Revista de História, 5, 1-2 (2013), p. 85-106
http://www.revistahistoria.ufba.br/2013_1/a06.pdf
Propaganda do belo:
veículo musical na história da ideologia
Zoltan Paulinyi
Mestre em Música
Universidade de Brasília
Resumo:
Tradicionalmente, o estudo acadêmico da música insere-se dentro de
contextualização histórica. Este artigo traz evidências de que também o
estudo da história pode se beneficiar de uma abordagem musicológica. A
fundação do Conservatório de Paris, em 1795, apresenta ligação estreita
com a história da ideologia. Alfredo Bosi recomenda a historização tópica
de obras e palavras dos protagonistas do evento. A contextualização do
evento indica a necessidade de utilização da tradicional terminologia
metafísica do ramo aristotélico-tomista, abarcando conceitos de beleza,
arte, ideia, escola. Já o surgimento da ideologia é fato recente, para o
qual se sugere consolidação de taxonomia contemporânea, incluindo
conceitos de escola e de ideal. Apesar de serem notáveis as facetas
políticas e militares, a ideologia sistemática precedeu a ideologia política,
dada a grande força cultural da moderna escola violinística fomentada
pelo Conservatório de Paris. A difusão da ideologia pela música também
influenciou o desenvolvimento da história brasileira a partir de 1816.
Palavras-chave:
Conservatoire National Supérieur de Musique et de Danse (França)
Brasil — Vida intelectual — Século XIX
Música — Conservatórios
Agradeço o incentivo da Dr.ª Cléria Botêlho da Costa e da Dr.ª Lucília de
Almeida Neves Delgado, e a orientação do Pe. Rafael Stanziona de
Moraes na argumentação filosófica. Agradeço beneplácito divino no apoio
da esposa Iracema e da família; a acolhida da Unidade de Investigação
em Música e Musicologia da Universidade de Évora, Portugal, onde
desenvolvo missão de estudo e pesquisa patrocinada pela Orquestra
Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, Distrito Federal; a
orientação do Dr. Christopher Bochmann; e o apoio do Dr. Benoît Gibson.
M
usicologia é o estudo acadêmico da música. Estruturada no final
do século XIX, a disciplina possui como objeto de estudo a arte da
música sob diversos aspectos, como fenômeno físico, psicológico,
estético e cultural.1 Joseph Kerman vem incentivando sistematicamente o
diálogo da musicologia com outros domínios do conhecimento, tendo sido a
área histórica predominante.2 A metodologia musicológica comumente
adotada se baseia numa contextualização histórica de obras musicais,
procedimento simples e coerente com o fato de ser a música uma escultura
sonora no tempo. No entanto, será que a história, como disciplina acadêmica,
também pode se enriquecer reciprocamente com a musicologia? O objetivo
deste artigo é mostrar que a fundação do Conservatório de Paris, em 1795,
se relaciona com o desenvolvimento conceitual da ideologia, cujos reflexos se
sentem diretamente até mesmo na história do Brasil.
Música, ideologia e história forjam um tema que relaciona
conceitos interdisciplinarmente. Para enquadrar esta tarefa de modo eficaz,
Alfredo Bosi indica uma metodologia precisa: a historização tópica de obras e
palavras
dos
fundamentação
protagonistas.3
teórica
de
Justifica-se
Bosi
por
ser
o
uso,
uma
neste
publicação
estudo,
recente
da
e
aprofundada sobre ideologia, dentro de um contexto internacional. Esta
primeira seção almeja desenvolver a proposta de Bosi na terminologia sobre
ideologia, estabelecendo dois conceitos compostos: ideologia política e
ideologia sistemática.
A interpretação de fatos históricos musicais revelará que os
professores fundadores do Conservatório de Paris tornaram eficazes o
agrupamento e a disseminação de ideologias. Em face disso, será mister
contextualizar este assunto entre os seguintes conceitos filosóficos: beleza,
ideia e ideal. Essa contextualização ultrapassa o domínio estético, ramo
obscurecido no final do século XX. Será, portanto, abordado por autores da
área metafísica de ramo aristotélico-tomista. Esse sistema filosófico, além de
atual e alinhar-se com clareza à tradição estabelecida por Aristóteles, é
coerente com o clássico sistema de pensamentos dos protagonistas da
fundação do Conservatório de Paris na passagem dos séculos XVIII e XIX.
1
Vincent Duckles et al., “Musicology”, in: Oxford Music Online, Oxford, Oxford University
Press, 2007, http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/46710pg1,
acesso em 5 jun. 2010.
2
Joseph Kerman, Musicologia, São Paulo, Martins Fontes, 1987.
3
Alfredo Bosi, Ideologia e contraideologia: temas e variações, São Paulo, Companhia das
Letras, 2010.
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86
Além
disso,
a
abordagem
metafísica
possui
tendência
a
ser
mais
universalizante do que a estética. A utilização interdisciplinar de conceitos
metafísicos é útil na correta articulação de ideias entre história e
musicologia, cujo mecanismo de atuação poderá ser explicado pelos graus de
convicção e de sinceridade dos protagonistas dos fatos históricos aqui
citados.
A segunda seção consolida a terminologia proposta, a qual será
aplicada à descrição da fundação e da expansão cultural do Conservatório de
Paris, concluindo com alguns desdobramentos também na história do Brasil.
Terminologia
Os grandes avanços técnicos do século XX foram acompanhados
de fundamentais questionamentos humanistas relacionados ao verdadeiro
significado das coisas, em virtude da crescente insatisfação com realidades
desumanas, com as grandes guerras, construídas pela sobreposição de
incoerências coletivas, somadas a conflitos individuais. A confusão atingiu tão
elevado grau a ponto de Lorand declarar, na Sociedade Americana de
Estética, a beleza como sendo um conceito difícil! 4 Curioso este recente
ofuscamento intelectual, pois a história da filosofia já considerava essa
conceituação bem resolvida desde a Idade Média, quando São Tomás de
Aquino (1225-1274) relacionava a beleza à conjunção de três fatores:
integridade, proporção e clareza, em face de a inteligência amar o ser, a
ordem e a inteligibilidade, respectivamente. 5
Esse triste obscurecimento é típico do século XX, no qual se
percebe que “o mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não
cair no desespero. A beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração
dos homens, é este fruto precioso que resiste ao passar do tempo”. 6 Definese, de modo preciso, que “a beleza é a expressão visível do bem, do mesmo
modo que o bem é a condição metafísica da beleza”. 7 Em metafísica,
visibilidade ultrapassa a experiência sensorial: refere-se, antes, à clareza com
4
Ruth Lorand, “In defense of beauty”, Ideas (2007), http://www.aesthetics-online.org/articles/
index.php?articles_id=34, acesso em 16 jun. 2010.
5
Jacques Maritain, Art et scolastique, 4.ed., Paris, Art Catholique, 1920.
6
Igreja Católica. Papa (1963-1978: Paulo VI), “Aos artistas”, in: Mensagem do Concílio
Vaticano II à humanidade, Vaticano, 8 dez. 1963, http://victorix.no.sapo.pt/de_outros/
humanidade.htm, acesso em 14 abr 2010.
Revista de História, 5, 1-2 (2013), p. 85-106
87
que o ser se apresenta para o intelecto. Luz e clareza são termos utilizados
para se referir à visualização eidética, a qual se relaciona com a essência das
coisas.8 Noutra forma de se expressar a mesma afirmação, beleza é a
expressão inteligível do bem. Assim como o mal é ausência do bem, feiura é
ausência da beleza.
Dado isso, é natural a sociedade voltar-se para os artistas,
honrosamente nomeados como guardiões da beleza.9 Toda pessoa é
incumbida de ser artífice da própria vida, moldá-la como uma singular obra
de arte. Mais do que exercer a didática tarefa de exibir a beleza, cabe ao
artista construí-la. Para isso, o artista faz o juízo universal relativamente a
objetos semelhantes.10
A arte criativa do ser humano difere essencialmente do poder
divino: só o Criador, onipotente, pode tirar algo do nada; o artista humano
assemelha-se, antes, ao artífice, que “utiliza algo já existente, a que dá forma
e significado”.11 Portanto, o artista plasma a “matéria” estupenda da sua
humanidade e depois exerce um domínio criativo sobre o universo que o
circunda. Sua atividade modeladora manifesta o aspecto condescendente do
Criador: o artista humano se revela como “imagem de Deus” ao receber uma
centelha da transcendente sabedoria do Artista divino. A ação da arte
consiste em imprimir uma ideia sobre uma matéria. Por isso, Jacques
Maritain considera a arte de ordem intelectual, pertencente ao domínio da
ação produtiva; tal “fazer” ordena-se a um fim, relacionado ao bem próprio
ou à perfeição da própria obra produzida.12
Já indagava Pierre Baillot, um dos violinistas fundadores do
Conservatório de Paris: como deve se guiar o artista para direcionar
sabiamente seu talento e não cair em erros perigosos? 13 A busca de sentido
impulsiona na construção da mensagem: “o artista vive sempre à procura do
7
Igreja Católica. Papa (1978-2005: João Paulo II), Carta do Papa João Paulo II aos artistas,
Vaticano, Vaticano, Libreria Editrice Vatincana, [S.d.], http://www.vatican.va/holy_father/
john_paul_ii/letters/documents/hf_jp-ii_let_23041999_artists_po.html , acesso em 14 abr. 2010.
8
Jacques Maritain, Sete lições sobre o ser e os primeiros princípios da razão especulativa,
2.ed., São Paulo, Loyola, 2001, p. 52.
9
Igreja Católica. Papa (1963-1978: Paulo VI), Mensagem do Concílio Vaticano II.
10 Aristóteles, Metafísica, São Paulo, Edipro, 2006, p. 44.
11 Igreja Católica. Papa (1978-2005: João Paulo II), Carta do Papa João Paulo II aos artistas.
12 Maritain, Art et scolastique, p. 15-17.
13 Pierre Marie François de Sales Baillot, The art of the violin, 4.ed., Evanston, Northwestern
University Press, 1991, p. 11.
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sentido mais íntimo das coisas; toda a sua preocupação é conseguir exprimir
o mundo do inefável”.14 Na tentativa de se expressar, portanto, o artista visa
a um ideal. Ideal vem do grego ἰδέα, significando visão ou contemplação; é
“derivado do termo que Platão usou para designar ideias ou formas eternas,
cada uma perfeita no seu tipo”.15
O ideal claro e límpido permite ao artista identificar escolhas. Há
várias comparações possíveis. Um escultor escolhe uma pedra adequada em
função de seu tamanho, forma e material se harmonizarem ao ideal que
deseja exprimir. Um luthier galiva a madeira para obter um violino de forma
e função sonora semelhante ao idealizado. Já se questionava Leopold Mozart
(1719-1787), notório professor de violino e pai de Wolfgang Amadeus Mozart,
pelas grandes diferenças de qualidade nos violinos:
Como podem ser, então, os violinos tão diferentes uns dos
outros? […] É na totalidade devido à diferença entre o
trabalho de um homem e o de outro. Todos eles decidem a
altura, espessura e outros parâmetros pelo olho, nunca se
atendo a quaisquer regras fixas; de modo que enquanto um é
bem sucedido, o outro falha. Isso é um mal que realmente
priva a música de grande parte da sua beleza. 16
Em face dos muitos graus de complexidade das tarefas humanas,
cada atividade pode agregar diversos ideais concomitantemente, os quais
podem ser hierarquizados. Da mesma forma com que um astro faz seus
planetas orbitarem ao redor de si, o ideal maior agrupa ideais subordinados.
Um pintor que deseja homenagear a amizade retratando seus amigos pode
buscar cenários que enfoquem a alegria da existência de tais pessoas. Depois
do cenário, terá que escolher as cores pela mistura adequada das tintas,
cores com determinadas tonalidades que tenham algum significado associado
à alegria, à existência, à amizade. Pode-se imaginar que tal escolha seja
meramente técnica e com restrições impostas pela composição do cenário. É,
porém, subordinada a um ideal maior: a homenagem à amizade, seguida da
alegria da existência. A própria escolha do sujeito é contingente: em outra
circunstância, o pintor poderia optar por uma natureza morta. No segundo
14 Igreja Católica. Papa (1978-2005: João Paulo II), Carta do Papa João Paulo II aos artistas.
15 S. C. Sinha, Dictionary of Philosophy, 2. ed., Anmol, 1996, p. 92-93.
16 Leopold Mozart, A treatise on the fundamental principles of violin playing, 2. ed., Oxford
University Press, 1985, p. 14-15.
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caso, o ideal da existência da natureza morta guiaria os demais ideais
técnicos subordinados.
Como
se
transmitem
ideais?
Para
o
músico
comunicar-se
eficazmente com o ouvinte, o artista deve conquistar a atenção e a confiança
do receptor de sua mensagem. A expressão é sincera quando o artista
acredita (confia) no seu ideal. O poder de persuasão relaciona-se com o grau
de sinceridade avaliado subjetivamente pelo observador, mediante fatos
concretos que testemunhem sua convicção; por exemplo, o tempo e o esforço
gastos na conquista de um ideal, entre outros parâmetros. Tal convicção se
enquadra em dois tipos: crença e fé. Pode-se argumentar que opinião, um
julgamento
subjetivo
não
necessariamente
baseado
em
fatos
ou
conhecimentos, seja um tipo de convicção; porém, a generalidade deste
conceito exige um procedimento analítico que foge ao escopo deste artigo. Já
a definição dos tipos de convicção ajuda o historiador a compreender parte
dos
mecanismos
de
absorção
e
propagação
ideológica,
fortemente
relacionados à música, como mostrado na próxima seção.
Crença refere-se a uma atitude epistemológica em classificar uma
proposição como verdadeira ao se encontrar algum grau de evidência. 17
Crença, claramente relacionada com o conhecimento, é mais forte do que a
opinião não fundamentada. Fé é uma atitude de crença que vai além da
evidência experimental;18 “é a aceitação de ideais que são teoricamente
indemonstráveis, mas necessariamente vinculados à realidade inquestionável
do livre arbítrio”.19
A importância da crença na nossa vida pessoal cresce à medida
que nos deparamos com nossas limitações individuais. A restrição do espaçotempo na atuação pessoal nos força a acreditar em numerosos fatos
científicos, cuja comprovação é meramente anunciada em livros, ou mesmo
verbalmente por colegas e amigos nos quais depositamos confiança.
Simplesmente, limita-nos o tempo para comprovar todos os itens da realidade
que nos cerca.
17 Sinha, Dictionary of Philosophy, p. 26.
18 Sinha, Dictionary of Philosophy, p. 72.
19 Otto F. Kraushaar, “Faith”, in: Dagobert D. Runes et al., The dictionary of Philosophy, New
York, Philosophycal Library, 1942, p. 107-108, http://www.ditext.com/runes/f.html, acesso em
17 abr. 2010.
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Na vida duma pessoa, são muito mais numerosas as verdades
simplesmente acreditadas que aquelas adquiridas por
verificação pessoal. Na realidade, quem seria capaz de
avaliar criticamente os inumeráveis resultados das ciências,
sobre os quais se fundamenta a vida moderna? Quem
poderia, por conta própria, controlar o fluxo de informações,
recebidas diariamente de todas as partes do mundo e que,
por princípio, são aceites como verdadeiras? Enfim, quem
poderia percorrer novamente todos os caminhos de
experiência e pensamento, pelos quais se foram acumulando
os tesouros de sabedoria e religiosidade da humanidade?
Portanto, o homem, ser que busca a verdade, é também
aquele que vive de crenças.20
Leonard Meyer, teórico da música e historiador da cultura, atribui
uma importância ainda maior à crença em seu estudo sobre emoções e
significados em música.21 Ele compara a emoção a uma espécie de
magnetismo psicológico: pode ser descrito fenomenologicamente mesmo sem
determinar sua essência com exatidão. A consciência da natureza do estímulo
musical participa do processo de diferenciação emocional e afetiva. Dado
isso, Hebb classifica a agradabilidade da experiência emocional em função de
sua resolução.22 Ao analisar essa hipótese de Hebb, Meyer conclui que
“o encanto de uma emoção parece residir não no fato de sua própria
resolução, mas na crença em resolução — a crença, se verdadeira ou falsa,
de que haverá resolução”.23
Exemplificando com uma aplicação rotineira no meio acadêmico,
sinceridade e convicção são valiosos itens na metodologia da delimitação de
critérios de avaliação das fontes primárias. A importância de pesquisas e
tratados baseados em tradição, alguns aqui citados, é avaliada pelo
testemunho pessoal dos autores e pelo esforço na elaboração dos respectivos
documentos. Por isso, alguns tratados são mais significativos do que outros,
dentro do escopo estabelecido. O tratado de Baillot, em que pese expor
conteúdo técnico da arte do violino, ocupa significativo trecho de seus
escritos com questões ideológicas, fato que sugere considerar a música como
20 Igreja Católica. Papa (1978-2005: João Paulo II), Carta do Papa João Paulo II aos artistas,
grifo meu.
21 Leonard B. Meyer, Emotion and meaning in music, Chicago, University of Chicago Press,
1956, p. 19.
22 É necessário salientar que agradabilidade e beleza são conceitos que não se relacionam
diretamente.
23 Meyer, Emotion and meaning in music, p. 19. Meyer introduz sólidos conceitos
interdisciplinares apesar de assumir premissas que se afastam da natureza linguística
da música.
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um importante veículo ideológico. Além disso, grande parte da transmissão
artística, principalmente na escola violinística ocidental, só se realizou e
continua
se perpetuando pela
tradição oral, mesmo com
excelentes
suplementos escritos, muitos dos quais têm sido continuamente revisados nos
últimos três séculos.24 Tal testemunho pessoal, oriundo da tradição de
artistas de conservatórios e academias, constrói a autoridade docente sobre a
resposta convicta do aluno fundamentado na sinceridade de seu professor.
Este mecanismo permanece vigente até hoje. Convicção e sinceridade são,
por conseguinte, elementos significativos tanto na ação artística quanto na
condução de atos humanos. Como visto anteriormente, atos humanos
significativos são motivados por ideais. Portanto, a propagação de ideais
catalisa-se pela sinceridade do transmissor somada à respectiva aceitação
pela crença do receptor.
Como se encontra um ideal? Um ideal nem sempre se apresenta
panfletado explicitamente. Por isso, buscam-se formas indiretas de estudá-lo.
Obras artísticas, por exemplo, são impregnadas dos ideais que as forjaram.
No caso do conjunto de obras apresentadas em concerto, a escolha do
repertório agrega significados que refletem o ideal estético do produtor.
Ademais, os tipos de fraseado, a qualidade e a intensidade do som seguem
ideais subordinados, agregados pelo intérprete.
Deve-se evitar confusão de “ideal” com termos relacionados a
idealismo e ideologia. Dá-se o nome de idealismo a um grupo de teorias
filosóficas em que o mundo exterior é de alguma forma criada pela mente;
este termo não será explorado neste texto. Ideologia, por outro lado, é uma
palavra que reveste dois significados diferentes, os quais necessitam de
dísticos para melhor condução deste estudo: ideologia política e ideologia
sistemática.
Considero ideologia política como sendo o conjunto de ideias e
normas direcionando atos políticos e sociais, da forma como Sinha propõe. 25
Surgiu no contexto da Revolução Francesa, inventado por Destutt de Tracy e
usado de modo depreciativo por Napoleão Bonaparte. 26 É nesse contexto
24 Casos raros de autodidatismo costumam ter pouco impacto artístico internacional. Por vezes,
camuflam ingratidão do discípulo para com seu mestre.
25 Sinha, Dictionary of Philosophy, p. 93.
26 George Boas, “Ideology”, in: Runes
et al., The
http://www.ditext.com/runes/i.html, acesso em 17 abr. 2010.
dictionary
of
Philosophy,
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92
político que o culto às ideologias vem sendo criticado atualmente, como
expressa Bertone:
com o tempo, a verdade foi substituída pela ideologia, ou
pelo ceticismo e niilismo. Mas tudo isto, à diferença da
verdade, não nutre; ao contrário, intoxica; não ilumina o
intelecto, mas ilude-o; não alimenta a vida interior, mas
mortifica-a ou até a sufoca; não reforça os valores, mas
torna-os mais incertos ou até os esvazia.27
Alfredo Bosi, em seu extenso e minucioso tratado sobre ideologia,
percebeu a incômoda divergência conceitual deste termo mesmo dentro do
campo político, lembrando a recente “distinção estabelecida por Mannheim
entre um sentido político forte e valorativo e um sentido cultural difuso do
termo”.28 O sentido cultural difuso relaciona-se com práticas generalizantes
sociais,
mentalidade,
estilo
de
época,
visão
de
socioeconômicas consequentes de decisões políticas.
mundo
29
e
práticas
Bosi até propôs a
padronização do significado forte, agregando-lhe adjetivos para denotações
políticas ou partidárias inequívocas. Essa descrição conceitual é, todavia,
insuficiente para tratar de fenômenos culturais e artísticos complexos,
abrangentes e aparentemente apolíticos, como os encontrados em estudos
musicológicos.30 Kerman, por exemplo, utiliza um conceito de ideologia que
pode ser melhor especificado como
ideologia sistemática: o sistema
“claramente coerente de ideias reunidas não para propósitos estritamente
intelectuais, mas a serviço de uma forte crença comum”. 31 Aparentemente,
trata-se de uma definição mais ampla do que a ideologia política. Contudo,
difere em sua natureza: a primeira (política) dita regras, a segunda
(sistemática) está a serviço das pessoas. A clara distinção das ideologias
sistemática e política mostrar-se-á importante na história dos ideais do
27 Igreja Católica. Cúria Romana, Discurso do Cardeal Tarcisio Bertone por ocasião do
congresso internacional sobre “Cristianismo e secularização: desafios para a Igreja e
para a Europa, Vaticano, 29 de maio de 2007, Vaticano, La Curia Romana, 2007,
http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/card-bertone/2007/documents/rc_segst_20070529_universita-europea_po.html, acesso em 17 abr. 2010.
28 Bosi, Ideologia e contraideologia, p. 419, grifo no original.
29 Bosi, Ideologia e contraideologia, p. 73-74, 398-421.
30 Por ser frequentemente um produto coletivo, música possui imanente potencial político,
apesar de nem sempre ser partidarizado. Do grego antigo, πολιτικός refere-se aos cidadãos,
ao governo da comunidade (Henry George Liddell e Robert Scott, A Greek-English Lexicon
Medford, Tufts University, 2007, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus
%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry%3Dpolitiko%2Fs, acesso em 8 ago. 2012.
31 Kerman, Musicologia, p. 314.
Revista de História, 5, 1-2 (2013), p. 85-106
93
repertório violinístico, na qual a ideologia política militar francesa catalisou o
alastramento da ideologia sistemática da arte do violino, precedida pela
afinidade artística dos ideais de seus protagonistas.
Nem sempre estes conceitos se relacionam diretamente. Kerman
utiliza o conceito de ideologia sistemática quando diz que “o verdadeiro meio
intelectual da análise não é ciência, mas ideologia”. 32 Por outro lado, fé não
implica necessariamente religião, nem ideologia. Como exemplo, pode-se
citar que “a fé cristã não é ideologia, mas encontro pessoal com Cristo
crucificado e ressuscitado”.33
Curiosamente, a existência da ideologia sistemática é refutada por
Bosi ao endossar a opinião de Lukács, para quem nem mesmo uma difusão
social mais ampla seria capaz de transformar um complexo de pensamentos
diretamente em ideologia, exceto na existência de uma função social bem
determinada.34 Contudo, no caso específico da conformação das escolas
violinísticas, este artigo mostra que a configuração dos ideais artísticos numa
ideologia sistemática (num “complexo de pensamentos”) precedeu a ideologia
política revolucionista francesa. Por isso, as ideologias sistemática e política
podem relacionar-se hierarquicamente, fato despercebido por Bosi. É até
possível pensar em situações históricas nas quais uma ideologia política
possa subordinar-se às afinidades subjetivas de protagonistas engajados em
alguma ideologia sistemática.
Como se transmite ideologia? A comunicação de ideias, de ideais e
também de ideologias é resultado de diversas práticas de ensino. Portanto,
escolas são notáveis difusoras de ideias. Paulo Bosisio encontra e compara
diferentes conceitos de “escola” especificamente aplicados no discurso da
arte violinística.35 Em geral, escola é um grupo de pessoas que têm em
comum as mesmas ideias, métodos, estilo. Neste texto, o termo “escola” será
usado primordialmente para designar grupo de músicos (ou, genericamente,
artistas e pensadores) que seguem uma tradição técnica e estética bem
32 Kerman, Musicologia, p. 314.
33 Igreja Católica. Papa (2005-2013: Bento XVI), Homilia do papa bento xvi durante a missa na
paróquia romana de “deus pai misericordioso”, domingo, 26 de março de 2006 , Vaticano,
Libreria Editrice Vaticana, 2006 http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/
2006/documents/hf_ben-xvi_hom_20060326_parrocchia-roma_po.html, acesso em 13 abr. 2010.
34 Lukács apud Bosi, Ideologia e contraideologia, p. 119. Notar a relação entre “complexo de
pensamentos” e “ideologia sistemática”, pela definição de Kerman.
35 Paulo Bosisio, Paulina D’Ambrósio e a modernidade violinística no Brasil, Dissertação
(Mestrado em Música), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996, p. 5.
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definida. Define-se estética pelo conjunto de princípios e ideais que guiam a
criação de obras artísticas.
A contextualização histórica desses conceitos pode ser apreciada
na comparação de documentos relacionados à fundação do Conservatório de
Paris. O conjunto desses documentos constitui-se principalmente por tratados
musicais e partituras. Há vários métodos musicológicos de estudo de
partituras, como análise formal, melódica e harmônica. A análise formal trata
da identificação, comparação, articulação e relação entre as diversas partes
de uma composição. Citando-se a exaltação de elementos clássicos, uma
característica cultural do final do século XVIII em Paris, esse fenômeno pode
ser apreciado, por exemplo, pelo estabelecimento de uma retórica baseada
na forma “tese-antítese-síntese”. Musicalmente, essa retórica resultou na
forma sonata, onde a justaposição de dois temas contrastantes, quando
comparada a uma tese, desenvolve-se numa antítese e conclui-se numa
espécie de síntese.36 A análise melódica geralmente se associa com o estudo
da harmonia. Ambas possuem a finalidade de averiguar se os elementos
internos da obra musical são congruentes com sua forma. Muitos métodos
musicológicos baseiam-se na comparação entre semelhanças e diferenças de
documentos musicais em relação a modelos canônicos mais conhecidos. Este
artigo assume que uma aproximação artística reflete alinhamento ideológico
por causa da associação com uma escola específica.
Sendo este breve texto direcionado a leitores de outras áreas, não
serão dados exemplos de partituras, mas apenas conclusões de trabalhos
técnicos musicológicos para fundamentar a argumentação apresentada aqui.
O leitor encontrará o devido aprofundamento analítico das partituras na
bibliografia citada.
Ideologia e a fundação do Conservatório de Paris
O evento relacionado à fundação do Conservatório de Paris forjou
a cultura musical de toda a Europa durante o século XIX. Esse fato histórico
sugere que a música foi protagonista na difusão de ideais e na consolidação
do próprio conceito de ideologia.
36 É mister diferenciar “sonata”, um conjunto de contrastantes movimentos instrumentais, da
forma sonata propriamente dita, sucintamente explicada neste texto.
Revista de História, 5, 1-2 (2013), p. 85-106
95
O final do século XVIII teve a produção musical polarizada em
Viena e Paris, que mantiveram contínuo contato artístico. Enquanto a escola
austríaca era centrada em compositores mais ligados ao piano, como Haydn,
Mozart, Beethoven, Schubert, entre outros, a escola francesa agrupou-se ao
redor de violinistas descendentes da antiga escola de Gaviniés, Lully e Rebel,
fundida com a tradição de Corelli e Tartini. 37 O mérito da conexão dessas
escolas francesa e italiana é de Giovanni Battista Viotti (1755-1824),
discípulo de Pugnani, ao lado do qual iniciou brilhante carreira internacional
como concertista. Conquistou a admiração instantânea dos franceses após
um ano e meio de concertos em Paris em 1782, quando inexplicavelmente
decidiu se aposentar do palco. A partir do início de 1784, Marie Antoinette
ofereceu-lhe
generosa
pensão
em
Versailles
para
conduzir
diversas
orquestras e ensinar a arte do violino. Assim, quando a Revolução o forçou a
se mudar para Londres em 1792, já tinha formado um grupo de violinistas
talentosos e idealistas que fundariam o Conservatório de Paris. Por isso,
Viotti é considerado o pai da moderna escola francesa de violino. Ele
acrescentou seu gênio pessoal aos ensinamentos de Pugnani, desenvolvendo
um novo estilo que aproveitava todas as qualidades do novo arco Tourte e dos
melhoramentos externos do violino: cordas mais grossas, braço mais
comprido e anguloso, barra harmônica mais grossa, alma de maior calibre,
desenho diferente do cavalete.
A fundação do Conservatório de Paris em 1795 reuniu importantes
pedagogos, alguns dos quais alunos diretos de Viotti, como Rode e Kreutzer,
entre dezenas de outros menos expressivos. Liderados por Baillot, os três
publicaram um método de violino em 1802 que incorporou os recursos
técnicos em uso atualmente. Aquele método foi rapidamente difundido pela
Europa, formando violinistas bem sucedidos em vários países. Neste texto, a
atenção
foca-se
na
aglutinação
dos
ideais
violinísticos
e
de
suas
consequências técnicas durante a batalha ideológica do final do século XVIII
e início do XIX protagonizada pelos franceses.
Pierre Marie François de Sales Baillot (1771-1842) foi violinista e
compositor parisiense. Em 1783, em razão da morte de seu pai, foi enviado à
Roma por M. de Boucheporn para estudar violino com Pollani, aluno de Pietro
Nardini (1722-1793). Em 1791, iniciou a carreira em Paris com ajuda de
37 Bruce R. Schueneman, The French violin school: Viotti, Rode, Kreutzer, Baillot and their
contemporaries, Kingsville, The Lyre of Orpheus Press, 2002, p. 1-27. Ver também Chappell
White, “Viotti, Giovanni Battista”, in: Oxford Music Online, http://www.oxfordmusiconline.com/
subscriber/article/grove/music/29483, acesso em: 4 mai. 2010.
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Viotti, após estreitar amizade com Rode. Estudou composição com Catel,
Reicha e Cherubini. Ao apresentar um concerto de Viotti, conquistou um
cargo de docência temporária no recém-fundado Conservatório de Paris em
1795, assumindo-o oficialmente em 1799. Depois disso, foi bem sucedido em
turnês pela Europa e Rússia. Liderou a Orquestra da Ópera de Paris entre
1821 e 1831. Também liderou a orquestra da Chapelle Royale a partir de
1825. Ele é responsável pela revitalização da música antiga, principalmente
de obras de J. S. Bach, Barbella, Corelli, Germiniani, Handel e Tartini. 38
Baillot foi o grande incentivador da introdução da música de câmara no
currículo do Conservatório de Paris. No entanto, ele não conseguiu isso
pessoalmente, mas somente por meio de seu filho René, que inaugurou a
cátedra de música de câmara em 1848. 39 Antes disso, o gosto musical
parisiense preferia a ópera, as apresentações virtuosísticas e orquestrais.
Mesmo nas formações de quarteto, que atualmente se caracterizaria como
música de câmara, o primeiro violino geralmente tocava em pé para destacarse do restante do grupo.
O método de violino elaborado por Baillot, Rode e Kreutzer em
1802, para uso no Conservatório de Paris, serviu de modelo para outros
conservatórios. Um ótimo exemplo é a tradução para o italiano dedicada a
Alessandro Rolla (1757-1841), compositor, violinista, violista, regente e
fundador do Conservatório de Milão em 1808, que provavelmente utilizou o
bem sucedido método da instituição francesa em suas aulas de violino e
viola.40 Rolla é conhecido por ter encaminhado Niccolò Paganini (1782-1840)
ao professor Gaspare Ghiretti em 1795 em Parma.
O método de violino do Conservatório exalta a antiguidade do
instrumento, o caráter divino do seu som e seus recursos técnicos e
artísticos. Logo em sua introdução, o método incentiva a perseverança do
aluno a desenvolver sua sensibilidade e entendimento; recomenda a
formação do bom gosto pela busca diária da perfeição ideal pelo artista
dotado de um espírito reto e imaginação ardente; adota a regra de que o
38 Paul David et al., “Baillot, Pierre”, in: Oxford Music Online, http://www.oxfordmusiconline.com/
subscriber/article/grove/music/01797, acesso em 21 mar. 2010.
39 Louise Goldberg, “Editor’s introduction”, in: Baillot, The art of the violin, p. xix.
40 Baillot, Pierre Rode, Rodolphe Kreutzer, Metodo di violino compilato dal Signor Baillot,
Torino, Fratelli Reycend & Co., [ca 1810], http://imslp.org/index.php?title=Violin_School_
(Baillot,_Pierre)&oldid=381187, acesso em 1 mai. 2010. Ver ainda Antonio Rostagno, “Rolla,
Alessandro”, in: Oxford Music Online, http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/
grove/music/23709, acesso em 21 mar. 2010.
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verdadeiramente belo é tudo que toca o coração; adverte, no artigo VII, que
não adianta meramente segurar corretamente o violino e o arco, mas que o
corpo
deve
ter
uma
atitude
nobre
e
harmoniosa
que
favoreça
o
desenvolvimento de todos os meios musicais.41 Contudo, nota-se um
amadurecimento em Baillot após mais de quatro décadas de docência,
quando finalmente considerou que “beleza torna-se sinônimo de bom para o
artista”, o que se aproxima muito da definição aristotélica-tomista aqui
adotada de que a beleza é expressão inteligível do bem. 42 O método do
Conservatório de Paris propõe vários tipos de ideais, principalmente pelos
exercícios musicais que favorecem o desenvolvimento de um som forte, limpo
e uniforme do talão até a ponta do arco.
O tratado de Baillot está escrito numa linguagem apaixonada, mas
muito precisa tecnicamente, encharcado de ideais. Por exemplo, Baillot
esclarece que a função do gênio é criar novos efeitos; do gosto, regular seus
usos; do tempo, sancioná-los.43 À pergunta inicial sobre em que deve se guiar
o artista para direcionar sabiamente seu talento, Baillot percebe a
necessidade de fixar o objetivo moral ao identificar a grande influência da
música sobre a alma.44 Neste sentido, ele parece vislumbrar um elevado ideal
de música como linguagem e harmonia universais, não propriamente de
entendimento globalmente literal, mas de comunhão de paixões capaz de unir
pessoas de todas as nações, crenças e profissões:
Guardião do fogo sagrado, o artista [moderno, do séc. XIX,]
estabelece como sua glória e felicidade a comunicação desta
chama a seus seguidores; ele os mantém debaixo do charme
desta linguagem universal, que é compreendida em todo
lugar pelo sentimento, sendo ininteligível somente para as
pessoas pobremente afinadas consigo mesmas.45
41 É interessante comparar o referencial da filosofia ilustrativa com a tradição milenar
aristotélica de ramo tomista. O belo, sendo expressão do bem, é uma qualidade eidética
absoluta na metafísica tomista. Por outro lado, a definição relativista adotada inicialmente no
Conservatório de Paris necessitou de imposição pela força ideológica para evitar
desmoronamento com o advento positivista do século XIX semeado pelos próprios sofistas da
Ilustração. Para as pessoas fora do círculo acadêmico, o relativismo tornou-se tão
generalizado, que o belo foi substituído pelo gosto pessoal. O gosto coletivo, impondo-se ao
indivíduo, desaguou em fenômeno conhecido como massificação.
42 Baillot, The art of the violin, p. 11, grifos no original.
43 Baillot, The art of the violin, p. 9.
44 Baillot, The art of the violin, p. 11-12.
45 Baillot, The art of the violin, p. 13-14.
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Baillot finalmente exalta o ideal de abnegação, humildade, retidão
e generosidade do artista, imputando-lhe a missão de propagar a paz e o
amor universal. Na arte, a rivalidade perde seu caráter hostil e age em favor
da união. Por isso, emulação deveria ser uma das grandes virtudes
fomentadas pelos conservatórios, nos quais o prêmio conquistado pelo
vencedor se tornaria alegria comum, fazendo a arte estender seu domínio
aspirando a novos triunfos.46
Apesar de o sistema de conservatórios ter se originado na Idade
Média, a criação do Conservatório de Paris tinha como propósito mais do que
preparar alunos: unir, em um só corpo de princípios, as bases de todos os
diversos ramos de instrução, aproximando-se à definição de escola usada
neste estudo.47
Aqui vem um dos argumentos principais deste artigo: a escola
francesa, fruto da ideologia sistemática, não se impôs espontaneamente no
meio cultural europeu pelo mero reconhecimento artístico, mas pela força da
ideologia política. Tinha, sim, um método eficiente e dezenas de alunos
organizados cultivando os mesmos ideais. Ainda mais importante, a expansão
imperial francesa a partir de 1804 semeou, pela Europa, a cultura militar
parisiense. O musicólogo Maiko Kawabata percebe que o Conservatório de
Paris foi um produto direto da Revolução Francesa, originalmente sendo uma
instituição para o treinamento de instrumentistas para bandas militares. 48
Assim, muitos violinistas daquela época faziam referência, cada vez mais, às
bandas militares, a ponto de Kawabata defender a tese de que “os
virtuosísticos códigos de performance, um sistema de gestos físicos e
musicais, combinaram-se para criar a impressão geral do violinista como um
herói, um símbolo do poder militar”.49 Kawabata apresenta uma detalhada
análise do repertório violinístico do início do séc. XIX para mostrar que os
46 Baillot, The art of the violin, p. 13-14.
47 Baillot, The art of the violin, p. 10.
48 Maiko Kawabata, “Virtuoso codes of violin performance: power, military heroism, and gender
(1789-1830)”, 19th-Century Music, 28, 2 (2004), p. 97, http://www.jstor.org/stable/10.1525/
ncm.2004.28.2.089, acesso em 20 set. 2009. É curioso notar que os instrumentos de sopros
foram incorporados ao exército português em 1802 para formar Banda da Brigada Real, a
primeira banda moderna que teria chegado ao Brasil em 1808. Vide Cunha Mattos apud
Fernando Pereira Binder, “Novas fontes para o estudo das bandas de música brasileiras”, in:
Encontro de Musicologia Histórica, 5, 2002, Juiz de Fora. [Anais...], Juiz de Fora: Centro
Cultural Pró-Música, 2004, p. 200.
49 Kawabata, “Virtuoso codes of violin performance”, p. 91.
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motivos temáticos militares, além de expressar a cultura da época, eram
necessários para ter aceitação da obra:
Códigos heroicos dificilmente estavam isolados nos concertos
de violino; antes, eles surgiam na celebração de virtudes
marciais caracterizando a cultura musical da época da
Revolução Francesa. A celebração de bravura e liderança
parecia transbordar nos concertos “militares” de Rode,
Baillot e Kreutzer, os primeiros franceses a liderar a história
do violino, à frente dos italianos e alemães. Seus concertos
foram tocados por virtualmente todo virtuoso da época. Eles
também
influenciaram
as
escolhas
composicionais:
os numerosos códigos militares heroicos encontrados nas
obras de Spohr, Paganini, Beethoven e outros eram
derivados, acima de tudo, daqueles modelos parisienses.
A este respeito, os concertos de Beethoven e Paganini —
os únicos que lembramos atualmente — não são apenas um
fenômeno isolado, mas estavam ligados estilisticamente ao
novo padrão francês.50
As notícias da época fazem muitas comparações com cenas
militares. Em Londres, um crítico comentou que Paganini, com a ponta de
seu arco, movera a orquestra inteira, em um grande movimento militar.
Também Pugnani foi descrito como um general entre seus soldados, dirigindo
a orquestra usando seu arco como batuta de comando. 51 Baillot, ao descrever
a riqueza tímbrica do violino, mencionou a possibilidade de o instrumento
assumir o brilho militar do trompete, entre outras qualidades. 52
Era enorme a influência dos professores franceses até mesmo no
exterior. Spohr apresentou o Quarteto de Rode em Mi maior (na realidade,
para violino solo com acompanhamento de trio) mais do que qualquer outra
obra em suas turnês na primeira década do século XIX. 53 O detalhado artigo
de Boris Schwarz é rico em exemplos mostrando a influência decisiva de
Viotti e de seus alunos nos concertos e sinfonias de Mozart e de Beethoven. 54
50 Kawabata, “Virtuoso codes of violin performance”, p. 97.
51 Kawabata, “Virtuoso codes of violin performance”, p. 101.
52 Baillot, The art of the violin, p. 8.
53 Zeitlin, em seu prefácio da tradução de Baillot, parece desconhecer pesquisas de seus
colegas, informando erroneamente que Spohr e Paganini estavam confinados a apresentar
obras próprias. Também é hiperbólica sua afirmação de que Baillot foi o primeiro a codificar
a arte do violino com o propósito de interpretar músicas dos outros, pois o livro de Leopold
Mozart, Versuch einer gründlichen Violinschule, de 1756, já agregava esta finalidade. Zvi
Zeitlin, “Foreword”, in: Baillot, The art of the violin, p. ix.
54 Boris Schwarz, “Beethoven and the French violin school”, The Musical Quarterly, 44, 4
(1958), p. 431-447.
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Mesmo Paganini apresentou concertos franceses no início de suas
turnês, quando ele tinha apenas dois concertos próprios. As primeiras
apresentações de Paganini em Viena e Paris foram com os concertos de Rode
e Kreutzer, numa visível estratégia para ganhar a simpatia do público local.
Paganini estudou e apresentou obras da escola francesa, e
assim foi obviamente influenciado pela escola de Viotti, mas
levou as exigências técnicas para um novo patamar. Se os
compositores da escola francesa estavam primeiramente
mais interessados no solista, Paganini e os concertistas
“heroicos” de meados do século XIX ameaçavam cobrir a
orquestra apesar do efetivo maior geralmente usado no
concerto romântico.55
Baillot reconhecia o destaque de Niccolò Paganini:
Desde o início, vimos que sua maneira de tocar violino foi
particular e que tinha pouca semelhança com qualquer outro
virtuoso. Tal diferença lhe dava o entusiasmo da novidade,
ainda que esse estilo seja quase que inteiramente
fundamentado no uso de certas dificuldades que estiveram
em voga antes, como harmônicos, pizzicato e scordatura, mas
que caíram em desuso por muito tempo. Na verdade,
Paganini adicionou mais alguns efeitos a estes [citados]: ele
tem feito tanto com harmônicos duplos e com o uso exclusivo
da corda Sol, que o violino, em suas mãos, se torna um
instrumento diferente, assim como o próprio artista
conquistou uma posição fora do comum.56
O prestígio dos professores franceses era tão grande, que Baillot
não se esforçava em apresentar obras de seus rivais. Charles Dancla comenta
que Paganini não poderia tocar o quarteto de Mozart ou o septeto de
Beethoven como Baillot, e que Baillot também evitava tocar músicas de
Paganini, não pela falta de técnica, mas porque seu temperamento o fazia
evitar o que chamava de grandes excentricidades. 57 Baillot preferia ensinar
os clássicos, tomando como exemplo as obras dos professores consagrados,
além de contribuições suas e de seus colegas. 58 Seu método objetivava o
desenvolvimento da inteligência e o treino do julgamento para não destruir
todos os esforços do trabalho e da paciência.
55 Schueneman, The French violin school, p. 89.
56 Baillot, The art of the violin, p. 9.
57 Charles Dancla apud Goldberg, “Editor's introduction”, p. xviii.
58 Baillot, The art of the violin, p. 5.
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Essas evidências são reforçadas com análise das composições
daquele período, em que pesem as citações musicais mais técnicas fugirem
ao escopo deste artigo. Por outro lado, os testemunhos historiográficos
apresentados neste estudo tecem consistente argumentação a favor da
existência da ideologia sistemática, principalmente por motivação musical.
Além disso, a expansão cultural da música francesa por força militar e
política sugere uma hierarquização de ideologias, a qual repercutiu na
história brasileira.
Expansão cultural no Brasil
A importância dos professores do Conservatório de Paris superou
a grandeza e o brilho da Orquestra da Real Câmara de Lisboa, uma das
melhores, mais numerosas e mais bem pagas da Europa entre os anos de
1764 e 1834, mas que sofreu certo declínio na contratação de músicos
durante o período da permanência da corte portuguesa no Rio de Janeiro
entre 1808 e 1822.59 Percebe-se, contudo, que a orquestra de Lisboa não
formou uma escola dominante, ao contrário do fenômeno do Conservatório de
Paris, que expandiu sua imposição cultural pela Europa por meio da força
militar francesa a partir de 1804.
A modernização da escola violinística brasileira precipitou-se com
a vinda da corte portuguesa ao Brasil em 1808, a qual estava habituada a
quatro ou cinco apresentações semanais de comédias, dramas e tragédias em
português e óperas italianas acompanhadas de bailados. Ópera e música
sacra faziam parte do cotidiano por causa do interesse público de Dom João
VI por tais eventos. Já a música instrumental devia fazer parte de
apresentações privadas à corte, o que explica o menor interesse popular por
esse gênero.
Nesse contexto, é notável a passagem do compositor austríaco
Sigismund Neukomm (1778-1858) pelo Brasil. Ele era ligado ideologicamente
aos franceses por ter mantido fortes relações com seus patronos e mecenas,
particularmente com Charles Maurice de Talleyrand. Afinidades de ideais
artísticos (ideologia sistemática) tomaram rumos políticos, a ponto de
59 Maurício Monteiro, “Aspectos da música no Brasil na primeira metade do século XIX”, in: José
Geraldo Vinci de Moraes e Elias Thomé Saliba, História e música no Brasil, São Paulo,
Alameda, 2010, p. 93.
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Neukomm se envolver ativamente em reuniões conspiratórias. Ele veio ao
Brasil em 1816 junto com o Duque de Luxemburgo para felicitar Dom João
pela ascensão ao trono, permanecendo até 1822, quando regressou a Paris.
“A vinda do duque de Luxemburgo fez parte de uma missão diplomática que
procurou reatar as relações entre o Brasil e a França”. 60 Gomes explica a
suposta espionagem de Neukomm: “como a corte portuguesa adorava música
e Neukomm era um dos mestres mais promissores de sua época, isso teria
facilitado o seu acesso ao círculo próximo de D. João VI, com o objetivo de
informar Talleyrand das alianças e conspirações em andamento no Rio de
Janeiro”.61 De fato, Neukomm foi um dos professores de D. Pedro I, após
Marcos António Portugal (1762-1830), eminente compositor da corte
portuguesa, e também do brasileiro José Maurício Nunes Garcia (1767-1830).
Portanto, Neukomm atuou como forte personalidade no meio musical e foi um
grande divulgador da escola francesa no Brasil.
Posteriormente, D. Pedro I cultivou admiração por Napoleão
Bonaparte, seu concunhado por parte de D. Leopoldina. 62 Em virtude disso,
era previsível notar forte influência da cultura francesa ao longo do século
XIX principalmente no Rio de Janeiro. 63 Sob o império de Dom Pedro II, a
charmosa burguesia francesa passou a ser modelo de modernização social no
Brasil. Inglaterra e França, que forneciam grande número de bens
importados, também ditavam modelos culturais a artistas e intelectuais
brasileiros. A burguesia emergente gradualmente transformou a capital
brasileira num centro cosmopolita com crescente número de teatros, salas de
concertos e centros culturais.64 Reproduzindo o modelo francês, os brasileiros
se deliciavam com ópera e com crescentes exibições virtuosísticas de
concertos e música de câmara. Assim, proliferaram as sociedades privadas e
clubes destinados ao entretenimento das elites locais, que promoviam
encontros culturais e políticos.
60 Monteiro, “Aspectos da música no Brasil”, p. 101.
61 Laurentino Gomes, 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por
dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado, Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 2010, p. 78.
62 Gomes, 1822, p.113.
63 Cristina Magaldi, Music in Imperial Rio de Janeiro. Oxford, Scarecrows, 2004, p. 3.
64 Magaldi, “Music for the elite: musical societies in Imperial Rio de Janeiro”, Latin American
Music Review, 16, 1 (1995), p. 1-2.
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Cristina Magaldi cita 27 instituições privadas atuantes no Rio de
Janeiro durante o século XIX.65 A Sociedade Phil’Euterpe, atuante entre os
anos de 1850 e 1863, e o Clube Fluminense, entre 1854 e 1870, produziam
eventos beneficentes que frequentemente atraíam a família imperial. A
Sociedade Philarmonica (1835-1851) foi dirigida pelo cantor e violoncelista
Francisco Manuel da Silva (1795-1865), autor do Hino Nacional brasileiro,
discípulo de José Maurício Nunes Garcia e de Sigismund Neukomm. 66 Após o
encerramento da Sociedade Philarmonica, demorou dezessete anos para a
Philarmonica Fluminense (1868-1880) recriar semelhante conteúdo cultural,
sob notável direção do compositor Leopoldo Miguez (1850-1902) a partir de
1875. Enquanto isso, a Sociedade Campezina (1851-1865) era frequentada
por compositores eminentes, como Carlos Gomes (1836-1896), que dedicou
sua segunda ópera Joanna de Flandres (1863) àquela sociedade. Tais
sociedades promoviam regularmente concertos e saraus, eventos que
agregavam, além de música, leitura de poesias, apresentações vocais e
instrumentais, e pequenas peças teatrais. Geralmente, os saraus encerravamse com jantar, chá, biscoitos e bebidas, seguidos de bailes. Predominavam,
nos programas musicais, compositores italianos e franceses, com crescente
esforço na inclusão de obras alemãs e austríacas ao longo do século XIX. As
obras brasileiras, portanto, alinhavam-se ao gosto do local e da época. O
sucesso das sociedades dependia diretamente do apoio financeiro de seus
membros, liderados por diretorias compostas principalmente por aristocratas
e novos ricos. Futuras linhas de pesquisa podem aprofundar a relação entre
eventos musicais/culturais e acontecimentos políticos.
Do mesmo modo que a cultura francesa tornou-se referência
dominante entre as décadas 1860 e 1880 no Brasil e principalmente no Rio
de Janeiro, o início do século XX ofereceu uma diversificação cultural maior.
Baseado na listagem coletada por Camila Frésca dos violinistas que se
apresentaram em algumas salas importantes no Rio de Janeiro, São Paulo e
Belo Horizonte, no período de 1940 a 1960, estima-se que apenas 15% dos
violinistas eram da França, tendo sido a maioria de norte-americanos. 67 Isso é
um indício de declínio da influência cultural francesa no Brasil já na década
65 Magaldi, “Music for the elite”, p. 3-41.
66 Gerard
Béhague,
“Francisco
Manuel
da
Silva”,
in:
Oxford
Music
Online,
http://www.oxfordmusiconline.com/ subscriber/article/grove/music/25781 , acesso em
7 ago. 2012.
67 Camila Frésca. Uma extraordinária revelação de arte: Flausino Vale e o violino brasileiro,
Dissertação (Mestrado em Música), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 153-155.
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de 1940. Desse modo, observa-se um curioso fenômeno de absoluta
consolidação violinística da escola franco-belga no Brasil, junto com o
concomitante declínio utilitário da língua francesa. É possível que esse fato,
aliado a certo despreparo de músicos brasileiros no idioma inglês, tenha
prejudicado a divulgação internacional da música brasileira no século XX,
exemplificado pelo notório caso do violinista mineiro Flausino Vale (18941954).68 Uma linha de investigação da história cultural sobre esse tema
compararia esses números a levantamentos de outros períodos, podendo
utilizar-se da história portuguesa como elemento comparativo independente,
possivelmente mais neutro.
Conclusão
A fundação do Conservatório de Paris em 1795 é consensualmente
um delimitador da história musical europeia. Este artigo mostra evidências
de que suas consequências se expandem para outras áreas culturais, além
dos eventos sociais, políticos, militares e econômicos da Europa. Distinguemse, nesse domínio, duas categorias de ideologia: política e sistemática.
A ideologia política é o conjunto de ideias e normas direcionando
atos políticos e sociais; a sistemática, o coerente sistema de ideias reunidas a
serviço de uma forte crença comum, não para propósitos estritamente
intelectuais.
Uma
escola,
ao
associar
seus
membros
aproximando-os
artisticamente, promove um alinhamento ideológico. Para clarificar o
mecanismo de transmissão de ideologias, recorre-se à metafísica, por
publicações de filósofos do ramo aristotélico-tomista. Esse ramo, além de
coerente com o período histórico estudado e com os protagonistas envolvidos
(Baillot e os fundadores do Conservatório de Paris), reveste-se do brilho de
manter os conceitos claros, atuais e alinhados à tradição que remonta a
Aristóteles, facilitando o diálogo interdisciplinar.
Analisando-se a sucessão de eventos relacionados à fundação do
Conservatório de Paris, encontram-se evidências de que a ideologia
sistemática precedeu a política, estabelecendo clara hierarquia de ideais e de
ideologias. Na Europa, a propagação cultural francesa recebeu grande
68 Zoltan Paulinyi, Flausino Vale e Marcos Salles: influências da escola franco-belga em obras
brasileiras para violino solo, Dissertação (Mestrado em Música), Universidade de Brasília,
Brasília, 2010, p. 89-91, http://paulinyi.com/UnB2010mestrado.html, acesso em 23 out. 2011.
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impulso da força política e militar. Já no Brasil, a partir de 1816, a música
mostrou-se um excelente veículo de propagação ideológica. O Brasil havia
herdado um pouco do brilho musical de Portugal por ocasião do drible militar
de 1808 perante o avanço do imperialismo napoleônico. Contudo, a ideologia
francesa obteve fácil e rápido avanço em solo brasileiro por meio da
expansão musical da moderna escola violinística e composicional do
Conservatório de Paris. Tal influência teve fortes e duradouros efeitos
culturais, políticos e até econômicos,
mas sua
origem se relaciona
diretamente à música. A influência da cultura francesa enraizou-se tanto na
música, principalmente na consolidação da moderna escola violinística, que
superou a importância do idioma francês, cuja utilização entrou em declínio
no início do século XX.
Para evitar a dispersão deste estudo, definições demasiadamente
técnicas da musicologia foram contornadas neste texto, que se fundamenta
na comparação de vários tratados musicais específicos da literatura
violinística indicados nas referências bibliográficas. A diferenciação da antiga
e da moderna escola francesa, seu desenvolvimento na escola franco-belga e
sua influência duradoura na literatura violinística do Brasil são tecnicamente
analisados no estudo musicológico de Paulinyi. 69 Deseja-se que este artigo
fomente o diálogo entre musicologia e história, mostrando que fatos
históricos musicais possuem relevância na investigação de fenômenos de
outras áreas acadêmicas.
recebido em 23/10/2011 • aprovado em 25/09/2012
69 Paulinyi, Flausino Vale e Marcos Salles, p. 9-86.
Revista de História, 5, 1-2 (2013), p. 85-106
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Propaganda do belo: veículo musical na história da ideologia