TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2011.0000099680
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 051898991.2000.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes GUSTAVO DE
SOUZA e R F IMOVEIS ADMINISTRAÇAO DE BENS E CONDOMINIOS S C
sendo apelado/apelante WANDA GONÇALVES DIAS, Apelados MINISTERIO
PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO, SAMUEL BEZERRA, SEVERINO
BEZERRA DE LIMA (POR CURADOR), ASSOCIAÇAO PRO LEGALIZAÇAO
DO LOTEAMENTO PEDRA AZUL e GILDAZIO DA SILVA CAIRES.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO
RECURSO
DO
RÉU
GUSTAVO
DE
SOUZA,
DERAM
PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ WANDA GONÇALVES DIAS E
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ R. F. IMÓVEIS
ADMINISTRAÇÃO DE BENS E CONDOMÍNIOS S/C LTDA., COM
OBSERVAÇÃO, V. U. ", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
FÁBIO QUADROS (Presidente sem voto), ENIO ZULIANI E TEIXEIRA LEITE.
São Paulo, 7 de julho de 2011
FRANCISCO LOUREIRO
RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Apelação Cível no 0518989-91.2000.8.26.0100
Comarca:
SÃO PAULO
Juiz:
ROGÉRIO MURILLO PEREIRA CIMINO
Apelante:
GUSTAVO DE SOUZA E OUTROS
Apelado:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO E
OUTROS
VOTO No 13.170
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Regularização de
loteamento Legitimidade ativa do Ministério Público
para ajuizamento da ação, que envolve interesses
urbanísticos, ambientais e direito fundamental à
moradia digna Reconhecimento da ilegitimidade ad
causam passiva do réu sócio de uma das pessoas
jurídicas requeridas e dos membros da associação de
moradores que figuraram individualmente no pólo
passivo do feito Condenação da ré proprietária formal
do imóvel que deve ser limitada ao consentimento para
os atos necessários à devida transferência do domínio
Responsabilidade dos loteadores e da pessoa jurídica
que administrou a carteira do loteamento pelas
irregularidades verificadas Ausência de aprovação do
loteamento pelos órgãos municipais competentes e do
registro imobiliário, exigidos pelos arts. 12 e 18 da Lei
n. 6.766/79 Obras básicas de infra-estrutura ainda não
implantadas Ação procedente, para condenar os réus
a promover a regularização do empreendimento e a
implementação das obras necessárias, bem como
indenizar os adquirentes lesados, nos termos postulados
na inicial Recurso do réu Gustavo de Souza provido,
da ré Wanda Gonçalves Dias parcialmente provido e da
ré R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios
S/C LTDA. não provido, com observação.
São recursos de apelação interpostos contra a
sentença de fls. 1342/1346 dos autos, que julgou procedente a ação
Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 2/18
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civil pública para regularização de loteamento ajuizada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra R. F.
IMÓVEIS ADMINISTRAÇÃO DE BENS E CONDOMÍNIOS S/C LTDA.
E OUTROS, para o fim de determinar aos réus que regularizem o
Loteamento Pedra Azul, indenizem os compradores dos lotes
excluídos, reparem os prejuízos causados ao poder público e paguem
ao Município as despesas relativas à desapropriação das áreas
necessárias.
Fê-lo a sentença recorrida, sob o argumento de
que os documentos constantes dos autos demonstram que os réus
promoveram o parcelamento do solo e venda dos lotes do Loteamento
Pedra Azul, sem providenciar a aprovação nos órgãos competentes,
em afronta às exigências legais impostas pela Lei n. 6.766/79,
prejudicando, assim, a coletividade em geral, relativamente ao
aproveitamento adequado e seguro do espaço urbano. Reconheceu a
sentença a obrigação dos réus de promoverem a regularização
requerida pelo Ministério Público, em defesa do interesse público.
O
recorrente
Gustavo
de
Souza
alega,
preliminarmente, sua ilegitimidade ad causam passiva, pois na
condição de sócio da R. F. Imóveis Administração de Bens e
Condomínios S/C LTDA., com participação de apenas 1% no capital
social, não opinava nas decisões da empresa nem obtinha lucro com
o parcelamento do solo realizado. No mérito, alega que provas dos
autos indicam que apenas os sócios Firmino Samuel Bezerra e
Severino Bezerra de Lima foram os idealizadores e executores do
loteamento questionado. Pugna pelo provimento de seu recurso (fls.
1355/1359).
Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 3/18
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Também
recorreu
a
ré
R.
F.
Imóveis
Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA, argüindo, em
preliminares, a ilegitimidade do Parquet para figurar no pólo ativo do
feito, pois os interesses tutelados não seriam indisponíveis nem
homogêneos, e sua ilegitimidade ad causam passiva, pois na
condição de mera intermediária do loteamento, não seria responsável
por sua regularização, mas sim os adquirentes dos lotes, pela
associação constituída para tal fim. No mérito, aduz basicamente
inexistirem provas dos danos ambientais alegados. Pede seja provido
o seu recurso (fls. 1382/1397).
Da sentença apelou ainda a requerida Wanda
Gonçalves Dias, alegando, preliminarmente, a nulidade da sentença,
por cerceamento de seu direito de defesa. No mérito, argumenta, em
síntese, não poder ser responsabilizada pelo loteamento irregular
meramente porque figura como proprietária do terreno na certidão de
matrícula do imóvel. Afirma que apenas alienou o bem, e por isso não
poderia ser penalizada pelo fato de que os adquirentes não
procederam à transferência do domínio. Acrescenta, por fim, ser
atribuição do Município fiscalizar a ocupação do solo urbano, não sua.
Requer o provimento de seu apelo (fls. 1416/1427).
Os recursos fora contrariados (fls. 1433/1440).
O parecer da D. Procuradoria Geral de Justiça
foi no sentido do improvimento dos recursos (fls. 1453/1466).
É o relatório.
1. A preliminar de ilegitimidade ad causam ativa
do Ministério Público deve ser rejeitada.
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Em relação ao tema, cumpre de pronto
observar que a questão da regularização de loteamentos envolve
interesses que transcendem, em muito, o simples prejuízo patrimonial
dos adquirentes dos lotes.
O direito à moradia digna é considerado
fundamental pelo artigo 7º. da Constituição Federal. Disso decorre
que ainda que não houvesse outros interesses urbanísticos e
ambientais em jogo, os interesses homogêneos dos adquirentes dos
lotes são de ordem pública e podem ser defendidos em ação civil
pública patrocinada pelo Ministério Púbico.
Parece claro que o loteamento irregular, sem a
aprovação da Municipalidade e sem Registro Imobiliário, exigidos
pelos arts. 12 e 18 da Lei n. 6.766/79, além de carecer de obras de
infra-estrutura, afeta vários outros interesses de ordem pública.
A ausência de guias e sarjetas provoca o
escoamento
errôneo
das
águas
pluviais,
com
conseqüente
assoreamento de rios e áreas de erosão. As vias públicas, que
integram a malha viária do município, serão de difícil trânsito não
somente dos moradores, mas de quantos as utilizem como acesso. A
falta de iluminação pública afeta diretamente a questão da segurança.
A incorreta implantação do loteamento fere sobretudo interesses
urbanísticos, além de prejudicar o direito fundamental à moradia,
impedindo que os compradores adquiram validamente a propriedade
dos lotes.
A matéria não é nova e já se encontra surrada
por dezenas de julgados dos Tribunais Superiores e do Tribunal de
Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 5/18
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Justiça do Estado de São Paulo.
Ficou assentado, assim, que “o Ministério
Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública visando à
regularização de loteamentos urbanos destinados à moradia popular”
(STJ, REsp 601981 / SP Ministra ELIANA CALMON).
Em caso idêntico ao ora em exame, foi fixado
que o “Ministério Público é parte legítima para a defesa dos interesses
dos compradores de imóveis loteados, em razão de projetos de
parcelamento de solo urbano, face a inadimplência do parcelador na
execução de obras de infra-estrutura ou na formalização e
regularização
Francisco
dos
loteamentos”
Peçanha
Martins,
(RESP
Segunda
137.889/SP,
Turma,
Ministro
julgado
em
06.04.2000, DJ 29.05.2000, pág. 136)
Isso porque, na esteira do acima se afirmou, “o
Ministério Público é parte legítima para propor Ação Civil Pública para
discutir
a
regularização
de
loteamento
relacionada
ao
desenvolvimento urbano, pois neste caso trata-se de interesses
difusos e coletivos não referentes a pessoas determinadas e sobre
bens não disponíveis. É dever constitucional do Ministério Público a
defesa do patrimônio público e social, dos interesses difusos e
coletivos e de outras funções compatíveis com a sua natureza” (art.
129, III e IX C.F.)” (REsp 436166/SP, Ministro JOSÉ DELGADO).
Diga-se que a legitimidade do Ministério
Público deve ser admitida com largueza, em razão de um segundo
papel, qual seja, “em verdade a ação coletiva, ao tempo em que
propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra
Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 6/18
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o Poder Judiciário da maior praga que o aflige: a repetição de
processos idênticos” (RESP 404.759/SP, Ministro Humberto Gomes
de Barros, Primeira Turma, julgado em 17.12.2002, DJ 17.02.2003,
pág. 226).
2. A preliminar de ilegitimidade da R. F. Imóveis
Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. para figurar no pólo
passivo do feito também não deve ser acolhida.
Os documentos que acompanharam a inicial
demonstraram que, embora a pessoa jurídica requerida não tenha
promovido
diretamente
o
parcelamento
do
solo,
obrigou-se
contratualmente a administrar sua respectiva carteira de recebíveis,
conhecedora das irregularidades que cercavam o empreendimento
(fls. 75/80).
A argumentação no sentido de que, na
condição de mera intermediária do negócio, não seria responsável por
sua regularização, mas sim os adquirentes dos lotes, além de frágil,
beira à má-fé.
Imperioso mencionar desde logo que a pessoa
jurídica R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C
LTDA. adquiriu o imóvel em questão da ré Wanda Gonçalves Dias (cf.
fls. 81/83) e, sem antes proceder à transferência do domínio,
prometeu-o à venda aos réus Firmino Samuel Bezerra e Severino
Bezerra de Lima (cf. fls. 54/56), estes sim confessadamente
responsáveis pelo loteamento irregular (cf. fls. 73/74).
Ou seja, a ré não só alienou o imóvel a
terceiros sabedora da impossibilidade de transferir-lhes a propriedade
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do bem, uma vez que não procedera ao registro do título constitutivo
da
propriedade
comprometeu-se
do
Cartório
do
contratualmente
Registro
a
de
administrar
Imóveis,
a
como
carteira
de
loteamento irregular, passando a receber as parcelas do preço paga
pelos promitentes compradores dos lotes.
Parece claro que a pessoa jurídica atuou muito
além
de
simples
intermediária,
participando
ativamente
da
administração e promoção de vendas de parcelamento que sabia
clandestino.
Como se vê, inequívoca a legitimidade da ré R.
F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. para
figurar no pólo passivo do feito.
3. A preliminar de cerceamento de defesa
invocada pela ré Wanda Gonçalves Dias igualmente deve ser
rejeitada.
Não merece prosperar a alegação da requerida
de que o julgamento antecipado da lide impossibilitou a produção da
prova pericial pretendida.
Em
sua
contestação,
protestou
a
ré
genericamente pela produção de todos os meios de prova em direito
admitidos (fls. 1288/1294), além do que, mesmo nas razões de
apelação, não esclareceu quais fatos desejava ou poderia provar
através de eventual perícia.
Como se não bastasse, o feito já se encontrava
amplamente instruído, em razão do que, com fundamento no art. 330,
Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 8/18
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I, estava o D. Magistrado a quo autorizado a julgar antecipadamente a
lide. A irregularidade do parcelamento do solo é fato incontroverso,
não somente pela ausência de aprovação e de registro, como pelas
fotografias que atestam a inexistência de obras mínimas de infraestrutura.
Somados os fatores expostos, e a inexistência
de mínimo indício de que o julgamento antecipado do feito tenha
acarretado prejuízos à ré, impõe-se a rejeição também da preliminar
de nulidade da sentença por cerceamento do direito de defesa.
4. Já a preliminar de ilegitimidade ad causam
passiva suscitada pelo réu Gustavo de Souza merece prosperar.
Assiste razão ao requerido ao alegar que, na
condição de sócio com pequena participação no capital social da R. F.
Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA., não pode
ser responsabilizado pelos atos por ela praticados.
Lembre-se que o aludido réu só poderia ser
responsabilizado diretamente pelo loteamento irregular em caso de
desconsideração da personalidade jurídica da empresa R. F. Imóveis
Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA., esta sim envolvida
diretamente com a conduta ilícita.
O parágrafo 5º. do art. 28 do Código de Defesa
do Consumidor é expresso ao admitir a desconsideração da
personalidade jurídica “sempre que sua personalidade for, de alguma
forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores”. Recebeu o dispositivo diversas críticas da doutrina,
por se afastar da construção teórica tradicional da desconsideração da
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pessoa jurídica (cfr. Fábio Ulhoa Coelho, Comentários ao CDC,
Juarez de Oliveira, p. 146).
O certo, porém, é que embora mereça o
instituto ser aplicado com cautela e parcimônia, pode haver a
desconsideração quando evidenciado que a personalidade da pessoa
jurídica constitui óbice ao justo ressarcimento do consumidor,
abrangendo as hipóteses da teoria ultra vires e da teoria da aparência,
em homenagem à confiança do consumidor, mola de toda relação
jurídica (Genaceia da Silva Alberton, A desconsideração da
Personalidade Jurídica no CDC: aspectos processuais, in Revista
do Direito do Consumidor, p. 75).
Disso decorre que a responsabilidade das
pessoas naturais se subordina à eventual dificuldade na satisfação da
obrigação sobre o patrimônio das pessoas jurídicas devedoras
primárias.
No caso em tela, afigura-se inviável promover
desde já a desconsideração da personalidade jurídica da empresa R.
F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. para
atingir o patrimônio de seus sócios, sem antes constatar a
impossibilidade de adimplemento de suas obrigações.
Apenas depois de esgotadas as diligências
cabíveis e razoáveis em busca de bens da pessoa jurídica, suficientes
para satisfação dos créditos e cumprimento das determinações
impostas no caso em tela, é que se poderia cogitar do acolhimento do
pedido de desconsideração da personalidade jurídica, com fulcro no
que dispõe o art. 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do
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Consumidor.
Desse modo, acolho a preliminar suscitada por
Gustavo de Souza para excluí-lo do pólo passivo da lide, extinguindo
em relação a ele o feito, sem julgamento do mérito, com fulcro no art.
267, VI, do Código de Processo Civil.
5. Em relação aos réus Arnaldo Parente e
Gildásio da Silva Caires, revéis no presente feito, reconheço, de ofício,
sua ilegitimidade ad causam passiva e também determino sua
exclusão do feito, o mesmo não se aplicando, porém, à Associação
Pró-legalização do Loteamento Pedra Azul.
O Parquet justificou a inclusão dos referidos
réus na demanda com base no fato de que eles também realizaram
vendas de lotes. Na verdade, inexistem provas nos autos das
alienações alegadas; há tão somente documentos a evidenciar que a
Associação recebeu inúmeras parcelas do preço dos compromissários
compradores dos lotes (fls. 511/512, 525, 529/530, 596, 600/601,
entre outros).
O mero recebimento dos valores relativos às
prestações do preço não é indicativo de que a Associação procedeu à
venda dos lotes, pois o numerário serviria justamente à regularização
do loteamento objetivada pela entidade, criada com este fim
específico.
Por outro lado, uma vez que a Associação
dispõe de tais valores, nada mais justo que figure no pólo passivo da
demanda, a fim de contribuir para a promoção da regularização na
exata proporção dos valores aferidos dos adquirentes dos lotes.
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Em outras palavras, a responsabilidade da
Associação não abrange toda a condenação, mas apenas a
restituição do valor que recebeu dos adquirentes para regularizar o
parcelamento, o que não fez.
A propósito, de acordo com os documentos de
fls.
93/100,
a
Associação
foi
constituída
pelos
próprios
compromissários compradores do Loteamento Pedra Azul, com o
objetivo, como já dito, de promover sua regularização perante os
órgãos pertinentes, sendo que o Sr. Arnaldo Parente era o advogado
que defendia a entidade, e o Sr. Gildásio da Silva Caires era o
presidente da Associação.
Uma vez que os requeridos Arnaldo Parente e
Gildásio da Silva Caires apenas representavam a Associação em
questão, não vislumbro motivo razoável, a princípio, para que
respondam pela regularização do loteamento, muito menos para que
arquem com as indenizações estabelecidas na sentença.
Desse modo, determino, de ofício, a exclusão
dos réus Arnaldo Parente e Gildásio da Silva Caires do pólo passivo
da demanda, extinguindo em relação a eles o feito, sem julgamento do
mérito, com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil.
6. Finalmente, em relação à ré Wanda
Gonçalves Dias, embora tenha alegado no mérito de seu recurso não
ser responsável pelo loteamento irregular promovido, cabível a análise
da questão sob o prisma de sua legitimidade ad causam passiva.
Pois bem, as inúmeras provas documentais
trazidas aos autos demonstram que a requerida em questão era
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proprietária de imóvel de quase 20.000 m² situado na Vila Carmozina,
em Guaianazes, São Paulo (fls. 51) e o vendeu, através de contrato
de compromisso de compra e venda, à empresa R. F. Imóveis
Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. (cf. fls. 81/83).
Ao que parece, o preço convencionado foi
pago, tanto que a posse do imóvel foi entregue à adquirente, o que,
por força de cláusula contratual expressa, só ocorreria quando do
pagamento da última parcela. Ademais, nenhum dos contratantes
alegou inadimplemento do referido pacto.
No entanto, a compromissária compradora não
procedeu à transferência da titularidade do bem, mediante o registro
do título translativo de propriedade no Cartório do Registro de Imóveis.
Por tal motivo, figura até a hoje a requerida como proprietária do
imóvel.
Só que não se pode desconsiderar que aludida
propriedade é meramente formal, vazia do conteúdo, diante do
cumprimento integral pelas partes do contrato de compromisso de
compra e venda celebrado.
A requerida não pode mais usar, fruir ou dispor
do bem, não possui mais qualquer das prerrogativas inerentes ao
direito de propriedade sobre o imóvel. Só pode a ré anuir com a
transferência do domínio, a qual possibilitará a regularização do
loteamento no caso em tela.
Por tal motivo é que a requerida Wanda
Gonçalves Dias deve ser mantida no pólo passivo do feito. Embora
não tenha promovido o loteamento irregular nem para ele contribuído,
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deve permanecer como ré na demanda, tão somente para o fim de
anuir com as medidas necessárias à transferência da titularidade do
bem.
Saliente-se,
uma
vez
mais,
que
a
responsabilidade da requerida limita-se ao consentimento para os atos
necessários à regularização do loteamento. Uma vez que não
participou, de qualquer modo, do parcelamento irregular do terreno
que fora de sua propriedade, não pode ser condenada a arcar, por
exemplo, com as indenizações devidas pelos danos causados.
7. Fixadas estas premissas, no mérito, o
decreto de procedência da ação deve ser mantido.
A
clandestinidade
e
irregularidade
do
parcelamento do solo são patentes. Houve abertura de vias públicas e
a alienação de glebas com posse localizada, sob a fraude à lei de
vendas de partes ideais.
O loteamento é a um só tempo clandestino,
pois não aprovado pelos órgãos competentes e levado ao registro
imobiliário, e irregular, pois não implantadas obras básicas de infraestrutura.
Foram os réus Firmino Samuel Bezerra e
Severino Bezerra de Lima que, após adquirirem o terreno da R. F.
Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA.(fls. 54/56),
promoveram seu loteamento sem tomar as inúmeras providências
legais necessárias, e passaram a vender os lotes à população de
baixa renda.
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Os próprios requeridos não negam a conduta a
eles imputada (fls. 73/74), que só foi confirmada pelas inúmeras
cópias dos contratos de compromisso de compra e venda juntadas às
fls. 204/401, entre outras.
E, segundo foi apurado pelo Ministério Público,
a ré R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA.
não só alienou o bem aos réus Firmino Samuel Bezerra e Severino
Bezerra de Lima sem possuir seu domínio, como também assumiu
contratualmente a obrigação de administrar a carteira do loteamento,
recebendo as prestações pagas pelos promitentes compradores (fls.
73/74 e 78/60).
Como se não bastassem os evidentes prejuízos
causados aos adquirentes dos lotes e as violações às normas
urbanísticas decorrentes do parcelamento irregular, a ocupação dos
lotes se deu através da supressão de mata nativa em área
considerada patrimônio ambiental, acarretando inequívocos danos
também nesta seara (cf. laudo pericial de fls. 1208/1216).
8. E, no caso em apreço, os lotes nem sequer
poderiam ter sido oferecidos ao público.
Os contratos de compromisso de compra e
venda dos lotes, firmados com os adquirentes, sujeitam-se às normas
cogentes da L. 6.766/79, por se tratar de imóveis loteados. Entre as
obrigações do loteador, que oferece lotes ao público, está a perfeição
dominial do empreendimento.
É texto expresso do artigo 37 da Lei do
Parcelamento do Solo Urbano que há vedação da promessa de venda
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de loteamento não registrado. Em tal hipótese abre-se ao promitente
comprador obrigação alternativa: ou suspende os pagamentos até que
o empreendimento seja regularizado; ou postula a resolução do
contrato.
No
caso
em
tela,
ao
que
parece,
os
pagamentos passaram a ser recebidos pela Associação Prólegalização do Loteamento Pedra Azul, a fim de evitar que as quantias
entregues pelo promitentes compradores fossem utilizadas pelos
loteadores para fins diversos da regularização pretendida. A
circunstância, aliás, justificou a manutenção da Associação no pólo
passivo do feito. No entanto, não se pode olvidar que os réus Firmino
Samuel Bezerra, Severino Bezerra de Lima e R. F. Imóveis
Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. receberam
montantes expressivos dos adquirentes.
9. A propósito, necessário ressaltar que os
loteadores referidos também não executaram as obras básicas de
infra-estrutura exigidas pelo artigo 2º, par. 6º. da L. 6.766/79, norma
cogente.
Em resumo, os requeridos Firmino Samuel
Bezerra, Severino Bezerra de Lima e R. F. Imóveis Administração de
Bens e Condomínios S/C LTDA., que negociaram indevidamente os
lotes, encontram-se inadimplentes na obrigação de providenciar a
regular aprovação e registro do loteamento, bem como de implantar
as obras de infra-estrutura necessárias.
Em virtude da prática ilícita perpetrada pelos
aludidos réus, também estão obrigados a indenizar eventuais danos
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causados
aos
compromissários
compradores,
decorrentes
da
necessária adequação do loteamento às normas urbanísticas e
ambientais aplicáveis. A reparação deve se dar nos termos pleiteados
pelo Ministério Público na inicial, mais precisamente às fls. 43/44 dos
autos.
As
rés
Associação
Pró-legalização
do
Loteamento Pedra Azul e Wanda Gonçalves Dias estão obrigadas tão
somente a contribuir para a regularização do loteamento através das
medidas pertinentes. A Associação deverá restituir as quantias que
recebeu dos adquirentes para a regularização não ultimada,
devidamente atualizadas a contar do recebimento e acrescida de juros
de mora legais a contar da citação. A co-ré Wanda deverá apenas
prestar anuência a pedidos e atos necessários à transferência do
imóvel e regularização dominial.
De ofício, reconheço ainda a ilegitimidade ad
causam passiva dos réus Arnaldo Parente e Gildásio da Silva Caires e
determino, em relação aos mesmos, a extinção do feito sem
julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de
Processo Civil.
Por fim, o recurso da ré R. F. Imóveis
Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA. deve ser improvido,
mantendo-se, no mais, o decreto de procedência da ação, com as
ressalvas feitas alhures.
Em suma: a) nego provimento ao recurso da ré
R. F. Imóveis Administração de Bens e Condomínios S/C LTDA; b)
dou parcial provimento ao recurso da ré Wanda Gonçalves Dias, para
Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 7/18
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
os fins acima especificados; c) dou provimento ao recurso do réu
Gustavo de Souza; d) excluo da lide Arnaldo Parente e Gildásio da
Silva Caires.
FRANCISCO LOUREIRO
Relator
Apelação nº 0518989-91.2000.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 13.170 – APF - 1 8/18
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