PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO
TURMA RECURSAL
1ª Relatoria
PROCESSO N.
RECORRENTE
RECORRIDO
RELATOR
: 0018616-34.2014.4.01.3600
: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS
: ROSEMARA GONCALINA DE OLIVEIRA
: FÁBIO HENRIQUE RODRIGUES DE MORAES FIORENZA
I. RELATÓRIO.
Cuida-se de recurso interposto pelo INSS contra julgamento de parcial
procedência do pedido de revisão da RMI de benefício previdenciário com fundamento no
art. 29, II da Lei 8.213/91. Já realizada referida revisão administrativamente, em
cumprimento ao acordo judicial firmado entre o MPF e o INSS na Ação Civil Pública n.
0002320-59.2012.4.03.6183, o juízo a quo garantiu o pagamento da diferença encontrada,
haja vista a inexistência de concordância do segurado para recebimento do crédito no futuro
(05/2020).
Em suas razões, o INSS sustenta, em síntese, que, ao aderir à ACP - cujos termos
garantiram a revisão imediata do seu benefício -, deve a parte recorrida se submeter ao
cronograma de pagamento que foi igualmente objeto de acordo naquela ação. Assim, defende
o desacerto da sentença que o condenou ao pagamento das diferenças advindas dessa revisão.
Pugna pela extinção do feito, sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir.
É o relatório.
II. VOTO.
Afasto a alegação de carência de ação por ausência de interesse de agir.
Alega o INSS que a questão já teria sido decidida em sede de Ação Civil Pública1,
na qual foi homologada transação celebrada entre o MPF e o INSS em que este último se
1
Ação Civil Pública n. 0002320-59.2012.4.03.6183, processada perante a 6ª Vara Previdenciária de São
Paulo/SP.
comprometeu a fazer a revisão da RMI em janeiro de 2013 e pagamento de atrasados
conforme cronograma de pagamentos.2
Há interesse de agir, pois, afinal, o beneficiário tem interesse em receber as
diferenças decorrentes da revisão imediatamente, e não na data estabelecida no cronograma.
Questão diversa, todavia, que diz respeito à própria matéria de fundo, é definir se
esse cronograma se estende aos beneficiários que optaram por interpor ações individuais,
como no presente caso. Sobre isso, eu já afirmei o seguinte ao decidir um caso idêntico:
Muito embora eu seja da opinião de que a tutela coletiva, pelo seu
importante papel na concretização do princípio do acesso à justiça e
da economia processual, deva ser prestigiada e explorada ao máximo,
certas peculiaridades do modelo brasileiro de tutela coletiva de
interesses individuais homogêneos são obstáculos para que esta
espécie de ação tenha todo o seu potencial explorado. Assim, num
modelo ideal de processo coletivo os efeitos da decisão nele proferida
deveriam se estender a todos os substituídos, mesmo quando ela lhes
fosse desfavorável – é assim na class action for damages do direito
norte-americano, a qual guarda paralelo com a ação de tutela
coletiva de direitos individuais homogêneos do direito brasileiro.
Na class action for damages, todavia, existe o direito de exclusão, ali
chamado de opt out, instituto inexistente no direito brasileiro. Além
disso, os interessados tomam conhecimento do ajuizamento da ação
coletiva mediante notificação individual encaminhada pelo correio,
na qual deverá constar a previsão do direito ao opt out,3 sendo que no
Brasil tal ciência se dá de forma ficta, mediante publicação em edital,
podendo, ainda, haver divulgação em meios de comunicação social
(art. 94 do Código de Defesa do Consumidor).
As medidas adotadas no direito norte-americano garantem
legitimidade à decisão coletiva desfavorável ao substituído, eis que
lhe foi dada previamente a liberdade de optar pela submissão ou não
à decisão que viria a ser dada. Sem tais mecanismos, a extensão da
decisão desfavorável àqueles que não intervieram na ação coletiva
ofenderia ao princípio do contraditório ao retirar dos interessados a
possibilidade efetiva de influenciar na convicção do juiz.
Diante da ausência do direito de exclusão no direito brasileiro, a
solução não poderia ser outra que não aquela prevista no § 2º do art.
103 do Código de Defesa do Consumidor, segundo a qual, no caso da
ação coletiva para tutela de interesses individuais homogêneos os
interessados que não tiverem intervindo no processo como
litisconsortes poderão propor ação de indenização a título
2
Esse cronograma prioriza benefícios ativos e devidos a pessoas em situação digna de especial atenção e em que
o último pagamento se dará em maio de 2022.
3
BARROSO, Luis Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos da class action norteamericana. In WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Doutrinas essenciais de
processo civil. Vol. 9, p. 585-601. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011. P. 592.
individual.4 Assim, não havendo notícia de que o autor tenha
intervindo na ação civil pública n. 0002320-59.2012.4.03.6183, e
sendo o resultado desta desfavorável, ainda que parcialmente, a ele –
na medida em que posterga o pagamento do que lhe é devido –, o seu
direito à ação individual se encontra incólume.
Com fulcro nesses fundamentos, e na mesma toada da jurisprudência dominante a
respeito da matéria, decidi pela não-sujeição do autor da ação individual aos termos do acordo
entabulado na ação civil pública n. 0002320-59.2012.4.03.6183.
Ocorre, entretanto, que posteriormente vim a me atentar para o julgamento do
REsp nº 1.110.549, processado pelo regime dos recursos repetitivos, pelo qual a Segunda
Seção do Superior Tribunal de Justiça, em decisão de 28/10/2009, por maioria decidiu que a
existência de ação civil pública para a garantia de direitos individuais homogêneos leva à
suspensão da ação individual, independentemente de pedido da parte, cabendo ao magistrado,
após o julgamento da ação coletiva, aplicar ao caso o decidido nesta. Eis a ementa do referido
acórdão:
RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE
SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE
ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE.
1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de
processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no
aguardo do julgamento da ação coletiva.
2.- Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º,
103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código
Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se
harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da
potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal
resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil,
com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672,
de 8.5.2008).
3.- Recurso Especial improvido.5
4
Salutarmente, o Projeto de Lei n. 5.139/2009, que visa a disciplinar a ação civil pública, prevê o direito à
exclusão, como se percebe pela leitura conjunta do artigo 13 e § 3º do artigo 34, verbis: Art. 13. Estando em
termos a petição inicial, o juiz ordenará a citação do réu e, em se tratando de interesses ou direitos individuais
homogêneos, a intimação do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como a comunicação dos
interessados, titulares dos respectivos interesses ou direitos objeto da ação coletiva, para que possam exercer,
até a publicação da sentença, o seu direito de exclusão em relação ao processo coletivo, sem prejuízo de ampla
divulgação pelos meios de comunicação social;
Art. 34. § 3º Os membros do grupo que não tiverem sido devidamente comunicados do ajuizamento da ação
coletiva, ou que tenham exercido tempestivamente o direito à exclusão, não serão afetados pelos efeitos da coisa
julgada previstos nos §§ 1º e 2º.
5
Segue trecho do voto do relator que bem explicita o sentido do que ficou decidido nessa ação: atualizando-se a
interpretação jurisprudencial, de modo a adequar-se às exigências da realidade processual de agora, deve-se
Segundo o relator, com o advento do regime dos recursos repetitivos trazido pela
Lei nº 11.672/2008, o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil
Pública devem ser submetidos a uma nova interpretação, consentânea com os fins buscados
pela introdução no processo civil da preferência pela resolução coletiva de macro-lides
ocasionada por aquela lei.
Assim, a partir do julgamento do REsp nº 1.110.549 as ações civis públicas terão,
na prática, o mesmo tratamento dado aos recursos repetitivos, previsto no art. 543-C do
Código de Processo Civil. Ainda com fulcro nesse julgamento, a faculdade de decidir pela
suspensão da ação individual não cabe mais ao seu autor – que poderia fazê-lo caso quisesse
se submeter à decisão da ação coletiva –, mas ao juízo onde ela se processa. Eis o trecho do
voto do relator em que isso fica expresso:
Mas a faculdade de suspensão, nos casos multitudinários abre-se ao
Juízo, em atenção ao interesse público de preservação da efetividade
da Justiça, que se frustra se estrangulada por processos individuais
multitudinários, contendo a mesma e única lide, de modo que válida a
determinação de suspensão do processo individual, no aguardo do
julgamento da macro-lide trazida no processo de ação coletiva.
O entendimento esposado nesse recurso especial foi confirmado pela Segunda
Seção em recentíssimo julgamento – decisão de 12/11/2014 –, no REsp nº 1.457.199, que teve
por relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.6
Na doutrina, a decisão foi festejada pelo processualista Fredie Didier Jr., professor
livre-docente da Universidade Federal da Bahia, que assim se manifestou: realmente, de nada
adiantaria não autorizar a suspensão ex officio, quando os recursos especiais provenientes
destas causas repetitivas poderiam ter o seu curso sobrestado, ex officio, por decisão do
ministro do STJ (art. 543-C, CPC). Era preciso dar coerência ao sistema.7
interpretar o disposto no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, preservando o direito de ajuizamento da
pretensão individual na pendência de ação coletiva, mas suspendendo-se o prosseguimento desses processos
individuais, para o aguardo do julgamento de processo de ação coletiva que contenha a mesma macro-lide.
A suspensão do processo individual pode perfeitamente dar-se já ao início, assim que ajuizado, porque, diante
do julgamento da tese central na Ação Civil Pública, o processo individual poderá ser julgado de plano, por
sentença liminar de mérito (CPC, art. 285-A), para a extinção do processo, no caso de insucesso da tese na
Ação Civil Pública, ou, no caso de sucesso da tese em aludida ação, poderá ocorrer a conversão da ação
individual em cumprimento de sentença da ação coletiva.
6
Segue transcrição de trecho da ementa: 1) Inviabilidade de imediata extinção das ações individuais englobadas
pela presente macro-lide (art. 104 do CDC), devendo permanecer suspensas até o trânsito em julgado da
presente ação coletiva de consumo, quando serão tomadas as providências previstas no art. 543-C do CPC
(Recurso Especial n. 1.110.549-RS).
7
Disponível em http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-74/. Acesso em 17 mar 2015.
Sendo assim, com fundamento no que restou decidido no REsp nº 1.110.549, o
recorrido deverá se submeter aos termos do acordo celebrado ação civil pública n. 000232059.2012.4.03.6183, especialmente no que concerne ao cronograma de pagamento das
diferenças havidas pela revisão da RMI do seu benefício.
Ante o exposto, voto pelo PROVIMENTO do recurso.
É como voto.
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO
TURMA RECURSAL
1ª Relatoria
PROCESSO N.
RECORRENTE
RECORRIDO
RELATOR
: 0018616-34.2014.4.01.3600
: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS
: ROSEMARA GONCALINA DE OLIVEIRA
: FÁBIO HENRIQUE RODRIGUES DE MORAES FIORENZA
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. ART. 29, II, DA LEI
8.213/91. SUBMISSÃO AOS TERMOS DO ACORDO CELEBRADO NA ACP N.
0002320-59.2012.4.03.6183. PRECEDENTES STJ.
1. No julgamento do REsp nº 1.110.549, processado pelo regime dos recursos repetitivos, a
Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em decisão de 28/10/2009, por maioria
decidiu que a existência de ação civil pública para a garantia de direitos individuais
homogêneos leva à suspensão da ação individual, independentemente de pedido da parte,
cabendo ao magistrado, após o julgamento da ação coletiva, aplicar ao caso o decidido nesta.
2. Segundo o relator, com o advento do regime dos recursos repetitivos trazido pela Lei nº
11.672/2008, o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública
devem ser submetidos a uma nova interpretação, consentânea com os fins buscados pela
introdução no processo civil da preferência pela resolução coletiva de macro-lides ocasionada
por aquela lei.
3. Assim, a partir do julgamento do REsp nº 1.110.549 as ações civis públicas terão, na
prática, o mesmo tratamento dado aos recursos repetitivos, previsto no art. 543-C do Código
de Processo Civil. Ainda com fulcro nesse julgamento, a faculdade de decidir pela suspensão
da ação individual não cabe mais ao seu autor – que poderia fazê-lo caso quisesse se submeter
à decisão da ação coletiva –, mas ao juízo onde ela se processa.
4. O entendimento esposado nesse recurso especial foi confirmado pela Segunda Seção em
recentíssimo julgamento – decisão de 12/11/2014 –, no REsp nº 1.457.199, que teve por
relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.8
5. Sendo assim, com fundamento no que restou decidido no REsp nº 1.110.549, o recorrido
deverá se submeter aos termos do acordo celebrado ação civil pública n. 000232059.2012.4.03.6183, especialmente no que concerne ao cronograma de pagamento das
diferenças havidas pela revisão da RMI do seu benefício.
6. Recurso provido.
ACÓRDÃO: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e a ele DEU provimento, nos
termos do voto do Juiz Relator.
8
Segue transcrição de trecho da ementa: 1) Inviabilidade de imediata extinção das ações individuais englobadas
pela presente macro-lide (art. 104 do CDC), devendo permanecer suspensas até o trânsito em julgado da
presente ação coletiva de consumo, quando serão tomadas as providências previstas no art. 543-C do CPC
(Recurso Especial n. 1.110.549-RS).
Cuiabá-MT, 19 de março de 2015.
FÁBIO HENRIQUE RODRIGUES DE MORAES FIORENZA
Juiz Relator
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