“ En la lucha de clases todas las armas son buenas piedras, noches, poemas” (Paulo Leminski) Caderno de Poesias Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física EDITORIAL A Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física apresenta com muita satisfação o seu primeiro Caderno de Poesias construído pelos estudantes componentes do movimento estudantil de educação física e organizado pela gestão 2012/2013 da entidade. O Caderno de Poesias da ExNEEF nasce da necessidade de produção de materiais que dialoguem sobre a necessidade da transformação social com os estudantes de educação física do Brasil por outras vias que não a de textos e panfletos como o Jornalex e o Caderno de Debates. A construção do material se dá também, a partir da compreensão de que as expressões artísticas como a literatura e a poesias são manifestações da realidade social que vivemos e que por consequência podem e devem assumir características contestadoras e revolucionárias. No atual momento histórico qual o capitalismo se desenvolve pela degradação cada vez maior da vida humana e da natureza, pela crescente retirada de direitos por contrarreformas ou cortes sucessivos de gastos sociais e pelo aprofundamento das contradições como a fome e o desemprego, nos parece essencial uma arte que se coloque na defesa da vida humana e não do capital, e da liberdade de expressão como manifestação da individualidade humana perante o autoritarismo e todas as formas de opressão. Por conta disso, este caderno traz textos de intelectuais e militantes conhecidos do campo da esquerda nacional e internacional como Bertolt Brecht, Mario Benedetti e Mauro Iasi, como também poesias construídas por militantes do próprio movimento estudantil de educação física, como forma de expressar a necessidade de superação do atual modo de produzir e reproduzir a vida no qual vivemos. Assim, desejamos a todxs uma ótima leitura, que sirva como ferramenta de reflexão para a transformação do mundo e de nós mesmos! “ En la lucha de clases todas las armas son buenas piedras, noches, poemas” (Paulo Leminski) ESCADA (Adriano Donin Neto) Não há Não há Sempre Não há E olhos poesia sem dor construção sem sofrimento que escrevo sofro coração que não transborde que não umedeçam Vejo na dor uma ponta de coragem Uma fagulha do que resta Em minha alma errada Quando grito, pasmem! Me calam. Quando espumo de raiva E choro pelos outros, pasmem! Chamam-me fraco. Quando transbordam minhas veias de amor, pasmem! Chamam-me sentimentalóide. Quando peço mais calma e perdão, pasmem! Riem. Enquanto não se souber amar E honestidade for sinônimo de fraqueza Não há bem que vença É na imundície que se criam os “porcos” Os apáticos, os atônitos, os perdidos [como às vezes eu Fazem parte do lodo que os “suínos” pisoteiam Peço perdão aos animais pelas metáforas [são bem melhores que muitos homens Peço perdão aos oprimidos por ser tão fraco Pois lhes ajudo em pouco Ou em quase nada Vejo Naquele Que está Estático Uma Escada Para baixo 2 PRIVATIZAÇÃO DAS MENTES (Adriano Donin Neto) Homens percorrem os mananciais de sua mente Entrevistam seu ego com microfones amplificados Reassumem posições nas cadeiras estofadas da vida Os homens sábios reavaliam suas posturas Os estúpidos avaliam as mentes Prescrevem de forma métrica e intocável Seus saberes científicos Desumanizados desumanizadores Eis que protocolaram a vida Diagnosticaram a desrazão Privatizaram a mente Sucumbiram a loucura Cortaram, assim como nos canaviais Que depois de queimados Se arremetem aos facões afiados Feito os filhos finados de famílias famigeradas Prenderam o diferente E lhe meteram goela abaixo Toda medicina E suas filhas, criadas para submissão Travestidas de jalecos brancos Que pipoqueiros também usam Porém com menos arrogância Chamam o diferente produtivo De diferenciado E trancafiam enjaulado Como besta infantilizada e agressiva Como massa passiva e silente Como objeto inanimado que não sente Todo sofrimento eloquente Toda dor que se apresente Não há o direito de surtar Nem o de lhe apontar o dedo Nem o de protestar Há o direito de calar De ser engolido Por essa propagando podre Essas mãos higienizadas Essa indústria destrutiva Nós, que vivemos comendo o estrume A bosta podre que Prometeu comia Do corvo que lhe dilacerava o fígado Não podemos esperar acorrentados Que Hércules venha nos salvar Rasgue a camisa de força Tire esse discurso vomitado da boca Seja humano Viva e morra Todo santo dia Só não mate A vida dos outros 3 5 Há quem viva numa fila (Ricardo Wareja) (Ricardo Wareja) Esperança de Mãe Há quem viva numa fila esperando... Há quem não precise esperar... Desconstruo minha aversão à fila, vou tentar... Pois sou criança, e burlo fila desde pequeno porque não a entendo sequer a compreendo Educo você para sair da fila, Para que vejas o que está mais para lá... Experimentes Educo você para respeitá-la, Para futuramente não sofrer represálias Para alinhar-se Não gosto de filas! Mas posso amá-las, porque nelas encontro PESSOAS PESSOAS que sofrem represálias PESSOAS que vivem “isoladas” PESSOAS que têm a seus semelhantes, muitos tão diversos... Na insensatez de um modo (Capitalista) Armas dilaceram e anestesiam... Um mar de homens e mulheres crianças e jovens famílias! Num abraço fraterno (de mãe) Sinto e vejo a realidade de quem perdeu sonhos E tem juntas enrijecidas. Mas que não deixa de amar, De pingar na mão do filho estudante o suor do laborar... E tal modo o filho estudante passa a questionar! Essas PESSOAS ainda possuem a força para arrancar pela raiz para semear muito mais que 3 4 ordem e progresso. 3 MULHERES Homens me notam e conquistei muitas admirações não por ser fútil, mas por ser guerreira de discurso útil pode me achar linda e atraente por qualidades físicas ou o que carrego na mente deixo transparecer meu gênio impreciso mas a única curva que você deve admirar é a do meu sorriso preconceito e opressão foram passados desde sempre sexo frágil? único "frágil" carrego em meu ventre "atrás de um grande homem há uma grande mulher" dizer completamente errado não é passar pra frente ou para traz, estar à cima, à baixo é ser respeitada e caminhar ao seu lado. sou de luta, sou de guerra e estou me posicionando apenas não pense que paramos no tempo e ainda somos mulheres de Atenas 4 (Pedro Santos) eu lhes apresento as mulheres de Antenas que não seremos influenciadas não seremos mais oprimidas estamos antenadas reconstruindo formas de pensamento ensinando a verdade desde a escola que não existe atividades ou brincadeiras separadas menino também tem boneca e menina também joga bola lugar de mulher é onde ela quiser sou Sargenta do meu tanque me entrego sempre, em lágrimas, suor e sangue eu tenho de me expressar na cama e fora dela pedir e exigir o que quero, ser do nosso jeito não seja machista, seja homem pois o que mais me atrai é o seu respeito (Pedro Santos) CARTAZES Nos corredores e vielas Ainda ocorrem ofensas, desgastes e constrangimentos Rugidos como bravos leões e fogo como grandes dragões Nos becos e frente a portas Ignora-se a paz e o espaço de aprendizado Com censura de palavras e outras sendo cuspidas mais bravas Nas ruas e nas escolas A destruição e apreensão de material Disputa de poder por ódio de quem deveria nos proteger Falso corajoso, usando sua autoridade Para desqualificar os demais E só realizar a sua própria vontade... Impedindo o debate e a voz E quem quer construir uma nova universidade Dos que sempre estendem a mão, e são estapeados por lutarem por uma outra formação Que a vida vai além do capital Que não se deve arrancar as flores Não se deve destruir a arte de um cartaz, que o melhor para todos, não é ditado só por um rapaz Ainda acredito que isso possa ser superado Esquecendo o egoísmo e a vaidade de querer ser superior Se ainda temos algo em comum é o que sentimos pela escola o mesmo amor. 3 3 A ANALOGIA TEMPORAL (Rian Rodrigues) A madrugada é como se fosse o passado O clima nostálgico do seu silêncio escuro É o momento que olhamos pra trás e aprendemos com nossos erros Que paramos de dar com a cara no muro É quando temos a história na mão para construirmos a base É o tempo de liminaridade Até que o sol rompa com a barra do horizonte, permitindo ver o que antes não se via A madrugada é quem antecede o dia O dia é como se fosse o presente Momento que o sol aparece Brilhando pra alguns Servindo apenas quem lhe interesse É o momento que solidificamos a base Que lutamos por um mundo melhor Embaixo de sol quente, derramando muito suor Fazendo que a teoria, com a prática se case Já a noite... a noite é como se fosse o futuro Momento que o presente não parece ser tão duro Com todo seu encanto e mistério Com toda sua beleza e possibilidades Estrelas? Aos Milhares Olhando pra elas é que temos certeza que o futuro é nosso Que podemos transformar Acredito que podemos, porque podemos SONHAR! 3 2 (Mauro Iasi) METAMORFOSE DE MÃE Quando ele nasceu ela só queria ser mãe. Quando ele deu seu primeiro passo ela só queria ampará-lo. Quando ele falou ela só queria escutá-lo. Quando ele cresceu abriu-se nela um abismo. Quando ele se tornou comunista ela só queria persuadi-lo. Quando a ditadura o levou ela só queria morrer. Quando ele desapareceu ela só queria encontrá-lo. Quando a noite engoliu seu corpo ela só queria reinventar o dia e acreditar que tudo era mentira. Passou a gritar as luzes nos necrotérios e nos quartéis nos tribunais e repartições nos comitês e nas reuniões nas praças e nas ruas. E quando comia o pão da amargura e bebia o vinho da ausência, enquanto aprendia a dura pedagogia da militar prepotência, nem percebeu a metamorfose que acontece naqueles que buscando os outros encontram a si mesmos: Hoje ela não quer mais nem a bandeira da tristeza nem a impossibilidade da alegria, ela agora só quer aquilo que seu filho queria. 5 TEMPOS DE PAZ SENHORA DO TEMPO (Rian Rodrigues) As flores da primavera não foram embora O inverno demora e não mata mais Crianças na escola Aos professores agora Respeito demais O sol aquece e brilha pra todos Os espinhos aos poucos Não ferem mais Pessoas nas ruas as vidas são suas Vivemos em tempos de paz (Rian Rodrigues) Nem tudo tem sua hora Nem sempre a vida é agora A vida é sem hora Vai com o vento A vida é senhora do tempo Num momento demora No outro, devora Mas se o vento não sopra Façamos a vida nós mesmos. Às vezes não acredito Em tamanha felicidade O tempo deixou marcas Tempos de perversidade Mas sempre que vejo o sorriso de uma criança Lembro-me do forte desejo de mudança que nos preenchia O povo que nada tinha e o muito que a poucos pertencia Hoje não tenho mais medo desse tempo voltar Porque sei que foi o povo trabalhador Que se organizou, lutou e os tirou de lá. 6 3 1 CADÊ A JUVENTUDE? UM CHAMADO... (luiz carlos machado) Oh Juventude, cadê tu? Por onde anda tua vontade de mudar? Parece que o espírito revolucionário se escondeu! Estamos nas ruas? Fazendo o que? Nos rendendo aos “sonhos” consumíveis? Ou se tornando passíveis diante da barbárie? Não há onde se esconder! Os fatos nos demonstram cada vez mais que... Ou Lutamos ou perdemos! Chega de agüentar a imposição! Basta de viver imerso na ilusão da passividade! Os tempos estão mudando... Precisamos tomar nossa posição! Está na hora do escondido aparecer! E que os que nos impõem sintam medo! Por que a Juventude reaparecerá! Com força e vontade de lutar! A mudança é inevitável! 3 0 IRMÃO (Luiz Carlos Machado) Crescemos lado a lado, mas distantes. Compartilhando sentimentos, felicidades e frustrações, e por nossos temperamentos parecidos, calados. Mas engana-se aquele que acha que nosso silencio é sinônimo de tristeza! Sei, mais que antes, que compartilho com você o sonho de um mundo melhor! Diferenças existem, e qual o problema? Nenhum! Pois, como dizia Maiakovski... onde tudo é aceito, desconfio que não há amor. Trilhamos caminhos diferentes, aprendemos coisas diferentes construímos nossas personalidades, construímos nossas vidas. Mas vejo que nossos caminhos se cruzam, o tempo todo, e sei, que estamos juntos, em algum momento, na mesma estrada. Não sei o que pensam ao meu respeito, e não ligo para o que pensam, mas queria que soubessem que sou movido por vocês, eu sou o que vocês são, e você é uma parte de mim. Sonhos são reais a medida que mais pessoas sonham juntas, meu desejo é que seus sonhos sejam os sonhos de muitas pessoas, e a medida que se torne real, o mundo mude, e que a partir disso possamos chamar a todos de irmãos, irmão. 7 UMA VILA AUTODROMO NO MEIO DO CAMINHO (luiz carlos machado) Tem uma Vila Autodromo no meio do caminho, no meio do caminho tem uma Vila Autodromo, e não está passivo quem lá se encontra, acordam todos os dias com vontade de lutar. “VALE A PENA VIVER, QUANDO SE É COMUNISTA”. ANTONIO GRAMSCI (Mauro Iasi) Quando a noite parece eterna e o frio nos quebra a alma. Quando a vida se perde por nada e o futuro não passa de uma promessa. Nos perguntamos: vale a pena? Querem remover a pedra no meio do caminho, mas, a pedra é viva e resistente, quanto mais a golpeam e tentam remove-la, mais ela cresce e se solidifica. Tem uma Vila Autodromo no meio do caminho, e lá ela permanecerá, pois, quando é um privilégio poder morar, a nossa tarefa é resistir e ocupar! Quando a classe parece morta e a luta é só uma lembrança. Quando os amigos e as amigas se vão e os abraços se fazem distância. Nos perguntamos: Vale a pena? Quando a história se torna farsa e outubro não é mais que um mês. Quando a memória já nos falta e maio se transforma em festa. Nos perguntamos: vale a pena? Mas, quando entre camaradas nos encontramos e ousamos sonhar futuros. Quando a teoria nos aclara a vista e com o povo, ombro a ombro, marchamos. Respondemos: vale a pena viver, quando se é comunista. 8 2 9 DISSIDÊNCIA OU A ARTE DE DISSIDIAR CALA A BOCA JÁ MORREU (Luiz Carlos Scapi) (Mauro Iasi) “Há hora de somar E hora de dividir. Há tempo de esperar E tempo de decidir. Tempos de resistir. Tempos de explodir. Tempo de criar asas, romper as cascas Porque é tempo de partir. Partir partido, Parir futuros, Partilhar amanheceres Há tanto tempo esquecidos. Lá no passado tínhamos um futuro Lá no futuro tem um presente Pronto pra nascer Só esperando você se decidir. Porque são tempos de decidir, Dissidiar, dissuadir, Tempos de dizer Que não são tempos de esperar Tempos de dizer: Não mais em nosso nome! Se não pode se vestir com nossos sonhos Não fale em nosso nome. Não mais construir casas Para que os ricos morem. Não mais fazer o pão Que o explorador come. 2 8 Não mais em nosso nome! Não mais nosso suor, o teu descanso. Não mais nosso sangue, tua vida. Não mais nossa miséria, tua riqueza. Tempos de dizer Que não são tempos de calar Diante da injustiça e da mentira. É tempo de lutar É tempo de festa, tempo de cantar As velhas canções e as que ainda vamos inventar. Tempos de criar, tempos de escolher. Tempos de plantar os tempos que iremos colher. É tempo de dar nome aos bois, De levantar a cabeça Acima da boiada, Porque é tempo de tudo ou nada. É tempo de rebeldia. São tempos de rebelião. É tempo de dissidência. Já é tempo dos corações pularem fora do peito Em passeata, em multidão Porque é tempo de dissidência É tempo de revolução” Oxigênio que te quero pleno In-tensão total de músculos e nervos Rigidez quase absoluta - Que puta luta falar !! Expressar ódios em repouso repulsas e medo em desordem Buscar iguais !! Ar - far em - frentar as intimidações, Intimidá-las Guerra aos inimigos das falas mansas e aos oradores vazios. Guerra aos inimigos externos e internos impostos e aceitos, sempre a espreita de qualquer tentativa tua. Pisa na garganta dos que selam as bocas Assalta Grita Esperneia tuas inquietações Tua indignação frente a tanta injustiça mas feita de silêncios tão repletos. Enfrenta e prepara-te para as batalhas cotidianas dessa luta de classes sempre mais imbecil pacato passivo INTIMIDADO!!! inconclusa Rompe, rasga desrespeita a ti e a quem mais se oponha subverte, esses valores que nunca foram teus. Explode tua jugular e como que rompendo hidrelétricas caudaloso e feliz FALE dos sonhos, que juntos transformaremos em planos de ação. Empenha-te nessa luta, Filho da puta! Precisamos de você Leve solto militante e dirigente de quadros e não molduras De massas, mas falante pelos cotovelos aos borbotões pleno de sonhos planos e convicções revolucionárias Abarrotados de táticas e estratégias tomemos de assalto o amanhã e suas generosas criaturas de falas livres e ouvidos previlegiados Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca , sou eu e o prazer de transformar os homens e suas relações Pratica teu último ensaio. Pois a burguesia recria formas & jeitos de te fazer 9 TRANSGRESSÕES (Mario Benedetti) Todo mandato é minucioso e cruel eu gosto das frugais transgressões por exemplo inventar o bom amor aprender nos corpos e em seu corpo ouvir a noite e não dizer amem traçar cada um o mapa de sua audácia mesmo que nos esqueçamos de esquecer é certo que a recordação nos esquece obedecer cegamente deixa cego crescemos somente na ousadia só quando transgrido alguma ordem o futuro se torna respirável 1 0 todo mandato é minucioso e cruel eu gosto das frugais transgressões TACTICA Y ESTRATEGIA (Mario Benedetti) Mi táctica es mirarte aprender como sos quererte como sos Mi táctica es hablarte y escucharte y construir con palabras un puente indestructible Mi táctica es quedarme en tu recuerdo no se como, ni se con qué pretexto pero quedarme en vos Mi táctica es ser franco y saber que sos franca y que no nos vendamos simulacros para que entre los dos no haya telón ni abismos Mi estrategia es en cambio más profunda y más simple mi estrategia es que un día cualquiera no se como, ni se con qué pretexto por fín me necesites. 2 7 NADA É IMPOSSÍVEL DE MUDAR AOS QUE VIRÃO DEPOIS DE NÓS (Bertolt Brecht) Desconfiai do mais trivial , na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. 2 6 (Bertolt Brecht) I Eu vivo em tempos sombrios. Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia. Que tempos são esses, quando falar sobre flores é quase um crime. Pois significa silenciar sobre tanta injustiça? Aquele que cruza tranqüilamente a rua já está então inacessível aos amigos que se encontram necessitados? É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver. Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome. Por acaso estou sendo poupado. (Se a minha sorte me deixa estou perdido!) Dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens! Mas como é que posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo. Eu queria ser um sábio. Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: Manter-se afastado dos problemas do mundo e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; Seguir seu caminho sem violência, pagar o mal com o bem, não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. Sabedoria é isso! Mas eu não consigo agir assim. É verdade, eu vivo em tempos sombrios! II Eu vim para a cidade no tempo da desordem, quando a fome reinava. Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta e me revoltei ao lado deles. Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra. Eu comi o meu pão no meio das batalhas, deitei-me entre os assassinos para dormir, Fiz amor sem muita atenção e não tive paciência com a natureza. Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra. III Vocês, que vão emergir das ondas em que nós perecemos, pensem, quando falarem das nossas fraquezas, nos tempos sombrios de que vocês tiveram a sorte de escapar. Nós existíamos através da luta de classes, mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados! quando só havia injustiça e não havia revolta. Nós sabemos: o ódio contra a baixeza também endurece os rostos! A cólera contra a injustiça faz a voz ficar rouca! Infelizmente, nós, que queríamos preparar o caminho para a amizade, não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos. Mas vocês, quando chegar o tempo em que o homem seja amigo do homem, pensem em nós com um pouco de compreensão. 1 1 SOBRE O OFÍCIO DE CONSTRUIR ESTRELAS E OS RISCOS DAS VERRUGAS (Mauro Iasi) Eis minhas mãos: não tenho porque escondelas, ainda que, por teimosia, tragam verrugas nos dedos por apontar estrelas. Este é o nosso ofício: cavalgar verdades cadentes, eternos/caducos presentes que comem a si mesmos mastigando seus próprios dentes. Assim são estrelas: tempo que tece a própria teia que o atrela, cavalo que cavalga a própria sela. Distanciamento Objeto Estranhamento Espera como pintor ensandecido que reprova a própria tela. Este é o nosso ofício, este é o nosso vício. Cego enlouquecido, visão por trevas tomada insiste em apontar estrelas mesmo em noites nubladas. Ainda que seja por nada insisto em aponta-las mesmo sem vê-las com a certeza que mesmo nas trevas escondem-se estrelas. 1 2 Enganam-se os que crêem que as estrelas nascem prontas. São antes explosão brilho e ardência imprecisas e virulentas herdeiras do caos furacão na alma calma na aparência. Enganadoras aparências… Extintas, brilham ainda: Mortas no universo resistem na ilusão da retina. Velhas super novas pontuam o antes nada na mentira da visão repentina. Cavalgarei estrelas ainda que passageiras pois não almejo tê-las em frio metal ou descartável plástico. Simplesmente delas anseio roubar a luz e o calor sentir o vento fértil de seu rastro tocar, indecente, meu sextante no seu astro na certeza do movimento ainda que lento, que corta a noite desde a aurora dos tempos. (Bertolt Brecht) "Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” Eis aqui minhas mãos: não tenho receio de mostralas, antes com verrugas que em bolsos guardadas. Sim são infiéis e passageiras. Mas poupem-me os conselhos, não excluo os amores por medo de perdê-los. Eis minhas verrugas, orgulho-me em tê-las, é parte do meu ofício de construtor de estrelas. Os que amam as estrelas puras tão precisamente desenhadas fazem para si mesmos estrelas finamente acabadas. Gastarei as verrugas na lixa da prática, queimarei as verrugas com o ácido da crítica e aprenderei com as marcas que as estrelas se fazem ao fazê-las por isso são estrelas. Tão perfeitas e irreais que não brilham por si mesmas nem se sustentam fora das bandeiras e do branco firmamento dos papéis. Assim se constroem estrelas puras sem os riscos de verrugas. DA VIOLÊNCIA 2 5 PARA OS QUE VIRÃO (Thiago Melloi) Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro. Sabendo que não vou ver o homem que eu quero ser. Já sofri o suficiente para não enganar a ninguém: principalmente aos que sofrem da própria vida, a garra da opressão, e nem sabem. Não, não tenho o sol escondido no meu bolso de palavras. Sou simplesmente um homem para quem já a primeira e desolada pessoa do singular – foi deixando, devagar, sofridamente, de ser para transformar-se, - muito mais sofridamente – na primeira e profunda pessoa do plural. Não importa que doa: é tempo de avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo, mesmo que longe ainda esteja de aprender a conjugar o verbo amar. É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. Se trata de ir ao encontro. (Dura no peito, arde a límpida verdade de nosso erro.) Se trata de abrir o rumo. Os que virão, serão povo, e o saber serão, lutando. 2 4 CANÇÃO DO REMENDO E DO CASACO (Bertolt Brecht) Sempre que o nosso casaco se rasga vocês vêm correndo dizer: assim não pode ser; isso vai acabar, custe o que custar! Cheios de fé vão aos senhores enquanto nós, cheios de frio, aguardamos. E ao voltar, sempre triunfantes, nos mostram o que por nós conquistam: Um pequeno remendo. Ótimo, eis o remendo. Mas onde está o nosso casaco? Sempre que nós gritamos de fome vocês vêm correndo dizer: Isso não vai continuar, é preciso ajudá-los, custe o que custar! E cheios de ardor vão aos senhores enquanto nós, com ardor no estômago, esperamos. E ao voltar, sempre triunfantes, exibem a grande conquista: um pedacinho de pão. Que bom, este é o pedaço de pão, mas onde está o pão? Não precisamos só do remendo, precisamos o casaco inteiro. Não precisamos de pedaços de pão, precisamos de pão verdadeiro. Não precisamos só do emprego, toda a fábrica precisamos. E mais o carvão. E mais as minas. O povo no poder. É disso que precisamos. Que tem vocês a nos dar? 1 3 ELOGIO DA DIALÉTICA O ANALFABETO POLÍTICO (Bertolt Brecht) A injustiça avança hoje a passo firme. (Bertolt Brecht) O pior analfabeto Os tiranos fazem planos para dez mil anos. é o analfabeto político. O poder apregoa: as coisas Ele não ouve, não fala, continuarão a ser como são. nem participa dos acontecimentos políticos. Nenhuma voz além da dos que mandam. E em todos os mercados proclama a exploração: Isto é apenas o meu começo. Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem: Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos. Ele não sabe que o custo da vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. Quem ainda está vivo nunca diga: nunca. O que é seguro não é seguro. As coisas não continuarão a ser como são. é tão burro que se orgulha Depois de falarem os dominantes, falarão os e estufa o peito dizendo dominados. que odeia a política. Quem pois ousa dizer: nunca? De quem depende que a opressão prossiga? De nós. Não sabe o imbecil que, De quem depende que ela acabe? De nós. da sua ignorância política O que é esmagado, que se levante! nasce a prostituta, o menor abandonado O que está perdido, lute! e o pior de todos os bandidos: O que sabe e o que se chegou, que há aí que o retenha? Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã. 1 4 O analfabeto político E nunca será: ainda hoje. O político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais. 2 3 DESPORTO E PEDAGOGIA LOUVOR AO ESTUDO (Antonio Fernandes Aleixo) I Diz ele que não sei ler Isso que tem? Cá na aldeia Não se arranjam dúzia e meia Que saibam ler e escrever. II P'ra escolas não há bairrismo, Não há amor nem dinheiro. Por quê? Porque estão primeiro O Futebol e o Ciclismo! III Desporto e pedagogia Se os juntassem, como irmãos, Esse conjunto daria, Verdadeiros cidadãos! Assim, sem darem as mãos, O que um faz, outro atrofia. IV Da educação desportiva, Que nos prepara p'ra vida, Fizeram luta renhida Sem nada de educativa. V E o povo, espectador em altos gritos, Provoca, gesticula, a direito e torto, Crendo assim defender seus favoritos 2 2 (Bertolt Brecht) Sem lhe importar saber o que é desporto. VI Interessa é ganhar de qualquer maneira. Enquanto em campo o dever se atropela, Faz-se outro jogo lá na bilheiteira, Que enche os bolsinhos aos que vivem dela. VII Convém manter o Zé bem distraído Enquanto ele se entrega à diversão, Não pode ver por quantos é comido E nem se importa que o comam, ou não. VIII E assim os ratos vão roendo o queijo E o Zé, sem ver que é palerma, que é bruto, De vez em quando solta o seu bocejo, Sem ter p'ra ceia nem pão, nem conduto. Estuda o elementar: para aqueles cuja hora chegou não é nunca demasiado tarde. Estuda o abc. Não basta, mas Estuda. Não te canses. Começa. Tens de saber tudo. Estás chamado a ser um dirigente. Freqüente a escola, desamparado! Persegue o saber, morto de frio! Empunha o livro, faminto! É uma arma! Estás chamado á ser um dirigente. Não temas perguntar, companheiro! Não te deixes convencer! Compreende tudo por ti mesmo. O que não sabes por ti, não o sabes. Confere a conta. Tens de pagá-la. Aponta com teu dedo a cada coisa e pergunta: "Que é isto? e como é?" Estás chamado a ser um dirigente. 1 5 O VOSSO TANQUE GENERAL, É UM CARRO FORTE (Bertolt Brecht) Derruba uma floresta esmaga cem Homens, Mas tem um defeito - Precisa de um motorista O vosso bombardeiro, general É poderoso: Voa mais depressa que a tempestade E transporta mais carga que um elefante Mas tem um defeito - Precisa de um piloto. O homem, meu general, é muito útil: Sabe voar, e sabe matar Mas tem um defeito - Sabe pensar PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO QUE LÊ (Bertolt Brecht) Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, Mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilònia, tantas vezes destruida, Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas Da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde Foram os seus pedreiros? A grande Roma Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio Sò tinha palácios Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida Na noite em que o mar a engoliu Viu afogados gritar por seus escravos. O jovem Alexandre conquistou as Indias Sòzinho? César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha Chorou. E ninguém mais? Frederico II ganhou a guerra dos sete anos Quem mais a ganhou? Em cada página uma vitòria. Quem cozinhava os festins? Em cada década um grande homem. Quem pagava as despesas? Tantas histórias 1 6 Quantas perguntas 2 1 PRIVATIZADO O FUTURO SE APROXIMA (Bertolt Brecht) "Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. (Mario Benedetti) ”o futuro se aproxima / devagar / mas vem / hoje está mais além / das nuvens que escolhe / e mais além do trovão / e da terra firme / demorando-se É da empresa privada o seu passo em vem / qual flor desconfiada / que vigia ao sol / frente, sem perguntar-lhe nada / iluminando vem / as seu pão e seu salário. E agora não contente últimas janelas / lento mas vem / o futuro se querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, aproxima / devagar / mas vem / já se vai aproximando / nunca tem pressa / vem com projetos / e sacos de sementes / com anjos o pensamento, que só à humanidade maltratados / e fiéis andorinhas / devagar mas pertence." vem / sem fazer muito ruído / cuidando sobretudo /os sonhos proibidos / as recordações dormidas / e as recém-nascidas / lento mas vem / o futuro se aproxima / devagar / mas vem / já quase está chegando / com sua melhor notícia / com punhos com olheiras / com noites e com dias / com uma estrela pobre / sem nome ainda / lento mas vem o futuro real / o mesmo que inventamos / nós mesmos e o acaso / cada vez mais nós / mesmos / e menos o acaso / lento mas vem / o futuro se aproxima / devagar / mas vem / lento mas vem / lento mas vem / lento mas vem /”. 2 0 1 7 OS OLHOS DO CONTINENTE (Mauro Iasi) para o Comandante Che Guevara Nasci num continente que olhava para o chão Pupilas perdidas na terra, na relva, nas raízes, na pedras da humilhiação Nasci num continente que olhava para o chão. Olhava e não via seu rosto mutilado no rosto de seu irmão Perguntava e não ouvia seu canto entrecortado. Numa surdez medonha o velho chão só respondia: vergonha cortava o ar em cruz, o perdão era dado ou o infeliz executado. e uma semente no seu olho que chamou dignidade. Gracias señor pelo pão, pelo castigo pela morte, pelo destino. O deus-patrão nos alerta: "Não olhem nestes olhos de serpente peçonhenta, é praga que alastra e destrói tua colheita." Nasci num continente que olhava para o chão. Mas um dia leu ali entre ossos calcinados o verbo de seu sangue seco pelo povo derramado. Leu nos olhos simples Nas águas dos regatos. No suor vertido em braços Pelo povo explorado. Si señor, no señor... Com o perdão da palavra a palavra era culpada. Um deus patrão com mãos recém-lavadas 1 8 Leu ali o seu espanto nas pedras reviradas nas raízes descobertas pelo povo rebelado. Guardou, então, no seu caderno de terra a gramática revelada "Não olhem nestes olhos que se rebela a harmonia, é o fim da religião, da casa e da família." Mas são olhos tão simples, úmedos de dor e esperança. São olhos tão brilhantes com olhos de criança. São olhos de Camilo, são olhos de Havana, é meu olho no teu rosto que outro olho reclama. O veneno me tomou e já posso ler no chão, onde antes era vergonha leio agora Revolução Já viram as fotos de Che morto? Seus olhos permanecem abertos olhando sereno o céu do continente onde nasci. Alturas, depois de Che, meu povo não teme vê-las, meu continente hoje leva os olhos até o brilho das estrelas. São olhos de Marti, são olhos de Sandino, são olhos das montanhas que nos mostram o caminho. 1 9