PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica Dissertação de Mestrado Cibercultura, Imaginário e Juventude A influência da Internet no imaginário de Jovens Brasileiros Lygia Socorro Sousa Ferreira Orientador: Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho São Paulo 2009 LYGIA SOCORRO SOUSA FERREIRA Cibercultura, Imaginário e Juventude A influência da Internet no imaginário de Jovens Brasileiros Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho. Área de Concentração: Signo e Significação nas Mídias Linha de Pesquisa: Cultura e Ambientes Midiáticos São Paulo 2009 BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ ______________________________________________ ______________________________________________ À minha Mãe. Não poderia dedicar esta vitória a outra pessoa. Afinal, ela só foi possível porque você esteve sempre ao meu lado. Nunca serei capaz de retribuir tudo o que tem feito por mim. Mas, qual o filho que consegue retribuir integralmente o amor de uma mãe? Infelizmente, todos nós somos impotentes diante dos gestos de cuidado e de carinho dispensados desde o nosso nascimento. Com o passar dos anos, quando se pensa que os “laços” foram rompidos com a chegada da rotina da vida adulta, qual a surpresa? Vemo-nos ainda mais ligados aos ensinamentos da mãe. A ligação umbilical “física”, de fato, foi rompida. No entanto, os laços sentimentais estão cada vez mais firmes, pois o tempo nos ensina a enxergar o quando a sua presença é importante. Então, minha mãe, Nazaré Ferreira, este Mestrado é para você. Ele representa a conclusão de mais uma etapa de minha vida. Sei que ainda estou apenas no começo, tenho muito a aprender. Porém tenha certeza de que é o meu exemplo de ser humano. Sua presença ajuda a dar sentido em minha vida e seus ensinamentos são a base que fundamenta o meu caminho. Você soube transmitir suas qualidades na firmeza de sua atitude; na sabedoria de suas palavras; nos seus gestos de carinho e de solidariedade; no silêncio dos seus sofrimentos e preocupações; na beleza do seu sorriso e na grandiosidade do seu AMOR. Neste instante, lembrei-me que há pouco tempo atrás, um poeta já dizia: “só as mães são felizes!”. É verdade, são felizes, simplesmente, porque vivem para amar. AGRADECIMENTO São cinco horas manhã. Já começo a ver, timidamente, os primeiros raios de sol em minha janela. Passei a noite acordada, terminando a Dissertação. Esta é a última página que escrevo. Não por ser a menos importante, pelo contrário, quero cuidadosamente, escrever nela os nomes das pessoas que me acompanharam ao longo deste percurso acadêmico. Meu primeiro agradecimento é a Deus por ter concedido o dom maior, o DOM da VIDA. Vida cheia de presentes. Presentes representados em forma de experiências e pessoas que me ensinam o quanto é maravilhoso viver. No transcurso destes dois anos, como qualquer ser humano, depareime com situações de alegria, mas também com dificuldades. Não foi fácil chegar ao fim. Muitas vezes, até pensei em não ser capaz de conseguir. Porém, todos que citarei nesta folha, direta ou indiretamente, ajudaram-me a concluir esta etapa. Peço desculpas àqueles que, eventualmente, não serão citados. Acreditem, não foi por esquecimento ou ingratidão. Simplesmente, porque é impossível; falta espaço para escrever todos os nomes das pessoas que são especiais para mim. Mas saibam que tenho todos guardados em meu coração. No entanto, não poderia deixar de lembrar minha irmã, Lourdes Ferreira, companheira de todas as horas. Não tenho palavras para agradecer o carinho e o apoio nas horas difíceis. Sem essa mão amiga, jamais seria capaz de superar os obstáculos surgidos ao longo do tempo. Outra pessoa igualmente importante, Prof. Dr. Eugênio Trivinho. Educador na expressão máxima que o termo encerra. Exemplo de dedicação e de competência. Como poderei agradecer a paciência com que me orientou? Sinto-me honrada em ter como orientador e amigo, um dos maiores pesquisadores da área crítica comunicacional da atualidade. Agradeço a CAPES, pela bolsa de estudos de fundamental importância para a conclusão deste meu percurso acadêmico; Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Em especial a profª Lucrécia Ferrara, prof. Norval Baitello e prof. Oscar Cezarotto, os seus conhecimentos e as suas experiências foram de imenso valor; A minha querida Cida Bueno (PEPGCOS-PUC/SP). Muito mais do que uma secretária, é uma mulher de fibra que abraça o serviço com responsabilidade e amor. É, também, uma amiga cuidadosa. Obrigada por tudo que fez por mim, durante estes dois anos. Aos colegas do grupo de pesquisa CENCIB (PUC-SP), Edilson, Heloísa, Michele e Ana, e aos colegas do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica, em especial ao Daniel, a Marlise e ao Romilson, pela partilha intelectual de fundamental importância para o meu crescimento acadêmico; Às irmãs do Pensionato Santa Marcelina, pelo carinho com que me acolheram em “terra estranha”; e as colegas de pensionato Fabíola, Rosário, Shizuko, Paula, Lívia e em especial a Maíra, que – assim como eu – vieram para São Paulo se qualificar. Partilhamos as dificuldades, a saudade da família, as conquistas e as alegrias; Aos meus amigos fiéis: Ruberval Oliveira, Débora Campos, Júlia Célia, Rosiléia Guedes, Maria Lygia, Arlete, Dédima, Ângela, Claudinha, Alda, Márcia Bragança e outros tantos que, infelizmente, não poderão ser citados por falta de espaço, mas estão presentes em meu coração. Agradeço imensamente a Bárbara Barbosa e Márcio Wariss, pelas “dicas”, pela partilha das experiências acadêmicas e pelas orações. Em especial, aos queridos: Profª. Elomar Alencar, pelo carinho e pela confiança que sempre depositou em mim; e ao Prof. Msc. Mário Tito Almeida, pela amizade, pelo incentivo e pelas boas sugestões que auxiliaram na construção do quadro teórico da dissertação. Obrigada, que Deus abençoe a sua vida e de sua família. Aos meus colegas professores que abraçam com responsabilidade a missão de educar. Ás irmãs salesianas do Instituto Dom Bosco que me acolhem desde pequena com tanto carinho. Com elas aprendi a colocar em prática os ensinamentos do grande educador Dom Bosco em minha vida. Estendo os agradecimentos às irmãs da Escola Berço de Belém que sempre acreditaram em mim. E a Zenaira, Regina e Ir. Janete do Centro Social Auxilium, pela compreensão e paciência durante esta reta final do curso; Às escolas que abriram as suas portas para a realização de minha pesquisa. A participação de vocês dá sentido ao trabalho; A toda a minha família, principalmente as minhas tias Profª. Drª. Maria Olinda Souza Pimentel (UFPa) e a Profª. Ms. Maria da Conceição Fernandes (UFPa), pelo estímulo constante para que eu concluísse esta etapa. À tia Célia que, mesmo de longe, sempre esteve torcendo por mim. Aos meus primos, em especial a Conci, minha companheira em São Paulo; Agora, no final, relembro daqueles que já não me alegram com a sua presença. Meus avós Cacilda e Tertuliano Souza; Vicentina e Raimundo Ferreira e a Maria Ziená, pelo amor com que cuidaram de mim. A minha tia Iraci Sousa, sempre tão preocupada com os meus estudos “na cidade grande” e ao meu tio Eloy. As lembranças permanecem e o amor transcende na certeza de que descansam em paz. Os raios de sol já invadiram a sala. É mais uma manhã quente de verão do norte. Termino de escrever esta página de agradecimentos. Olho para a imagem de um quadro pendurado na parede. É a fotografia de meu pai, comigo em seu colo. Vejo o semblante sério, firme, mas com olhar carinhoso. Ao ver a imagem, entendo Kamper: as imagens realmente transformam os homens em seres imortais. Meu pai, Sebastião Ferreira, a morte lhe levou cedo, mas o seu exemplo de dignidade e o seu amor permanecem vivos dentro de mim. Eu sei que... “As pessoas não morrem, ficam encantadas.” (Guimarães Rosa). “Se a velocidade é luz, então aparência é o que se move. Transparências momentâneas e enganosas, dimensões do espaço que não passam de aparições fugitivas, objetos percebidos no instante do olhar, este olhar que é, a um só tempo, o lugar e o olho”. (VIRILIO, 2005, p. 19.) RESUMO A presente Dissertação está inserida no atual arranjamento mediático planetário configurado pela convergência entre a comunicação e a informática: a Cibercultura. Hoje, vive-se em uma época marcada por avanços científicos contínuos e, sobretudo, pela imensa utilização de equipamentos infotecnológicos. A interatividade e a velocidade passaram a ser concebidas como processos capazes de dinamizar as relações socioculturais, políticas e econômicas da vida contemporânea. Nesse contexto em que as tecnologias interativas tornaram-se imprescindíveis, tornou-se importante investigar a influência da internet no imaginário dos jovens brasileiros. Atualmente, as relações sociais se fazem sobremaneira com o auxílio da máquina. Então, é imperioso questionar como a web age no imaginário dessa faixa etária. As relações mediadas pela internet colaboram para a autonomia e para a formação da identidade dos jovens? Como a internet os seduz? Os conteúdos explorados na rede auxiliam a formação pessoal desses indivíduos? As respostas para tais questionamentos mostram que o jovem, ao interagir com o mundo virtual, constrói para si um sentimento de autonomia e identidade. Ao mesmo tempo, essa relação jovem-internet também proporciona dependência e solidão, num contexto eventualmente assumido de ausência de criticidade. O Trabalho trata-se de uma pesquisa empírica, em que foram consultados 100 jovens, na faixa etária entre 14 a 17 anos, estudantes de escolas públicas e particulares das cidades de Belém e São Paulo. A apuração dos dados foi feitas por sistematização tematização qualiquantitativa de dados. As perspectivas teóricas mobilizadas para a fundamentação teórica incluem o pósmodernismo reflexivo (Lyotard, Harvey, Kumar e Jameson), o pós-estruturalismo francês (Baudrillard), a teoria critica pós-frankfurtiana da comunicação (Sfez), a teoria sociodromológica (Virilio), a epistemologia da critica da cibercultura (Trivinho), as teorias do imaginário (Castoriadis e autores da área de psicologia), entre outras vertentes coerentes com estas. Os resultados (teórica e empírica) se projetaram na forma de conclusões científicas contextuais sobre o problemático fascínio desse acoplamento entre juventude e ciberespaço. PALAVRAS-CHAVE: cibercultura, imaginário, velocidade, interatividade, internet, juventude. ABSTRACT The Master dissertation is inserted in the present planetary mediatic arrangement configured by the convergence between communication and the data processing information: cyber-culture. We are currently living in a time impacted by continuous scientific advancements and, moreover, by the huge utilization of info-technologic equipment. The interactivity and speed are now conceived as processes capable of dynamizing the sociocultural, political and economic relations of the contemporary life. On that context, where interactive technologies became essential, it is important to investigate the Internet’s influence on the Brazilian youngsters’ imaginary. Nowadays, the social relationships are built with the help of digital technologies and the cyberspace. The question arises, then: How does the Internet impact the youth? Do the relationships measured by the Web collaborate for the autonomy and identity formation of young people? How does the Internet seduce them? The contents explored at the Web help in the personal formation of those individuals? The answers for those questions show that when reaching the virtual world, youngsters develop a feeling of autonomy and identity. At the same time, that relationship young people-Internet provides dependence and loneliness in a context occasionally taken over by criticism absence. In addition to the bibliographic research on the studied object, the work involves empirical research, through a specialized consultation with 100 youngsters aging 14 to 17 years old, students of public and private schools of Belém and São Paulo. The data study was done through qualitative and quantitative systemization and the results were posted in elucidative graphic spreadsheets. The theoretical perspectives deployed for the argumentation basis include post-modernism (Lyotard, Harvey, Kumar and Jameson), French post-structuralism (Baudrillard), communication post-Frankfurt critique (Sfez), socio-dromological theory (Virilio), cyber-culture critical epistemology (Trivinho) and the ‘imaginarium’ theories (Castoriadis and authors of the psychological area), among other less relevant sources. The (theoretical and empirical) results reflect as contextual scientific conclusions on the problematic seduction of that coupling between youth and cyberspace. KEY WORDS: cyberculture, imaginarium, speed, interactivity, Internet, youth LISTAS FIGURAS FIGURA 1-Significados da modernidade .............................................................................. 17 FIGURA 2- Desenvolvimento do mercado e do sistema capitalista ....................................... 21 FIGURA 3- Imaginário moderno e imaginário pós-moderno: comparações .......................... 25 FIGURA 4- Os modelos de culturas sustentadas pela comunicação ....................................... 28 GRÁFICOS GRÁFICO 1-Ser jovem, é bom ou ruim? .............................................................................. 83 GRÁFICO 2- As melhores coisas em ser jovem..................................................................... 84 GRÁFICO 3- Assunto de interesse dos jovens (grupo de jovens da área urbana).................. 84 GRÁFICO 4- Assuntos de interesse dos jovens (grupo de jovens da área rural) ................... 85 GRÁFICO 5-Preocupação do jovem....................................................................................... 86 GRÁFICO 6- Assunto discutido com os amigos .................................................................... 87 GRÁFICO 7- Assunto discutido com os pais ......................................................................... 88 GRÁFICO 8- A função da escola ........................................................................................... 89 GRÁFICO 9- Mídia utilizada pelo jovem ............................................................................... 90 GRÁFICO 10- Quantidade de entrevistados - Belém ............................................................. 97 GRÁFICO 11- Quantidade de entrevistados – Belém ............................................................ 97 GRÁFICO 12- Quantidade de entrevistados – São Paulo....................................................... 98 GRÁFICO 13- Quantidade de entrevistados – São Paulo....................................................... 98 GRÁFICO 14- Renda familiar – rede particular Belém e São Paulo...................................... 99 GRÁFICO 15- Renda familiar – rede pública Belém e São Paulo ......................................... 99 GRÁFICO 16- Participação na renda familiar - Belém ........................................................ 100 GRÁFICO 17- Participação na renda familiar – São Paulo .................................................. 100 GRÁFICO 18- Objetos infotecnológicos - Belém ................................................................ 101 GRÁFICO 19- Período de acesso a rede - Belém ................................................................. 102 GRÁFICO 20- Período de acesso a rede- São Paulo ............................................................ 102 GRÁFICO 21- Horas dedicadas a internet – Belém ............................................................. 103 GRÁFICO 22- Horas dedicadas a internet – São Paulo........................................................ 104 GRÁFICO 23- Preferência dos jovens – Belém ................................................................... 104 GRÁFICO 24- Preferência dos jovens – São Paulo .............................................................. 105 GRÁFICO 25- O que os jovens procuram na internet – Belém............................................ 106 GRÁFICO 26- O que os jovens procuram na internet– São Paulo ....................................... 106 GRÁFICO 27- Opinião do jovem sobre a internet – Belém ................................................. 107 GRÁFICO 28- Opinião do jovens sobre a internet– São Paulo ............................................ 107 GRÁFICO 23- Experiencias na internet ............................................................................... 108 GRÁFICO 30- Sentimentos proporcionados pela a internet................................................. 109 GRÁFICO 31- Desejos dos usuários ................................................................................... 110 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................. 14 COMUNICAÇÃO E A CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DA CONTEMPORANEIDADE .......................................................................... 16 1.1. FENÔMENO MODERNO E PÓS-MODERNO ........................................................... 17 1.1.1. Modernidade e pós-modernidade: definições e interpretações ............................... 17 1.1.2. A lógica do capitalismo e o imaginário social pós-moderno .................................. 20 1.1.3. O imaginário social pós-moderno: transformações e desafios ................................ 24 1.2. DOS MASS MEDIA AOS MEDIA INTERATIVOS: A TRAJETÓRIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO IMAGINÁRIO SOCIAL ................................................................ 28 1.3. A CIBERCULTURA ..................................................................................................... 36 1.3.1. O sistema dromocrático cibercultural ..................................................................... 39 1.3.2. O fenômeno glocal .................................................................................................. 42 IMAGEM E IMAGINÁRIO.......................................................................... 45 2.1. O IMAGINÁRIO EM REPRESENTAÇÃO ................................................................. 47 2.1.1.. As imagens: definição ............................................................................................ 47 2.1.2. Origem das imagens: o mito da caverna ................................................................. 48 2.1.3. A sedução das imagens ........................................................................................... 51 2.2. CONTRIBUIÇÕES DO IMAGINÁRIO ....................................................................... 55 2.2.1. Desvendando o imaginário: conceitos .................................................................... 55 2.2.1.1. Fase de sucessão ........................................................................................... 56 2.2.1.2. Fase de subversão ......................................................................................... 57 2.2.1.3. Fase de autorização ...................................................................................... 57 2.2.1.4. As significações imaginárias: imaginário radical e imaginário social ........ 59 2.3. O IMAGINÁRIO NA CIBERCULTURA..................................................................... 62 2.3.1. A ditadura do imaginário: o imaginário tecnológico .............................................. 66 2.4. UTOPIAS DO IMAGINÁRIO TECNOLÓGICO: O FENÔMENO GLOCAL ........... 69 2.4.1. As práticas glocais interativas ................................................................................. 69 2.4.2. A máquina como alteridade .................................................................................... 71 2.4.3. A teleexistência: a fuga dos corpos ......................................................................... 72 CIBERCULTURA, IMAGINÁRIO E JUVENTUDE BRASILEIRA ................... 74 3.1. CONCEITO DE JUVENTUDE ..................................................................................... 76 3.2. PÓS-MODERNIDADE E CIBERCULTURA NO CONTEXTO BRASILEIRO ....... 80 3.3. RETRATO DA JUVENTUDE BRASILEIRA ............................................................ 83 3.4. UTOPIAS DO IMAGINÁRIO GLOCALIZADO ........................................................ 91 3.4.1. Recontando a história de Narciso ............................................................................ 91 3.4.2. As relações na rede.................................................................................................. 93 3.5. O IMAGINÁRIO DOS JOVENS BRASILEIROS ...................................................... 96 3.5.1. Caracterização ......................................................................................................... 96 3.5.2. Apresentação dos dados .......................................................................................... 96 2.5.2.1. Dados pessoais .............................................................................................. 96 2.2.1.2. Utilização da internet .................................................................................. 102 3.5.3. Análise final .......................................................................................................... 109 CONCLUSÃO .............................................................................................. 110 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 114 INTRODUÇÃO Com o advento dos meios de comunicação inaugurou-se a era da civilização mediática. Época histórica marcada pela presença da tecnologia em todas as dimensões da vida humana, incluindo a esfera do trabalho até a esfera do tempo livre e de lazer. Indivíduos (jovens, adultos, crianças), instituições (educacionais, religiosas, fundações), empresas (públicas e privadas), Estados (desenvolvidos ou subdesenvolvidos) são convidados ou pressionados a adequarem-se as modificações sociais, culturais e imaginárias provocadas pelos media, principalmente, após terem tornado-se o principal vetor de articulação da vida humana. O tema principal do presente Trabalho é investigar a influência da internet no imaginário de jovens brasileiros de 15 a 17 anos. Sabe-se que nessa faixa etária, os indivíduos gostam de viver em grupo, buscam conquistar a autonomia e firmar a sua identidade. Por isso, tornar-se pertinente os seguintes questionamentos: será que o espaço virtual é o “lugar” propício para o desenvolvimento dos anseios da juventude? ou esse “novo mundo” alimenta o imaginário dos adolescentes com a falsa sensação de liberdade e de autonomia? Na tentativa de responder a esses questionamentos, estruturou-se a análise em três momentos. No primeiro Capítulo é apresentado o contexto societário articulado pelos meios de comunicação que instituem-se no imaginário social por meio do sistema invisível e totalitário denominado por Virilio (1997) e Trivinho (2001) de dromocracia e pela ação interativa provocada pelo fenômeno glocal (TRIVINHO 2001, 2007) que vigora como o imaginário próprio da cibercultura. Mas, para a compreensão desses conceitos, foi necessário, anteriormente, discorrer sobre as significativas transformações sociais provocadas pela passagem da modernidade para a pós-modernidade e abordar a trajetória dos meios de comunicação, enfocando o percurso social e histórico dos mass media até os media interativos que impulsionaram o surgimento da configuração social tecnológica denominada de cibercultura. O segundo Capítulo é dedicado exclusivamente as questões do imaginário. Primeiramente, destaca-se a importância da íntima relação existente entre as imagens e o imaginário, para depois conceituá-lo levando em consideração a sua forma 15 radical (individual) e social (coletiva). (CASTORIADIS, 1986). Com a emergência da cibercultura, a tecnologia apropria-se do imaginário social e o transforma em imaginário tecnológico ou imaginário glocalizado. Criado e desenvolvido somente por meio da tecnologia, o imaginário glocal possibilita a concretização de todas as utopias ciberculturais (a interatividade, a teleexistência, sociabilidade), como também colabora para o fortalecimento do sistema que a promove, o capitalismo. O terceiro e último Capítulo trata sobre a juventude. Apresentam-se conceitos e traça-se o perfil dos jovens brasileiros no século XXI, para então mostrar os dados da pesquisa norteadora deste Trabalho. O corpus da pesquisa que pretende analisar a interação jovem e internet é constituído de duzentos jovens, entre 15 a 17 anos, estudantes de ensino médio de escolas públicas e particulares nas cidades de Belém e de São Paulo. As diferenças culturais, geográficas, econômicas e sociais existentes entre as duas cidades anulam-se ao perceber que a comunicação tecnologia possue o poder de padronizar comportamentos em qualquer lugar em que se faça presente. No espaço virtual, obliteram-se as características individuais em detrimento das coletivas, por isso, o jovem deixa de ser um indivíduo local para ser um usuário global. Em busca da liberdade total, o jovem encontra no ciberespaço o “lugar” para transgredir todos os limites impostos pela sociedade, visando concretizar (pelo menos na virtualidade) o sonho de liberdade absoluta. 16 CAPÍTULO I COMUNICAÇÃO E A CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIAL-HISTÓRICA DA CONTEMPORANEIDADE “A imagem do homem sentado, contemplando, num dia de greve, sua tela de televisão vazia, constituirá no futuro uma das mais belas imagens da antropologia do século XX”. (BAUDRILLARD, 1990, p. 19) Este primeiro Capítulo tem a finalidade de apresentar o contexto sóciohistórico em que o corpus da pesquisa está inserido. Nele será tratado o tema relativo à passagem da modernidade para a pós-modernidade, observando as transformações sociais e imaginárias ocorridas durante o processo de transição, sobretudo, dando destaque à comunicação tecnológica que – a partir do século XX – tornou-se o principal vetor de articulação da vida humana. Após a Segunda Guerra, a humanidade descrente nas metanarrativas modernas, vê na comunicação (eletrônica e informática) a possibilidade de reedificar o mundo destroçado. Com a promoção das “tecnoteleologias” (TRIVINHO, 1999, p. 380), a comunicação de base tecnológica penetra no cerne da sociedade e assume status de valor social, cultural, político e econômico, vigorando com poder totalitário. O quadro teórico desta primeira parte da Dissertação é inspirado na teoria crítica da pós-modernidade, de Lyotard, Harvey e Jameson; no pós-estruturalismo francês de Baudrillard; na teoria sociodromocrática, de Virilio, e na epistemologia crítica da cibercultura, de Trivinho, entre outros conceitos coerentes com esses, que colaboram para elucidar de maneira conceitual e introdutória as principais mudanças provocadas pela comunicação ao se tornar vetor de articulação social em escala planetária. 17 1.1. FENÔMENO MODERNO E PÓS-MODERNO 1.1.1. Modernidade e pós-modernidade: definições e interpretações Historicamente, a modernidade é definida como a época marcada por transformações de ordem política, econômica e social. No entanto, a mais significativa transformação ocorreu primeiramente no campo do imaginário. Sabe-se que durante a antiguidade clássica e, sobretudo, na idade média, o homem encontrava-se totalmente ligado às crenças religiosas. Com a emergência da era moderna, ele rompeu com o dogma religioso, descobriu as suas potencialidades e passou a creditar na técnica e na ciência a sua liberdade. Essa nova forma de pensar desencadeou, na prática, revoluções de âmbito político-econômico e sociocultural fundamentada em três núcleos de significações norteadoras do imaginário moderno, como mostra a ilustração abaixo. FIGURA 1: Tripé de significações do imaginário moderno Originada do rompimento com as crenças religiosas do passado, a significação humanista pode ser compreendida como o próprio esprit du temps moderno. Ela é responsável em articular todas as outras significações por meio do desenvolvimento das metanarrativas e de impulsionar mudanças no campo cultural, cognitivo e ético. A significação econômica e cultural influencia as ações de livre comércio, segundo o princípio de satisfação das necessidades individuais, possibilitando a expansão do comércio e o aumento da lucratividade. A significação político-revolucionária desenvolve-se por meio da técnica e da tecnologia, contribuindo para o processo de industrialização e urbanização das 18 cidades, para o surgimento dos estados nacionais e dos movimentos de “massa” e para a promoção dos princípios democráticos. É válido explicitar que nas significações imaginárias estão imbricados os projetos idealizados e a prática diária, ambos misturam-se e constroem uma rede de sentidos que norteiam a vida humana. No caso da modernidade, esse tripé de significações é constituído de propostas revolucionárias e de práticas que – apesar de inovadoras – não conseguem converter em realidade o sonho iluminista. Essa contradição existente entre o real e o ideal é característica preponderante do período moderno, podendo ser percebido logo em sua fase inicial, quando a humanidade “liberta-se” das amarras religiosas e eleva o homem ao status messiânico, acreditando na possibilidade do sujeito racional – “eu cogito” – apoiado no princípio de liberdade, igualdade e fraternidade, desenvolvido sobre o tríplice pilar razãociência-técnica, construir um mundo altamente civilizado. No entanto, o tão sonhado projeto de emancipação humana não se concretizou, pelo contrário, converteu-se em barbárie. Para David Harvey (2004), a lógica iluminista, desde sua origem, estava fadada ao fim trágico. Como já ressaltado, na contradição dos discursos ideológicos residia a fragilidade da condição moderna. O excesso de racionalidade, a crença absoluta no ente humano e a exacerbada valorização da técnica aprisionaram o homem, ao invés de libertá-lo. Trivinho (2007) analisa a ineficiência dos projetos teleológicos justificando que isso ocorre devido toda razão revelada guardar em seu íntimo sonhos, assim como a técnica tende a virar objeto de fetiche. O autor ainda enfatiza: “o problema da utopia é a própria utopia” (TRIVINHO, 1999, p. 383). Afinal, durante anos, a sociedade tem testemunhado o desfecho trágico de seus projetos de emancipação. O cristianismo desembocou num império medieval de dez séculos e na Inquisição sob o álibi da libertação da alma pecadora e da condução final dos homens ao paraíso; os religiosos fragmentários geraram mais preconceito, intolerâncias étnicas e espíritos belicosos em nome de um Deus monoteísta, em vez de levarem ao enunciado encontro harmonioso com a divindade. O iluminismo redundou na falácia do progresso técnico e na industrialização da cultura de massa a pretexto de, por elas, emancipar a totalidade da espécie humana da ignorância, do mito e do obscurantismo. O liberalismo preservou, em novas bases, as desigualdades sociais e econômicas sob a evasiva de equacioná-las pela melhor distribuição de uma forma obscura e obsoleta de Estado que o nazismo e o socialismo, por má fé da história, acabaram, cada qual a sua maneira, por confiscar para si e por encarnar: os três culminaram no totalitarismo estatal-burocrático sob o pretexto dos fins emancipatórios. O marxismo, em particular, sob o pilar da dialética como princípio teóricometológico e da luta de classes como motor da história e como práxis acabou por reduzir – conforme já assinalado –, depois de realizadas as revoluções proletárias, a lógica da dominação contra a qual se lançou desde cedo. E, agora, o neoliberalismo triunfante no âmbito da política burocrática e do valor de troca, bem como, o neonazismo que insurge em diversas partes do mundo 19 colocam-se como repetições cínicas da catástrofe pregressa de seus originais. (Ibidem). Diante da contínua incapacidade de concretização, os discursos teleológicos caíram em descrédito, possibilitando a emergência da pós-modernidade. Historicamente, existem divergências quanto ao surgimento dessa época. Não é possível apontar uma data ou um acontecimento específico capaz de explicar com precisão o seu surgimento. Apenas sabe-se que o fenômeno pós-moderno surgiu silenciosamente em meio aos escombros deixados pela Segunda Guerra e estabelece significativas transformações ao trazer consigo a comunicação tecnológica. A dificuldade em apontar um fator determinante para a ascensão pós-moderna reflete na complexidade de conceituá-la com precisão. Para Trivinho (2001), a maioria das literaturas ensaísticas define a pós-modernidade enfocando três aspectos distintos: [1] Época histórica relativamente definida: nesse caso, a pós-modernidade é compreendida sob o ponto de vista da economia. Então, é definida como momento histórico em que o sistema capitalista se perpetua; [2] Condição cultural da época: ou seja, o sprit du temps. É a maneira de ser e atuar no mundo. Esta amplamente relacionada com a sensibilidade de uma nova época com características específicas: efêmera, fragmentada e massificada; e [3] Corrente de pensamento propositivo-instituinte: definições específicas e variadas que justifiquem novas manifestações na área da literatura, da filosofia e da arte. Conforme Trivinho (2001, p. 43), o fenômeno pós-moderno não pode ser compreendido com base em apenas um dos enfoques elencados acima, porque, na verdade, é a soma de todos eles; “nutre-se de todos os fatores a um só tempo” (ibidem). Para Lyotard (2002), essa multiplicidade de sentidos também é decorrente do processo de ruptura com as crenças passadas. O consenso exercido pelas grandes narrativas esvai-se e cede lugar aos pequenos relatos, impulsionando a construção de percepção de mundo fluida. Bauman (2001) compara a fluidez do espírito pós-moderno com o efeito característico dos líquidos. Estes ao serem submetidos às pressões externas têm suas partículas facilmente modificadas. De acordo com o autor, o mesmo ocorreria com o “clima” da pós-modernidade. A cada nova situação, as formas de pensar e de agir transformam-se provocando o embaralhamento dos sentidos e dos sentimentos humanos. Jameson (2000) enfatiza que a liquidez da condição pós-moderna aumenta a avidez pelo consumo, favorecendo o enraizamento da lógica capitalista no cerne da sociedade por meio de dois fatores conexos: [1] a globalização do comércio impulsionado pelo avanço da tecnologia informática e [2] a forma com que os indivíduos interagem com os media. Com o advento do fenômeno pós-moderno, a comunicação tecnológica passou a gozar 20 de privilégios no âmbito cultural, político e econômico, atuando como promotora dos ideais das grandes corporações empresariais que transformam a cultura em produto de consumo, perpetuando a lógica do sistema capitalista no imaginário da sociedade. A discussão a cerca da contribuição dos media no fortalecimento do capitalismo no imaginário social, será matéria tratada no item a seguir. 1.1.2. O imaginário social pós-moderno e a perpetuação da lógica capitalista Para melhor compreensão do tema abordado neste item, será necessário, primeiramente, definir o significado de imaginário social. Castoriadis (1986) o concebe como a operação mental responsável em conduzir à práxis humana, exercendo a função de organizador do comportamento e das relações sociais independente da consciência moral e dos valores pessoais dos indivíduos. Para Freud (1976), o imaginário possui uma “influência magnética” capaz de levar o grupo social ao delírio. A personalidade consciente e individual desvanece em detrimento da personalidade consciente e coletiva. Os comportamentos se modificam por meio da sugestão e do contágio dos sentimentos, ocasionando o nascimento das idéias e dos atos coletivos, construindo a rede simbólica que sustenta o “pensar e o operar” dos sujeitos. (CASTORIADIS, 1986, p. 159). Fundamentada nessas definições, é possível reescalonar o sentido do capitalismo, retirando-o do reduto da teoria política e econômica e introduzindo-o no campo do imaginário. Nesse caso, ele pode ser concebido como a principal rede imaginal articuladora da vida humana. Desde sua introdução na história ocidental, logo após o ocaso do feudalismo no final da idade média, o capital expandiu-se velozmente e conduziu a humanidade para uma verdadeira revolução. É importante ressaltar, o crescimento voraz do sistema impulsionou Marx1 a criar uma proposta ideológica objetivando libertar o homem das amarras do sistema. Com o passar do tempo, o discurso ideológico marxista enfraqueceu diante das imensuráveis transformações sócio-históricas impostas pelo capitalismo, sobretudo, após a Segunda Guerra. Segundo Castoriadis (1986), o fator desencadeador da falência do projeto socialista residia na tentativa de Marx apropriar-se de parte do pensamento tradicional 1 Esta Dissertação não tem o objetivo de adentrar em questões específicas da teoria marxista. A abordagem referente à proposta ideológica criada por Marx serve para facilitar a elucidação de aspectos importantes relacionados a ação do imaginário. 21 burguês com a intenção de aplicá-lo em uma teoria voltada aos anseios da classe trabalhadora. Para o autor, o problema das grandes narrativas é não conseguir acompanhar o processo de evolução da humanidade. No momento em que novas situações surgem, exigem – conseqüentemente – alterações no comportamento e na forma de pensar, sendo completamente inviável continuar “olhando” o mundo sobre o prisma da linha tradicional imposta pelo “pensamento herdado” (ibid., p. 65). Então, apesar dos trabalhadores compartilharem dos mesmos desejos, almejarem a liberdade proposta por Marx, eles não conseguiam viver de acordo com o que a teoria postulava. Diante disso, o proletariado não tardou em perceber que a ideologia jamais conseguiria cumprir a promessa de emancipação humana, apenas conduziria o sujeito ao processo de alienação. (CASTORIADIS, 1986). A incapacidade dos projetos teleológicos adequarem-se as mudanças contribuiu para que os ideais marxistas sucumbissem, assim como impulsionou a falência de todos os outros postulados totalizantes. A derrocada das grandes visões de mundo aliada às heranças do pós-guerra (a parafernália tecnológica, a fragilidade da população e a ascensão do império capitalista) favoreceu o surgimento da pós-modernidade. Época marcada pelo desenvolvimento da tecnologia informática, pelo domínio da comunicação e pela perpetuação do capitalismo. Segundo Jameson (2000), a característica preponderante do fenômeno pósmoderno está relacionada ao enraizamento do sistema capitalista. Hoje, o capital deixou de restringir-se ao plano econômico e político e invadiu a esfera simbólica e cultural. Aprofundando o pensamento do referido autor, Baurdillard (1991) analisa que no transcurso da história, o mercado e seu elemento identificador, o valor de troca, passou por três estágios, como mostra a ilustração a seguir: FIGURA 2: Fases do desenvolvimento do mercado. 22 De acordo com a ilustração, a primeira fase está relacionada à forma de produção primitiva. Momento sócio-histórico em que as mercadorias eram comercializadas visando somente à subsistência humana. A segunda fase refere-se à modernidade, período de introdução de novas formas de produção e de valorização da técnica. O homem é forçado a migrar do campo para a cidade, deixando de trabalhar no cultivo da terra para enfrentar a jornada de trabalho nas indústrias em troca de salário para garantir sua sobrevivência. A terceira fase é sem dúvida a mais complexa. Tudo passa a ser comercializado, inclusive os sentimentos humanos e as expressões culturais viram produto de consumo. Os meios de comunicação como o principal articulador da produção e da venda desses produtos. Os media permitem que qualquer produto exceda a sua concretude e atinja o plano simbólico, favorecendo o consumo primeiramente na dimensão imaginária, para somente depois ser concretizado eficazmente no plano real. Para Kumar (1997), mesmo a comunicação tecnológica vigorando como principal vetor de disseminação do capitalismo, proporcionando a geração de lazer cada vez mais industrializada, ela ainda encontra-se submetida à lógica de racionalização presentes nos modelos tayloristas e fordistas. Os antigos procedimentos industriais exigidos na linha de montagem mostraram-se eficazes na produção e no consumo e, por isso, foram mantidos, sofrendo apenas algumas modulações. Os media apropriaram-se dos conceitos estabelecidos na relação compra-venda e construíram uma linguagem estratégica persuasiva capaz de agir no imaginário dos indivíduos, “convidando-os” adquirir os produtos ofertados. A publicidade, as pesquisas de opinião pública, as notícias dos telejornais e a necessidade de atualização constante para aprender a manipular os equipamentos infotecnológicos, são exemplos de que hoje se vive sob a égide do “taylorismo social”. (TRIVINHO, 2001). O processo de desaparecimento do espaço físico do mercado e a associação do objeto com sua marca favoreceram a simbiose entre comércio e media. Os produtos saíram das prateleiras das lojas e passaram a flutuar no tempo e no espaço das programações televisivas ou nas janelas pop up dos sites. Eles perderam a referência concreta e passaram a estar imbricados na linguagem promocional dos programas de televisão. Um exemplo bem comum, o merchandising: estratégia comercial que se faz presente em quase todos os programas de televisão, principalmente nas telenovelas ou nos reality shows. Nesse caso, não são os produtos que atraem o consumidor, mas a própria narrativa reificada e transformada em mercadoria. A prodigiosa expansão do capitalismo impulsionada pela comunicação tecnológica favorece a desmaterialização do capital e reorganiza os modos de produção e de 23 consumo, conduzindo-os ao campo do imaginário. Cazeloto (2008) lembra que apesar de todas essas mudanças, o sistema capitalista continua vigorando sob as mesmas bases. As hierarquias, as zonas privilegiadas, os pólos de produção e toda sua estrutura não se encontram em estágio autocrático, pelo contrário, livre dos constrangimentos da circulação concreta (máquinas, moeda etc.) e do espaço físico (fábricas, mercado etc.), o sistema capitalista continua cumprindo seu papel totalitário por meio da lógica da mais potência (a velocidade é o produto). O sujeito deve estar sempre atualizado, obter os objetos infotecnológicos disponíveis no mercado e dominar todas as linguagens necessárias para seu acesso. O autor ainda enfatiza, a forma cultural e imaterial do capitalismo que age num campo fluido e indeterminado geograficamente, buscando possibilidades mais rentáveis que a civilização mediática possa oferecer. (cf. CAZELOTO, 2008). Na relação imaterial entre mercado e media, as transações comerciais e o valor das mercadorias são ocultados. O que vem à tona é a utopia “sui generis” da comunicação, denominada por Trivinho (2007) de “tecnoteleologias”. Elas são definidas pelo autor como “utopias condicionadas pela tecnologia, fundadas na tecnologia e desenvolvidas até a sua realização com base e por meio da tecnologia” (ibid., p. 380), com o interesse de beneficiar as grandes corporações. Ao contrário das metanarrativas modernas que eram propostas ideológicas inalcançáveis e contraditórias, a tecnoteleologia revela-se plenamente possível de ser realizada. Por meio da freqüente utilização dos aparatos tecnológicos, o indivíduo sente-se parte integrante do processo de construção, de disseminação e de concretização de todas as utopias tecnológicas. Até mesmo o sonho de emancipação humana torna-se real ao ser mediado pela tecnologia. Diante do computador ou com o celular na mão, ambos conectados a rede, o ente humano pode ingressar num espaço em que tudo é permitido, onde os limites geográficos e temporais são facilmente ultrapassados e para singrar nesse mar de possibilidades basta apenas apropriar-se da função mais complexa e completa do ser humano, a imaginação. Levando em consideração esse aspecto, Trivinho (2007) chama atenção para o encantamento que os objetos infotecnológicos de tamanho mini estão causando atualmente. Eles transformaram-se em fetiches sociais. Observados pelos consumidores com alegria e deslumbramento, rapidamente, viram alvo de desejo e de “devoção silenciosa, mais emocionalmente intensa” (TRIVINHO, 2001, p. 84). A sedução é alimentada pela promoção publicitária, rica em detalhes e imagens que transformam um simples objeto em algo espetacular. Os media tem poder de transformar a realidade em espetáculo. Eles encantam 24 pela emoção e sutilmente promovem o aumento do consumo. Nessa escalada dos extremos, a tecnologia e a comunicação convertem-se em instrumentos ideológicos de legitimação e dominação do sistema capitalista renovado. 1.1.3. As significações imaginárias do fenômeno pós-moderno: transformações e desafios Como ressaltado anteriormente, cada momento histórico possui sua própria rede simbólica composta por elementos que lhe são identitários. Essa rede é constituída de significações imaginárias que só podem ser compreendidas dentro do contexto no qual estão inseridas (CASTORIADIS, 1986). Justamente por causa disso, os projetos ideológicos do passado são completamente incapazes de corresponder às necessidades da atualidade. Esse argumento serve como base para entender o movimento de transição da modernidade para a pós-modernidade. À medida que o projeto iluminista caiu em descrédito, outros característicos da época nascente ocuparam o seu lugar. Porém, as crenças anteriores não desapareceram bruscamente. A transição aconteceu de forma gradual, possibilitando às significações passadas deixarem marcas nas atuais, dentro de uma dinâmica arbitrária. Por esse motivo, ainda hoje se presencia – mesmo sob outras bases – traços da política de exclusão purificadora do passado. Antigamente, a exclusão constava na separação do “povo eleito” de seus inimigos. O inimigo deveria ser punido por não ser capaz de corresponder aos objetivos da elite dominante (o povo eleito), como é o caso dos “hereges” para o cristianismo medieval; os burgueses para o marxismo/comunismo e os judeus para o nazismo. Hoje, as experiências excludentes foram reescalonadas, passando a acontecer também no plano simbólico. A principal delas é concebida por Trivinho (2001) como o apartheid da civilização mediática. Ele configura o fosso existente entre os indivíduos que possuem capital cognitivo e econômico necessário para o pleno domínio das linguagens infotecnológicas e os indivíduos que, por inúmeros motivos, não conseguem acompanhar a frenética transformação tecnológica. Esses, infelizmente, são condenados a viver à margem. Tal fato serve para demonstrar que as significações imaginárias modernas ainda sobrevivem na pós-modernidade, mas ao serem aplicadas num novo contexto sócio-histórico, elas têm os seus sentidos alterados, tornado-se parte constitutiva da nova época. Ao observar o quadro a seguir, é válido relembrar do tripé de significações do imaginário moderno apresentado no primeiro item deste capítulo. Assim fica 25 fácil de constatar na pós-modernidade, o mesmo sonho de liberdade que movimentou as ações da era moderna. A diferença reside apenas na estratégia utilizada para atingir esse objetivo. Na modernidade, acreditava-se totalmente nas potencialidades humanas. Na pósmodernidade, a tecnologia comunicacional destitui a soberania do homem e assumi o status messiânico, anteriormente ocupado pelo sujeito. Tal fato desencadeou a notável transformação no imaginário da sociedade atual. FIGURA 3: Imaginário moderno e imaginário pós-moderno: comparações Como se pode perceber, as significações imaginárias da pósmodernidade resultam na visão niilista dos modos de encarar a existência humana, favorecendo o “neoindividualismo” 2, a fugacidade nas relações interpessoais, a busca pela satisfação momentânea, a paixão por si mesmo (glamorização da autoimagem) e o narcisismo militante (SANTOS, 2000, p. 87). Martín-Barbero (1996) ressalta que a identidade una da modernidade fratura-se na pós-modernidade. Essa fratura, sobretudo, é resultado da crescente utilização dos recursos tecnológicos. Encontramo-nos diante de sujeitos dotados de uma elasticidade cultural que se assemelha a uma falta de forma, é mais bem receptivas as mais diversas formas, e de uma “plasticidade neural” que lhes permitem uma camaleônica adaptação aos mais diversos contextos e uma enorme facilidade para os idiomas da tecnologia. (Ibid., 1996, p.13). 2 Segundo Jair Ferreira dos Santos, o “neoindividualismo” trata-se de uma releitura do individualismo moderno acrescido do forte consumismo e da distração provocada pelos meios. 26 Essa ação “camaleônica” define bem a identidade plural e performática da pós-modernidade. Enquanto a identidade moderna era fundamentalmente construída a partir da linearidade dos discursos e da clareza dos valores, a identidade pós-moderna é basicamente calcada no consumo, conforme exemplifica Silverstone (2002, p. 258): “Posso ser homem pela manhã, mulher à tarde e talvez algo completamente diferente após o jantar, e onde meus gostos, estilos e minha pessoa podem mudar com cada momento de consumo”. No que tange a identidade pós-moderna, o autor ainda conclui: Falamos da fatura de identidades numa era pós-moderna, das indeterminações de etnias, classes, gêneros e sexualidade em torno dos quais as culturas se formam, oferecendo-nos uma grande coisa agora, outra depois; aqui e acolá, em toda parte, enquanto vagueamos nômades, pelo tempo e pelo espaço. Somos vistos como foliões num carnaval sem fim; num baile de máscaras no hiper-real, e cercados por ele. (Ibid., p.83) No entanto, a comunicação de par com a tecnologia não apenas invade o imaginário social, por meio de seu discurso persuasivo, incentivando o consumo, a moral hedonista, os estilos e as tendências ecléticas, como “concretiza” todos os possíveis “sonhos” dessa geração. Diante desse “poder” da comunicação tecnológica, Trivinho (1999) ressalta que na transição da modernidade para a pós-modernidade houve um deslocamento do significado das projeções ideológicas da humanidade. Elas deixaram de ser “aspirações”, para transformarem-se em “ações” concretizadas no plano tecnológico. A Filosofia, a Economia Política e as Ciências Sociais cedem lugar à tecnologia e seus discursos comerciais (publicitários, jornalísticos, técnicos, acadêmicos etc.); o que antes habitava o centro do cenário como parâmetro de construção e de uma nova sociedade é desbancado pela tecnociência como meio e fim em si, a mesma que, com efeito, pleiteia a realização de princípios não muito diferentes dos de outrora. (Ibid., p. 381). Além da efemeridade nas relações sociais, da pluralidade de identidades, do íntimo relacionamento entre sociedade e tecnologia e, da mundialização da cultura, outra característica do contexto da pós-modernidade é a individualidade. O sujeito pós-moderno preza a liberdade, desconsidera as condições concretas disponíveis para o seu exercício e concebe o “individualismo” como sendo “o valor pelo qual todos os outros valores vieram ser avaliados e a referência pela qual a sabedoria a cerca de todas as normas e resoluções supraindividuais devem ser medidas” (BAUMAN, 1998, p. 09). Se na modernidade a humanidade abria mão de certo grau de liberdade em troca de relativa segurança; na pós- 27 modernidade ela prefere a liberdade total em detrimento a qualquer estabilidade. Essa forma de encarar a vida repercute, principalmente, nas relações interpessoais. A excessiva busca pela liberdade acentua os sentimentos de insegurança, de incerteza e de solidão. A afetividade passa a ser compreendida apenas como fonte de prazer momentâneo, impossibilitando a solidificação dos sentimentos e causando, igualmente, um vazio existencial. Planejar objetivos a serem realizados no futuro não é atitude atraente, “qualquer oportunidade que não for aproveitada aqui e agora é uma oportunidade perdida” (BAUMAN, 2001, p. 187). Laços e parcerias humanas não são “embalados” pelo utópico sonho de completude, afinidade, ideais partilhados; pelo contrário, são estabelecidos imediatamente pela lógica do consumo, lê-se de caráter utilitário. Assim, que “melhores oportunidades” surgirem, as relações podem ser extintas. A satisfação individual é regra maior, tornando as relações duradouras algo inviável diante de uma realidade constantemente mutável, onde em cada “esquina”, em cada “mudança de canal” ou em cada “link”, um novo produto – ou relacionamento – está pronto para ser consumido. 28 1. 2. DOS MASS MEDIA AOS MEDIA INTERATIVOS: A TRAJETÓRIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO IMAGINÁRIO SOCIAL Como discorrido nos itens iniciais deste capítulo, a promoção da comunicação tecnológica origina-se do lastro destrutivo deixado pela Segunda Guerra Mundial. Com o descrédito nas grandes narrativas, ela passou a ocupar o centro da cena sociocultural promovendo e articulando três modelos de culturas, como mostra a figura a seguir. FIGURA 4: As culturas articuladas pela comunicação tecnológica Ao comparecer como epicentro impessoal e auto-organizado, a comunicação, estruturada em bases da rede mediática, movimenta-se e ramifica-se no interior de cada uma das culturas, atuando como vetor tecnológico totalitário de produção, ligação e sedimentação das três culturas com a finalidade de atingir concretizar o velho sonho de emancipação humana por meio da promoção de novos discursos ideológicos. Entre eles, destaca-se o apelo à “globalização” (Matellard, 2000) e à “visibilidade total” (Trivinho, 2001). Ambos ligados ao “poder” comunicacional de ultrapassar os limites (temporal e geográfico), obliterando o real convencional, o real cotidiano, da vida prosaica, em proveito do real imagético, fantasioso, fabuloso, fugaz, originado da matrix tecnológica3. 3 Matrix, palavra latina, deriva de mater que quer dizer mãe. Em latim, Matrix é o órgão de reprodução onde o embrião se desenvolve, o útero. 29 Essa idéia de articulação e de “integração” do mundo, proporcionada pela tecnologia, principalmente, pela comunicação informática, não é recente. Remonta à concepção da teoria social de Nobert Wiener, a Cibernética 4. No livro a “Cibernética e sociedade: o uso humano dos seres humanos”, o autor afirma que a comunicação e o controle colaboravam na tentativa de impedir a tendência entrópica, isto é, a degradação natural da sociedade5. O empenho de Wiener era buscar alternativas de superação desse óbice, relacionado à termodinâmica6. Ele aplica a lei da física com o intuito de adequá-la às relações sociais. Para o autor, a circulação ininterrupta das informações evita a degradação e o caos social. “Assim como a entropia é uma medida de desorganização, a informação conduzida por um grupo de mensagens é medida de organização”. (WIENER, 1978, p. 21). É impossível compreender o pensamento de Nobert Wiener sem reescaloná-lo à dimensão sociopolítica. O imaginário da teoria cibernética consiste em manter o desenvolvimento harmonioso dos laços sociais. Esse paradigma antropológico, vislumbrado por Breton e Proulx (2000), estabelece a máquina como meio de reorganizar “harmonicamente” a sociedade, transformando-a em sociedade da informação. Nela, o humano comparece pulverizado em bits e em códigos genéticos vulneráveis a técnicas que possibilitam até mesmo a reprodução em série (clonagem). O hommo communicans se despe de conceitos clássicos, como a interioridade, para tornar-se um ser voltado essencialmente para o que vem do exterior. O valor atribuído à informação pela teoria cibernética contribuiu para a proliferação incontrolável de técnicas e tecnologias comunicacionais que introduziram aparelhos e objetos infotecnológicos em todos os setores da vida cotidiana (TRIVINHO, 2001). Essa proliferação surge na metade do século XX, mais precisamente, no período de guerra, com a finalidade tática de aniquilamento do inimigo. “A comunicação possui umbilicais relações com o campo bélico” (ibid. 2001) e, por isso, continua exercendo sua finalidade prática de aniquilação. Desta vez, é a aniquilação da realidade em prol de uma “hiper-realidade” (BAUDRILLARD, 1991, p. 20), uma realidade inexistente, vazia de sentido. 4 Não se trata aqui de aprofundar a teoria cibernética, somente, de apresentar os alicerces lançados por Wiener e analisar, de maneira geral, as respectivas repercussões no cenário social. 5 Argumentação inspirada na aula de Fundamentos da Comunicação, ministrada pelo Prof.Dr. Eugênio Trivinho, em 29/03/2007, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC/SP. 6 A segunda lei da termodinâmica diz que o universo e todos os sistemas físicos em menor escala evoluem espontaneamente para a situação máxima de entropia, degradando-se pelo nivelamento absoluto de elementos. Como há homogeneidade, não existem trocas de elementos e o sistema estanca e morre. (WIENER, 1978, p. 14). 30 Segundo Kumar (1997), a humanidade já testemunhou duas grandes revoluções. A Primeira, de acordo com o autor, foi à revolução causada pela utilização da energia (vapor e eletricidade). A segunda, e mais atual, é a revolução da informação (tecnologia e comunicação). Gestada há mais de um século, suas primeiras manifestações assumiram diversas formas: telégrafo elétrico, cinema, rádio e televisão. Mas, é o computador que simboliza o principal motor de transformação, colocando-se ao centro da sociedade da informação. As experiências comuns da vida diária são suficientes para confirmar esse fato: bancos em funcionamento 24 horas, o virtual desaparecimento do dinheiro na maioria das transações bancárias, reservas em hotéis, compras de passagens aéreas, até mesmo check-in; pesquisas em bibliotecas e consultas em catálogos e arquivos de bancos de dados de instituições públicas, resultado de exames laboratoriais, sistemas de segurança monitorado por microcâmeras conectado ao terminal de computador, são alguns dos exemplos de como a tecnologia da informação invadiu o cotidiano. No transcurso da história7, a comunicação, fincada em bases tecnológicas, alcança o ápice no século XX. Mas, as primeiras sementes já se faziam presentes ainda no século XIX 8. Primeiro, na forma de telégrafo e, posteriormente, na organização de grupos de imprensa (agências de comunicação), promovendo os primeiros gêneros culturais de massa. Antes mesmo da Primeira Guerra, as indústrias de cinema e música começavam a revelar seu potencial de exportação. Contudo, as significativas transformações sociais promovidas pelos meios de comunicação, realmente, só foram sentidas com maior efeito a partir da década de 20. O advento das programações de rádio contribuiu para o aparecimento de novos estilos musicais e para o crescimento da indústria de discos e gramofones. A população, principalmente, a elite acostumada a ouvir música erudita, passou a escutar melodias mais ligeiras, estilo relacionado à agitação das cidades em crescimento. Claro que no início houve resistências. Chegou-se a levantar hipóteses de que esse “modismo” não iria adiante. Porém, rapidamente, o “novo estilo” atingiu as camadas populares e dominou a sociedade. Durante o período de guerra, os programas radiofônicos foram utilizados como instrumento sutil no processo de manipulação da opinião pública. As programações dividiam-se em transmissões de propagandas do sistema de governo, músicas e as “campeãs de audiência”: as rádios 7 Não é o objetivo deste tópico, recontar a história dos mass media e a dos media interativos e, nem tão pouco, aprofundar reflexões a respeito de sua função social. Devido entender que a temática já foi bastante desenvolvida, esmiuçada e, por hora, superada. O contexto histórico dos meios de comunicação, a ser brevemente abordados, será analisado sobre a ótica do imaginário. 8 Argumento baseado nas obras de Armand Matellard, “História da Utopia Planetária: da cidade profética à sociedade global” (2002) e “A globalização da comunicação” (2002). 31 novelas. Histórias românticas contadas pari passu em capítulos de curta duração, capazes de unir a família em torno do rádio, aguçando o imaginário do ouvinte. Se o rádio deixava o ouvinte “livre” para criar suas próprias imagens, o cinema passou a encantar o telespectador ao dar vida às imagens, transformando a ficção em realidade. O cinema surgiu no século XIX com os irmãos Lumière. Inicialmente era mudo, tornou-se sonoro no final dos anos 20. Pouco tempo depois, as cores invadiram o écran. A partir de então, o cinema transformou-se em uma indústria de entretenimento, movimentando muito dinheiro e atraindo multidões fascinadas pelo mundo espetacular. Foi a indústria cinematográfica que instituiu no imaginário do público o conceito de “star system”, as estrelas e astros do universo ficcional da comunicação. Atores e atrizes transformados em “modelos de seres humanos”. Imagens artificiais construídas pelo comércio comunicacional para serem endeusadas e consumidas pelo imaginário. Os artistas ao se tornarem pessoas públicas, passaram a dividir com os fãs, muitas vezes forçadamente, a sua privacidade. A vida prosaica destas pessoas foi descortinada e virou objeto da mídia. Não são poucos os exemplos de “famosos”, vítimas de invasão de privacidade em nome da “necessidade” de deixar o público informado. A televisão criada no período entre guerras, e melhor desenvolvida depois de 1945, possui total conformidade com intentos da teoria cibernética. A manutenção dos laços sociais é uma delas. Wolton é grande entusiasta desse pensamento. O espectador, ao assistir à televisão, agrega-se a esse público potencialmente imenso e anônimo que assiste simultaneamente, estabelecendo assim, como ele, uma espécie de laço invisível [...]. Trata-se, portanto, de um laço social tênue, menos forte e menos forte e menos limitador do que as situações institucionais ou as interações sociais vêm justamente do seu caráter ao mesmo tempo restritivo, lúdico, livre e espetacular. (WOLTON, 1996, p. 124). O autor desenvolve suas argumentações sempre contrapondo a televisão geralista à fragmentada. De maneira geral, a primeira corresponderia aos canais abertos e a segunda aos fechados, à TV por assinatura. Wolton mostra-se claramente partidário da generalista, acreditando ser o modelo apropriado para promover ligações entre indivíduos e gerar a rede global. É válido ressaltar que a televisão geralista apesar de acessível, também possui a funcionalidade de servir aos interesses de quem detém as concessões de transmissão, reforçando não apenas a cultura mediática como também engendrando força ao sistema capitalista. Um bom exemplo de empresas que fazem parte desta “rede global” é a Televisa 32 (emissora mexicana) e a Rede Globo (emissora brasileira). Ambas exibem seus seriados e suas telenovelas muito além de seus países de origem. Com o crescimento dos media interativos, a televisão de modelo centralizador, a TV analógica, começou a sofrer alterações quanto à forma de transmissão. O mercado mediático, com a intenção de atender aos ideais de interatividade, apropria-se das tecnologias digitais e cria a TV digital (HDTV). A movimentação em torno da TV de alta definição começou em 1987, nos Estados Unidos. No ano de 1991, as empresas européias produtoras de equipamento eletrônico e os órgãos reguladores começaram a discutir a viabilidade do desenvolvimento da televisão digital. Mas foi no Japão, em 1995, que ela concretizou-se. O governo japonês e as principais redes de televisão investiram cerca de trinta milhões de dólares na digitalização das transmissões televisivas do país. No Brasil, as primeiras experiências com os sinais digitais já existentes foram iniciadas no segundo mandato de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso; em 2003, já na gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, foi baixado decreto autorizando as universidades realizarem pesquisas com a finalidade de verificar a possibilidade da construção de um padrão nacional da televisão digital. Em 2007 ocorreu à inauguração da primeira transmissão com sinal digital e em 2008, iniciou-se a campanha em prol da popularização da TV digital no país. A televisão digital surge com as seguintes promessas de [1] alta qualidade em imagem e som. Os primeiros aparelhos de TV tinham apenas 30 linhas de vídeo. Enquanto um monitor analógico possui entre 480 a 525 linhas, um monitor digital chega a 1080 linhas, possibilitando maior definição sonora e imagética; e de [2] interatividade. O telespectador passa a ter a liberdade para interferir nos dados armazenados no receptor ou estabelecer troca de informações por meio de uma rede à parte do sistema, no caso a linha telefônica ou a rede de banda larga. Em outras palavras, é possível navegar na internet, interagir com o comércio eletrônico e estabelecer contatos por meio dos comunicadores instantâneos. Não será realizada neste Trabalho, a análise das prováveis transformações que a televisão digital poderá ocasionar. Mas com certeza, esta nova forma de “fazer” televisão dividirá opiniões. Principalmente, no que tange à aquisição do produto, já é possível vislumbrar mais uma forma de “estratificação sociodromológica cibercultural” 9. (TRIVINHO, 2001, p. 226). 9 O conceito de “estratificação sociodromológica cibercultural”, segundo Trivinho (2001), refere-se à desigualdade própria da civilização mediática atual. Em que se cria um fosso entre a elite, categoria social que 33 Seja no modelo digital ou analógico, a televisão continua encantando o telespectador por meio de programações variadas que simulam a vida real. Atualmente, público tem acompanhado a novelização do cotidiano. Todos os fatos, desde os mais prosaicos aos mais inusitados, são contatos e recontados pari passu, cena a cena, exaustivamente, em todos os veículos de comunicação. Se as emissoras utilizam desse recurso com a justificativa de serem promotoras do direito inalienável à informação, elas – na verdade – promovem o crescimento do fenômeno hipertélico (BAUDRILLARD, 1996). As imagens e informações veiculadas de maneira desordenada ultrapassam o sentido de sua existência e perdem a funcionalidade. Por isso, não raramente, é possível observar a indiferença do telespectador diante das notícias. Mesmo que a principio, elas causem impacto e comoção, como é o caso do ataque às Torres Gêmeas (2001), acidente com o avião da TAM (2007), assassinato de Isabela Nardoni (2008), os consecutivos erros nas ações policiais (2008), escândalos políticos etc. Após algumas semanas, caem na rotina. Almoça-se assistindo aos desfechos dos casos com tranqüilidade, como se fosse o último capítulo de uma telenovela. Nos programas de entretenimento, a exposição da alteridade vira motivo de “chacota pública”. Os segredos, a intimidade, o escuso, o ilegal, a obscenidade, o criminoso, tudo vem a luz da visibilidade mediática. O direito à informação aliada à ordem de que “nada deverá ficar escondido” possibilita rumos incontroláveis ao ideal cibernético da transparência social. Não é de estranhar que a exposição pública do universo privado cause tanto interesse ao imaginário social. A possibilidade de desvendar os segredos alheios, de ver o escuso, proporcionada pela tecnologia facilita ao ser humano concretizar o desejo de adentrar num terreno íntimo e proibido. As câmeras escondidas, os paparazzi, os programas de auditório que mostram diuturnamente a vida das pessoas, famosas ou anônimas, é a prova irrefutável da realização de uma “barbárie” silenciosa e violenta que assassina a privacidade alheia sem a menor chance de defesa, em prol de um ideal de verdade e de imparcialidade inatingível que apenas mascara a vontade primária do homem de derrotar o seu semelhante, fortalecendo os interesses do sistema. Se o arranjamento mediático configurado pelos mass media foi corrompido pelos ideais do mercado, frustrando o sonho de liberdade, os media interativos surgem para transformar o sonho em realidade. A interatividade proporcionada pelas possui capital econômico, cognitivo e informativo suficiente para acompanhar a lógica da mais-potência proposto pelo mercado, a “nova miséria técnica”, os que vivem à margem por não ter condições de acompanhar os avanços tecnológicos. Os temas relativos à “dromocracia”, suas características e conseqüências, serão aprofundados nos itens posteriores. 34 tecnologias da informação pretende concretizar as promessas de democracia e liberdade não cumpridas pelos meios de massa. Os media interativos oferecem total flexibilidade em função do modelo comunicacional descentralizado. Devido possuir uma estrutura infoeletrônica rizomática que a possibilita não vincular-se a um controle central, a web proporciona ao usuário a interação direta com os elementos constitutivos do espaço virtual. Os links, as janelas pop-up, os domínios de endereçamento permitem os usuários interagirem facilmente com a máquina, postando fotos, participando de bate-papos em chats ou nas inúmeras comunidades existentes na rede. Desta forma, concretizando o ambicioso sonho humano de ultrapassar os limites geográficos e temporais e transformar o planeta numa pequena aldeia global. Nessa aldeia, a humanidade unida, vive plenamente a liberdade de expressão. Porém, sabe-se que isso não é verdade. As questões de democracia e de liberdade precisam ser bem analisadas, já que o pleno acesso à rede é prerrogativa de pouquíssimos. Para utilizar os objetos infotecnológicos, sobretudo, o computador, é necessário acompanhar a “lógica da reciclagem estrutural” da cibercultura. Aqueles que não acompanham, vivem à margem. Os indivíduos com receio de serem discriminados fazem o possível para atender as exigências impostas pela tecnologia. Um bom exemplo é a utilização das comunidades virtuais que tem proporcionado a inclusão de milhares de pessoas no totalitário sistema dromocrático cibercultural (tema a ser aprofundado no item 1.3.1. desta Dissertação). Diante das relações efêmeras da pós-modernidade, as comunidades virtuais surgem como possibilidade de unir aquilo que se distanciou. A carência humana incentiva o imaginário a buscar formas de pertencimento na vida de outros. Muitas vezes, os usuários nem se conhecem pessoalmente, tão pouco dividem o mesmo espaço geográfico, mas agregam-se por meio da rede. Eles criam parâmetros de afinidades (gostam do mesmo estilo musical, de filmes, novelas, escritores etc.), expõem sem receio algum os seus hábitos e a sua imagem. Nessa busca pela superação de suas carências, o indivíduo também reflete a necessidade própria de sua época, a exposição extrema de tudo o que é de fórum intimo. As comunidades deixam vir à tona todos os desejos, os segredos ocultos e a “obscenidade do excesso das aparências” em máquinas de dissimular. (BAUDRILLARD, 1996, p. 63). Os meios de comunicação acostumaram o imaginário social a sobreviver da ficção e do espetáculo. As novelas, os filmes, as transmissões esportivas, os vídeoclip‟s, as propagandas, os sites, ou seja, todo o universo mediático encontra-se subordinado aos efeitos “especiais” tecnológicos. A tecnologia se instalou no coração da 35 sociedade e institui uma nova época, composta de fenômenos híbridos, instigantes e inusitados, a Cibercultura. 36 1. 3. CIBERCULTURA A irradiação da cultura pós-moderna aliada ao domínio dos meios de comunicação, à expansão absoluta de produção, circulação e consumo de objetos infotecnológicos e a propagação da web nos últimos anos, são alguns dos fatores que contribuíram para o aparecimento de um fenômeno de “longevidade indeterminada”, a cibercultura (TRIVINHO, 2001, p. 59). Consolidada na segunda metade do século XX, o fenômeno cibercultural se faz presente em todos os setores da vida humana, na medida em que procedimentos e processos usuais do cotidiano dependem de alguma forma da tecnologia informática. Em termos conceituais, a cibercultura pode ser definida como “modelo tecnológico de cultura” e pela sua amplitude e flexibilidade acabou por construir um “mundo próprio”. (Ibid., p. 60). De acordo com Trivinho (2001), a cibercultura está implicada em tudo “o que é de mais importante socialmente” na vida contemporânea. Ela impulsiona descobertas na área das ciências biológicas (clonagem, conservação e experiências com células-tronco embrionárias etc.). Sua maquinaria é requerida na área das ciências exatas e na área da educação, servindo como ferramenta de apoio no processo ensino-aprendizagem. Faz-se presente nos tratamentos estéticos, na segurança pública e também nas organizações criminosas. Está inserida no ambiente de trabalho e até na esfera do tempo livre e do lazer. A cibercultura modifica todas as formas de relacionamento e práticas sociais. Não por acaso, essa “tecnocultura tem implicado em complexos debates de questões sobre direito e ética”. (Ibid., p. 58). Para melhor compreender o advento cibercultural, é preciso percorrer a história da informática. A cibercultura deriva diretamente das implicações socioculturais do desenvolvimento da microeletrônica. Segundo Breton (1991), o progresso informático não depende somente de critérios científicos e técnicos. É necessário observar a confluência dos avanços tecno-científicos associados aos fatores de transformação cultural, social e ideológico, provocados desde o aparecimento dos primeiros computadores. O autor aponta três fases importantes do desenvolvimento da informática: a primeira fase ocorre entre 1945 e 1960 e possui forte ligação com a teoria cibernética; a segunda fase, de 1960 até o final de 1970. Esta fase caracteriza-se pelo surgimento de sistemas centralizados, representantes fidedignos da tecnocracia estatal, militar, científica e empresarial; a terceira e última fase, de 37 acordo com Breton, surgiu após 1970, é identificada pelo aparecimento dos microcomputadores e das redes telemáticas. Para Breton (ibidem), é no primeiro estágio que os princípios essenciais se estabelecem e surgem as grandes inovações. As pesquisas embasadas na teoria cibernética eram realizadas em universidades e patrocinadas por verbas militares. Além das inúmeras empreitadas a favor da criação de tecnologia que servissem às Forças Armadas e, portanto, ao Estado norte-americano, as atenções se voltavam para a tentativa de desenvolver “máquinas pensantes”, dotadas de “inteligência artificial” que simulassem o funcionamento do cérebro e o do comportamento comunicacional dos seres humanos. De acordo com o autor, o segundo é caracterizado pela ruptura entre a informática e a cibernética. Enquanto esta se concentra no desenvolvimento de máquinas simuladoras do comportamento humano em situações relativas à comunicação no âmbito social, aquela se traduz em pura técnica de manipulação de informação por meio do computador que, como o próprio nome indica, tinham o objetivo de computar, de calcular, e controlar informações10. Também o fato da cibernética ter se tornado abrangente demais, abarcando várias áreas distintas (matemática, física, psicologia, biologia etc.), e não conseguir concretizar suas promessas iniciais permitiu que a informática rompesse com ela. Nesse período, a informática necessitava de credibilidade do público para estabilizarse enquanto ciência, disciplina e paradigma, definindo sua identidade e seus limites. Se na primeira informática os computadores eram praticamente restritos aos interesses estatais e militares. Na segunda, apesar das pesquisas, majoritariamente, serem fomentadas pelo escalão militar, havia interesse em popularizá-lo. Não por outro motivo, eles foram introduzidos nos setores governamentais, até que as corporações empresariais adotaram-no e financiaram o desenvolvimento do microcomputador. O microcomputador e, conseqüentemente, a microinformática, foi um convite à ruptura com os sistemas burocráticos e centralizadores, representantes de uma informática controlada e inacessível para a maioria dos indivíduos. (BRETON, 1991). Sabe-se que o microcomputador começou a ser comercializado na metade da década de 70, mas a grande expansão só aconteceu no início de 80. Essa fase, Breton caracteriza como terceira informática. Fase marcada pela fusão entre a informática, as telecomunicações, a interação entre a microinformática e as grandes corporações empresariais. Esse estágio possui marcos significativo como o aparecimento do IBC-PC (personal computer – computador pessoal), em 1981, e a criação da Word Wide Web, 10 A primeira máquina de computador criada chamava-se ENIAC (Eletronic Numerical Analyzer and computer), foi criada para auxiliar nos cálculos balísticos da Segunda Guerra Mundial. 38 interface gráfica multimedia que ampliou consideravelmente a utilização da internet a partir de 1990. Então, o computador deixou a ser utilizado somente na esfera militar e passou a ocupar a ambiente domiciliar. Sendo usado para fins de trabalho, lazer e entretenimento. É na terceira fase que a informática assume o propósito de re-encantar o mundo por meio do uso dos computadores pessoais e dos demais objetos infotecnológicos possíveis de conexão de rede. Então, se as duas fases anteriores possuíam “ares” da modernidade com a presença de ideais racionalistas técnico-científicos, na terceira, viceja o espírito da pós-modernidade. Pode-se afirmar que o contexto pós-moderno é terreno fértil para a cibercultura se desenvolver como novo esprit du temps, possuindo características próprias que possibilita o surgimento de novas utopias. A cibercultura invade implacavelmente o “coração” da civilização contemporânea com discurso doce e fantástico, convidando o indivíduo a se adaptar às regras estabelecidas, sob pena de sofrer exclusão. Para se viver nesta nova época, é necessário um novo condicionamento psíquico e comportamental. O indivíduo deve possuir capital cognitivo indispensável para agir no mundo virtual e/ou para utilizar os objetos infotecnológicos cada vez mais sofisticadas. O fenômeno cibercultural vigora por meio de linguagens estruturadas, sujeita a mudança constante, a qual implica em contínuo aprendizado, a ciberalfabetização. A ciberalfabetização consiste na apreensão das senhas infotécnicas (linguagens/códigos) de acesso compatíveis para sobrevivência na cibercultura. De acordo com essa afirmativa, Trivinho (2001) enfatiza: Se o pleno domínio das senhas infotécnicas promove inserções, a inexistência desse domínio envolve uma exclusão em cadeia, uma hiperexclusão: exclusão do mercado de trabalho, exclusão do lazer, exclusão do cyberspace, exclusão da época, exclusão da vida. (Ibid. 2001, p. 225) A revolução high tech implica em consideráveis transformações, tais como: [1] a memória cultural e social desloca-se do cérebro humano para ser armazenada em chip da “memória” tecnológica; [2] o conhecimento e a cultura se convertem em espectro e passam a existir em códigos nos bancos de dados informáticos; [3] a vida humana é desmaterializada e desterritorializada. Tudo se dobra a lógica da instantaneidade. A velocidade supera o tempo e o espaço, tornando-se o motor principal que movimenta a cibercultura. 39 1.3.1. O SISTEMA DROMOCRÁTICO CIBERCULTURAL Os conceitos de dromocracia, dromologia e suas possíveis variações [dromocrático, dromológico, dromocrata], devem ser creditadas as obras de Paul Virilio. Em “Velocidade e Política”, de 1977, o autor apresenta as primeiras bases da categoria epistemológica crítica que permite compreender a história humana pelo prisma da velocidade. Dromos é um prefixo grego que designa rapidez, agilidade. Remete as ações na urbis e está imbricado nos planos estratégicos e táticos com fins bélicos. O termo se utilizado dentro do contexto empírico, pretende colaborar na compreensão de que o progresso humano sempre esteve mais ligado à ditadura do movimento fomentado pela guerra, do que a projetos herdeiros dos pensamentos tradicionais greco-clássico, cristãos, cartesianos e/ou positivistas. (TRIVINHO, 2007). No transcurso da história, o processo de dromocratização da vida humana passou por diversas transformações até configurar-se como sistema que rege a vida social na cibercultura. A relação humana com a dimensão dromológica da existência está implicada desde a descoberta de “vetores de movimentação de corpos, objetos e valores materiais e/ou simbólicos” (ibid., p. 71-72) presentes nos planos estratégicos de conquistas por espaço geográfico nas sociedades nômades primitivas. Depois, passa pela dominação “trans-histórica” do mar e do ar, até chegar ao estágio mais avançado quando apresenta-se como parte constitutiva do “meio de transporte” mais veloz, a comunicação tecnológica. De acordo com Virilio (1997), os meios de comunicação comparecem no mesmo plano epistemológico dos meios de transporte. Afinal, eles não deixam de ser autênticos produtores de velocidade. Se os meios de transporte são denominados de “veículos metabólicos” [corpos vivos vocacionados à velocidade (humana e animais)], seguidos dos veículos técnicos (canoa, jangada, caravela, bicicleta etc.) e dos tecnológicos (automatizados: automóvel, avião, navio etc.), os de veículos de comunicação (de massa e interativos), devido operar na velocidade da luz, podem ser denominados de “último veículo”. Seguindo essa perspectiva, Trivinho (2007) conclui: Os vetores de produção de movimento convencionais cedem espaço aos de transmissão e circulação de produtos simbólicos (informação e imagens), representativos ou não de referentes concretos. O secular império sucede o último veículo, fadado a mais alta velocidade praticável, a velocidade da luz. A subtração do território geográfico que se confunde com a diminuição anuladora do planeta. (TRIVINHO, 2007, p. 57). 40 Os meios de comunicação revelam-se o principal vetor de dromodratização da vida humana, ao ser capaz de ultrapassar os limites do tempo e do espaço, romper com a lógica da partida e da chegada e transportar códigos e imagens. Vale ressaltar que eles possuem procedimentos e princípios, mutatis mutandis, ligados as mesmas características das táticas bélicas, da logística e da estratégia dos campos de guerra. “Logística, pela qualidade de precisão adequada de meios e fins” e “estratégia, qualidade de planejamento eficaz de ação” (ibid., p. 63). Então, velocidade e guerra são categorias indissociáveis no modus operandi da dromocracia cibercultural e estão imbricadas na cultura do controle resultante do processo de informatização das sociedades contemporâneas, o qual é levado a cabo pela megatecnoburocracia, incontestável instância de ponta na promoção da cibercultura. (TRIVINHO, 2001). A dinâmica da dromocratização cibercultural converge para uma nova forma de pressão social identificada por Trivinho (ibid., p. 223) como “gerenciamento infotécnico da existência” que, acumulada a outras existentes, torna-se essencial para a compreensão do processo de dromocratização da civilização mediática contemporânea. Há algum tempo, especialmente a partir da segunda metade do século XX, o cenário mundial tem sido configurado, sobretudo, pelas tecnologias digitais. Todos os âmbitos da experiência humana, direta ou indiretamente, estão associados a processos interativos proporcionados pelos media informáticos. Por isso, Trivinho (ibdem) lembra “[...] a cibercultura de par com a dromocracia articula todos os poros, institui, portanto, um novo agenciamento sócio- histórico do ser em sua integridade [...]”. Esse processo, coercitivo em sua natureza, denota o quanto os indivíduos precisam e devem se subordinar – sem poder de escolha – a sua existência e suas experiências aos padrões do mercado informático aliado a megatecnoburocracia promovida pela cibercultura. Para viver a presente época, na medida do possível, o indivíduo deve estar dromoapto. Precisa saber lidar com o ritmo e as exigências específicas impostas pelo mercado. Essa (dromo) aptidão peculiar caracteriza-se pelo domínio das chamadas “senhas infotécnicas de acesso à cibercultura”, a saber, [...] o domínio pleno (tanto mais privado quanto possível), nomeadamente, do objeto infotecnológico completo, do capital cognitivo-informático conforme (língua inglesa pressuposta), da linha telefônica [ou de qualquer outro meio recente para acessar a Internet, de preferência em banda larga], do status de usuário teleinteragente e do potencial de acompanhamento concreto das reciclagens estruturais (equipamentos e capital cognitivo) [ou seja, do capital financeiro]. (Ibid., p. 221-222) 41 Na cibercultura, tais senhas correspondem à atualização mais fiel do aforismo dromocrático: “a velocidade é o poder” (VIRILIO, 2000, p. 16). Assim, quem passa a indicar a cadência a ser seguida são os que detêm essas chaves cognitivas de acesso. Aqueles que não compõem a nova elite high tech encontram-se dromoinaptos, restando alvitrados, tentam de todas as formas ganharem sobrevida à condição desfavorável. No processo totalizante e irresistível de informatização sociocultural, comparece a estratificação sociodromológica cibercultural. Uma estratificação social baseada nos parâmetros da dromoaptidão própria da cibercultura. (TRIVINHO, 2001, p. 224). Não por acaso as senhas infotécnicas, apontadas por Trivinho (2001), são chamadas de “acesso”. Nas cidades desenvolvidas, o mercado de trabalho, a interação social, a vida doméstica, o gozo do tempo livre e as atividades de lazer comparecem norteados tecnologias informáticas. Claro, é preciso considerar que o fator econômico associado a outros indicadores de diferenciação social (grau de escolaridade, sexo, etnia etc.) são aspectos que aumenta, ainda mais, o abismo entre a “nova elite” e os “novos miseráveis”. No entanto, a situação financeira favorável não garante a inserção social. É necessário que os indivíduos tenham aptidão própria para lidar com as exigências da cibercultura. O cumprimento dessas exigências, a posse do capital cognitivo adequado para apreensão das senhas infotécnicas, assegura a participação ativa no âmbito societário da atualidade. O autor ainda lembra, a participação social ocorre, efetivamente, através do “estado permanente de exclusão iminente”, visto que na cibercultura vigora a “lógica da reciclagem estrutural” (ibid., p. 216), ou seja, a necessidade de incessante atualização de produtos ciberculturais. “Esse fenômeno diz respeito ao movimento inflexível e compulsivo da megatecnoburocracia no sentido de firmar o imperativo da mais-potência como valor de mercado”. (Ibidem). A movimentação em direção ao que há de mais potente no mercado infotecnológico (maior velocidade de processamento e de transmissão de dados, maior capacidade de armazenamento de informações, maior quantidade de recursos programáveis, maiores recursos interativos, maior mobilidade [praticidade] é uma dinâmica angustiante e obsessiva. O que se adquire hoje, amanhã já estará obsoleto. Essa é a lógica do consumo, a lógica do sistema invisível, tão ou mais autoritário do que qualquer outro já existente, capaz de massacrar, de excluir, de aniquilar o sujeito. Na verdade, em grande parte das aquisições, principalmente, para o mercado doméstico, não é a finalidade (valor de uso) que conta, mas o desejo compulsivo de se ter o novo, o potente, o avançado. Trivinho (2001, p. 217) observa que nessa dinâmica de reciclagem há um autoritarismo velado por parte da magatecnoburocracia. 42 Não só consumidores, mas também governos e empresas de ramos diferentes dos do high tech no mundo inteiro são praticamente coagidos a se dirigir ao mercado, com regularidade, para incrementar e atualizar seus pertences, quando não para substituir o patrimônio inteiro. (Ibid., p. 217) É uma cadeia recursiva sem fim – pelo menos evidente – que faz da exclusão a regra da dinâmica cibercultural. Vale repetir: a lógica da reciclagem estrutural faz com que todos os considerados incluídos em um determinado momento vivam em “estado permanente de exclusão iminente”. (Ibid., p. 226). 1.3.2. FENÔMENO GLOCAL O termo “glocal” também foi introduzido na área das ciências humanas por Paul Virilio (1995). Trata-se da fusão de duas palavras global e local que, obviamente, abarca profundas conseqüências semânticas (TRIVINHO, 2007, p. 242). A aglutinação das palavras resulta na fusão de sentidos (nem o local, nem o global são reduzidos de sentindo) e no aparecimento de outro, talvez o mais relevante, refere-se ao modo com que ocorre o processo civilizatório na sociedade contemporânea. Segundo Trivinho11, o fenômeno glocal é recente, pertence ao século XX, mas as suas características básicas comparecem no primeiro media capaz de possibilitar troca de informações emissor-receptor em tempo real, o telefone. O autor também lembra que ainda no século XIX, já se faziam presentes todos os elementos básicos que servem de suporte ao glocal na atualidade. [...] no último quartel do século XIX, já estão presentes todos os elementos básicos que sustentam a existência do glocal atual: equipamentos de telecomunicações, infra-estrutura de rede (pressupostas aí as estações de processamento, codificação e decodificação internacional), acoplamento entre ser humano e máquina, procedimentos de emissão e recepção, tempo real, fluxo (sonoro e/ou imagético) de sentido e não sentido, espectralização da interação humana, desejo comunicacional (de abordagem da alteridade como espectro, isto é, imagem, texto, ícone etc.) [...]. (Ibid, p. 246). Essa nova configuração civilizatória tornou-se mais evidente após a Segunda Guerra Mundial, quando a comunicação é elevada ao status de valor e passa a 11 Paul Virilio (1997) foi o primeiro autor a tratar do termo “glocal” no campo das ciências humanas. Posteriormente, Trivinho (2001, 2007) alargou e aprofundou o termo, inserindo-o no contexto social, cultural e político da sociedade mediática contemporânea. Então, o glocal passou a ser concebido como conceito analíticocrítico que “mergulha no coração da cultura tecnológica imagética e informacional em sua configuração pósideológica, transpolítica, despolitizada, inteiramente satelizada e planetária”, como define o próprio autor. 43 configurar como eixo dinamizador do mundo. Apesar do glocal se fazer presente nos meios de massa, é no contexto das tecnologias digitais que ele mostra-se em sua fase mais avançada. Não deixa de ser pitorescamente interessante o fato de o fenômeno glocal ter sido mais amplamente percebido em relação ao cyberspace do que à rede televisiva, e menos ainda em relação à rede de rádio e de telefonia. (TRIVINHO, 2007, p. 245) Fenomenologicamente, esse fenômeno acontece num contexto local (casa, escritório, cybercafé, lan house) em exista um equipamento capaz de rede (televisão, rádio, computador de base ou móvel, celular etc.), operando em tempo real por meio de fluxos informacionais capturados por antenas, satélites, cabos etc. Observadas essas condições, verifica-se a combinação indissociável entre a ambivalência local (corpos e subjetividade) e os fluxos globais, numa hibridação que “pressupõe, necessariamente, uma clivagem bidimensional do mundo vivido” (ibid., p. 254): a dimensão material/palpável e imaterial/espectral. Porém, ao mesmo tempo essa clivagem é pressuposta, o processo de glocalização trata de assimilar o hiato e, no limite, fazer constatar apenas a realidade do contexto da experiência (“local”) concreta. Trivinho (2001) esclarece que na imbricação entre local e global, os contextos são indexados um pelo outro, ainda que o global pese mais sobre o local. Ao considerar os mass media, por exemplo, pode-se afirmar que existe a indexação do global pelo local quando há participação do receptor-consumidor na programação, seja radiofônica ou televisiva. Essa intervenção é mínima e sempre vigiada pelo próprio emissor. Se formos à direção oposta, o receptor ao consumir um produto mediático da rede, permite refundição do contexto local no qual se encontra pelos conteúdos globais. É neste último que se manifesta a plena potência do glocal: [...] um implante tecnológico forjado no âmbito local, um esquema mediático cavado de cada reduto imediato de ação do corpo, exatamente para dar sustentação material à completa irradiação simbólica e imaginária do que pertence à ordem global. (Ibid., 2001, p. 78). Não se pode esquecer, o fenômeno glocal refunda a relação entre homem e a máquina. Antes, essa relação era quase restrita à esfera do trabalho, prioritariamente no setor industrial; hoje, ela está presente em várias outras situações do cotidiano. Outrora, parecia evidente o domínio humano sobre a máquina por ele instrumentalizada, agora essa evidencia é questionável. Já não é tão simples analisar em que 44 bases se fundam a relação. Os media interativos, de modo bastante diverso dos meios de massa, exige um engajamento humano muito mais efetivo do que simplesmente ligar e/ou desligar o aparelho eletrônico/informático; ou mudar de “canal”, ainda que se trate de zapping (no caso da televisão). Vale ressaltar, o acoplamento vai além das sinergias entre “corpos”. O que está em jogo são a conjuminação entre as subjetividades envolvidas, o imaginário (individual e social) e os fluxos mediáticos da rede. O glocal é “um fenômeno comunicacional de (con) fusões em cadeia” (ibid., p.68). Ele não se reduz às questões técnicas. Em sentindo amplo, ele corresponde ao arranjamento sociocultural sofisticado sobre teia comunicacional formada inicialmente pelos meios de massa e, agora, acrescida e capitaneada pelos interativos. Sua finalidade não – teleológica – hipertelia (BAUDRILLARD, 1996) – não é senão sua multiplicação indeterminada para enredar indivíduos e máquinas até o esgotamento de todas as possibilidades. É uma expansão avassaladora que busca integrar os media de massa, os interativos, a telefonia (móvel e fixa) e, por reverberação, os impressos e os próprios corpos e a subjetividade, para formar o grande glocal (informação verbal) 12. Esse é um dos efeitos da realização (perversa) da utopia de Wiener: o humano transformado em máquina comunicante condutora de fluxos informacionais a serviço do enraizamento mais radical da comunicação como eixo articulador do atual processo civilizatório. “Como tal, o glocal é a fonte e, ao mesmo tempo, a caixa de ressonância do modelo de cultura hegemonicamente produzida na era mediática”. (TRIVINHO, 2001, p. 82). Esse telos heterodoxo, o grande glocal, não se vincula ao por vir, mas se apresenta como realizável aqui e agora. Em qualquer momento histórico ele comparece como atual. Há, portanto, uma tendência e sua perpetuação. 12 Argumento inspirado nas aulas de Mídias e Impactos Socioculturais, ministrada pelo Prof. Dr. Eugênio Trivinho, em 19/09/2007, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC/SP. 45 CAPÍTULO II IMAGEM E IMAGINÁRIO “O imaginário que falo não é a imagem de. É criação incessante e essencialmente indeterminada”. (CASTORIADIS, 1986, p. 13) As relações entre o imaginário e o real revelam a complexidade da condição humana. As lembranças da infância, os desejos da vida adulta, a memória dos fatos passados, as projeções do futuro, as manifestações folclóricas, a religiosidade, as demonstrações de afeto são ações impulsionadas pelas forças imaginais. É impossível compreender as experiências da vida limitando-se apenas em respostas fisiológicas e/ou materiais. Todas as aptidões humanas e a interação com o mundo social obedecem a motivações “obscuras” denominada por Castoriadis (1986) de “magma de significações”. Para o autor, o magma de significações dá sentido ao imaginário. Ele age como catalisador de valores, costumes, crenças e sonhos influenciando o comportamento individual e a ação coletiva dentro de uma dinâmica em que o passado, o presente e o futuro permanecem emaranhados. Castoriadis ainda enfatiza que o imaginário jamais pode ser concebido como uma faculdade mental inferior, porque ele é a constante e indeterminada criação de imagens, capazes de movimentar a realidade. Tudo o que se apresenta na esfera social está entrelaçado no mundo simbólico. Certamente, nada se esgota nele (simbólico), mas sem ele não consegue sobreviver. Neste capítulo será aprofundada a discussão de todos os aspectos da ação imaginante, levando em consideração a sua dimensão psíquica e social. A finalidade desse “mapeamento do imaginário” é compreender as transformações pelas quais ele passou ao inserir-se no contexto tecnológico. 46 A construção do quadro teórico fundamenta-se na semiótica da cultura de Bystrina, Kamper, Belting e Baitello; na teoria do imaginário, de Castoriadis; na psicanálise, de Freud, na teoria sociodromológica, de Virilio e na epistemologia crítica da cibercultura, de Trivinho, entre outros teóricos e conceitos relevantes, os quais possibilitam compreender que o imaginário é o agente mobilizador e articulador intrínseco da cibercultura. 47 2.1. O IMAGINÁRIO EM REPRESENTAÇÃO 2.1.1. AS IMAGENS: DEFINIÇÃO Desde o início da história, filósofos e pesquisadores se debruçam sobre a complexidade que une a imagem, o imaginário e a realidade. Mas antes de entender essa relação, é necessário definir o sentido etimológico da palavra imagem. No latim, “imago” – imagem – significa retrato de um morto. Na língua portuguesa, segundo o Dicionário Aurélio (2004), ela é a “representação mental, gráfica, plástica fotográfica de pessoa ou objeto; ou a impressão, lembrança, recordação de momentos ou pessoas”. No grego antigo, o sentido dessa palavra está ligado ao termo eidos (idéia), cujo conceito foi desenvolvido por Platão. Para ele, as idéias estão inseridas no mundo das essências verdadeiras. Mas para seu discípulo Aristóteles, as imagens são apenas aquisições mentais de um objeto real. Durante a Idade Média, a imagem era definida como “aliquid stat pro aliquo”, ou seja, algo que está além da concretude do objeto e não possue sentido definido. Na verdade, muitos significados vêm à tona, mas o verdadeiro sentido encontra-se ocultado. Segundo o semioticista Ivan Bystrina (1995), as imagens são inextinguíveis, fazem parte de outra existência e ocupam o status semiótico da segunda realidade13. Para o autor, elas possuem a capacidade de sobreviver independentemente de seus suportes materiais, porque apropriam-se do imaginário humano. Diante disso, Baitello (1995) ressalta que o envolvimento existente entre imagem e o imaginário ocorre primeiro no inconsciente humano. Sabe-se que a mente é uma verdadeira usina de imagens construídas a partir das experiências vividas. A dinâmica dessa construção se dá, essencialmente, por meio da natureza perceptiva das informações envolvidas no processo do pensamento. A complexidade das imagens está relacionada ao seu caráter mágico, o qual permite, simultaneamente, representar algo presente ou ausente. Para serem percebidas e/ou interpretadas, as imagens precisam obrigatoriamente de suportes. Eles permitem que a imagem concretizada e classificada, levando em consideração a sua natureza e a sua linguagem. Mas vale ressaltar, mesmo com ajuda dos suportes alguns significados permanecem invisíveis aos olhos humanos. Isso ocorre devido os sentidos e sentimentos serem imprevisíveis. Ao observar uma imagem, vêm à tona as lembranças presentes na 13 A segunda realidade é, de acordo com Bystrina (1995), “nitidamente um fenômeno psíquico”, construída após o nascimento da linguagem. 48 memória, mas como as imagens penetram no íntimo do ser, elas não deixam de evocar as histórias soterradas e “enraizadas nas profundezas invisíveis do esquecimento”. (BAITELLO, 1995). 2.1.2. ORIGEM DAS IMAGENS: O MITO DA CAVERNA É impossível falar da origem das imagens sem lembrar-se da famosa alegoria “O mito da caverna”. Para introduzir o tema tratado neste item será importante citar um trecho do texto platônico14. “Imagine uma caverna escura, separada por um muro bem alto. Entre o muro e o chão, existe um fino feixe de luz, deixando a caverna em quase completa escuridão. Os moradores daquele lugar, desde o nascimento, convivem com a ausência de iluminação. Vivem acorrentados e de costas para o muro. Ali, não podem ou já se acostumaram a não fazer movimentos bruscos e a olhar apenas a parede do fundo, sem jamais terem visto o mundo exterior; nem a luz do sol. Sem jamais terem, efetivamente, visto uns aos outros e nem a si mesmos. A visão era apenas das sombras. A vida que passa do lado de fora é projetada como imagens sombrias nas paredes da caverna. Os prisioneiros se comunicam, dando nomes as “coisas” que julgam ver e ficam atentos escutando os sons vindos do lado de fora. Para eles, são as vozes das próprias sombras. Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide fugir. Fabrica instrumentos com o qual quebra os grilhões. De início, sente dificuldades de se mexer. Entretanto, enfrentando os caminhos e obstáculos, consegue fugir. Ao primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com quais os seus olhos não estavam acostumados. Após passar o mal-estar, vê, de fato, a realidade. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento: incredulidade porque será – a partir de então – obrigado a decidir onde “habita” a verdade: no que vê naquele momento, ou nas sombras que sempre conheceu; e deslumbramento, porque seus olhos nunca tinham enxergado com “tamanha nitidez”. Apenas esta parte inicial da alegoria platônica é suficiente para ilustrar a relação existente entre a imagem e o imaginário. O sociólogo e antropólogo Dietmar Kamper, inspirado no sentido da palavra latina “imago”, define imagem como a “presença de uma ausência” (KAMPER, 2002, p. 07). Para o autor, as imagens possuem características sombrias, próprias dos habitantes da 14 Trecho extraído, na íntegra, do livro: CHAUI, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2003. p. 11. 49 alimentando o famigerado imaginário, sedento por imagens vazias, assim como os moradores das cavernas, ansiosos por sombras de algo inexistente. Kamper (ibidem) afirma que no transcorrer da história, é possível perceber a importância das imagens. Durante a Revolução Francesa, a tríade razão-ciênciatécnica ocasionou a derrubada da idolatria das imagens da Idade Média. Porém, o próprio princípio da técnica e da superação científica contribuiu para a projeção de um mundo ideal fonte somente de aparências. Durante a Segunda Guerra Mundial, a barbárie e a ditadura conduziram o projeto das luzes e o sonho de progresso ao precipício. Com pessimismo tenaz, Adorno e Horkheimer fazem a constatação da reintegração da razão no terreno fantástico das imagens. No entanto, os autores revelam que “no mundo racionalizado, a mitologia invadiu o domínio do profano” (in. KAMPER, 1974, p. 44). No contexto desencantado da pósmodernidade, as imagens continuam conduzindo a vida humana. Elas apenas abandonaram o campo religioso e místico da Idade Média, deixaram de constituir os sonhos iluministas e passaram a ocupar o reduto da indústria cultural (o cinema, a imprensa, a publicidade etc.). Por isso Kamper enfatiza, “não existe vida sem imagens”. (Ibidem). De fato, as imagens fazem parte da essência e da existência humana. Como já citado, elas nasceram na caverna da percepção do homem e transformaram-se num “oásis de escuridão em meio à luz do dia” (KAMPER, 2002, p. 06). Depois, fizeram-se presente no mundo das palavras, dando significado ao que é perceptivo, extrapolando os limites fortes da razão, até mostrarem-se, despidamente, ao universo exterior, quando finalmente romperam os grilhões e passaram a ser vistas do lado de fora da caverna humana. O primeiro sinal dessa exteriorização remete-se ao Período Paleolítico, época em que homem ainda vivendo no nomadismo, passou a construir instrumentos de auxílio para sua sobrevivência e a desenvolver a arte rupestre. Desde então, as imagens foram sendo projetadas em suportes. Mas mesmo assim, continuavam sendo fruto da introspeccção humana. No entanto, com o passar dos anos, sobretudo, após o desenvolvimento da tecnologia, as imagens proliferaram-se desordenadamente e deixaram de restringir-se a criação humana e individual. A capacidade de reprodutibilidade proporcionada pelos meios tecnológicos contribuiu para que elas perdessem a essência e a profundidade. A luz da velocidade tecnológica, ao mesmo tempo em que ofusca o significado original das imagens, torna evidente todo o seu poder de sedução. Os homens hoje vivem no mundo. Não vivem nem na linguagem. Vivem na verdade nas imagens do mundo, de si próprios e dos outros homens que foram feitos, nas imagens do mundo, deles próprios e dos outros homens que 50 foram feitos para eles. E vivem mais mal do que bem nessa imanência (permanência) imaginária. Morrem por isso. No ápice da produção de imagens existem maciços distúrbios. Existem distúrbios das imagens que tornam enormemente ambígua a vida das imagens e a morte das imagens. (KAMPER, 2002, p 08). Kamper (ibid., p. 09) afirma que o imaginário humano tornou-se refém das imagens. Hoje, elas vigoram soberanas. O cotidiano está permeado de marcas, símbolos, dígitos e ícones. Até mesmos os sentimentos são expressos por meio de códigos (emoticons, avatares, buddy poker) no espaço virtual. A imagem tecnológica ofuscou a realidade, permitindo o indivíduo enxergar somente as formas sombrias projetadas pela luz artificial dos media no interior de “nossas” residências. Porém, evadir da caverna das imagens gera outra dificuldade, nada que emerge somente do real consegue sobreviver. Afinal, é por meio da relação imaginário e imagem que a vida movimenta-se. A dupla premissa diz: “como imagens, os homens são imortais, sem imagens talvez pudessem ser mortais” (KAMPER, 2002, p. 03). Tal afirmativa leva a compreender que o ser humano nunca deixará de produzir imagens. Elas movem o imaginário. E o imaginário é vida, é a ação imortalizadora do ser humano. 2.1.3. A SEDUÇÃO DAS IMAGENS De acordo com Baitello (1995), o ser humano possue a característica de criar seres que atuam sobre seus criadores. Esses seres originam-se no imaginário e ganham vida através das imagens. A história dessa ação aparece sob as figuras titânicas onipotentes. Depois, sob a forma de “deuses justiceiros e reparadores” (HILMAN, 1995) e mais tarde, são representados nas figuras políticas e nas relações entre dominadores e dominados, até todos esses símbolos serem destronados pela tecnologia. O semioticista Belting (in: BAITELLO, 1995) propõe a compreensão da complexa atividade sedutora das imagens a partir das categorias operativas denominadas de “imagens endógenas e imagens exógenas”. As endógenas possuem valores dominantes que conduzem a força imaginativa à interiorização. Podem-se citar inúmeros exemplos artisticamente produzidos pela cultura humana em diversas áreas na arquitetura, na pintura, na fotografia, na literatura, no teatro, que conseguem remeter o indivíduo às profundezas íntimas de seu ser. Opostamente, as imagens exógenas possuem valores exteriorizantes. Elas são criadas e recriadas pela tecnologia e sobrevivem por meio do processo inflacionário. E essa desmesurada proliferação das imagens provoca a perda de seus significados. 51 Diante do descontrole das imagens causado pelos aparatos tecnológicos, sobretudo, pelos media, Flusser (1995) afirma que a invasividade e a onipresença da imagem é a terceira catástrofe provocada pelo homem. Ainda de acordo com o autor, a primeira catástrofe seria a transição da fase arborícola para o nomadismo. A segunda, o assentamento do nômade, a posse e o cultivo da terra; e a terceira equivale à perda dos espaços de privacidade e de projeção que são invadidos pelo “furacão da mídia”. (Ibid., p. 45) Vilém Flusser foi um importante pensador tcheco que viveu no Brasil por 31 anos e se ocupou em refletir sobre as densas possibilidades de construção de imagens numa sociedade cada vez centralizada na tecnologia. Para ele, as imagens produzidas pelas máquinas tecnológicas já estão programadas para essa finalidade. Elas estão previamente inscritas na própria memória de funcionamento dos programas. Na verdade, os programas são formalizadores de um conjunto de procedimentos conhecidos, onde parte do elemento constitutivo de determinado sistema simbólico, bem como as suas regras de articulação são inventariados, sistematizados e simplificados para serem colocadas às disposições de um usuário genérico, preferencialmente leigo. Flusser denomina de “funcionário” aquele que interage com os objetos tecnológicos e extrai deles as imagens técnicas. Para o funcionário, as máquinas infotecnológicas são “caixas pretas” cujo seu funcionamento e o seu mecanismo gerador de imagens não são totalmente conhecidos. O usuário lida apenas com o canal produtivo, mas não com o processo codificador interno. Porém, isso não importa, tais “caixas” tecnológicas seduzem por meio de um discurso “amigável”. Ou seja, elas podem funcionar e colocar em operação o programa gerador de imagens técnicas mesmo quando o indivíduo que as manipula desconhece o que se passa em suas entranhas. O usuário deve dominar apenas o input e o output das “caixas pretas” e saber como acionar os botões adequados, de modo a permitir que o dispositivo ativasse as imagens desejadas. Assim, o sujeito escolhe, dentre as categorias disponíveis no sistema, a mais adequada para construir o que deseja. O poder da escolha faz com que o funcionário acredite estar exercendo a liberdade de criar as suas próprias imagens. As imagens criadas com o auxilio da tecnologia são muito mais livres e enigmáticas. Por isso, exercem o poder de dominar, de “hipnotizar” os olhos humanos. No que se refere à sedução, Baudrillard (1996) lembra que esse é um processo dual. “Ninguém pode seduzir, se não estiver seduzido. Ninguém pode jogar sem o outro, é a regra fundamental” (ibid., p. 92). Logo, as imagens não seduzem o imaginário humano sozinhas, como revela o autor, o homem sempre esteve seduzido por elas. 52 O sujeito deseja, o objeto seduz. A relação existente entre sujeito e objeto não é estabelecida por meio de trocas, mas pela lei da compensação. Em outras palavras, as imagens seduzem compensando as carências íntimas do sujeito, causando-lhe prazer, mesmo que momentâneo. A sedução, como a paixão, alimenta-se da fome. Vive o excesso da falta. Nutre-se da vertigem pelo nada. Alimenta-se de si mesma numa espiral de gasto inútil e sem retorno [...]. (MACHADO, 2003, P. 27). Vale ressaltar que o poder sedutor das imagens não está somente ligado aos suportes tecnológicos. Os gregos, por exemplo, cultuavam os deuses, seres imortais com capacidade de agirem na vida dos seres humanos 15. Na tribo dos xamãs, a figura da serpente possuía um significado especial, simbolizava a força da natureza sobre as ações humanas. (BYSTRINA, 1995, p. 31). Os relatos bíblicos do cristianismo também revelam o poder das imagens. Por exemplo, a figura da serpente também é mencionada. No entanto, diferentemente da tribo xamânica, ela não é adorada, mas é utilizada como instrumento das ações de divinas. A imagem da serpente exerce um simbolismo dual no cristianismo. No contexto de Adão e Eva, aparece como símbolo da fraqueza humana. Assim como, revela-se instrumento da “força divina” no momento em que Moisés precisa libertar seu povo da escravidão no Egito16. Outra simbologia importante no cristianismo é a prática da ceia, ainda repetida durante a missa nos dias de hoje. A partilha do pão e do vinho é a possibilidade do homem estar mais próximo de Deus. O símbolo da aliança entre o ser divino e a humanidade, concretiza-se na imagem da hóstia sagrada. As imagens também estão presentes nos sonhos. Sabe-se que não é apenas o homem que sonha outros animais também o fazem. Segundo Bystrina (ibid., p. 14), o sonho humano acontece na fase REM do sono, porém não fica apenas nela. As imagens que se produzem durante a noite, muitas vezes estão desconexas com a realidade física ou social do sonhador. Apesar disso, conseguem causar sensações múltiplas (tristeza, alegria, impacto) como se realmente tivessem ocorrido. O autor relata que em comunidades primitivas de aborígines australianos, o sonho exercia a função criadora. 15 Na concepção greco-romana, os deuses eram seres supremos. Presidiam os fenômenos atmosféricos, recolhiam e dispersavam as nuvens, comandavam as tempestades, criavam relâmpagos. Por outro lado, mandavam chuva benéfica para fecundar a terra e endurecer os frutos. 16 De acordo com o relato bíblico, na época em que os israelitas estavam no Egito e queriam sair em busca da terra prometida. Moisés atirou o seu cajado diante do faraó, mas os servos do faraó fizeram a mesma coisa. Os cajados se transformaram em serpentes, porém, o cajado de Moisés devorou as outras serpentes. 53 [...] o sonho é o próprio momento de criação de tudo o que existe. Os primórdios da criação, quando todos os seres surgiram, são designados por esses aborígenes como o “Tempo dos Sonhos”. Na sua narrativa, os primeiros seres sonhavam as plantas, os animais; depois desenhavam seus sonhos e rochas e lhes davam a alma. A partir dos desenhos na rocha, os seres adquiriram corpo, materialidade. (BYSTRINA, 1995, p. 14) A narrativa aborígine faz recordar do “sonho criador de Deus”, quando, em sete dias, povoa o planeta com a rica diversidade de plantas e animais, além de fazer o homem a sua imagem e semelhança. A partir de então, o ser humano acredita ser “imagem e semelhança de Deus”, mas convive com a imperfeição própria de sua natureza, é mortal. Por isso, o indivíduo busca incessantemente as imagens. Elas agem como possibilidade de ofuscar o medo da morte. Somente as imagens conseguem imortalizar o sujeito e fazê-lo atingir a perfeição, característica dos seres divinos. (KAMPER, 1995). Dentro ou fora dos sonhos, as imagens dão sentido ao mundo real. As expressões artísticas, os mitos, as esculturas reverenciadas nas religiões ou em culturas diversas revelam o quanto a imagem é importante na vida do ser humano. Baitello (1994) lembra que, após algum tempo, as pinturas rupestres depositadas no interior das cavernas pelos ancestrais humanos, contribuíram para a criação de objetos como adornos, utensílios, apetrechos. Este deslocamento da imagem estática, existente apenas do plano imaterial, para o mundo real com finalidades práticas no cotidiano, pode ser entendido como a primeira forma de mobilidade das imagens. [...] Objetos móveis passam a ser portadores dos registros antes circunscritos aos espaços interiores ou de interioridade. Está dado o momento em que encontramos as primeiras inscrições sobre pedras, sobre madeira, sobre os ossos de animais, sobre a areia, sobre a argila fresca e sobre o papiro. São materiais da luz do dia, não mais presos dentro das cavernas, mas móveis, passíveis de transportes e de longos deslocamentos, como seus possuidores ancestrais. (BAITELLO, 1995). Primeiro, as imagens deixaram de existir apenas na imaginação humana e passaram a habitar o interior das cavernas. Mas, não perderam a sua essência: serem figuras representativas da introspecção humana. Ao deslocarem-se das paredes frias das cavernas para o mundo real, as imagens libertaram-se do obscuro e passaram a viver sob a luz do dia. Elas ganharam o espaço aberto e apoio dos suportes luminosos da tecnologia. Então, “ao invés de imagens inscritas, o que passamos a ter são imagens sobrescritas numa fina película de pigmentos que se colocam sobre uma superfície” (Ibidem). 54 Este mecanismo de sobreposição facilita uma característica (e talvez aquela caracterização mais simples que nós teríamos da imagem): a de que toda imagem é uma superfície. E, tendo-se transformado em superfície, a imagem deu origem a todas as outras superfícies tecnicamente desenvolvidas para receber imagens: o couro, a madeira, o papiro, o papel e depois as telas de vidro, as telas de luz e suas variantes. A leveza da sobreposição já não precisava mais cavar as entranhas materiais e do suporte. (BAITELLO, 18995, p. 53). As imagens ao se sustentarem em suportes cada vez mais simples e fáceis de reprodução em larga escalam, proliferam-se exacerbadamente e invadiram o cotidiano. É impossível estimar quantas imagens externas atingem o imaginário dos habitantes do planeta. Com certeza, a quantidade delas é tão grande que a capacidade da imaginação humana jamais conseguiria mensurar. Principalmente, porque são construídas pelas velozes “máquinas de fazer imagens”. (SFEZ, 1994, p. 34). A partir do momento em que as imagens passaram a habitar o planeta, perderam a sua essência e tornaram-se referência de si mesmas. (ibid., p.75). De acordo com Baudrillard (1996), o mundo real é cada vez mais dispensável e distante para as imagens. Elas deixaram de ser vetor de mediação entre homenshomens e entre homens-mundo para serem vetores de dispersão da realidade. As imagens se tornaram seres auto-suficientes e independentes. Fizeram um pacto com a luz dos media e cegaram os olhos humanos. Hoje, a sociedade encontra-se numa situação bem parecida com aquela vivida pelo morador da caverna, sedento em se libertar do mundo das imagens. Porém, a dificuldade é enxergar, de fato, o real. Afinal, os olhos já estão acostumados a ver somente a superficialidade das imagens. É justamente na superficialidade que reside à sedução das imagens. Ela desafia o imaginário a “descobrir os seus segredos”, a enxergar além da superfície. Mas, isto não é possível. Nunca se consegue atingir o âmago da imagem. Não existe meio de desvendar todos os mistérios dela. “Por mais que olhemos, não penetramos, não atingimos nunca o dentro, a escuridão que é aquilo que gerou a nossa vida e a nossa capacidade imaginativa, nossa capacidade de produzir imagens” (BAITELLO, 2005, p.72). 55 2.2. CONTRIBUIÇÕES DO IMAGINÁRIO 2.2.1. DESVENDANDO O IMAGINÁRIO: CONCEITOS Na alegoria platônica, os habitantes da caverna ao verem as sombras (imagens) projetadas na parede, nomeavam as “coisas” que julgavam ver associando-as aos sons vindos de fora. Para eles, aquele som era a “voz das imagens”. Mesmo não conhecendo a realidade existente do lado de fora das paredes úmidas das cavernas, os moradores “imaginavam”, davam sentido ao que viam. Enxergavam naquelas figuras mal definidas os seus sonhos, seus medos e seus anseios. Elas ganhavam vida. Vida originada da força imaginal e que acabou impelindo um dos moradores da caverna a procurar a liberdade. Essa força impulsionada das ações concretas é o imaginário. Ele é o pensamento simbólico que ativa os diferentes sentidos. Constrói os esquemas de reconhecimento social e dinamiza a evolução de sua própria produção. E, justamente, pelo fato desse pensamento simbólico ser um “mundo criador”, torna-se difícil de ser definido. Entender as estruturas do imaginário remete a tautologia, uma vez que a única via de acesso depende do próprio pensamento simbólico. Por esse motivo, o termo imaginário está associado a uma infinidade de outros termos, como: mito, imaginação, sonho, devaneio, fantasias etc. No entanto, todas essas palavras, assim como o próprio conceito de imaginário está envolto num cenário nebuloso, afinal ele é sombra que se movimenta nas paredes da mente humana. É impossível dar apenas um significado ao imaginário. Ele pode ser tudo o que existe e o que não existe, uma espécie de mundo oposto à realidade ou uma produção de devaneios de imagens fantásticas que permitem a evasão para longe das preocupações cotidianas e também pode ser resultado da força criadora radical dos indivíduos. O imaginário parece resistir a todas as tentativas de definição precisa. Apesar de ser da mesma natureza da racionalidade, o imaginário não admite fixar-se em explicações racionais, pois, a própria razão está fixada em ações imaginárias. A máxima de Descarte, “cogito ergo sun” ou “penso logo existo” que norteou todo o pensamento racional moderno, não deixa de fazer referência a maior capacidade inerente do ser humano, o imaginação. Ele funciona como a bússola orientadora da existência humana, conduzindo a história e as realidades culturais, bem como, todos os processos subjetivos: os sentimentos, os sonhos e racionalidade. 56 No entanto, durante algum tempo, o imaginário não era reconhecido. Falava-se sobre mitos, razão, religiosidade, pensamento, impulsos, libido, mas nunca do imaginário. A seguir, será relatado um pouco da história dos conceitos de imaginário, baseada na obra descritiva de Barbier (1984). 2.2.1.1. FASE DE SUCESSÃO A primeira fase do conceito de imaginário caracteriza-se pela atualização do pensamento racional e pela potencialização da função imaginante do ser humano. Após os pré-socráticos, o pensamento grego impôs o dualismo entre o real e o imaginário, separando a sensação, a percepção, os sentimentos e as condutas da fantasia do sonho e dos mitos. Détienne e Vernant (1978) afirmam que desde a epopéia homérica até o século III a.C, os “poderes” do imaginário começaram a ser concebidos como ações do sobrenatural e, por isso, foram marginalizados. Por volta de 432 a.C, em Atenas, transformouse delito misturar crenças sobrenaturais com os conhecimentos ligados à astronomia. Isso porque os conhecimentos astronômicos começaram a representarem o primeiro contato com o campo científico formalizado. Porém, as condições intelectuais da ciência, criadas a partir do século IV, estavam distantes de triunfar. A própria filosofia de Platão, por exemplo, continuou a fazer apelo ao mito e a justapor um grande rigor de raciocínio às concepções místicas ou religiosas. Sócrates não hesitava em invocar o seu “demônio” quando necessitava executar algum tipo de atividade. Esse “demônio” representava sua força interior que orientava as suas condutas. Aristóteles acreditava nos sonhos premonitórios como representação dos desejos ou do temor que suscitavam a representação onírica de um evento provável de acontecer ou de algo a ser evocado pelo indivíduo logo em seguida. Com o advento do cristianismo, a tendência religiosa prevaleceu sobre a tendência científica grega, provocando confronto entre a religião revelada e as argumentações racionais, causando certa elevação do imaginário. Sabe-se que as simbologias cristãs, sempre estiveram carregadas de pulsões imaginais. Durante o Renascimento reapareceu a sucessão grega. O abandono do ideal contemplativo colaborou para o surgimento da obrigação de criar um pensamento ao mesmo tempo rigoroso e apropriado aos fenômenos vividos. A ação passou a não ser antítese de conhecimento. Nada seria indigno de ser conhecido, embora, fosse necessário o encontro dos métodos de conhecimento. Nesse momento, sobressaiu o pensamento de rigor intelectual racionalista moderno de Descartes, o método cartesiano. 57 Após Descartes, os filósofos começaram a julgar severamente a imaginação enquanto faculdade, modo de exercício de pensamento. O imaginário passou a ser concebido como forma de mascarar o real. Nunca alguém poderia aprender algo por meio do imaginário. Sartre (1971) afirma que cada ser humano possui a capacidade de dominar o objeto real. Os objetos “fantasmas” alteram o real e tornam o sujeito inábil diante das situações complexas da realidade. Para o autor, existe “um abismo que separa o real do imaginário” (ibid., p. 168). A cada instante que o sujeito apropria-se do real, o EU imaginário desaparece e passa a dar lugar ao EU real. 2.2.1.2. FASE DE SUBVERSÃO A fase da subversão é caracterizada por uma nova concepção de imaginário e pela potencialização do real/racional. Vale ressaltar que entre os gregos essa ambivalência já era possível de ser notada. Para eles, existia uma espécie de impossibilidade de se desfazer do imaginário e, por isso, era necessário reconhecer o seu valor positivo. Essa posição de reconhecimento das “ações imaginais” tornou-se mais explícita no século XIX, quando o imaginário transformou-se no único real. A elevação do imaginário revela o abismo existente entre o real e o imaginário. Na tentativa de resolver o problema, passou-se a acreditar que as força psíquica do indivíduo, liberada dos entraves das urgências perceptivas, seria capaz de separar a realidade exterior e ouvir as “possíveis vozes interiores” (BARBIER, 1984, p. 18). Tal pensamento, apesar de ser uma proposta de união entre imaginação e realidade, reforça a relação abismal existente entre eles. Por isso, o imaginário permaneceu potencialmente subversivo mantendo-se ao mesmo tempo oculto e voluntariamente ignorado. 2.2.1.3. FASE DE AUTORIZAÇÃO A fase da autorização iniciou-se no século XX e também caracteriza-se pela busca de equilíbrio entre o imaginário e o real. Este período é rico em contribuições intelectuais e alguns autores destacaram-se nesta fase, como Barchelard (1974), Durand (1969) e Castoriadis (1986). Barchelard (1974) considera a função do irreal tão útil quanto à função do real. O autor afirma que o homem da ciência – o homem diurno – deve atuar no domínio da consciência, no locus da técnica e da razão; e o homem da poiesis – o homem noturno – 58 enraizado nos domínios arcaicos, profundos e ainda desconhecido da psique, tem a responsabilidade de atuar no locus da criação. Vale observar que Barchelard, ao mesmo tempo em que potencializa a razão, também evidencia que ela é incapaz de atingir sozinha o nível ontológico. Esse só pode ser atingido por meio da função psíquica fundamental, a poiesis, criação. Nesta fase, outro teórico que se destaca é Durand17 (1969). Em seus estudos sobre o imaginário, o autor propôs-se “recensear” as imagens que constituem o “capital homo sapiens” (ibid., p.12). Para ele, a coleta de imagens gera uma série de conjuntos constituídos em torno de núcleos organizadores (constelações e arquétipos) com a finalidade de servir como instrumento de normalização para estudo com fins científicos. Paralelamente as compreensões ao novo espírito antropológico iniciado por Durand, Cornelius Castoriadis (1986) também apresentou uma via de acesso para compreensão do imaginário, analisando as ações provocadas por ele no contexto social. Castoriadis foi antigo animador do grupo “Socialisme ou Barbarie”, durante o período de 1949 a 1965. Economista do OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), psicanalista e sociólogo, esse intelectual heterodoxo se interrogou sobre a experiência do movimento operário, as burocracias comunistas (partidos, estados, sindicatos), os obstáculos do pensamento marxista, antes de abordar o lugar do imaginário no processo (sócio-histórico) de auto-instituição da sociedade. O autor faz rigorosas objeções às concepções de Marx. Para ele, as formas de associações dos trabalhadores – decorrentes do socialismo – se tornaram ultrapassadas. O ritmo de trabalho não é individual, como afirmam as teorias capitalistas de organização, mas ditado pelo ritmo de trabalho do “conjunto” ao qual pertence. Tratando-se de um conjunto de operários, em regime socialista somente este próprio conjunto deve determinar tal ritmo, o que transforma um suposto problema de remuneração (fruto do “pensamento herdado” capitalista) em um problema de gestão operária da economia – modo de pensar socialista. Castoriadis adverte ainda que esta nova forma de dimensionar a questão não resulta em solução mais fácil: o estabelecimento coletivo dos ritmos e das equivalências entre desperdícios de energia em atividades diferentes pode conduzir a muitos erros a serem permanentemente corrigidos até chegar às soluções ao menos provisórias. Esses erros, porém, seriam fecundos para o desenvolvimento do socialismo, ao passo que “enquanto se colocar o problema sob forma do „salário pelo rendimento‟ ou do „direito burguês‟, permaneceremos de 17 Durand foi fundador do Cantro de Pesquisa sobre o imaginário (C.R.I) em Grenoble, no ano de 1966. 59 imediato no âmbito de uma sociedade de exploração” (CASTORIADIS, 1986, p. 62). O autor sugere que a idéia de “homem econômico” foi criada pela sociedade burguesa à sua própria imagem e semelhança. Ou melhor, à imagem e semelhança do burguês na sociedade burguesa e não a imagem do operário. Nesse sentido, o pensamento marxista deveria lutar para desembaraçar-se da penetração do modo de pensar capitalista em suas problematizações, teorias e ações revolucionárias, mesmo que tal modo de pensar provenha do próprio Marx. A militância e o empenho nos estudos sobre a teoria marxista impulsionou Castoriadis a romper com o trotskismo em nome das fontes vivas do marxismo, mas levando igualmente a seus últimos limites. Após penetrar o cerne da teoria, pouco a pouco vai abandonando o a teoria e avaliando que o prosseguimento (ou mesmo recomeço) do projeto revolucionário demanda a destruição das bases doutrinárias vigentes. Em 1975, o autor publicou a obra “A instituição imaginária da sociedade”, título que celebrizou todos os termos empregados. Não é fácil explorar seus escritos. Os textos condensam anos de trabalho, com vista não exatamente a uma nova teoria que tomasse o lugar do marxismo, mas a uma elucidação inseparável de um projeto político. Abordado dentro das classificações epistemológico-filosóficas habituais, não podem e não devem ser congelados em formatos já instituídos. A teoria proposta por Castoriadis não é marxista, freudo-marxista, historicista, hegeliana, fenomenológica, sartreana, heideggeriana ou estruturalista, embora faça menção a todas essas vertentes. Analisada do ponto de vista das idéias (de que lança mão) é extremamente poliforma: história como criação, imaginário social, autoinstituição da sociedade, imaginário radical, instituinte e instituído, sócio-histórico, autoalienação, sociedade heterônoma e autônoma, lógica conjuntiva-identitária, pensamento herdado e magma de significações são algumas categorias originais investigadas e conceituadas pelo o autor. É um desafio expor as idéias de Castoriadis sem recair no que ele tanto combate, transformar a sua teoria na “busca pela lucidez em luz no fim do túnel”. (CASTORIADIS, 1986, p. 13). 2.2.1.4. AS SIGNIFICAÇÕES IMAGINÁRIAS: IMAGINÁRIO RADICAL E IMAGINÁRIO SOCIAL O termo imaginário leva imediatamente a pensar em psicanálise. Essa afirmativa não está totalmente errada, mas, antes de tudo, vale lembrar que Castoriadis (1986) não visava articulações e/ou conciliações entre Marx e Freud. O que o autor faz é fundamentar-se em alguns conceitos psicanalíticos, em especial o imaginário, desviando-o de 60 seu sentido canônico e promovendo novos significados. Ele faz questão, no prefácio de seu livro “A instituição imaginária da sociedade”, de distinguir seu trabalho de eventuais construções de teoria no sentido herdado do termo. Ao invés de teoria, Castoriadis chama de “elucidação”, ou seja, a procura por uma lucidez indispensável a um projeto político, fundamentado nas transformações constantes da história e, conseqüentemente, da sociedade. De acordo com o autor, o processo sócio-histórico é coletivo, anônimo, humano e impessoal. Ele serve para localizar a sociedade e inseri-la nos mais variados contextos, inscrevendo-a numa lógica de continuidade em que estejam presentes o “que não existem mais, o agora e ainda o que está por nascer”. Sendo então, ao mesmo tempo, estruturas dadas, instituições e obras materializadas (concretas ou não) e também “o que” estrutura, institui e materializa. Ou seja, é a “união e a tensão da sociedade instituinte e da sociedade instituída, da história feita e da história se fazendo”. (Ibid., p. 131). Dessa forma, é fácil compreender porque a história pode ser definida fundamentalmente como poiesis: uma criação constante capaz de proporcionar transformações constantes. Nessa perspectiva, o social-histórico se auto-institui não como ordem identitária ou dialética, nem como caos, mas na qualidade do que Castoriadis denomina de magma de significações. O magma é uma diversidade em principio irredutível à lógica conjuntista-identitária, sendo impossível dizer/representar o modo de ser daquilo que se transforma em condição da lógica sem apelar, de algum modo, para esta própria lógica. Então, do que trata a lógica conjuntista identitária? É tudo aquilo que possa ser reconhecido como “marca” da sociedade. É a impressão deixada pelo passado, o qual influencia o modo de pensar e agir no presente e colabora para construções de novas projeções no futuro. Para compreender melhor, utilizaremos a linguagem como exemplo do pensamento do autor. Toda a palavra é aberta e os seus significados (magma) ultrapassam os limites da percepção humana (lógica conjuntista identitária). Ou seja, a palavra “mesa” referese a um objeto concreto. A ligação indissociável entre objeto-nome é algo que já foi herdado dos antepassados e por isso pode ser afirmado como parte da lógica conjuntiva-identitária da sociedade. Porém, a constituição do objeto jamais vai reduzir os múltiplos sentidos que a palavra proporciona. Uma única palavra pode reportar a infinitas “remissões”, mas nunca se esgotará “no que seria a coisa em si”. (CASTORIADIS, 1986, p. 394). Essa impossibilidade de esgotamento dos sentidos deve-se a movimentação constante do magma de significações. Segundo Castoriadis, o motor que movimenta toda a existência humana é o imaginário. Ele constitui o social-histórico, envolve a lógica conjuntiva-identitária, e movimenta o magma de significações da sociedade. Para compreender a extensão da ação 61 imaginária, o autor classifica o imaginário em radical e social. O imaginário radical origina-se no interior da mente humana; depois, passa a reinar como social-histórico e como “psiquesoma”. Como o sociol-histórico, absorve os significados coletivos e anônimos e como “psique-soma” exerce funções no âmbito representativo, afetivo e intencional. Já o imaginário social é posição, criação, fazer ser. Ele articula e dá sentido a sociedade instituinte, impulsionando o movimento das significações sociais (magma). O imaginário radical cria as significações e o imaginário social propaga, modifica e a instala no cerne da sociedade. As contribuições imaginárias estão presentes em todos os momentos da vida humana. Seja na descoberta do fogo, nas pinturas no interior das cavernas primitivas, no modo de vida nômades, nas construções de apetrechos de guerra ou de instrumentos para auxílio na caça e na pesca, na organização dos sistemas feudais, no pensamento burguês, nas ações revolucionárias, nas críticas socialistas ao sistema capitalista, no modo de sobrevivência durante os conflitos, nas batalhas sangrentas das guerras mundiais, nos sofrimentos dos exilados nos campos de concentração nazistas, no terror das bombas que devastaram Hiroshima e Nagasaki, nas matanarrativas emancipatórias, nas “tecnoteleologias sui generis” da comunicação, bem como, no vestuário, nas gírias, na política, na economia, nas relações afetivas e nas ideologias, enfim, tudo só tem sentido no e pelo imaginário. Por isso, Castoriadis ressalta que “falar das significações imaginárias sociais quer dizer também que essas significações são presentificadas e figuradas pela efetividade dos indivíduos, dos atos e dos objetos que eles informam. (Ibid., p. 514). O imaginário instituído na sociedade determina o que é “real‟ e o que não é. Habita no que tem sentido e no que é desprovido dele. Uma sociedade não vive sem mitos, lendas, crenças, utopias, sonhos e projetos. Elas estão inseridas no sistema de interpretação do mundo para incentivar a sociedade a investir de significações o mundo. 62 2.3. O IMAGINÁRIO NA CIBERCULTURA No domínio acadêmico, as palavras parecem ser difíceis de serem definidas. Foi assim com o termo “pós-modernidade”, cuja popularidade entre os teóricos das ciências sociais não cessou em ser investigado até meados da década de 90. Nesta época, falava-se exaustivamente de “sociedade pós-moderna”, “sociabilidade pós-moderna”, “estética pós-moderna” entre outras variações, mas todos os conceitos possíveis revelavam a incerteza quanto o processo de transição da modernidade para a pós-modernidade. Algo semelhante aconteceu com a palavra cibercultura que, hoje, desfruta de significativa notoriedade nos meios acadêmicos. O termo quase sempre se refere ao contexto cultural totalmente dominado pela tecnologia. Segundo Davis (1999), toda cultura é desde sempre uma “tecnocultura”. Porém, a cibercultura equivale a esfera da experiência contemporânea na qual a tecnologia passa a ser pensada como fator central determinante das vivências sociais, das sensorialidades e das elaborações estéticas. Ou seja, ela é muito mais do que uma tecnocultura. A cibercultura representa o momento em que a tecnologia se coloca como vetor essencial de articulação da sociedade. Desde a Revolução Industrial, as experiências tecnológicas mantêm um relacionamento paradoxal com a humanidade. Ao mesmo tempo em que impulsionam a evolução da história, também se constituem em problemas explícitos para a humanidade. No que tange às tecnologias comunicacionais, o surgimento dos meios de massa se convertem em temática central desde meados da década de 40. Nesse sentido, “A dialética do esclarecimento” (1947), de Adorno e Horkheimer, pode ser considerada uma obra emblemática daqueles instantes iniciais em que a comunicação massiva se constituía como força determinante. Os debates no campo das ciências humanas e sociais giravam em torno da “ação alienadora” dos media, concebidos como “reprodutoras” das ideologias vigentes. A “indústria cultural” (cinema, rádio, televisão) era concebida como instrumento de padronização de comportamentos e como limitadora do senso crítico, visando o fortalecimento do sistema. Atualmente, já é possível perceber que os meios de comunicação (de massa ou interativos) não reproduzem e nem fortalecem o sistema, eles são o próprio poder e o próprio sistema que conduz a sociedade. Sabe-se que durante algum tempo os mass media reinaram absolutos. Mas, na década de 90, começaram a perder espaço para os media interativos que rapidamente 63 caíram no gosto do usuário (consumidor tecnológico). Afinal, a comunicação passiva dos meios de massa foi transformada em comunicação interativa. O indivíduo passou a atuar como agente direto do processo comunicacional mediado pela máquina. Não há como negar que se vive um momento de inaudito fascínio pela tecnologia. A miniaturização das máquinas de comunicar, bem como sua crescente mobilidade presente em aparatos como telefones celulares, palmtops e notebooks tornaram a comunicação mediada num fenômeno ubíquo. O lema é “comunicar sempre, cada vez com mais freqüência”. Nesse sentido, Sfez (1994) acrescenta que todas as tecnologias de vanguarda se aliaram a comunicação. Assim a cibercultura pode ser definida como o instante supremo de realização da comunicação tecnológica, mas também não se reduz a só isso. Na verdade, ela é a uma nova configuração social e imaginária. Felinto (2003) recorre à antropologia para lembrar que esta geração não é a primeira a maravilhar-se com as rápidas e extraordinárias mudanças provocadas pela comunicação. No entanto, a marca ontológica que diferencia a cibercultura de outros períodos precedentes é a propalada passagem do paradigma “analógico” para o “digital”. O fenômeno cibercultural assinala sua especificidade com base nesse novo modelo tecnológico, cujas características ultrapassam todo e qualquer modelo anterior. A maior delas foi à informatização do mundo. Toda natureza, inclusive a subjetividade humana pode ser compreendida por padrões funcionais passíveis de digitalização em sistemas computadorizados. Um dos melhores exemplos de processos de “informatização” é o mapeamento do genoma humano em computadores que desfiam as seqüências genéticas binárias. Nesse sentido, o pós-humanismo representa o desdobramento direto da “visão de mundo” cibercultural. Se o sujeito pode ser traduzido em partículas de informações discretas, por que não seria possível aperfeiçoá-lo por meio da manipulação consciente dessa mesma informação? Só não seria possível, como também já existem métodos (ou softwares) capazes de duplicar ou modificar pessoas e/ou objetos (como o photoshop18, o processo de rotoscopia digital19 dos cinemas, até a biotecnologia, a clonagem e a manipulação de células18 O photoshop é um software caracterizado como editor de imagens bidimensionais do tipo raster (imagens que contém descrição em cada pixel). Foi desenvolvido pela Adobe Systems e é considerado o líder no mercado de editores de imagens profissionais. Ele está disponível para sistemas operativos Microsolf Windows e Mac OS-X, mas também pode ser rodado no Linux, através da camada de compatibilidade. 19 Rotoscópia é um dispositivo que permite os animadores redesenhar quadros de filmagens para serem usados em animações. Pode ser utilizado para animar uma referência filmada ou com auxílio de outros aparatos tecnológicos (motion tracking e onion-skinning), reproduzir (scanear) pessoas e objetos para serem posteriormente manipulados por meio da computação gráfica. Esse método de animação é bastante utilizado nos efeitos especiais do cinema. O primeiro a utilizá-lo foi Walt Disney, no filme “Branca de Neve e os sete anões”. 64 tronco). No universo cibercultural, cada átomo converte-se em informação e comunicação. Logo, a informação pode ser compreendida como conceito-chave da cibercultura. Diante desse panorama e de todos os elementos nele incluídos, como explicar o fenômeno cibercultural? A explicação só poderia vir da categoria que possibilita penetrar no interior de todos os sistemas e os obriga a afinar conceitos, quer trate do simbólico, do estético, do conhecimento e de seus prolongamentos dirigiridos ao social. Ele se encontra no centro de todos os dispositivos do saber. “Força central, condição inevitável da vida em sociedade” (FELINTO, 2003, p. 20), o imaginário se encontra na fundação de todas as formas de conhecimento, nas práticas e nas representações sociais. Vale recordar que há algum tempo atrás, a categoria do imaginário desfrutava de popularidade acadêmica. Principalmente na década de 70, a temática atingiu seu ápice nos trabalhos de Durand e Castoriadis. Depois, os estudos sobre o imaginário passaram por certo arrefecimento. Porém, no âmbito da cibercultura, o imaginário reaparece como conceito importante, impondo-se no campo científico. Autores como Sfez (1996), Ferrer (1996), Lemos (2002), Trivinho (2007) e Rüdiger (2002) denominam a força social que projeta sobre a tecnologia determinadas imagens, expectativas e representações coletivas de “imaginário tecnológico”. Dessa forma, a cibercultura poderia ser definida como imaginário tecnológico fecundado a partir do paradigma digital. Esse imaginário tecnológico compreende aos processos, projetos e sonhos que se plasmam em aparatos materiais e ao impacto que esses objetos ensejam no cotidiano por meio do imaginário coletivo. A cibercultura se manifesta como imaginário no qual o paradigma digital chega para realizar um sonho imemorial da humanidade: a superação das limitações humanas através do rompimento espaço-tempo, a manipulação da realidade convertida em padrões de informação, “a conquista absoluta da natureza e das leis do cosmo – em uma só palavra – a divinização do homo ciberneticus” (FELINTO, 2003, p. 32). As crenças (os mitos, as metanarrativas etc.), aparentemente, superadas pelo conhecimento científico, retornam – no contexto cibercultural – na forma de “fetichismo” tecnológico no qual máquinas adquirem valor imanente e são pensadas como seres dotados de “inteligência artificial”. e depois se popularizou. Algumas produções destacam-se na utilização desse recurso: A trilogia “Guerra nas Estrelas” (utilizado para construir os sabres luminosos), A trilogia “Matrix” e em especial “A scanner darkly”, filme todo produzido por meio da técnica de rotoscópia, sendo utilizada para transformar os “seres reais” (atores) em ilustrações simuladas de traço de linha e tinta. No campo da música, destaque para o vídeo clip da música “Take on me” da banda norueguesa A-ha, na década de 80 e “Black or White” de Michael Jackson, em meados de 90. 65 Além do fascínio pelas máquinas “inteligentes” e pela comunicação de uma forma geral, a cibercultura também contribui para mudanças de comportamento e nas relações sociais. Lemos (2002) recorda do aparecimento da atitude “cyberpunk”, a saber, um estilo de vida (undergroud) inspirado no movimento homônimo de ficção cientifica que associa “tecnologias digitais, psicodelismo, tecnomarginais, ciberespaço, ciborg e poder midiático, político e econômico dos grandes conglomerados multinacionais” (ibid., p. 200). Segundo o autor, “os cyberpunks são outsiders, criminosos, visionários da tecnologia. Eles encarnavam, na ficção e na vida real, uma atitude de apropriação vitalista da tecnologia”, orientada pelo tema “do it youself”. Esse undergroud hightech, direta ou indiretamente, é herdeiro da contracultura tecnocrática das décadas de 60 e 70, contudo não há mais rejeição às tecnologias, ao contrário, a apropriação e o desvio na lógica de produção, consumo e a utilização delas abre uma possibilidade para escapar do controle social imposto pelos tecnocratas. A libertação pretendida vai além de possíveis coerções sociais, abrange também a superação das limitações do próprio corpo humano, seja por meio de próteses, de manipulações biotecnológicas e até o uso de drogas. Tal fato é semente da utopia do corpo perfeitamente saudável, lembra Sfez (1996). A cibercultura revela um apelo à transcendência e ao misticismo (como citado anteriormente). De acordo com Timothy Leary – um dos destaques da contracultura dos anos 60 e, posteriormente, do movimento cyberpunk afirmam que o “computador pessoal é o LSD dos anos 90” (aput. DERY, 1999, p.28). Se nos anos 60 falava-se de psicodelismo, a partir dos anos 80 o que se destaca é a “ciberdelia” que “reconcilia os impulsos transcendentais da contracultura dos anos 60 com a informania dos anos 90”. (Ibidem., p.29). A apropriação das tecnologias informáticas pode, então, ser compreendida em duas direções: uma pessoa, com o propósito de manter o corpo livre e superpotencializado e a outra social. Neste caso, promove-se a “democratização” da tecnologia: todos podem e devem usufruir dos benefícios gerados pelos avanços tecnológicos. Esta era a ideologia propagada pelos cyberpunks, “computers for the people”. Vale ressaltar, essa utopia democrática da informatização não atingiu o seu objetivo. Apenas uma minoria conseguia dominar os conhecimentos técnicos específicos. Para rebelar-se contra a “exclusão” provocada pela tecnologia, jovens chamados harckers passaram a usar a tecnologia contra os infotecnocratas. Passando algum tempo, os jovens da “era higtech” ao perceberem que o mercado tecnológico cresceu e tornou-se rentável, transformaram-se em poderosos empresários da microinformática. É o caso de Bill Gates, presidente de fundador da Microsoft, Steve Jobs e Steve Wozniak, fundadores da Apple e 66 inventores do famoso Macintosh. Ou seja, os jovens idealistas “hippies” tornaram-se “yuppies”, executivos infotecnocratas bem sucedidos. O imaginário cibercultural não é somente alimentado pelos ideais libertadores propagados pela tecnologia. Mas, principalmente, mantido pela magatecnoburocracia da informatização, virtualização e ciberespacialização das sociedades contemporâneas, a qual Trivinho (2001) define como “rede institucional internacional responsável pela produção e circulação de bens ciberculturais (hardware, solftware e netware, em seja qual formato for) e pela fomentação acelerada do cyberspace”. (TRIVINHO, 2001, p. 214). É importante lembrar que a informatização aconteceu. Porém, não atingiu o objetivo inicial (a democratização), livre acesso a todos. O que houve foi um reescalonamento da infotecnocracia. A atitude socialista transgressora transformou-se numa atitude conservadora de perpetuação do status quo. A reprodução infinda das estruturas sociais e culturais e das dinâmicas políticas e econômicas, pretendidas pela megatecnoburocracia para alimentar o capitalismo cibernético, estabelecem a cibercultura como cultura de controle velada, escondida por trás das promessas de interatividade, velocidade e informação 2.3.1. A DITADURA DO IMAGINÁRIO: O IMAGINÁRIO TECNOLÓGICO Segundo Castoriadis (1986), o imaginário “é a introjeção do real, a aceitação inconsciente de um modo de ser partilhado com os outros” (ibid., p. 67). Para o indivíduo penetrar no interior da caverna do imaginário social é necessário compreender, aceitar e participar de suas regras. Ao apropriar-se mentalmente dessas regras, o sujeito consegue criar novos procedimentos que dão origem a novas ações imaginárias. Este processo de construção e reconstrução é natural e acontece devido o imaginário sair de sua condição original (imaginário radical) e passar para a dimensão social. Especificamente no contexto da cibercultura, as manifestações podem continuar sendo compreendidas a partir da “diagnose” de Castoriadis. No entanto, o imaginário tecnológico, diferentemente das “ações imaginais” vivenciadas no passado, está fincado em processos complexos e efêmeros. Apesar de ainda possuir umbilicais ligações com o patrimônio afetivo, imagético, simbólico, individual e grupal, o imaginário tecnológico infiltra dois novos elementos capazes de sustentar todos os outros já citados: a velocidade e a informação. Eles passam a constituir o “magma de significações”, agindo como grandes 67 estimuladores das atividades concretas do cotidiano e assim, produzindo sentido “no viver na ciberrcultura”. [...] o imaginário era fruto puro das relações interpessoais, sem mediação maquínica, sem meio, finalidade em si (teatro, poesia oral, “causos”, contos, fábulas). O pecado original estabeleceu-se com a mediação. A tela entrou na vida do homem como um divisor de águas. Passou-se da fluência à fruição, da conjunção à intermediação e do troco ao meio. Aos poucos, tudo virou meio. O meio se tornou fim [...]. (MACHADO, 2003, p. 75) Durante muito tempo, a voz do imaginário foi calada e relegada a uma posição secundária e até mesmo marginal, sendo concebida como parte maldita do espírito humano. Na modernidade, por exemplo, foram cortados os laços com as fontes vitais da imaginação em detrimento da supremacia da razão. Agora, parece que a humanidade tenta recuperar o tempo perdido. Durand (1970) destaca a irônica situação contemporânea, na qual a vitória da ciência e da técnica (anteriormente inimigas da imaginação) conduz paradoxalmente ao ressurgimento do imaginário como força vital. A civilização da imagem dos meios de comunicação reinstala no mundo o domínio do imaginário. A sociedade passa de um extremo ao outro: da exclusão absoluta do imaginário ao desejo da substituição do racional pela imaginação. Por isso, Felinto (2003) enfatiza: “quando o imaginário está por toda a parte, quando o seu poder é ubíquo, sem centro e inteiramente pervasivo torna-se tão perigoso quanto à razão totalitária”. (Ibid., p. 28) Essa afirmação possibilita reportar a Freud (1971) – que na pista de Le Bon (1895) pretende explicar a “alma das massas” e a sua capacidade de “invetividade”. Logo na introdução do texto “Psicologia das massas e a análise do eu”, Freud afirma: O individuo nas relações com os pais, com os irmãos e irmãs, com a pessoa amada, com os amigos com o médico, cai sob a influência de apenas uma só pessoa ou de um número bastante reduzido de pessoas, cada uma das quais se torna importante para ele. Ora quando se fala de psicologia social ou de grupo, costuma-se deixar essas relações de lado e isolar como tema de indagação o influenciamento de um indivíduo por grande número de pessoas simultaneamente, pessoas com quem se acha ligado por algo, embora, sob outros aspectos e em muitos respeitos, possam ser-lhes estranhas. (FREUD, 1970) Para o psicanalista, o indivíduo ao se inserir num grupo adquire um poder invencível, o qual permite render-se a instintos que, se estivesse sozinho, com certeza teria mantido reprimido. Dentro do grupo, todos os membros tornam-se anônimos, favorecendo que o “espírito de responsabilidade” desapareça inteiramente. (LE BON, in. FREUD, 1970, p. 90). O autor ainda lembra que o grupo é conduzido pela “voz da 68 fascinação”. Ela conduz o grupo pela sua ação hipnótica. Por isso, todos os sentimentos e pensamentos inclinam-se na direção determinada pelo “hipnotizador”. Sob a influência de apenas uma sugestão, serão realizados atos com irresistível impetuosidade. Essa impetuosidade é ainda mais irresistível porque a “voz de comando” é a mesma para todos os membros do grupo, favorecendo assim, a aceitação imediata. Vemos então que o desaparecimento da personalidade consciente, a predominância da personalidade inconsciente, a modificação por meio da sugestão e do contágio de sentimentos idéias sugeridas em atos, estas, vemos, são características principais do indivíduo que faz parte de um grupo. Ele não é mais ele mesmo, mas, transformou-se num autômato que deixou de ser dirigido pela vontade. (Ibidem) A análise de Le Bon e de Freud sobre o comportamento das massas, de certa forma, reforça o sentido de imaginário social proposto por Castoriadis, quando o autor afirma que o imaginário é o modo de ser partilhado inconscientemente com os outros. Seguindo a lógica desses argumentos e relacionando com a atuação do imaginário tecnológico nos dias de hoje, é possível compreender que o imaginário tecnológico atua na esfera social, mudando comportamentos, modificando os valores e implantando novos meios de relações sociais, devido “convocarem” a massa, ou melhor, os usuários a corresponderem a voz de comando da tecnologia da informação. Esse “inconsciente tecnológico” dos usuários é alimentado por meio de discursos devotados que anuncia o surgimento de um novo tipo de consciência, capaz de expandir-se sem limites pela rede (TURKLE, 1997). Nessa expansão, o corpo torna-se maleável, podendo, inclusive, romper os limites do espaço e do tempo (numa ação mais complexa que o estado de bilocação) ou até mesmo, desaparecer, já que o corpo deixa de ser matéria para converter-se em códigos padrões da informatização. A narrativa organizadora em torno da qual se desenrolam todas as ações do imaginário tecnológico, implica na idéia de desaparição de todo o obstáculo ou materialidade envolvendo as noções de imediatez e de transparência. Essa narrativa ou utopia sem a qual o imaginário tecnológico não poderia sobreviver é denominada de “fenômeno glocal”. 69 2.4. UTOPIAS DO IMAGINÁRIO TECNOLÓGICO: O FENÔMENO GLOCAL O fenômeno glocal equivale à produção imaginária que conduz o fazer/ser da sociedade tecnológica. Ele age como a “voz de comando” da tese freudiana, conduzindo e controlando as “massas”, principalmente, introduzindo no imaginário social a “alma” da cibercultura. Teoricamente, Trivinho (2007) define o fenômeno glocal como a mescla “inextricável” entre o conteúdo global da rede e o espaço local de socialização e reprodução da existência cotidiana. Segundo o autor, esse fenômeno é recente, pertence ao século XX. No entanto, as suas sementes já eram possíveis de serem notadas a partir do telégrafo elétrico, como mencionado no primeiro Capítulo deste Trabalho. O glocal trata-se da junção das palavras local e global. O que pertence ao local e ao global passa a existir em via única no imaginário social tecnológico. O vetor de articulação das ações glocais imaginárias é a velocidade e a interatividade. Esses dois processos constituem o que atrevo chamar de “utopias do imaginário tecnológico”. Eles colocam em prática o processo de “planetarização” do mundo por meio da capacidade de desterritorialização e imaterialidade eletromagnética, possibilitando o condicionamento de toda a vida humana ao estado dromocrático. Ou seja, dominam os discursos institucionais e corporativos, interferem na cultura e no contexto do trabalho, mediam relações sociais e destacando-se como entretenimento na hora do lazer. A seguir serão apresentadas algumas das principais significações imaginárias promovidas pelas utopias do “fenômeno da glocalização da existência”. 2.4.1. O FASCÍNIO PELAS PRÁTICAS GLOCAIS INTERATIVAS A interatividade é o processo comunicacional em que agentes com igual poder de decisão e de ação relacionam-se de maneira direta dentro de um ambiente imaginário, o espaço virtual. As relações interativas equivalem ao principal paradigma cibercultural, desafiando todas as elementares teorias da comunicação existentes. Até pouco tempo, a comunicação era dominada pelos modelos tradicionais, modelo ponto-a-ponto (ligação telefônica) e um-todos (impressos em geral, rádio e televisão). 70 Com o advento da tecnologia da informação, a interatividade surgiu para “desbancar” e “reconfigurar” todos os modelos já existentes. A interatividade representa o esquema “todos-todos”, cuja característica principal é permitir que os usuários tornem-se emissores e receptores simultaneamente. Quando um computador está conectado à internet, o usuário pode A rede oferece infinitas possibilidades de ação do usuário. Esse parece ser o ponto mais fascinante e sedutor; dá a sensação de poder e de domínio da situação. O usuário sente-se autônomo para fazer as suas escolhas e acessar o que desejar. Afinal, ele está protegido pelo bunker tecnológico. O bunker, segundo Trivinho (2007) significa: [...] nomeia redutos ou, muitas vezes, cinturões fortificados, erigidos ou sulcados no solo ou construídos em patamar totalmente subterrâneo, para cumprir objetivos logísticos de proteção, resistência ou defesa contra investidas inimigas em contextos de guerra ou guerrilha e, como tal, para oferecer, simultaneamente, retaguarda a processo progressivo de contraataque. (Ibid., p. 307) Nesse sentido, o usuário protegido pela a sua parafernália tecnológica sente-se livre para “deixar” o corpo material e “penetrar” na rede com seu corpo imaterial. O autor enfatiza que o “emissor e, em especial, o receptor, meramente distintos no processo real, obliteram-se para ressurgir como usuários teleinteragentes”. (TRIVINHO, 2001, p. 124). O conceito de usuário teleinteragente pressupõe um grau de participação e intervenção mais pleno o que de um receptor num processo de comunicação de massa. É diferente ligar um rádio ou a televisão e receber sinais de emissoras apresentado conteúdos pré-estabelecidos e acessar um site e interagir com os hiperlinks, traçando caminhos de leitura e/ou pesquisa de acordo com os próprios interesses, tendo a possibilidade imediata de construir e emitir novos conteúdos a partir do que foi consultado e apreendido. A comunicação interativa desafia o ente humano, anteriormente identificado como protagonista do processo comunicacional. O indivíduo sempre foi o sujeito-agente da comunicação e a máquina figurava apenas como meio ou “canal”. Porém a interatividade exige um novo redimensionamento dos esquemas teóricos de comunicação e também da compreensão das relações sociais, visto que a própria máquina tornou-se alteridade no processo social e comunicacional. Essa condição revela a extrema dependência do ente humano em relação à máquina. Na modernidade, o sujeito “construía” sua identidade e exercitava sua autonomia a partir da relação EU-TU (pessoa-pessoa). Acreditava-se que o “EU” (res cogitan) diferia-se do “OBJETO” (res extensa). Então, o sujeito só poderia manter 71 diálogo existencial com o seu semelhante20. Hoje, essa concepção sofreu modulações devido as máquinas passarem a materializar funções humanas. Esse processo é notado na relação com os objetos infotecnológicos, sobretudo, os celulares e os computadores pessoais (principalmente se conectados à rede), atuam como um “segundo eu” (TRIVINHO, 2001, p.83), capaz de condicionar o sujeito a percebê-lo como extensão do próprio corpo. 2.4.2. A MÁQUINA COMO ALTERIDADE A tecnologia tornou-se mais marcante no final do século XVII, com a Revolução Industrial. No século XX, ela se intensificou, principalmente, com o desenvolvimento da microeletrônica. Na Revolução Industrial as máquinas tecnológicas estavam presentes exclusivamente no âmbito do trabalho e eram utilizadas para auxiliar o desenvolvimento das atividades humanas. Esse tipo de máquina é o Santaella (1997, p. 35) chama de “máquinas musculares”. Ou seja, aquelas que auxiliam o trabalho humano somente naquilo que é puramente mecânico e físico. A autora também classifica outros tipos de máquinas com o intuito de mostrar que, de alguma forma, as máquinas sempre estão associadas ao auxilio dos indivíduos. Sob o pretexto inicial de auxiliar os indivíduos, a máquina acabou substituindo as faculdades humanas e, em alguns casos, os próprios indivíduos acabam cedendo as suas facilidades e capacidades. Principalmente, após a nova configuração sociocultural deste século que aponta para a onipresença das máquinas do cotidiano. Portanto, as máquinas inteligentes, instrumentos de irradiação do imaginário glocal, condicionam o modo de ser, de estar, de pensar, de agir e de existir. Elas introduzem o sistema dromocrático em todas as relações por elas estabelecidas. Por isso, merecem certa desconfiança. A sua facilidade e praticidade de uso criam dependência no indivíduo. Inclusive, tornam-se indispensáveis até para executar as tarefas mais corriqueiras. Independente de juízos de valor sobre a relação homem-máquina, elas figuram literalmente como alteridades na cibercultura. No passado, as máquinas dependiam integralmente dos indivíduos para funcionar. Hoje, em alguns casos, elas funcionam sozinhas, somente, por meio de um comando de voz. As máquinas se autolegitimaram como alteridade demonstrando sua utilidade e seu poder. Vigoram como sujeitos das ações. Le Breton (2003) afirma que os 20 Argumento inspirado na obra de Martin Buber “EU e TU”, 1979. 72 “computadores transformaram-se em parceiros da vida, em companheiros, em abertura para o mundo”. (Ibid., p. 155). 2.4.3. A TELEEXISTÊNCIA: A FUGA DOS CORPOS “Telepresença”, “teleação”, “telerrealidade”, “terceira janela”, “poluição dromosférica”, “espaço crítico” são algumas expressões usadas por Virilio para denominar o efeito do imaginário glocal por meio da dinâmica dromocrática. As práticas glocais ciberculturais pressupõem a tele-existência interativa. Ou seja, a capacidade de existir a distância através das redes telemáticas. Nesse caso específico, a tele-existência pode configurar tanto como telepresença, quanto como teleação. Virilio (1993, p. 22) diz que a telepresença e a teleação acontecem sob a “aurora do falso dia”. Para o autor, o falso dia é o “dia artificial” que complementa, mas geralmente sobrepõe, o dia real. A “realidade extensiva” (concreto) sempre foi percebida a partir da iluminação direta (sol, eletricidade). Mas, com as tecnologias de comunicação em tempo real, a realidade extensiva dá lugar à “intensiva”, a terrealidade. A telerrealidade é a “realidade” percebida indiretamente pela mediação tecnológica. O corpo imaterial desloca-se, entra no ciberespaço e partir disso, tem acesso à nova dimensão existencial do espaço virtual das redes interativas. Com a instituição do ciberespaço como lugar privilegiado de ação do imaginário glocal, o “solo” duro da superfície ficou ainda desvalorizado. O terreno citadino passou a ser local de trânsito, fluxo e passagem. Tornou-se via de acesso, trajeto, sendo tocado por quem não possui alternativas. É quase insensível para aqueles que têm condições de viver sem pisá-lo. Isso acontece nas grandes cidades em que o caos do trânsito e a violência são manifestados com maior intensidade. Desse modo, as práticas glocais são imprescindíveis. Fazer compras, pagar contas, manter contato com amigos e parentes, sem precisar correr o risco de eventuais infortúnios. Porém, evitar as ruas pode significar que estamos perdendo o corpo matéria em benefício de um corpo espectral. Trivinho afirma que “[...] o glocal e a existência em tempo real por ele permitida significam abandono e esvaziamento do espaço urbano extensivo [...] em proveito da feudalização e povoamento da vasta socioespacilização eletrônica em que se transformou o planeta”. (TRIVINHO, 2001, p. 87). No processo de tele-existência, o usuário abandona o próprio corpo. NO ciberespaço, propriamente, fluidos, só há lugar para corpos “liquefeitos” pela digitalização. O 73 corpo espectral multimediático torna-se protagonista das relações da realidade virtual. Segundo Le Breton (2003), a “internet tornou-se a carne e o sistema nervoso dos que não conseguem mais ficar sem ela e que só sentem despeito de seu antigo corpo”. Para Virilio a banalização do alhures também se dá pelo “primado do tempo sobre o espaço que hoje, se exprime no primado da chegada (instantânea) sobre a partida (VIRILIO, 1993b, p. 43). O audiovisual é “[...] o veiculo para avançar à alta velocidade, isto é, para não ir à parte nenhuma” (ibid., p. 51). A tela é o ponto coincidente da partida e da chegada No ciberespaço, à viagem não é realizada pelos indivíduos, mas pelas imagens. Elas deslocam-se enquanto o usuário continua no mesmo lugar, geralmente sentados. Com a propagação da comunicação informática, a sedentariedade se intensificou. Por isso, Virilio (ibid., p. 48) conclui que “em última análise, cada avanço dos transportes não é mais do que um progresso e uma emancipação do assento” e, desse modo, a humanidade caminha para uma “sedentarização terminal”: “o espaço já não se estende, o momento da inércia sucede à deslocação continua”. (Ibid., p. 33) A crise da motricidade desencadeada pela “lei da menor ação” chega ao cume com o glocal interativo. Se já era observada na utilização de controles remotos, escadas rolantes e elevadores, tanto mais agora, com o surgimento do ciberespaço e das inúmeras possibilidades de teleação proporcionadas. Vale ressaltar que o acesso à rede em contextos como grandes saguões de aeroportos ou mesmo em espaços variados contribuem para o aparecimento de um sentimento paradoxal. Ao mesmo tempo em que o usuário está “livre” no ciberespaço, está igualmente encarcerado. Esse fato é denominado por Trivinho (2007) de “nomadismo veicular sedentário nômade”. Ou seja, equivale à mescla entre duas realidades: nômade, porque o corpo espectral navega sem rumo no ciberespaço. Sedentário, devido o aprisionamento do corpo “material” em apenas um local. Em outras palavras, o nomadismo contemporâneo se conforma à invalidez motora. 74 CAPÍTULO III CIBERCULTURA, IMAGINÁRIO E JUVENTUDE “Se a velocidade é luz, então aparência é o que se move. Transparências momentâneas e enganosas, dimensões do espaço que não passam de aparições fugitivas, objetos percebidos no instante do olhar, este olhar que é, a um só tempo, o lugar e o olho”. (VIRILIO, 1993, p. 34) Segundo Castoriadis (1986), o imaginário social é a “rede simbólica socialmente sancionada, onde se combinam em proporções variáveis um componente funcional e um componente tecnológico” (ibid., p.159). Essa rede se firma à medida que os indivíduos a utilizam para “pensar e operar” no cotidiano. Como já ressaltado anteriormente, em tempos de cibercultura, o imaginário social une-se aos mecanismos da comunicação tecnológica e reescalona o sentido de “ser/fazer” na atualidade. O imaginário da era mediática equivale ao imaginário tecnológico. Nele estão imbricados todas as formas de interação mediada pelos objetos infotecnológicos, sobretudo, os capazes de conexão de rede. Vale ressaltar que o imaginário tecnológico ou imaginário glocalizado ao ser parte constituinte do imaginário social, também se estabelece por meio de sua utilização. Hoje, vive-se um momento de fascínio pelos aparatos tecnológicos. A miniaturização e a mobilidade deles transformaram-se em “fetiches” sociais. Em especial para a juventude, a internet oferece múltiplas possibilidades, favorecendo a construção de conhecimento, a possibilidade de comunicação e de lazer. Neste último capítulo, será apresentado o resultado da pesquisa empírica que objetiva revelar a influência da internet no imaginário de jovens brasileiros. A pesquisa foi realizada em duas cidades: Belém do Pará e São Paulo. A faixa etária dos membros que compõe o corpus da pesquisa é entre 14 a 17 anos de idade. 75 Ao realizar as pesquisas bibliográficas, foi possível perceber que a grande maioria das obras científicas e/ou trabalhos acadêmicos fazem distinção entre a adolescência e juventude. Neste Trabalho não se fará distinção. Será utilizado o termo “jovem” para especificar o sujeito que está na fase entre a infância e adolescência. Existe um motivo para esta “não especificação”: esta Dissertação não pretende ater-se, somente, em aspectos psicológicos e/ou comportamentais de cada faixa etária. Na verdade, pretende-se levantar indicadores, por meio de pesquisa empírica, capazes de possibilitar discussões sobre as significações imaginárias existente na relação entre internet-juventude. A construção do quadro teórico fundamenta-se em Castoriadis, Freud, Piaget, Vygotsky, Trivinho, Virilio, Barbero, Canclini e Libâneo. 76 3.1. CONCEITO DE JUVENTUDE A categoria de juventude, assim como todas as categorias instituídas no imaginário social, pode ser compreendida como parte constitutiva da “lógica conjuntistaidentitária”. Segundo Castoriadis (1986), a lógica conjuntista-identitária é um conjunto de elementos com funções definidas e determinadas pelos fatores socio-históricos. Uma vez ligado ao socio-histórico, esse elemento (categoria) sofre significativas transformações à medida que a própria sociedade se modifica com o passar dos anos. Por isso, é complexo estabelecer uma definição que seja capaz de abranger todas as significações sociais, culturais e históricas do “ser jovem”. De acordo com o senso comum, a juventude é a fase intermediária entre a infância e a vida adulta, caracterizando-se por significativas modificações biopsicossociais. O seu início é marcado por alterações físicas e hormonais com influência psíquica (alterações físicas e hormonais com repercussões psíquicas) e o fim, por transformações de âmbito social (entrada no mercado de trabalho, responsabilidade com encargos cívicos, constituição da própria família e ingresso no ensino superior). Não é apenas difícil determinar um conceito para a categoria juventude. Outro ponto polêmico capaz de gerar discussões é a determinação da faixa etária. Segundo o Plano Nacional da Juventude (PNJ) 21·, o jovem é o indivíduo que se encontra na faixa etária entre 15 a 29 anos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), jovem é o aquele que se encontra entre 12 a 18 anos. Por isso, o amparo judicial é até os 18 anos. Salvo algumas exceções, o sujeito de até 21 anos consegue usufruir dos benefícios estabelecidos pela lei (ECA). Já a UNESCO considera jovem a pessoa entre 16 a 25 anos. E a OMS (Organização Mundial de Saúde) define o período entre 10 a 20 anos. Diante dessa discordância quanto à faixa etária, este Trabalho utilizará o termo para nomear os sujeitos entre 14 a 17 anos que representam o corpus desta Pesquisa. Historicamente, a juventude passou por várias transformações. Na antiguidade, os jovens assumiam responsabilidade com as tarefas ligada à prática da cidadania. Em Atenas, por exemplo, os jovens do sexo masculino, maiores de 18 anos, freqüentavam um “noviciado cívico” de preparação moral e religiosa com o objetivo de 21 É o conjunto de políticas públicas e medidas que beneficiam os jovens brasileiros entre 14 a 29 anos. O PNJ foi elaborado pela Comissão Especial da Juventude. O Plano estabelece como prioridade erradicar o analfabetismo juvenil, oferecer bolsas de estudo e alternativas de financiamento aos jovens com dificuldades econômicas, manutenção e permanência no ensino superior, incentivo e empreendedorismo juvenil e ampliação de programas de incentivo ao primeiro emprego. Em 2006, o PNJ teve parecer aprovado e aguarda votação em plenário. 77 exercer, plenamente, – quando adulto – sua cidadania. Também em Roma, o jovem auxiliava os mais velhos durante os combates e participava das assembléias políticas, cabendo-lhe o direito ao voto. As mulheres jovens, tanto em Atenas quanto em Roma, dedicavam-se em aprender as tarefas domésticas, preparando-se para um futuro casamento. Nessa época, a transição de uma fase para a outra, era ritualizada e, por isso, as funções sociais eram bem definidas. No entanto, a modernidade causou alterações no mundo do trabalho que, consequentemente, influenciaram no modelo de família. Também durante essa época, surgiram inúmeras teorias pedagógicas com a finalidade de compreender o desenvolvimento humano e melhorar a formação daqueles sujeitos que ainda não haviam ingressado na vida adulta. Dessa forma, o jovem passou a permanecer mais tempo na escola, afastado das responsabilidades com o trabalho (mundo adulto) e distante da família, fator que contribuiu para o aparecimento e fortalecimento da classe jovem. Dessa forma, Morin (1977) lembra que a juventude, por não ser uma categoria antropologicamente e sociologicamente definida, só pode existir nas sociedades em que a transformação da criança em adulto não ocorre de forma brusca, mas sim de maneira gradativa, desenvolvendo-se num espaço de cultura e de história que não pertencente ao universo infantil e nem a vida adulta (ibid. p. 137). Esse crescimento gradativo é marcado por mudanças que vão desde a maturação sexual até o desejo de tornar-se autônomo, ficando evidente a necessidade de romper com os limites estabelecidos pela família e pela comunidade e buscar dentro de si referências que o possibilite construir sua própria identidade. No entanto, ao mesmo tempo em que procura se libertar dos ideais da família, compactua com o pensamento de um novo grupo, os amigos. De acordo com psicólogo e sociólogo Jean Piaget22, a partir dos 12 anos, o indivíduo encontra-se com todas as suas habilidades cognitivas em pleno funcionamento. Tal fato colabora para o desencadeamento de reflexões sobre a sua existência, estimulando a construções de projetos para o futuro. Porém, o dualismo entre o amadurecimento do corpo e o amadurecimento psicológico causa, frequentemente, susceptibilidade à instabilidade emocional, desencadeando alguns problemas que podem levar ao consumo de drogas, doenças psíquicas, distúrbios alimentares (como anorexia e bulimia) e, na grande maioria das vezes, a compulsividade por aquisição de produtos propagados pelos media. 22 Jean Piaget dedicou-se a estudar o desenvolvimento humano a partir do processo de aprendizagem. Segundo o teórico, a aprendizagem ocorre por meio de dois princípios básicos: a assimilação e a acomodação. A teoria piagetiana influenciou muitos autores, entre eles destaca-se Jürgen Habermas, no campo da teoria da comunicação e na área da pedagogia, campo fértil de propagação dos estudos de Piaget, um nome de destaque é de Emília Ferreiro. 78 Tanto para Piaget quanto para Vigostki 23, o processo de maturidade está subordinado as significações sociais. Diante desse aspecto é possível entender o motivo pelo qual a ação da juventude na sociedade mudou com o passar dos anos. Durante a modernidade, os jovens eram preparados para trilhar o caminho estabelecido pelos pais. As jovens do sexo feminino preparavam-se para se tornarem “esposas”. Saiam do controle dos pais para o convívio submisso ao lado dos maridos. Os homens jovens, por sua vez, aprendiam o ofício do pai e, de acordo com o poder aquisitivo, saiam de casa para estudarem em faculdades situadas nas capitais. Já a pós-modernidade, como estudado no capítulo I, traz consigo consideráveis transformações, dentre elas, o aparecimento da juventude cética. Diante dos horrores da guerra, o idealismo caiu por terra e os sonhos perderam o encanto. Os jovens passaram a “enxergar” o futuro com desconfiança. Mas, mesmo assim, a juventude queria reconstruir a história, resgatando os seus ideais. Nas décadas de 50, 60 e 70, os movimentos juvenis24 atingiram o seu ápice de contribuição política e social através de atitudes de caráter revolucionário. Na ânsia de reescrever a história, apagando o passado sangrento, os jovens tornaram-se alvo fácil dos media que, naquele período, surgiam propagando uma nova utopia, a reconstrução do mundo destroçado. Os mass media conseguiram se infiltrar e se fortalecer no imaginário social persuadindo os jovens através de seu discurso de vanguarda democrático. Diminuindo a distância entre as culturas, possibilitando o livre acesso de tudo aquilo que, antes, pertencia ao mundo do adulto: a violência, o erotismo, os comportamentos controversos etc. (BARBÉRO, 1998, p. 28); quebrando as hierarquias por meio de ações anarquistas e propiciando a separação e fortalecimento dos grupos juvenis. Na América, na U.R.S.S, na Suécia, na Polônia, na Inglaterra, na França, no Marrocos, vemos uma tendência comum aos grupos adolescentes a afirmar sua própria moral, a arvorar seu uniforme (blue jeans, tênis, suéteres) a seguir sempre a moda, a reconhecer-se nos heróis, uns exibidos no cinema (James Dean, Belmondo), outros oriundos da imprensa sensacionalista; ao mesmo tempo, uma sensibilidade adolescente se infiltra na cultura (filmes novelle vague, romances de Sagan). (MORIN, 1997, p. 148). Diante desse panorama social, é interessante observar que apesar da juventude ao procurar se distanciar dos valores e ideologias estabelecidas na cultura integrou- 23 Lev Semenovich Vogostki foi o grande fundador da escola soviética de psicologia histórico-cultural.O autor construiu a teoria Sociointeracionista a partir de sua experiência de vida, testemunhou todo o processo da Revolução Russa, e através da leitura crítica dos textos de Karl Marx e de Frederich Engels e das teorias da psicologia: behaviorismo, gestalt, psicanálise e do desenvolvimento humano, de Piaget. 24 Na década de 60, houve a revolução cubana 79 se ao sistema através do ávido consumo dos produtos culturais. Sabiamente, os meios de comunicação apoderaram-se dos sonhos e carências juvenis e passaram a “produzi-la em larga escala” e a “vendê-la” como ideal de vida para todos, inclusive para aqueles que ainda não são ou, até mesmo, já são adultos. 80 3.2. PÓS-MODERNIDADE E CIBERCULTURA NO CONTEXTO BRASILEIRO As relações entre sociedade e cultura adquirem, hoje, total relevância. No âmbito acadêmico, especialmente, existe a preocupação em entender as características próprias do contexto latino-americano levando em consideração o multiculturalismo. Especialmente no Brasil, torna-se evidente as diferenças étnicas e culturais proveniente da miscigenação dos povos. Canclini (2003) recorre à história para responder algumas questões importantes do contexto brasileiro, como da América Latina. Segundo o autor, as contradições latino-americanas revelam que muitos dos problemas enfrentados nos dias de hoje, ainda são resultados do período de colonização. Os países da América Latina e o Brasil foram colonizados por nações européias atrasadas, submetidas à Contra-Reforma e a outros movimentos modernos. Após essa situação, nunca houve plenamente uma manifestação moderna, mas, “ondas de modernização” (ibid., p. 67). Essas ondas modernas foram impulsionadas por fatos ocorridos entre o século XIX e início do século XX, como: [...] a oligarquia progressiva, pela alfabetização e pelos intelectuais europeizados; entre os anos 20 e 30 deste século, pela expansão do capitalismo e ascensão democratizadora dos setores médios e liberais, pela contribuição de migrantes e pela difusão em massa da escola, pela imprensa e pelo rádio; desde os anos 40, pela industrialização, pelo crescimento urbano, pelo maior acesso à educação média e superior, pelas novas indústrias culturais. (ibidem) Apesar desses movimentos, a América Latina e o Brasil não conseguiram atingir o patamar de desenvolvimento moderno europeu. Pode-se perceber que o Brasil e os países latinos americanos sobrevivem num contexto em que é visível o desajuste entre “modernidade” e “modernização”. De acordo com o autor, esse “desajuste” não é apenas um fator resultante do processo histórico da colonização – não deixa de ser, mas não se limita a isso –, outros fatores colaboraram para que os efeitos da modernização não fossem vivenciados como na Europa. Um deles, ou o mais importante, seria a utilidade que “os desajustes” possui no estabelecimento da ideologia dominante. A modernização com expansão restrita de mercado, democratização para minorias, renovação das idéias, mas com baixa eficácia nos processos sociais são exemplos de condições que fortalecem a hegemonia das classes dominantes nos países da América Latina e no Brasil. 81 Enquanto a modernidade européia propagava o desenvolvimento científico, a autonomia pessoal e a remuneração pelos serviços pessoais, o Brasil ainda vivia em clima de “escravidão”. A dependência econômica agrária latifundiária brasileira com o mercado externo influenciou o surgimento da racionalidade econômica burguesa ainda nos moldes serviçais. Se a intenção era introduzir a prática do trabalho com retorno de remuneração proporcional com o serviço realizado, o que aconteceu foi a dominação da classe dirigente condutora das forças de trabalho, acostumadas a conduzir o disciplinamento integral da vida dos escravos, preferiu prolongar o serviço ao máximo de tempo e não dar a remuneração cabível. Essa falta de remuneração compatível com a força de trabalho revelouse, mais tarde, o maior fator dos problemas sociais vivenciados no Brasil. As horas de dedicação exclusiva ao serviço e os salários incompatíveis com que era realizado conduziu o grupo de “baixa renda” a margem da sociedade. Sem direito a educação e saúde de qualidade e de moradia com infra-estrutura adequada para a sobrevivência digna, os sujeitos marginalizados socialmente procuraram “as formas escusas” para sobreviver. A violência que tanto preocupa a sociedade atualmente é fruto das discriminações vivenciadas ainda nos momentos iniciais da história brasileira. Se por um lado o Brasil não conseguiu viver plenamente a modernidade e a modernização, por outro, já nasceu pós-moderno. A pós-modernidade é compreendida pelas (con)fusões de sentidos e na forma de ver o mundo e pela multiplicidade cultural. Nesse sentido, a sociedade brasileira vive a pós-modernidade desde a sua colonização. Misturas étnicas, religiosas e culturais caracterizam o povo brasileiro. No que diz respeito à relação com os media e a influência deles no contexto social, o Brasil também possui comportamento pós-moderno. Apesar de todas as desigualdades sociais, o atraso em alguns aspectos sociais e econômicos, o Brasil destaca-se pelo número de acessos a internet. É cada vez maior o uso de microcomputadores domésticos e consumo de aparelhos infotecnológicos pelos brasileiros. Pesquisa realizada pelo IBGE, em 2007, mostra que o Brasil ocupa 5ª posição no uso da internet. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 32,1 milhões de brasileiros, cerca de 21, 9% da população acima de 10 anos de idade, utilizam a rede mundial de computadores. O número é expressivo e coloca o Brasil como o primeiro país da América Latina e o quinto no mundo. Se for levado em consideração o número de internautas em relação à população do país, a situação muda um pouco. O Brasil cai para a 62ª posição, sendo ultrapassada pela Costa Rica, Guiana Francesa e Uruguai. Segundo o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações 82 (Anatel), isso ocorre devido a população de baixa renda não tem poder aquisitivo suficiente para adquirir uma máquina, utilizando somente por algumas horas em lan house ou cyber café. Mas existe a promessa do governo de desenvolver mecanismos para favorecer a aquisição de computadores e acesso à internet por pessoas de baixa renda. Na interpretação desse paradoxo – vale lembrar que pesquisa realizada pelo MEC, em 2008, revelou que o Brasil tem cerca de 16 milhões de analfabetos, ou seja, 16.295 milhões de pessoas são incapazes de ler e escrever. E se levado em consideração o conceito de analfabetismo funcional, o número salta para 33 milhões – não pode ser ignorado o fato de que para se comunicar no ciberespaço é necessário dominar a linguagem de acesso a rede (sociossemiose). Diante desse panorama paradoxal, é importante perceber como a cibercultura é um fenômeno que não pode ser desprezado. E se já movimenta estudos quanto a sua importância, com certeza ainda não foi desvendada todas as suas possibilidades de atuação e de significação social. Nesse sentido, a afirmação de Rüdiger (2004) é conveniente: “a cibercultura é o movimento histórico, a conexão dialética entre sujeito humano e suas expressões tecnológicas, através da qual transformamos o mundo e, assim, nosso próprio modo de ser interior e material em dada direção (cibernética)” (ibid., p.54) 83 3.3. RETRATO DA JUVENTUDE BRASILEIRA Em 200325, uma pesquisa solicitada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Instituto Cidadania traçou o perfil do jovem brasileiro. Foram entrevistados cerca de 3.501 jovens entre 15 a 24 anos (correspondendo – na época – 20,1% do total da população de acordo com o Censo 2000/IBGE) de 198 municípios estratificados por localização geográfica (capital, interior, áreas urbanas e rurais), contemplando 25 estados do território nacional. Os resultados servem como parâmetro de análise do comportamento da juventude brasileira no século XXI. As questões norteadoras que contribuíram para traçar o perfil dos jovens centraram-se em aspectos emocionais, psicológicos e sociais. De acordo com a pesquisa, é possível perceber certa homogeneidade na forma de pensar da juventude atual. Os indivíduos residentes nas cidades urbanizadas, independente de classe social, gostam das mesmas coisas e possuem comportamento semelhante diante dos problemas sociais. Algumas diferenças são sensivelmente sentidas nos jovens das áreas rurais. A primeira parte da pesquisa se detém a aspectos emocionais e psicológicos da classe jovem. A pergunta inicial refere-se à existência/condição de ser jovem: Ser jovem é bom ou ruim? Por quê? De acordo com os entrevistados, é bom ser jovem no Brasil. O motivo destacado como ponto positivo nesta fase é a falta de responsabilidade. Para eles, não ter preocupações e responsabilidades contribuem para que se possa aproveitar mais a vida, como se pode perceber no gráfico a seguir: Ser jovem, é bom ou ruim? Boas Ruins Amabas N.R 1% 11% 14% 74% GRAFICO 1: FONTE: Fundação Perseu Abramo 25 A Pesquisa está disponível na íntegra no site www.planalto.gov.br/secgeral/juventude/juventude.pps . 84 As melhores coisas em ser jovem Estudar para adquirir… Atividades de lazer Viver com alegria Não ter responsabilidade 0% As melhores coisas em ser jovem 10% 20% 30% 40% 50% Não ter responsabilidad e Viver com alegria Atividades de lazer Estudar para adquirir conhecimento 45% 40% 10% 5% GRÁFICO 2: FONTE: Fundação Perseu Abramo A segunda etapa da pesquisa corresponde a aspectos sociais. Para facilitar a compreensão, dividimos os resultados em grupo A e grupo B. O grupo A é formado por jovens da área urbana, independentemente, de sexo, cor e situação econômica. O mesmo ocorre com o grupo B, porém, os indivíduos incluídos nessa classe, são jovens moradores das áreas rurais e/ou interiores. A pergunta 2 (P [2]) refere-se aos assuntos de interesse do jovem. Assunto de interesse dos jovens 38% 37% 17% 8% 2% GRÁFICO 3: FONTE: Fundação Perseu Abramo 85 Assunto de interesse dos jovens 38% 37% 17% 8% 2% GRÁFICO 4: FONTE: Fundação Perseu Abramo De acordo com os gráficos é possível perceber que a maioria dos jovens do grupo A, se interessam por temáticas sobre educação, principalmente, assuntos referentes a vestibulares e faculdades. Os demais entrevistados apontam assuntos referentes ao ingresso no mercado de trabalho e cultura e lazer como seus favoritos. Vale ressaltar que neste no aspecto “cultura e lazer” estão incluídas temáticas referentes a festas, músicas, cinema, televisão, internet, namoro e moda. Apenas 2% dos jovens mostram-se interessados com os problemas sociais. Em alguns itens, o grupo B é igual ao A. O interesse pela educação continua em primeiro lugar. Na sequência aparece o interesse por problemas sociais. Compreensível, por tratar-se de uma classe de pessoas que vivenciam – de perto – as situações abandono por parte dos governantes. Sabe-se que os moradores das áreas rurais e dos interiores vivem em condições precárias (ausência de hospitais bem equipados, educação precária, falta de saneamento básico. E no caso das comunidades ribeirinhas (no norte do Brasil), falta inclusive estuário e alimentação). Nesse grupo, o interesse por cultura e lazer é de apenas 2%. A segunda pergunta da segunda etapa da pesquisa está voltada para aspectos sócio-políticos. Refere-se à preocupação do jovem: O que preocupa o jovem? Nessa pergunta não houve ponto de contradição. Todos os jovens afirmaram que a preocupação está na violência. 86 Preocupação do jovem Saúde Educação Drogas Emprego A violência 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50% GRÁFICO 5: FONTE: Fundação Perseu abramo É importante refletir sobre os fatores que desencadeiam a violência. O século XX foi marcado por barbáries mundiais. E o século XXI, os atos violentos só fizeram aumentar, principalmente na classe jovem. Alguns fatores contribuem para o aumento do índice da violência. Libâneo. (2004) afirma que as novas gerações têm mostrado estrutura psíquica frágil e instável. Um dos motivos seria a falta de referência familiar. As multiplicações dos modelos de família acabam gerando conflitos nas relações e estimulando o indivíduo em formação a fazer o mesmo. Além desse motivo familiar, também existe os problemas sociais. Ainda de acordo com o autor, a atenção dispensada pela sociedade à juventude é bastante contraditória. Ao mesmo tempo em que ampara, legalmente, seus direitos e deveres, impõe condições etárias e de experiência para o ingresso nas atividades laborais. Não raramente, é possível ver jovens passando por situações de subordinação e submetidos à marginalização social. A ausência de emprego, a despreocupação com a educação, a ausência de interesse político, dificuldades econômicas e demográficas são alguns dos fatores que tem contribuído para o prolongamento dessa fase. Ao viver numa sociedade fundada na desigualdade e na exploração, o jovem vê seu futuro com desconfiança, embora – muitas vezes – não seja capaz de verbalizar. Afinal, sente-se, ao mesmo tempo, apto e inepto para a vida social. 87 No entanto, não raramente, ainda, se vêem jovens vivendo situações de subordinação e submetidos à marginalização social. Segundo Libâneo (2004), a falta de emprego, a despreocupação com a educação de qualidade, a ausência de interesse político, dificuldades econômicas e até demográficas, são fatores que tem contribuído para o prolongamento dessa fase. Ao viver numa sociedade fundada na desigualdade e na exploração, o jovem vê seu futuro com desconfiança, embora – muitas vezes – não verbalizada. Afinal, sente-se, ao mesmo tempo, apto e inepto para a vida social. A terceira pergunta refere-se ao conteúdo dos assuntos tratados pelos jovens com os amigos e com os pais. De acordo com os entrevistados, o tema mais frequente nos grupos de amigos é o “relacionamento amoroso”, em seguida, costumam conversar sobre drogas, esporte, arte, incluindo moda, música, cinema, televisão e internet. Por último aparece o interesse em discutir sobre educação. Com os pais, a pesquisa revela que a temática das discussões sofre alterações. Isso demonstra que, apesar, das transformações sociais ocorridas na pós-modernidade, o diálogo entre pais e filhos ainda é carregado de tabus. Nem sempre o jovem sente-se a vontade de conversar sobre assuntos polêmicos com a família, procurando os amigos para partilhar suas dúvidas, como mostra os gráficos. Assuntos discutidos com os amigos Educação Arte Esporte Drogas Relacionamento amoroso 0% GRAFICO 6: FONTE: Fundação Perseu Abramo 10% 20% 30% 40% 50% 60% 88 Assuntos discutidos com os pais Desigualdade Social Sexualidade Ética e Moral Drogas Educação 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% GRAFICO 7: FONTE: Fundação Perseu Abramo A pesquisa aponta também o nível de importância que a escola tem para os jovens. Segundo eles, a função dos estabelecimentos de ensino é prepará-los para ingressar no mercado de trabalho. No contexto atual, a escola assume o desafio de continuar exercendo a função de propagar os valores morais e éticos instituídos na sociedade e atender as expectativas impostas pela nova configuração social. Como discernir com lucidez os binômios certo/errado, legal/ilegal, normal/anormal, moral/imoral, numa época marcada pela quebra dos conceitos opostos? Como falar de normas, regras e respeito, em um momento marcado pelo individualismo e pela perda de entusiasmo pelas grandes causas? É um grande dilema manter a educação dentro de princípios tradicionais em meio a uma situação que leva os jovens a vivenciar, no dia-a-dia, experiências contrárias a tudo o que é ensinado. O panorama da educação brasileira não é dos melhores. São muitos os problemas e, até o momento, poucas soluções. A decadência do ensino público, a inadimplência nas escolas particulares, o “comércio” que envolve o ensino médio, os processos de avaliação que dificultam o ingresso no ensino superior, os salários vergonhosos dos professores, a falta de policiamento nas escolas, entre tantos outros. Além de todos esses dilemas de aspecto político, social e econômico, a educação ainda necessita descobrir estratégias que a possibilite atrair os alunos. Os métodos utilizados em sala de aula, já não conseguem atrair crianças e jovens acostumados a interagir com as TIC (tecnologias da 89 informação e comunicação). Pesquisas especificamente ligadas a educação revelam que os recursos tecnológicos têm colaborado na melhoria do processo ensino-aprendizagem26. Mas, fica a pergunta: será que a melhoria do ensino brasileiro reside apenas na inclusão das tecnologias nas escolas? Qual o lugar das tecnologias na educação brasileira? A pergunta é polêmica e, com certeza, dividiria opiniões. Como não é interesse deste Trabalho adentrar no campo educacional, a indagação serve como estímulo para novas reflexões e, quem sabe, abre caminho para novas pesquisas acadêmicas. Na pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, os jovens destacaram que a escola é o espaço onde o indivíduo deve se preparar para ingressar no mercado de trabalho. A crise econômica força o jovem, principalmente, de baixa renda, a começar a trabalhar cedo, muitas vezes, sujeitando-se ao subemprego, sem direitos trabalhistas garantidos, sem remuneração adequada e sem segurança. Por isso, o jovem acredita que a qualidade educacional o impulsionará a melhor condição de vida. Como aponta o gráfico a seguir. A função da Escola Para fazer amigos Para ajudar no dia-a-dia Para entender a realidade Preparar para o mercado de trabalho 0% Pouco importante 10% 20% Importante 30% 40% 50% 60% 70% 80% Muito importante GRAFICO 8: FONTE: Fundação Perseu Abramo 26 O campo teórico está rico em obras dedicadas ao tema. Muitas delas discutem o assunto e outras ensinam – como manual – o educador a fazer bom uso das tecnologias da informação e comunicação. Recentemente, a Revista Nova Escola dedicou quatro páginas com uma reportagem “ensinando” os profissionais da área de educação a utilizarem as tecnologias em benefícios das aulas. A reportagem apresenta modelos de plano de aula e sugestões de sites. 90 A última etapa da pesquisa refere-se ao lazer dos jovens. No ano em que foi realizada a pesquisa, 2003, os entrevistados afirmaram que o “melhor” lazer era assistir televisão. É importante ressaltar que após cinco anos, o crescimento de acesso a internet tornou-se superior a 41, 5 milhões, somente nos primeiros meses de 2009, segundo IBOPE/ NetRatings. Mídia utilizada pelo jovem? Televisão Rádio Jornal Web GRAFICO 9: FONTE: Fundação Perseu Abramo De forma sucinta, a pesquisa mostra que o jovem brasileiro, mesmo diante dos problemas sociais, ainda compreende a juventude como “uma etapa da vida sem responsabilidades e preocupações”. Não demonstra interesse por questões de âmbito social, gasta parte do tempo assistindo televisão, gosta de conversar com os amigos sobre relacionamentos amorosos, vê a escola apenas como “lugar” importante para capacitá-lo para o mercado de trabalho e não conversa com os pais e/ou responsáveis sobre assuntos relevantes para sua formação pessoal. Parece não se preocupar com o amanhã. Vive o hoje, sobretudo, pensando em seu bem estar. Diferentemente, da classe jovem das décadas de 50 e 60 que se uniu em busca de um ideal, o jovem da cibercultura acostumou-se a ser um SER ÚNICO em frente às telas do computador ou da televisão. 91 3.4. UTOPIAS DO IMAGINÁRIO GLOCALIZADO 3.4.1. RECONTANDO A HISTÓRIA DE NARCISO Assim como os argumentos do segundo capitulo foram introduzido a partir da alegoria platônica “O mito da caverna”, essa terceira parte do Trabalho possibilita relembrar o conto mitológico de Narciso27. A seguir, o trecho que introduzirá a análise. Narciso era conhecido por todos da região como sendo o mais lindo jovem de toda a Grécia. A sua aparência despertava paixões e admirações por onde quer que passasse. Mas, quando uma jovem se aproximava de Narciso para declarar seu amor, afastava-se devido sua arrogância. Seus pais, ninfa Liríope e deus-rio Céfiso preocupados com o comportamento do filho, procuraram o adivinho Tirésias. Este vaticinou que Narciso poderia ter vida longa desde que jamais contemplasse a própria imagem. Os pais desolados fizeram o possível para defender o jovem de seu trágico destino. Porém, não foi possível. Um dia, Narciso fugiu de casa. Foi à floresta caçar, mas perdeu-se. Desesperado, começou a gritar. Ninguém o ouvia. Apenas ele ouvia a sua própria voz sendo reproduzida inúmeras vezes... Depois de um tempo, percebeu que barulho vinha da ninfa Eco. Eco era apaixonada por Narciso, porém não conseguia se declarar. Tinha sido condenada pela deusa Hera, esposa de Zeus, a viver sem falar o que sentia ou pensava. Podia apenas repeti os sons que escutava. Narciso, sabendo do drama de Eco, resolveu brincar com os seus sentimentos. Nesse instante, deusa Nêmesi, que representava a vingança e punia os maus tratos, resolveu castigá-lo. Sem desconfiar de nada, Narciso foi conduzido até a beira de um rio. Ao abaixar-se para beber água, viu ali uma belíssima imagem. Imediatamente, o rapaz se viu apaixonado. Era apenas o seu reflexo... Sem pensar, Narciso mergulhou em busca de seu amor e nunca mais voltou. Em tempos de cibercultura recontar a história de Narciso parece ser bastante coerente. No conto, a água-espelho foi à perdição do rapaz. Ao ver sua imagem refletida, Narciso acabou esquecendo-se do mundo real e mergulhou nas águas profundas, tentando buscar o seu amor ideal Hoje, os indivíduos também se esquecem da realidade ao penetrarem nas águas do ciberespaço. Apenas com uma senha, o sujeito mergulha no mar 27 Trecho extraído, na íntegra, do livro: CHAUI, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2003. p. 11. 92 virtual em busca da agradável sensação da imaterialidade provocada pelo fenômeno de glocalização. O glocal equivale a é a concretização do imaginário tecnológico. Por meio dele, o sujeito transforma-se em espectro e consegue superar todos os seus limites. Sem o corpo físico é possível estar presente em vários lugares ao mesmo tempo e atingir o seu “eu ideal”. De acordo com Freud (1945), o comportamento narcísico está ligado à projeção do eu ideal. Durante a infância, a energia pulsional está dirigida para o próprio Eu. A criança experimenta, inicialmente, um “tipo” de narcisismo em que todo o prazer está vinculado a ela mesma, como se tudo confluísse para o engrandecimento e satisfação do seu Eu. Somente mais tarde, essa energia volta-se para algo exterior. Sendo assim, o narcisismo é uma reação psíquica que conflui não apenas para proporcionar prazer a si mesmo, mas principalmente para satisfazer a necessidade de engrandecimento do “nosso Eu”. Seria em outras palavras, o reestabelecimento da “onipotência” existente no estágio de vida infantil, uma vez que essa grandiosidade egocêntrica é “quebrada” em vários momentos da vida e de diferentes formas. Um dos elementos corrosivos do amor-próprio são os conflitos do dia-a-dia e o trabalho árduo, sem criatividade e pouco recompensador o qual o indivíduo é obrigado a se submeter para garantir sua sobrevivência. Nesse sentido, a tecnologia, sobretudo a rede, favorece a libertação dos sentimentos reprimidos vinculado à satisfação narcisista de integrar-se a um meio lúdico, despreocupado, que ressoa a mesma liberdade existente na etapa da infância. Protegido pelo bunker tecnológico, o sujeito apropria-se do imaginário glocalizado que o conduz ao sentimento de onipotência. A excitação causada pela liberdade da experiência online possibilita a sensação de superioridade e a relativa independência do Eu virtual com relação ao corpo ordinário. Sendo assim, o cibernarcisismo, construído pelo imaginário glocal, tratase da condição psicológica original de atingir o Eu ideal transcendendo as limitações do próprio corpo biológico. O corpo físico “prende” o indivíduo a um mundo repleto de limitações, sofrimentos e obstáculos. O corpo re-significado pela tecnologia, o corpo espectral, se desvincula do corpo tangível e permite experimentar somente o que satisfaz o ego humano. O território virtual em três dimensões do Second Life é um bom exemplo das potencialidades da “vida virtual”. Nele, os participantes planejam os seus personagens e duas identidades, sob a ilusão de conquistar o que talvez nunca venham a ter, pelo menos não com a mesma facilidade na vida online. Trata-se de uma oportunidade de viver uma versão idílica da própria vida, o que geralmente significa possuir boa forma física, alto padrão financeiro, experimentar 93 ao extremo as vantagens de uma vida social ativa, com fama, muitos amigos, festas e sexo seguro. (MOHERDAUI; MING, 1997). No virtual, o corpo tecnológico é um corpo em potência e não está submetido às limitações peculiares ao corpo tangível, ele muda de aparência, de gênero, se extingue com a mesma facilidade e rapidez de um log off e se recria no instante seguinte, aperfeiçoado. Em outras palavras, o imaginário glocal é o fenômeno encantador que atrai o sujeito a mergulhar no mar profundo da tecnologia e “morrer” feliz em busca da superação dos anseios do seu Eu ideal. 3.4.2. AS RELAÇÕES SOCIAIS NA REDE Alberoni (1993, p. 13), ao refletir sobre as relações humanas, apresenta a amizade como uma “centelha” que atrai as pessoas, uma específica forma de amor norteada pela admiração, pelo companheirismo. Apesar dos novos contornos dados pela cibercultura as relações afetivas, o princípio da necessidade humana de sociabilidade continua vivo. Ainda para o autor, a relação entre amigos permanece pautada pela ética. “Temos necessidade de ser nós mesmos de maneira mais verdadeira, de ser autênticos. Nós não sabemos quem somos. Somos uma multiplicidade de pessoas, de desejos, de aspirações, cada um dos quais fala pela mesma boca, apresenta-se naquele mesmo palco que chamamos “eu”. (Ibid., p.17) A manutenção da ética, defendida por Alberoni como base que perdura na amizade contemporânea, é uma afirmação frágil diante do cenário do ciberespaço. Como não poderia deixar de ser, o relacionamento de amizade online assumiu a efemeridade e a superficialidade da condição pós-moderna. A fragilidade característica dos vínculos de amizade estabelecidos pelo sujeito foi potencializada nas relações em rede, apesar da permanente necessidade de criar laços. Os internautas, em meio às interfaces sociais cada vez mais inovadoras, adicionam, deletam, excluem e bloqueiam aqueles com quem não mais desejam se relacionar. Em redes de relacionamento, como o Messenger, há a possibilidade de o cadastrado determinar o grau de envolvimento estabelecido com cada um dos candidatos a compor sua lista de amigos. A distinção pode ser feita por meio de uma classificação (trabalho, família etc.) ou por definição do grau de afinidade como “favorito” ou “grupo” e até mesmo “outros contatos”. Esses seriam o que é menos íntimo ao usuário cadastrado, no entanto comparece na 94 “lista de amigos”. Tal fato retrata uma característica própria da rede, a superficialidade das relações. A máxima ensinada às criancinhas “não fale com estranhos”, foi suplantada no momento em que se relacionar com “estranhos” passa a ser considerado também como amizade. Bauman (2001, p. 123-124) aborda o encontro com estranhos sob o prisma da desconformidade com o trivial oferecido nas relações ordinárias. O discurso do autor vai ao encontro do que vem sendo tratado, pois revela uma espécie de manifestação contra a segurança da rotina, regida pela atração, pelo perigo de partilhar a companhia de estranhos, “tanto mais ameaçadora a diferença e tanto mais intensa a ansiedade que ela gera”. Sob essa lógica, torna-se evidente que a mensuração da qualidade das relações de amizade típicas da cibercultura não pode se dar a partir dos preceitos modernos. A longa duração já não é mais uma medida respeitável, pois a tecnologia inaugurou a instantaneidade. O tempo passa a corresponder à duração do fenômeno, melhor dizendo, o oximoro “momento de tempo” (ibid., p. 138) é capaz de traduzir as relações virtuais movidas pelo aqui-agora, preocupadas somente com o momento. Apesar da existência de casos de relações estáveis que se sustentam prioritariamente pelo espaço virtual e assim perpetuam. Ainda que o caráter efêmero e descartável seja apregoado criticamente a esse tipo de relação, é relevante observar os demais vetores envolvidos nas interações, considerando o fato de, no campo virtual, não existe fronteiras que possibilitem distinguir entre os interlocutores e os vetores pertencentes ao contexto. O momento do bate-papo se mistura como comércio, com o lazer, com os apelativos sexuais, com os procedimentos criminosos, a alteridade, o “outro” virtual fica diluído nessa miscelânea (TRIVINHO, 1999, p. 404-405). É possível, por exemplo, movido pelo interesse pessoal, empenhar-se na busca por um site especializado em um determinado conteúdo e, de repente, ser alvejado pela publicidade de um produto, cujo interesse foi denunciado pelos agentes inteligente rastreadores contidos num site de busca consultado outrora, ou mesmo, participar de uma sessão de conversação através de um aplicativo de conversa em tempo real, enquanto ouve notícias de uma rádio virtual ou as acompanha nas manchetes de jornal online. Outro ponto que merece relevância diz respeito à sofisticação high tech, que, além de ampliar o horizonte de opções e oportunidades de relacionamento para além da presença física, deixou os “amigos” à vontade para o desenvolvimento de linguagens próprias, que misturam gírias, jargões da informática, giffs animado e abreviações, além das expressões de sentimentos e movimentos possíveis pelos avatares como, por exemplo, o buddy poke das páginas do Orkut. Tudo isso, para melhor adaptação do clima e a velocidade exigida pelo 95 ambiente ciberespacial. A voracidade da comunicação digital pode ser considerada a mola propulsora desse “novo idioma”, visto que superou a paciência necessária para esperar que uma frase fosse digitada corretamente num aplicativo de conversa simultânea, até mesmo, encurtou a disposição para a leitura de longos textos dispostos entre links, ícones e outros atrativos que povoam as telas dos computadores cada vez mais portáteis. A linguagem da rede é a linguagem do agora, não permite fruições. Essa “nova linguagem”, chamada popularmente de internetês, mantém opiniões divididas entre educadores e especialistas. O repúdio tem sob alegações o infringir das regras gramaticais e o fato de o sistema de codificação, ao invés de ficar restrito ao ambiente virtual, influencia na escrita em sala de aula. Os entusiastas reconhecem a importância de destinar atenção para esse tipo de escrita, visto o número crescente de adeptos. 96 3.5. A INTERNET E O IMAGINÁRIO DOS JOVENS: APRESENTAÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA 3.5.1. CARACTERIZAÇÃO I. Período de aplicação dos questionários: abril a outubro de 2008. II. Local: Belém (PA) e São Paulo (SP) III. Instituições de ensino em que a pesquisa foi realizada: Escolas da rede publica e da rede particular. Em Belém, a escola particular está situada no centro da cidade, bairro do Reduto, e a escola pública na periferia, no bairro do Guamá. Em São Paulo, a escola particular está localizada na zona Oeste, no bairro de Perdizes, enquanto que a escola pública fica localizada no bairro Jabaquara, zona sul da capital. IV. Número de participantes: Duzentos (200) jovens, sendo cem (100) de cada cidade. V. Idade dos participantes: 15 a 17 anos VI. Nível de escolaridade dos participantes: ensino médio (cursando) Vale ressaltar, as escolas de São Paulo não autorizaram que os seus nomes fossem divulgados. Devido a isso, também preferi manter no anonimato o nome das escolas de Belém. 3.5.2. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS A pesquisa foi dividida em duas partes: a primeira está relacionada aos dados pessoais e a segunda parte refere-se, especificamente, a utilização da internet pelos jovens. 3.5.2.1. Dados Pessoais: A) Participantes da pesquisa Como mostra o gráfico a seguir, a maioria dos jovens participantes da pesquisa – em ambas as cidades – possuem 17 anos. Cabe aqui, de antemão, esclarecer que, 97 inicialmente, pensava-se que a idade e o nível de escolaridade dos participantes seria um fator importante na análise dos dados. Contudo, ao decorrer do processo da pesquisa começou-se a perceber que a idade não é um fator relevante no que diz respeito a utilização da internet, uma vez que todos os jovens demonstraram interagir da mesma forma com os meios. Por isso, na segunda fase da pesquisa, os dados não serão apresentados levando em consideração a faixa etária, somente o sexo (em alguns casos). Alunos da rede particular - Belém Meninos Meninas 0 0,05 0,1 0,15 17 anos 0,2 16 anos 0,25 0,3 0,35 0,4 0,35 0,4 15 anos GRAFICO 10: Quantidade de entrevistados Alunos da rede pública - Belém Meninos Meninas 0 0,05 0,1 0,15 17 anos GRÁFICO 11: Quantidade de entrevistados 0,2 16 anos 0,25 15 anos 0,3 98 Alunos da rede particular - São Paulo Meninos Meninas 0 0,05 0,1 0,15 17 anos 0,2 16 anos 0,25 0,3 0,35 0,4 0,35 0,4 15 anos GRÁFICO 12: Alunos da rede pública - São Paulo Meninos Meninas 0 0,05 0,1 0,15 17 anos GRÁFICO 13: 0,2 16 anos 0,25 15 anos 0,3 99 B) Renda média (familiar) dos entrevistados O nível médio da renda familiar dos jovens entrevistados diferencia-se bastante nas duas cidades. Na escola particular de São Paulo, localizada em Perdizes, o índice médio da renda familiar dos alunos participantes chegou a mais de dez salários mínimos. Em Belém, a maior renda ficou em torno de cinco a sete salários mínimos. Na rede pública a diferença também fica evidente, permitindo observar que a renda média dos entrevistados de Belém é sempre inferior aos moradores de São Paulo. Média da renda familiar dos alunos da rede particular - Belém e São Paulo 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Meninos Meninas Meninos 1 salário mínimo 2 a 4 salários mínimos 8 a 9 salários mínimos mais de 10 salários mínimos Meninas 5 a 7 salários mínimos GRÁFICO 14: Renda média familiar Média da renda familiar dos alunos da rede pública - Belém e São Paulo 80% 60% 40% 20% 0% Meninos Meninas Meninos 1 salário mínimo 2 a 4 salários mínimos 8 a 9 salários mínimos mais de 10 salários mínimos GRÁFICO 15: Renda Média familiar Meninas 5 a 7 salários mínimos 100 C) A contribuição do jovem na renda familiar Os jovens das escolas particulares das duas cidades afirmaram não contribuírem na renda da família, ou seja, os alunos apenas estudam e não trabalham Diferentemente, os alunos das escolas públicas afirmaram ser necessário dividir o tempo entre estudo e trabalho para aumentar a renda familiar. Devido o pouco tempo disponível para o trabalho, a maioria ingressa no mercado informal. De acordo com os dados, continua-se percebendo a significativa diferença de renda entre as cidades de Belém e de São Paulo. Participação do jovem na renda familiar Escolas particulares - Belém e Sâo Paulo 100% 50% 0% Meninos Meninas Colunas1 Meninos Meninas Colunas2 GRÁFICO 16: Participação na renda familiar Participação do jovem na renda familiar Escolas públicas - Belém e São Paulo 100% 50% 0% Meninos Meninas Colunas2 GRÁFICO 17: Participação na renda familiar Meninos Colunas1 Meninas 101 D) Objetos eletrônicos que possuem em suas residências De acordo com os dados a serem apresentados a seguir, é possível observar que a maioria dos jovens – independente da idade ou do poder aquisitivo – faz questão de adquirir os objetos infotecnológicos divulgados na mídia. Os que possuem poder aquisitivo favorável nem se esforçam para obter as “parafernálias” tecnológicas do momento, mas aqueles que – infelizmente – sobrevivem com dificuldades financeiras, fazem o possível para acompanhar o avanço do mercado informático. Inclusive, durante a aplicação dos questionários, alguns alunos relataram ter “furtado” celular porque não tinham condições de comprar o modelo desejado. 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 Sim Não 0,2 0,1 0 GRÁFICO 18: Objetos infotecnológicos que possuem 102 3.5.2.2. Utilização da Internet Nesta segunda parte da pesquisa serão apresentados dados referentes à forma como o jovem relaciona-se com a internet, deixando evidente a sedução que a mesma exerce no imaginário da juventude brasileira. No que toca ao acesso a rede, não há diferença entre sexo e idade. Todos os jovens interagem da mesma forma e demonstram-se fascinados com as possibilidades do espaço virtual. Como será possível observar, os jovens fazem questão de dedicar boa parte de seu tempo as atividades na web. Período de acesso a rede Jovens de Belém 0% 10% 10% 10% Somente aos finais de semana De segunda a sexta-feira Todos os dias, a qualquer tempo Somente no período de férias 70% Durante o expediente de trabalho GRAFICO 19: Período de acesso a rede Período de acesso a rede Jovens de São Paulo 0% 11% 5% 10% Somente aos finais de semana De segunda a sexta-feira Todos os dias, a qualquer tempo 74% Somente no período de férias Durante o expediente de trabalho GRAFICO 20: Período de acesso a rede 103 Jovens de Belém 8% 17% 17% 1 a 2 horas 2 a 4 horas 25% 4 a 6 horas 6 a 8 horas 33% mais de 8 horas GRAFICO 21: Horas dedicadas à rede Jovens de São Paulo 5% 9% 48% 19% 1 a 2 horas 2 a 4 horas 4 a 6 horas 6 a 8 horas 19% GRAFICO 22: Horas dedicadas à rede mais de 8 horas 104 Nas duas cidades, fica clara a preferência dos jovens pelas comunidades virtuais e pelos comunicadores instantâneos. Para eles, estes sites oportunizam entrar em contato com os amigos, expressar sentimentos e principalmente propiciam lazer. A comunidade mais acessada é o Orkut, em seguida Facebook e Twitter. Entre os comunicadores instantâneos, o Messenger é o mais utilizado. Além desses sites, os entrevistados destacam o Youtube, Second Life, os sites de Games e os de conteúdo adulto como os acessados com freqüência tanto por meninas quanto por meninas, como mostra o gráfico seguinte. Jovens de Belém 120% 100% 100% 100% 90% 80% 80% 80% 80%80% 75% 70% 60% 40% 40%40%40% 30% 20% 20% 10% 20% 10%10% 8% 10% 20% 15% 30% 10% 10% GRAFICO 23: A preferência dos jovens na internet Google Talk Yahoo Messenger ICQ Skype Sonico Facebook Twitter Sites de bibliotecas Sites de universidades Sites de conteúdo adulto Sites de revistas e jornais estrangeiros Sites de revistas e jornais nacionais Sites de conteúdo religioso Sites de curiosidades Sites de entretenimento: televião e cinema Sites de esportes Sites de música Blog's E-mail Second Life Chat's Games Youtube Messenger (MSN) Orkut 0% 105 Jovens de São Paulo 120% 100% 100% 100% 90% 80% 80% 80% 80%80% 75% 70% 60% 40% 40%40%40% 30% 20% 20% 10% 20% 10%10% 8% 30% 20% 15% 10% 10% 10% Google Talk Yahoo Messenger ICQ Skype Sonico Facebook Twitter Sites de bibliotecas Sites de universidades Sites de conteúdo adulto Sites de revistas e jornais estrangeiros Sites de conteúdo religioso Sites de revistas e jornais nacionais Sites de curiosidades Sites de entretenimento: televião e cinema Sites de esportes Sites de música Blog's E-mail Second Life Games Chat's Youtube Orkut Messenger (MSN) 0% GRAFICO 24: A preferência dos jovens na internet A maioria das vezes em que os jovens acessam a internet, eles não possuem objetivo definido. Se eventualmente tiver, acabam cedendo aos encantos da rede. Tomando por base esse comportamento, foi perguntado aos entrevistados: o que eles procuram na internet? Impressionantemente, todos deram a mesma resposta: procuram relacionamentos amorosos. Por isso, o jovem se expõe em sites de relacionamento, postando fotos e, não raramente, comunicando-se com pessoas que nem conhece, ficando exposto a situações de violência física e moral. 106 Jovens de Belém Fazer amizades Ouvir música Namorar Assistir a vídeos Nâo Fazer download de arquivos, filmes e… Sim Comprar produtos Participar de chat's Enviar mensagens por e-mail Fazer trabalhos escolares 0% 20% 40% 60% 80% 100% GRAFICO 25: O que o jovem procura na internet Jovens de São Paulo Fazer amizades Ouvir música Namorar Assistir a vídeos Nâo Fazer download de arquivos, filmes e… Sim Comprar produtos Participar de chat's Enviar mensagens por e-mail Fazer trabalhos escolares 0% 20% 40% 60% 80% 100% GRAFICO 26: O que o jovem procura na internet Na entrevista, perguntou-se aos jovens qual a sua opinião sobre a internet. A maioria dos entrevistados afirmou que a web é um “invento” revolucionário, capaz de melhorar a comunicação das pessoas e também é um ótimo meio de lazer. Para eles, a rede também favorece a aprendizagem, uma vez que possue enorme acervo de textos sobre os mais variados assuntos. 107 Jovens de Belém 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Sim Não Não sabe GRAFICO 27: A opinião do jovem sobre a internet Jovens de São Paulo 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Sim Não Não sabe GRAFICO 28: A opinião do jovem sobre a internet 108 No que toca as experiências vivenciadas pelos jovens no espaço virtual, é possível perceber que elas são diversificadas e que causam dependência ao usuário. Os entrevistados foram enfáticos ao afirmarem que após “experimentar” uma vez a internet, não será mais possível viver sem ela. Um dos fatores, apontados pelos entrevistados, como desencadeador dessa necessidade imprescindível de utilização da rede, está relacionada à velocidade e a interatividade. Para eles, não há “coisa” melhor do que estar conectado e se fazer “presente” em vários lugares ao mesmo tempo. Mais de 80% dos participantes, de Belém e de São Paulo, disseram encantados com a possibilidade de “postar” fotos no Orkut e, na mesma hora, conversar com amigos pelo Messenger. Outra experiência apontada pelos jovens como “atraente”, é a liberdade de manterem-se no anonimato quando se toma alguma atitude “errada”, ou seja, dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade. Quando online, costuma acessar mais de um site Você tem ou teve perfis "fakes" nas comunidades que utiliza Não sei Você já cometeu algum ato de violência moral na rede Não Sim A internet é mais interessante do que a vida real A internet causa dependência 0% 20% 40% 60% 80% 100% GRAFICO 29: Experiências na internet Por último, foram feitas duas perguntas essenciais para a pesquisa: A primeira está relacionada aos sentimentos causados pela utilização da internet e a segunda está ligada aos desejos do usuário teleinteragente. 70% dos jovens apontaram os sentimentos de liberdade e de autonomia como os mais recorrentes. Em seguida, com 50%, o sentimento de alegria também parece ser constante. Quanto aos desejos, os entrevistados mostraram-se ávidos pelo consumo, pela beleza, pelo dinheiro e, sobretudo, pela fama. 109 2% 5% 26% 24% Autonomia Liberdade Prazer Alegria 16% Raiva 27% Ódio GRAFICO 30: Sentimentos proporcionados pela internet 23% 23% Fama 4% Dinheiro Paz 20% 18% Felicidade Tranquilidade 12% Beleza GRAFICO 31: Desejos dos usuários da internet 3.5.3. ANÁLISE FINAL De acordo com os dados apresentados, foi possível perceber que a influência exercida pela internet no imaginário dos jovens brasileiros é de controle e de domínio de um sistema que vigora totalitariamente no cotidiano. Este sistema transpolítico é o capitalismo em seu estágio mais avançado (JAMESON, 2000) que de par com a tecnologia invadiu todas as dimensões da vida humana, anulando, completamente, os princípios e valores 110 tradicionais, os redutos particulares e a vida privada em detrimento da espetacularização do dia-a-dia promovida pelos meios de comunicação, que deixam vir à tona os sentimentos insondáveis do ser humano. Estimulados pelos ideais de interatividade e de velocidade, os jovens alimentam o falso sentimento de liberdade e de autonomia durante o acesso a rede. Na verdade, ao consumirem objetos infotecnológicos e utilizarem constantemente a internet, eles perpetuam a lógica do sistema vigente. No entanto, parece que a juventude atual não está preocupada com isso, eles apenas buscam diversão, e a internet é o lugar propicio. Protegido pelo bunker tecnológico e possuindo o pleno domínio das senhas infotécnicas (TRIVINHO, 2001; 2007), o indivíduo pode ser tudo o que quiser: herói ou bandido, famoso ou anônimo. Ao instituir-se na sociedade por meio da comunicação tecnológica, o capitalismo apropriou-se do imaginário social, transformando-o em imaginário glocal. Esse imaginário é responsável em articular e dar sentido a civilização mediática. E por ser identitário a época, ele não sofre influencia dos elementos que o constituem. Na verdade, esses elementos só tem sentido porque o próprio imaginário produz. Em outras palavras, a internet, como instrumento consitutivo do imaginário glocalizado, só tem valor porque esse imaginário o dar sentido. Diante disso, pode-se afirmar que as sensações de liberdade e autonomia, assim como, o desejo de fama e de riqueza apontados pelos jovens como sentimentos recorrentes da utilização da internet, tratam-se de respostas diretas das ações imaginárias glocais. Pois, somente por meio delas que a configuração societária mediática, a cibercultura, ganha significado e insere veladamente o capitalismo no âmago da sociedade. 111 CONCLUSÃO Diante das diversas transformações pelas quais o mundo tem passado qualquer conclusão corre o risco de equívocos. Ainda assim, é possível e necessário apontar certas tendências que gradativamente parecem cristalizar e marcar singularmente a civilização contemporânea. Uma delas é a irreversibilidade das mudanças operada pela comunicação tecnológica. O presente trabalho apresentou o contexto histórico e cultural nos quais a comunicação contemporânea está inserida, a fim de colaborar para o entendimento de sua significação social, a partir de uma abordagem crítica focada nas implicações e/ou influências que o fenômeno comunicacional possui no imaginário coletivo. A carga utópica da comunicação pode ser vista como remodulação do ideal cibernético de criar uma sociedade de caráter informacional, na qual computadores, como máquinas de comunicar, teriam funções sociais e primordiais e, para à qual os humanos precisariam se adaptar, tornando-se “máquinas comunicantes”. Não é necessário grande esforço para notar que a descrição da sociedade cibernética coincide, em parte, com a configuração social da cibercultura. Se, de um lado os computadores gozam de prestígio social e os indivíduos transformaram-se em “máquinas de comunicar”, mediante acoplamentos informáticos de toda a espécie, de outro, o desejo de harmonia e transparência social, resta irrealizável. Ao longo dos anos, os media de massa foram perdendo espaço para os media interativos. E, para sobreviver, precisam incentivar as práticas interativas. A velocidade e a interatividade vigem como esteio da cibercultura e, desse modo, funda bases sociais e culturais específicas. A lógica da cibercultura funciona segundo a dinâmica dromocrática. Esta condiciona a vida humana, exigindo forçadamente a ciberaculturação, sem a qual a existência se torna duvidosa e a morte simbólica tende a ser o horizonte (TRIVINHO, 2007). Para acompanhar o ritmo acelerado instituído pela dromocracia, os indivíduos vêem-se pressionados a acoplar o corpo e a mente a diversos dispositivos tecnológicos, na tentativa de não ficar ao largo da sociedade. (Ibidem). As protetizações e os demais artifícios técnicos e/ou tecnológicos não atendem apenas às determinações da dromoaptidão própria da cibercultura, como também 112 corresponde ao devaneio mercadológico de superação das limitações intrínsecas à condição humana, sob o pretexto de as máquinas serem superiores aos humanos. Como nem todos podem se equipar devidamente vislumbra-se mais uma vez na história a exclusão em massa. Diante disso, o presente Trabalho conclui que o imaginário social na atualidade vigora como imaginário glocal, o qual influencia a sociedade e, sobretudo, os jovens com ideais identitários a época regida pela comunicação tecnológica, como a sociabilidade, a teleexistência, o narcisismo e os comportamentos iconofágicos (consumo de imagens artificiais) (BAITELLO, 1995) que apenas servem para fortalecer e perpetuar o sistema capitalista. Os relacionamentos online lançam novos desafios para a reflexão teórica e também para a constituição de vínculos sociais consistentes, na medida em que o preço da conexão generalizada é o afastamento físico da alteridade, agora percebida como espectro informacional multimediático (TRIVINHO, 2007). Tal sociabilidade é simultaneamente sintoma e causa da intensificação do espírito individualista que gera relações interpessoais descomprometidas, superficiais e efêmeras. Características próprias do contexto pósmoderno. Época em que a cibercultura encontra ambiente propício para sobreviver e se desenvolver. 113 INTERNET Ciência avançada Homem que pensa Constrói e destrói, Pensa que é Deus Perdeu o sentido Perdeu o limite Perdeu a si mesmo Busca o infinito, Amor, amizade, Dinheiro, vaidade, Paixão, rancor. INTERNET... Veículo ingênuo Cultura inocente Vigília da dor, Do horror e da morte, Suicídio em massa, Triste quimera De quem com loucura buscava Antecipar a “Nova Era...” Nazaré Sousa28. 28 Escritora paraense. Poesia extraída do livro “Coletâneas” para a Academia Paraense de Letras. 1998, p.14. 114 BIBLIOGRAFIA ALBERIONE, Francisco. A amizade. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. AURÉLIO. Dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004. BAITELLO Jr., Norval. A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo: Harckers, 2008. _________ (Org.) Os meios da incomunicação. São Paulo: Annablume, 2005. _________ O animal que parou os relógios. São Paulo: Annablume, 1999. BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Portugal: Relógio D‟Água, 1991. BARBIER, René: A pesquisa-ação, tradução de Lucie Didio, Brasília, UNB, 1998. _________. As estratégias fatais. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. BAUMAN, Zygmund. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. _________ Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. _________ Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. BOURDIEU, Pierre. A economia e as trocas simbólicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. BRETON, Philippe. A utopia da comunicação. Lisboa: Instituto Piaget, 1992. (Coleção Epistemologia e Sociedade). _________ ; PROULX, Serge. Sociologia da comunicação. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002. 287 p. (Humanística). BYSTRINA, Ivan. Tópicos da semiótica da cultura. São Paulo: Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia, PUC-SP, 1995, cópia reprografada. 40f. CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2003. CAZELOTO, Edilson. Glocal: elementos para a crítica do modo mediático de reprodução do capitalismo tardio. Biblioteca digital “Domínio público”. Disponível em: < http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=8 6471>. Acesso em 08 ago. 2008. CHAUÍ. Marilena. Convite à filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2003. DURAND, Gilbert. O imaginário. 3 ed. São Paulo: Difel, 2004. FELINTO, Erick. A religião das máquinas: ensaio sobre o imaginário da cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2005. _________ Novas tecnologias, artigos e mitos: apontamentos para a definição operatória do imaginário tecnológico. In. Galáxia. n. 6, out. 2003 115 FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Cosac Naify, 2007. FREUD, Sigmund. O mal estar da civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997. ________. Psicologia das massas e análise do eu. In. Obras completas. São Paulo: Standard, GIBSON, Willian. Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2003 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2000. HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2000. KAMPER, Dietmar. Imagem. Biblioteca online do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia – CISC. 2002. Disponível em: <http://www.cisc.org.br>. Acesso em 08 out.2007. ________. Imagem e Fantasia. Biblioteca online do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia – CISC. 1995. Disponível em: <http://www.cisc.org.br>. Acesso em 08 out.2007. ________. Imanência dos media e corporiedade transcendental. Disponível em: < http://www.cisc.org.br > Acessado em 15 nov. 2008. KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Papirus, 2003. LEMOS, André; CUNHA, Paulo (Org.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2002. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 7. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. MARTINS, Francisco Menezes; SILVA, Juremir Machado da (Orgs.). Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e cibercultura. 3. ed. Porto Alegre: Sulina; Edipucrs, 2003. MARTIN-BERBERO, Jesus. Heredando El futuro: pensar La educación desde la comunicación. Nómadas, Bogotá: Fundación Universal Central, n.5, p. 10-22, set. 1996. MATTELART, Armand. História da utopia planetária: da cidade profética à sociedade global. Porto Alegre: Sulina, 2002. ________. A globalização da comunicação. 2. ed. São Paulo: Edusc, 2002. MORIN, Edgar. Reformar o pensamento. São Paulo: Instituto Piaget, 2002. PIAGET, Jean. Epistemologia genética. 2 ed. São Paulo: Martins e Fontes, 2004. 116 RÜDIGER, Francisco. Elementos para a crítica da cibercultura: sujeito, objeto e interação na era das novas tecnologias de comunicação. São Paulo: Hacker, 2002. SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000. SILVA, Juremir Machado da. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2003. SANTOS TRIVINHO, Eugênio. O mal-estar da teoria: a condição da crítica na sociedade tecnológica atual. Rio de Janeiro: Quartet, 2001. ________. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007. ________. O Cyberespace: crítica da nova comunicação. São Paulo: Biblioteca da ECA/SP, 1999. VIRILIO, Paul. A inércia polar. Lisboa: Dom Quixote, 1993a. ________. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993b. ________. Velocidade e política. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1996b. VIGOSTKY, Lev Semenovich. A Formação social da mente. São Paulo: Martins editora, 2007 WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1984. 190 p. WOLTON, Dominique. Elogio do grande público: uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática, 1996.