João Luís Silva Carvalho
1. INTRODUÇÃO
Desde o despontar da Humanidade que a
reprodução e a sua falência são importante
desassossego, como demonstrado por pinturas e esculturas de cavernas pré-históricas
que associam a procriação à prosperidade,
ou pelo mandamento de Deus a Adão e Eva
no Génesis: «Sede fecundos, multiplicai-vos
e povoem a terra»1.
Ao longo da História, e em todas as civilizações, o símbolo da fertilidade foi sempre a
mulher, pelo que os escolhos em conceber
recaíam penosamente sobre ela, implicando
repercussões sociológicas e atitudes médicas
concordantes com o estatuto menor que quase sistematicamente lhe era outorgado. Entre
as civilizações mais antigas, apenas a Egípcia
foi excepção, pois nela a mulher ocupava um
lugar de destaque, era merecedora de respeito e o seu estatuto legal equivalia ao do homem. A infertilidade constituía um problema
preocupante mas, também diferentemente
do verificado em outras sociedades, não era
encarada como castigo divino. Embora reconhecendo a existência de causas masculinas,
a Medicina do tempo dos Faraós dava tal relevância à infecundidade da mulher, que era
legítimo o recurso «terapêutico» às «concubinas», perpetuadas como símbolo de fertilidade pelas estatuetas de ofertas votivas1.
Porém, a grei do tempo dos Faraós era única
para a época, e o cuidado com a procriação
estava estritamente ligado a respeito pela feminilidade, resultante do elevado estatuto da
mulher na sociedade Egípcia.
Em contraste, em outras civilizações, como a
Hebraica ou a Helénica, em que era impensável a existência de causas masculinas, a
mulher, quase sem direitos nem liberdade,
era infértil por castigo dos Deuses.
Só com as profundas transformações introduzidas pela escola Hipocrática se iniciou a
ruptura com este paradigma, sendo incorporada a base racional tão cara aos filósofos
gregos. Mas a racionalização, alicerçada em
axiomas filosóficos, determinava a mulher
como um mero receptáculo para fertilização,
um ser inferior, quase infra-humano, semelhante aos escravos e apenas ligeiramente
superior aos animais.
O panorama modificou-se muito pouco na
Roma Bizantina e, apesar das iniciativas de
Soranas, um dos mais famosos ginecologistas
da época, a terapêutica da infertilidade era,
para muitas mulheres patrícias, a do flagelo
no ventre com chicotes de pele de cabra no
templo de Juno ou nas «Festas de Março»1.
Só com o advento da supremacia militar e
científica das nações Árabes se iniciou, na
escola médica de Bagdad, o reconhecimento de que a infertilidade poderia ser também
masculina e estar relacionada com anomalias dos «espermas»1.
Na Idade Média, tempos de evidente progresso artístico e intelectual mas sem equivalente
evolução na área médica, o pensamento «clínico» continuou dominado pelos conhecimentos herdados da civilização Helénica, nos
seus conceitos, métodos e no que respeita ao
estatuto social da mulher. Na época medieval,
a procriação era uma necessidade absoluta e
3
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28 Infertilidade
4
fica1. A endocrinologia da reprodução dava
também os primeiros passos.
É difícil, e inapropriado neste contexto, descrever com exaustão os tremendíssimos progressos ocorridos nos sécs. XX e início do XXI.
Apenas sintetizaremos que se verificaram em
quatro direcções:
1. A do diagnóstico, a beneficiar de modernas técnicas de imagem ultrassonográficas e endoscópicas, de rigorosos doseamentos hormonais por radioimunoensaio,
da identificação de anomalias genéticas
que se iniciaram pelo cariótipo e hoje se
estendem, por intermédio da biologia
molecular, aos genes, aos seus locus e às
deleções/fragmentações do ADN.
2. A dos tratamentos cirúrgicos conservadores e minimamente invasivos, com especialíssimo relevo para os espectaculares desenvolvimentos da cirurgia endoscópica.
3. A da endocrinologia, que nos habilitou
com fármacos que permitem manipular
completamente o eixo endócrino da mulher, em particular suprimir, induzir e estimular a ovulação.
4. A da reprodução medicamente assistida,
com a extraordinária possibilidade de realizar a fecundação in vitro e a microinjecção
intracitoplasmática de esperamatozoides
(ICSI), os protocolos para preparação do esperma, os meios de cultura para maturação
e desenvolvimento de ovócitos e embriões,
os avanços na criopreservação, a habilitação para diferentes procedimentos que envolvem gâmetas e embriões associados às
mais evoluídas tecnologias de análise genética por hibridação in situ por fluorescência
(FISH), sondas de ADN e reacção em cadeia
por polimerase (PCR). Esta capacidade que,
para já, é apenas de conhecer e identificar ao
nível dos genes, é o início de uma nova área,
cujo impacto sanitário e social determinará
uma nova era. A sua aplicação ao nível do
diagnóstico da transmissão de alto risco, do
screening genético, da identificação da histocompatibilidade dos antigénios de leucócitos humanos (HLA) ou da predisposição
Capítulo 28
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decorria dos benefícios da união matrimonial.
Também nestes tempos a ausência de fecundidade estava impregnada de castigo divino e diversos pecados, principalmente a transgressão
às leis do casamento, desencadeavam infertilidade, eventualmente ultrapassável pelo jejum
e pela oração, ou invocando os santos, como
Santa Ana, padroeira dos casais inférteis.
Foi necessário esperar até à Renascença para
que os conceitos sobre procriação conhecessem desenvolvimento com relevo. Os fantásticos progressos artísticos, científico e das ciências médicas ocuparam o primeiro plano e Vesale, Leonardo da Vinci, Bartholomeu d’Eustachio,
entre outros, «descobriram» a anatomia por
observação e dissecção cuidadosas do corpo
humano, que escrupulosamente reproduziram em gravuras. Desvendaram os mistérios
anatómicos do corpo feminino e Bartholomeu
d’Eustachio recomendava (1602): «após a relação sexual, os maridos devem colocar os dedos
no interior da vagina da mulher para facilitar a
concepção»1. Poder-se-á dizer que é o verdadeiro pai da ideia de inseminação artificial!
Os factos e a evidência viriam a questionar a
Medicina de fundamento transcendental e
no séc. XVIII, à metodologia da observação foi
adicionada a estruturação do conhecimento e
a sua utilização em moldes de raciocínio científico. Van Leeuwenhock descobriu o espermatozóide, Naboth identificou a obstrução tubar,
John Hunter relatou a primeira inseminação
com êxito e Smellin descreveu o processo de
fertilização. A mulher começa a ser objecto de
um maior interesse e de uma alvorada de atenção que ajuda a compreender muitas situações
de infertilidade, o que no entanto apouca o
seu estatuto social e a torna automaticamente
culpada dos impedimentos de procriação.
O séc. XIX e o início do séc. XX ficaram marcados por enormes progressos na Medicina
e espectaculares avanços na área da Reprodução Humana. Enquanto Sims, em 1868,
explicava a importância do exame microscópico do esperma e realizava inseminações
«artificiais», Hunter descrevia o teste póscoital e Rubin a insuflação tubar quimográ-
2. DEFINIÇÃO, EPIDEMIOLOGIA,
FECUNDABILIDADE, INCIDÊNCIA
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a infertilidade como a incapacidade de
um casal conseguir gravidez após um ano de
relações sexuais sem contracepção. Claro que
Infertilidade
em algumas situações da prática clínica a identificação de uma situação de infertilidade é
imediata e óbvia sem necessidade de respeitar
esse decurso de tempo, como por exemplo em
face de histórias de oligoamenorreia/anovulação crónica ou de azoospermia já conhecida.
Desde o ano 2000 que a mesma organização assumiu a infertilidade como doença e
recomendou aos diferentes países europeus,
através do Regional Office for Europe, que determinem a sua prevalência e respectivas
causas, bem como estabeleçam adequadas
capacidades de resposta médica e social.
Também o Parlamento Europeu, em 2005,
emanou resolução com sentido idêntico.
Para além das implicações individuais (depressão, ansiedade, hostilidade e perturbações da
lucidez)2, a falência da reprodução é um importante problema de saúde pública, porque
se reveste de significativas repercussões sociais, económicas e demográficas. Recorde-se
a este propósito o panorama europeu, em que
o número de crianças por mulher é insuficiente para assegurar a curto prazo a substituição
das gerações. Em Portugal, em 2008, o crescimento natural foi praticamente nulo, com
uma taxa de crescimento efectivo de apenas
0,09% e verificada à custa do crescimento migratório3. No mesmo ano, o indicador sintético
de fecundidade (1,37) permaneceu inferior ao
nível de substituição de gerações3. Para este
cenário contribuem significativamente numerosos casos de infertilidade, de que se verifica
uma progressão crescente, e que coloca esta
doença como um dos principais problemas
de saúde das sociedades modernas.
Os frutos do seu tratamento têm impacto
demográfico, pois pode por exemplo referir-se que, correntemente, cerca de 3 a 4% das
crianças que nascem no continente europeu
resultam de terapêuticas por procriação medicamente assistida (PMA)4-6.
No exercício clínico é muito importante ter
uma noção correcta da fecundabilidade, isto
é, da probabilidade de concepção mensal
que, em casais normais, se situa nos 20-25%
até aos 33-35 anos de idade da mulher, sendo
5
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para doenças de expressão tardia, é hoje
prática corrente e constitui a antecâmara de
um potencial inimaginável que, mais tarde
ou mais cedo, ultrapassará a área do diagnóstico individual para ganhar expressão na
completa erradicação de patologias muito
graves e na capacidade de terapia genética.
Hoje, no dealbar do séc. XXI, não é difícil de
prever que em áreas como a da cirurgia minimamente invasiva, continuarão a ocorrer
desenvolvimentos resultantes da telemedicina, da robotização ou das aplicações da informática, mas que os grandes avanços terão
inevitavelmente lugar no campo das ciências
e das tecnologias relacionadas com a reprodução assistida e com a genética molecular.
Porque de facto estamos apenas a aprender
de novo a anatomia, a fisiologia e a fisiopatologia. A evolução tecnológica forneceu-nos, por
intermédio da biologia molecular, os instrumentos necessários para estudarmos de novo
as ciências fundamentais, só que ao nível dos
genes, na sua disposição e inter-relação nos
cromossomas, nos mecanismos e factores que
estabelecem a sua expressão ou silenciamento
e que determinam a existência de doença.
Um maior conhecimento do enredo que regula o fenómeno implantatório e a possibilidade
de com ele interferir, bem como a capacidade
de congelar adequadamente ovócitos humanos conservando-lhes as virtualidades de desenvolvimento pós-fertilização, para não falar
do enorme potencial que se poderá abrir com
a criopreservação e transplantação de tecido
ovárico ou com o controlo da diferenciação
das células estaminais, são outras vertentes,
em que são esperáveis enormes saltos qualitativos num futuro não muito longínquo.
6
que no entanto se revelam inaplicáveis pelos elevados custos logísticos e financeiros, a
que acrescem desvantagens metodológicas
importantes15,19. Em conjunto, estes escolhos
podem afectar a validade dos resultados.
Por outro lado, os métodos de natureza retrospectiva, alicerçados em autopercepção e
posterior relato de dificuldade em engravidar, são referidos como de baixa sensibilidade (58%) e associados a potenciais vieses de
recrutamento, de memória, por reaplicação
de questionários e pela influência de tendências populacionais e de comportamento15,20. Contudo, alguns autores referem que
estes problemas podem ser parcialmente ou
totalmente ultrapassados com medidas implementadoras de qualidade17,19.
Estima-se que, no mundo Ocidental, a infertilidade afecte cerca de 15% dos casais21.
Os resultados de diversos estudos, predominantemente dirigidos para a determinação
da prevalência da infertilidade ao longo da
vida e baseados em avaliações retrospectivas por autopercepção, citam, para a Europa,
valores que variam entre os 6,622 e os 26,4%23
(Quadro 1). Nos Estados Unidos da América
(EUA), um estudo recente refere uma prevalência de infertilidade corrente de 7,4%24.
No entanto, é frequentemente referido que, na
Europa, cerca de 14% dos casais têm alguma
forma de dificuldade em conceber14 e nos EUA
cerca de 10% (1995) com um aumento de 20%
em sete anos (de 1982 a 1995)18. Em Portugal,
um estudo de 2009 concluiu que a prevalência
da infertilidade ao longo da vida se situa entre
os 9 e os 10% e em idade reprodutora é de
8%, não se verificando diferenças regionais da
prevalência25. Assim, estima-se que, no país, entre 266.088 a 292.996 mulheres (casais) tenham
infertilidade ao longo da vida e que 116.630 a
121.059 se encontrem em idade reprodutora.
Somente 43 a 48% das mulheres com infertilidade ao longo da vida e 57 a 61% das actualmente em idade reprodutora recorrem a consulta
médica, com procura equivalente de serviços
públicos e privados, calculando-se uma necessidade imediata de 21.343 ciclos de PMA25.
Capítulo 28
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referido um tempo médio de espera de 5-6
meses até ocorrer gravidez7,10,11. Avalia-se que
mais de 10% dos casais demorem um tempo
superior a um ano a conceber12.
Assim, se em muitos casos não é necessário
esperar um ano para definir o casal como
infértil ou subfértil, em outros, sobretudo de
mulheres jovens, é necessário conceder um
prazo razoavelmente alargado antes de iniciar uma avaliação diagnóstica ou terapêutica intempestiva, porque muitas situações
serão apenas de subfertilidade não identificada e resolver-se-ão espontaneamente.
Clarificar o conceito de fecundabilidade é importante, porque retirará ansiedade a muitos
casais com uma noção errada da rentabilidade
do processo de reprodução e aliviará expectativas pouco realistas de sucesso imediato, seja
por fecundação espontânea ou por recurso a
tratamentos que apenas alcançarão taxas de
êxito «mensais» entre os 20 e os 30%.
A infertilidade encontra-se em ascensão nos
países industrializados2,13, e em algumas regiões a sua importância é tal que pode ter influência no desenvolvimento económico da
população13. A informação pública tem sido
incrementada e suscitada uma maior atenção para o aumento da prevalência10-12,14.
No entanto, a exacta incidência da infertilidade é extremamente difícil ou mesmo impossível de conhecer, quer pelas diferentes
definições e critérios de avaliação utilizados
(ex.: infertilidade corrente ou infertilidade ao
longo da vida), quer pelas grandes variações
regionais e diferentes metodologias dos
múltiplos estudos (estudos demográficos,
inquéritos de base populacional em pequenas comunidades, estudos clínicos)15-17.
Assim, a investigação sobre prevalência é influenciada pela metodologia de avaliação,
pelo critério utilizado para elaborar o diagnóstico12, pelas diferentes definições e terminologias utilizadas por diversos autores
(clínicos, epidemiologistas, especialistas de
demografia)16,18. De acordo com alguns, os
métodos mais exactos para determinação da
prevalência serão os de natureza prospectiva,
Autores/ano
Ano de realização
do estudo e local
Desenho do
estudo
Amostra do
estudo
Outcome
Resultados
Bhattacharya,
et al.26
Grampian,
Escócia
2007
Estudo
retrospectivo de
base populacional
com amostra
randomizada
Taxa de resposta
= 50,2%
4.466 mulheres
31-50 anos
Prevalência de
infertilidade ao
longo da vida
(12 meses)
Auto-reportado
17,5%
95% intervalo de
confiança (IC) (16,318,6%)
Terävä, et
al.27
Finlândia
1992-2004
Estudo
retrospectivo de
base populacional
com amostra
randomizada
Taxa de resposta
= 75,8%
4.729 mulheres
25-64 anos
Prevalência de
subfertilidade
ao longo da vida
(12 meses)
Auto-reportado
16%
Rostad, et
al.22
North
Trondelagcounty,
Noruega
1985-1995
Estudo
retrospectivo de
base populacional
com amostra
randomizada
Taxa de resposta
= 86%
9.983 mulheres
nulíparas e
multíparas
50-64 anos
Prevalência de
infertilidade ao
longo da vida
(12 meses)
Auto-reportado
6,6%
p < 0,01
Olsen, et al.28
Europa
(Dinamarca,
Alemanha
Ocidental e
Alemanha de
Leste, Norte e Sul
de Itália, Polónia
e Espanha)
1991-1993
Estudo
retrospectivo de
base populacional
com amostra
randomizada
Variação da taxa
de resposta entre
57% na Alemanha
e 88% na Polónia
6.630 mulheres
25-44 anos
Prevalência de
infertilidade ao
longo da vida
Auto-reportado
Total: 11,3%
Dinamarca: 16,8%
Alemanha Ocidental:
23,8%
Alemanha de
Leste: 5%
Norte de Itália: 24,8%
Sul de Itália: 8,8%
Polónia: 8,8%
Espanha: 12%
Buckett, et al.29 Shrewsbury, Reino Estudo
Unido
retrospectivo de
1995
base populacional
com amostra
randomizada
Taxa de resposta =
72,9%
728 mulheres
45-55 anos
Prevalência de
infertilidade ao
longo da vida (12
meses)
Auto-reportado
17,3%
95% IC (14,6-20%)
Sundby, et al.11 South-Trøndelag,
Noruega
1992-1993
Estudo
retrospectivo de
base populacional
com amostra
randomizada
Taxa de resposta =
78,5%
4.034 mulheres
40-42 anos
Prevalência de
infertilidade ao
longo da vida (12
meses)
Auto-reportado
10,3%
Schmidt, et
al.14
Estudo
retrospectivo de
base populacional
com amostra
randomizada
Taxa de resposta
= 78%
2.865 mulheres
15-44 anos
Prevalência de
infertilidade ao
longo da vida (12
meses)
Auto-reportado
15,7%
Gunnell, et al.23 Somerset, Reino
Unido
1993
Estudo
retrospectivo de
base populacional
com amostra
randomizada
Taxa de resposta =
75,7%
2.377 mulheres
36-50 anos
Prevalência de
infertilidade ao
longo da vida (12
meses)
Auto-reportado
26,4%
95% IC (24,6-28,2%)
Stephen, et
al.24
EUA
2002
Estudo transversal
15.303 mulheres
casadas
15-44 anos
Prevalência de
infertilidade
corrente
Auto-reportado
7,4%
Boivin, et al.30
Países mais
desenvolvidos
e países menos
desenvolvidos
1988-2005
Revisão
28 estudos
Prevalência
mediana de
infertilidade
corrente (12
meses)
Países mais
desenvolvidos: 9%
Países menos
desenvolvidos: 5-15%
Estudo nacional
retrospectivo com
amostra aleatória
estratificada
2.632 indivíduos
(1.909 mulheres;
723 homens)
Prevalência de
infertilidade ao
longo da vida
e em idade
reprodutora
9,8%; 8,2%
County of
Copenhagen,
Dinamarca
1989
Silva Carvalho, Portugal
et al.25
2009
Infertilidade
7
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Quadro 1. Prevalência de infertilidade (Europa e EUA)
3.1. AVALIAÇÃO CLÍNICA E EXAMES
A importância dos vários factores de infertilidade varia consoante as populações
estudadas, não podendo ser determinada
com exactidão. Collins31 realizou uma análise de 21 estudos e relata que, em cerca
de 15.000 casais inférteis, as perturbações
de ovulação ocorriam em 27%, o factor
masculino em 25%, o tubar em 22%, a endometriose em 5% e outros factores em
4%. A infertilidade inexplicada justificava
17% das situações. Por seu turno, em 2006,
a Human Fertilisation and Embryology Authority (HFEA) cita a seguinte proporção:
vários factores masculinos 32,5%; todos
os factores femininos 32,5% (doença tubar
15,3%; anomalias ovulatórias 8,4%; factores múltiplos 5,5%; endometriose 2,9%;
uterino 0,4%); factores femininos e masculinos múltiplos 10,8%; inexplicada 23,1%;
outros 1,1%.
Nunca foi demonstrado que hipotéticas
situações, como de anticorpos antiespermatozóide, insuficiência luteínica, infecção
genital subclínica, subtis anomalias endócrinas de hipotiroidismo ou hiperprolactinemia em mulheres com ciclos ovulatórios,
fossem causa de infertilidade e não existem estudos prospectivos randomizados
que demonstrem que o tratamento destas
entidades nosológicas proporcione um aumento da fecundidade. Muitas das doentes
com anomalias subtis serão hipoférteis,
pelo que apenas demorarão um pouco
mais de tempo a conceber. Contudo, uma
vez identificada a existência de perturbação da fertilidade, a avaliação diagnóstica deve ser completada tão rapidamente
quanto possível.
Convém salientar que, para além de a infertilidade ser frequentemente multifactorial,
a metodologia de avaliação diagnóstica de
âmbito clínico não conseguirá detectar a(s)
causa(s) em 10 a 20% das situações, que inevitavelmente serão classificadas de infertilidade inexplicada.
A estratégia de avaliação/orientação inicial
do casal infértil tem como trave mestra a
procura da identificação e correcção das
causas. Mesmo sabendo-se que muitas vezes este desiderato não será alcançado, deve
resistir-se à tentação fácil de tudo ultrapassar para conseguir um ilegítimo «êxito» de
curto prazo, em particular por recurso às
técnicas de PMA.
Num contexto em que o apoio emocional
é vector importante, o fornecimento de informação rigorosa sobre a fisiologia da reprodução, sobre a doença que impede de
procriar e suas causas, são tão relevantes
quanto a definição dos momentos e perfis
em que as investigações e tratamentos devem terminar ou, pelo contrário, têm de ser
acelerados. Uma idade feminina superior a
35 anos, uma história de oligo/amenorreia,
antecedentes de endometriose, história
suspeita de doença uterina ou tubária, conhecimento de subfertilidade do parceiro,
alterações no exame físico em particular
indiciadoras de endometriose ou infecção,
são apenas alguns exemplos de situações
que deverão motivar uma avaliação rápida
e completa ou mesmo o início imediato de
terapêutica.
A avaliação inicial assenta em cinco «pilares»
fundamentais:
1. História clínica e exame físico (com colheita para citologia cervical).
2. Análises gerais de pré-concepção, incluindo serologias das doenças infecciosas e doseamentos hormonais, ao 2.o/3.o
dia do ciclo.
3. Histerossalpingografia.
4. Ultrassonografia pélvica transvaginal.
5. Espermograma.
Na primeira consulta, o casal será informado acerca da fecundabilidade normal e de
como fica alterada com o progredir da idade
da mulher ou com uma duração de infertilidade superior a três anos. Deve também ser
fornecida informação sobre a finalidade dos
8
Capítulo 28
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3. AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA9
3.1.1. HISTÓRIA CLÍNICA E EXAME FÍSICO
A colheita da história do elemento masculino deve incluir entre outros: antecedentes
de patologias e infecções; traumatismos, riscos profissionais, exposição a tóxicos/radiações/calor; estilo de vida e medicações habituais; cirurgias anteriores; história familiar
de dificuldade reprodutiva, atraso mental e
defeitos congénitos.
A história feminina deve ser colhida cuidadosamente, pois esta é, talvez, a área da ginecologia em que o interrogatório clínico tem um
papel mais importante. Para além dos aspectos habituais, deve ter-se particular atenção
Infertilidade
aos seguintes pontos: idade da mulher; duração da infertilidade; exames e tratamentos
anteriores; regularidade/irregularidade dos
ciclos menstruais; complicação de eventual
gravidez anterior; tempo e método de contracepção prévia (dispositivo intra-uterino
[DIU]); antecedentes de infecção ou cirurgia
abdominopélvica; dismenorreia significativa, adquirida ou com posterior aumento de
intensidade; dispareunia; hipermenorreia;
disfunção sexual; exame citológico cervical
anormal ou prévio tratamento de patologia
do colo uterino; medicações habituais, drogas, tabaco e exposição a tóxicos/radiações.
Nos antecedentes familiares é importante
não esquecer as doenças genéticas, as malformações e, de forma muito importante, a
idade da menopausa dos elementos femininos da família.
É também importante não esquecer sintomas e sinais sugestivos de doenças endócrinas como galactorreia, alterações do peso,
pele, pilosidade, etc.
O exame físico deve dispensar particular
atenção a estes aspectos e à massa corporal, ao tamanho e morfologia da tiróide, às
secreções mamárias, à posição do útero, à
dor abdominal ao exame pélvico, em particular se despertada por dificuldades de
mobilização uterina, exploração do fundo
de saco posterior e dos ligamentos úterosagrados, ou por palpação anexial. Também
a exploração da cavidade vaginal, dos fundos de saco e do colo do útero, assumem
relevo. É importante salientar que o exame
ginecológico continua a ser um dos principais meios de avaliação da infertilidade e,
muitas vezes, fornece a chave para o diagnóstico. Para além de eventuais patologias
ou leucorreias cervicais observáveis ao espéculo, a detecção de uma retroversão uterina fixa, de um útero difícil de mobilizar ou
doloroso à mobilização, de nodulações dos
ligamentos útero-sagrados, de nodulação
do septo rectovaginal, de empastamento
dos fundos de saco posterior ou laterais,
são bons exemplos de prováveis causas de
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diferentes exames de diagnóstico, o prognóstico e os diversos tipos de tratamento. As
possíveis causas necessitam de ser referidas,
não esquecendo que, mesmo após a utilização de todos os meios clínicos de diagnóstico, em 10 a 20% das situações pode ser impossível identificar o principal factor.
Muitas vezes, é necessário ensinar que a
fecundabilidade pode ser aumentada pela
orientação das relações sexuais para a fase
pré-ovulatória do ciclo genital, porque, após
a captação pela trompa, o ovócito se desintegra em menos de um dia, enquanto que
os espermatozóides mantêm capacidade de
fertilização até 72 horas, pelo que é aconselhável que se encontrem presentes na parte
superior do aparelho genital feminino no
momento da chegada do ovócito. Wilcox
demonstrou que a probabilidade de gravidez era muito superior se as relações sexuais
ocorressem no dia da ovulação, ou um a dois
dias antes, do que quando se concretizavam
em dias posteriores32. Assim, é de aconselhar
como timing óptimo para actividade sexual,
ou para realização de inseminação, o dia anterior ao da ovulação, sem esquecer que o
pico de hormona luteinizante (LH) (eventual
identificação urinária) ocorre nesse dia. Com
este objectivo, o gráfico de temperatura basal não tem qualquer interesse e deve ser
desaconselhado33.
3.1.2. ANÁLISES
Na mulher jovem, saudável, assintomática e
com ciclos regulares, é suficiente a solicitação
de exames analíticos que contemplem o hemograma com grupo sanguíneo e factor Rh e
as análises básicas incluindo as serologias habituais no estudo de pré-concepção. A avaliação por rotina da função tiroideia por hormona tireo-estimulante (TSH), T3 e T4 livre, bem
como da prolactina (PRL), em mulheres com
ciclos ovulatórios regulares, é de utilidade duvidosa. Os resultados são habitualmente normais e, mesmo na presença de algum grau de
anomalia, desde que a mulher tenha ciclos
ovulatórios regulares, é provável que as alterações detectadas não tenham qualquer relação com a infertilidade. Nestas mulheres, os
tratamentos efectuados com extracto tiroideu
e bromocriptina não mostraram aumentar a
probabilidade de concepção quando comparado com as que não efectuaram qualquer
terapêutica9. Por outro lado, mulheres com
anovulação e hipotiroidismo, ou hiperprolactinemia, beneficiam com tratamento de substituição da função tiroideia ou com agonistas
da dopamina, estando demonstrado um reassumir da ovulação e da fecundidade.
10
O estudo analítico endocrinológico justifica-se nas mulheres com mais de 35 anos de
idade ou nas que evidenciem sintomas (oligomenorreia/amenorreia) ou sinais clínicos
(obesidade, hirsutismo, etc.) de disfunção endócrina. Deve contemplar: TSH, T3 e T4 livre;
hormona folículo-estimulante (FSH), LH, PRL;
estradiol; androstenodiona e testosterona livre; 170HP, DHEASO4 e eventualmente cortisol e insulina. Estes doseamentos devem ser
efectuados no 2.o ou 3.o dia do ciclo para que
os valores de FSH e de estradiol possam ser
valorizados como marcadores indirectos da
reserva ovárica. Um valor de FSH superior a
15 mU/ml sugere reserva ovárica diminuída
e indicia mau prognóstico. Um valor de estradiol superior a 70 pg/ml ao 2.o ou 3.o dia torna
de difícil interpretação o valor de FSH e o de
E2 pode ser encarado como marcador independente, apontando também reserva ovárica diminuída e portanto mau prognóstico9.
O rastreio das doenças infecciosas, para além
do incluído nas serologias dos exames analíticos básicos de pré-concepção, só deve ser
solicitado de forma selectiva.
Qualquer anomalia encontrada na história
clínica, no exame físico ou nos exames mais
preliminares, como na avaliação da ovulação ou no espermograma, deve ser corrigida antes da realização de exames auxiliares
adicionais, caros e invasivos. Estes, justificar-se-ão apenas perante suspeição específica. Por exemplo, se na história clínica se
salienta oligomenorreia e o resultado do
espermograma é normal, deverá ser instituída sem delongas terapêutica de indução
da ovulação com citrato de clomifeno, antes
da realização de outros exames auxiliares,
porque em 50% dos casos ocorrerá gravidez
nos três primeiros ciclos ovulatórios. Porém,
se a história clínica levanta suspeita de infecção pélvica anterior ou de patologia tubar, a histerossalpingografia tem indicação
imediata, bem como nas situações em que
não exista qualquer facto relevante na história e os exames previamente realizados se
afigurem normais.
Capítulo 28
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infertilidade por endometriose ou por sequelas de doença inflamatória pélvica, que
dificilmente serão identificadas por exames
auxiliares de diagnóstico.
A realização de ultrassonografia transvaginal,
em simultâneo com o exame ginecológico,
pode confirmar ou fornecer elementos adicionais de detecção de patologias uterinas
como fibromiomas, avaliação da espessura
endometrial e sua relação com o momento do
ciclo em que o exame é efectuado, detecção
de tumores pélvicos, avaliação das dimensões
e morfologia ováricas, património folicular,
eventual aspecto micropoliquístico, presença
de quistos «simples» ou de endometriose.
Deve certificar-se a existência de rastreio
citológico cervical recente com resultado
normal.
A histerossalpingografia permanece como
um exame fundamental na avaliação do casal infértil. Deve ser requerida nas situações
de suspeição de patologia uterina, tuboperitoneal, ou se a avaliação preliminar não forneceu informação imediata com relevo. Não
deverá ser realizada nos contextos de doença inflamatória pélvica aguda recente ou de
patologia infecciosa suspeitada pelo exame
ginecológico. É boa prática a prescrição de
antibioterapia profiláctica para realização
do exame histerossalpingográfico, que se
torna obrigatória se este revelar a existência
de hidrossalpinge. Independentemente dos
aspectos de diagnóstico, este teste auxiliar
pode ter efeito terapêutico por remoção de
secreções que ocluam o lume tubar ou pela
promoção da rotura de pequenas aderências das fímbrias.
A histerossalpingografia permite avaliar a
anatomia e a morfologia da cavidade uterina, as suas eventuais anomalias, a existência
de patologia intracavitária, e objectivar o desenho, trajecto e permeabilidade das trompas. Em caso de doença, possibilita ainda
avaliar a magnitude do processo patológico
e fornece informação sobre a existência de
hidrossalpinge, de sequelas de tuberculose
ou de salpingite ístmica nodosa.
Há que ter em conta a frequente ocorrência
de falsos positivos (cerca de 50%)9, uni ou
bilaterais, e que o exame não fornece informação quanto à existência de aderências
peritubares ou sobre «pequenos» processos
patológicos que perturbam a motilidade e
função das trompas que, como na endometriose, apenas podem ser diagnosticados por
laparoscopia. A mesma prudência de juízo
se aplica também em relação a pequenas e
subtis anomalias da cavidade uterina apenas
diagnosticáveis por histeroscopia34,35.
Se a histerossalpingografia identificar uma
patologia importante da trompa, como o
hidrossalpinge, tendo em conta as baixas taxas de sucesso da cirurgia reconstrutiva, está
Infertilidade
indicada a realização de FIV, o que, no caso
da patologia em referência, exige salpingectomia laparoscópica prévia, nomeadamente
se o hidrossalpinge for visível em ultrassonografia, já que a presença desta lesão tubar faz
diminuir as taxas de sucesso da fecundação
in vitro em cerca de 40% (Figs. 1 a 7).
Figura 1. Útero bicórneo (eventualmente septado)
Figura 2. Sinequias corporais e cervicais
11
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3.1.3. HISTEROSSALPINGOGRAFIA
Figura 6. Útero septado (eventualmente bicórneo) com
obstrução tubar direita e hidrosalpinge esquerdo
Figura 4. Útero unicórneo
Figura 7. Hidrosalpinge esquerdo
(Histerosalpingografias por cortesia de Campos Costa)
3.1.4. ULTRASSONOGRAFIA
Figura 5. Duplicidade uterina ou septo completo
12
Por se tratar de um exame não-invasivo e fácil de realizar, a ultrassonografia, em particular transvaginal, assume lugar de 1.a linha na
avaliação do casal infértil.
A ultrassonografia transabdominal exige
bexiga preenchida, mas tem a vantagem de
fornecer uma imagem orientada, útil na definição da relação entre as estruturas pélvicas.
No entanto, a observação de áreas mais específicas exige a realização da ultrassonografia
transvaginal, que permite uma avaliação mais
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Figura 3. Cavidade uterina normal; trompas normais e
permeáveis
Malformações uterinas
As anomalias mullerianas podem ocorrer em
1 a 5% das mulheres, mas apenas 20% são
inférteis38,39. A ultrassonografia, interpretada
em conjunto com a histerossalpingografia,
eventualmente coadjuvadas pela ressonância magnética (RM), é útil na clarificação
destas patologias. A histerossalpingografia
tem mais acuidade na definição da forma e
dos contornos da cavidade uterina. Contudo,
quando utilizada isoladamente pode originar
dificuldades de distinção entre útero septado
e bicórneo. Se combinada com a ultrassonografia transvaginal, a acuidade diagnóstica é
aumentada, situando-se nos 90%. A ultrassonografia, bem como a RM, contribuem para
uma melhor definição dos contornos externos do útero e para clarificação da espessura
e extensão dos septos (Fig. 8). Por seu turno, o
útero bicórneo apresenta uma configuração
caracteristicamente côncava e lobulada do
contorno externo, associada a um aumento
de distância intercornual. No entanto, este
tipo de malformações apenas poderá ser esclarecido com exactidão pela realização conjunta de histeroscopia e laparoscopia.
Infertilidade
Figura 8. Ultrassonografia – útero septado (cortesia de
Campo R, Leuven Institute for Fertility and Embryology [LIFE]).
Fibromiomas
São o tumor benigno mais frequente do
aparelho genital feminino e podem estar
associados a infertilidade ou abortamento
precoce. Apesar de os fibromiomas apresentarem uma considerável variabilidade
de imagem ultrassonográfica, a ecografia
transvaginal é muito útil na avaliação dos
médios/pequenos miomas intramurais, submucosos ou cervicais40 (Figs. 9 e 10). Já não é
tão interessante no estudo dos fibromiomas
pediculados ou de intensa ecogenicidade,
mas é essencial na definição do grau de envolvimento miometrial e da relação com a
cavidade uterina.
Figura 9. Ultrassonografia – fibromioma submucoso
(cortesia de Campo R, LIFE).
13
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fiável e não-invasiva dos órgãos pélvicos. O
exame ganhou um estatuto de procedimento
de rotina, quer no estudo da avaliação de base
quer na monitorização da terapêutica. Associado ao Doppler a cores acrescenta informação sobre a perfusão útero-ovárica36,37 e pode
ter valor prognóstico da implantação embrionária em ciclos fertilização in vitro (FIV).
De uma forma genérica, pode dizer-se que a
ultrassonografia transvaginal fornece informações úteis sobre a anatomia, morfologia,
dimensões e posição uterinas. Permite a avaliação dos ovários em termos da sua localização, dimensões, volume e número de folículos antrais, e é precioso meio auxiliar de
controlo dos tratamentos. É assim indispensável, possibilitando ainda o diagnóstico de
anomalias congénitas, pólipos, fibromiomas,
hidrossalpinges, quistos ováricos, endometriomas e ovários micropoliquísticos.
Endometriose
Em ultrassonografia, a endometriose tem
uma aparência diversificada. Do largo espectro de apresentações da doença, apenas os endometriomas ováricos podem
ser identificados com acuidade. Eventuais
septações, loculações, espessura variável
da parede do quisto, são aspectos ultrassonográficos ocasionais, predominando uma
massa hipoecóica, homogénea, com ecos
internos de baixa densidade, que parecem
reflectir a degradação de produtos sanguíneos (Fig. 11). No entanto, estes achados
não são específicos e, em algumas ocasiões, é difícil de distinguir o endometrioma
do abcesso tubo-ovárico, do teratoma, do
quisto hemorrágico ou do cistadenoma
mucinoso. Mais importante é a dificuldade/
impossibilidade da identificação dos implantes de endometriose da pelve, que não
são visíveis por ultrassonografia transvaginal. É por esta razão que a ultrassonografia
desempenha um papel limitado na endometriose, revelando uma sensibilidade de
apenas 11% quando comparada com a laparoscopia41. Recentemente, alguns grupos
têm desenvolvido técnicas de abordagem
transrectal para avaliação dos nódulos de
endometriose do septo rectovaginal.
14
Figura 11. Ultrassonografia: endometrioma ovárico.
Ovários micropoliquísticos
São normalmente ovários aumentados de volume por virtude de aumento da quantidade
de estroma. Os critérios de diagnóstico ultrassonográficos são variáveis, embora sempre
mais fundamentados no número e distribuição de folículos antrais visíveis. O aspecto mais
característico é o da visualização de inúmeros
folículos em fase pré-antral/antral, dispostos à
periferia ou no interior de um estroma denso
e volumoso42 (Fig. 12). Os critérios habituais
exigem a visualização de 10 a 20 «quistos»43.
Este aspecto «poliquístico» é frequente em
mulheres «normais» (20%), sendo no entanto mais frequente nas inférteis (33%)44,45.
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Figura 10. Ultrassonografia: fibromiomas
Embora muitas situações sejam assintomáticas, o ovário micropoliquístico é a causa
mais frequente da infertilidade anovulatória.
Pode ser considerado integrante de uma síndrome quando à típica imagem ecográfica
se associa hiperandrogenismo, anovulação
crónica e relação LH/FSH elevada, isto é, superior a 2 para 1. Independentemente da sua
participação na síndrome, a identificação de
ovários micropoliquísticos na avaliação ultrassonográfica de base é relevante, não só
para correcção da anovulação/disovulação,
mas como elemento de alerta para risco de
resposta excessiva à estimulação ovárica46. A
associação do Doppler a cores e a verificação
de uma velocidade de fluxo aumentada no
estroma pode significar que, na presença de
uma mesma dose de gonadotrofinas, maior
quantidade de fármaco atingirá as célulasalvo justificando o aumento da resposta
ovárica e o risco de hiperestimulação.
Também a medida da velocidade de fluxo
máximo no estroma na fase folicular, pode
ser útil como parâmetro preditivo da resposta ovárica nos tratamentos de fecundação in vitro47.
Endométrio
O aumento da espessura do endométrio
pode ser motivado pela presença de um pólipo ou de um fibromioma submucoso, cuja
imagem melhorará com a instilação de soro
fisiológico na cavidade uterina (Fig. 13). Por
Infertilidade
Figura 13. Histerossonografia – fibromioma submucoso
ou pólipo intracavitário (cortesia de Campo R, LIFE).
Figura 14. Mini-histeroscopia – sinequias uterinas (cortesia de Campo R, LIFE).
15
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Figura 12. Ultrassonografia: ovário micropoliquístico.
outro lado, um endométrio de fina espessura com ausência de distensão da cavidade
após introdução de soro fisiológico, pode
alertar para a existência de sinequias. Qualquer destas patologias deve ser objecto de
clarificação por histeroscopia (Figs. 14 a 17).
A ultrassonografia a duas dimensões permite
a observação transversal e longitudinal dos
órgãos pélvicos. A visão frontal introduzida
pela 3.a dimensão possibilita uma inspecção
mais detalhada da morfologia uterina e uma
melhor observação da cavidade, sendo útil
na distinção do útero bicórneo com o septado, dos fibromiomas e dos pólipos, e para
determinação do seu grau de interferência
com o endométrio.
Figura 15. Mini-histeroscopia – sinequias uterinas
Figura 16. Mini-histeroscopia – fibromioma submucoso
Figura 17. Histeroscopia – pólipo intracavitário (cortesia
de Fradique A, Hospital dos Lusíadas).
3.1.5. ESPERMOGRAMA
Ver 3.4. Avaliação Masculina, página 24
16
Quando a extensão da doença tubar não pode
ser completamente avaliada por histerossalpingografia ou o diagnóstico é duvidoso, deverá ser considerada a realização de laparoscopia diagnóstica, de preferência na primeira
fase do ciclo. Embora seja gold standard para
avaliação da doença tubária, a laparoscopia
diagnóstica não tem uma indicação de 1.a linha
na avaliação do casal infértil, por se tratar de
um exame com elevados custos, invasivo, que
requer anestesia geral e ambiente operatório.
Assim, apenas deverá ser considerada quando
for necessário completar o estudo da anatomia e permeabilidade das trompas, esclarecer
malformações uterinas ou perante a suspeita
de aderências pélvicas ou endometriose.
Os endometriomas ováricos são, em 1.a linha,
diagnosticados por ultrassonografia transvaginal, pelo que, se a ultrassonografia identificar ovários normais em conjunto com imagens histerossalpingográficas sem patologia,
é pouco provável que existam aderências pélvicas que perturbem a função da trompa, em
particular num contexto de normalidade do
título de anticorpos anticlamídia.
Em mulheres sem história de salpingite,
sem sintomas de dismenorreia, com exame
ginecológico normal e título de anticorpos
anticlamídia também normal, a probabilidade de encontrar aderências peritubares
na laparoscopia com importância suficiente
para serem causa de infertilidade, é inferior a
5%9. Nestes casos, em idades femininas inferiores a 35 anos e espermograma com mais
de cinco milhões de espermatozóides móveis, pode iniciar-se a abordagem com um
ou dois ciclos de estimulação ovárica ou de
inseminação uterina, antes de propor a realização de laparoscopia diagnóstica.
Se vier a estar indicada, a concomitante prova de azul-de-metileno permitirá verificar
a permeabilidade das trompas, bem como
tratar de imediato algumas patologias (aderências pélvicas, endometriose, drilling de
ovários micropoliquísticos) (Figs. 18 a 21). É
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3.1.6. LAPAROSCOPIA
Figura 21. Laparoscopia – drilling dos ovários.
3.1.7. HISTEROSCOPIA
Figura 18. Laparoscopia – prova de azul-de-metileno
(cortesia de Faustino F, Hospital da Luz)
Figura 19. Laparoscopia – aderências pélvicas (cortesia
de Fradique A, Hospital dos Lusíadas).
Sendo o método gold standard de diagnóstico e terapêutica da patologia intra-uterina, não é de 1.a linha na avaliação inicial do
casal infértil. No entanto, é imprescindível
para clarificação das patologias que envolvam a cavidade uterina detectadas pelos
métodos de imagem indirecta a preto e
branco.
É também muito importante no estudo
das situações de infertilidade inexplicada
e nas de abortamento de repetição ou de
insucesso em FIV, em que pequenas e subtis anomalias intra-uterinas escapam ao
diagnóstico por outros meios (Figs. 14 a 17
e 33 a 35).
3.1.8. OUTROS EXAMES
Figura 20. Laparoscopia – endometriose (cortesia de
Faustino F, Hospital da Luz).
Infertilidade
Na avaliação inicial do casal infértil, são por
vezes adicionados aos exames de 1.a linha
outros, que teoricamente contribuiriam
para identificar possíveis factores causais:
— Doseamento sérico da TSH, hormonas tiroideias e PRL em mulheres ovulatórias.
— Biopsia do endométrio em fase luteínica.
— Medição de anticorpos anti-espermatozóide, quer no homem quer na mulher.
— Bacteriologia do muco cervical e do sémen.
17
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aconselhável realizar também histeroscopia
diagnóstica no mesmo tempo operatório, de
preferência em fase folicular, antes que um
crescimento endometrial máximo introduza
factores de dificuldade de visualização.
Hormona tireo-estimulante, hormonas
tiroideias e PRL em mulheres ovulatórias
Ver páginas 10 e 49
Biopsia do endométrio
(insuficiência luteínica)
Embora a insuficiência luteínica seja, desde
há muitos anos, apontada como causa de
infertilidade, esta entidade nunca foi claramente definida nem a sua responsabilidade
inequivocamente demonstrada. O diagnóstico de insuficiência luteínica é habitualmente estabelecido pela constatação de níveis
séricos de progesterona inferiores a 10 ng/
ml, 6/7 dias antes da menstruação, ou pela
identificação de um atraso na maturação do
endométrio obtido por biopsia.
O diagnóstico histológico exige a constatação de um atraso de três ou mais dias na
transformação secretora do endométrio
(critérios de Noyes) em relação ao esperado
para o momento da fase luteínica em que a
biopsia foi realizada (fase média ou terminal
da 2.a metade do ciclo). O resultado deve observar-se em mais de dois ciclos.
O valor deste procedimento é muito discutível, por exemplo porque é muito difícil, ou
mesmo impossível, distinguir entre atraso de
maturação endometrial por produção diminuída de progesterona ou por insuficiente
recepção/resposta endometrial aos estímulos
da hormona. Peters, et al.48 demonstraram,
que os atrasos da maturação endometrial avaliados por histologia ocorriam com a mesma
frequência em mulheres férteis e inférteis.
Os erros de diagnóstico podem também
ocorrer por virtude de diferentes critérios
18
de avaliação histológica, bem como por variabilidade intra e interobservador de interpretação dos critérios de Noyes33.
Em conclusão, o diagnóstico de insuficiência luteínica, quando utilizados isoladamente parâmetros histológicos subjectivos
de avaliação da maturação do endométrio
obtido por biopsia, é impreciso, efectuado
com a mesma frequência em mulheres férteis e inférteis, pelo que a identificação de
diversos graus de maturação endometrial
deve ser encarada como variante biológica, não podendo ser utilizada como critério de diagnóstico único de insuficiência
luteínica ou de maturação endometrial
insuficiente.
A mesma conclusão é aplicável aos doseamentos isolados de progesterona quando
utilizados como parâmetro único de diagnóstico de insuficiência luteínica.
Anticorpos de aglutinação e de
imobilização dos espermatozóides
Foram identificados no soro de mulheres
férteis e inférteis, não estando demonstrado que sejam causa de infertilidade9. Uma
das razões para a inexistência de relação
dos anticorpos séricos com a infertilidade é
o facto de eles serem predominantemente
IGG e IGM, enquanto os anticorpos produzidos no tracto genital inferior são predominantemente IGA.
Lobo9 cita quatro estudos prospectivos em
que não foi encontrada qualquer relação entre a presença de anticorpos antiespermatozóide em qualquer dos membros do casal e
a probabilidade de concepção. As taxas de
gravidez foram similares nos casais com presença destes anticorpos e nos que a não revelaram. A terapêutica com corticosteróides
não acarretou qualquer benefício.
Assim, não se justifica a realização de qualquer exame para detecção de anticorpos antiespermatozóide como parte do conjunto
de avaliação do casal infértil, e poder-se-á
concluir, que a presença destes anticorpos
não afecta a fecundidade.
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A contribuição destes exames para identificação de factores causais, bem como o interesse da correcção das anomalias por eles
detectadas, são questionáveis, não estando
demonstrado aumento da fertilidade com
o seu presumível diagnóstico ou tratamento. Assim, a necessidade da sua inclusão e a
relação custo/benefício na avaliação inicial
do casal infértil são duvidosas.
Nos nossos dias, a tendência geral caracteriza-se pelo protelar da primeira gravidez
para idades tardias na vida da mulher, por
razões várias, designadamente de natureza
socioeconómica e profissional, seguindo-se
uma exigência de concretização imediata
de fecundidade.
Nem um nem outro aspecto se ajustam
muito às características do processo de
reprodução humana! Ele é de baixa rentabilidade e requer tempo para se realizar. A
fecundidade média mensal em cônjuges
«normais» ronda os 20%49-51 e estudos realizados em situações de abandono do DIU
por desejo de gravidez mostram um tempo
médio de espera de 5/6 meses até ocorrer
concepção. Um modelo de análise matemática aplicado a casais de fecundidade
«normal», calcula que em três meses apenas
metade conseguirá o objectivo e somente
ao fim de um ano 90% terão alcançado os
seus intentos49,52.
Por outro lado, ocorre um indiscutível declínio da fecundidade da mulher com o avançar da idade, nomeadamente a partir dos
30 anos53,55-58,62. A análise de registos anuais
dos EUA mostra que a proporção de casais
presumivelmente férteis que não conseguem gravidez aumenta progressivamente
com a idade feminina e de forma mais significativa a partir dos 30 anos (Quadro 2)55.
Também um estudo realizado em 2.193 situações cuja infertilidade era unicamente devida
a azoospermia e que foram tratadas por inseminação com esperma de dador, revela uma
diminuição da percentagem de gestações à
medida que se eleva a idade da mulher, nomeadamente para além dos 30 anos58.
A magnitude do problema é tal que alguns
autores pensam que o importante aumento
do número de casais inférteis não é devido
a crescente incidência de causas e riscos,
mas apenas a uma progressiva tendência de
adiamento da primeira gravidez para a 4.a
década da vida54.
Já se referiu que o processo de reprodução
humana é em si mesmo um processo de
baixa rentabilidade (20-25% por ciclo)51, avaliando-se que 10 a 35% dos casais demore
mais de um ano a conceber52,59. Ora, o avançar da idade agrava a morosidade, condicionando uma diminuição de fecundidade e da
probabilidade de concepção/mês54,60, o que
significa que demorará mais tempo a uma
mulher de idade superior a 30 anos a fecundar e conseguir uma gravidez com evolução
normal e recém-nascido vivo e saudável que
a uma mais jovem. Acresce que o decorrer
do tempo é, também por si só, factor de diminuição da fecundidade, referindo-se que
aos cinco anos sem ocorrência de gravidez, a
fecundidade média é de cerca de 0,4%61.
Por outro lado, estas mulheres dispõem também de menos tempo útil para realizarem a
Quadro 2. Proporção de casais inférteis em função da idade da mulher (média de três
registos dos EUA)
Idade feminina (anos)
Inférteis (%)
20-24
7,0
25-29
8,9
30-34
14,6
35-39
21,9
40-44
28,7
Adaptado de Menken, et al.
Infertilidade
55
19
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3.2. IDADE FEMININA
20
De facto, o problema poderá localizar-se
em três vertentes difíceis de dissociar e de
provável existência conjunta ou mesmo
complementar: prejuízo da fecundação, da
implantação, aumento da perda de embriões. Sendo estes factores indissociáveis, a
importância individual é variável no juízo de
diversos investigadores.
No entender predominante, a «idade ovárica» é de primordial importância, sendo por
vezes mais informativa que a cronológica. O
avançar do tempo condiciona uma diminuição da quantidade e qualidade ovocitárias.
Este «envelhecimento» pode ser indiciado
pelo doseamento de FSH ao 2.o/3.o dia do
ciclo, entendido como marcador do estado
funcional e portanto da idade do ovário,
com valor prognóstico na fecundidade espontânea, nas características de estimulação
e no sucesso das técnicas assistidas74-77.
3.3. OVULAÇÃO
A identificação de ocorrência ovulatória regular é um aspecto primordial na avaliação
das situações de infertilidade. Há no entanto que distinguir dois aspectos: a detecção
da ovulação, isto é, a classificação de um
ciclo como ovulatório/anovulatório e a determinação da ovulação, ou seja, o reconhecimento do dia em que ocorreu o fenómeno
ovulatório33.
A mais importante informação sobre a
existência de ciclos ovulatórios é fornecida
pela história clínica, com a referência a ciclos menstruais regulares. Contudo, a prova
indiscutível de ovulação apenas pode ser
obtida pela ocorrência de gravidez ou pela
recolha de um ovócito da trompa ou do
fundo de saco de Douglas. Assim, os meios
habitualmente disponíveis para detecção da
ovulação apenas fornecem forte evidência
ou presunção da ocorrência do fenómeno e,
tal como os de determinação ovulatória e os
de avaliação da fase luteínica, a informação
que proporcionam é normalmente de natureza indirecta e retrospectiva.
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sua capacidade reprodutiva, o que muitas
vezes origina uma significativa impaciência
e uma tendência para exigir que uma vez
«ligado» o sistema reprodutivo ele funcione
de imediato, pedindo-se-lhe uma eficácia e
rentabilidade que de facto não possui. Assim, o atrasar da concepção para idades mais
tardias na vida da mulher aumenta significativamente a probabilidade da ocorrência de
dificuldades reprodutivas. Por dois motivos:
porque a incidência da infertilidade aumenta com a idade e porque o tempo disponível
para ocorrência de concepção é menor.
À diminuição da probabilidade de concepção há que adicionar o aumento de risco
de acidentes da gravidez com o evoluir da
idade, com consequências que serão mais
graves nos casais de fecundidade moderada
ou hipoférteis. Nestes casos, adiar a gravidez
dos 30 para os 35 anos significa aumentar o
número de inférteis ao fim de três anos de 29
para 250 por cada 1.000 mulheres54.
Porém, outros autores referem que é a partir
dos 35 anos que se verifica um maior declínio da fecundidade atingindo-se níveis mínimos aos 4562-64.
À diminuição da capacidade de reprodução
natural com o decorrer do tempo corresponde também um aumento de insucesso
dos tratamentos da infertilidade, incluindo
a inseminação artificial por dador56,62,65 e a
fecundação in vitro61,66-72 (Fig. 22).
O progressivo declínio da fecundidade em
função da idade comporta diversos factores
e só em parte pode ser atribuído à conhecida
diminuição da resposta folicular aos estímulos gonadotróficos. Neste campo, não está
completamente esclarecida a importância relativa dos diferentes componentes do aparelho reprodutor. Se a evidência clínica parece
mostrar que as primeiras deficiências ocorrem no «sector ovárico», quer no desenvolvimento folicular quer no potencial fecundante
dos ovócitos, estudos animais sugerem que
profundas alterações ao nível da morfologia e
fisiologia endometriais também contribuem
para o declínio da capacidade reprodutora73.
50
40
30
20
10
0
Figura 22. Procriação medicamente assistida – percentagens de gravidez, nados vivos e partos de feto único vivo em
função da idade da mulher (adaptado de ART Report 2006 – CDC).
As técnicas de detecção e determinação da
ovulação podem ser classificadas segundo
Moghissi78 em:
— Pesquisa directa de gonadotrofinas ou hormonas esteróides no soro, urina ou saliva.
— Avaliação das alterações periféricas que
precedem, coincidem ou sucedem ao fenómeno ovulatório.
Julga-se pertinente acrescentar: avaliação
indirecta por técnicas de imagem, das alterações morfológicas ocorridas no ovário antes,
durante ou depois da ovulação.
3.3.1. DOSEAMENTOS SÉRICOS DO ESTRADIOL
São difíceis de utilizar para detecção da ovulação e inaplicáveis para previsão da ocorrência temporal do fenómeno. Esta impossibilidade resulta das características da curva
da hormona, da variação da relação entre o
pico de E2 e a onda de LH, da variabilidade
interindividual e interciclo da concentração/
tempo necessários para desencadear o surto
da gonadotrofina e das oscilações de tempo
entre este e a rotura do folículo. No entanto,
Infertilidade
um doseamento isolado superior a 150 pg/
ml indica que, com forte probabilidade, o ciclo foi ou vai ser ovulatório33,79-82.
3.3.2. DOSEAMENTOS DA PROGESTERONA
Não são aplicáveis nem à previsão nem à
determinação do fenómeno ovulatório. Para
a sua detecção (classificação do ciclo como
ovulatório/anovulatório), o conhecimento
dos níveis da hormona é relevante, mas não
existem definições consensuais sobre o limiar
de distinção (2, 3 ou 5 ng/ml) nem sobre o
momento da fase luteínica em que o doseamento deve ser efectuado. Será sempre de
ter em conta a possibilidade da ocorrência de
falsos negativos por virtude das características da curva da hormona, do seu padrão de
secreção pulsátil e da dificuldade de agendamento prospectivo de qualquer evento que
se relacione com o fenómeno ovulatório por
virtude da sua instabilidade temporal78,83-87.
O nível utilizado para distinguir ovulação de
anovulação não deve confundir-se com o de
avaliação da «qualidade da fase luteínica».
21
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60
3.3.3. ONDA DA HORMONA LUTEINIZANTE
É o fenómeno hormonal que mais directamente se relaciona com a ovulação. Embora
historicamente tenham sido adoptados diferentes critérios de valorização do início e do
22
pico da onda, nos nossos dias existe consenso de que a ovulação ocorre 34 a 39 horas
após o início plasmático do surto da gonadotrofina e de que este «momento» deve ser
adoptado como epicentro e referência para
os acontecimentos do ciclo79.
O doseamento sérico de LH é o método mais
fiável de determinação e previsão da rotura
folicular80,96-103. Contudo, a exigência de colheitas sanguíneas frequentes tornam o método inaplicável na prática clínica habitual.
No entanto, possui as vantagens de permitir referenciar os acontecimentos do ciclo a
um evento objectivo, tem carácter de previsão ovulatória e possibilidade de utilização
prospectiva, relaciona-se melhor com os resultados de exames auxiliares (histologia endometrial e ultrassonografia) que o «dia da
ovulação» determinado de forma indirecta e
retrospectiva com outros métodos89,104-109.
Estas vantagens levaram ao desenvolvimento
das técnicas de doseamento urinário, com saliência para as semiquantitativas de utilização
domiciliária e leitura colorimétrica, referidas
com capacidade de prever a ovulação em
cerca de 90% das situações, embora alguns
autores levantem reservas citando a ocorrência de falsos positivos e negativos bem como
dificuldades na sua utilização83,107,110-112.
3.3.4. CARACTERÍSTICAS DO
PADRÃO MENSTRUAL HABITUAL
Permitem por vezes presumir a ocorrência
de ovulação no ciclo em curso, pois uma
história de ciclos regulares equivale a detecção actual da ovulação em quase 100%
dos casos33,113-115.
Já a determinação da ovulação, por intermédio do cálculo efectuado com base na cronologia menstrual, tem de ser encarada de forma diferente. As frequentes variações inter e
intra-individual da duração dos interlúnios e
de cada uma das fases do ciclo em mulheres
«regulares», não permitem a determinação
da ovulação com base na previsão do início
do período menstrual seguinte. Mesmo a
Capítulo 28
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Também neste aspecto não existe consenso
quanto ao valor dos doseamentos de progesterona. Alguns autores adoptam como
procedimento a realização de um único doseamento em fase luteínica média e como critério de esteroidogénese normal um valor de
progesterona superior a 9-10 ng/ml86,88,89, enquanto outros preferem a realização de três
doseamentos no mesmo período e valorizam
o resultado do somatório ou a sua média90.
Outros duvidam do método e salientam a
variabilidade de concentrações imposta pelo
padrão de secreção pulsátil da hormona e
pelas características da respectiva curva,
bem como a dificuldade de localização prospectiva do momento «fase luteínica média».
Diversos autores divergem quanto ao timing
em que devem ser efectuados os doseamentos de progesterona e indicam a avaliação
na «1.a metade» da fase luteínica92,93, pela
maior correlação entre maturação endometrial atrasada e níveis baixos de progesterona e também pela maior importância para a
fecundidade das dinâmicas hormonal e endometrial neste período94,95.
Contudo, mesmo com doseamentos diários
e a utilização de valores integrados91 existe
dificuldade em correlacionar resultados de
maturação endometrial atrasada com níveis
baixos da hormona.
Por fim, alguns investigadores descrevem diferentes tipos de anomalias dos perfis de progesterona, revelando a «insuficiência luteínica»
como um grupo heterogéneo que não possibilita o diagnóstico sistemático por nenhum
dos critérios e procedimentos descritos.
Os doseamentos salivares que, para além de
importantes vantagens de simplicidade e economia, permitem a realização de colheitas frequentes, não se encontram ainda validados.
3.3.5. GRÁFICO DE TEMPERATURA BASAL
É um método simples, inócuo, económico,
mas incómodo. É um importante auxiliar na
interpretação de acontecimentos que ocorram durante o ciclo genital, bem como para
programação e valorização de actos diagnósticos e terapêuticos.
Embora por avaliação indirecta, e prestando apenas informação retrospectiva, possui
uma sensibilidade (≈ 80%) que possibilita
utilizá-lo como meio de detecção da ovulação114,120,121. Contudo, o clínico deve estar
prevenido para a possibilidade da ocorrência de falsos negativos (até 20%)33,120,121. A
sua especificidade é elevada e a percentagem de registos ininterpretáveis pequena
(cerca de 5%)33,114,122.
No aspecto de determinação da ovulação, a
validade do método é mais questionável e
alguns autores referem que a correspondência do mínimo térmico com o dia da ovulação, ou com o da onda de LH, é imprecisa.
Este aspecto, que por si só cria dificuldades
à utilização do método como meio de determinação da ovulação, é agravado pela variação interobservador na análise dos gráficos,
pela ausência de um critério uniforme de interpretação e por problemas de reprodutibilidade de registo das temperaturas33,123,124.
A possibilidade de utilização do método como
meio de avaliar a «qualidade» da fase luteínica
Infertilidade
não deve ser considerada, dada a inexistência
de um padrão de gráfico objectivo, sensível
e específico. O diagnóstico de «fase luteínica
curta» carece de adequada correlação com os
resultados da histologia endometrial, podendo apenas servir como sinal de alerta em situações de pronunciada alteração da duração
da 2.a fase do ciclo125-129.
3.3.6. BIOPSIA DO ENDOMÉTRIO
Como método de estudo da ovulação assenta no facto de, ao longo do ciclo e por acção
das hormonas esteróides, a mucosa uterina
ter um padrão previsível de modificação histológica130-132. À transformação secretora do
endométrio só em situações de excepcional
raridade não corresponderá a existência de
ovulação, pelo que pode ser utilizada como
meio válido de detecção da rotura folicular.
Por outro lado, na prática clínica de infertilidade, o estudo morfológico da transformação
secretora do endométrio em fase luteínica
(critérios de Noyes), é frequentemente utilizado como forma de avaliação biológica da
produção de progesterona e da qualidade
funcional do corpo amarelo. De acordo com
este procedimento, alguns autores acreditam
que existe uma boa correlação do processo de maturação endometrial com a função
luteínica e com a cronologia pós-ovulatória
estabelecida a partir de marcadores habituais89,91. Para esses, a fase secretora possui uma
duração sensivelmente constante de 14 dias e
realizam a biopsia perto do final do ciclo, para
permitir o tempo necessário a uma completa
expressão da acção progesterónica. Assim, da
correspondência entre níveis de progesterona, dias pós-ovulação e grau de maturação endometrial, resulta uma noção de normalidade
cuja não verificação acarreta o diagnóstico de
insuficiência luteínica (atraso de maturação
endometrial igual ou superior a três dias pelos
critérios histológicos de Noyes)133,134,135.
Esta forma de avaliar a função do corpo amarelo e de diagnosticar a sua insuficiência é
contestada por outros, em diversas vertentes
23
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determinação retrospectiva, assente no conhecimento da data real do 1.o dia do cataménio, carece de acuidade, pois em ciclos de
mulheres «normais» foi demonstrada variação de duração das fases luteínicas116-119.
As mulheres com oligomenorreia (interlúnios superiores a 35 dias) ou com amenorreia, devem ser tratadas com indutores da
ovulação, independentemente de poderem
ter esporadicamente ciclos ovulatórios. Assim, para essas mulheres, outras avaliações
diagnósticas são desnecessárias, uma vez
que terá sempre que ser efectuada terapêutica de indução/estimulação da ovulação.
24
3.4. AVALIAÇÃO MASCULINA
O espermograma é um exame essencial na
avaliação do casal infértil. Poderá ser aconselhada abstinência sexual dois dias antes da
colheita de esperma, uma vez que ejaculações frequentes podem diminuir o volume
seminal e, ocasionalmente, a contagem de
espermatozóides.
A colheita deve incluir a totalidade da amostra, já que a fracção inicial é a que contém
uma maior densidade de gâmetas e ser, preferencialmente, realizada no local onde decorrerá a análise. Poderá efectuar-se no exterior, desde que o esperma seja conservado
à temperatura do corpo e o transporte não
exceda 30 minutos.
Os parâmetros habitualmente analisados e
respectivos «valores normais» figuram no
quadro 3.
A mobilidade deve ser determinada logo que
possível após a liquefacção, que ocorre 20 a
30 minutos após o acontecimento ejaculatório. A morfologia é um parâmetro importante, mas é de avaliação e valorização extremamente subjectivas. Aliás, todos os valores do
espermograma têm alguma subjectividade,
que se intensifica na avaliação da morfologia,
existindo também significativos graus de variabilidade interobservador, intra-observador,
no mesmo indivíduo em diferentes exames e
ainda fruto dos diferentes critérios utilizados
para avaliação. Diversos autores identificaram
anomalias do espermograma em 25 a 75% de
homens cujas mulheres tinham engravidado recentemente. Estes estudos confirmam
a existência de uma grande variabilidade do
normal nos parâmetros do espermograma.
Há que ter presente, que as características do
sémen têm variação biológica e que, perante
identificação de anomalia, é prudente repetir
posteriormente o exame.
É necessário também recordar, que os valores do espermograma reflectem a produção
de espermatozóides ocorrida há três meses,
pelo que é importante indagar da ocorrência de doença nessa fase.
Capítulo 28
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e com diferentes argumentos entre os quais
se salientam: dificuldade de interpretação e
valorização dos resultados pela pouca exactidão dos marcadores ovulatórios habituais
e pela inconstância da sua relação com o
processo de maturação endometrial; maior
variabilidade biológica da diferenciação da
mucosa na «2.a metade» da fase luteínica; imprecisão dos doseamentos de progesterona
para avaliação da função luteínica e dos critérios de datação morfológica para reflectirem
os fenómenos endometriais da 2.a fase do ciclo, bem como inadequada correlação entre
os resultados dos dois métodos95,106,109,124.
Mas os aspectos com maior relevância são: o
da incapacidade de por intermédio da biopsia do endométrio se distinguir entre perturbação da maturação motivada por deficiente
produção de progesterona ou por defeito de
resposta da mucosa; a eventual importância
de os métodos de avaliação das funções luteínica e endometrial deverem ser preferencialmente dirigidos para a «1.a metade» da
fase secretora. De facto, para além da indicação de que ambos os tipos de «insuficiência
luteínica» serão mais frequentes nesta época
da 2.a fase do ciclo, é também nestes dias que
maior importância terá para a fecundidade a
existência de qualquer perturbação da função do corpo amarelo e/ou do endométrio.
Acresce que apesar da aparente normalidade
esteroidogénica, a maturação endometrial
nem sempre é regular e uniforme, em velocidade constante e com ritmo que permita fazer corresponder transformações histológicas
a períodos de 24 horas.
Assim, embora a biopsia seja um método de
execução fácil e com escassas complicações, há
necessidade de desenvolver outros meios que
permitam avaliar separadamente as funções
do corpo amarelo e do endométrio. No que
respeita à mucosa uterina é imperiosa a implementação de novos parâmetros e métodos,
preferencialmente dirigidos à fase pré-implantatória, que de forma ideal deverão superar o
carácter retrospectivo da informação histológica e permitir uma avaliação em tempo real33.
Parâmetro
Valor normal
Volume
= 2 ml
Cor
Branco grisalho
Cheiro
Sui generis
Viscosidade
Normal
Liquefacção
Completa aos 60 minutos
pH
≥ 7,2
o
Concentração (n. de espermatozóides/ml)
≥ 20 x 106
N.o total de espermatozóides
≥ 40 x 106 no ejaculado
Mobilidade
Progressão rápida
≥ 25%
Progressão rápida + progressão lenta
≥ 50%
Morfologia normal
≥ 15%
Vitalidade
≥ 50%
Teste de hipoosmolaridade
≥ 60%
Adaptado de WHO, 1999.
Perante um factor masculino grave, é recomendável indicar consulta com um andrologista, requisitando entretanto os exames iniciais de avaliação, a saber: cariótipo, estudo
biomolecular do cromossoma Y para identificação de microdeleções, em particular AZFc.
O cariótipo e o estudo das microdeleções são
essenciais para identificação e aconselhamento das situações com risco de transmissão de anomalias genéticas e/ou agravamento progressivo das anomalias do sémen que
poderá finalizar em azoospermia.
Nos casos de azoospermia, e independentemente de o diagnóstico definitivo só ser estabelecido por biopsia testicular, acrescem:
FSH, LH e testosterona, ecografia testicular
e vesicoprostática, como exames indicativos
de distinção entre azoospermia secretora ou
obstrutiva. Em caso de azoospermia obstrutiva, a sequenciação do gene CFTR deve ser
solicitada a ambos os membros do casal, para
determinação do risco de fibrose quística no
nascituro.
Infertilidade
As principais anomalias do espermograma e
respectivas causas constam do quadro 4.
3.5. INFECÇÕES ESPECÍFICAS
É referido em diversos textos que as infecções ocultas, assintomáticas, infraclínicas,
do tracto genital superior da mulher ou do
homem, podem ser causa de infertilidade.
Os agentes microbianos mais frequentemente implicados são do género micoplasma, incluindo o ureaplasma urealyticum e a
clamídia tracomatis. Porém, diversos estudos demonstraram que o tratamento com
antibióticos, nomeadamente tetraciclina e
doxiciclina, que eliminam estes microrganismos, não aumentam as taxas de gravidez. Assim, não existe evidência de que, na
ausência de alterações tubares, as infecções
assintomáticas dos tractos genitais, do homem e da mulher, sejam causa de infertilidade, ou de que o seu tratamento acarrete
benefício de fecundidade.
25
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Quadro 3. Análise do sémen. Parâmetros habitualmente analisados e valores de referência
Resultado
Causas
Azoospermia
Síndrome de Klinefelter ou outra doença genética
Somente células de Sertoli
Ausência de túbulos seminíferos ou células de Leydig
Hipogonadismo hipogonadotrófico
Obstrução de ductos
Varicocelo
Factores exógenos
Oligozoospermia
Doença genética
Endocrinopatias, incluindo defeitos dos receptores
androgénicos
Varicocelo e outros defeitos anatómicos
Paragem de maturação
Hipoespermatogénese
Factores exógenos
Ausência de ejaculado
Obstrução de ductos
Ejaculação retrógrada
Falha de ejaculação
Hipogonadismo
Volume baixo
Obstrução do canal ejaculatório
Ausência de vesículas seminais e vas deferens
Ejaculação retrógrada parcial
Infecção
Volume alto
Factores desconhecidos
Astenozoospermia
Factores imunológicos
Infecção
Varicocelo
Defeitos na estrutura do espermatozóide
Anomalias metabólicas ou anatómicas do espermatozóide
Liquefacção do sémen diminuída
Viscosidade anormal
Etiologia desconhecida
Morfologia anormal
Varicocelo
Stress
Infecção
Factores exógenos
Factores desconhecidos
Células «estranhas»
Infecção ou inflamação
Ejaculação de espermatozóides imaturos
Adaptado de Lobo9.
26
Capítulo 28
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Quadro 4. Causas de anomalias do espermograma
4. PROGNÓSTICO
Todos os casais inférteis devem ser informados do seu prognóstico, ou seja, da
probabilidade de alcançar gravidez com
o tratamento indicado e em função do
diagnóstico estabelecido. A maior proba-
bilidade de ocorrência de gravidez é nas
situações em que a anovulação foi o único
diagnóstico.
Em qualquer circunstância, não se pode
nunca esquecer a importantíssima influência da idade da mulher no estabelecimento
do prognóstico. Hull, et al.52 verificaram, em
casais com infertilidade inexplicada, que foram seguidos durante dois anos sem tratamento, que as probabilidades eram muito
superiores nas mulheres com menos de 35
anos de idade (75 vs 50%).
Quadro 5. Meios auxiliares de diagnóstico e recomendações
Factor
Meio de diagnóstico
o
o
Recomendação
Idade feminina
FSH ao 2. /3. dia do ciclo
Indicado em mulheres com
idade superior a 35 anos e
nas más respondedoras
Factor ovárico/ovulatório
História menstrual
Indispensável
Gráfico de temperatura
eventual
basal; progesterona sérica
eventual
LH urinário; Ultrassonografia
eventual
transvaginal seriada
eventual
Biopsia do endométrio
eventual
Factor masculino
Análise do sémen
Indispensável
Factor endócrino
Hormonas tiroideias e PRL
Indicado quando houver suspeitas
Factor cervical
Teste pós-coital
Questionável e desnecessário
na avaliação habitual
Factor uterino
Histerossalpingografia
Indispensável
Ultrassonografia TV
Indispensável
Histeroscopia
eventual
Histerossalpingografia
Indispensável
Histerossonografia
eventual
Laparoscopia com cromotubação
eventual
Ultrassonografia TV
Indispensável
Laparoscopia
indicado quando com fortes
suspeitas
Factor tubar
Endometriose
Adaptado de Kovanci172.
Infertilidade
27
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Os principais meios auxiliares para avaliação
diagnóstica inicial do casal infértil e algumas
recomendações figuram no quadro 5.
5. ABORDAGEM ÀS CAUSAS
E TRATAMENTO9
5.1. ANOVULAÇÃO
Os medicamentos habitualmente utilizados para induzir a ovulação são: o citrato de
28
clomifeno, as gonadotrofinas urinárias (não
disponíveis em Portugal), as gonadotrofinas urinárias purificadas, as gonadotrofinas
recombinantes, a hormona libertadora das
gonadotrofinas (GnRH) (não disponível).
Recentemente, têm também sido utilizados o letrozol e a metformina. Há ainda que
considerar utilizações mais específicas e
menos frequentes, como agonistas da dopamina (isoladamente ou como coadjuvantes) nas situações de hiperprolactinemia
ou corticóides no hiperandrogenismo e na
hiperplasia supra-renal.
5.1.1. CITRATO DE CLOMIFENO
O citrato de clomifeno é um medicamento
de 1.a linha para tratamento da anovulação/disovulação com manifestação clínica
de oligomenorreia ou de amenorreia hipoestrogénica.
Este fármaco sintético, com fraca acção estrogénica, actua por competição com os
estrogénios endógenos para os respectivos
receptores hipotalâmicos, bloqueando o
feedback negativo dos esteróides. O resultado é um aumento da produção de GnRH,
que por sua vez estimula FSH e LH, originando desenvolvimento folicular com aumento progressivo da produção de estradiol, reassumir do padrão oscilatório e das
acções habituais das gonadotrofinas e esteróides, maturação ovocitária, equivalentes
ao verificado num ciclo espontâneo.
A ocorrência de ovulação poderá ser objectivada por doseamento de progesterona
superior a 3 ng/ml, a efectuar 15 dias após
ingestão do último comprimido (meio da
fase luteínica). Frequentemente os valores
são superiores a 15 ng/ml em virtude de
luteinização multifolicular. Recorde-se que
10 ng/ml é o valor encarado como normal
para a fase luteínica de um ciclo ovulatório
espontâneo.
O medicamento deve ser iniciado ao 2.o ou
3.o dia do período menstrual, espontâneo
ou induzido por privação progesterónica,
Capítulo 28
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Também o tempo de duração da infertilidade
é factor importante, verificando-se que, para
o mesmo tipo de quadro clínico, a probabilidade de concepção é significativamente superior nos casais com duração de infertilidade
inferior a três anos (75 vs 30%)136 e ainda maior
nos com duração inferior a dois. Para encurtar
o tempo até ocorrência de gravidez nestas situações, vários tratamentos têm sido propostos, como a estimulação ovárica controlada, a
inseminação intra-uterina (IIU), a fecundação
in vitro e a transferência de gâmetas para as
trompas. Nestes quadros de infertilidade de
causa desconhecida, os resultados da fecundação in vitro situam-se nos 30% de gravidez
por transferência embrionária.
No entanto, e a despeito de a FIV poder
identificar ausência de fertilização e revelar
o motivo de uma infertilidade dita até então
como inexplicada, esta terapêutica não deve
ser indicada em primeira linha. A estimulação
ovárica controlada, com citrato de clomifeno
ou FSH, associada ou não à IIU, proporciona
uma significativa probabilidade de gravidez
(FSH + IIU > 40% nos primeiros três ciclos)137.
Porque a fecundabilidade e as taxas cumulativas de gravidez ficam significativamente
aumentadas, este tipo de terapêutica deve
ser ensaiado pelo menos dois a três ciclos
antes de propor fecundação in vitro ou ICSI.
Contudo, em casais em que o diagnóstico indica com clareza a fecundação in vitro, com
ou sem microinjecção, como nas idades mais
avançadas, na obstrução tubar ou perante
significativas alterações do espermograma,
são de esperar percentagens globais de gravidez e de parto por transferência de 30/35 e
25% respectivamente8.
Infertilidade
Algumas publicações sugerem para mulheres com níveis elevados de sulfato de dihidroepiandrosterona, a associação de pequenas doses de dexametasona para potenciar
o efeito indutor do citrato de clomifeno.
5.1.2. METFORMINA E OUTROS AGENTES
SENSIBILIZADORES DA INSULINA
A metformina pode ser considerada como
um agente adjuvante da terapêutica de indução da ovulação. Em mulheres com síndrome do ovário micropoliquístico é, hoje
em dia, incluído no tratamento de 1.a linha.
A metformina é uma biguanina utilizada
no tratamento da diabetes. A sua principal
acção é a de reduzir a produção de glicose
pelo fígado e, consequentemente, originar
uma descida proporcional da hiperinsulinemia. Tem também um efeito directo no
ovário, podendo induzir a ovulação em algumas mulheres com ovário micropoliquístico ou com quadros anovulatórios aparentados. Portanto, o seu mecanismo de acção
conjuga a redução da resistência à insulina
com a estimulação directa do ovário. A dose
de referência é de 1.000 a 1.500 mg por dia,
de preferência com comprimidos de acção
prolongada, ingeridos em toma única ao
jantar. Deverá iniciar-se com 500 mg, seguindo-se aumentos progressivos ao longo
de várias semanas, para diminuir os efeitos
de náusea e vómito que ocorrem em cerca
de 20% das mulheres.
Alguns estudos referem que com a utilização isolada de metformina, se verificarão
taxas de ovulação de cerca de 40%. Outros
citam que, como coadjuvante, em doentes
resistentes ao clomifeno até 150 mg, permite obter cerca de 25% de êxitos de indução.
5.1.3. ROSIGLITAZONA E PIOGLITAZONA
As thiadolazimedionas são drogas utilizadas no tratamento da diabetes. Em doentes
insulinoresistentes com ovários micropoliquísticos podem induzir a ovulação por es-
29
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por cinco dias, em doses de 50 a 100 mg/
dia. Com elevação da dose até 150 mg, mais
de 90% das mulheres com oligomenorreia
e cerca de 60% das com amenorreia secundária e estado estrogénico normal, desencadearão ovulação. No entanto, apenas metade engravidará9.
Aumentos subsequentes da dose não só
não acarretarão maiores números de ciclos
ovulatórios e de taxas de gravidez como
introduzirão risco de gestação múltipla. Perante insucessos com este regime, será de
considerar medicação adjuvante com metformina ou, em alternativa, a terapêutica
com letrozol.
O tempo necessário para ocorrência de gravidez, em mulheres com ovulação induzida
pelo citrato de clomifeno, é equivalente ao
da população fértil normal138. Quer dizer
que a fecundabilidade (probabilidade mensal de gravidez) será de 20 a 25%. Contudo,
alguns autores pensam que as taxas de gravidez são inferiores ao esperado em função
da percentagem de ciclos ovulatórios obtidos, porque, pela acção do citrato de clomifeno, estarão prejudicados outros factores,
como a produção de muco cervical ou o
desenvolvimento endometrial.
Não deverá ser esquecido que, com este tipo
de indução ovulatória, a incidência de gravidez múltipla está aumentada em cerca de
5%, predominando as gestações duplas. Porém, se o medicamento for prescrito em mulheres com ciclos ovulatórios normais, como
por exemplo na infertilidade inexplicada, esta
percentagem aumentará em quase 20%.
Durante a terapêutica, é importante vigiar o
aumento do volume dos ovários, pois a formação de quistos é o maior efeito colateral
do citrato de clomifeno. Estes quistos têm
desaparecimento espontâneo, mas impedem terapêuticas adicionais ou alternativas
antes da sua resolução. Outros efeitos colaterais pouco frequentes (menos de 10%)
incluem «fogachos», perturbações da visão,
distensão abdominal e dor, urticária e ligeira
perda de cabelo.
5.1.4. LETROZOL
Os inibidores da aromatase são eficazes na
indução da ovulação e podem ser considerados uma opção de 1.a linha.
O mecanismo de acção é de inibição da produção de E2 durante os cinco dias da sua
administração, o que origina rotura no feedback negativo sobre o hipotálamo, com consequente aumento da relação LH/FSH. Existe
já significativa experiência com este agente
farmacológico e a resposta é muito idêntica
à obtida com o citrato de clomifeno.
O letrozol é administrado durante cinco
dias, com início ao 3.o dia do ciclo, na dose
de 2,5 ou 5 mg/dia. Como tem uma curta
duração de acção, são ultrapassados os problemas presentes na terapêutica com citrato de clomifeno, de espessamento do muco
cervical ou de inibição do desenvolvimento
do endométrio.
As taxas de gravidez são pelo menos idênticas às obtidas com o antiestrogénio, mas
com menor proporção de gestações múltiplas. Inicialmente mais vocacionado para
doentes com resistência ao clomifeno, a
sua associação com as gonadotrofinas foi
avaliada de forma positiva em estudos recentes, quer no quadro de estimulação da
ovulação para fecundação espontânea,
quer no das técnicas de reprodução medicamente assistida.
5.1.5. MASSA CORPORAL E ESTILO DE VIDA
A diminuição da massa corporal pode ser um
factor decisivo nas mulheres anovulatórias,
30
em particular nas que revelem resistência
ao citrato de clomifeno. É muito importante
verificar que anomalias dos glúcidos e dos
lipídeos estejam corrigidas antes de iniciar a
indução da ovulação.
É também crucial aconselhar mudanças no
estilo de vida, que habitualmente contemplam dieta racional e exercício físico, que
por si só poderão melhorar os parâmetros
metabólicos e a resposta aos agentes indutores, mesmo na ausência de verdadeira
perda de peso.
5.1.6. GONADOTROFINAS
A terapêutica com gonadotrofinas está
principalmente indicada nas situações hipoestrogénicas, definidas por níveis de E2
inferiores a 30 pg/ml ou por ausência de hemorragia de privação após administração de
progesterona. Os estados hipoestrogénicos
não responderão às terapêuticas orais com
clomifeno ou letrozol, porque elas dependem da inibição do feedback negativo sobre
o hipotálamo. Nestas mulheres, habitualmente amenorreicas, o problema não é o da
existência de um persistente feedback negativo do E2 sobre a produção de gonadotrofinas, mas o de um estado hipogonádico que
exige estimulação do ovário pelas hormonas
gonadotróficas.
A utilização de gonadotrofinas poderá também estar indicada nas situações de falência
clomifeno/letrozol e quando se coloca a expectativa de poderem acarretar uma melhor
produção de muco ou implementação do
desenvolvimento endometrial.
Estão disponíveis no mercado preparados
de gonadotrofinas obtidos a partir de extractos urinários purificados de mulheres
pós-menopáusicas e outros produzidos por
tecnologia recombinante aplicada a células ováricas do hamster. A sua composição
é essencialmente de FSH, e se uns contêm
ainda alguma percentagem de LH, a outros
poderá ser complementada a acção com LH
recombinante.
Capítulo 28
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timulação da produção de insulina, a que se
associa um efeito directo sobre o ovário. Têm
sido utilizadas em associação com o citrato
de clomifeno mas, para além de não existir
experiência suficiente, esta terapêutica deve
ser aplicada por muito curto espaço de tempo e em circunstâncias especiais, pois pode
originar alteração das enzimas hepáticas e
tendência para aumento de peso.
5.1.7. HORMONA LIBERTADORA DAS
GONADOTROFINAS E DRILLING DOS OVÁRIOS
Uma alternativa à administração de gonadotrofinas é o tratamento com GnRH. Este
decapeptídeo hipotalâmico, estimulador
da hipófise, quando administrado de forma
continuada satura os receptores hipofisários
e provoca um efeito de down regulation inibidor da libertação de gonadotrofinas. Por
esse motivo não pode ser administrado de
forma contínua, obrigando a infusão endovenosa ou subcutânea pulsátil, a intervalos
de 1/2 horas, não podendo, por ser um peptídeo, ser administrado por via oral.
Com a administração endovenosa pulsátil
controlada por regulação cronométrica, obInfertilidade
têm-se taxas ovulatórias e de gravidez de 80
e de 20% por ciclo respectivamente. A taxa
cumulativa de gravidez em cinco ciclos situa-se entre os 70 e os 80%9.
Uma vantagem terapêutica da GnRH é a da
raridade do quadro de hiperestimulação, o
que permite a associação com doses baixas
de gonadotrofinas em mulheres com síndrome do ovário micropoliquístico (PCOS) e resistência prévia.
Em virtude da medicação com GnRH ser cara
e desconfortável, por obrigar ao uso de catéter endovenoso e mecanismo regulador do
tempo que lhe está associado, nas mulheres
com ovários micropoliquísticos com resistência ao citrato de clomifeno e/ou às gonadotrofinas, é de colocar como alternativa a
destruição laparoscópica parcial dos ovários
por electrocoagulação ou LASER.
A ressecção cuneiforme dos ovários por
laparotomia foi um método consagrado
durante muitos anos, mas está hoje abandonada, fruto dos inconvenientes da laparotomia e do risco da formação de aderências pós-operatórias. Assim, a ressecção
cuneiforme do ovário foi substituída pela
destruição focal por electrocoagulação ou
LASER, preferencialmente realizadas por
laparoscopia (Fig. 21). Com estas técnicas,
conseguem-se elevadas percentagens de
ovulação e gravidez (de 50 a 92% e de 37 a
69% respectivamente)139, com a vantagem
de um único tratamento originar múltiplos ciclos ovulatórios e dispensar a monitorização ecográfica. No entanto, o efeito
terapêutico poderá ser temporário e algumas mulheres desenvolverão novamente
anovulação no prazo de três anos. Mesmo
nas que não reassumam ciclos ovulatórios
depois do drilling laparoscópico, a terapêutica é vantajosa, pois a melhoria do perfil
endócrino (diminuição de LH e androgénios, elevação da sex hormone binding
globulin [SHBG]) concede fortes probabilidades de resposta favorável ao clomifeno
e às gonadotrofinas. Uma recente revisão
Cochrane relata uma taxa de gravidez glo-
31
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A resposta à terapêutica com gonadotrofinas tem variação interindividual e intra-individual de ciclo para ciclo, pelo que, mesmo
com a utilização de dose idêntica, é necessária monitorização ultrassonográfica seriada.
Em algumas situações, poderá ser útil a associação de doseamentos séricos de estradiol.
A monitorização ultrassonográfica deve ser
frequente, porque a diferença entre a dose
mínima necessária para promover a ovulação e a que levará à hiperestimulação é por
vezes muito pequena.
Com a terapêutica com gonadotrofinas é
de esperar mais de 90% de ocorrência de
ciclos ovulatórios, sendo citadas taxas de
gravidez globais de 20 a 60% por ciclo de
estimulação, isto é, idênticas às obtidas com
citrato de clomifeno. Claro que as taxas de
gravidez obtidas com a estimulação com
gonadotrofinas são influenciadas pela idade e pela causa da anovulação. As melhores
percentagens de gravidez são obtidas nas
mulheres jovens hipoestrogénicas, com níveis baixos ou normais de gonadotrofinas.
As piores, verificam-se nas mulheres mais
velhas e nas com anovulação e níveis estrogénicos normais ou ovários micropoliquísticos resistentes ao citrato de clomifeno. A
taxa de gravidez múltipla situa-se nos 15%.
5.2. FACTOR MASCULINO
Todos os ginecologistas têm obrigação de
saber interpretar um espermograma, bem
como de estabelecer o prognóstico em situações de espermograma anormal. Embora os ginecologistas habitualmente não
estabeleçam o diagnóstico específico ou o
tratamento dirigido ao homem infértil, que
deverão ser sistematicamente estabelecidos
por um andrologista, o especialista de ginecologia deve ter conhecimentos suficientes
que o habilitem a fornecer correcta indicação dos tratamentos de IIU, fecundação in vitro e ICSI (eventualmente com aspiração ou
extracção de espermatozóides do testículo
ou do epididimo).
A IIU está indicada no tratamento da oligospermia ligeira/moderada e no de algumas anomalias do volume ou da viscosidade seminal. Pode ser efectuada em ciclo espontâneo ou com indução ovulatória pelo
citrato de clomifeno. Porém, a preferência
vai para a utilização desta técnica em ciclos
de estimulação ovárica controlada com gonadotrofinas, sendo de esperar bons resultados se no espermograma inicialmente
realizado a motilidade for superior a 30 e a
70% depois do swim-up. A expectativa é a
de percentagens de 10 a 15% de gravidez
por ciclo.
A IIU, com concentrado de espermatozóides depois de separados do sémen por
dupla centrifugação e após swim-up, atra-
32
vés de gradientes de densidade, deve ser
encarada como a forma preferencial de
tratamento das anomalias ligeiras ou moderadas do espermograma, independentemente da sua aplicação aos casos de infertilidade inexplicada e às situações de patologia cervical (ex.: estenose ou colo curto
pós-conização).
O timing da inseminação é o do dia anterior
ou o da ovulação detectada/prevista por
monitorização ecográfica ou por identificação urinária da onda de LH. Após um muito
curto período de repouso, a mulher pode
reassumir uma vida completamente normal,
devendo ser alertada para a possibilidade
de dores ligeiras resultantes das contracções
uterinas provocadas pelo líquido seminal e
pela libertação de prostaglandinas.
Independentemente da posterior abordagem às técnicas de PMA, gostaríamos desde
já de referir a microinjecção intracitoplasmática de espermatozóide como método
de tratamento de eleição para as situações
de factor masculino grave. Com a ICSI, serão
de esperar taxas de fecundação de 60 a 80%
mesmo quando realizada com espermatozóides completamente imóveis140,141. Verificam-se taxas similares com espermatozóides recolhidos do epididimo ou do testículo.
No geral, com a ICSI obtêm-se percentagens
de gravidez entre os 30 e os 35%, e de 25%
de parto por ciclo de transferência, quer dizer, idênticas às obtidas com a fecundação
in vitro no tratamento da infertilidade por
outros factores.
Pode resumir-se dizendo, ainda que com critérios um pouco arbitrários, que a microinjecção do espermatozóide está indicada,
para além das situações em que se tenha
verificado ausência de fecundação em FIV,
quando a concentração de espermatozóides
no ejaculado é inferior a 2 milhões por ml, na
aastenozoospermia grave (< de 10% móveis)
e na teratospermia com morfologia normal
inferior a 5%.
Porém, e independentemente de outras
considerações, é de manter sempre preCapítulo 28
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bal da ordem dos 50%, com muito baixa
percentagem de gravidez múltipla.
Apesar de tudo, a indução da ovulação nas
mulheres com ovários micropoliquísticos
deve assentar em 1.a linha no tratamento
médico. A electrocoagulação dos ovários
deverá estar reservada para as doentes com
dificuldade ou risco de resposta às gonadotrofinas (eventualmente com associação
de terapêutica adjuvante), isto é, perante a
incapacidade de selecção de folículo dominante ou risco de hiperestimulação.
também essencial, pois possibilita a identificação de distorções anatómicas, encurtamento ou impermeabilidade cervical.
A clássica avaliação diagnóstica por teste
pós-coital, introduzida por J. Merrionsim
em 1986, é um dos procedimentos mais
controversos e duvidosos de avaliação da
infertilidade. Não existe consenso em relação a diversos aspectos: momento exacto
do ciclo para a sua realização; tempo de
realização após o coito; cut off do resultado
normal/anormal; tratamento a efectuar em
face de resultados anormais. Perante a falta de concretização do momento óptimo
para realização do teste pós-coital constatada em estudos multicêntricos165, na ausência de definição do grau de ampliação
microscópico necessário para avaliar um
resultado como normal e pelas baixas sensibilidade e especificidade (variações de 10
a 97%) o teste pós-coital não deve ser integrado no conjunto de meios de avaliação
do casal infértil.
Sem alterações anatómicas e morfológicas
observáveis ou história de terapêutica anterior, a importância do factor cervical como
factor de infertilidade é duvidosa, ideia reforçada pela inexistência de benefício após
tratamento de pressupostos factores cervicais identificados por teste pós-coital145.
5.3. FACTOR CERVICAL171
5.4. FACTOR UTERINO
As malformações, os traumatismos, os procedimentos terapêuticos sobre o colo do útero, como a electrocoagulação, a crioterapia
ou a conização, podem causar «lesões» que
afectam a produção de muco ou causar estenose cervical. Assim, o canal cervical pode
ficar impedido de adequadamente cumprir
as suas funções de reservatório protector
dos espermatozóides, de transporte para o
tracto genital superior e de capacitação.
A história clínica é importante porque, por
seu intermédio, podem ser detectados antecedentes de terapêuticas sobre o colo do
útero, traumatismos, ou acção de drogas
como o dietilestilbestrol. O exame físico é
Infertilidade
5.4.1. SINEQUIAS
As sinequias podem ser motivo de infertilidade, alterações do período menstrual (hipomenorreia/amenorreia) e abortamento
de repetição. É portanto essencial tentar
identificar estes aspectos clínicos no momento de colheita da história, bem como
dirigir o interrogatório a antecedentes de
curetagem ou de tuberculose pulmonar.
Porém, algumas mulheres não terão antecedentes ou sintomas sugestivos da patologia e apresentarão apenas quadro de
infertilidade.
33
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sente que as percentagens de gravidez
obtidas com ICSI são, como com as outras
técnicas, inversamente proporcionais à
idade da mulher.
Também nas situações de azoospermia
a microinjecção se veio a revelar um importante meio terapêutico, por permitir a
fecundação de ovócitos com espermatozóides recolhidos a partir do testículo ou
do epididimo141. A probabilidade de obter
espermatozóides a partir do testículo é de
quase 100% nas situações de azoospermia
obstrutiva (níveis de FSH normais) e de cerca de 50% nas de FSH elevado (provável
azoospermia secretora)142.
Alguns autores referem um aumento ligeiro, mas significativo, da probabilidade de
defeitos cromossómicos nas crianças que
nascem de ICSI. Van Steirtegherm demonstrou, em 8.319 nados-vivos, um aumento da
percentagem de aneuploidias dos cromossomas sexuais (0,6 vs 0,2%) e de anomalias
estruturais autossómicas (0,4 vs 0,07%), assim como de aberrações relacionadas com a
infertilidade paterna. Não havendo certezas
nesta matéria, um estudo dinamarquês143
sugere um aumento da percentagem de
anomalias urogenitais, eventualmente relacionável com a subfertilidade masculina.
Figura 23. Histerossalpingografia – sinequias uterinas
5.4.2. TUBERCULOSE E ENDOMETRITES
Se a histerossalpingografia revelar imagens
sugestivas de sequelas de tuberculose, a
patologia deverá ser procurada por cultura
do produto de biopsia endometrial. As imagens histerossalpingográficas de tuberculose, uterina ou tubar, são típicas.
Independentemente de a tuberculose activa necessitar de terapêutica com tuberculostáticos, as mulheres devem ser consideradas estéreis, já que não é expectável
a ocorrência de gravidez após tratamento
médico. A reconstrução cirúrgica tubar está
votada à falta de êxito e, mesmo no contexto da fecundação in vitro, as probabilidades
de gravidez são muito baixas pela irrecuperável destruição endometrial, embora haja
fundamento de esperança se as lesões estiverem limitadas às trompas e ausentes da
cavidade uterina.
Outros tipos de endometrite podem ser
causa de infertilidade. Cursam de forma assintomática ou com sintomas muito frustres
e inespecíficos, apenas são diagnosticáveis
por histeroscopia (aspectos endometriais
em «morango» ou de hipervascularização)
(Fig. 35) e poderão ser tratados com doxiciclina 200 mg/dia durante 14 dias e três meses
de «substituição hormonal» com estrogénio
e progestativo.
5.4.3. FIBROMIOMAS
Figura 24. A: histeroscopia, sinequias uterinas.
34
É muito difícil avaliar a responsabilidade
dos fibromiomas na infertilidade, pois muitas mulheres com fibromiomas não têm
qualquer dificuldade em engravidar (Figs. 9
e 10). No entanto, será sempre de meditar,
sobretudo na ausência de outro factor, que
os fibromiomas podem ser causa de infertilidade sempre que tenham potencial de
interferir com o transporte dos espermatozóides ou com o processo de implantação.
Vercellini, em revisão de todos os estudos
publicados de 1982 a 1996, sobre o efeito
da miomectomia na infertilidade, concluiu
Capítulo 28
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A confirmação do diagnóstico é histerossalpingográfica (Fig. 23). Se a única anomalia
detectada para justificar a infertilidade for
a presença de sinequias de origem nãotuberculosa, a probabilidade de gravidez
após sinequiotomia histeroscópica é de
75%146 (Fig. 24 A).
5.5. FACTOR TUBAR
As trompas de Falópio são essenciais para os
transportes do ovócito, do espermatozóide
e do embrião. Qualquer lesão tubar é susceptível de impedir o «casamento» do ovócito com o espermatozóide.
As sequelas de doença inflamatória pélvica, as aderências das cirurgias pélvica ou
tubar, a endometriose, a peritonite consequente à apendicite, os antecedentes
de abortamento séptico, são factores de
risco para a existência de «doença»/disfunção tubar. Mas se estas situações, que
implicam a existência de dados com relevo
na história clínica e porventura sintomas,
sinais e alterações no exame pélvico, colocam as mulheres num elevado risco de
infertilidade, também a infecção infraclínica, silenciosa, sem sintomas, sinais ou
alterações ao exame, própria da clamídia,
contribui de forma importante para o factor tubar da infertilidade pelas profundas
alterações anatómicas, morfológicas e funcionais, provocadas nas trompas. Alguns
autores demonstraram que cerca de 86%
das mulheres com factor tubar de infertilidade têm títulos de anticorpos IGG anticlamídia tracomatis significativamente mais
elevados do que as mulheres férteis148. Assim, os testes para anticorpos anticlamídia
foram propostos por alguns como eventuais denunciadores da existência de factor tubar de infertilidade. Contudo, a sua
sensibilidade é apenas de 50% e fornecem
informação muito limitada, pelo que a utilização na rotina diária carece de valor.
A cirurgia pélvica é um importante factor de risco para a existência de aderências149,150. Cerca de 23% das mulheres submetidas a cirurgia pélvica desenvolvem
aderências susceptíveis de interferir com
a fertilidade, percentagem que se elevará
Infertilidade
para cerca de 60% se a cirurgia incidir sobre as trompas.
Os pólipos, os detritos e os rolhões de muco
podem ter importância etiopatogénica por
causarem obstrução tubar transitória.
A salpingite ístmica nodosa é caracterizada
pela formação de divertículos laterais na
região ístmica da trompa e está associada a
endometriose, infecções pélvicas e tuberculose. Ocorrem alterações irreversíveis da mucosa, que muitas vezes atingem a muscular,
levando a oclusão do lúmen.
Uma colheita cuidadosa da história clínica
pode revelar antecedentes de doença de
transmissão sexual ou doença inflamatória
pélvica, bem como de outras doenças com
potencial para originar factor tubar de infertilidade. Nem a sensibilidade nem a especificidade da história são muito elevadas na detecção do factor tubar da infertilidade, mas
o interrogatório clínico pode fazer sobressair
importantes factores de suspeição.
A histerossalpingografia é o método mais
importante para avaliação da anatomia,
morfologia e permeabilidade das trompas.
Em alternativa, poderá ser efectuada laparoscopia com prova de azul-de-metileno
que, não permitindo avaliar o endossalpinge, tem a vantagem de ser mais fiável na
avaliação da permeabilidade. Este exame
acrescenta informação sobre a existência
de aderências ou de outros factores que,
independentemente da permeabilidade,
possam perturbar a função das trompas,
bem como permite uma observação completa da cavidade pélvica. Uma metanálise,
registou que as sensibilidade e especificidade da histerossalpingografia para avaliação da permeabilidade tubar, quando
confrontada com a laparoscopia com prova
de azul-de-metileno, são de 65 e 83% respectivamente151. Este estudo conclui que a
histerossalpingografia é um bom meio de
avaliação da obstrução mas não da permeabilidade, dando origem a numerosos falsos positivos (diagnósticos de obstrução).
O exame radiográfico também não fornece
35
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que a taxa de gravidez depois de efectuada
miomectomia em mulheres sem outra causa de infertilidade era de 61%147.
5.6. ENDOMETRIOSE9
Na literatura é citada uma incidência de endometriose em 20 a 40% das mulheres infér-
36
teis9. A presença de tecido endometrial no
exterior da cavidade uterina é mais frequentemente encontrada na superfície peritoneal, em particular no fundo de saco posterior,
nos ovários e trompas, nos ligamentos útero-sagrados, parede pélvica, bexiga e superfície externa do útero.
A American Fertility Society/American Society for Reproductive Medicine (AFS/ASRM)
desenvolveu, com base em observação laparoscópica/laparotómica da localização e
dimensão das lesões, uma classificação de
estadiamento, reproduzida no capítulo dedicado à endometriose no Volume I.
Na endometriose grave existe uma evidente relação entre a doença e a infertilidade,
pela interferência da distorção anatómica
com a libertação e captação do ovócito e
com o transporte do espermatozóide. Porém, a mesma relação já não é tão clara para
os estádios 1 e 2 (endometriose mínima ou
ligeira), sugerindo-se a perturbação funcional como factor importante, já que as distorções anatómicas não são de relevo. As alterações funcionais apontadas como causa de
infertilidade nas situações de endometriose
mínima, ligeira ou moderada, incluem a
composição do líquido peritoneal, os prejuízos da fecundação e da função tubar. Também os danos à qualidade ovocitária e à
implantação têm sido referidos como factores de redução da fertilidade nas situações
de endometriose ligeira ou moderada153,154.
Alguns autores salientam a diminuição da
receptividade endometrial155.
Alguns estudos sugerem a importância das
concentrações de macrófagos activados
pelo líquido peritoneal, e dos seus produtos de secreção, incluindo interleucina 1 (IL1), factor de necrose tumoral e proteases,
que estão aumentados na endometriose e
poderiam condicionar uma diminuição da
fertilidade. Esta alteração na composição
do líquido peritoneal é também apontada
como factor embriotóxico, o que parece ser
contrariado pelos resultados da doação de
ovócitos em mulheres com endometriose,
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informação sobre a existência de aderências peritubares, mas possui as vantagens
de não ter morbilidade cirúrgica, dispensar
a anestesia geral e proporcionar uma maior
probabilidade de gravidez espontânea
após a sua realização.
Em mulheres com alergia a produtos iodados, a histerossonografia poderá substituir
a histerossalpingografia. A histerossonografia com soro fisiológico ou glicosado,
oferece a vantagem da eventual detecção
ecográfica de outras patologias uterinas
ou anexiais, incluindo fibromiomas intramurais, subserosos e tumefacções anexiais.
Contudo, a anatomia da trompa não pode
ser visualizada.
As cirurgias reconstrutivas da trompa, como
a fimbrioplastia, a lise de aderências, a salpingoplastia e a salpingoneostomia, foram
durante muito tempo a única opção para as
mulheres com factor tubar de infertilidade.
Todavia, as baixas percentagens de gravidez após cirurgia, o elevado risco de gravidez ectópica e o advento da fecundação in
vitro, fizeram da reconstrução cirúrgica das
trompas uma opção de 2.a linha, apenas
indicada a mulheres com integridade da
mucosa que recusam a fecundação in vitro.
Embora existam diferenças na probabilidade de sucesso cirúrgico conforme o tipo e
localização das lesões distais ou proximais,
a fecundação in vitro é a terapêutica preferencial para os casais com factor tubar de
infertilidade. É de reter que, se o diagnóstico é de hidrossalpinge, é necessário proceder à salpingectomia antes do tratamento
FIV. Uma metanálise recente mostrou que
a salpingectomia laparoscópica aumenta
muito significativamente a probabilidade
de gravidez FIV, em comparação com o
verificado em mulheres que realizaram FIV
sem tratamento cirúrgico prévio152.
Infertilidade
Alguns marcadores analíticos, como o CA125,
o CA 15-3 e o CA 19-9, têm sido utilizados na
avaliação das doentes. Nenhum deles possui
sensibilidade e especificidade adequadas.
Uma metanálise demonstrou que o doseamento do CA125 é de baixa sensibilidade
para detecção da doença (50%) com elevada
taxa de falsos positivos (28%)160.
A ultrassonografia tem um papel limitado
no diagnóstico e na avaliação desta patologia. Alguns autores citam uma sensibilidade
de 64 a 89% e uma especificidade de 89 a
100%161. Sendo importante na identificação
dos endometriomas ováricos (Fig. 11), não
tem praticamente capacidade de detecção
das lesões peritoneais e das aderências,
estando recentemente a ser utilizada, com
êxito, em substituição da RM, na avaliação
por via transrectal dos nódulos do septo
rectovaginal.
A RM também tem sido utilizada no estudo e caracterização da doença. As melhores
sensibilidade e especificidade verificam-se
na detecção de endometriomas162, com limitações na avaliação da endometriose infiltrante profunda e do septo rectovaginal,
sendo por vezes necessária a associação
com a rectoscopia.
O método gold standard para diagnóstico é
a laparoscopia. Não só os endometriomas
ováricos, recheados de sangue envelhecido,
são facilmente identificados, como este é o
único meio que permite visualizar e caracterizar os múltiplos aspectos dos implantes
peritoneais, negros, azulados, lesões brancas não pigmentadas, lesões vermelhas, vesiculares, saculações, defeitos peritoneais,
e os diversos tipos de aderências, em que
predominam as que amarram o ovário e a
trompa à face posterior do ligamento largo,
ou imobilizam as regiões anexiais no fundo
de saco de Douglas (Fig. 24 B).
Os implantes de endometriose são mais
frequentemente encontrados nos ligamentos útero-sagrados, no fundo de saco
posterior, nas paredes pélvicas e nas fossetas ováricas.
37
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em que se verificam taxas de gravidez similares às de grupos-controlo. Contudo, o
facto é que a endometriose ligeira ou moderada é mais frequente em doentes com
infertilidade do que em mulheres férteis156,
e a probabilidade de gravidez é mais baixa nas mulheres com endometriose mínima ou ligeira do que nas com infertilidade
inexplicada157. Por outro lado, pode observar-se em diversos estudos que os resultados dos tratamentos da endometriose mínima ou ligeira são conflituais.
A dismenorreia, a dispareunia e a dor pélvica crónica, são sintomas frequentemente encontrados nas doentes com endometriose. A dismenorreia é o sintoma mais
frequente e a dispareunia é habitualmente
profunda, provocada pelo impacto sobre
o fundo de saco posterior ou sobre o septo rectovaginal, podendo manifestar-se
como dor que fica após as relações sexuais. Nas situações de dor pélvica crónica,
15 a 32% das mulheres revelam endometriose158,159. Com raridade, podem existir
sintomas relacionados com a localização
da patologia extrapélvica, intestinal, do
tracto urinário, dos pulmões e do sistema
nervoso central.
É uma doença com incidência familiar e o
risco de lesões está relacionado com o número de ciclos menstruais ao longo da vida.
Assim, as mulheres com interlúneos longos
ou maior número de gestações têm uma
menor probabilidade de desenvolver endometriose do que as mulheres com ciclos
curtos ou nulíparas.
Um exame ginecológico normal não exclui
a presença da doença. No entanto, podem
ser encontrados sinais físicos extremamente
evocadores, tais como nodulações dos ligamentos útero-sagrados, dor à exploração e
falta de elasticidade do fundo de saco posterior, dor à tentativa de mobilização uterina
e mobilidade reduzida com útero frequentemente em retroversão, massas anexiais, nódulos à palpação da parede vaginal e fundo
de saco posteriores.
5.6.1. ENDOMETRIOSE MÍNIMA/LIGEIRA
Mesmo nas situações de endometriose mínima ou ligeira, existe uma reacção inflamatória do tipo imunitário que afecta a fertilidade.
Diversos autores demonstraram a existência
de uma diminuição da fecundidade neste
estádio e percentagens de gravidez inferiores às das mulheres férteis.
Inoue163, à semelhança de outros, relatou
que a electrocoagulação dos focos de endometriose mínima ou ligeira, no momento do
diagnóstico laparoscópico, melhora as taxas
de concepção. Também um estudo canadiano164 cita que, nas mulheres com endometriose mínima ou ligeira a fecundidade é menor,
e que se as lesões forem tratadas por ressecção ou ablação no momento do diagnóstico,
a taxa de fertilidade duplicará. Assim, se no
momento do diagnóstico laparoscópico for
identificada endometriose mínima ou ligeira,
é aconselhável a destruição das lesões de endometriose seguida de estimulação ovárica
controlada com IIU, de forma idêntica ao realizado para a infertilidade inexplicada.
Por fim, alguns autores relatam que, mesmo
sem realização de inseminação, a probabilidade de alcançar gravidez apenas com estimulação ovárica, por exemplo com citrato
38
de clomifeno, é 2,9 vezes superior à das mulheres que, na mesma situação, não receberam qualquer tratamento144.
5.6.2. ENDOMETRIOSE MODERADA
Se no momento da realização da laparoscopia diagnóstica for verificada a existência
de aderências pélvicas, ou endometriomas
ováricos de diâmetro superior a 1 cm, o tratamento médico não conseguirá obter uma
suficiente regressão das lesões de que decorra um aumento da fecundidade. Por isso,
a intervenção diagnóstica deve ser sistematicamente aproveitada para realização do
tratamento cirúrgico.
As terapêuticas com danazol, agonistas
GnRH, progesterona ou contraceptivos orais,
não demonstraram aumento das taxas de
fertilidade9.
5.6.3. ENDOMETRIOSE GRAVE
Deve efectuar-se terapêutica cirúrgica conservadora, com energia eléctrica ou LASER,
de ressecção das lesões, lise de aderências
e tratamento dos endometriomas ováricos
com mais de 3 cm. O tratamento com análogos ou danazol, no pré ou pós-operatório,
Capítulo 28
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Figura 24. B: Diversos aspectos laparoscópicos da endometriose. (cortesia de Faustino F, Hospital da Luz).
5.7. INFERTILIDADE INEXPLICADA
O diagnóstico de infertilidade inexplicada
resulta de uma avaliação clínica normal com
exames auxiliares negativos, i.e., deverá ser
colocado quando a mulher tem ciclos ovulatórios normais, exames pélvico, analítico, ecográfico e histerossalpingográfico também normais e no espermograma existam pelo menos
20 milhões de espermatozóides móveis9.
O tratamento primordial deve assentar na estimulação ovárica controlada associada à IIU.
Alguns autores referem que a inseminação
deve ser realizada no dia anterior ao da ovulação espontânea, na manhã do dia seguinte ao da detecção urinária de LH, ou 34 a 36
Infertilidade
horas após a administração intramuscular da
gonadotrofina coriónica humana (HCG). Uma
metanálise realizada por Zeyneloglu, et al.166
demonstrou que, na infertilidade inexplicada,
as taxas de gravidez são melhores com IIU do
que com estimulação ovárica controlada e
coito programado. A estimulação ovárica poderá ser efectuada com gonadotrofinas ou citrato de clomifeno, embora as percentagens
sejam superiores quando utilizadas as gonadotrofinas (8 a 10% vs 15 a 20%)167. Na experiência deste autor, cerca de 30% das doentes
com infertilidade inexplicada alcançaram gravidez ao fim de quatro ciclos de estimulação
com gonadotrofinas e IIU, com 20% de gravidez múltipla. Assim, o primeiro tratamento da
infertilidade inexplicada nas mulheres jovens
(menos de 35 anos) deverá ser de 3/4 IIU em
ciclos estimulados com gonadotrofinas. Caso
não ocorra gravidez, a doente deve ser orientada para fecundação in vitro.
Pode constatar-se, em diversos estudos, referências à diminuição da probabilidade de
êxito à medida que progride a idade da mulher, nomeadamente a partir dos 40 anos. Em
alguns, a percentagem de gravidez por ciclo,
com a estimulação ovárica controlada e IIU,
na infertilidade inexplicada de mulheres com
mais de 40 anos, é de cerca de 5% comparada
com 10 a 15% em idades inferiores.
Também na fecundação in vitro por infertilidade inexplicada, as probabilidades de êxito por
ciclo com transferência embrionária declinam
significativamente em mulheres de idade superior a 40 anos ou mesmo a partir dos 35. As
percentagens de nados-vivos por transferência
são somente de cerca de 10%. Se utilizados
ovócitos doados por mulheres jovens, a mesma percentagem subirá para pelo menos 50%.
5.8. REPRODUÇÃO MEDICAMENTE
ASSISTIDA
5.8.1. INSEMINAÇÃO INTRA-UTERINA168,171,173,174
Os espermatozóides são depositados aos milhões no aparelho genital feminino, num pro-
39
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não parece adicionar qualquer benefício.
As percentagens de concepção após tratamento cirúrgico, têm sido citadas como de
50 a 60% nas situações de endometriose
moderada e de 30 a 40% nas situações de
endometriose grave9. Estas percentagens
são significativamente superiores às verificadas em doentes que não efectuaram qualquer tratamento ou que apenas realizaram
tratamento médico. Nos casos de êxito, metade das gestações ocorrerá nos primeiros
seis meses, com as restantes a surgirem no
decurso de ano e meio após o procedimento cirúrgico9. Sempre que possível, a cirurgia
laparoscópica deverá prevalecer sobre a laparotómica. No âmbito cirúrgico, não existe
vantagem significativa do LASER CO2 ou da
electrocirurgia, quer no aspecto sintomático
quer no que respeita às taxas de gravidez
pós-cirurgia. Se o tempo operatório poderá
estar reduzido com a utilização do LASER,
esta técnica tem a desvantagem de ser muito mais cara e de exigir formação e processo
de aprendizagem/treino específico.
Na ausência de dor ou de outros sintomas
com relevo, sem a presença de endometriomas com mais de 3/4 cm, uma opção de 1.a
linha por fecundação in vitro é adequada, embora os resultados FIV possam ser melhores
após a realização de tratamento cirúrgico.
40
— Filtrar os espermatozóides, isto é, efectuar uma selecção com base na morfologia
e na motilidade.
— Armazenar os espermatozóides normais
para uma libertação contínua e prolongada para o tracto genital superior, fornecendo os elementos energéticos necessários à «caminhada» dos espermatozóides.
— Participar na capacitação.
Assim, o canal cervical pode ser visto como
uma válvula biológica que, em diferentes
épocas do ciclo, promove ou impede o avanço dos gâmetas para a cavidade uterina e
tracto genital superior, e que também selecciona o transporte, eliminando a grande
maioria por critérios de motilidade e morfologia. Esta selecção faz-se em grande parte
pelo alinhamento das macromoléculas do
muco cervical, constituindo canais por onde
ascenderão com alguma facilidade os espermatozóides normais e com progressão linear, mas onde os outros terão dificuldade em
progredir e ficarão retidos.
Num contexto de fertilidade normal, 99,9%
dos espermatozóides depositados na vagina morrem nesse ambiente hostil antes de
alcançarem a protecção do santuário cervical. Posteriormente, muitos serão ainda eliminados e apenas um escasso número de ±
12 alcançará o local da fecundação para se
confrontar com o ovócito168,171.
O mecanismo de selecção não é completamente claro, mas é provavelmente resultado
da conjugação de propriedades intrínsecas
do espermatozóide e da sua interacção com
o muco. A análise simultânea da motilidade e
morfologia mostra que os morfologicamente anormais são menos móveis e têm menor
probabilidade de poder migrar com velocidade idêntica à dos gâmetas normais168. A
migração em meios de cultura também os
selecciona com base na morfologia, obtendo-se populações morfologicamente mais
ricas (74% normais). Isto significa, que a selecção em meio de cultura com base na motilidade e morfologia é eficaz, mas que a proporção dos morfologicamente normais após
Capítulo 28
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cesso que é de grande perda biológica, uma
vez que dos milhões depositados na cavidade vaginal apenas uma escassa dúzia chegará junto do ovócito e apenas um conseguirá
nele penetrar determinando a fecundação.
De facto, 100 a 200 milhões de espermatozóides são emitidos em cada ejaculação, com
uma concentração entre 30 a 50 milhões por
ml, mas são tão difíceis os obstáculos que têm
de enfrentar, que a maior parte não os consegue ultrapassar e morre. Assim, tal como para
os gâmetas femininos, também o processo
de reprodução é, para os gâmetas masculinos, um processo de grande desperdício.
A vagina é o local da inseminação, mas é um
domínio hostil do qual os espermatozóides
têm de escapar para conseguir sobreviver. O
pH vaginal entre 3,5 a 4, é um pH ácido, impróprio à sobrevivência dos gâmetas masculinos. O pH óptimo para subsistirem é muito
mais alcalino (7 a 8,5)169,170. Em pH abaixo de
6, a motilidade dos espermatozóides fica
francamente inibida (o fluido seminal é alcalino com pH médio de cerca de 7,5). A meio
do ciclo, o muco cervical tem um pH de cerca de 8, idêntico ao do líquido seminal.
Após colocação na vagina, muito poucos
espermatozóides sobrevivem mais de 30 minutos, pelo que é necessário que alguns penetrem rapidamente para o interior do muco
cervical para assegurar uma população que
sobreviva e conserve a motilidade (é já uma
população muito diminuída)171.
Uma vez depositado o sémen, com milhões
de espermatozóides na vagina e colo do útero, são esperadas da parte do canal cervical
uma série de funções:
— Actuar como uma verdadeira válvula
biológica, promovendo a ascensão dos
espermatozóides no período periovulatório e impedindo-a em outros momentos do ciclo.
— Proteger os espermatozóides do ambiente hostil da vagina.
— Promover as condições necessárias para
transporte (ascensão) dos espermatozóides.
Infertilidade
se nas trompas alterados, imóveis e sem viabilidade, incapazes de fecundar o ovócito179.
Por outro lado, os gâmetas masculinos que
ficaram resguardados e protegidos no reservatório cervical, e que alcançaram as trompas mais tarde, depois de decorrido o tempo
suficiente para capacitação, possuem maior
poder fecundante. Porque a vagina é um ambiente hostil, que destrói os espermatozóides,
estes têm de provir de um outro reservatório,
que obviamente é o canal cervical, particularmente as criptas das glândulas e as fendas interglandulares. O muco forma canais, por alinhamento das suas macromoléculas, criando
trajectos de baixa resistência que guiam os
espermatozóides para as criptas das glândulas cervicais180-183. Os alojados nas criptas, ou
aderentes à mucosa do canal cervical, onde
ficam viáveis por vários dias (até sete)184 são
capazes de abandonar esse reservatório e de
migrar para as trompas de Falópio. Os que ficam retidos no muco cervical representam a
população que é excluída, que é armadilhada
e retida (em função da morfologia e do tipo
de motilidade) no tracto genital inferior. No
entanto, mesmo os retidos no muco conservam capacidade funcional por vários dias.
Assim, o canal cervical e o muco são importantes, não só para transporte, mas também
para filtrar e regular a fisiologia dos espermatozóides, nomeadamente a capacitação.
O ovócito humano maduro é recoberto por
uma série de camadas protectoras que têm
de ser penetradas para que aconteça a fecundação. O espermatozóide possui diversas enzimas, elaboradas para conseguir a penetração do ovócito, como a hialorunidase, a
enzima penetradora da corona e a acrosina.
Estas enzimas encontram-se numa região
capsular do gâmeta masculino, o acrossoma. A reacção do acrossoma, é um processo
que envolve a fusão localizada em pontos da
dupla membrana, com fusão e lise, vesiculação e libertação dos conteúdos. Para que o
fenómeno ocorra é necessário que tenha
havido capacitação, isto é, uma modificação
da membrana da cabeça, que o possibilite.
41
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migração no muco cervical é muito maior
(91%), revelando que o muco é um meio
de migração mais selectivo do que o meio
de cultura. Em resumo, os espermatozóides
morfologicamente normais migram mais
rápido e de forma linear, enquanto os morfologicamente anormais encontram maior
resistência da parte do muco, pelo que esta
diferença, mais do que o vigor intrínseco do
espermatozóide, é responsável pela exclusão dos gâmetas anormais.
Os gâmetas masculinos alcançam o tracto genital superior por intermédio de dois tipos de
transporte: um sistema de transporte rápido
e outro lento a partir de um reservatório168.
Alguns espermatozóides chegam ao tracto genital superior de uma forma extremamente rápida, referindo alguns autores que
alcançam as trompas cinco minutos após
inseminação175. Neste transporte rápido, os
fenómenos passivos176 têm mais importância
que a migração activa, porque a velocidade
do espermatozóide in vivo não pode ser tão
superior à revelada in vitro que justifique um
percurso tão longo em tempo tão curto. O
mecanismo que melhor explica o transporte
passivo é as contracções coordenadas da vagina, do útero e das trompas de Falópio, funcionando como um mecanismo de aspiração
global. Estas contracções estão perfeitamente documentadas na altura do orgasmo. As
prostaglandinas do sémen e outras substâncias, como a endotelina, que têm grande
poder de contracção do músculo liso, podem
também ter influência nas contracções177. O
objectivo biológico desta forma de transporte permanece obscuro, mas existem indicações de que os primeiros espermatozóides a
alcançarem a parte alta do tracto genital podem não ser funcionantes, porque é necessário que haja capacitação, i.e., que seja modificada a membrana da cabeça do espermatozóide para que possa ocorrer a reacção do
acrossoma, o que é um processo que requer
tempo, horas e não minutos178, como acontece no transporte rápido. Os espermatozóides
transportados de forma rápida apresentam-
42
tilidade inexplicada. O Registo Europeu da
European Society of Human Reproduction and
Embryology (ESHRE) indica uma percentagem de gravidez de 12% por tentativa8.
Inseminação intra-uterina – material e procedimentos (Fig. 25)
Material
Frasco estéril para colheita do esperma
Estufa de CO2 a 37 oC
Lâminas e lamelas
Microscópio
Câmara de Neubauer
Centrífuga
Tubos de centrífuga
Sperm Preparation Medium (SPM)
Supra Sperm System (SSS)
Catéter de inseminação
Câmara de fluxo laminar classe II vertical
Procedimentos
1. Escrever no contentor de esperma o nome
do indivíduo e entregar o mesmo para ser
efectuada a colheita.
2. Assim que o indivíduo tiver terminado a
colheita colocar o contentor na estufa a
37 oC durante 30 min.
3. Colocar um volume de gradientes de 80
e 55% num tubo de centrífuga, tendo em
conta o volume de esperma e características de motilidade e concentração e adicionar o volume total de esperma.
4. Centrifugar a 1.800 rpm, 20 min.
5. Retirar o sobrenadante, passar o pellet
para um novo tubo de centrífuga, adicionar 2 ml de SPM e homogeneizar.
6. Centrifugar a 1.100 rpm, 10 min.
7. Desprezar o sobrenadante, adicionar 2
ml de SPM, homogeneizar e centrifugar a
1.100 rpm, 10 min.
8. Desprezar o sobrenadante e adicionar um
volume de SPM até um máximo de 0,5 ml
tendo em conta o pellet obtido.
9. Encher o catéter de inseminação com uma
seringa de 1 ml.
10. Colocação intra-uterina do preparado.
Capítulo 28
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A reacção tem de ocorrer na vizinhança do
ovócito e, até esse momento, foi inibida por
factores presentes no líquido seminal168.
A capacitação pode ser alcançada in vitro
em cinco a sete horas, mas in vivo tem lugar
quando o espermatozóide se encontra no
canal cervical e no muco, que parecem estar
envolvidos no processo.
A lógica em que assenta a IIU, é a da convicção, de que colocar espermatozóides para lá
do obstáculo que é o canal cervical, aumentando a sua concentração no tracto genital
superior, proporciona maior probabilidade de
fecundação, porque foram ultrapassadas as
principais barreiras. Quando realizado com esperma fresco, o procedimento ignora muitos
dos conhecimentos da fisiologia cervical, da
interacção do esperma com o muco, incluindo
o conceito de reservatório cervical, do papel
do muco na selecção dos espermatozóides, a
capacitação e o metabolismo dos gâmetas. É
por isso que a inseminação com esperma não
preparado parece não proporcionar taxas de
gravidez superiores às de ocorrência espontânea em casais inférteis (12%)185.
Assim, a técnica de IIU exige etapas de preparação do esperma, de lavagem, de ascensão
dos espermatozóides através de gradientes
de densidade que proporcionam a selecção,
de migração em meios de cultura, capacitação em laboratório, etc., prévias à colocação
intra-uterina de uma concentração superior
ao conseguido pelo coito normal. Dito de
outra forma, o objectivo é o de colocar um
concentrado de espermatozóides da melhor
qualidade possível no tracto genital superior, mas de espermatozóides previamente
preparados, porque o esperma foi «lavado»
e os gâmetas foram seleccionados e capacitados pela migração em meios de cultura.
Colocados próximo do local da fecundação,
deverão estar proporcionadas maiores probabilidades de gravidez.
Daqui decorre o interesse do tratamento na
oligo, terato e astenzoospermias ligeiras ou
moderadas, em factores cervicais, nas anomalias do tracto genital inferior ou na infer-
Gradiente 55%
Colheita de esperma
por masturbação
Gradiente 80%
Catéter de inseminação
Inseminação
Centrifugação da
amostra
Homogeneização da
amostra
Figura 25. Resumo esquemático − inseminação intra-uterina. (cortesia de Alice Pinto).
5.8.2. FECUNDAÇÃO IN VITRO186
Após a travessia do canal cervical, os espermatozóides ascendem na cavidade uterina
para se encontrarem com o óvulo na porção
ampolar da trompa. Para poder ser fecundado, o ovócito captado pela trompa tem de
ser maduro (metafase II).
Ao nascimento, os ovários possuem dois milhões de ovócitos em estado primordial, rodeados por apenas uma camada de células
da granulosa. Não são fecundáveis porque se
encontram em prófase da meiose 1. Perdendo-se permanentemente por apoptose, na
adolescência são já apenas cerca de 400.000,
mas com a maturação do eixo hipotálamohipófise-gónadas poderão ser libertados em
estado fecundável. Assim, a descarga de LH
que determina a rotura folicular e a ovulação,
também activa a meiose do ovócito, de prófase da meiose 1, em que estava parado desde
a vida embrionária, até à metáfase da meiose
2, estádio em que já é fecundável e que se
Infertilidade
identifica pela observação de expansão de
células da coroa e pela extrusão do primeiro
globo polar. Um ovócito maduro é um ovócito rodeado por várias camadas de células da
granulosa, pela sua zona pelúcida e pela observação do primeiro globo polar (Fig. 26).
Figura 26. Ovócito (metafase II).
43
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Sémen
Após a singamia, iniciam-se os fenómenos
de divisão mitótica, em que cada célula dá
origem a outra igual, podendo observar-se o
embrião de duas células (1.o dia), quatro (2.o
dia), oito (3.o dia) (Figs. 28 a 30), etc., até um
número incontável de células (4.o dia) designado por mórula (Fig. 31). Prossegue multiplicação contínua, mas segue-se um processo de organização/diferenciação celular que
dá origem ao blastocisto, que é uma entidade mais organizada, com um pólo de massa
embrionária implantatória (trofoectoderme
polar) e uma cavidade com líquido (5.o e 6.o
dias) (Fig. 32).
Figura 27. Pronúcleos.
Figura 29. Embrião de quatro células.
Figura 28. Embrião de duas células.
Figura 30. Embrião de oito células.
44
Capítulo 28
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Os espermatozóides ligam-se à zona pelúcida (binding), iniciam a reacção do acrossoma e penetram na zona pelúcida (zona
penetration) para se ligarem à membrana
plasmática (membrana fusion) do ovócito.
De seguida, um dos gâmetas masculinos
funde-se com o ovócito, penetra no citoplasma, e o óvulo está fertilizado, podendo
observar-se uma célula com dois pronúcleos e dois globos polares (Fig. 27).
Os dois pronúcleos, masculino e feminino,
apõem-se, destroem as membranas pronucleares que os envolvem e emparelham os
cromossomas de forma alinhada − singamia.
Figura 32. Blastocisto.
O processo de proliferação celular e a diferenciação em blastocisto, que é a estrutura com capacidade implantatória, demora
cerca de sete dias, e ocorre na trompa nos
primeiros quatro e na cavidade uterina nos
últimos três.
A fecundação in vitro iniciou uma verdadeira
revolução no tratamento da infertilidade com
nascimento, em 1978, de Louise Brown. Os
tempos essenciais do tratamento constam,
de estimulação médica dos ovários (gonadotrofinas com efeito FSH) que proporciona um
desenvolvimento folicular múltiplo, indução
da maturação ovocitária (gonadotrofina com
efeito LH), aspiração e recolha dos ovócitos
por ultrassonografia transvaginal, processamento in vitro dos gâmetas e fecundação,
cultura de desenvolvimento embrionário e
transferência para a cavidade uterina.
Dada a sua disseminação, estima-se que nasceram já mais de três milhões de crianças em
todo o mundo fruto da fecundação in vitro,
que se realiza um número superior a 500.000
ciclos por ano na Europa, o que significa contribuir com 1 a 6% para o total de crianças
que nascem por ano neste continente4-6.
Posteriormente, os desenvolvimentos do
tratamento base vieram permitir a realização da ICSI de espermatozóide e o diagnóstico genético pré-implantatório.
O objectivo de qualquer tratamento FIV deve
ser o de realizar a terapêutica com sucesso,
mas de uma forma simples e cómoda. Os
tratamentos de reprodução medicamente
assistida são frequentemente caros e complexos. Uma boa prática clínica, deve investir em esforços que reduzam os obstáculos
colocados aos doentes, tentar simplificar os
tratamentos e diminuir o stress emocional e
psicológico a que os casais estão sujeitos. Por
isso, são muito importantes todos os protocolos ou procedimentos cujo objectivo seja
de simplificação, de alívio da pressão sobre
os doentes e de diminuição dos custos.
Os tratamentos de fecundação in vitro têm
vindo a melhorar as suas taxas de gravidez,
que em muitas clínicas se situam entre os 40
e os 50% por transferência embrionária. Os
resultados europeus assinalam uma média
de 30% de gravidez por transferência, que em
Portugal é de 35,4% e de 26,8% de parto8.
A fecundação in vitro tornou-se de tal forma um tratamento de rotina que, por vezes,
embora de forma inadequada, existe algum
facilitismo na proposta para a sua realização. Embora as indicações clássicas sejam
o factor tubar e o factor masculino, a sua
aplicação tem vindo progressivamente a ser
estendida a outras causas da infertilidade. O
desejo de conseguir um filho no mais curto
Infertilidade
45
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Figura 31. Mórula.
As profundas alterações originadas pela
idade no processo da reprodução levam algumas clínicas a propor sistematicamente
a doação de ovócitos depois dos 40 anos.
Claro que os critérios são variáveis de centro
para centro, mas à medida que a probabilidade de gravidez por transferência embrionária cai para menos de 10%, muitos não
deixam de considerar que deve ser comparada com os 50 a 60% obtidos nos ciclos
com doação de ovócitos.
Existe também um efeito da idade paterna
na probabilidade de êxito dos ciclos FIV,
embora não comparável ao da influência da
idade feminina. Ele é discreto e inicia-se um
pouco mais tarde, por volta dos 50 anos.
Avaliação uterina
No contexto da proposta de fecundação
in vitro, deve ser realizada uma técnica de
imagem que permita a avaliação da cavidade uterina. Os defeitos endometriais, os
miomas, as anomalias congénitas como o
septo ou o útero bicórneo, as sinequias,
as endometrites, devem ser identificadas
antes da realização de um tratamento FIV.
A histerossalpingografia continua a ser
importante, embora possa ser complementada pela histerossonografia com soro
fisiológico.
A histeroscopia de consultório (mini-histeroscopia) é também uma opção, tornando-se um exame indispensável perante
suspeita levantada por outra técnica de
imagem ou após o insucesso de dois ciclos
FIV (Figs. 33 a 35).
Quadro 6. Indicações da fecundação in vitro
Factor tubar
Endometriose
Infertilidade inexplicada
Oligo/asteno/teratospermia moderadas
Insucesso com outras técnicas (IIU)
Idade avançada
46
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período de tempo, associado à divulgação
pela comunicação social da existência de novas técnicas e medicamentos, bem como um
mais fácil acesso a serviços de infertilidade,
constituem factores de grande importância
no crescente aumento de recurso a cuidados
médicos nesta área188.
O leque de eventuais indicações consta do
quadro 6.
A idade feminina é o factor com maior influência no sucesso da fecundação in vitro e,
tal como com a fecundação espontânea, as
probabilidades de gravidez declinam acentuadamente a partir dos 35 anos.
Dados dos registos da SART salientam um
declínio acentuado e progressivo das percentagens de gravidez a partir dos 35 anos
de idade da mulher e uma quase inexistência de probabilidade de “êxito” a partir dos
40189 (Fig. 22).
Também outros estudos mostram, no contexto FIV, uma percentagem de partos por
punção de 36,9% em mulheres com idade
inferior a 35 anos, que diminui para 20,5%
entre os 38 e os 40, e que é de apenas 10,7%
aos 41/42 anos9.
A importância deste aspecto deve ser salientada, porque em mais de 50% dos casais que
recorrem à fecundação in vitro a mulher tem
idade igual ou superior a 35 anos e em quase
90% mais de 308,190. Acresce que o progredir
da idade da mulher está também associado
a aumento da percentagem de abortamento e do risco, pequeno mas significativo, de
ocorrência de anomalias cromossómicas no
recém-nascido.
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Figura 33. Mini-histeroscopia – sufusões hemorrágicas dispersas, septo e miomas (cortesia de Campo R, LIFE).
Figura 34. Mini-histeroscopia – polipose endometrial e mioma (cortesia de Campo R, LIFE).
Figura 35. Mini-histeroscopia – endometrite, defeitos endometriais e hipervascularização (cortesia de Campo R, LIFE).
Infertilidade
47
Figura 36. Ressectoscopia de mioma.
Os miomas subserosos não prejudicam a
probabilidade de gravidez e habitualmente
não são tratados, a não ser que despertem
sintomas ou possuam grandes dimensões.
A maior controvérsia reside sobre o que fazer perante miomas intramurais. A proximidade em relação à cavidade endometrial, o
tamanho, o número, a existência ou não de
desvio da linha endometrial, são parâmetros
a ter em conta e que podem influenciar a
decisão de realizar miomectomia, já que os
miomas intramurais são susceptíveis de diminuir a probabilidade de gravidez72.
O hidrossalpinge é outra entidade patológica a requerer intervenção cirúrgica antes
da realização de um ciclo FIV. As mulheres
com hidrossalpinge têm menor probabilidade de conseguir gravidez por FIV do que as
que não apresentam esta patologia. Embora
não seja completamente conhecida a razão
pela qual as probabilidades de gravidez di-
48
minuem nas mulheres com hidrossalpinge,
alguns autores falam de um efeito mecânico
da afluência de líquido tubar para a cavidade
uterina, enquanto outros salientam o efeito
tóxico sobre o desenvolvimento embrionário. Um estudo multicêntrico randomizado
mostrou que, de forma indiscutível, ocorria
um aumento das taxas de gravidez FIV nas
doentes operadas previamente de salpingectomia ou de oclusão tubar proximal por
motivo de hidrossalpinge192,193.
Avaliação ovárica e exames analíticos
Os exames analíticos a solicitar antes da realização de um ciclo de fecundação in vitro
constam do quadro 7.
Há que reconhecer que este conjunto de exames analíticos é porventura exagerado, como
por exemplo no que se refere a alguns doseamentos hormonais, cuja avaliação dificilmente acarretará benefício para o ciclo FIV. Claro
que o doseamento da PRL, das hormonas tireóideas e esteróides, é imprescindível para avaliação em outros contextos de infertilidade,
como por exemplo por anovulação ou quadros endócrinos. Mas na ausência de quadros
clínicos com sintomas ou sinais físicos específicos, a avaliação hormonal, bem como outros
parâmetros analíticos, podem ser limitados.
Uma reserva ovárica diminuída traduz-se
pela dificuldade/incapacidade do ovário em
responder à estimulação e de fornecer ovócitos maduros que possam originar embriões viáveis e gravidez. Assim, é importante
a avaliação prévia da função ovárica, como
tentativa de identificação das eventuais más
respondedoras. Essa identificação permite
avaliar o prognóstico, alterar protocolos de
tratamento ou indicar alternativas como a
doação de ovócitos. No entanto, desaconselhar o tratamento com base nos testes
de avaliação da função ovárica não é uma
atitude recomendável e pode originar erros
importantes, porque os métodos disponíveis
não permitem uma avaliação fidedigna, são
muitas vezes falíveis e nenhum possui uma
acuidade suficiente para indicar a forma exacCapítulo 28
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Cirurgia prévia a fecundação in vitro
Por vezes, o exame ultrassonográfico revela
a existência de miomas uterinos, cuja necessidade de intervenção cirúrgica é estabelecida pelo número, localização e tamanho dos
tumores. Os miomas submucosos dificultam
a implantação e, em relação a estes, existe
consenso sobre o benefício da ressecção histeroscópica antes do ciclo FIV191 (Fig. 36).
Mulher
Homem
Hemograma com plaquetas
Hemograma com PLT
Grupo sanguíneo e factor RH
Grupo sanguíneo e factor RH
Glicemia, ureia, creatinina, ácido úrico
VDRL, Atg e Atc Hbs, HCV
TGO, TGP, fosfatase alcalina, γ-GT, Bilirrubinas e DHL
HIV I e II
Serologias: rubéola, toxoplasmose, VDRL
Atc CMV, Atg e Atc Hbs, Atc HCV,
HIV I e II
Doseamentos hormonais: TSH, T3 e T4 livre
FSH, LH, PRL e estradiol (2.o/3.o dia pm)
Δ4-androstenodiona, testosterona livre,
DHEASO4, 17OHP
Urina tipo II
ta como o ovário irá responder à estimulação.
De facto, a única maneira rigorosa de verificar
a resposta ovárica é pelo juízo sobre o desenvolvimento folicular durante a estimulação.
Assim, embora as tentativas de avaliação da
reserva ovárica sejam uma prática frequente, o seu valor é discutível. Habitualmente
utilizam-se o doseamento de FSH ao 3.o dia
do ciclo, o teste do clomifeno, a contagem
ultrassonográfica de folículos antrais em fase
folicular precoce, doseamento da hormona
antimulleriana e o teste da inibina B187.
Alguns autores aconselham o doseamento
de FSH ao 3.o dia do ciclo como método de
identificação das doentes com reserva ovárica diminuída, indicando valores superiores
a 15 mu/ml como denotando fraca reserva e
previsão de má resposta à estimulação.
O teste de clomifeno consiste na medição do
nível de FSH ao 3.o dia, seguido de uma nova
avaliação ao 10.o, tendo sido administrados
100 mg do medicamento do 5.o ao 9.o. O teste é valorizado pela diferença de valores de
FSH (mu/ml) entre os dois doseamentos.
A contagem ultrassonográfica de folículos
antrais em fase folicular precoce tem também
idêntica finalidade, considerando-se que um
Infertilidade
número inferior a cinco por ovário permite
prever má resposta e uma contagem de 5 a
10 é premonitória de boa estimulação.
Os níveis de FSH ao 3.o dia do ciclo e a contagem ultrassonográfica dos folículos antrais,
têm idêntico valor para predição da resposta
ovárica e ocorrência de gravidez. De forma
genérica, um teste prévio normal não tem
muito significado, mas um resultado anormal tem valor de previsão de insucesso194.
De qualquer forma, estes testes têm de ser
valorizados em função do contexto clínico
global em que outros parâmetros, como a
idade ou a massa corporal, têm também valor preditivo importante. E é no contexto de
todos os parâmetros clínicos que a avaliação
da reserva ovárica deve ser valorizada e estabelecido o aconselhamento das doentes
candidatas a FIV.
Uma mulher com mais idade e reserva ovárica diminuída terá menor probabilidade de
gravidez e poderá escolher como alternativa a doação de ovócitos. Uma outra, jovem,
com testes de avaliação da reserva ovárica
anormais, poderá beneficiar da mudança
para um protocolo de estimulação diferente
do inicialmente previsto.
49
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Quadro 7. Exames analíticos pré-FIV
Protocolos de estimulação
Ciclo natural
No início do ciclo menstrual, a GnRH estimula a hipófise anterior a libertar uma mistura
de FSH e LH que origina o recrutamento e
crescimento de um determinado número de
folículos primordiais.
O FSH actua nos seus receptores das células
da granulosa e aumenta a actividade aromatásica que transforma os androgénios, produzidos pela teca sob a acção de LH, em estrogénios. À medida que os folículos crescem,
incrementa-se a acção de FSH e LH nesses fo-
lículos, aumenta a produção de androgénios
e a sua transformação em estrogénios (androstenodiona em estrona e testosterona em
estradiol). O estradiol é produzido em concentrações progressivamente mais elevadas
e o aumento dos seus níveis sanguíneos tem
efeito de retrocontrolo negativo sobre FSH,
cujas concentrações diminuirão, originando
o processo de selecção do folículo dominante. Um folículo continuará a desenvolver-se e
a produzir quantidades crescentes de estradiol, enquanto os restantes evoluirão para a
atrésia/apoptose. No essencial, o folículo que
adquiriu maiores dimensões e sensibilidade
ao FSH continuará a aumentar a produção de
estradiol, enquanto os folículos de menores
dimensões e menos sensíveis evoluirão para
a atrésia como consequência dos decrescentes níveis de FSH provocados pelo retrocontrolo negativo. O folículo seleccionado como
dominante continuará a desenvolver-se até
aos estados pré e ovulatório, sendo possível a
utilização do ovócito nele contido para realização da fecundação in vitro. Foi por intermédio da colheita laparoscópica de um ovócito
em ciclo natural que resultou o nascimento
de Louise Brown em 1978195.
Como no ciclo natural se obtém um único
ovócito e existem grandes dificuldades em
identificar o “momento” ovulatório, bem
como de calendarização da colheita para
momento adequado, desenvolvimentos
posteriores vieram habilitar-nos com agentes farmacológicos capazes de induzir crescimento folicular múltiplo, com a possibilidade
de obter vários ovócitos por ciclo, e controlar
o tempo de maturação e extracção dos ovó-
Quadro 8. Anomalias do espermograma
Oligospermia: < 20 milhões espermatozóides/ml
Astenozoospermia: < 25 % com progressão rápida
Teratospermia: formas normais < 15 %
Azoospermia: ausência de espermatozóides no ejaculado
50
Capítulo 28
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Avaliação masculina
A avaliação prévia ao ciclo de fecundação
in vitro requer o estudo da vertente masculina. A análise do espermograma, nos seus
diferentes parâmetros, em particular de número, morfologia e motilidade dos espermatozóides, identificará muitas situações com
anomalias (Quadro 8), algumas das quais só
poderão ser ultrapassadas por recurso à ICSI,
embora possam existir factores masculinos
subtis com valores normais no seminograma.
Em algumas situações de azoospermia, podem obter-se espermatozóides por meios
cirúrgicos, aspiração do epididimo e aspiração ou biopsia testicular, realizados em ambulatório. O material obtido fica disponível
a fresco ou será objecto de criopreservação
para utilização em ciclos posteriores.
As probabilidades de gravidez na oligospermia grave são equivalentes às verificadas
para outros diagnósticos de infertilidade, em
particular na ausência de associação com
factores femininos.
Gonadotrofinas
A maioria dos programas FIV baseia-se na estimulação ovárica com gonadotrofinas exógenas. As mais frequentemente utilizadas são
as recombinantes e as purificadas extraídas
da urina de mulheres pós-menopáusicas.
Os resultados da FIV com protocolos de estimulação com gonadotrofinas situam-se
entre os 20 e os 50%, o que é muito superior
ao verificado em ciclo natural ou quando a
estimulação é efectuada com citrato de clomifeno. A administração é intramuscular ou
subcutânea, existindo diversos preparados
farmacológicos, com proporções variáveis
de FSH e LH (u-FSH 1:1, hp-FSH 75:1, r-FSH
75:0, r-FSH e r-LH 150:75).
O FSH e o LH são proteínas glicosiladas com
uma cadeia α e outra β, sendo que a subunidade α de LH, é também comum à HCG.
Nenhuma das subunidades tem actividade
biológica individual.
Inicialmente eram necessários quatro a cinco litros de urina para fabricar uma ampola
de 75 unidades de FSH. Posteriormente, foi
desenvolvido um anticorpo monoclonal específico que permitiu aumentar a pureza das
preparações FSH, ora designadas de FSH-HP
(altamente purificado) de administração
subcutânea. Em tempo ulterior, e por técnicas de engenharia genética, foi conseguida
a síntese de FSH, LH e HCG denominadas de
recombinantes, porque o primeiro passo foi
o de reconstruir a sequência do ADN necessário à sua produção.
Infertilidade
Foram realizados diversos estudos de comparação de ciclos FIV com administração dos
diferentes preparados, não se podendo afirmar que exista uma inequívoca superioridade de algum deles sobre os outros, quer no
que respeita à dose necessária para estimulação, quer quanto à qualidade dos ovócitos
e embriões obtidos ou às taxas de gravidez.
Análogos da hormona libertadora das
gonadrofinas
Quando as gonadotrofinas são isoladamente utilizadas para estimulação ovárica em ciclos FIV, 20 a 30% dos ciclos têm de ser cancelados por virtude da ocorrência de ondas
prematuras de LH.
Recorde-se que, em ciclo espontâneo, a onda
de LH é desencadeada por um feedback positivo do estradiol produzido pelo folículo
dominante, a partir de níveis sanguíneos de
150-200 pg/ml.
Nos ciclos estimulados contribuem para os
níveis sanguíneos de estradiol vários folículos
de menores dimensões que, em conjunto, isto
é pelo somatório das suas produções, fazem
com que mais rapidamente se atinjam os níveis
desencadeantes do feedback positivo sobre
LH, o qual, por seu turno, inicia a luteinização
precoce da granulosa, antes de completado o
desenvolvimento e maturação foliculares, e fenómenos de degenerescência ovocitária.
Para impedir o prematuro aparecimento da
onda de LH, foram introduzidos, nos anos
80, os agonistas de GnRH aplicados à fecundação in vitro.
A GnRH é um decapeptídeo segregado de
forma pulsátil pelo hipotálamo, para estimular a libertação do LH e FSH hipofisários.
Quando produzido com pulso de maior frequência ou amplitude, ou de forma contínua, ocorrerá inicialmente uma estimulação
rápida e intensa da hipófise, com elevação
dos níveis de FSH e LH mas, ao fim de alguns dias, verificar-se-á um fenómeno de
saturação dos receptores hipofisários (down
regulation) que impedirá a acção de GnRH e
levará à ausência de resposta por parte da
51
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citos. Diversos estudos que compararam as
probabilidades de gravidez FIV em ciclo natural com ciclos estimulados, demonstraram
que as taxas são menores em ciclo natural (0
a 6%) do que com estimulação com citrato
de clomifeno (6 a 10%) e significativamente
superiores quando utilizadas gonadotrofinas (20 a 50%).
Podem ser ainda melhoradas quando à estimulação com gonadotrofinas se associa a
supressão da onda endógena de LH (30 a
60%)187.
GNRH AG
fise e o impedimento da ocorrência de ondas prematuras de LH. Numerosos estudos
permitiram concluir pela vantagem de utilização dos análogos agonistas de GnRH nos
ciclos FIV estimulados com gonadotrofinas,
com diminuição das taxas de cancelamento para apenas cerca de 2% e obtenção de
maiores percentagens de gravidez.
Mas o objectivo pode não ser o de obter um
efeito de estimulação folicular adicional ao
das gonadotrofinas, mas somente o de evitar
a onda prematura de LH e, neste caso, a administração do agonista deverá iniciar-se no
final da fase luteínica do ciclo anterior. Nessa
fase, o efeito estimulador não terá qualquer
consequência, porque será administrado
numa época em que o recrutamento folicular é impossível e em que apenas existe
regressão espontânea do corpo amarelo.
Neste enquadramento, a estimulação com
gonadotrofinas apenas se iniciará quando
o efeito de dessensibilização hipofisária estiver completo, isto é, cerca de 10/12 dias
após o início da administração do análogo e
na presença de um valor de estradiol inferior
a 50 pg/ml (protocolo longo) (Fig. 38).
GNRH - AG
HCG
FSH
FSH
HCG
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Figura 37. FIV/ICSI protocolo curto.
52
Capítulo 28
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hipófise. Esta é, também, a forma de acção
dos seus análogos agonistas.
De forma diferente, os análogos antagonistas actuam por inibição competitiva, sem
efeito estimulador inicial, originando uma
supressão imediata da libertação das gonadotrofinas.
É possível, por meios sintéticos, substituir
aminoácidos nas cadeias do decapeptídeo
GnRH e, conforme o tipo e posição dos substituídos, obter análogos com acção agonista ou antagonista, resistentes à degradação
por endopeptidases, dotando-os de uma
acção biológica mais activa e duradoura.
Assim, os análogos de GnRH possuem uma
maior afinidade e um maior tempo de ocupação dos receptores.
Quando análogos agonistas são administrados no início de um ciclo FIV, em simultâneo com as gonadotrofinas (protocolo curto) (Fig. 37) a acção inicial é estimuladora e
adicional, o que levará ao desenvolvimento
de mais folículos e à obtenção de um maior
número de ovócitos na punção mas, ao fim
de alguns dias, ocorrerá a saturação hipofisária, a inibição do eixo hipotálamo-hipó-
GNRH AG
HCG
FSH
FSH
HCG
21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
- 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29
Ciclo anterior
E2 < 50 pg / ml
3 Fols > 17 mm
Figura 38. FIV/ICSI protocolo longo.
De forma diferente, os antagonistas suprimem a hipófise por um mecanismo de inibição competitiva e ocupação dos receptores
da GnRH endógena196. A sua aplicação clínica
é baseada na capacidade de bloquearem a
secreção das gonadotrofinas de forma rápida, reversível, e prevenirem a ocorrência prematura da onda de LH. Os antagonistas têm
um efeito imediato e os níveis de FSH e LH
diminuem rapidamente. A função hipofisária normaliza logo que é retirada a administração do antagonista. As características de
uma supressão de LH e FSH dependente da
dose, directa e rápida, com imediata restauração da função hipofisária após a suspensão do medicamento, vieram proporcionar a
simplificação dos protocolos de estimulação
ovárica para FIV (Fig. 39).
GNRH-ANTAG
GNRHANTAG
HCG
FSH
FSH
HCG
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Figura 39. FIV/ICSI protocolo com antagonista.
Infertilidade
53
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GNRH - AG
Colheita de ovócitos
Nos primórdios da FIV, a colheita dos ovócitos exigia cirurgia laparoscópica. Posteriormente, foram implementadas técnicas guia-
das por ecografia transabdominal utilizando
a bexiga como janela ultra-sónica.
Hoje, a colheita ovocitária é efectuada por
ultrassonografia transvaginal com agulhas
de punção introduzidas (16/17 gauge) em
guias inseridos na sonda. Para obtenção do
conteúdo folicular, apenas é necessária uma
seringa acoplada ao tubo de aspiração da
agulha, obtendo-se habitualmente ovócitos em 50 a 80% dos folículos aspirados187.
A recolha é rápida e preferencialmente efectuada sob analgesia/sedação. A sala onde é
efectuado o procedimento deve estar devidamente equipada e em localização anexa
ao laboratório de biologia, para que o transporte dos gâmetas femininos se efectue de
forma rápida e sem precalços.
Os conteúdos foliculares obtidos, no seio dos
quais se encontram os ovócitos, são processados num microscópio estereoscópico em
placas de Petri previamente aquecidas a 37o.
Os ovócitos são isolados e lavados em meio
apropriado, que retira o excesso de sangue,
permitindo uma melhor observação dos gâmetas femininos e das células da granulosa
que os envolvem. A avaliação da maturação
ovocitária é efectuada por observação da expansão das células do complexo cumulus-corona. Um ovócito pré-ovulatório, ou maduro,
é o que apresenta expansão e luteinização do
cumulus, com disposição radial da corona, assemelhando-se à imagem do sol (Fig. 41).
Figura 40. Ultrassonografia: endométrio «trilaminar».
54
Capítulo 28
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Da investigação publicada, pode concluir-se
por taxas de gravidez semelhantes nos protocolos de estimulação que utilizam análogos agonistas ou antagonistas, embora nos
ciclos com antagonistas possa ocorrer um
menor número de folículos desenvolvidos
mas também, eventualmente, uma melhor
qualidade ovocitária. No entanto, o mais
importante é que o número de embriões
transferidos, a qualidade embrionária, as
taxas de implantação e as percentagens de
gravidez clínica são idênticas.
Nos ciclos de fecundação in vitro, a maturação folicular final, o início da luteinização das
células da granulosa e o reactivar da meiose
ovocitária, são obtidos pela HCG («parente»
de LH) administrada quando se objectivam
três ou mais folículos com diâmetro superior a 17 mm, devendo a punção folicular ser
agendada para 34 a 36 horas após a administração intramuscular do fármaco.
Também o estado de desenvolvimento do
endométrio deve ser acompanhado, considerando-se como idealmente preparado
o que apresentar um aspecto ecográfico
«trilaminar» e espessura entre 8 a 12 mm
(Fig. 40).
A recuperação “pós-operatória” é também
rápida e a doente pode regressar ao domicílio uma a duas horas após a punção.
Punção folicular – material e procedimentos
de laboratório
Material:
Agulha de punção
Seringas de 20 ml estéreis para aspiração
dos folículos com PBS
Seringa de 5 ml estéril com SPM para lavar ovócitos
Agulhas de gauge estéreis para todas as
seringas
PBS para lavar a agulha de punção e para
aspiração de folículos
Placas de Petri (grandes e pequenas) estéreis
Pipetas Pasteur estéreis para pesquisa
dos ovócitos
Tetina
Lupa com base aquecida a 37 oC
Câmara de fluxo laminar
Todos os meios são pré-equilibrados durante 24 h na estufa de CO2 a 37 oC.
Procedimentos:
Dia –1:
Colocar uma etiqueta na estufa com o nome
da paciente, número de processo e técnica
de PMA a ser realizada.
Infertilidade
55
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Figura 41. Ovócito maduro (disposição radial da corona – «imagem de sol»).
— Identificar a placa de quatro poços com o
nome da paciente e:
v Se se tratar de uma FIV, colocar nos poços 1, 2 e 3 um volume de 0,7 ml de IVF e
no poço 4 um volume de 0,7 ml de ISM1.
v Se se tratar de uma ICSI, colocar nos poços
1 e 2 um volume de 0,7 ml de IVF e nos poços 3 e 4 um volume de 0,7 ml de ISM1.
— Para cada punção colocar dois tubos na
estufa com cerca de 9 ml de PBS, um
tubo também cheio com SPM e dois tubos com gradientes a 80 e 55% num volume de 4 ml cada.
Dia 0:
— Ligar a câmara de fluxo laminar 30 minutos antes da punção e limpá-la muito bem
com H20 bidestilada estéril e uma gaze.
— Lavar agulha de punção com aproximadamente 2 ml de PBS.
— Encher três seringas (o n.o depende do n.o
de folículos) com 1 ml de PBS deixando-as
com a agulha para evitar contaminações.
Colocá-las na estufa a 37 oC.
— A agulha de punção e as seringas são
entregues ao responsável pela aspiração
folicular no início da punção.
— Colocar as placas de Petri (2-3 grandes e
uma pequena) na placa aquecida (37 oC).
— As seringas com líquido folicular são
mantidas a 37 oC enquanto se pesquisam
os ovócitos.
— Colocar SPM na placa de Petri pequena.
— Colocar o líquido folicular numa placa de
Petri grande (tampa e fundo) e pesquisar
os ovócitos à lupa, com baixa intensidade
luminosa, o mais rapidamente possível.
— Lavar agulha de punção e seringas numa
placa já pesquisada para ver se não ficou
nenhum ovócito esquecido no líquido
folicular residual.
— Os ovócitos são bem lavados em SPM e se
necessário é-lhes retirado o sangue das
células da granulosa com a ajuda de duas
agulhas de insulina. Posteriormente são
colocados em placa de quatro poços no
1.o poço que contém IVF e guardados na
estufa a 37 oC e 5% de CO2.
Material:
Frasco estéril para colheita do esperma
Estufa de CO2 a 37 oC
Lâminas e lamelas
Microscópio
Câmara de Neubauer
Centrífuga
Tubos de centrífuga
SPM
SSS
Catéter de transferência
Agulhas de gauge estéreis para todas as
seringas
Pipetas Pasteur estéreis para as lavagens
do esperma
Tetina
Micropipeta e pontas de micropipeta
Câmara de fluxo laminar
Todos os meios são pré-equilibrados durante 24 h na estufa de CO2 a 37 oC.
Procedimentos:
Dia −1:
— Preparar quatro tubos contendo:
v Tubo 1: 10 ml de SPM.
v Tubos 2 e 3: 4 ml de gradiente de 80 e
55% em cada.
v Tubo 4: 10 ml de PBS.
— Preparar uma placa de quatro poços de
meio de cultura. Os poços 1, 2 e 3 devem
ser preenchidos com 0,7 ml de IVF e o
poço 4 com 0,7 ml de ISM1.
— Colocar tudo o que foi preparado na estufa.
Dia 0:
A primeira fase de uma FIV é a punção, pelo
que devem ser seguidos os passos descritos
no respectivo protocolo de punção.
— Colocar os ovócitos depois de pesquisados e isolados no poço número 1 da
placa de quatro poços, na estufa, a 37 oC,
três a quatro horas.
— Centrifugar, por centrifugação fraccionada, o líquido espermático com SSS 80 e
56
55%, colocando por fim o esperma. São
necessários cuidados para que os diferentes líquidos não se misturem. Este
passo é praticado a 1.800 rpm durante
20 minutos.
— O sobrenadante é retirado, acrescentando-se ao tubo SPM, levando-o a centrifugar durante 10 minutos a 1.100 rpm. Esta
alínea é repetida mais uma vez.
— Ao pellet resultante da última lavagem
adicionar muito lentamente SPM, pondo-o inclinado a incubar na estufa a 37
o
C – swim-up.
— Com a câmara de Neubauer, contar os
espermatozóides, ajustar o volume do
líquido espermático de forma a ter mais
ou menos 100.000 spz/ml por ovócito.
— Retirar os ovócitos da estufa, já em IVF, e
colocá-los em contacto directo com os
spz no poço número 2.
— Após 16 a 18 horas, desnudar os ovócitos,
com pipetas de desnudação e observar a
presença, e número, de pronúcleos, separando-se os zigotos que tenham dois
pronúcleos e dois glóbulos polares dos
restantes.
— Após 48 horas, mudam-se os embriões
para ISM2 se se optar por transferência
dos embriões ao 4.o/5.o dia de desenvolvimento.
Relativamente ao ponto 4, se o volume de
pellet resultante é bom, adiciona-se 1 ml de
SPM, caso contrário, o tempo de incubação é
mais alargado e com menos volume.
Transferência embrionária
O desenvolvimento embrionário foi já descrito em outro ponto deste capítulo.
A transferência é a última etapa dos tratamentos de fecundação in vitro e tem uma
importância decisiva na probabilidade de
êxito, podendo realizar-se com idênticas
percentagens de gravidez entre o 2.o e o 5.o
dia do desenvolvimento embrionário.
Não está definido qual o melhor tipo de catéter a utilizar, nem o local ideal da cavidade
uterina para colocação dos embriões. Estão
Capítulo 28
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Fecundação in vitro – material e procedimentos de laboratório
Blastocisto livre
Na cavidade uterina, o embrião continua o
processo mitótico de proliferação celular e
inicia a sua diferenciação. Neste crescimento
e diferenciação intervêm, para além de outras substâncias, factores de crescimento e citocinas. Desenvolve-se um local apropriado
(«trofoectoderme polar») que, pela produção
de proteínas específicas, irá proporcionar a
adesão embrionária ao epitélio luminal200.
Até este momento o embrião atravessou
dois processos metabólicos distintos. Numa
primeira fase, enquanto realiza o trajecto tubar, o seu metabolismo depende quase exclusivamente de factores intrínsecos, é praInfertilidade
ticamente autónomo e transforma piruvato
em glicose como forma de obter o principal
substrato energético. O meio ambiente tem
pouca influência no processo de metabolismo e diferenciação embrionária e funciona
mais como facilitador do que como interveniente201. Esta é a razão pela qual é possível
obter e manter embriões in vitro durante
48/72 horas com diversos meios de cultura
relativamente simples e até observar o crescimento do trofoblasto humano em embriões «cultivados» em plástico202.
Com a diferenciação celular e a preparação
para a implantação ocorre no metabolismo
embrionário uma transição para um processo que passa a envolver factores extrínsecos.
É exigido ao blastocisto pré-implantatório
uma adaptação metabólica ao ambiente
uterino, com o qual desenvolve diversos tipos de interacções, influências e dependências, de forma complexa e insuficientemente
conhecida. É pela complexidade e insuficiente conhecimento sobre estes factores
extrínsecos que é difícil desenvolver meios
de cultura apropriados e continuar a manter
por mais tempo os embriões in vitro201.
Estes aspectos realçam a importância do
componente «secreção endometrial», que
tem de ser apropriado e temporalmente
adaptado às necessidades embrionárias
para que o fenómeno implantatório possa
progredir com êxito.
Hatching
Rotura da zona pelúcida, provavelmente
provocada por tripsina produzida pela trofoectoderme, seguida de protusão da massa embrionária (dia 7). Produção de HCG,
conjuntamente com diversas substâncias
entre as quais factores de crescimento (factor de crescimento transformador A (TGF-A),
EPF, PAF, insulina-like II, etc.) que sinalizam a
competência embrionária para iniciar a implantação200. Assim, ocorre uma sucessão de
sinais enviados do blastocisto alguns dos
quais com possível acção local preparatória
da implantação.
57
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disponíveis diferentes tipos de catéteres,
alguns especialmente concebidos para as
transferências difíceis. O que parece claro
em diversos estudos, e a nossa experiência
também o confirma, é que quando a transferência é realizada sob controlo ecográfico
transabdominal, as taxas de implantação e de
gravidez são significativamente superiores ao
verificado com um procedimento cego197,198.
Após a transferência embrionária, todo o
êxito do tratamento depende de um processo, ainda quase integralmente desconhecido e inacessível à interferência médica, a
implantação, que é um fenómeno de grande complexidade e que do ponto de vista
conceptual não pode ser limitado ao curto
e imprevisível período em que o embrião se
«agarra» ao útero. Implica o correcto desenvolvimento do embrião pré-implantatório, a
preparação de um endométrio receptivo, a
aposição e adesão na superfície epitelial, o
reconhecimento materno da presença do
embrião, a decidualização do endométrio e
a manutenção do corpo amarelo199.
No entanto, se considerarmos de modo particular os acontecimentos que ocorrem após
a chegada do embrião à cavidade uterina e
antes da invasão do estroma, podemos admitir sumariamente três etapas que, embora
de separação artificial, são úteis do ponto de
vista da compreensão global do fenómeno.
Aposição/adesão
Às acções progesterónicas de indução de secreção, activação do metabolismo endometrial, preparação do leito implantatório por
transformações deciduais e vasculares, junta-se agora a de «limpeza» do lúmen glandular pela indução dos pinópodes (protusões
celulares ultra-estruturais) que absorvem
moléculas e fluidos «secando» e «limpando»
a região uterina próxima do embrião200. Nessa área diminuem também as microvilosidades das células endometriais202.
Entre os dias 6 a 8203 (dia 7), o blastocisto adere à zona epitelial seleccionada, atravessa a
membrana basal e invade o estroma, porque
os pinópodes extraem todo o fluido, o que,
conjuntamente com microvilosidades curtas
e escassas, permite o contacto directo entre
blastocisto e epitélio possibilitando a adesão.
A integridade do epitélio é em grande parte
mantida por pontes intercelulares ultra-estruturais. Para se implantar o embrião tem de
abrir brecha na barreira constituída por um
epitélio cuja integridade é provavelmente
controlada por acções hormonais. Por análise morfométrica constata-se que entre os
dias 13 a 23 diminui a área de pontes intercelulares e diminui também a complexidade
geométrica da organização intercelular204.
Assim, o endométrio, que normalmente
constitui uma barreira para o embrião, põe
em causa a sua própria integridade e tornase receptivo, por virtude de um processo
conduzido pelas hormonas esteróides204.
Nesta etapa intervêm também numerosos
produtos de secreção epitelial cujo papel específico individual não é completamente conhecido, estando no entanto demonstrada a
sua dependência da acção progesterónica.
58
Esta sucessão de fenómenos demonstra, o
que do ponto de vista clínico também deve
ser salientado, a importância da duração
de exposição à progesterona como factor
fundamental na preparação do endométrio
para a implantação.
A deficiência da sua produção ou de adequada recepção da acção hormonal atingirá
a maturação endometrial/nutrição embrionária, receptividade uterina/fase inicial da
implantação, mas também a preparação
vascular e endometrial/invasão trofoblástica, todas dependentes de adequadas preparações morfológica e fisiológica que possibilitem a implantação.
Nos ciclos de doação de embriões verificase que existe um tempo de receptividade
endometrial limitado ao que habitualmente se designa por «janela de transferência
ou de receptividade». Neste tipo de ciclos,
a obtenção de gravidez com embriões de
2/3 dias está restringida às transferências
realizadas entre os dias 15 a 20 de um ciclo de 28, alcançando-se maior número
de êxitos com as efectuadas entre os dias
17 a 19203,205-207. A transferência de embriões em dias situados fora dos limites da
«janela de receptividade» está sistematicamente votada ao insucesso203,205-207.
Também Bourgain, et al.208 e Davies, et
al.209 referem que a ocorrência de gravidez
com embriões doados depende do estado
de maturação do endométrio. As elevadas
percentagens conseguidas em mulheres
com maturação adequada contrastam com
os escassos êxitos obtidos nas com endométrio de desenvolvimento assíncrono ou
com datagem atrasada mais de dois dias.
Assim, pelos conhecimentos adquiridos nos
ciclos de doação de embriões, sabe-se que o
sincronismo entre desenvolvimento embrionário e maturação do endométrio é crucial
para que possa ocorrer gravidez. A «afinação» deste sincronismo e provavelmente
mediada por factores de crescimento que
para o efeito utilizam receptores específicos
e mensagens em cascata210.
Capítulo 28
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Ao desenvolvimento de capacidade de adesão pelo citotrofoblasto, correspondem no
endométrio intensas actividades metabólicas e de secreção estimuladas pela progesterona. Em simultâneo é induzido edema do
estroma e a área vascular triplica por intermédio da espiralação arterial.
Infertilidade
embrião que chegou à cavidade uterina há
2/3 dias), o epitélio do lume das glândulas
(local onde o embrião estabelece o primeiro
contacto; secreção máxima ao dia 20 que é
o de início da implantação), o estroma (cuja
preparação é essencial para a implantação)
e a interacção dos dois tipos celulares com
células do sistema imunológico (revelada
pela presença de receptores para as citocinas). Para além de dependerem das acções
hormonais nomeadamente da relação E2/P,
estes componentes são condicionados por
interacções mútuas sabendo-se, por exemplo, que o estroma é indispensável para
regular o crescimento, diferenciação e funções do epitélio215,216.
A existência de sincronismo na diferenciação dos compartimentos endometriais208 e
entre estes e o desenvolvimento do embrião
(FIV) é importante factor para que a transferência tenha sucesso. Nos ciclos espontâneos existem certamente limites de tempo
para além dos quais não é possível a este
complexo e ainda não totalmente conhecido sincronismo funcionar. Ao contrário do
verificado noutras espécies animais, o blastocisto humano não pode esperar por uma
diferenciação endometrial minimamente
apropriada217 e a implantação depende da
existência, na altura própria, de uma maturação correspondente a um dos dias da janela
implantatória.
É possível que em diversas circunstâncias
clínicas de infertilidade ou pelo menos de
subfertilidade, atribuídas à influência de
factores como a idade ou classificadas como
inexplicadas, a assincronia entre desenvolvimento embrionário e maturação endometrial possa ter um contributo determinante.
Mas no contexto FIV, estes conhecimentos
salientam a importância da transferência de
embriões com um desenvolvimento adequado e cronologicamente acertado, bem
como da aceleração (comparativamente
com ciclo espontâneo) da maturação endometrial pela administração de progesterona
(oral, intravaginal ou intramuscular).
59
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Mas a implantação não é um fenómeno
que dependa apenas da aquisição de capacidades por parte da mucosa uterina e do
seu cumprimento em tempo útil. De facto,
parece estar definido por estudos clínicos
em ciclos espontâneos211,212, de FIV213 e com
doação203, bem como por estudos morfológicos e de marcadores funcionais como as
integrinas214, que a «janela implantatória»
está limitada entre os dias 20 a 24 de um
ciclo de 28 mas, dentro deste período, o
tempo de implantação parece depender da
idade do embrião não interferindo o grau
de maturação endometrial para o desempenho do fenómeno. A conclusão deriva de
um importante estudo de Bergh e Navot203.
Estes investigadores transferiram embriões
com idade semelhante (42-46 horas) para
endométrios em diferentes estádios de maturação, embora com datagens em «fase»
para o dia da respectiva transferência. Do
lado embrionário, o primeiro sinal detectável de implantação (HCG) ocorreu sempre
com um desenvolvimento de cerca de sete
dias, cinco após transferência, e verificou-se
independentemente do grau de maturação
endometrial. Assim, desde que adquiridas
condições que se sabe permanecerem por
um período de tempo limitado, existe indicação de que a idade embrionária determina o momento implantatório e não se
confirma a possibilidade de espera por condições óptimas, nem a capacidade de, como
descrito para outros mamíferos, o endométrio induzir aceleração do desenvolvimento
embrionário.
Estes conhecimentos permitem concluir
que em ciclos espontâneos deve existir
sincronismo entre o desenvolvimento embrionário, transporte tubar e o processo de
diferenciação do endométrio, cujo objectivo é o de proporcionar o máximo de receptividade, permitir e participar na implantação. Segundo Navot, et al.206 e Metzger215,
esta depende da acção concertada de quatro componentes endometriais: o secretor
(que proporciona o ambiente nutritivo ao
Material
UTM
Catéter de transferência
Lupa com base aquecida a 37 oC
Câmara de fluxo laminar
Seringa de 5 ml
Procedimentos
1. Colocar no dia da manhã de transferência
uma placa de quatro poços com o primeiro poço de 0,5 ml de UTM e o 2.o poço
com 0,4 ml de ISM1 e um tubo nunc com
0,7 ml de ISM1 para lavar o catéter.
2. Os embriões seleccionados a transferir
são lavados em ISM1 para retirar o óleo
e colocados em UTM 15 minutos antes
da transferência propriamente dita.
3. Acoplar a seringa com ISM1 (que está a
equilibrar no tubo nunc) ao catéter para
o lavar.
4. Puxar o êmbolo da seringa 0,02 ml.
5. Carregar o catéter de transferência como
desenhado, aspirando um pouco de meio,
depois ar, embriões, ar e tapar com meio
meio
ar
meio+embriões
ar
meio
6. Depois da transferência verificar se todos
os embriões foram transferidos, lavando
o catéter na placa de meio de cultura e
confirmar à lupa.
Apoio da fase luteínica
O apoio da fase luteínica é muito importante para o sucesso do ciclo FIV, em particular
quando utilizados os análogos agonistas,
porventura implicados em defeitos de fase
luteínica.
A administração de progesterona é a forma
mais utilizada para apoio luteínico quer por
via oral, quer vaginal ou intramuscular. Uma
metanálise sugere que a via oral é a menos
efectiva218. As formas mais frequentemente
utilizadas são constituídas por progesterona micronizada para colocação intravagi-
60
nal. A HCG, embora efectiva, não deve ser
utilizada por motivo de probabilidades de
hiperestimulação inaceitáveis. A administração de progesterona deve iniciar-se no
dia da punção e prolongar-se até às 11/12
semanas de gravidez.
Complicações da fecundação in vitro
Síndrome de hiperestimulação ovárica
É frequente encontrarem-se ovários bastante aumentados de volume durante a estimulação ovárica com gonadotrofinas.
A síndrome de hiperestimulação consiste
numa resposta exagerada às gonadotrofinas
e à administração da HCG, só muito raramente ocorrendo com outros agentes farmacológicos, tem uma incidência com significado
clínico de 0,5%, é geralmente autolimitada
e de regressão espontânea, embora possa
persistir por períodos mais longos nos ciclos
em que ocorreu concepção.
A sua etiopatogenia não é bem conhecida,
mas está relacionada com os volumosos
quistos que se desenvolvem nos ovários,
com elevados níveis de estradiol e produção
de substâncias vasoactivas como o factor de
crescimento do endotélio vascular (VEGF) (aumento da vascularização e da permeabilidade
vascular). Pensa-se, que o VEGF é um dos mais
importantes elementos envolvidos na fisiopatologia da síndrome, embora muitos outros,
incluindo a angiotensina 2, o factor de crescimento da insulina (IGF1), o epidermal growth
factor (EGF), o factor de crescimento transformador (TGF), o BFGF, o PDGF e as interleucinas possam também estar envolvidos.
O ponto-chave da síndrome da hiperestimulação ovárica é o aumento da permeabilidade vascular, resultando em desvio maciço
de líquidos do espaço intravascular para o
terceiro espaço podendo assumir aspectos
graves, que põem em risco a vida da mulher,
com ascite, derrame pleural, desequilíbrio
hidroelectrolítico e tromboembolismo.
São elementos de risco para o seu desenvolvimento: idade jovem, baixo peso, síndrome
do ovário micropoliquístico, altas doses de
Capítulo 28
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Transferência de embriões – material e procedimentos de laboratório
Infertilidade
Algumas recomendações: ingestão de líquidos superior a um litro por dia (bebidas com
electrólitos); actividade repousada (não realizar exercício físico); medição diária do peso;
aumento de peso ou diminuição de micção
devem ser comunicados ao médico.
Se os sintomas são mais graves, ou aumentam, é necessária hospitalização com instituição de medidas de suporte, administração de analgésicos, fluidoterapia endovenosa para aumento do volume plasmático
e correcção de desequilíbrios hidroelectrolíticos (ponderando o significativo aumento
da permeabilidade vascular), monitorização
das funções renal e pulmonar. Os líquidos
(preferivelmente soro fisiológico) devem ser
administrados no volume necessário para
assegurar a manutenção do débito urinário
e corrigir a hipovolémia, i.e., a hipotensão e a
oligúria que são a prioridade da terapêutica,
tendo sempre presente que a administração
de fluidos pode contribuir para o aumento
de líquidos no espaço extravascular. Pode
ser necessária paracentese transabdominal
ou por via vaginal em doentes com ascite
dolorosa, comprometimento da função pulmonar ou oligúria/anúria.
O tromboembolismo é uma complicação grave da síndrome de hiperestimulação ovárica.
Deve ser instituída a sua prevenção e por vezes é necessário suporte endovenoso, apoio
respiratório e terapêutica com heparina.
A rotura de quistos ováricos com hemorragia, a torção, ou a gravidez ectópica podem
exigir intervenção cirúrgica de urgência.
O aspecto mais importante da síndrome de
hiperestimulação ovárica é o da sua prevenção. Exige-se experiência de manuseamento
das gonadotrofinas, não prescrevendo em
excesso, diminuindo/cancelando a medicação nas situações de risco ou suspendendo/
atrasando a administração de HCG até que os
níveis de estradiol se encontrem em planalto
ou tenham diminuído significativamente219.
De facto, é melhor suspender um ciclo e reiniciá-lo com doses mais baixas do que ter uma
síndrome de hiperestimulação grave.
61
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gonadotrofinas, níveis de estradiol a elevarem-se rapidamente, episódios prévios da
síndrome de hiperestimulação. O risco é
ainda aumentado pela repetida administração de HCG que, por isso, deve ser evitada. A
ocorrência de gravidez aumenta a probabilidade, a duração, e a gravidade da situação.
O quadro clínico pode assumir diferentes intensidades, leve, moderado e grave. Realcese, que é desencadeado pela HCG e que sem a
acção desta hormona será sempre muito frustre. Se a HCG administrada por via intramuscular continua a estimular o ovário por cerca de
nove dias, a proveniente da gravidez manterá
esse estímulo continuadamente, agravando a
síndrome que, na ausência de gestação, teria
regredido em 7 a 10 dias. Por esta razão, nas
situações de risco não deverá ser administrada HCG e, no contexto da fecundação in vitro,
é preferível proceder à criopreservação embrionária cancelando a transferência.
As formas leves são bastante frequentes e
incluem desconforto e distensão abdominal transitórios, ligeira náusea, vómitos e
diarreia. A forma moderada inclui a persistência ou agravamento destes sintomas e
ascite, demonstrada por ultrassonografia. A
síndrome adquire um carácter grave com o
aparecimento de dor intensa, aumento de
peso, ascite sob tensão, instabilidade hemodinâmica, dificuldades respiratórias, oligúria,
ou alterações do hemograma e do balanço
hidroelectrolítico. Existe o risco de tromboembolismo como resultado da hemoconcentração, da diminuição do fluxo sanguíneo periférico e da inactividade provocada
pela distensão abdominal e pela dor. Excepcionalmente a vida fica ameaçada, em situações extremamente graves com insuficiência renal, insuficiência respiratória, rotura e
hemorragia ováricas e tromboembolismo.
As doentes com formas leves podem ser
tratadas em ambulatório, com analgésicos
orais, medição diária do peso, avaliação seriada de parâmetros laboratoriais como hematócrito, balanço hidroelectrolítico e creatinina, estando interdita a actividade sexual.
indutores ou estimuladores da ovulação.
Estudos recentes vieram demonstrar que
não existe evidência da referida associação
e que deverá ser relembrado o facto de a
mulher infértil possuir, por si, um risco duas
vezes aumentado de cancro do ovário.
Gestação múltipla
A gestação e o parto múltiplo podem ser
considerados como das principais complicações da reprodução medicamente assistida.
Esta complicação tem aumentado significativamente nas últimas décadas em muitos
países desenvolvidos. Em Portugal, verificouse um aumento da incidência de partos múltiplos em paralelo com a disseminação das
técnicas de PMA desde que, em 1988, nasceu
a 1.a criança de fecundação in vitro conseguida por Pereira Coelho. Este aumento é especialmente significativo se comparado com o
decréscimo da natalidade (Fig. 42).
Figura 42. Partos múltiplos em Portugal (fonte: INE, Anuários Estatísticos de 1976 a 2002).
62
Capítulo 28
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Alguns autores sugerem o coasting como
medida preventiva, referindo que não afecta
o prognóstico do ciclo se não for prolongado por mais de três dias220.
Porque a HCG é o factor nuclear de desenvolvimento da síndrome de hiperestimulação, a administração de uma dose menor
(5.000 unidades) pode ser uma atitude prudente em doentes com risco. Em alternativa
à HCG, o desencadeamento da onda de LH
endógena, com agonistas da GnRH, promoverá a maturação ovocitária final.
Alguns autores utilizaram profilacticamente a albumina endovenosa no momento da
punção folicular, pretendendo assim reduzir
o risco de desenvolvimento da síndrome de
hiperestimulação221. Quanto ao benefício
deste procedimento, os resultados de vários
estudos não são conclusivos.
Outros pretenderam associar um aumento
do risco de cancro do ovário aos agentes
plos que nos recém-nascidos de parto único.
Também a percentagem de prematuridade
(menos de 37 semanas) é, na gravidez gemelar, superior a 40%, o que é desfavorável em relação aos 10% das gestações de feto único. Os
riscos de morbilidade e mortalidade perinatais
relacionados com a prematuridade e o baixo
peso são maiores à medida que aumenta o
número de fetos em gestação. Alguns estudos
recentes mostram uma incidência de paralisia
cerebral cinco vezes superior na gestação gemelar dupla e 17 vezes na gestação de triplos,
quando comparadas com a de feto único. O
risco de pelo menos uma das crianças ter paralisia cerebral é estimado de 1 a 5% na gestação
dupla, 8% na tripla e quase 50% na quádrupla.
Apesar destes factos e de a tendência ter
vindo a declinar, o registo ESHRE de 2009
(ano 2005) mostra ainda percentagens de
partos duplos de 21%, e de 1% de triplos8.
É porém verdade que a transferência sistemática de um único embrião não é uma política
aceitável, para os casais e para os médicos,
que pretendem conciliar a maior taxa de êxito
com o menor risco. É então possível identificar um perfil de risco, i.e., grupos de doentes
com risco aumentado de gravidez múltipla
e de complicações no caso de ela ocorrer e,
60
50
40,2%
0.9*
40
32.0*
30
20
10
0
36,9%
5.2*
32.0*
13,2%
2.3*
67.1*
62.9*
32,0%
4.9*
32.2*
4.5*
29.5*
62.9*
66.0*
4
5+
97.7*
1
2
3
26,6%
Número de embriões transferidos
Triplos ou mais
Duplos
Únicos
Figura 43. Nados vivos por transferência e percentagens de partos múltiplos em FIV/ICSI (fonte: CDC, 2003).
Infertilidade
63
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Nados vivos por transferência (percentagem)
Claro, que a percentagem de gestações múltiplas está directamente relacionada com o
número de embriões transferidos em cada
ciclo de tratamento. A ilusão de que com o
aumento do número de embriões transferidos se conseguiriam mais elevadas percentagens de «sucesso» não correspondeu à realidade, porque a partir da transferência de
mais de dois embriões o número de recémnascidos vivos diminui (Fig. 43).
Conhecidos também melhor os riscos da gestação múltipla, para a mãe e para o feto, de
que são exemplos os aumentos das incidências de abortamento, pré-eclampsia, eclampsia, hemorragia anteparto, parto pré-termo,
atraso do crescimento intra-uterino, aumento
dos partos cirúrgicos, baixo peso ao nascer
independentemente da idade gestacional,
prematuridade, paralisia cerebral, retinopatia,
surdez, problemas placentares e até malformações congénitas entre outros, a tendência
dos últimos anos tem sido a de reduzir a um
ou dois o número de embriões transferidos
por ciclo e criopreservar eventuais embriões
supranumerários. Mas mesmo limitando a
dois o número de embriões transferidos, há
que ter em mente que a mortalidade perinatal
é cinco a seis vezes superior nos gémeos du-
5.8.3. MICROINJECÇÃO INTRACITOPLASMÁTICA
DO ESPERMATOZÓIDE (ICSI)
As técnicas de fecundação in vitro continuam
a revelar resultados insuficientes por tentativa com transferência (±30%), agravados em
alguns casos particulares, como os das situações motivadas por infertilidade masculina,
nas quais os êxitos ocorrem ainda em menor
percentagem. Foi este facto que motivou o
desenvolvimento de diversas técnicas de microfertilização, como a «dissecção parcial da
zona» ou a «inseminação subzonal».
A injecção intracitoplasmática de espermatozóide é o último passo do desenvolvimento das técnicas de microfertilização, predominantemente indicadas com o objectivo de
ultrapassar a subfertilidade masculina, mas
também utilizada em situações de reduzido
número de ovócitos e de ausência de fecundação em FIV, permitindo alcançar percentagens de gravidez (mesmo em caso de infertilidade masculina muito grave) idênticas às
da fecundação in vitro efectuada com outras
indicações140,141.
A primeira fase do tratamento é essencialmente clínica e comum à generalidade dos ci-
clos de fecundação in vitro, assentando numa
manipulação medicamentosa do eixo hipotálamo/hipófise/gónadas, com vista à obtenção de um razoável número de ovócitos (6/7)
que possa ser utilizado para fertilização.
Os procedimentos de colheita de ovócitos e
os de laboratório são idênticos ao já descrito para FIV mas, após incubação, os ovócitos
são novamente lavados em meio próprio e
desnudados das células que os rodeiam, por
meios bioquímicos (que utilizam a acção da
enzima hialorunidase em substituição da
acção do acrossoma do espermatozóide). O
processo continua, com lavagens sucessivas
que retiram o excesso de enzima e permitem o descolamento das células da granulosa. Podem então observar-se com nitidez
as maturações nuclear e do citoplasma, bem
como a textura do ooplasma.
O fluido seminal é removido do ejaculado
por intermédio de lavagens e centrifugações
sucessivas, para selecção dos espermatozóides com melhores morfologia e motilidade.
A injecção intracitoplasmática do espermatozóide é efectuada em placa aquecida a 37o
num microscópio invertido com ampliação
de 400x (Fig. 44). A agulha de injecção e a
pipeta de holding (que imobiliza o ovócito)
são constituídas por tubos capilares de vidro
com um calibre de cerca de 0,009 e 0,0048
mm respectivamente (Fig. 44).
Figura 44. Microscópio invertido; holding e agulha de microinjecção.
64
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partindo de uma política geral de transferência de dois embriões, realizar nessas doentes,
a transferência de um único embrião.
Figura 45. Microinjecção ICSI.
Com o ovócito imobilizado, a pipeta que
contém o espermatozóide penetra no oolema pela posição das três horas (para evitar
o fuso acromático) e aspira um pouco de
ooplasma para melhor envolver o espermatozóide, que é em seguida microinjectado
(Figs. 46 e 47). A pipeta de injecção é retirada
lenta e cuidadosamente. A figura 48 resume
os procedimentos.
O ovócito é libertado da holding e transferido para um meio de cultura apropriado ao
seu desenvolvimento e o procedimento repetido em outros ovócitos em metáfase II.
Dezasseis a dezoito horas mais tarde, pode
constatar-se que os ovócitos fecundados
possuem dois pronúcleos e dois glóbulos
polares (Fig. 27). Habitualmente os dois pronúcleos estão muito próximos, formando
um anel duplo ou figura de oito.
A primeira divisão celular (embrião de duas
células) observa-se entre as 24 e as 30 horas
(Fig. 28), às 48 pode identificar-se o embrião
com quatro células (Fig. 29), às 72 com oito
(Fig. 30) e posteriormente com 12.
O embrião é mantido em estufa, em meios
de cultura apropriados, e cerca das 96 horas
após fecundação (4.o/5.o dia) é possível observar que deu origem a um blastocisto (Fig.
32) que é transferido para a cavidade uterina,
cuja mucosa foi entretanto preparada com
progesterona administrada por via vaginal.
Figura 46. Microinjecção ICSI.
Figura 47. Microinjecção ICSI.
Infertilidade
65
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Os espermatozóides são colocados em meio
viscoso, polivinilpirrolidona (PVP), que lhes
dificulta os movimentos. A completa imobilização é conseguida por intermédio da
pipeta de injecção e por pressão realizada
na cauda do espermatozóide contra o fundo da placa.
Em seguida, o gâmeta masculino é lentamente aspirado pela cauda, num processo
que está facilitado pelo uso de um circuito
de óleo mineral ao qual a agulha se encontra ligada.
O ovócito é fixado por pressão negativa à
pipeta holding, com o glóbulo polar posicionado às 6 ou 12 horas (Fig. 45).
Punção folicular
Pesquisa dos
ovócitos
Desnudação enzimática
dos ovócitos
Preparação e tratamento do esperma
Figura 48. Resumo esquemático ICSI. (cortesia de Alice Pinto).
Microinjecção intracitoplasmática de espermatozóide – material e procedimentos
Material
Frasco estéril para colheita do esperma
Estufa de CO2 a 37 oC
Lâminas e lamelas
Microscópio
Câmara de Neubauer
Centrífuga
Tubos de centrífuga
SPM
SSS
Catéter de transferência
Agulhas de gauge estéreis para todas as seringas
Pipetas Pasteur estéreis para as lavagens do
esperma
Tetina
Micropipeta e pontas de micropipeta
Câmara de fluxo laminar
Todos os meios são pré-equilibrados durante 24 h na estufa de CO2 a 37 oC.
Procedimentos
Dia –1
— Preparar cinco tubos contendo:
v Tubo 1: 10 ml de SPM.
66
v Tubo 2 e 3: 4 ml de gradiente de 80 e
55% em cada.
v Tubo 4: 10 ml de PBS.
v Tubo 5: 7 ml de parafina.
— Preparar uma placa de quatro poços de
meio de cultura. Os poços 1 e 2 devem
ser preenchidos com 0,7 ml de IVF e os
poços 3 e 4 com 0,7 ml de ISM1.
— Colocar tudo o que foi preparado na estufa.
Dia 0
A primeira fase de uma ICSI é a punção folicular, pelo que devem ser seguidos os passos descritos no respectivo protocolo de
punção.
— Colocar os ovócitos depois de pesquisados e isolados no poço número 1 da
placa de quatro poços, na estufa, a 37 oC,
três a quatro horas.
— Centrifugar, por centrifugação fraccionada,
o líquido espermático com SSS 80 e 55%,
colocando por fim o esperma. São necessários cuidados para que os diferentes
líquidos não se misturem. Este passo é praticado a 1.800 rpm durante 20 minutos.
— O sobrenadante é retirado, acrescentando-se ao tubo, SPM, levando-o a centrifugar durante 10 minutos a 1.100 rpm.
Esta alínea é repetida mais uma vez.
Capítulo 28
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Estimulação
ovárica
Desnudação dos ovócitos
Antes do procedimento laboratorial:
Coloca-se uma placa de quatro poços a estabilizar na estufa cerca de duas horas antes da
desnudação propriamente dita. Esta placa
contém no poço número 1 0,3 ml de hydase,
poço número 2 e 3 cerca de 0,4 ml de SPM
e por fim no poço número 4, 0.5 ml de SPM.
É de notar que os poços 1,2,3 são cobertos
com parafina aquecida.
— Transferem-se os ovócitos do poço 1
para a placa de quatro poços, isto é para
o poço número 1 que contem a hidase.
Devem permanecer na placa não mais
de 30 segundos, sendo aspirados cuidadosamente com ajuda de pipeta de
forma a facilitar a libertação das células
foliculares.
— Os ovócitos são de seguida transferidos
sucessivamente para os restantes poços
onde a desnudação é realizada com a
ajuda da pipeta apropriada.
— No final, transferem-se os ovócitos desnudados para o poço 2 da placa de quatro poços inicial onde ficam a aguardar a
ICSI na estufa 2. A microinjecção só deve
ser efectuada no mínimo uma hora após
a desnudação.
Após a microinjecção os ovócitos são colocados nos poços 3 e 4 da placa de quatro poços.
Para o dia seguinte deve ser colocada a
equilibrar na estufa uma placa de Petri com
o número de gotas igual ao número de ovócitos sobre parafina (cada gota deve ser de
20 ul de ISM1).
Dia 1 (18-20 horas após a inseminação):
— Os ovócitos com 2PN devem ser transferidos para a placa de ISM1. Os ovócitos
com 3PN devem ser de imediato eliminados e os ovócitos não fecundados devem
ser avaliados mais tarde.
— Colocar os zigotos na placa com gotas de
meio de cultura de embriões estabilizada.
Infertilidade
— Colocar novamente na estufa a 37 oC sob
atmosfera de CO2.
Dia 2 (44-48 horas após a inseminação):
— Retirar a placa com os embriões da estufa.
— Verificar e registar a clivagem e qualidade embrionária.
— Colocar os embriões novamente na estufa a 37 oC sob atmosfera de CO2.
— Se transferência dia 5:
v Colocar em estufa de CO2 a 37 oC uma
placa de nunc ref. 153066 com gotas
de 20 μl de meio de ISM2 para embriões com número igual ao de ovócitos
seleccionados para cultura prolongada (sob parafina).
Dia 3 (70-72 horas após a inseminação):
— Retirar as placas com os embriões da estufa.
— Verificar e registar a clivagem e qualidade embrionária.
— Colocar os embriões novamente na estufa a 37 oC sob atmosfera de CO2.
— Se transferência dia 5:
v Colocar os embriões na placa de ISM2
com gotas de meio de cultura de embriões estabilizada.
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Capitulo XXVIII