TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2011.0000099680 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 051898991.2000.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes GUSTAVO DE SOUZA e R F IMOVEIS ADMINISTRAÇAO DE BENS E CONDOMINIOS S C sendo apelado/apelante WANDA GONÇALVES DIAS, Apelados MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO, SAMUEL BEZERRA, SEVERINO BEZERRA DE LIMA (POR CURADOR), ASSOCIAÇAO PRO LEGALIZAÇAO DO LOTEAMENTO PEDRA AZUL e GILDAZIO DA SILVA CAIRES. ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU GUSTAVO DE SOUZA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ WANDA GONÇALVES DIAS E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ R. F. IMÓVEIS ADMINISTRAÇÃO DE BENS E CONDOMÍNIOS S/C LTDA., COM OBSERVAÇÃO, V. U. ", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FÁBIO QUADROS (Presidente sem voto), ENIO ZULIANI E TEIXEIRA LEITE. São Paulo, 7 de julho de 2011 FRANCISCO LOUREIRO RELATOR Assinatura Eletrônica TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação Cível no 0518989-91.2000.8.26.0100 Comarca: SÃO PAULO Juiz: ROGÉRIO MURILLO PEREIRA CIMINO Apelante: GUSTAVO DE SOUZA E OUTROS Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO E OUTROS VOTO No 13.170 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Regularização de loteamento Legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizamento da ação, que envolve interesses urbanísticos, ambientais e direito fundamental à moradia digna Reconhecimento da ilegitimidade ad causam passiva do réu sócio de uma das pessoas jurídicas requeridas e dos membros da associação de moradores que figuraram individualmente no pólo passivo do feito Condenação da ré proprietária formal do imóvel que deve ser limitada ao consentimento para os atos necessários à devida transferência do domínio Responsabilidade dos loteadores e da pessoa jurídica que administrou a carteira do loteamento pelas irregularidades verificadas Ausência de aprovação do loteamento pelos órgãos municipais competentes e do registro imobiliário, exigidos pelos arts. 12 e 18 da Lei n. 6.766/79 Obras básicas de infra-estrutura ainda não implantadas Ação procedente, para condenar os réus a promover a regularização do empreendimento e a implementação das obras necessárias, bem como indenizar os adquirentes lesados, nos termos postulados na inicial Recurso do réu Gustavo de Souza provido, da ré Wanda Gonçalves Dias parcialmente provido e da ré R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. não provido, com observação. São recursos de apelação interpostos contra a sentença de fls. 1342/1346 dos autos, que julgou procedente a ação Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 2/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo civil pública para regularização de loteamento ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra R. F. IMÓVEIS ADMINISTRAÇÃO DE BENS E CONDOMÍNIOS S/C LTDA. E OUTROS, para o fim de determinar aos réus que regularizem o Loteamento Pedra Azul, indenizem os compradores dos lotes excluídos, reparem os prejuízos causados ao poder público e paguem ao Município as despesas relativas à desapropriação das áreas necessárias. Fê-lo a sentença recorrida, sob o argumento de que os documentos constantes dos autos demonstram que os réus promoveram o parcelamento do solo e venda dos lotes do Loteamento Pedra Azul, sem providenciar a aprovação nos órgãos competentes, em afronta às exigências legais impostas pela Lei n. 6.766/79, prejudicando, assim, a coletividade em geral, relativamente ao aproveitamento adequado e seguro do espaço urbano. Reconheceu a sentença a obrigação dos réus de promoverem a regularização requerida pelo Ministério Público, em defesa do interesse público. O recorrente Gustavo de Souza alega, preliminarmente, sua ilegitimidade ad causam passiva, pois na condição de sócio da R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA., com participação de apenas 1% no capital social, não opinava nas decisões da empresa nem obtinha lucro com o parcelamento do solo realizado. No mérito, alega que provas dos autos indicam que apenas os sócios Firmino Samuel Bezerra e Severino Bezerra de Lima foram os idealizadores e executores do loteamento questionado. Pugna pelo provimento de seu recurso (fls. 1355/1359). Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 3/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Também recorreu a ré R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA, argüindo, em preliminares, a ilegitimidade do Parquet para figurar no pólo ativo do feito, pois os interesses tutelados não seriam indisponíveis nem homogêneos, e sua ilegitimidade ad causam passiva, pois na condição de mera intermediária do loteamento, não seria responsável por sua regularização, mas sim os adquirentes dos lotes, pela associação constituída para tal fim. No mérito, aduz basicamente inexistirem provas dos danos ambientais alegados. Pede seja provido o seu recurso (fls. 1382/1397). Da sentença apelou ainda a requerida Wanda Gonçalves Dias, alegando, preliminarmente, a nulidade da sentença, por cerceamento de seu direito de defesa. No mérito, argumenta, em síntese, não poder ser responsabilizada pelo loteamento irregular meramente porque figura como proprietária do terreno na certidão de matrícula do imóvel. Afirma que apenas alienou o bem, e por isso não poderia ser penalizada pelo fato de que os adquirentes não procederam à transferência do domínio. Acrescenta, por fim, ser atribuição do Município fiscalizar a ocupação do solo urbano, não sua. Requer o provimento de seu apelo (fls. 1416/1427). Os recursos fora contrariados (fls. 1433/1440). O parecer da D. Procuradoria Geral de Justiça foi no sentido do improvimento dos recursos (fls. 1453/1466). É o relatório. 1. A preliminar de ilegitimidade ad causam ativa do Ministério Público deve ser rejeitada. Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 4/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Em relação ao tema, cumpre de pronto observar que a questão da regularização de loteamentos envolve interesses que transcendem, em muito, o simples prejuízo patrimonial dos adquirentes dos lotes. O direito à moradia digna é considerado fundamental pelo artigo 7º. da Constituição Federal. Disso decorre que ainda que não houvesse outros interesses urbanísticos e ambientais em jogo, os interesses homogêneos dos adquirentes dos lotes são de ordem pública e podem ser defendidos em ação civil pública patrocinada pelo Ministério Púbico. Parece claro que o loteamento irregular, sem a aprovação da Municipalidade e sem Registro Imobiliário, exigidos pelos arts. 12 e 18 da Lei n. 6.766/79, além de carecer de obras de infra-estrutura, afeta vários outros interesses de ordem pública. A ausência de guias e sarjetas provoca o escoamento errôneo das águas pluviais, com conseqüente assoreamento de rios e áreas de erosão. As vias públicas, que integram a malha viária do município, serão de difícil trânsito não somente dos moradores, mas de quantos as utilizem como acesso. A falta de iluminação pública afeta diretamente a questão da segurança. A incorreta implantação do loteamento fere sobretudo interesses urbanísticos, além de prejudicar o direito fundamental à moradia, impedindo que os compradores adquiram validamente a propriedade dos lotes. A matéria não é nova e já se encontra surrada por dezenas de julgados dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 5/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Justiça do Estado de São Paulo. Ficou assentado, assim, que “o Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública visando à regularização de loteamentos urbanos destinados à moradia popular” (STJ, REsp 601981 / SP Ministra ELIANA CALMON). Em caso idêntico ao ora em exame, foi fixado que o “Ministério Público é parte legítima para a defesa dos interesses dos compradores de imóveis loteados, em razão de projetos de parcelamento de solo urbano, face a inadimplência do parcelador na execução de obras de infra-estrutura ou na formalização e regularização Francisco dos loteamentos” Peçanha Martins, (RESP Segunda 137.889/SP, Turma, Ministro julgado em 06.04.2000, DJ 29.05.2000, pág. 136) Isso porque, na esteira do acima se afirmou, “o Ministério Público é parte legítima para propor Ação Civil Pública para discutir a regularização de loteamento relacionada ao desenvolvimento urbano, pois neste caso trata-se de interesses difusos e coletivos não referentes a pessoas determinadas e sobre bens não disponíveis. É dever constitucional do Ministério Público a defesa do patrimônio público e social, dos interesses difusos e coletivos e de outras funções compatíveis com a sua natureza” (art. 129, III e IX C.F.)” (REsp 436166/SP, Ministro JOSÉ DELGADO). Diga-se que a legitimidade do Ministério Público deve ser admitida com largueza, em razão de um segundo papel, qual seja, “em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 6/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo o Poder Judiciário da maior praga que o aflige: a repetição de processos idênticos” (RESP 404.759/SP, Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 17.12.2002, DJ 17.02.2003, pág. 226). 2. A preliminar de ilegitimidade da R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. para figurar no pólo passivo do feito também não deve ser acolhida. Os documentos que acompanharam a inicial demonstraram que, embora a pessoa jurídica requerida não tenha promovido diretamente o parcelamento do solo, obrigou-se contratualmente a administrar sua respectiva carteira de recebíveis, conhecedora das irregularidades que cercavam o empreendimento (fls. 75/80). A argumentação no sentido de que, na condição de mera intermediária do negócio, não seria responsável por sua regularização, mas sim os adquirentes dos lotes, além de frágil, beira à má-fé. Imperioso mencionar desde logo que a pessoa jurídica R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. adquiriu o imóvel em questão da ré Wanda Gonçalves Dias (cf. fls. 81/83) e, sem antes proceder à transferência do domínio, prometeu-o à venda aos réus Firmino Samuel Bezerra e Severino Bezerra de Lima (cf. fls. 54/56), estes sim confessadamente responsáveis pelo loteamento irregular (cf. fls. 73/74). Ou seja, a ré não só alienou o imóvel a terceiros sabedora da impossibilidade de transferir-lhes a propriedade Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 7/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo do bem, uma vez que não procedera ao registro do título constitutivo da propriedade comprometeu-se do Cartório do contratualmente Registro a de administrar Imóveis, a como carteira de loteamento irregular, passando a receber as parcelas do preço paga pelos promitentes compradores dos lotes. Parece claro que a pessoa jurídica atuou muito além de simples intermediária, participando ativamente da administração e promoção de vendas de parcelamento que sabia clandestino. Como se vê, inequívoca a legitimidade da ré R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. para figurar no pólo passivo do feito. 3. A preliminar de cerceamento de defesa invocada pela ré Wanda Gonçalves Dias igualmente deve ser rejeitada. Não merece prosperar a alegação da requerida de que o julgamento antecipado da lide impossibilitou a produção da prova pericial pretendida. Em sua contestação, protestou a ré genericamente pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos (fls. 1288/1294), além do que, mesmo nas razões de apelação, não esclareceu quais fatos desejava ou poderia provar através de eventual perícia. Como se não bastasse, o feito já se encontrava amplamente instruído, em razão do que, com fundamento no art. 330, Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 8/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo I, estava o D. Magistrado a quo autorizado a julgar antecipadamente a lide. A irregularidade do parcelamento do solo é fato incontroverso, não somente pela ausência de aprovação e de registro, como pelas fotografias que atestam a inexistência de obras mínimas de infraestrutura. Somados os fatores expostos, e a inexistência de mínimo indício de que o julgamento antecipado do feito tenha acarretado prejuízos à ré, impõe-se a rejeição também da preliminar de nulidade da sentença por cerceamento do direito de defesa. 4. Já a preliminar de ilegitimidade ad causam passiva suscitada pelo réu Gustavo de Souza merece prosperar. Assiste razão ao requerido ao alegar que, na condição de sócio com pequena participação no capital social da R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA., não pode ser responsabilizado pelos atos por ela praticados. Lembre-se que o aludido réu só poderia ser responsabilizado diretamente pelo loteamento irregular em caso de desconsideração da personalidade jurídica da empresa R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA., esta sim envolvida diretamente com a conduta ilícita. O parágrafo 5º. do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor é expresso ao admitir a desconsideração da personalidade jurídica “sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Recebeu o dispositivo diversas críticas da doutrina, por se afastar da construção teórica tradicional da desconsideração da Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 9/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo pessoa jurídica (cfr. Fábio Ulhoa Coelho, Comentários ao CDC, Juarez de Oliveira, p. 146). O certo, porém, é que embora mereça o instituto ser aplicado com cautela e parcimônia, pode haver a desconsideração quando evidenciado que a personalidade da pessoa jurídica constitui óbice ao justo ressarcimento do consumidor, abrangendo as hipóteses da teoria ultra vires e da teoria da aparência, em homenagem à confiança do consumidor, mola de toda relação jurídica (Genaceia da Silva Alberton, A desconsideração da Personalidade Jurídica no CDC: aspectos processuais, in Revista do Direito do Consumidor, p. 75). Disso decorre que a responsabilidade das pessoas naturais se subordina à eventual dificuldade na satisfação da obrigação sobre o patrimônio das pessoas jurídicas devedoras primárias. No caso em tela, afigura-se inviável promover desde já a desconsideração da personalidade jurídica da empresa R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. para atingir o patrimônio de seus sócios, sem antes constatar a impossibilidade de adimplemento de suas obrigações. Apenas depois de esgotadas as diligências cabíveis e razoáveis em busca de bens da pessoa jurídica, suficientes para satisfação dos créditos e cumprimento das determinações impostas no caso em tela, é que se poderia cogitar do acolhimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, com fulcro no que dispõe o art. 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 0/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Consumidor. Desse modo, acolho a preliminar suscitada por Gustavo de Souza para excluí-lo do pólo passivo da lide, extinguindo em relação a ele o feito, sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. 5. Em relação aos réus Arnaldo Parente e Gildásio da Silva Caires, revéis no presente feito, reconheço, de ofício, sua ilegitimidade ad causam passiva e também determino sua exclusão do feito, o mesmo não se aplicando, porém, à Associação Pró-legalização do Loteamento Pedra Azul. O Parquet justificou a inclusão dos referidos réus na demanda com base no fato de que eles também realizaram vendas de lotes. Na verdade, inexistem provas nos autos das alienações alegadas; há tão somente documentos a evidenciar que a Associação recebeu inúmeras parcelas do preço dos compromissários compradores dos lotes (fls. 511/512, 525, 529/530, 596, 600/601, entre outros). O mero recebimento dos valores relativos às prestações do preço não é indicativo de que a Associação procedeu à venda dos lotes, pois o numerário serviria justamente à regularização do loteamento objetivada pela entidade, criada com este fim específico. Por outro lado, uma vez que a Associação dispõe de tais valores, nada mais justo que figure no pólo passivo da demanda, a fim de contribuir para a promoção da regularização na exata proporção dos valores aferidos dos adquirentes dos lotes. Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 1/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Em outras palavras, a responsabilidade da Associação não abrange toda a condenação, mas apenas a restituição do valor que recebeu dos adquirentes para regularizar o parcelamento, o que não fez. A propósito, de acordo com os documentos de fls. 93/100, a Associação foi constituída pelos próprios compromissários compradores do Loteamento Pedra Azul, com o objetivo, como já dito, de promover sua regularização perante os órgãos pertinentes, sendo que o Sr. Arnaldo Parente era o advogado que defendia a entidade, e o Sr. Gildásio da Silva Caires era o presidente da Associação. Uma vez que os requeridos Arnaldo Parente e Gildásio da Silva Caires apenas representavam a Associação em questão, não vislumbro motivo razoável, a princípio, para que respondam pela regularização do loteamento, muito menos para que arquem com as indenizações estabelecidas na sentença. Desse modo, determino, de ofício, a exclusão dos réus Arnaldo Parente e Gildásio da Silva Caires do pólo passivo da demanda, extinguindo em relação a eles o feito, sem julgamento do mérito, com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. 6. Finalmente, em relação à ré Wanda Gonçalves Dias, embora tenha alegado no mérito de seu recurso não ser responsável pelo loteamento irregular promovido, cabível a análise da questão sob o prisma de sua legitimidade ad causam passiva. Pois bem, as inúmeras provas documentais trazidas aos autos demonstram que a requerida em questão era Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 2/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo proprietária de imóvel de quase 20.000 m² situado na Vila Carmozina, em Guaianazes, São Paulo (fls. 51) e o vendeu, através de contrato de compromisso de compra e venda, à empresa R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. (cf. fls. 81/83). Ao que parece, o preço convencionado foi pago, tanto que a posse do imóvel foi entregue à adquirente, o que, por força de cláusula contratual expressa, só ocorreria quando do pagamento da última parcela. Ademais, nenhum dos contratantes alegou inadimplemento do referido pacto. No entanto, a compromissária compradora não procedeu à transferência da titularidade do bem, mediante o registro do título translativo de propriedade no Cartório do Registro de Imóveis. Por tal motivo, figura até a hoje a requerida como proprietária do imóvel. Só que não se pode desconsiderar que aludida propriedade é meramente formal, vazia do conteúdo, diante do cumprimento integral pelas partes do contrato de compromisso de compra e venda celebrado. A requerida não pode mais usar, fruir ou dispor do bem, não possui mais qualquer das prerrogativas inerentes ao direito de propriedade sobre o imóvel. Só pode a ré anuir com a transferência do domínio, a qual possibilitará a regularização do loteamento no caso em tela. Por tal motivo é que a requerida Wanda Gonçalves Dias deve ser mantida no pólo passivo do feito. Embora não tenha promovido o loteamento irregular nem para ele contribuído, Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 3/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo deve permanecer como ré na demanda, tão somente para o fim de anuir com as medidas necessárias à transferência da titularidade do bem. Saliente-se, uma vez mais, que a responsabilidade da requerida limita-se ao consentimento para os atos necessários à regularização do loteamento. Uma vez que não participou, de qualquer modo, do parcelamento irregular do terreno que fora de sua propriedade, não pode ser condenada a arcar, por exemplo, com as indenizações devidas pelos danos causados. 7. Fixadas estas premissas, no mérito, o decreto de procedência da ação deve ser mantido. A clandestinidade e irregularidade do parcelamento do solo são patentes. Houve abertura de vias públicas e a alienação de glebas com posse localizada, sob a fraude à lei de vendas de partes ideais. O loteamento é a um só tempo clandestino, pois não aprovado pelos órgãos competentes e levado ao registro imobiliário, e irregular, pois não implantadas obras básicas de infraestrutura. Foram os réus Firmino Samuel Bezerra e Severino Bezerra de Lima que, após adquirirem o terreno da R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA.(fls. 54/56), promoveram seu loteamento sem tomar as inúmeras providências legais necessárias, e passaram a vender os lotes à população de baixa renda. Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 4/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Os próprios requeridos não negam a conduta a eles imputada (fls. 73/74), que só foi confirmada pelas inúmeras cópias dos contratos de compromisso de compra e venda juntadas às fls. 204/401, entre outras. E, segundo foi apurado pelo Ministério Público, a ré R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. não só alienou o bem aos réus Firmino Samuel Bezerra e Severino Bezerra de Lima sem possuir seu domínio, como também assumiu contratualmente a obrigação de administrar a carteira do loteamento, recebendo as prestações pagas pelos promitentes compradores (fls. 73/74 e 78/60). Como se não bastassem os evidentes prejuízos causados aos adquirentes dos lotes e as violações às normas urbanísticas decorrentes do parcelamento irregular, a ocupação dos lotes se deu através da supressão de mata nativa em área considerada patrimônio ambiental, acarretando inequívocos danos também nesta seara (cf. laudo pericial de fls. 1208/1216). 8. E, no caso em apreço, os lotes nem sequer poderiam ter sido oferecidos ao público. Os contratos de compromisso de compra e venda dos lotes, firmados com os adquirentes, sujeitam-se às normas cogentes da L. 6.766/79, por se tratar de imóveis loteados. Entre as obrigações do loteador, que oferece lotes ao público, está a perfeição dominial do empreendimento. É texto expresso do artigo 37 da Lei do Parcelamento do Solo Urbano que há vedação da promessa de venda Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 5/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo de loteamento não registrado. Em tal hipótese abre-se ao promitente comprador obrigação alternativa: ou suspende os pagamentos até que o empreendimento seja regularizado; ou postula a resolução do contrato. No caso em tela, ao que parece, os pagamentos passaram a ser recebidos pela Associação Prólegalização do Loteamento Pedra Azul, a fim de evitar que as quantias entregues pelo promitentes compradores fossem utilizadas pelos loteadores para fins diversos da regularização pretendida. A circunstância, aliás, justificou a manutenção da Associação no pólo passivo do feito. No entanto, não se pode olvidar que os réus Firmino Samuel Bezerra, Severino Bezerra de Lima e R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. receberam montantes expressivos dos adquirentes. 9. A propósito, necessário ressaltar que os loteadores referidos também não executaram as obras básicas de infra-estrutura exigidas pelo artigo 2º, par. 6º. da L. 6.766/79, norma cogente. Em resumo, os requeridos Firmino Samuel Bezerra, Severino Bezerra de Lima e R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA., que negociaram indevidamente os lotes, encontram-se inadimplentes na obrigação de providenciar a regular aprovação e registro do loteamento, bem como de implantar as obras de infra-estrutura necessárias. Em virtude da prática ilícita perpetrada pelos aludidos réus, também estão obrigados a indenizar eventuais danos Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 6/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo causados aos compromissários compradores, decorrentes da necessária adequação do loteamento às normas urbanísticas e ambientais aplicáveis. A reparação deve se dar nos termos pleiteados pelo Ministério Público na inicial, mais precisamente às fls. 43/44 dos autos. As rés Associação Pró-legalização do Loteamento Pedra Azul e Wanda Gonçalves Dias estão obrigadas tão somente a contribuir para a regularização do loteamento através das medidas pertinentes. A Associação deverá restituir as quantias que recebeu dos adquirentes para a regularização não ultimada, devidamente atualizadas a contar do recebimento e acrescida de juros de mora legais a contar da citação. A co-ré Wanda deverá apenas prestar anuência a pedidos e atos necessários à transferência do imóvel e regularização dominial. De ofício, reconheço ainda a ilegitimidade ad causam passiva dos réus Arnaldo Parente e Gildásio da Silva Caires e determino, em relação aos mesmos, a extinção do feito sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Por fim, o recurso da ré R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. deve ser improvido, mantendo-se, no mais, o decreto de procedência da ação, com as ressalvas feitas alhures. Em suma: a) nego provimento ao recurso da ré R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA; b) dou parcial provimento ao recurso da ré Wanda Gonçalves Dias, para Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 7/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo os fins acima especificados; c) dou provimento ao recurso do réu Gustavo de Souza; d) excluo da lide Arnaldo Parente e Gildásio da Silva Caires. FRANCISCO LOUREIRO Relator Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 8/18