - Hu 5 DEDICATÓRIA Dedico esta conquista á minha família: á minha querida mãe Maria, meu pai Francisco e irmãos: Joice Cirlândia e Deybid. 6 AGRADECIMENTOS (Valeu, pessoal !!) Agradeço a todos/as que me apoiaram, pois a amizade é essencial à alma humana. Aos meus pais, Maria e Francisco, cujas vidas de lutas e dedicação permitiram-me estudar mesmo em meio às dificuldades. Às minhas irmãs Joice, Cirlândia e irmão Deybid, pelas brigas e brincadeiras que embelezaram minha infância. À família Campanharo. Percebi que os laços familiares estão acima do vínculo sangüíneo. Ao professor: Josias, meu orientador, pela paciência e incentivo. Suas palavras de vovô marcaram minha vida. Ao professor James, meu leitor, pela atenção e cuidado na análise deste texto. Ao professor Rui, pois suas palavras aqueceram a minha alma e coração. São palavras que ecoam dentro de mim apontando para minha vocação. A mestra Margarida, sempre presente na minha vida. Exemplo de humildade e dedicação. É alguém que fez da vida uma eterna doação. À Igreja Metodista em Presidente Epitácio pela recomendação e orações. À Igreja Metodista em Perequê, aprendi o valor da comunhão. À Igreja Metodista em Vila Mazzei, acolhimento, carinho e reconhecimento. À mestra Elena, minha pastora e amiga de jornada. Com quem pude contar nas tristezas e alegrias. À Thays, menina sapeca. 7 À minha turma “Os Hiatos”, ainda que de modos diferentes, juntos sonhamos e buscamos - Conseguimos! Ao único anjo iluminado e doce que conheci na terra. Elly seu brilho nunca deixará de cessar. A Bate-Caverna, pela alegria de brindar a constante comunhão com os mais que amigos. Lugar onde aprendi o verdadeiro sentido da espiritualidade, lugar de crescimento e enriquecimento teológico Aos amigos do Sul, Simone, Vilquer e Flávia – a distância é pequena para amizades verdadeiras. Ao Luciano Frei amigo “incomparável” e ao Luis Carlos Corno – amigo mor , pelas aventuras no mundo da sétima arte, e outras. Ao João Luiz, amigo de todas as horas, inclusive na digitação dos trabalhos. Graças a você minha vida preto-branco ficou COLORIDA. Aos parceiros hereges da quinta região: Renatinho da Praia, Baiano – o Don Juan -, Dennis – o pimentinha. Ao meu amigo internacional Sthefan “o maluco doidão”. Às minhas amigas Deborah (abelhuda), Priscila (Prê) e Cimara (Cizinha), amantes da vida e da beleza com que ela nos agracia. Aos Santos Mártires, Hugo (só na moral) – amigo e confidente, Malafaia (o profeta), Marquinhos (ovelha), Evandro (Fifi), Carlão (deus entre os homens), Tatuapú, Geison (demônio), João Luiz, Deborah, Luis Carlos, Emanuel, João Aparecido, pela Singela Melodia dos momentos de “Batida”. Ao companheiro João Batista, pelas alegrias do caminho à casa do Senhor. À Vanuza, Socorro que foi bem presente nos dias de angústia. Ao amigo Giovanni pelas aventuras na Selva de Pedra. A todos/as os demais amigos/as que partilharam comigo da eucaristia da vida. Todos/as eternizados, pois sempre os levarei dentro de mim. Agradeço finalmente a Deus, que encontrei em cada uma dessas pessoas citadas aqui. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO _________________________________________________ 10 I. Vocação: O Ponto de Partida _________________________________ 13 I.I Considerações _________________________________________ 13 I.II Os Conceitos de Vocação _______________________________ 15 I.II.I Do Hebraico _____________________________________ 15 I.II.II Do Grego_______________________________________ 16 I.II.III Do Latim ______________________________________ 18 I.III Vocação No Catolicismo _______________________________ 19 I.III.I Vocação, Carisma e Dom ________________________ 20 I.III.II Vocação Comum e Universal de todos/as _________ 22 I.III.III Vocação Cristã ________________________________ 24 I.III.IV Vocações Específicas ___________________________ 25 I.IV Vocação no Metodismo ________________________________ 29 9 I.IV.I Vocação nos Documentos da Igreja _______________ 30 I.IV. II Vocação na Tradição Wesleyana _________________ 33 II. Vocação na Bíblia ___________________________________________ 37 II.I. Introdução ao Tema___________________________________ 37 II.II Vocação no Antigo Testamento_________________________ 39 II.II.I Vocação como Chamado para Missão _____________ 40 II.II.II Características comuns Presentes na Vocação _____ 44 II.III Vocação no Novo Testamento _________________________ 47 II.III.I Vocação como Chamado para Missão_____________ 48 II.III.II Vocação Pastoral para o Serviço ________________ 51 II.IV Vocação Hoje ________________________________________ 56 III. Psicologia e Vocação _______________________________________ 60 III.I Compreensão do Comportamento Humano ______________ 60 III.II A Contribuição da Psicologia __________________________ 61 III.II.I Na Compreensão da Vocação ____________________ 64 III.II.II Na Compreensão das Crises ____________________ 68 III.II.III Na compreensão das Crises Específicas _________ 71 III.III Saúde Integral do/a Vocacionado/a ___________________ 79 CONCLUSÃO __________________________________________________ 83 BIBLIOGRAFIA ________________________________________________ 86 10 INTRODUÇÃO Num primeiro momento, falar de vocação nos dias de hoje é mais do que falar sobre concepções e motivações que levam homens e mulheres a escolherem entre muitos serviços um que se encaixe sempre com seu perfil. É mais do que fazer um teste vocacional, pois vocação é um chamado, que para muitos pode ser divino, mas é um chamado universal para servir. Serviço que proporcione a dignificação da profissão por meio da missão. Essa dimensão de dignificação não diz respeito apenas a vocação para o ministério pastoral, mas aos serviços, ocupações, tarefas, profissões que 11 na sua prestação de serviço, de alguma forma, seja capaz de promover vida. A vocação como chamado para servir revela um horizonte novo na compreensão da vocação, pois ela desvenda, por meio da perspectiva do serviço, a necessidade do agir, fazer e proporcionar ao/a outro/a vida, revela também, àqueles/as que o fazem, sua responsabilidade perante o grupo que indiretamente ou diretamente é privilegiado por meio da sua atividade exercida. Nessa perspectiva de vocação como chamado para servir, o presente trabalho se propõe a esclarecer o sentido da vocação na tradição católica e protestante, na Bíblia e na psicologia. Desta forma este trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro inicia-se com algumas considerações, seguindo uma abordagem do conceito de vocação, etimologicamente no Hebraico, no Grego e Latim. No segundo momento é abordada a vocação no catolicismo enquanto carisma e dom, a diferença entre vocação comum e universal, vocação cristã e vocações específicas. No final deste capítulo é enfocada a vocação no metodismo, segundo os documentos da igreja e como a mesma é vista na tradição wesleyana. 12 No segundo capítulo a vocação ganha um enfoque segundo a Bíblia, iniciando com uma pequena introdução ao tema, seguido de uma análise da vocação como chamado para missão e suas características comuns de acordo com o Antigo Testamento, assim também, se faz a mesma análise da vocação como chamado para missão e pastoral para serviço, desta vez, conforme o Novo Testamento. No terceiro e último capítulo a pesquisa volta-se para a contribuição da psicologia observando-se, segundo ela, a compreensão da vocação, crises e de crises específicas. O capítulo encerra-se como exposição sobre a saúde integral do/a vocacionado/a. 13 I. VOCAÇÃO: O PONTO DE PARTIDA I.I Considerações O termo vocação é aplicado na literatura teológico-pastoral dentro da tradição católica quanto da protestante - tanto para especificar apenas um chamado peculiar ou particular, “o chamado divino”. Dentro dessa dimensão religiosa a palavra sofre um certo reducionismo por representar apenas um caráter sobrenatural, fugindo da dimensão mais concreta da vida humana. Essa dicotomia da palavra vocação dá-se ao fato de que o chamado divino pressupõe a separação/consagração 14 daquele/a que recebe o chamado de Deus, no caso específico do/a pastor/a ou o/a sacerdote/isa (vocação religiosa ou sacerdotal). A palavra vocação como chamado trás uma série de dificuldades para sua compreensão, primeiro por caracterizar a vontade absoluta de Deus sobre o querer e agir humano. No segundo momento a palavra sofre grande influência cultural como histórica, sendo dificílimo entender o seu significado primeiro. Quanto à influência cultural sobre o seu significado, o padre Victoriano Baquero explica que “para o oriental, vocação é ‘chamado especial’ para o ocidental, é uma ‘função’, um cargo, para realizar o bem comum da 1 sociedade” . O uso da palavra vocação, como se vê, não é tão simples como se pensa. Antes de solucionar qualquer questão primordial é necessário delinear alguns aspectos importantes no problema em torno da palavra vocação. Desta forma é preciso saber como ela é apresentada nos dicionários, qual seria o conceito das diferentes culturas, como é apresentada pela tradição protestante e católica e como é apresentada pelas raízes etimológicas. 1 Vitoriano BAQUERO, Tenho vocação? orientações metodológicas, p. 8. 15 I.II Os conceitos de vocação I.II.I Do Hebraico Do verbo e da raiz ad""q" (qārā̉) chamar, avisar, citar, convocar, convidar, recrutar, nomear, denominar, anunciar, proclamar, gritar, clamar, invocar, apelar, chamar nominalmente, , ter o sobrenome de 2. Segundo Coppes, a raiz ad""q" significa basicamente a enunciação de um vocábulo ou mensagem específica. No caso deste último uso, a enunciação é dirigida geralmente a um receptor específico com objetivo de obter uma resposta específica (por conseguinte, pode-se traduzir o verbo por “apregoar”, “convidar”). Umas poucas vezes qārā̉ denota simplesmente um clamor (e.g., SL 147.9: Is 34.14) (...) Os sinônimos que aparecem com maior freqüência são ts/za‘aq, shāwa‘, “clamar urgentemente por ajuda” (Jr 3 20.8) . O verbo (qārā̉ ) também indica quando um nome é especificado, ou seja quando Deus nomeia alguém. Aqui igualmente fica subentendida a seleção para uma determinada tarefa. 2 3 Luis Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, pp. 588 – 589. Leonard J. COPPES, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 1364. 16 Quando o verbo (qārā̉ ) é usado como substantivo (miqrā̉ ) denotando o chamado para um serviço específico, designa primeiramente uma convocação pública ou de caráter exclusivamente religioso; num segundo momento faz alusão a uma leitura feita em alta voz. A raiz comparada com o sinônimo mō‘ēd significa “hora marcada” ou “encontro 4 marcado” . I.II.II Do Grego Do verbo (kaleo ́ ) “chamar” - falar a alguém diretamente ou por meio de um intermediário; suas variações: o substantivo ̃ klếsis chamada, convite – ato de convidar, seria uma convocação oficial feita por meio de uma autoridade, quando feita por um poder militar ou assembléia é “convocar”; o adjetivo ó (klētos), chamado, convidado etc. Segundo o Dicionário Teológico Internacional de Teologia no Novo Testamento, as palavras kaleõ e klêsis no grego clássico raras vezes se empregam para uma vocação divina. Este uso é mais próximo das religiões místicas (e.g. a Ísis), da influência da LXX, e 4 Id. Ibid, p. 1365. 17 especialmente do emprego no NT. A partir daí, kaleÕ toma sobre si as idéias de “reclamar para si” (Herm., 119 B III, 10-11) e “comissionamento” (CPR 18, 9). Em contraste com esta vocação pessoal, os estóicos entendiam klêsis de modo impessoal, significando a exigência que uma posição crítica faz dele, no sentido de ele manter a veracidade e o poder dos seus princípios (cf. Epict., Dissertações, 1, 29, 5 49) . Na sociedade grega o conceito de “vocação” não era entendido como “chamada”, mas era ligada a atividade exercida por alguém dentro da sociedade. Seria uma função ou trabalho exercido por alguém. O termo vocação “permanecia restrito a sacerdotes, e, até certo ponto, àqueles que se dedicavam as tarefas intelectuais e administrativas” 6. Conforme M. Moreno Villa, o grego clássico desconhece que as palavras έ (chamar) e ̃ (chamado) não têm significado primeiramente religioso. Por outro lado, o sentido de vocação interpessoal que encontramos na tradição religiosa bíblica é desconhecido por completo no mundo grego (...) 7. Quando o termo kaleõ (o que ocorria raras vezes), aludia a chamada, referia-se à ordem, nunca um simples convite. Assim sendo, a resposta Coenen LOTHAR & Colin BROWN, Dicionário Teológico Internacional de Teologia no Novo Testamento, p. 350. 6 Id. Ibid. p. 350. 7 Dicionário de Pensamento Contemporâneo, p. 776. 5 18 ao chamado era necessário. Quanto a resposta, o ser humano era livre apara obedecer ou não. I.II.III Do Latim Do latim “vocare”, que significa “chamar”. Segundo José Lisboa Moreira de Oliveira é importante entender a etimologia da palavra “vocação” para que se possa compreender de forma inequívoca seu conteúdo mais profundo. Seguindo este princípio, José Lisboa Moreira de Oliveira afirma: A palavra vocação deriva do verbo latino vocare, que significa simplesmente “chamar”. Ela é, pois, a tradução do termo vocatione, que por sua vez quer dizer chamado, chamada, convite, apelo. Por detrás de todos esses termos está a raiz vox, vocis, isto é, voz. Portanto, vocação quer dizer tão-somente chamamento ou chamado. Nada mais!8. O Dicionário Teológico da Vida Consagrada acrescenta à definição citada duas liberdades: Deus, possuidor da liberdade absoluta, é aquele que chama; o homem e a mulher seriam a liberdade humana, é aquele/a que recebe o chamado. Seguindo o raciocínio proposto pelo presente 8 José Lisboa Moreira de OLIVEIRA, Teologia da vocação: temas fundamentais, p. 19. 19 dicionário, toda vocação autêntica ou chamado autêntico é iniciativa de Deus. Contudo há a preocupação de não reduzir a vocação apenas “ao momento inicial do chamado divino e muito menos à simples resposta do homem e da mulher” 9, para que esse erro não ocorra, a vocação seria entendida como conseqüência de um diálogo entre Deus e o ser humano. Por meio desta definição é possível discernir que a vocação não se reduz exclusivamente a aptidão, contudo ela revela uma conotação de mistério, algo transcecedente. Seria pensar a experiência religiosa a partir da vocação, que só poderia ser entendida a partir de uma realidade teológica. I.III Vocação no Catolicismo O catolicismo reconhece a presença de uma vocação universal para todos/as, contudo destacam-se dentro deste chamado universal diferentes “vocações”: a) vocação comum e universal de todos/as; b) a vocação cristã; c) vocações específicas 10. Antes de analisar como o chamado ou vocação se dá especificamente em cada item dessa 9 Dicionário Teológico da Vida Consagrada, p. 1143. Id. Ibid. p. 1168. 10 20 subdivisão, é necessário esclarecer que ela provém, antes de qualquer coisa, do entendimento sobre carismas e dons. I.III.I Vocação, carisma e dom É possível verificar que a vocação fundamental humana e cristã, se vive de formas bem distintas e particulares. Essa diversidade do viver a vocação dá-se pelo reconhecimento de carismas, qualidades e dons distintos dentro da vocação universal que tem como objetivo favorecer o bem comum, a vida. Nessa perspectiva José Lisboa Moreira de Oliveira argumenta que esses carismas são totalmente diferentes uns dos outros. Praticamente não existem carismas iguais, pois “a cada um é dada a manifestação do Espírito” e sempre “conforme ele quer” (1Cor 12,7.11). Pode-se igualmente pensar numa simultaneidade de carismas, que não deve ser vista apenas como coincidência, no sentido de que vários carismas diferentes coexistem ao mesmo tempo numa comunidade ou numa pessoa. A isso também podemos chamar sincronização, isto é, a relação que perpassa, que acontece entre eles, numa autêntica interação. O carisma não é algo independente, autônomo, só existe na relação de interdependência com os demais: “O olho não pode dizer à mão: ‘Não preciso de ti’. Nem tampouco a cabeça aos pés: ‘Não necessito de vós”’ (1Cor 12,21)11. 11 José Lisboa de OLIVEIRA, Op. Cit. p. 19. 21 Seguindo o conceito acima fica quase que impossível existir uma comunidade sem o carisma. Os carismas não são especificamente dons extraordinários, mas podem existir como “dons mais extraordinários” e “carismas mais ordinários”. Conforme José Dias Goulart o carisma suscita um serviço ou ministério eclesial, que possuem qualidades distintas, porém inseparáveis. É um serviço bem determinado, como a catequese, o ensino, a enfermagem, a coordenação pastoral; É um serviço perpétuo ou de certa duração, e não apenas momentâneo; É confiado pela comunidade a uma pessoa ou 12 grupo . Esse esclarecer do que seria dom e carisma é indispensável porque dentro do catolicismo é impossível fazer referência a vocação sem abordar o tema de carisma, pois este se entrelaça por completo ao dinamismo da vocação. Com as definições dadas sobre carisma e dons aclarou de como os dois temas confundem-se. Contudo é possível a partir dos dados das citações definir: a) dom seria o talento inato, próprio de cada indivíduo, sua capacidade pessoal; b) carisma seria o dom somado a ação de Deus que 12 José Dias GOULART, Vocação: convite para servir, p. 61. 22 é evidenciado por meio do ministério/serviço; c) vocação seria o estar a serviço de Deus, ou seja, a especificidade do chamado para. Ambos não possuem como fim em si mesmos, mas existem para missão, essa é sua finalidade. I.III.II Vocação comum e universal de todos/as O ser humano é chamado primeiramente para viver sua existência que implica na sua liberdade de escolha. O ser humano faz parte de uma criação, a criação de Deus. Ele é uma criatura não como outra qualquer, é um ser social e consciente que no encontro com o outro encontra a si mesmo. Essa vocação comum é o chamado à vida, bem expressa no dicionário Lexicon: A primeira grande vocação identifica-se com o chamado à vida. Toda vida é vocação, e por essa vocação, que é pessoal, a pessoa pode viver em comunhão com Deus, torna-se capaz de dialogar com Ele, de colaborar. A pessoa criada à imagem de Deus por vocações é chamada a realizar-se no nível individual e comunitário em aliança com Ele 13. 13 LEXICON: Dicionário Teológico Enciclopédico, p. 799. 23 Assim sendo, todo ser humano possui uma vocação superior vinda de Deus, que chama e cria para a vida. Essa vocação consiste em cumprir um plano do Criador traçado por aqueles dons que Ele depositou nele/a. Leonardo Boff refere-se a essa vocação como sendo a concretização das potencialidades da personalidade humana. A tarefa da existência é desenvolver o que Deus semeou na vida de cada um. A parábola dos talentos que o Senhor “entregou a cada qual segundo a sua potencialidade” (Mt 25, 14-30) vem aqui ao caso. O Senhor cobra de cada um em dobro os lucros dos talentos. Há que desenvolvê-los, fazê-los render. Traduzido: cada um deve realizar as potencialidades que foram depositadas no ministério da existência humana. Nisso está o processo de hominização. O ser humano não nasceu ainda. Está sempre em gestação e por nascer. O empenho de cada um é criar, com talentos que Deus lhe galardoou, a sua estatura humana. Cada um é e se faz imagem e semelhança de Deus, na medida em que realiza na sua caminhada pessoal a sua humanidade”14. Essa vocação requer a participação do ser humano. Que ele possa responder esse chamado para vida, aceitando a proposta de Deus para usar seus dons a serviço em favor da humanidade. 14 Leonardo BOFF, Crise: oportunidade de crescimento, p. 135. 24 I.III.III Vocação cristã Aqui a vocação é direcionada para Cristo, a união do ser humano com Cristo. O chamado do Criador é dirigido as pessoas de forma individual e se finaliza por meio da salvação universal em Cristo, “para quem toda a história converge como termo e modelo” 15. Esse chamado é evidenciado na participação das pessoas nos sacramentos da Igreja, assim José Dias Goulart coloca: Ora, os cristãos participam dessa missão de Jesus em força do sacramento do Batismo, e mais intensamente pela Crisma. Com Jesus, eles podem e devem conduzir seus semelhantes para Deus, e levar Deus para seus semelhantes. Nisso consiste o “sacerdócio cristão” de todos os fiéis batizados16. Este chamado se concretiza na comunhão com Deus por intermédio de Cristo. E sendo a Igreja o sinal e mensageira do reino de Deus - “ela é a expressão do desejo da trindade de se encontrar com a humanidade” ... “é iniciativa divina, a Igreja se apresenta à humanidade como lugar que Deus nos oferece para contato, para o encontro, para comunhão com 15 16 Lexicon: Dicionário Teológico Enciclopédico. Op. Cit, p. 799. José Dias GOULART, Op. Cit, p. 89. 25 Ele” 17 – é o lugar próprio na realização do chamado que se faz por meio dos dons particulares. I.III.IV Vocações específicas No que diz a respeito às vocações específicas, convém, antes de tudo, fazer algumas considerações a respeito da evolução das Instituições Ministeriais, pois por meio dela o conceito de vocação como chamado especial restringiu-se apenas as autoridades eclesiásticas. As vocações específicas constituem os elementos fundamentais da vida e da missão da Igreja, além de enriquecer a mesma com a diversidade de carismas. Seria um tipo de serviço que Deus determina para desenvolver o dom específico da pessoa. Esse serviço é bem abrangente, pois possui várias áreas de atuação. Contudo, por volta do terceiro século, com a evolução das Instituições Ministeriais é ampliada uma noção de sucessão apostólica por Santo Irineu, bispo de Lião. Visão essa que permanece até hoje na tradição religiosa, tanto no catolicismo quanto no protestantismo. Essa compreensão de sucessão apostólica tinha como objetivo primordial 17 Id. Ibid. p. 49 26 garantir a autencidade do ensinamento da palavra de Deus, também visava uma certa legitimidade da instituição dos ministros 18. Entende-se daí que a figura do clérigo, sacerdote, pastor, ou seja a autoridade religiosa é conexada ao “processo de institucionalização da Igreja cristã e das lutas posteriores instituídas dentro do campo religioso” 19. Com esse processo fica fácil entender que a vocação compreendida pelo catolicismo é totalmente ligada ao clero. Desta forma o chamado divino justifica a eleição daqueles que foram vocacionados por Deus para uma vida religiosa, principalmente a de ordem hierárquica. Com a realização do Concílio Vaticano II ouve uma ampliação do conceito de vocação e houve mudanças significativas nas estruturas da vida religiosa. Retratando as mudanças ocasionadas por meio do Concílio Vaticano II, José Lisboa Moreira de Oliveira coloca: A partir do concilio Vaticano II voltou-se a perceber a Igreja como sendo “o povo reunido na 18 19 André LEMAIRE, Os Ministérios na Igreja, p. 60. Leonildo Silveira CAMPOS, Contribuição das Ciências Sociais para uma Analise do Perfil do Estudante de Teologia Candidato a Pastor Protestante. Trabalho realizado para o Simpósio da Aste, onde o tema de estudo era “A prática do cuidado pastoral em instituições teológicas. 2002. p.4. 27 unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Esta nova visão da comunidade eclesial contribuiu muito para re-definição da vocação, vista agora como chamado à comunhão com o Pai, pelo filho, no Espírito Santo. A partir do Vaticano II vai-se configurando cada vez mais esta dimensão trinitária: “Cada vocação está ligada ao designo do Pai, à missão do Filho, à obra do Espírito Santo. Cada vocação é iluminada e fortalecida à luz do mistério de Deus”. Ao realçar esta dimensão trinitária da vocação os textos acima mostram também a ligação que existe entre a vocação, a vida e conseqüentemente a espiritualidade. A vocação passa a ser entendida como relacionamento pessoal com Deus vivido no interior de uma comunidade bem concreta. Deus chama para um encontro com Ele, a partir das solicitações de um povo que sofre (CF. Êx 3,110;Jr 11,4-10). A vocação é, pois, uma “sedução” (Jr 20,7), uma “conquista do coração” (Os 2,16) por parte de Deus, para uma vida de intimidade, de comunhão com Ele. É um convite para ficar com Ele, para participar da sua vida (cf.1Ts 4,17;Jo 17,24;1Pd 5,1)20. Embora as mudanças provocadas a partir do Vaticano II, os religiosos foram, de certa forma, nomeados os/as “vocacionados/as de Deus”, àqueles/as que são consagrados/as a fazerem uma obra muito especial de caráter divino. É desta forma que popularmente se vê um/a cristão/cristã com um chamado distinto para o exercício do ministério dentro da Igreja. José Lisboa Moreira de OLIVEIRA, Teologia http://www.ipv.org.br/teologia%20e%20eclesiologia.htm. 20 e eclesiologia da vocação. 28 Entretanto nota-se que o modo de entender vocação está mudando aos poucos, ela se torna paulatinamente mais abrangente, não apenas de caráter religioso. Com essa abertura dentro do catolicismo, a vocação ganha uma conotação de envolvimento e passa a ser mais direcionada para a missão, ou seja, o compromisso com a vida. Como se encaixaria as vocações específicas neste contexto? É simples, pois o seu serviço estaria na mesma dimensão da vocação universal e da vocação cristã, isto é, direcionadas na promoção da vida. Embora seja uma vocação ligada a Igreja, não descaracteriza seu objetivo de envolvimento com a comunidade, ou seja, fazer missão (servir), por meio da promoção da vida. Na grande maioria das literaturas que retratam o tema das vocações específicas, elas são subdivididas para melhor dinamismo e compreensão das mesmas. Além do mais, cada cristão tem sua vocação específica; alguns/mas são chamados/as por Deus para exercerem o sacerdócio ministerial, para serem leigos/as, para terem uma vida consagrada, para serem ministros/as ordenados/as. Essas seriam vocações vividas e desenvolvidas na Igreja. 29 I.IV Vocação no Metodismo É oportuno esclarecer que a fundamentação teórica a respeito da vocação dentro do metodismo é restrita e limitada, por não disponibilizar de estudos sistemáticos, seja na área de teologia como da sociologia. Por isso, as fontes mais viáveis são os Documentos da Igreja. Max Weber fazendo alusão ao tema de vocação, na sua crítica à ética protestante a partir da idéia do capitalismo, acreditava que o metodismo “como produto tardio não ajuntou nada de novo ao desenvolvimento da idéia da vocação”21. Talvez esse fato se deu pelas influências que o metodismo sofreu ao longo do seu processo de formação. Contudo, Weber não teve acesso aos Documentos da Igreja, que retratam e fazem uma leitura crítica sobre o pensamento de Wesley para os dias de hoje. É a partir da elaboração e prática desses documentos que a Igreja deixa de ser centralizadora e passa a ser participativa, permitindo, assim, uma 21 Max WEBER, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, p. 101. 30 maior ação do Espírito Santo, já que “os dons são instrumentos que o Senhor dá à sua Igreja para o desempenho de sua missão”22. I.IV.I Vocação nos documentos da Igreja Esses documentos não falam diretamente o que seria vocação, mas este tema, ou a sua retratação está subentendido dentro de Dons e Ministérios. Não obstante a formulação do que é vocação no ministério pastoral na Igreja Metodista desvenda-se, também, à luz das tradições wesleyanas. Falar de Dons e Ministérios é pensar sobre carismas e serviço que pressupõe de forma direta o chamado para exercê-lo. Pautando-se nesta premissa verifica-se uma relação especial entre o serviço, dons e ministérios com a dinâmica da Igreja, na sua manutenção e na propagação dos Sinais do Reino de Deus. É nesta relação de comprometimento e conexidade entre dons, carismas, ministério e Igreja que a vocação se faz presente, pois se testifica os/as que são vocacionados/as a partir da execução do seu serviço por meios de dons e carismas na promoção da missão do Reino 22 A Igreja de Dons e Ministérios: a visão dos Bispos Metodistas. Piracicaba, Agentes da Missão, 1991. p. 33. 31 de Deus. É desta forma que o documento “Igreja Ministerial: Desafios e oportunidades” acentua o princípio da vocação. Todos os homens e mulheres que hoje aceitam a Jesus Cristo, numa autêntica experiência de espiritualidade comprometida, encarnam a missão do Filho de Deus, do Pastor e do Servo de Deus. Deste modo, estão a serviço de Deus que os vocaciona para a missão no mundo. O pomo central daquelas imagens é o serviço prestado ao Reino de Deus, em face de seu chamado. Deus vocaciona e municia para as tarefas do Reino. Entende-se, por isso mesmo, que os serviços, dons, carismas e ministérios distribuídos pelo Espírito Santo (1 Co 12.1-11; Ef 4.7-16) são as ferramentas para a participação na missão 23 divina . Essa citação respalda que aqueles/as vocacionados/as para a missão de Deus deverão ter dons que expressem serviço. Serviço prestado a Deus como ao próximo, ou seja a humanidade em sua totalidade. Wesley entendia que de nada valia os dons sem a experiência da graça divina. “Os dons para ele eram o reconhecimento do chamado do Espírito e os frutos, a comprovação na prática da graça e dos dons” 24. Bispos da Igreja Metodista. Igreja Ministerial: Desafios e Oportunidades. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1991.p. 35. 24 Colégio Episcopal da Igreja Metodista. Carta pastoral sobre Dons e Ministérios. p. 16 23 32 A retratação dos Dons e Ministérios dentro da Igreja Metodista surge para resgatar o princípio do “sacerdócio universal de todos os crentes” 25 há muito esquecido. Cada pessoa, com seu dom, pode exercer seu ministério, promovendo a missão e o estabelecimento do Reino de 26 Deus . Assim sendo, um ministério passa a ser visto, conforme o livro “Dez anos de Dons e Ministérios”, como: Um MINISTÉRIO é assim, um serviço que traz um benefício real e concreto a alguém ou a algum grupo de pessoas. Este é precisamente o sentido do ministério pastoral e deve ser o sentido dos diferentes ministérios dos leigos 27. Deste modo, a idéia de “sucessão apostólica”, que dava a conotação de poder/status as autoridades religiosas, foi desfeita. Como ao mesmo 25 Lutero Desenvolve no cenário da Alemanha e Europa uma doutrina chamada “Sacerdócio Universal dos Cristãos” que tinha como objetivo a valorização da participação de todos os cristãos sem distinção, inclusive com os clérigos. Lutero acreditava que a visão de uma hierarquia institucionaliza era reduzir a dime nsão da Comunhão dos Santos. Essa maneira de compreender a Igreja possibilitou uma nova forma de organizar a mesma, pois, os clérigos agora eram vistos como colaboradores de uma obra maior. E o povo também poderia participar juntamente com os clérigos dess a obra. Houve, desta forma, uma nova compreensão do que seria o sacerdócio, pois ele deixou de ser ligado apenas à ordenação, dessa maneira, a participação do laicato tornou-se maior, em conseqüência da sua valorização. A partir dessa compreensão do sacerd ócio universal, todos eram vistos como que “chamados” a participarem do sacerdócio universal de cristo. De acordo com esse conceito, o ministério pastoral foi entendido como um ministério entre outros. Assim, o dom é para serviço e não uma forma de ganhar status ou poder dentro da Igreja. – JOSGRILBERG, Rui de Souza & REILY, D.A. A reforma da Igreja e dos ministérios. In: Dons e Ministérios, fontes e desafios. Piracicaba, Imprensa Metodista, 1991. pp. 50-53. Clóvis Pinto de CASTRO & Magali do Nascimento CUNHA, Forjando uma nova Igreja: dons e ministérios em debate, pp. 34-35. 27 Dez Anos de Dons e Ministérios. Piracicaba, Agentes da Missão, 1995. p. 18. 26 33 tempo, a idéia de cargo é poder, “ao contrário dessa conotação, um Ministério é serviço que deve ser exercido ao lado de outros ministérios, 28 no conjunto do corpo de Cristo” . Ao tratar o que seria vocação dentro dos Dons e Ministérios, pressupõese o reconhecimento de uma vocação que não se fecha ao individualismo de uma eleição particular, mas uma vocação para a missão prevista e um serviço. I.IV.II Vocação na tradição Wesleyana A vocação em Wesley encontra-se nesta dimensão de missão e, foi a crença na prática dessa mesma dimensão que impulsionou Wesley em sua caminhada de renovação da sociedade inglesa, como também o manteve firme em sua vocação 29. É bom destacar que Wesley acreditava que quem se sente chamado por Deus não pode viver de modo algum de forma intimista ou individualista. Por isso, a dimensão cristã da vocação é, ao mesmo tempo, também uma dimensão eclesial. Deste modo, a idéia de vocação 28 29 Id. Ibid. p. 18. Francis Gerald ENSLAY, João Wesley, o evangelista, p. 43. 34 supõe o serviço. Essa verdade pode ser observada na frase que Wesley fazia questão de repetir sempre: Dizia Wesley que o “Cristianismo é essencialmente uma religião social, e torná-lo uma religião solitária é destruí-lo... O evangelho de Cristo não conhece outra religião senão a religião social; nenhuma santidade senão a santidade social”30. Desta maneira, averigua-se que a vocação no pensamento de Wesley possuía esse caráter comunitário e social. A vocação não é desenvolvida no aspecto puramente individual ou solitário, mas com um aspecto de envolvimento com outras pessoas. A vocação teria aqui um aspecto coletivo, só é possível desenvolver a vocação com a coletividade, ou seja, no encontro com o outro é possível viver o chamado de Deus. Esse chamado foi encarnado da forma mais profunda na vida de Wesley e experimentado por toda uma geração que necessitava ser salva, não apenas da alma, mas integralmente. Então é possível dizer que Wesley, a partir do que ele foi e significou para 30 a Inglaterra Id. Ibid. pp. 37-38. do século XVIII, foi realmente um homem 35 vocacionado. Pois foi chamado “para reformar a nação e espalhar a santidade de Deus por toda terra” 31. Todos que encarnaram esse chamado especial de Deus para reformar a nação da Inglaterra, estavam vocacionados para viverem uma vida cristã dentro da Inglaterra que surtisse efeito, que apontasse os sinais do Reino de Deus. Wesley conseguiu encarnar na sua época, o caráter mais profundo da vocação, pois ele nunca quis que o seu ministério fosse movido só por interesses, na verdade o seu ministério foi sempre abdicar de alguma coisa: ele abdicou muito da carreira acadêmica; ele abdicou do salário que ganhava, retirando do mesmo, o suficiente para sua manutenção (o 32 mínimo necessário), o restante ele doava . Compreende-se que a vocação de Wesley tem aspectos muito próprios de doação, de confiança no outro, confiança nos companheiros, confiança no movimento metodista, mesmo sendo rejeitado pela igreja da Inglaterra. IGREJA METODISTA. Ecumenismo: carta pastoral do colégio episcopal da Igreja Metodista. (Biblioteca Vida e Missão, pastorais, 4). p. 35. 32 Richard P. HEITZENRATER, Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 127. 31 36 Seus atos só vêem testificar o seu chamado e a sua vocação para servir, proporcionando por meio do seu ministério os Sinais do Reino de Deus, que se tornaram visíveis aos desesperançosos de sua época. Heitzenrater, de forma singela, comenta sobre a vocação de Wesley: A maneira pela qual o próprio Wesley via o seu chamado, raramente constrangida pela humildade, estava visivelmente estampada em sua vida longa e ativa, e refletida na inscrição gravada em sua lápide atrás da Capela na City Road: “esta grande luz surgiu pela singular providência de Deus, para iluminar estas nações, e para reavivar, reforçar e defender a doutrina apostólica pura e prática da Igreja Primitiva, que ele continuou a defender tanto por seu trabalho como por seus escritos, durante mais de meio século; e quem, para sua inexprimível alegria, não apenas viu sua influência se estendendo, e sua eficácia sendo testemunhada nos corações e nas vidas de muitos milhares, tanto no mundo ocidental como nestes reinos, mas também, muito acima de todo o poder e expectativa humana, viveu para ver a provisão feita, pela singular graça de Deus, para sua continuação e estabelecimento, para a alegria das futuras gerações” (...) 33. João Wesley foi um dos grandes personagens religiosos da história, como também, do nosso tempo. Por uma série de circunstâncias, mostrou seu caráter humano. Realmente foi um modelo, do ideal concreto do que seria vocação, o chamado para servir. 33 Id. Ibid. pp. 324 - 325. 37 II. VOCAÇÃO NA BÍBLIA II.I Introdução ao Tema Por meio da abordagem que o primeiro capítulo trilhou, verificou-se que vocação é muito mais do que um chamado individual, não é apenas uma relação vertical, mas tem uma dimensão horizontal. Noutras palavras, seria um chamado para missão, um envolver-se com toda criação, proporcionando por meio do serviço a promoção da vida em toda a sua amplitude. 38 Conferiu-se que nessa vocação há o reconhecimento dos dons e carismas especiais que caracterizam o porquê do chamado divino, como também, seriam eles, uma fonte perceptível para o seu discernimento. Quanto ao chamado compreendido para o ministério dentro da Igreja, a Instituição é apenas uma forma jurídica e canônica de reconhecimento e autentificação da consagração especial que supõe o chamado de Deus. (...) a Igreja entende que o carisma pastoral não é apenas individual: “Ele precisa de reconhecimento e sua integração ao carisma da Igreja como uma dimensão de sua apostolicidade. Esse fato é assinalado de modo visível quando a 34 Igreja ordena para o ministério pastoral” . O segundo capítulo propõe seguir esse horizonte apontado pelo primeiro, vocação como chamado para servir. Deus chama para uma missão, mas qual seria essa missão? Será que esse chamado é limitado apenas numa relação entre aquele que foi chamado e Deus? Será que o chamado de Deus é totalmente claro e explicito? Será que é possível apontar um padrão único para determinar aqueles/as que são vocacionados/as por Deus para exercerem um certo serviço? 34 Edílson de Assis VOLFE, Saúde Integral: uma abordagem desde a vocação pastoral até a conclusão do curso de teologia na UMESP. São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 2003. p. 60. 39 Com essas perguntas pretende-se verificar como procede a vocação ou chamado divino no Antigo e no Novo Testamentos. Primeiramente podese apontar que a esse chamado não segue um padrão único, mas há varias áreas de atuação, pois a vocação é muito abrangente e dinâmica. Daí se dá a necessidade de analisar as circunstâncias do chamado de Deus e suas diferenças peculiares nas narrativas do Antigo e do Novo Testamentos. II.II Vocação no Antigo Testamento Os relatos típicos de vocação no Antigo Testamento são bem diferentes entre si, contudo continuamente traçam um objetivo concreto dentro da história. Deus sempre tem a iniciativa de escolhe alguém para cumprir a missão de orientar o seu povo eleito. Seja qual for a dimensão que se tome para analisar esse chamado, a nota dominante será sempre a de missão, a do serviço para o bem estar comum, ou seja, a promoção humana. 40 II.II.I Vocação como chamado para missão A definição de Leon-Dufour, vem de encontro à abordagem de vocação como missão neste segundo momento da análise do termo vocação como chamado para servir. Vocação, a partir da compreensão de Leon-Dufour, é o chamado que Deus dirige ao homem e a mulher a quem Ele escolheu para si e que destina a uma obra especial no seu plano de salvação, há, portanto, uma eleição divina; no seu termo, uma vontade a cumprir. Não obstante, a vocação acrescenta algo à eleição e à missão: um chamado pessoal dirigido à consciência mais profunda do indivíduo, produzindo uma reviravolta na sua existência, não só nas condições exteriores, mas no coração, fazendo dele/a um/a outro/a homem/mulher 35. Na Bíblia, o tema da vocação está em relação estreita com os de eleição e missão (...) A eleição e as diversas vocações são sempre para um serviço ou missão, dentro do projeto divino de 36 salvação do mundo . A ocasião em que se dá o chamado de Deus varia de modelo, mas permanece a premissa da missão. Esse objetivo está implícito no 35 36 Xavier S. J. LEON-DUFOUR, Vocabulário de Teologia Bíblica. p. 1099 -1102. Dicionário Teológico da Vida Consagrada. Op. Cit. p. 1143. 41 chamado de Moisés (Êxodo 1.8-14; 2.23-25; 3.7), Gideão (Juízes 6.118), Isaías (6. 1-9), Jeremias (1.1 –10), Ezequiel (1.1-28 b,3 –15) e outros. Nesse processo de vocacionar é possível dizer que Deus é aquele que chama, é Ele que cria a situação e capacita para a determinada missão. No Antigo Testamento esse chamado sempre acontece em momentos críticos, onde a vida é ameaçada e a paz é rompida pela injustiça. É neste contexto que Deus vocaciona alguém, chama e envia para missão de restabelecer a ordem, resgatar a esperança perdida e a justiça abalada, dando harmonia necessária para uma vida plena. De acordo com Machado Siqueira esses momentos conflituosos servem ... como pano de fundo do chamado divino, devem ser vistos como parte de todo o drama do vocacionado. Na Bíblia, o motivo do chamado é a ameaça de vida e de paz sobre a terra. São momentos de grande inquietação. Entretanto, é aí que Deus convoca pessoas para resgatarem a esperança e devolverem a justiça e o bem estar 37 na comunidade . Seguindo esse raciocínio, Tércio Machado Siqueira, discute e analisa a vocação 37 a partir de um chamado para missão, enfatizando a Tércio Machado SIQUEIRA, Vocação e Compromisso. In: Vocação, Ministério para Ministério. São Bernardo do Campo:Editeo. p. 9. 42 necessidade de verificar as circunstâncias em que se dá o chamado, pois é por meio dessa investigação que se dá à possibilidade de tratar a vocação profética como pastoral. O sentido da vocação na Bíblia, em concordância ao artigo Vocação, Ministério para Ministério é primeiramente (...) necessário ao projeto de Deus; segundo, percebemos que vocação é aquilo que Deus faz e quer para o bem-estar do mundo; terceiro, o chamado é determinado por Aquele que chama, e nunca pela experiência e decisão da pessoa; quarto, a legitimação do vocacionado vem de Deus, e nunca da família, posição social, dinheiro, formação intelectual, ou qualquer outro fator. Assim, o chamado acontece num diálogo cuja iniciativa é de Deus, em vista de uma missão que possui uma dimensão tão ilimitada quanto o 38 universo e tão incompreensível quanto o amor . A gratuidade da vida, da vocação, dos carismas e dos dons fazem parte da iniciativa exclusiva do amor de Deus que se propõem à liberdade humana com infinito respeito e solicitude. Desta forma, o chamado não agride a liberdade do ser humano, visto que a vocação é a originalidade do diálogo para o qual Deus convida a todos e todas. Segundo o Lexicon a vocação é vista como 38 Id. Ibid. p.10. 43 ... um dom para uma missão. Deus chama cada pessoa a ser a manifestação do seu amor pela humanidade. Por isso Deus chama para enviar cada um ao serviço dos irmãos determinado pelos dons particulares com que o enriqueceu (cf. Ex.3; 4,1-19; LG 11; AG 2,5,36)39. É significante notar que o termo kalēo (έno seu sentido mais profundo significa serviço e dedicação. Essa vocação tem como objetivo incumbir aquele/a que foi chamado/a para uma tarefa. Esse chamado implicará muitas vezes no sofrimento por amor a Deus. A situação de isolamento, solidão e muitas vezes antipatia provocados pela missão, trazem aos vocacionados medo e temor diante da responsabilidade proposta pela missão. Entretanto, Deus capacita e qualifica aqueles/as 40 que estão desprovidos/as de qualquer habilidade . Essa missão na qual Deus chama não fica limitada apenas no espaço da comunidade eleita, no templo, mas tem uma grande amplitude. Pois exigem do/a vocacionado/a diversidades de atuação, seja no âmbito da comunidade, política-econômica-social, como mais estrito nacional e mais amplo, como internacional 41. LEXICON: Dicionário Teológico Enciclopédico . Op.Cit. p. 799. COENEN, Lothar. Dicionário Internacional de Teologia no Novo Testamento vl.I Op.Cit. p. 353. 41 Tércio Machado SIQUEIRA, Op. Cit. p. 11. 39 40 44 Nos relatos do Antigo Testamento, a realização dessa missão, raramente trouxe a nenhum privilégio, sucesso, lucro e reconhecimento. Ao contrário, trouxe dissabores e sacrifícios. Contudo a maior recompensa é saber que diante das dificuldades enfrentadas, da solidão angustiante, do não reconhecimento, houve uma vitória. O caminho da libertação foi aberto por alguém que aceitou o doloroso desafio de fazer missão. Mesmo que esse não concluísse com a missão proposta, foi ele que abriu o caminho para que outro dê continuidade. II.II.II Características comuns presentes na vocação Em contra partida, o Dicionário Teológico da Vida Consagrada faz uma comparação dos relatos de vocação contidos no Antigo Testamento, observa-se que a partir dessa comparação é possível dizer que eles seguem uma linha bem próxima. Tendo em vista que é possível pontuar algumas características comuns entre esse chamado o referido Dicionário faz o seguinte esquema: a) Verifica-se que em todos os relatos sobre a vocação, há uma introdução que descreve o ambiente, as condições históricas, a data do episódio do chamado; 45 b) Há a presença de uma revelação ou teofania. Seria a presença de Deus chamando o/a vocacionado/a para sua missão específica. Essa manifestação se faz por meio de uma visão ou audição. c) Há uma tarefa a fazer, é necessário cumprir uma missão. Contudo há sempre uma objeção por parte do/a convocado/a, por isso essa missão é confirmada por meio da assistência constante de Deus. Essa assistência é bem expressa na frase “Eu estarei contigo” ou por outras expressões equivalentes. d) Pela confirmação da missão. Um sinal sempre garante ao/a vocacionado/a que foi Deus quem o enviou. Seria esse sinal a capacitação para o cumprimento da missão, manifesta muitas vezes por uma investidura solene, seja no sentido sacramental ou de consagração. e) E a conclusão que encerra o episódio que muitas vezes trás o resumo de um tema básico, aprovando mais uma vez o objetivo da missão e o seu caráter libertador 42. 42 Dicionário Teológico da Vida Consagrada. Op. Cit. p. 1144. 46 Essas características comuns estão presentes principalmente nos episódios da vocação de Abraão, Moisés, Josué, Gideão, Sanção, Isaías, Jeremias e Ezequiel. Em alguns momentos haverá uma certa divergência em um ponto e outro, mas na maioria o esquema proposto pelo Dicionário é bem válido. Embora o Dicionário tenha apontado um padrão único para verificar os vocacionados por Deus ou como se dá esse processo de chamado, ainda assim, não é possível dizer com toda certeza se esse esquema é válido para todos e todas, como também se é possível aplicá-lo para os dias de hoje. Tendo em vista que a vocação é um chamado fundamentalmente dinâmico - não é estático e muito menos linear – ela (vocação) não é concedida ao homem e a mulher uma única vez e já pronta, mas se 43 constrói no dia a dia . Entretanto, verifica-se em todos eles, a necessidade de libertação e da promoção da vida. Coincide também, que aqueles/as que foram chamados/as para cumprirem essa missão, sentiam-se incapacitados/as e frágeis para fazê-lo. Mas nesse ambiente de medo e temor Deus estabelece como promessa a sua companhia, estímulo e capacitação. 43 Fernando A. FIGUEREDO, Elementos Evangélicos e Teológicos da Vocação. In: Revista Convergência. Dez, 1997, ano VI, Nº 64, Vozes, Petrópolis. p. 607. 47 Averiguou-se neste último ponto, que os profetas não são apenas ensinadores de costumes, práticas e piedade – visão que se tem popularmente – mas homens que fizeram conhecer publicamente à vontade de Deus nas situações mais difíceis e concretas na história de um povo que lutava para viver uma vida melhor. II.III Vocação no Novo Testamento Para se falar de vocação no contexto do Novo Testamento, neste segundo momento da pesquisa, conforme a sugestão do Tércio Siqueira, é necessário “tirar o pó de uma palavra chave”, ou seja, esclarecer “apóstolo”, palavra que tem suma importância na compreensão da vocação ou chamado de Deus. O termo apóstolo (enviar ou enviar para longe), será a palavra que destrinchará muito da compreensão dada a vocação neste segundo momento. Apóstolo no contexto do Novo Testamento é uma junção da preposição apo “de” (para longe), com o verbo “stello” (colocar, aprontar). No Novo Testamento, um apóstolo é um enviado ou emissário com poderes de representar quem enviou. Assim, há uma conexão direta e estreita entre o enviado (apóstolo) e aquele que o enviou. Este conceito de apóstolo traduz perfeitamente o 48 sentido do verbo hebraico salah “enviar”, no Antigo Testamento 44. A Igreja Cristã associa de forma bem clara o/a “enviado/a” como “missionário/a”, mas o Antigo Testamento não tem essa compreensão muito clara e sim distinta uma da outra. O verbo salah, embora não compreendido claramente no Antigo Testamento, como citado acima, tem uma função de destaque no evento do êxodo (libertação de Israel da escravidão exercida pelo Egito). O seu uso nesta conjuntura é muito significativo, pois o seu sentido está ligado à concepção de missão de libertar o povo cativo e resgatar à vida plena dos escravos hebreus com seus familiares. O libertar não seria apenas livrar de um contexto de escravidão, mas vai além, a missão também é proporcionar um novo recomeçar, a partir de uma terra para plantar e morar45. II.III.I Vocação como Chamado para Missão Seguindo o apontamento do item anterior, o termo “enviar” está ligado ao termo “vocação” como chamado para missão, fica, pois, evidente que Tércio Machado SIQUEIRA, “Tirando o Pó das Palavras”. In: Mensageiro. Boletim informativo da Igreja em Vila Mariana. 31 de Agosto de 2003. 45 Idem. 44 49 é impossível desassociar a vocação como um exercício para a realização da missão. É desta forma que o dicionário Lexicon aponta a vocação 46 como “um dom para uma missão” . Paulo Garcia em seu texto “Bases Bíblicas para Missão” define o que seria missão e o seu caráter de “envio” no contexto no Novo Testamento. A palavra missão origina-se do latim “missio” ou “missiones”. O sentido da palavra é: enviar para. No sentido mais amplo, a palavra denota, também, a idéia de libertação, soltura (de um preso) e despedida. Nessa etimologia, percebemos a relação que há de missão com envio, partida. Deste modo, missão não é um substantivo comum, mas denota ação, movimento. Cumprir a missão é aceitar o envio. Ser enviado, pressupõe sair de um lugar, de uma situação e buscar um outro lugar ou uma outra situação. A verdadeira missão quebra as amarras 47 da constância e da estabilidade . Verifica-se acima que a missão é relacionada com envio para uma determinada tarefa. Tarefa que não se realiza sozinha, pois para haver missão é necessário o encontro com o/a outro/a. Encontro que possibilite a percepção da necessidade de uma ação, do movimento. Neste aspecto, de certa forma, a vocação liga-se diretamente aos 46 47 LEXICON: Dicionário Teológico Enciclopédico . Op. Cit. p. 799. Paulo Roberto GARCIA, Bases Bíblicas para a Missão. Seminário efetuado na disciplina Missão e Evangelização – docentes: Clovis Pinto de Castro e Magali do Nascimento Cunha – p. 11. 50 próprios atos de Jesus que sempre viveu em coletividade, vivendo por meio dela, o encontro com o outro. Assim, é possível dizer que a vocação de Jesus Cristo é desenvolvida com os próprios amigos, ele sempre se encontrou rodeado, até mesmo num círculo mais íntimo dos discípulos e dos apóstolos, que sempre caminharam junto com ele48. Seguindo o parâmetro apontado por Jesus Cristo ao longo de sua jornada salvívica do encontro com o outro, é possível aquele/a que é vocacionado/a na sua prática de missão encontrar a fase do/a outro/a. É esse encontro o gerador da busca de novos horizontes. Horizontes que direcionam os oprimidos a uma vida mais humana. De acordo com Paulo Garcia, no livro Vocação, Ministério para Ministério 49, todos/as os/as cristãos/ãs são chamados/as – vocacionados/as a testemunharem por meio da ação, como também, possibilitarem a outros/as essa vida. A vocação toma aqui uma nova direção, além do seu caráter de missão, ela é um chamado para o amor (Vocação é comportar-se como Jesus Cristo se comportou ao longo de sua vida). A vocação é um chamado 48 49 André LEMAIRE, Op. Cit. p. 12. Paulo Roberto GARCIA, Vocação e Responsabilidade. In: Vocação, Ministério para Ministério. São Bernardo do Campo: Editeo, 1992.p. 14. 51 para exercer por meio do serviço o amor. Seria esse o amor expresso nas palavras de Teresa de Lisieux, citada por Oliveira? Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno. Então, delirante de alegria, exclamei: ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor 50. Esta visão de vocação transmite a grandiosidade do chamado para viver a missão. A vocação é fazer missão, é servir, é amar o/a outro/a no seu encontro. Não é apenas uma relação pessoal com Deus, mas é um chamado à participação da vida com o/a próximo/a, é compartilhar, é dar a vida em defesa da vida 51. II.III.II Vocação pastoral para o serviço José Lisboa Moreira reconhece que dentro desta responsabilidade comum da vocação para fazer missão ou da “vocação primeira de anunciador da Vida” 52, a distinção da vocação pastoral (ministério pastoral) como uma vocação especial dentro da Igreja. Pois essa 50 José Lisboa Moreira de OLIVEIRA, Teologia http://www.ipv.org.br/teologia%20e%20eclesiologia.htm. 51 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia http://www.ipv.org.br/teologia%20e%20eclesiologia.htm. 52 GARCIA, Paulo Roberto, Vocação e Responsabilidade, p. 14. e eclesiologia da vocação. e Eclesiologia da Vocação. 52 vocação cumpre o caráter de “orientação e capacitação do povo de Deus em sua prática de vida cristã” 53. A prática de diaconia ao povo de Deus consiste, inicialmente, em despertar e alimentar a consciência de povo missionário, a serviço do Reino de Deus. A vocação ministerial é tarefa profética. (...) É tarefa desses vocacionados atuar na capacitação do povo de Deus. A vocação ministerial é tarefa pedagógica. (...) É tarefa do ministério pastoral estar desafiando e auxiliando o povo de Deus a viver uma vida verdadeiramente comunitária. A vocação ministerial é tarefa de organização do povo de Deus54. Em vários casos, a tarefa do ministério pastoral é refletida na função de direcionar a Igreja. Entretanto, o cerne do ministério é o “serviço”, é a premissa da “diaconia” ( ). Por isso, o desempenho primeiro do ́ ministério é servir, ajudar no desenvolvimento, aperfeiçoamento e na 55 ordenação dos dons . Essa vocação ministerial, que tem como tarefa sustentar e organizar o povo de Deus, também é retratada na pesquisa de Ana Claudia Figueroa. Na pesquisa, é colocada a necessidade de que os candidatos fossem qualificados para essa função, pois somente com capacitados 53 Id. Ibid. p. 14. Id. Ibid. p. 15. 55 Arnold BITTLINGER, Dons e Ministérios, p.27. 54 53 seria possível “garantir o seu reto exercício, propiciar uma certa garantia para a comunidade diante dos desafios externos e internos”56. Quanto ao caráter profético da vocação ministerial, Ana Claudia Figueroa coloca em sua pesquisa da seguinte forma: (...) O carisma profético em 1Tm 1.18 e 4.14 é ordenado exclusivamente para o ministério, como 57 prestação de serviço . Sabendo-se que vocação para o ministério pastoral é conectado ao tema de missão, e que sua maior tarefa é realizar esse serviço, surge a seguinte pergunta: “Mas qual seria o sentido de ministério neste momento?” (...) O ministro é alguém que foi chamado e capacitado por Deus e que, orientado pelo Espírito Santo, tomou consciência de sua vocação condizente com seu dom, e cuja vocação é reconhecida e confirmada pela Igreja (ref. Gl 1.15s; 2.7s).(...) Antes de tudo, a vocação de ser um ministro não é um privilégio fundado em razões de raça nem de família, como ocorria no sacerdócio do judaísmo, mas de uma livre escolha divina, dom de “misericórdia”. Isto se torna mais claro em II Co 4.1, quando Paulo diz o seguinte: “Pelo que, tendo este ministério, segundo a 56 Ana Claudia FIGUEROA, Comunidade e Heresia na Ásia Menor: um Estudo sobre as Variações Teológicas de alguns Escritos neotestamentários do final do século I. 1993, 185p. (Dissertação de mestrado. Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Ciências da Religião – Instituto Metodista de Ensino Superior). p. 63. 57 Id. Ibid. p. 65. 54 misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos (...)”58. Paulo compreende que sua vocação foi um chamado de Deus atribuído a ele não por merecimento, mas pela graça e misericórdia divina. É desta forma que ele entende sua vocação retratada em Atos 9. Não foi uma experiência de conversão, mas um chamado de Deus para o exercício da missão. Essa vocação é reconhecida por Paulo como semelhante às vocações narradas no Antigo Testamento, especificamente as dos profetas. Da mesma forma que os profetas, ele teve uma visão quando vocacionado por Deus. Segue-se em sua experiência vocacional o medo de corresponder devidamente ao chamado por não se sentir capacitado. Contudo “sua vontade humana é invertida pela graça a ponto de Deus 59 mesmo realizar a obra que lhe foi confiada” . Para Paulo, a vocação ou chamado do ministro está ligada a figura de Jesus como servo. Ele encontra na figura de Jesus sinais norteadores no exercício de sua vocação60. Luis Wesley SOUZA, Uma Compreensão Bíblico-Teológica do Ministério em Paulo, pp. 10-11. Lucien CERFAUX, O Cristão na teologia de São Paulo, p. 73. 60 Luis Wesley SOUZA, Op. Cit. p. 19. 58 59 55 Jesus expressa sua vocação no exercício de sua missão libertadora (ministério profético) de um povo que, em sua época, vivia à margem da sociedade religiosa. Jesus foi o “bom pastor”, pois foi aquele que, a exemplo da vocação de Moisés, libertou de todo o tipo de opressão, 61 “oriunda das autoridades da sinagoga o seu povo” . Jesus em sua missão, iniciada na Galiléia, lugar onde encontravam-se os menos favorecidos, convida os apóstolos, na participação do seu projeto de vida: “Dirigi-vos, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10.6). Ele tem como objetivo defender a vida daqueles/as que eram conhecidos como “anônimos/as”, ou seja, inexistentes perante a sociedade da época. Jesus reconhece, mesmo opondo-se à mentalidade habitual da época, que sua responsabilidade era fazer do pobre e do humilde, participantes do Reino que tanto anunciava 62. É reconhecido na prática de Jesus o seu caráter de “pastor” (poimém), aquele que cuida. Em busca da promoção da vida, Jesus convida o grupo dos apóstolos na participação deste projeto. Esse convite visa a participação de todos na denúncia dos produtores da morte. Em contrapartida, é anunciada a mensagem de salvação. Salvação que vai Manuel Rodrigues da SILVA, “São como Ovelhas sem Pastor”: a liderança de Jesus como “Paradigma” para o pastorado, pp. 59-60. 62 André LEMAIRE, Op. Cit. p. 34. 61 56 além da crença na ressurreição de Cristo, ela é direcionada ao cuidado da existência do outro, na promoção da sua vida. II.IV Vocação Hoje A apreciação, embora breve, é dirigida neste momento, para discutir a perda do sentido original sobre vocação como prática da missão geradora e fomentadora da vida. Foi abordado neste segundo capítulo como era entendida a vocação na Bíblia, no contexto do Antigo e do Novo Testamentos. Considerou-se que nas duas perspectivas abordadas, a vocação, antes de qualquer coisa, tinha como objetivo mostrar o seu caráter de missão, contudo, com o processo de transmissão religiosa da tradição, esse caráter sofreu alterações. Numa sociedade secularizada, o pastor/a é visto/a, muitas vezes, como reprodutor/a de uma tradição, que tem como objetivo administrar ritos, tornando-se desta forma, apenas um/a especialista orientado/a para 63 perpetuar certa memória religiosa . 63 Dário Paulo Barreira RIVEIRA, Tradição, memória e modernidade – a precariedade da memória religiosa contemporânea. In: Estudos de Religião, ano XIV, nº 18, junho de 200, S.B. do Campo, SP: Umesp. p. 129. 57 É processado neste ambiente a super valorização do/a especialista letrado/a. A interpretação da Bíblia e o debate sobre a verdade do cristianismo convertem-se em uma tarefa de exegetas e doutores. Desenvolve-se assim o que Willaime chama “magistério ideológico dos doutores”. Na tradição protestante o pastor-teológo será o verdadeiro bispo, embora legitimado mais pelo seu saber teológico que por algum status sagrado que o diferencia dos 64 leigos” . O/A pastor/a perde o seu caráter profético, de cuidador/a e assume o carisma de função, porque é representante de uma determinada instituição eclesiástica. Possuidor/a de um carisma fadado apenas na execução de um cargo, por representar a Igreja, e enfraquecido por “depender apenas de uma coerência ideológica do discurso de uma transmissão ritual do carisma”65. Como a sua autoridade depende apenas do seu discurso bem elaborado, o carisma é reduzido apenas para dimensão pessoal. Para Gustavo Gutiérrez, é necessário neste ambiente de secularização, onde reina a exploração, uma linguagem que faça a diferença na prática e não apenas num discurso bem elaborado. É 64 65 Id. Ibid. p. 134. Id. Ibid. p.134. urgente à vocação 58 profética, pois só ela é capaz de denunciar a situação injusta, e suas causas estruturais66. “O que me dá mais alegria é o trabalho pastoral. Sinto que essa é minha função primaria como sacerdote. Não fui ordenado para fazer teologia, mas para proclamar o evangelho. Considero a teologia somente uma ajuda para isso, nada mais 67. É necessário sair do reducionismo de um “chamado para dentro”, “caráter pessoal” para um chamado para fora, que alcance o/a marginalizado/a e/a sofredor/a. A função do/a pastor/a como cuidador/a é contribuir com seus estudos na prática respaldada na ética para um melhor engajamento da missão, e que ela tenha como finalidade ajudar a todos e todas a terem acesso a vida. Que seja possível neste contexto conflituoso, resgatar o sentido de vocacionado/a como “chamado/a para fazer missão”. Que o/a pastor/a não seja apenas um/a letrado/a, mas um/a enviado/a àqueles/as que se encontram à espera de alguém que aponte um horizonte de vida e que seja capaz de conduzi-los/as como um/a bom/a pastor/a, seguindo o paradigma de Jesus. 66 67 Odair Pedroso MATEUS, Gustavo Gutiérrez: pastor e teólogo. In: Estudos de religião 6. p. 75 Id. Ibid. p.75. 59 (...) Assim, enquanto o Novo Testamento caracteriza o “enviado” com a missão de “fazer discípulos”, o Antigo Testamento mostra que sua missão é de libertar os escravizados e oferecerlhes cidadania. A junção desses dois objetivos seria muito salutar para prática da Igreja, nos dias de hoje 68. Que a junção desses dois adjetivos seja uma constante na prática do ministério profético daqueles/as que se consideram chamados/as por Deus e que foram reconhecidos/as pela Igreja como vocacionados/as para o ministério pastoral. 68 Tércio Machado SIQUEIRA, “Tirando o pó das palavras”. 60 III. PISCOLOGIA E A VOCAÇÃO III.I Compreensão do comportamento humano A preocupação com o interior do ser humano e com a maneira pela qual ele se relaciona consigo próprio e com o seu ambiente sempre fez e se faz presente nos tipos de estudos que envolvem a questão do comportamento humano. O comportamento humano é uma questão que levanta inúmeras perguntas, nem todas, respondidas. Ambas, perguntas e respostas, ao longo dos tempos, são reformuladas buscando acompanhar o dinamismo da época e sociedade, na qual a cultura deve ser observada. 61 Devido às transformações radicais, os anseios e às preocupações que tomam conta do cotidiano humano, o ser humano tem sido envolvido, a tal ponto de se sentir embaraçado pelas angústias e aflições decorridas em seu dia-a-dia. Tentando compreender as reações humanas face aos problemas que são levantados insurge a psicologia a fim de auxiliar o indivíduo, levando-o a refletir sobre si mesmo e o meio em que vive, oferecendo alternativas e explicações afim de livrá-lo dos males que lhe aflige. A ciência do comportamento, como é também chamada à psicologia, tem um sentido mais amplo: perceber o comportamento humano não apenas no que se restringe às reações exteriores, mas igualmente à atividades do consciente e do inconsciente num plano indiretamente observável 69. III.II A Contribuição da Psicologia Muito se tem falado do acompanhamento/aconselhamento pastoral em momentos de crises, como também das múltiplas funções que o/a 69 Maria Luiza Silveira TELES, O que é Psicologia, p. 9. 62 pastor/a precisa exercer na prática de seu ministério: pregação, visitação, discipulado, administração e muitas outras que requerem interesse e dedicação. Contudo se esquece que o/a vocacionado/a também é humano/a e passa por momentos difíceis em sua vida. A Pessoa vocacionada é, antes mesmo de ter e ser sua vocação, uma pessoa, é gente. E continua sendo gente após o chamado, sujeita a tudo o que é inerente à raça humana. Durante sua formação teológica não é diferente, isto é, o/a aluno/a continua sua caminhada, em meio a acertos e erros, em obediência ao seu chamado na busca de capacitação teológica e 70 administrativa da Igreja . Aos olhos da comunidade o/a pastor/a é um/a conselheiro/a. É a ele/a a quem as pessoas recorrem quando se encontram em meio aos variados tipos de problemas e crises. Tal fato mostra claramente que o/a pastor/a não pode abster-se dessa realidade, pois, este caráter, levará a comunidade a procurar soluções para os seus problemas diários ou particulares. Sendo a comunidade constituinte da sociedade, ela não ficará imune às condições do individualismo que acarretam sentimentos de angústia, ansiedade, tristeza e solidão. 70 Edílson de Assis VOLFE, Op. Cit. p. 55. 63 Verifica-se neste primeiro momento como o/a vocacionado/a para o ministério pastoral necessita ter um certo preparo e conhecimento da psicologia na sua função de aconselhador/a. Esse preparo é exigido pelas próprias circunstâncias que se apresentarão no decorrer do seu ministério (como já verificado no parágrafo acima). É neste ponto que vem a indagação: Será que a psicologia apenas contribui em obras que exaltam a sua importância na prática pastoral, deixando de lado que o/a vocacionado/a para o ministério pastoral, em muitos momentos da sua vida, ocupará não mais o papel de aconselhador/a, mas devido às crises e dúvidas, ocupará o papel de aconselhado/a? Neste caso, qual é a contribuição da psicologia? Como ela pode auxiliar o/a vocacionado/a em seus momentos de dúvidas e crises? Quais são as suas considerações na mudança de papéis “pastor/a - aconselhador/a para pastor/a - aconselhado/a”? Diante de tais questões qual seria o parecer ou alternativas propostas para auxiliar o/a vocacionado/a nestes momentos tão cruciais de sua vida, que muitas vezes são decisivos para a sua permanência ou desistência no ministério pastoral? É desta forma que o presente item reconhece a psicologia como colaboradora no entendimento do comportamento humano e 64 conseqüentemente, como se verá a seguir, contribuidora na compreensão em que se dá o processo vocacional e suas implicações no comportamento do/a vocacionado/a. III.II.I Na compreensão da vocação Primeiramente é importante saber como é compreendida a vocação dentro da psicologia. Diferentemente da teologia, a psicologia entende vocação como: Diz-se que há vocação quando uma pessoa manifeste tendência a exercer certa forma de atividade – em particular, de caráter profissional – e suficientemente forte, para que pareça responder a uma espécie de apelo (ou chamado interior), de acordo com as aptidões requeridas nessa atividade71. A vocação não estaria ligada ao processo do “chamado divino”, mas liga-se a um certo potencial e disposição próprios de cada homem e mulher. Seriam aptidões ou potencialidades, que no desejo interno do/a vocacionado/a, serão desenvolvidos ao longo da atividade escolhida. Entende-se desta forma que a psicologia associa a vocação a potencialidades próprias de cada um/a. É interessante destacar a que 71 Henri PIÉRON, Dicionário de Psicologia, p. 450. 65 72 muitas vezes há “confusão no uso da palavra aptidão” , pois verifica-se a sua ocorrência como: Esse termo, freqüentemente empregado do modo errôneo como sinônimo de capacidade, designa o substrato constitucional de uma capacidade, preexistindo a esta, que dependerá do desenvolvimento natural da aptidão, da formação educativa e do exercício. Apenas a capacidade é que pode ser objeto de avaliação direta, já que a aptidão constituí, unicamente, uma virtualidade. O termo inglês ability compreende, sem distinção, 73 as noções de aptidão e de capacidade” . Para Dulce Helena a vocação não foge do já mencionado acima. A vocação, nas palavras da mencionada autora seria: Se a vocação é entendida como uma realidade de determinado interesse somado à potencialidade, pode-se afirmar que ela existe. A vocação não é algo inato, mas sim algo que pode ser desenvolvido a partir da experiência da vida. O interesse e a potencialidade são dois aspectos fundamentais na escolha da profissão. Uma dose de cada um pode levar a uma vida profissional satisfatória e, porque não dizer feliz!(...)74. A psicologia trabalha esse tema mais na linha conhecida como “acompanhamento vocacional” ou “teste vocacional” o mais conhecido popularmente. Ela proporciona ao/a vocacionado/a, principalmente 72 Dicionário de Psicologia , Organização de Roland Doran, p. 80. Henri PIÉRON, Op. Cit. p. 34. 74 Dulce Helena Penna SOARES, O que é escolha profissional, p. 48. 73 66 aqueles/as que têm dúvidas a que profissão escolher, auxílio para que essa escolha seja a mais adequada à sua área de serviço75. A área da psicologia do comportamento vocacional ainda encontra-se limitada, pois na grande maioria dos casos sua pesquisa focaliza-se apenas ao processo do desenvolvimento humano, ou seja, infância e adolescência, onde se concentraria “uma educação vocacional” que determinaria a futura opção do/a vocacionado/a a uma determinada profissão76. (Essa perspectiva fugiria muito da vocação para o ministério pastoral, já que na maioria dos casos os/as candidatos/as decide-se a partir de um chamado diferenciado das demais profissões, o “chamado divino”). Embora haja a restrição nesta área, ainda assim é possível levar em consideração alguns fatores que contribuem ou determinam o comportamento vocacional. Nesta direção destaca-se Holland, citado por Pelletier, Noiseux e Bujold, que trouxe notáveis subsídios no plano conceitual e empírico, o que forneceu aos profissionais e pesquisadores desta área instrumentos 75 76 Donald E. SUPER, Bohn JR., Martin J. Psicologia ocupacional, p. 19 Carlos Roberto MARTINS, Psicologia do comportamento vocacional: contribuição para o estudo da psicologia do comportamento vocacional. São Paulo: E.P.U, 1978. pp. 24-27. 67 77 capazes de facilitar sua empreitada . Direcionando sua pesquisa mais para as tendências pessoais que se apresentam no momento da escolha profissional. Em síntese, sua teoria propõe que no momento em que uma pessoa faz uma escolha profissional, ela é nesse momento de sua evolução um produto de sua hereditariedade e de várias influências dos companheiros, de seu meio familiar, de sua classe social, de sua cultura, do meio físico em que cresceu. Essas experiências o levaram a desenvolver um enfoque particular em face das exigências que tem de enfrentar. E esse enfoque ou esse estilo particular procura exprimir-se no meio físico e social que lhe convém. O indivíduo procurará então ambientes e ocupações que lhe permitam utilizar suas aptidões inatas ou adquiridas, exprimir suas atitudes e seus valores, assumir os papéis gratificantes e evitar os que lhe desagradam. Em outros termos, a pessoa que faz uma escolha profissional procura o ambiente que melhor convenha àquilo que Holland chama sua “orientação pessoal”, seu comportamento pode assim ser explicado pela interação entre sua orientação pessoal e o ambiente 78. Dentro da sugestão de Holland, destacasse a questão do ambiente como contribuidora para a decisão de que profissão escolher. Levando em consideração esse fator surge uma pergunta que ainda não é possível responder por não haver conhecimentos da existência de que seria possível alguém sentir-se chamado/a ao ministério pastoral fora de um Denis PELLETIER & Gilles NOISEUX & Charles BUJOLD, Desenvolvimento Vocacional e Crescimento Pessoal: enfoque operatório. p. 29 78 Id. Ibid. p. 29. 77 68 ambiente ou contato religioso?. “Será que o ambiente religioso e a experiência com esse mundo sagrado somado a profunda experiência da conversão não contribui nesta educação ou tendência a optar pelo ministério pastoral?”. São perguntas que merecem um aprofundamento teórico, mas também de uma análise prática sobre o seu grau de influência exercida aquele/a que se sente chamado/a ao ministério pastoral. III.II.II Na compreensão das crises O teólogo Karl Barth em seu livro Introdução à Teologia Evangélica no item “Os perigos que a teologia enfrenta” coloca sua preocupação com a crise que o/a pastor/a enfrenta em seu ministério e a sua permanência no mesmo. Barth coloca que quem se engajar com a teologia se verá levado a uma estranha e angustiante solidão. O/A teólogo/a deverá satisfazer-se em tratar de seu assunto dentro de certo isolamento, não só referente ao mundo, mas também à própria igreja. A inevitável solidão da teologia e do/a teólogo/a se evidenciará fazendo-lhe saltar aos olhos, com dolorosa freqüência, em que grau ele é forçado a viver solitário, não só 69 no mundo, mas também na comunidade e também entre muitos de seus colegas teólogos 79. As crises são uma constante na vida de qualquer homem e mulher, não seria diferente aquele/a que é chamado/a para o ministério pastoral – bem pontuado por Karl Barth. Para Farris a crise é definida como sendo: Em geral, uma crise é uma experiência ou uma série de experiências que se apresentam ao indivíduo como uma ameaça profunda para sua identidade, seu ego, ou para suas relações. Crises são eventos ou processos que parecem ter o poder de ameaçar ou sacudir o mundo de uma pessoa. Quanto as suas características, as crises podem aparecer rapidamente, como em casos de morte, de suicídios, de acidentes, ou pela perda do emprego; ou podem manifestar-se lentamente, determinadas por problemas dentro de uma relação, pela aposentadoria, ou quando uma filha ou um filho sair de casa etc. Podem, portanto, ser repentinas ou se caracterizar por um surgimento e um lento desenvolvimento. A crise pode ser um evento terrível ou a acumulação de eventos vários , ou ambos80. Além das crises serem compreendidas como eventos ou processos que parecem ter o poder de ameaçar ou sacudir o mundo de uma pessoa, 79 80 Karl BARTH, Introdução à Teologia Evangélica, p. 85 ss. James Reaves FARRIS, Intervenção na Crise: perspectivas teológicas e implicações práticas. In: Estudos da Religião – revista semestral de estudos e pesquisas em religião. – Ano XI, nº 12, dezembro de 1996. p. 105. 70 também é compreendida, segundo a teologia, como uma experiência capaz de proporcionar questões que são fundamentais para o 81 entendimento da própria vida . Além dessas crises, bem definidas por Farris, que ocorrem no processo natural da vida humana, é identificado por Ellen Janosik, uma crise especifica àqueles/as que exercem o ministério pastoral. Essa crise é ocasionada por um desequilíbrio psicológico promovido pelos desafios e situações que envolvem o próprio chamado 82. A crise do/a vocacionado/a pode, então, ser consigo mesmo/a, com sua vocação, com sua família, com a Igreja, com a sociedade, ou tudo ao mesmo tempo. No que diz respeito à crise na vocação, conforme César, alguns fatores seriam: a fragilidade da natureza humana, a demora dos resultados, o descuido espiritual, a desmotivação, o estresse, e também a superficialidade da vocação, tal como a hereditariedade, a dedicação de berço, a emoção, a manifestação sobrenatural 83 e a desinformação doutrinária . Como se viu até o presente momento a vocação não foge das crises e o ministério pastoral por tratar da dimensão religiosa não estaria imune das grandes lutas e dificuldades da vida e da sua própria função. Muitos por não compreenderem essa realidade e fantasiarem/romantizarem o 81 Id. Ibid. p. 107. Ellen JANOSIK, Crisis Couwseling, pp. 03-39. 83 Edílson de Assis VOLFE, Op. Cit. p. 69. 82 71 ministério pastoral acabam por desistindo ou exercendo o seu serviço de forma irresponsável e negligente. Esses momentos de crises que o/a vocacionado/a passa acabam provocando um grande impacto à saúde mental, física, emocional e psicológica dos/as “chamados/as para esse ministério especifico”, ministério pastoral. III.II.III Na compreensão das crises específicas Serão tratadas neste subsubtítulo questões a respeito das crises de caráter específico que o/a vocacionado/a enfrenta ao longo de sua jornada vocacional. Para tanto, serão levados em consideração apontamentos fundados em pesquisas já realizadas nesta área. Para Paulo Barreira uma das maiores dificuldades que o/a clérigo/a enfrenta é a questão da “ambigüidade da função do/a pastor/a”. Segundo os princípios protestantes: ... o pastor é um leigo. Desde a intenção de entrar nos seminários teológicos, o candidato já se coloca o dilema sobre sua condição leiga ou sagrada. Todas as Igrejas protestantes desenvolveram alguma forma de distinção sacramental para o pastor. Regra geral tratava-se da ordenação 84. 84 Dário Paulo Barreira RIVEIRA, Desencantamento e reencantamento: sociologia da pregação protestante na América Latina. In: Estudos de Religião, ano XVI, nº23, S.B. do Campo, SP: Umesp. p. 65 72 Segundo Barreira, o/a pastor/a em conseqüência dessa ambigüidade sente-se consagrado/a para realizar determinadas tarefas, mas em outras continua sendo um/a mero/a leigo/a. Essa confusão estaria ligada aos princípios da Reforma em igualar uma função cotidiana às tarefas sagradas dos sacerdotes. A frase abaixo expressa muito bem esse assunto. “O camponês que ara, a criada que limpa, o ferreiro que bate na bigorna fazem uma obra tão louvável e saudável como o bom pregador evangélico cujo ofício é doutrinar o povo cristão – muito mais que o odiado monge que mussita seus 85 sempiternos pai-nossos” . O/A pastor/a acaba perdendo o seu caráter de consagrado/a, em conseqüência o seu ministério pastoral acaba sendo comparado com qualquer outro cargo ou atividade cotidiana. Segundo Leonildo Silveira Campos uma das maiores problemáticas que o/a pastor/a enfrenta em seu ministério é a secularização do 86 pastorado , em conseqüência das transformações provocadas pela pósmodernidade. Essa secularização acaba afetando a confiança que o pastor tem na execução de sua tarefa. 85 86 Id. Ibid. p. 66. Leonildo Silveira CAMPOS, Contribuição das Ciências Sociais para uma Ánalise do Perfil do Estudante de Teologia Candidato a Pastor Protestante. Trabalho realizado para o Simpósio da Aste, onde o tema de estudo era “A prática do cuidado pastoral em instituições teológicas. 2002. p. 12-13. 73 Hoje as sociedades experimentam um rápido processo de “desmontagem” das instituições tradicionais de gestão do sagrado, dentro dos limites da chamada “pós-modernidade”. Ao lado disso surgem novos grupos e movimentos religiosos, os quais elaboram a figura do líder religioso e definem o seu papel a partir de um novo design. Fala-se, freqüentemente em sociedades pós-modernas ou mínimo em contextos de alta modernidade, privilegiando-se nessas discussões tanto os paradigmas da “secularização” como também de uma suposta “revanche do sagrado” 87. Neste mundo de intensas e radicais transformações em que o/a vocacionado/a encontra-se, principalmente as decorrentes da pósmodernidade, a crise resultante da mesma não é apenas de ordem pessoal, mas de acordo com o Dr. Leonildo Silveira envolve entre muitas mudanças, as de ordem: econômica, sociológica, psico- sociológica. Além da solidão, da dúvida, da tentação que desafiam o/a pastor/a, tão mencionados por Karl Barth, encontra-se o “desafio de compor uma identidade em meio à pluralidade”88. Segundo Vilmar Noé, essa identidade entraria em choque a partir do momento que o/a vocacionado/a desloca-se para o centro de formação teológica. É neste 87 88 Id. Ibid. p.13. Sdnei Vilmar NOÉ. Reflexões sobre o trabalho pastoral com estudantes de teologia. Trabalho realizado para o Simpósio da Aste, onde o tema de estudo era “A prática do cuidado pastoral em instituições teológicas. 2002. p.4. 74 ambiente que o vocacionado/a será “confrontado com a multiformidade e heterogeneidade”. É neste confronto que surgirá a seguinte questão – Quem sou eu? - essa pergunta fará com que o/a vocacionado/a busque sua identidade própria, noutras palavras, também revela, uma crise de identidade. (...) a identidade do eu da pessoa chamada vai se formando conforme “o sentido de unidade e continuidade interior que perdura no tempo e nas diversas circunstâncias, unido à capacidade de manter solidariedade com um sistema realístico de valores”. Tendo em vista o que foi exposto, é necessário perguntarmos: “O sacerdote está orientado em termos de tempo, espaço e identidade? Ele sabe em que tempo está, onde está e quem é?” Podemos afirmar que “... é fundamental para a saúde mental de um homem que ele esteja orientado em termos de tempo, espaço e identidade, ou – em outras palavras – que ele esteja consciente de si mesmo”. Caso contrário, uma crise de identidade individual de alguém refere-se aos níveis básicos de sua personalidade, ele sofre de uma patologia grave. Depressão profunda, atitudes compulsivas, obsessivas, e diferentes formas de comportamento psicótico indicam a necessidade de ajuda psiquiátrica e, ás vezes, até de hospitalização”89. Neste período de faculdade, e das crises ocorridas pela mesma, seria adequado um acompanhamento multidisciplinar em seus desafios, pois 89 Edílson de Assis VOLFE, Op. Cit. p. 54. 75 as crises e os desafios enfrentados são de ordem emocional e psicológica, social, vocacional e espiritual 90. Para Maria Eugenia essa crise de identidade do/a pastor/a vai além das controvérsias teológicas, elas revelam uma profunda crise estrutural do próprio pastorado. “Muitas vezes o pastor não tem consciência desta crise; tem problemas com sua comunidade, com sua opção de vida, 91 com seu papel” . Em concordância com a proposta de Sidnei Vilmar, Hannuch expressa sua preocupação no preparo dos docentes, além do preparo docente seria necessário o preparo psicopedagógico. Quanto à crise de identidade promovida, não apenas com o contato com a teologia, mas do ambiente que o/a vocacionado/a enfrentará após sua formação, garante Hannuch que é possível amenizar esse processo por meio da 92 “instalação de pastorados de equipe” . Já Sidnei Vilmar, considera que esse acompanhamento deverá começar dentro do campus de formação teológica, assim ele propõe: Somente o acompanhamento técnico e profissional, todavia, não será suficiente para que a formação teológica envolva seus estudantes em 90 Sidnei Vilmar NOÉ, Op. Cit. p. 4. Maria Eugenia Madi HANNUCH, Conflitos no exercício do ministério pastoral. In: Ciências da Religião. Cadernos de Pós – Graduação, nº 7, outubro de 1992. p. 51. 92 Maria Eugenia Madi HANNUCH, Op. Cit. p. 56. 91 76 um clima de amadurecimento emocional, cognitivo, comportamental e espiritual. O campus de formação teológica, para proporcionar uma formação integral em todos esses níveis – o que é um imperativo na qualificação para o trabalho comunitário – precisa ter uma “alma” 93. Que esse ambiente, juntamente com todos/as aqueles/as que o compõem, seja uma especie de “útero comunitário”, ao que tudo indica, esse ambiente deveria funcionar como um “espaço terapêutico”. Segundo a pesquisa realizada por Guilherme de Amorim94, as questões que mais promovem crises no/a vocacionado/a e no percurso do seu ministério são: 1) crises vocacionais: As crises que evolvem diretamente a questão da vocação, promovem intranqüilidades e a incerteza de ser realmente chamado/a para o ministério pastoral, como também, se existe ou não vocação? 2) crises relacionadas com a liderança da igreja: Destaca-se aqui o ciúme da parte da liderança da igreja em relação ao/a pastor/a, 93 94 Sidnei Vilmar NOÉ, Op. Cit. p. 5. Guilherme de Amorim Ávilla GIMENEZ, A Crise no Ministério Pastoral: Uma análise das relações entre a vocação e as crises ministeriais na perspectiva da teologia prática. 2002, (Dissertação de mestrado. Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Ciências da Religião – Instituto Metodista de Ensino Superior). pp. 50-92. 77 como também: líderes muito difíceis, os que querem mandar no/a pastor/a etc; 3) crises com a igreja: Destacam-se neste item questões advindas do relacionamento entre o/a pastor/a e a Igreja: membros/as insubordinados/as à autoridade pastoral, oposição de membros da Igreja, famílias tradicionais da Igreja não aceitam a orientação pastoral e disputam a liderança, frieza espiritual da Igreja com o/a pastor/a, sem amigos/as na Igreja etc; 4) crises pessoais: Estariam correlacionadas as crises pessoais questões emocionais e questões individuais do/a pastor/a como: auto-estima, frustração, aflição, saúde, stresse, falta fé etc; 5) crises financeiras: Ligam-se a este tema a problemática referente ao sustento do/a pastor/a: salário muito baixo; não conseguir administrar as financias pessoais, não receber o salário durante um determinado tempo etc; 6) crises familiares: Destacam-se aqui o divórcio, mau relacionamento com os filhos, a distância e falta de tempo em relação a família etc. 78 Esses seis itens foram o resultado da pesquisa elaborada por Guilherme de Amorim. Ela comprova que a crise vocacional é o principal elemento de conflito no ministério pastoral, ou seja, a vocação é o maior motivador de crises 95. Até aqui se obteve a constatação que as crises que envolvem o/a vocacionado/a e o seu ministério pastoral não são apenas de ordem pessoal, mas envolvem a dúvida de ser ou não vocacional, problemas de relacionamento, problemas com a igreja, crises promovidas pelas mudanças radicais da pós-modernidade e outras. Verifica-se assim, que a crise ou as crises é e são uma constante na vida do/a vocacionado/a. Assim sendo, como o/a vocacionado/a poderia lidar com essas crises, será que elas contribuem no crescimento e amadurecimento do mesmo? É aqui que a psicologia dá sua contribuição de forma mais concreta no entendimento das crises e na promoção de uma vida mais saudável dos/as chamados/sa para esse ministério, que nos dias de hoje é tão desvalorizado. 95 Guilherme de Amorim Ávilla JIMÉNEZ, Op. Cit. p. 82. 79 III.III Saúde Integral do/a Vocacionado/a Para que a psicologia auxilie o/a vocacionado/a neste momento tão crucial de crise, primeiramente é necessário, antes de qualquer encaminhamento psicológico, que o/a vocacionado/a reconheça que 96 precisa de ajuda, segundo May seria o “encorajar a si mesmo” , admitir que sozinho não será possível resolver as crises que envolvem o ministério pastoral, esse é um passo para a futura solução das crises. “O pastor é chamado por Deus mas isso não lhe tira as características de homem. Ele tem uma missão como ministro de Deus mas isso não lhe isenta de sofrer as mesmas angústias que os homens sofrem. Para ajudar outros o pastor precisa reconhecer-se homem. A vocação não 97 rouba os atributos humanos do pastor” . O que se torna mais difícil para o/a vocacionado/a é admitir-se como ser humano sujeito aos perigos, doenças, falhas, erros e crises como qualquer outra pessoa. Isso ocorre pela má compreensão em torno do seu chamado, pois se o chamado provém de Deus, automaticamente o/a vocacionado/a torna-se imune a qualquer problema ou males da vida. Contudo percebeu-se que isso não é verdade e que quão 96 97 Gerald G MAY, Saúde da Mente, Saúde do Espírito: psiquiatria e atendimento pastoral, p. 125. Guilherme de Amorim Ávilla GIMÉNEZ, Op. Cit. p. 97. 80 importante e necessário é saber a fragilidade do ser humano aos desafios e mudanças decorrentes da vida. Mas, embora o sofrimento seja uma realidade presente e inevitável, não deve ser aceito de forma conformista e passiva. Todos devem ser levados a compreender o sofrimento, e sua compreensão conduz, naturalmente, ao alívio da dor, à cura da ferida 98. Segundo, para que o/a homem e a mulher tenham uma vida equilibrada é preciso que ele/a apresente harmonia nos três níveis da vida: psicofisiológico, é o nível ligado mais aos estados físicos do ser humano (necessidades fisiológicas e orgânicas); psicossocial, é a necessidade do convívio social; e racional-espiritual, necessidades existenciais, a busca 99 do sentido das coisas . Outro aspecto é que na conceituação de saúde/doença estamos concebendo o ser humano, como um ser total e que a saúde só é alcançada quando todos os aspectos de sua personalidade são atingidos , o que redunda num estado de harmonia com o conseqüente estado de 100 equilíbrio psicossomático . Josias PEREIRA, A Função Terapêutica na e da Comunidade Cristã. In: Caminhando, Revista Teológica da Igreja Metodista, ano III – nº 5 – 1992, São Bernardo do Campo, SP: Editeo/Umesp. p. 31. 99 Amedeo CENCINI & Alessandro MANENTI, Psicologia e Formação, p. 13-16. 100 Josias PEREIRA, Op. Cit. p. 29. 98 81 Dessa forma, conclui-se que a psicologia levará o/a vocacionado/a em estado de crise a compreender que a saúde integral não diz respeito apenas ao espiritual – a cura da alma – mas que ela é adquirida no processo do viver a cada dia de maneira mais plena possível, integrando a ela o reconhecimento de si mesmo e do outro. O ser humano é um ser de corpo, mente e espírito em comunidade. No caso especifico do/a vocacionado/a, que lida diretamente com a religião, o seu espaço de vivência – a comunidade – deverá proporcionar, assim como a psicologia, subsídios para a superação de crises, “bem como, sedimentações de sentido da vida” 101. Sabemos que a crise se faz através de dificuldades que o ser humano enfrenta no processo da vida, neste caso, onde à crise vocacional se encaixaria? Será que ela não poderia ser a continuidade de uma outra crise mal resolvida, gerando assim, uma confusão de objetivos originais e crise de identidade? Neste ponto, se segue a linha de pensamento de Erik H. Erikson, que esclarece sobre a crise como um degrau das fases do desenvolvimento da personalidade e, coloca também, que cada fase está em conexão com outra fase. Estando a personalidade ligada a 101 Blanches de PAULA, Espaço Potencial e Religião. In: Caminhando: Revista da Faculdade de teologia Metodista, v 6, nº 8, jul. 2001. São Bernardo do Campo, SP: Editeo/Umesp, 1982 -. p. 184 82 todas as fases do desenvolvimento humano qualquer implicação ou não superação em determinada fase poderia ocasionar em uma crise 102. Decorrendo sobre a temática “crises vocacionais” e sobre suas implicações no processo de formação, percebe-se então, a importância do tema para uma melhor compreensão das reações de alguns acadêmicos perante situações que implicariam no seu desenvolvimento pastoral. 102 Blanches de PAULA, Estágios da Fé: Fé e Desenvolvimento Humano. São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1994. pp. 30-32. 83 CONCLUSÃO A presente pesquisa não tem como objetivo fechar o assunto em torno do que seria vocação, mas esta pesquisa cumpre o papel de acrescentar ao material, por sinal bem escasso, já publicado sobre o tema. Segundo a pesquisa realizada percebe-se que primeiramente a vocação é destinada ao serviço, ao bem da comunidade. Se Cristo, razão de toda vocação, veio para servir e não para ser servido, denota que toda pessoa é chamada a servir. A Bíblia considera os termos “vocação” e “chamado” não como experiência pessoal simplesmente, mas uma experiência que leva o/a vocacionado/a a uma atitude de serviço. Já na 84 compreensão da Igreja, ela pretende afirmar que esse serviço é limitado apenas à comunidade de fé, o que diverge do verdadeiro caráter de missão. Assim sendo, toda vocação não é somente para a Igreja, mas para o serviço que beneficie a comunidade e sociedade, seja ela cristã ou não. Nessa perspectiva, a vocação torna-se “um chamado para servir”. Podese dizer que aquele/as que assumem esse chamado para servir, assumem um caráter mais humano, pois por meio do seu serviço, tornam-se capazes de conhecer o rosto do próximo, sobretudo das vítimas de injustiças. Isso nos mostra que a vocação passa obrigatoriamente por uma compreensão comunitária, isso é possível pela necessidade de pensar sempre, segundo a ética, no bem das outras pessoas. Aquele/a que se sente chamado/a ou vocacionado/a, não pode viver esse chamado de forma individualista, pelo contrário, deverá perceber que o caráter divino desta vocação se dá a partir do momento em que, quem está sendo esmagado pela opressão manifesta seu grito, e então o vocacionado/a vai de encontro à vítima . 85 É confiado ao vocacionado/a, de forma mais enfatizada, àqueles/as que exercerão o chamado para ministério pastoral, uma responsabilidade muito grande, e como conseqüência enormes cobranças e pressões no exercício do seu ministério/serviço. Decorrente dessas exigências, e outros aspectos, o/a vocacionado/a acaba passando por crises vocacionais. A vocação ainda é um elemento fundamental para o exercício do ministério pastoral, contudo, compreende-se que falar de crise vocacional ainda é um tabu na formação teológico-pastoral. Contudo sabe-se que ela está presente, seja como conseqüência de uma outra crise no processo de formação da personalidade ou até mesmo decorrentes do próprio meio acadêmico. A crise, de fato, acontece, culminando muitas vezes na falta de direção original. Entendendo como essa crise acontece ficará mais fácil desenvolver um trabalho junto a tantos que estão perdidos em meio a tantas crises e dúvidas. 86 BIBLIOGRAFIA A Igreja de Dons e Ministérios: a visão dos Bispos Metodistas. Piracicaba: Agentes da Missão, 1991. (Col. Dons e Ministérios, 6). BARTH, Karl. Introdução à Teologia Evangélica. 2.ed. São Leopoldo: Sinodal, 1979. BISPOS DA IGREJA METODISTA. Igreja Ministerial: Desafios e Oportunidades. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1991. BITTLINGER, Arnold. Dons e Ministérios. São Paulo: Paulinas, 1977. BOFF, Leonardo. Crise: oportunidade de crescimento. Campinas: Verus, 2002. BORN, A. Van Den (editor). Petrópolis: Vozes, 1971. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 87 CAMPOS, Leonildo Silveira . Contribuição das ciências sociais para uma analise do perfil do estudante de teologia candidato a pastor protestante. Trabalho realizado para o Simpósio da Aste, onde o tema de estudo era “A prática do cuidado pastoral em instituições teológicas. 2002. CASTRO, Clóvis Pinto de, CUNHA, Magali do Nascimento. Forjando uma nova Igreja: Dons e Ministérios em debate. São Bernardo do Campo: Editeo, 2001. CENCINI, Amedeo, MANENTI, Alessandro. Psicologia e Formação: estruturas e dinamismos. São Paulo: Ed.Paulinas, 1988. CERFAUX, Lucien. O Cristão na teologia de São Paulo. São Paulo: Ed.Paulinas, 1977. (Estudos Bíblicos). COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Carta pastoral sobre Dons e Ministérios. 2.ed. São Paulo: Cedro, 2001. (Col. Biblioteca Vida e Missão – Pastorais, n°9). DEZ anos de Dons e Ministérios 5a. Região. Piracicaba: Agentes da Missão, 1995. (Ministério Cristão Hoje). DICIONÁRIO de Pensamento Contemporâneo. Tradução Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2000. (Dicionários). Honório DICIONÁRIO de psicologia. Organização de Roland Doran, Françoise Parot; tradução de Odilon Soares Leme; edição de Rogério Ramos. 2000. DICIONÁRIO Enciclopédico da Bíblia. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989. Orgs: FIORES, Stefano de, GOFFI, Tullo. DICIONÁRIO teológico da vida consagrada. São Paulo: Paulus, 1994. (Dicionários). ENSLEY, Francis Gerald. João Wesley, o evangelista. São Paulo: Imprensa Metodista, 1992. (Col. Metodismo). 88 ERIKISON, Erik H.. Identidade: Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. FARRIS, James Reaves. Intervenção na crise: perspectivas teológicas e implicações práticas. In: Estudos de Religião – revista semestral de estudos e pesquisas em religião. – Ano XI, nº 12, dezembro de 1996. FIGUEREDO, Fernando A,. Elementos Evangélicos e Teológicos da Vocação. In: Revista Convergência. Dez, 1997, ano VI, Nº 64, Vozes, Petrópolis. FIGUEROA, Ana Claudia. Comunidade e heresia na estudo sobre as variações teológicas de neotestamentários do final do século I. 1993, mestrado. Instituto Ecumênico de Pós-graduação Religião – Instituto Metodista de Ensino Superior). Ásia Menor: um alguns escritos (Dissertação de em Ciências da GARCIA, Paulo Roberto. Bases Bíblicas para a Missão. Seminário efetuado na disciplina Missão e Evangelização – docentes: Clovis Pinto de Castro e Magali do Nascimento Cunha. GARCIA, Paulo Roberto. Vocação e Responsabilidade. In: Vocação, Ministério para Ministério. São Bernardo do Campo, Editeo, 1992. GEOVAL, Jacinto da Silva. A natureza do ministério e seu desenvolvimento do Novo Testamento. São Bernardo do Campo, Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1974. GIMENEZ, Guilherme de Amorim Ávilla. A crise no ministério pastoral: Uma análise das relações entre a vocação e as crises ministeriais na perspectiva da teologia prática. 2002, (Dissertação de mestrado. Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Ciências da Religião – Instituto Metodista de Ensino Superior). GOULART, José Dias. Vocação:convite para servir. São Paulo, Paulus, 2003. 89 GRANDE SINAL – Revista de Espiritualidade e Pastoral. Ano XXVIII, 1974, Uma publicação da Editora Vozes Ltda, Petrópolis, Rio de Janeiro. HANNUCH, Maria Eugenia Madi. Conflitos no exercício do ministério pastoral. In: Ciências da Religião. Cadernos de Pós – Graduação, nº 7, outubro de 1992. HARRIS, R. Laird, ARCHER Jr., Gleason L. WALTKE, Bruce K. (orgs.). Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. São Paulo, Vida Nova, 1998. HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o povo chamado metodista. Tradução de Cleide Zerlotti Wolf. S.B. do Campo/R. de Janeiro: Editeo/Pastoral Bennett, 1996. IGREJA METODISTA. Ecumenismo: carta pastoral do colégio episcopal da Igreja Metodista. São Paulo: cedro, 1999. (Biblioteca Vida e Missão, Pastorais, 4) JANOSIK, Ellen. Crisis Publishers, 1997. Couwseling. Sudbury: Jones and Bartlett JOSGRILBERG, Rui de Souza & REILY, D.A. A reforma da Igreja e dos ministérios. In: Dons e Ministérios, fontes e desafios. Piracicaba: Imprensa Metodista, 1991. LEMAIRE, André. Os Ministérios na Igreja. São Paulo, Ed. Paulinas, 1997. (Col. crer e compreender). LEON-DUFOUR, Xavier S. J,. Vocabulário de teologia bíblica. 2º ed. Petrópolis: Vozes, 1977. LEXICON: Dicionário Teológico Enciclopédico. Tradução de João Paixão Neto, Alda da Anunciação Machado. São Paulo: Loyola, 2003. 90 LOTHAR, Coenen & BROWN, Colin. Dicionário Teológico Internacional de Teologia no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, Volume 1, 1998. MARTINS, Carlos Roberto. Psicologia do comportamento vocacional: contribuição para o estudo da psicologia do comportamento vocacional. São Paulo: E.P.U, 1978. MATEUS, Odair Pedroso. Gustavo Gutiérrez: pastor e teólogo. In: Estudos de Religião, ano IV, nº 6, abril de 1989, S.B do Campo, SP: Umesp. MAY, Gerald G. Saúde da mente, saúde do espírito: psiquiatria e atendimento pastoral. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985. OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Pastoral vocacional e cultura urbana: desafios e perspectivas de interação. São Paulo: Loyola, 2000. OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia fundamentais. São Paulo: Loyola, 2000. da vocação: temas OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia e eclesiologia da vocação. http://www.ipv.org.br/teologia%20e%20eclesiologia.htm. Data da pesquisa 05/07/03. PATTERSON, Lewis E., EISENBERG, Sheldom. O aconselhamento. São Paulo: Martins Fontes, 1988. processo de PAULA, Blanches de. Espaço potencial e religião. In: Caminhando: Revista da Faculdade de teologia Metodista, v 6, nº 8, jul. 2001. São Bernardo do Campo, SP: Editeo/Umesp, 1982 -. PAULA, Blanches de. Estágios da Fé: Fé e Desenvolvimento Humano. São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1994. 91 PELLETER, Denis, NOISEUX, Gilles, BUJOLD, Charles. Desenvolvimento vocacional e crescimento pessoal: enfoque operatório. Tradução Ephraim Ferreira Alves. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1982. PELLETIER, Denis, NOISEUX, Gilles, BUJOLD Charles. Desenvolvimento vocacional e crescimento pessoal: enfoque operatório. Tradução Ephraim Ferreira Alves. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1982. PEREIRA, Josias. A função terapêutica na e da comunidade cristã. In: Caminhando, Revista Teológica da Igreja Metodista, ano III – nº 5 – 1992, São Bernardo do Campo, SP: Editeo/Umesp. PIÉRON, Henri. Dicionário de psicologia. Porto Alegre: Globo, 1978. REVISTA CONVERGÊNCIA. Dez, 1973, Ano VI, nº 64, Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro. REVISTA CONVERGÊNCIA. Nov. 1974, ano VII, nº 75, Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro. RHEMA. Revista de Filosofia e teologia do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio (ITASA). Juiz de Fora, Minas Gerais. V. 4, nº 13, 1998. RIVEIRA, Dário Paulo Barreira. Desencantamento e reencantamento: sociologia da pregação protestante na América Latina. In: Estudos de Religião, ano XVI, nº23, S.B. do Campo, SP: Umesp. RIVEIRA, Dário Paulo Barreira. Tradição, memória e modernidade – a precariedade da memória religiosa contemporânea. In: Estudos de Religião, ano XIV, nº 18, junho de 2000, S.B. do Campo, SP: Umesp. ROTER, JULIAN B,. Psicologia clínica. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. (Curso de psicologia moderna). SANTOS Oswaldo de Barros. Aconselhamento psicológico e psicoterapia: auto-afirmação – um determinante básico. São Paulo: Pioneira, 1982. (Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. Psicologia). 92 SCHÖKEL, Luis Alonso. Dicionário bíblico hebraico-português. São Paulo: Paulus, 1997. SILVA, Manuel Rodrigues da,. “São como Ovelhas sem pastor”: a liderança de Jesus como “Paradigma” para o pastorado. São Bernardo do Campo, Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1995. SIQUEIRA, Tércio Machado. “Tirando o pó das palavras”. In: Mensageiro. Boletim informativo da Igreja em Vila Mariana. 31 de Agosto de 2003. SIQUEIRA, Tércio Machado. Vocação e compromisso. In: Vocação, Ministério para Ministério. São Bernardo do Campo: Editeo, 1992. SOARES, Dulce Helena Penna. O que é escolha profissional. Ilustração de Francisco Mibielli, Afonso da Silva, Ângela Mendes. São Paulo: Brasiliense, 1988. (coleção primeiros passos, 212). SOUZA, Luis Wesley. Uma compreensão Bíblico-teológica do ministério em Paulo. São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1982. SUPER, Donald E., BOHN JR., Martin J. Psicologia ocupacional. São Paulo: Atlas, 1975. TELES, Maria Luiza Silveira. O que é Psicologia. São Paulo: Brasiliense, 1996. (Coleção primeiros passos, 222). VOLFE, Edílson de Assis. Saúde integral: uma abordagem desde a vocação pastoral até a conclusão do curso de teologia na UMESP. São Bernardo do Campo, Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 2003. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1981. (Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. Sociologia).