PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica
Dissertação de Mestrado
Cibercultura, Imaginário e Juventude
A influência da Internet no imaginário de Jovens Brasileiros
Lygia Socorro Sousa Ferreira
Orientador: Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho
São Paulo
2009
LYGIA SOCORRO SOUSA FERREIRA
Cibercultura, Imaginário e Juventude
A influência da Internet no imaginário de Jovens Brasileiros
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Comunicação e Semiótica pelo
Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica, sob a orientação do
Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho.
Área de Concentração:
Signo e Significação nas Mídias
Linha de Pesquisa:
Cultura e Ambientes Midiáticos
São Paulo
2009
BANCA EXAMINADORA
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À minha Mãe.
Não poderia dedicar esta vitória a outra pessoa. Afinal, ela só foi possível porque
você esteve sempre ao meu lado. Nunca serei capaz de retribuir tudo o que tem feito por mim.
Mas, qual o filho que consegue retribuir integralmente o amor de uma mãe? Infelizmente,
todos nós somos impotentes diante dos gestos de cuidado e de carinho dispensados desde o
nosso nascimento. Com o passar dos anos, quando se pensa que os “laços” foram rompidos
com a chegada da rotina da vida adulta, qual a surpresa? Vemo-nos ainda mais ligados aos
ensinamentos da mãe. A ligação umbilical “física”, de fato, foi rompida. No entanto, os laços
sentimentais estão cada vez mais firmes, pois o tempo nos ensina a enxergar o quando a sua
presença é importante.
Então, minha mãe, Nazaré Ferreira, este Mestrado é para você. Ele representa a
conclusão de mais uma etapa de minha vida. Sei que ainda estou apenas no começo, tenho
muito a aprender. Porém tenha certeza de que é o meu exemplo de ser humano. Sua presença
ajuda a dar sentido em minha vida e seus ensinamentos são a base que fundamenta o meu
caminho.
Você soube transmitir suas qualidades na firmeza de sua atitude; na sabedoria de
suas palavras; nos seus gestos de carinho e de solidariedade; no silêncio dos seus
sofrimentos e preocupações; na beleza do seu sorriso e na grandiosidade do seu AMOR.
Neste instante, lembrei-me que há pouco tempo atrás, um poeta já dizia: “só as mães
são felizes!”. É verdade, são felizes, simplesmente, porque vivem para amar.
AGRADECIMENTO
São cinco horas manhã. Já começo a ver, timidamente, os primeiros
raios de sol em minha janela. Passei a noite acordada, terminando a Dissertação. Esta é a
última página que escrevo. Não por ser a menos importante, pelo contrário, quero
cuidadosamente, escrever nela os nomes das pessoas que me acompanharam ao longo deste
percurso acadêmico.
Meu primeiro agradecimento é a Deus por ter concedido o dom maior,
o DOM da VIDA. Vida cheia de presentes. Presentes representados em forma de experiências
e pessoas que me ensinam o quanto é maravilhoso viver.
No transcurso destes dois anos, como qualquer ser humano, depareime com situações de alegria, mas também com dificuldades. Não foi fácil chegar ao fim.
Muitas vezes, até pensei em não ser capaz de conseguir. Porém, todos que citarei nesta folha,
direta ou indiretamente, ajudaram-me a concluir esta etapa. Peço desculpas àqueles que,
eventualmente, não serão citados. Acreditem, não foi por esquecimento ou ingratidão.
Simplesmente, porque é impossível; falta espaço para escrever todos os nomes das pessoas
que são especiais para mim. Mas saibam que tenho todos guardados em meu coração.
No entanto, não poderia deixar de lembrar minha irmã, Lourdes
Ferreira, companheira de todas as horas. Não tenho palavras para agradecer o carinho e o
apoio nas horas difíceis. Sem essa mão amiga, jamais seria capaz de superar os obstáculos
surgidos ao longo do tempo.
Outra pessoa igualmente importante, Prof. Dr. Eugênio Trivinho.
Educador na expressão máxima que o termo encerra. Exemplo de dedicação e de
competência. Como poderei agradecer a paciência com que me orientou? Sinto-me honrada
em ter como orientador e amigo, um dos maiores pesquisadores da área crítica
comunicacional da atualidade.
Agradeço a CAPES, pela bolsa de estudos de fundamental importância
para a conclusão deste meu percurso acadêmico;
Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Em especial a profª Lucrécia Ferrara, prof. Norval
Baitello e prof. Oscar Cezarotto, os seus conhecimentos e as suas experiências foram de
imenso valor;
A minha querida Cida Bueno (PEPGCOS-PUC/SP). Muito mais do que
uma secretária, é uma mulher de fibra que abraça o serviço com responsabilidade e amor. É,
também, uma amiga cuidadosa. Obrigada por tudo que fez por mim, durante estes dois anos.
Aos colegas do grupo de pesquisa CENCIB (PUC-SP), Edilson,
Heloísa, Michele e Ana, e aos colegas do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica, em especial ao Daniel, a Marlise e ao Romilson, pela partilha
intelectual de fundamental importância para o meu crescimento acadêmico;
Às irmãs do Pensionato Santa Marcelina, pelo carinho com que me
acolheram em “terra estranha”; e as colegas de pensionato Fabíola, Rosário, Shizuko,
Paula, Lívia e em especial a Maíra, que – assim como eu – vieram para São Paulo se
qualificar. Partilhamos as dificuldades, a saudade da família, as conquistas e as alegrias;
Aos meus amigos fiéis: Ruberval Oliveira, Débora Campos, Júlia
Célia, Rosiléia Guedes, Maria Lygia, Arlete, Dédima, Ângela, Claudinha, Alda, Márcia
Bragança e outros tantos que, infelizmente, não poderão ser citados por falta de espaço, mas
estão presentes em meu coração. Agradeço imensamente a Bárbara Barbosa e Márcio
Wariss, pelas “dicas”, pela partilha das experiências acadêmicas e pelas orações. Em
especial, aos queridos: Profª. Elomar Alencar, pelo carinho e pela confiança que sempre
depositou em mim; e ao Prof. Msc. Mário Tito Almeida, pela amizade, pelo incentivo e pelas
boas sugestões que auxiliaram na construção do quadro teórico da dissertação. Obrigada,
que Deus abençoe a sua vida e de sua família.
Aos meus colegas professores que abraçam com responsabilidade a
missão de educar. Ás irmãs salesianas do Instituto Dom Bosco que me acolhem desde
pequena com tanto carinho. Com elas aprendi a colocar em prática os ensinamentos do
grande educador Dom Bosco em minha vida. Estendo os agradecimentos às irmãs da Escola
Berço de Belém que sempre acreditaram em mim. E a Zenaira, Regina e Ir. Janete do
Centro Social Auxilium, pela compreensão e paciência durante esta reta final do curso;
Às escolas que abriram as suas portas para a realização de minha
pesquisa. A participação de vocês dá sentido ao trabalho;
A toda a minha família, principalmente as minhas tias Profª. Drª.
Maria Olinda Souza Pimentel (UFPa) e a Profª. Ms. Maria da Conceição Fernandes
(UFPa), pelo estímulo constante para que eu concluísse esta etapa. À tia Célia que, mesmo
de longe, sempre esteve torcendo por mim. Aos meus primos, em especial a Conci, minha
companheira em São Paulo;
Agora, no final, relembro daqueles que já não me alegram com a sua
presença. Meus avós Cacilda e Tertuliano Souza; Vicentina e Raimundo Ferreira e a Maria
Ziená, pelo amor com que cuidaram de mim. A minha tia Iraci Sousa, sempre tão
preocupada com os meus estudos “na cidade grande” e ao meu tio Eloy. As lembranças
permanecem e o amor transcende na certeza de que descansam em paz.
Os raios de sol já invadiram a sala. É mais uma manhã quente de verão
do norte. Termino de escrever esta página de agradecimentos. Olho para a imagem de um
quadro pendurado na parede. É a fotografia de meu pai, comigo em seu colo. Vejo o
semblante sério, firme, mas com olhar carinhoso. Ao ver a imagem, entendo Kamper: as
imagens realmente transformam os homens em seres imortais. Meu pai, Sebastião Ferreira, a
morte lhe levou cedo, mas o seu exemplo de dignidade e o seu amor permanecem vivos dentro
de mim. Eu sei que... “As pessoas não morrem, ficam encantadas.” (Guimarães Rosa).
“Se a velocidade é luz, então aparência é o que se
move. Transparências momentâneas e enganosas,
dimensões do espaço que não passam de aparições
fugitivas, objetos percebidos no instante do olhar,
este olhar que é, a um só tempo, o lugar e o olho”.
(VIRILIO, 2005, p. 19.)
RESUMO
A presente Dissertação está inserida no atual arranjamento mediático planetário
configurado pela convergência entre a comunicação e a informática: a Cibercultura. Hoje,
vive-se em uma época marcada por avanços científicos contínuos e, sobretudo, pela imensa
utilização de equipamentos infotecnológicos. A interatividade e a velocidade passaram a ser
concebidas como processos capazes de dinamizar as relações socioculturais, políticas e
econômicas da vida contemporânea. Nesse contexto em que as tecnologias interativas
tornaram-se imprescindíveis, tornou-se importante investigar a influência da internet no
imaginário dos jovens brasileiros. Atualmente, as relações sociais se fazem sobremaneira com
o auxílio da máquina. Então, é imperioso questionar como a web age no imaginário dessa
faixa etária. As relações mediadas pela internet colaboram para a autonomia e para a
formação da identidade dos jovens? Como a internet os seduz? Os conteúdos explorados na
rede auxiliam a formação pessoal desses indivíduos? As respostas para tais questionamentos
mostram que o jovem, ao interagir com o mundo virtual, constrói para si um sentimento de
autonomia e identidade. Ao mesmo tempo, essa relação jovem-internet também proporciona
dependência e solidão, num contexto eventualmente assumido de ausência de criticidade. O
Trabalho trata-se de uma pesquisa empírica, em que foram consultados 100 jovens, na faixa
etária entre 14 a 17 anos, estudantes de escolas públicas e particulares das cidades de Belém e
São Paulo. A apuração dos dados foi feitas por sistematização tematização qualiquantitativa
de dados. As perspectivas teóricas mobilizadas para a fundamentação teórica incluem o pósmodernismo reflexivo (Lyotard, Harvey, Kumar e Jameson), o pós-estruturalismo francês
(Baudrillard), a teoria critica pós-frankfurtiana da comunicação (Sfez), a teoria
sociodromológica (Virilio), a epistemologia da critica da cibercultura (Trivinho), as teorias do
imaginário (Castoriadis e autores da área de psicologia), entre outras vertentes coerentes com
estas. Os resultados (teórica e empírica) se projetaram na forma de conclusões científicas
contextuais sobre o problemático fascínio desse acoplamento entre juventude e ciberespaço.
PALAVRAS-CHAVE: cibercultura, imaginário, velocidade, interatividade, internet,
juventude.
ABSTRACT
The Master dissertation is inserted in the present planetary mediatic arrangement
configured by the convergence between communication and the data processing information:
cyber-culture. We are currently living in a time impacted by continuous scientific
advancements and, moreover, by the huge utilization of info-technologic equipment. The
interactivity and speed are now conceived as processes capable of dynamizing the sociocultural, political and economic relations of the contemporary life. On that context, where
interactive technologies became essential, it is important to investigate the Internet’s influence
on the Brazilian youngsters’ imaginary. Nowadays, the social relationships are built with the
help of digital technologies and the cyberspace. The question arises, then: How does the
Internet impact the youth? Do the relationships measured by the Web collaborate for the
autonomy and identity formation of young people? How does the Internet seduce them? The
contents explored at the Web help in the personal formation of those individuals? The
answers for those questions show that when reaching the virtual world, youngsters develop a
feeling of autonomy and identity. At the same time, that relationship young people-Internet
provides dependence and loneliness in a context occasionally taken over by criticism absence.
In addition to the bibliographic research on the studied object, the work involves empirical
research, through a specialized consultation with 100 youngsters aging 14 to 17 years old,
students of public and private schools of Belém and São Paulo. The data study was done
through qualitative and quantitative systemization and the results were posted in elucidative
graphic spreadsheets. The theoretical perspectives deployed for the argumentation basis
include post-modernism (Lyotard, Harvey, Kumar and Jameson), French post-structuralism
(Baudrillard), communication post-Frankfurt critique (Sfez), socio-dromological theory
(Virilio), cyber-culture critical epistemology (Trivinho) and the ‘imaginarium’ theories
(Castoriadis and authors of the psychological area), among other less relevant sources. The
(theoretical and empirical) results reflect as contextual scientific conclusions on the
problematic seduction of that coupling between youth and cyberspace.
KEY WORDS: cyberculture, imaginarium, speed, interactivity, Internet, youth
LISTAS
FIGURAS
FIGURA 1-Significados da modernidade .............................................................................. 17
FIGURA 2- Desenvolvimento do mercado e do sistema capitalista ....................................... 21
FIGURA 3- Imaginário moderno e imaginário pós-moderno: comparações .......................... 25
FIGURA 4- Os modelos de culturas sustentadas pela comunicação ....................................... 28
GRÁFICOS
GRÁFICO 1-Ser jovem, é bom ou ruim? .............................................................................. 83
GRÁFICO 2- As melhores coisas em ser jovem..................................................................... 84
GRÁFICO 3- Assunto de interesse dos jovens (grupo de jovens da área urbana).................. 84
GRÁFICO 4- Assuntos de interesse dos jovens (grupo de jovens da área rural) ................... 85
GRÁFICO 5-Preocupação do jovem....................................................................................... 86
GRÁFICO 6- Assunto discutido com os amigos .................................................................... 87
GRÁFICO 7- Assunto discutido com os pais ......................................................................... 88
GRÁFICO 8- A função da escola ........................................................................................... 89
GRÁFICO 9- Mídia utilizada pelo jovem ............................................................................... 90
GRÁFICO 10- Quantidade de entrevistados - Belém ............................................................. 97
GRÁFICO 11- Quantidade de entrevistados – Belém ............................................................ 97
GRÁFICO 12- Quantidade de entrevistados – São Paulo....................................................... 98
GRÁFICO 13- Quantidade de entrevistados – São Paulo....................................................... 98
GRÁFICO 14- Renda familiar – rede particular Belém e São Paulo...................................... 99
GRÁFICO 15- Renda familiar – rede pública Belém e São Paulo ......................................... 99
GRÁFICO 16- Participação na renda familiar - Belém ........................................................ 100
GRÁFICO 17- Participação na renda familiar – São Paulo .................................................. 100
GRÁFICO 18- Objetos infotecnológicos - Belém ................................................................ 101
GRÁFICO 19- Período de acesso a rede - Belém ................................................................. 102
GRÁFICO 20- Período de acesso a rede- São Paulo ............................................................ 102
GRÁFICO 21- Horas dedicadas a internet – Belém ............................................................. 103
GRÁFICO 22- Horas dedicadas a internet – São Paulo........................................................ 104
GRÁFICO 23- Preferência dos jovens – Belém ................................................................... 104
GRÁFICO 24- Preferência dos jovens – São Paulo .............................................................. 105
GRÁFICO 25- O que os jovens procuram na internet – Belém............................................ 106
GRÁFICO 26- O que os jovens procuram na internet– São Paulo ....................................... 106
GRÁFICO 27- Opinião do jovem sobre a internet – Belém ................................................. 107
GRÁFICO 28- Opinião do jovens sobre a internet– São Paulo ............................................ 107
GRÁFICO 23- Experiencias na internet ............................................................................... 108
GRÁFICO 30- Sentimentos proporcionados pela a internet................................................. 109
GRÁFICO 31- Desejos dos usuários ................................................................................... 110
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 14
COMUNICAÇÃO E A CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DA
CONTEMPORANEIDADE .......................................................................... 16
1.1. FENÔMENO MODERNO E PÓS-MODERNO ........................................................... 17
1.1.1. Modernidade e pós-modernidade: definições e interpretações ............................... 17
1.1.2. A lógica do capitalismo e o imaginário social pós-moderno .................................. 20
1.1.3. O imaginário social pós-moderno: transformações e desafios ................................ 24
1.2. DOS MASS MEDIA AOS MEDIA INTERATIVOS: A TRAJETÓRIA DOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO NO IMAGINÁRIO SOCIAL ................................................................ 28
1.3. A CIBERCULTURA ..................................................................................................... 36
1.3.1. O sistema dromocrático cibercultural ..................................................................... 39
1.3.2. O fenômeno glocal .................................................................................................. 42
IMAGEM E IMAGINÁRIO.......................................................................... 45
2.1. O IMAGINÁRIO EM REPRESENTAÇÃO ................................................................. 47
2.1.1.. As imagens: definição ............................................................................................ 47
2.1.2. Origem das imagens: o mito da caverna ................................................................. 48
2.1.3. A sedução das imagens ........................................................................................... 51
2.2. CONTRIBUIÇÕES DO IMAGINÁRIO ....................................................................... 55
2.2.1. Desvendando o imaginário: conceitos .................................................................... 55
2.2.1.1. Fase de sucessão ........................................................................................... 56
2.2.1.2. Fase de subversão ......................................................................................... 57
2.2.1.3. Fase de autorização ...................................................................................... 57
2.2.1.4. As significações imaginárias: imaginário radical e imaginário social ........ 59
2.3. O IMAGINÁRIO NA CIBERCULTURA..................................................................... 62
2.3.1. A ditadura do imaginário: o imaginário tecnológico .............................................. 66
2.4. UTOPIAS DO IMAGINÁRIO TECNOLÓGICO: O FENÔMENO GLOCAL ........... 69
2.4.1. As práticas glocais interativas ................................................................................. 69
2.4.2. A máquina como alteridade .................................................................................... 71
2.4.3. A teleexistência: a fuga dos corpos ......................................................................... 72
CIBERCULTURA, IMAGINÁRIO E JUVENTUDE BRASILEIRA ................... 74
3.1. CONCEITO DE JUVENTUDE ..................................................................................... 76
3.2. PÓS-MODERNIDADE E CIBERCULTURA NO CONTEXTO BRASILEIRO ....... 80
3.3. RETRATO DA JUVENTUDE BRASILEIRA ............................................................ 83
3.4. UTOPIAS DO IMAGINÁRIO GLOCALIZADO ........................................................ 91
3.4.1. Recontando a história de Narciso ............................................................................ 91
3.4.2. As relações na rede.................................................................................................. 93
3.5. O IMAGINÁRIO DOS JOVENS BRASILEIROS ...................................................... 96
3.5.1. Caracterização ......................................................................................................... 96
3.5.2. Apresentação dos dados .......................................................................................... 96
2.5.2.1. Dados pessoais .............................................................................................. 96
2.2.1.2. Utilização da internet .................................................................................. 102
3.5.3. Análise final .......................................................................................................... 109
CONCLUSÃO .............................................................................................. 110
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 114
INTRODUÇÃO
Com o advento dos meios de comunicação inaugurou-se a era da
civilização mediática. Época histórica marcada pela presença da tecnologia em todas as
dimensões da vida humana, incluindo a esfera do trabalho até a esfera do tempo livre e de
lazer. Indivíduos (jovens, adultos, crianças), instituições (educacionais, religiosas, fundações),
empresas (públicas e privadas), Estados (desenvolvidos ou subdesenvolvidos) são convidados
ou pressionados a adequarem-se as modificações sociais, culturais e imaginárias provocadas
pelos media, principalmente, após terem tornado-se o principal vetor de articulação da vida
humana.
O tema principal do presente Trabalho é investigar a influência da
internet no imaginário de jovens brasileiros de 15 a 17 anos. Sabe-se que nessa faixa etária, os
indivíduos gostam de viver em grupo, buscam conquistar a autonomia e firmar a sua
identidade. Por isso, tornar-se pertinente os seguintes questionamentos: será que o espaço
virtual é o “lugar” propício para o desenvolvimento dos anseios da juventude? ou esse “novo
mundo” alimenta o imaginário dos adolescentes com a falsa sensação de liberdade e de
autonomia?
Na tentativa de responder a esses questionamentos, estruturou-se a
análise em três momentos. No primeiro Capítulo é apresentado o contexto societário
articulado pelos meios de comunicação que instituem-se no imaginário social por meio do
sistema invisível e totalitário denominado por Virilio (1997) e Trivinho (2001) de
dromocracia e pela ação interativa provocada pelo fenômeno glocal (TRIVINHO 2001, 2007)
que vigora como o imaginário próprio da cibercultura. Mas, para a compreensão desses
conceitos, foi necessário, anteriormente, discorrer sobre as significativas transformações
sociais provocadas pela passagem da modernidade para a pós-modernidade e abordar a
trajetória dos meios de comunicação, enfocando o percurso social e histórico dos mass media
até os media interativos que impulsionaram o surgimento da configuração social tecnológica
denominada de cibercultura.
O segundo Capítulo é dedicado exclusivamente as questões do
imaginário. Primeiramente, destaca-se a importância da íntima relação existente entre as
imagens e o imaginário, para depois conceituá-lo levando em consideração a sua forma
15
radical (individual) e social (coletiva). (CASTORIADIS, 1986). Com a emergência da
cibercultura, a tecnologia apropria-se do imaginário social e o transforma em imaginário
tecnológico ou imaginário glocalizado. Criado e desenvolvido somente por meio da
tecnologia, o imaginário glocal possibilita a concretização de todas as utopias ciberculturais (a
interatividade, a teleexistência, sociabilidade), como também colabora para o fortalecimento
do sistema que a promove, o capitalismo.
O terceiro e último Capítulo trata sobre a juventude. Apresentam-se
conceitos e traça-se o perfil dos jovens brasileiros no século XXI, para então mostrar os dados
da pesquisa norteadora deste Trabalho. O corpus da pesquisa que pretende analisar a interação
jovem e internet é constituído de duzentos jovens, entre 15 a 17 anos, estudantes de ensino
médio de escolas públicas e particulares nas cidades de Belém e de São Paulo. As diferenças
culturais, geográficas, econômicas e sociais existentes entre as duas cidades anulam-se ao
perceber que a comunicação tecnologia possue o poder de padronizar comportamentos em
qualquer lugar em que se faça presente. No espaço virtual, obliteram-se as características
individuais em detrimento das coletivas, por isso, o jovem deixa de ser um indivíduo local
para ser um usuário global. Em busca da liberdade total, o jovem encontra no ciberespaço o
“lugar” para transgredir todos os limites impostos pela sociedade, visando concretizar (pelo
menos na virtualidade) o sonho de liberdade absoluta.
16
CAPÍTULO I
COMUNICAÇÃO E A CONTEXTUALIZAÇÃO
SOCIAL-HISTÓRICA DA CONTEMPORANEIDADE
“A imagem do homem sentado, contemplando, num dia de greve, sua tela de
televisão vazia, constituirá no futuro uma das mais belas imagens da antropologia
do século XX”.
(BAUDRILLARD, 1990, p. 19)
Este primeiro Capítulo tem a finalidade de apresentar o contexto sóciohistórico em que o corpus da pesquisa está inserido. Nele será tratado o tema relativo à
passagem da modernidade para a pós-modernidade, observando as transformações sociais e
imaginárias ocorridas durante o processo de transição, sobretudo, dando destaque à
comunicação tecnológica que – a partir do século XX – tornou-se o principal vetor de
articulação da vida humana.
Após a Segunda Guerra, a humanidade descrente nas metanarrativas
modernas, vê na comunicação (eletrônica e informática) a possibilidade de reedificar o mundo
destroçado. Com a promoção das “tecnoteleologias” (TRIVINHO, 1999, p. 380), a
comunicação de base tecnológica penetra no cerne da sociedade e assume status de valor
social, cultural, político e econômico, vigorando com poder totalitário.
O quadro teórico desta primeira parte da Dissertação é inspirado na teoria
crítica da pós-modernidade, de Lyotard, Harvey e Jameson; no pós-estruturalismo francês de
Baudrillard; na teoria sociodromocrática, de Virilio, e na epistemologia crítica da cibercultura,
de Trivinho, entre outros conceitos coerentes com esses, que colaboram para elucidar de
maneira conceitual e introdutória as principais mudanças provocadas pela comunicação ao se
tornar vetor de articulação social em escala planetária.
17
1.1.
FENÔMENO MODERNO E PÓS-MODERNO
1.1.1. Modernidade e pós-modernidade: definições e interpretações
Historicamente, a modernidade é definida como a época marcada por
transformações de ordem política, econômica e social. No entanto, a mais significativa
transformação ocorreu primeiramente no campo do imaginário. Sabe-se que durante a
antiguidade clássica e, sobretudo, na idade média, o homem encontrava-se totalmente ligado
às crenças religiosas. Com a emergência da era moderna, ele rompeu com o dogma religioso,
descobriu as suas potencialidades e passou a creditar na técnica e na ciência a sua liberdade.
Essa nova forma de pensar desencadeou, na prática, revoluções de âmbito político-econômico
e sociocultural fundamentada em três núcleos de significações norteadoras do imaginário
moderno, como mostra a ilustração abaixo.
FIGURA 1: Tripé de significações do imaginário moderno
Originada do rompimento com as crenças religiosas do passado, a
significação humanista pode ser compreendida como o próprio esprit du temps moderno. Ela
é responsável em articular todas as outras significações por meio do desenvolvimento das
metanarrativas e de impulsionar mudanças no campo cultural, cognitivo e ético. A
significação econômica e cultural influencia as ações de livre comércio, segundo o princípio
de satisfação das necessidades individuais, possibilitando a expansão do comércio e o
aumento da lucratividade. A significação político-revolucionária desenvolve-se por meio da
técnica e da tecnologia, contribuindo para o processo de industrialização e urbanização das
18
cidades, para o surgimento dos estados nacionais e dos movimentos de “massa” e para a
promoção dos princípios democráticos.
É válido explicitar que nas significações imaginárias estão imbricados
os projetos idealizados e a prática diária, ambos misturam-se e constroem uma rede de
sentidos que norteiam a vida humana. No caso da modernidade, esse tripé de significações é
constituído de propostas revolucionárias e de práticas que – apesar de inovadoras – não
conseguem converter em realidade o sonho iluminista. Essa contradição existente entre o real
e o ideal é característica preponderante do período moderno, podendo ser percebido logo em
sua fase inicial, quando a humanidade “liberta-se” das amarras religiosas e eleva o homem ao
status messiânico, acreditando na possibilidade do sujeito racional – “eu cogito” – apoiado no
princípio de liberdade, igualdade e fraternidade, desenvolvido sobre o tríplice pilar razãociência-técnica, construir um mundo altamente civilizado. No entanto, o tão sonhado projeto
de emancipação humana não se concretizou, pelo contrário, converteu-se em barbárie.
Para David Harvey (2004), a lógica iluminista, desde sua origem, estava
fadada ao fim trágico. Como já ressaltado, na contradição dos discursos ideológicos residia a
fragilidade da condição moderna. O excesso de racionalidade, a crença absoluta no ente
humano e a exacerbada valorização da técnica aprisionaram o homem, ao invés de libertá-lo.
Trivinho (2007) analisa a ineficiência dos projetos teleológicos justificando que isso ocorre
devido toda razão revelada guardar em seu íntimo sonhos, assim como a técnica tende a virar
objeto de fetiche. O autor ainda enfatiza: “o problema da utopia é a própria utopia”
(TRIVINHO, 1999, p. 383). Afinal, durante anos, a sociedade tem testemunhado o desfecho
trágico de seus projetos de emancipação.
O cristianismo desembocou num império medieval de dez séculos e na
Inquisição sob o álibi da libertação da alma pecadora e da condução final dos
homens ao paraíso; os religiosos fragmentários geraram mais preconceito,
intolerâncias étnicas e espíritos belicosos em nome de um Deus monoteísta, em
vez de levarem ao enunciado encontro harmonioso com a divindade. O
iluminismo redundou na falácia do progresso técnico e na industrialização da
cultura de massa a pretexto de, por elas, emancipar a totalidade da espécie
humana da ignorância, do mito e do obscurantismo. O liberalismo preservou,
em novas bases, as desigualdades sociais e econômicas sob a evasiva de
equacioná-las pela melhor distribuição de uma forma obscura e obsoleta de
Estado que o nazismo e o socialismo, por má fé da história, acabaram, cada
qual a sua maneira, por confiscar para si e por encarnar: os três culminaram no
totalitarismo estatal-burocrático sob o pretexto dos fins emancipatórios. O
marxismo, em particular, sob o pilar da dialética como princípio teóricometológico e da luta de classes como motor da história e como práxis acabou
por reduzir – conforme já assinalado –, depois de realizadas as revoluções
proletárias, a lógica da dominação contra a qual se lançou desde cedo. E, agora,
o neoliberalismo triunfante no âmbito da política burocrática e do valor de
troca, bem como, o neonazismo que insurge em diversas partes do mundo
19
colocam-se como repetições cínicas da catástrofe pregressa de seus originais.
(Ibidem).
Diante da contínua incapacidade de concretização, os discursos
teleológicos caíram em descrédito, possibilitando a emergência da pós-modernidade.
Historicamente, existem divergências quanto ao surgimento dessa época. Não é possível
apontar uma data ou um acontecimento específico capaz de explicar com precisão o seu
surgimento. Apenas sabe-se que o fenômeno pós-moderno surgiu silenciosamente em meio
aos escombros deixados pela Segunda Guerra e estabelece significativas transformações ao
trazer consigo a comunicação tecnológica. A dificuldade em apontar um fator determinante
para a ascensão pós-moderna reflete na complexidade de conceituá-la com precisão. Para
Trivinho (2001), a maioria das literaturas ensaísticas define a pós-modernidade enfocando três
aspectos distintos: [1] Época histórica relativamente definida: nesse caso, a pós-modernidade
é compreendida sob o ponto de vista da economia. Então, é definida como momento histórico
em que o sistema capitalista se perpetua; [2] Condição cultural da época: ou seja, o sprit du
temps. É a maneira de ser e atuar no mundo. Esta amplamente relacionada com a sensibilidade
de uma nova época com características específicas: efêmera, fragmentada e massificada; e [3]
Corrente de pensamento propositivo-instituinte: definições específicas e variadas que
justifiquem novas manifestações na área da literatura, da filosofia e da arte.
Conforme Trivinho (2001, p. 43), o fenômeno pós-moderno não pode
ser compreendido com base em apenas um dos enfoques elencados acima, porque, na
verdade, é a soma de todos eles; “nutre-se de todos os fatores a um só tempo” (ibidem). Para
Lyotard (2002), essa multiplicidade de sentidos também é decorrente do processo de ruptura
com as crenças passadas. O consenso exercido pelas grandes narrativas esvai-se e cede lugar
aos pequenos relatos, impulsionando a construção de percepção de mundo fluida. Bauman
(2001) compara a fluidez do espírito pós-moderno com o efeito característico dos líquidos.
Estes ao serem submetidos às pressões externas têm suas partículas facilmente modificadas.
De acordo com o autor, o mesmo ocorreria com o “clima” da pós-modernidade. A cada nova
situação, as formas de pensar e de agir transformam-se provocando o embaralhamento dos
sentidos e dos sentimentos humanos.
Jameson (2000) enfatiza que a liquidez da condição pós-moderna
aumenta a avidez pelo consumo, favorecendo o enraizamento da lógica capitalista no cerne da
sociedade por meio de dois fatores conexos: [1] a globalização do comércio impulsionado
pelo avanço da tecnologia informática e [2] a forma com que os indivíduos interagem com os
media. Com o advento do fenômeno pós-moderno, a comunicação tecnológica passou a gozar
20
de privilégios no âmbito cultural, político e econômico, atuando como promotora dos ideais
das grandes corporações empresariais que transformam a cultura em produto de consumo,
perpetuando a lógica do sistema capitalista no imaginário da sociedade. A discussão a cerca
da contribuição dos media no fortalecimento do capitalismo no imaginário social, será matéria
tratada no item a seguir.
1.1.2. O imaginário social pós-moderno e a perpetuação da lógica
capitalista
Para melhor compreensão do tema abordado neste item, será necessário,
primeiramente, definir o significado de imaginário social. Castoriadis (1986) o concebe como
a operação mental responsável em conduzir à práxis humana, exercendo a função de
organizador do comportamento e das relações sociais independente da consciência moral e
dos valores pessoais dos indivíduos. Para Freud (1976), o imaginário possui uma “influência
magnética” capaz de levar o grupo social ao delírio. A personalidade consciente e individual
desvanece em detrimento da personalidade consciente e coletiva. Os comportamentos se
modificam por meio da sugestão e do contágio dos sentimentos, ocasionando o nascimento
das idéias e dos atos coletivos, construindo a rede simbólica que sustenta o “pensar e o
operar” dos sujeitos. (CASTORIADIS, 1986, p. 159).
Fundamentada nessas definições, é possível reescalonar o sentido do
capitalismo, retirando-o do reduto da teoria política e econômica e introduzindo-o no campo
do imaginário. Nesse caso, ele pode ser concebido como a principal rede imaginal
articuladora da vida humana. Desde sua introdução na história ocidental, logo após o ocaso do
feudalismo no final da idade média, o capital expandiu-se velozmente e conduziu a
humanidade para uma verdadeira revolução. É importante ressaltar, o crescimento voraz do
sistema impulsionou Marx1 a criar uma proposta ideológica objetivando libertar o homem das
amarras do sistema.
Com o passar do tempo, o discurso ideológico marxista enfraqueceu
diante das imensuráveis transformações sócio-históricas impostas pelo capitalismo, sobretudo,
após a Segunda Guerra. Segundo Castoriadis (1986), o fator desencadeador da falência do
projeto socialista residia na tentativa de Marx apropriar-se de parte do pensamento tradicional
1
Esta Dissertação não tem o objetivo de adentrar em questões específicas da teoria marxista. A abordagem
referente à proposta ideológica criada por Marx serve para facilitar a elucidação de aspectos importantes
relacionados a ação do imaginário.
21
burguês com a intenção de aplicá-lo em uma teoria voltada aos anseios da classe trabalhadora.
Para o autor, o problema das grandes narrativas é não conseguir acompanhar o processo de
evolução da humanidade. No momento em que novas situações surgem, exigem –
conseqüentemente – alterações no comportamento e na forma de pensar, sendo
completamente inviável continuar “olhando” o mundo sobre o prisma da linha tradicional
imposta pelo “pensamento herdado” (ibid., p. 65). Então, apesar dos trabalhadores
compartilharem dos mesmos desejos, almejarem a liberdade proposta por Marx, eles não
conseguiam viver de acordo com o que a teoria postulava. Diante disso, o proletariado não
tardou em perceber que a ideologia jamais conseguiria cumprir a promessa de emancipação
humana, apenas conduziria o sujeito ao processo de alienação. (CASTORIADIS, 1986).
A incapacidade dos projetos teleológicos adequarem-se as mudanças
contribuiu para que os ideais marxistas sucumbissem, assim como impulsionou a falência de
todos os outros postulados totalizantes. A derrocada das grandes visões de mundo aliada às
heranças do pós-guerra (a parafernália tecnológica, a fragilidade da população e a ascensão do
império capitalista) favoreceu o surgimento da pós-modernidade. Época marcada pelo
desenvolvimento da tecnologia informática, pelo domínio da comunicação e pela perpetuação
do capitalismo. Segundo Jameson (2000), a característica preponderante do fenômeno pósmoderno está relacionada ao enraizamento do sistema capitalista. Hoje, o capital deixou de
restringir-se ao plano econômico e político e invadiu a esfera simbólica e cultural.
Aprofundando o pensamento do referido autor, Baurdillard (1991) analisa que no transcurso
da história, o mercado e seu elemento identificador, o valor de troca, passou por três estágios,
como mostra a ilustração a seguir:
FIGURA 2: Fases do desenvolvimento do mercado.
22
De acordo com a ilustração, a primeira fase está relacionada à forma de
produção primitiva. Momento sócio-histórico em que as mercadorias eram comercializadas
visando somente à subsistência humana. A segunda fase refere-se à modernidade, período de
introdução de novas formas de produção e de valorização da técnica. O homem é forçado a
migrar do campo para a cidade, deixando de trabalhar no cultivo da terra para enfrentar a
jornada de trabalho nas indústrias em troca de salário para garantir sua sobrevivência. A
terceira fase é sem dúvida a mais complexa. Tudo passa a ser comercializado, inclusive os
sentimentos humanos e as expressões culturais viram produto de consumo. Os meios de
comunicação como o principal articulador da produção e da venda desses produtos. Os media
permitem que qualquer produto exceda a sua concretude e atinja o plano simbólico,
favorecendo o consumo primeiramente na dimensão imaginária, para somente depois ser
concretizado eficazmente no plano real.
Para Kumar (1997), mesmo a comunicação tecnológica vigorando
como principal vetor de disseminação do capitalismo, proporcionando a geração de lazer cada
vez mais industrializada, ela ainda encontra-se submetida à lógica de racionalização presentes
nos modelos tayloristas e fordistas. Os antigos procedimentos industriais exigidos na linha de
montagem mostraram-se eficazes na produção e no consumo e, por isso, foram mantidos,
sofrendo apenas algumas modulações. Os media apropriaram-se dos conceitos estabelecidos
na relação compra-venda e construíram uma linguagem estratégica persuasiva capaz de agir
no imaginário dos indivíduos, “convidando-os” adquirir os produtos ofertados. A publicidade,
as pesquisas de opinião pública, as notícias dos telejornais e a necessidade de atualização
constante para aprender a manipular os equipamentos infotecnológicos, são exemplos de que
hoje se vive sob a égide do “taylorismo social”. (TRIVINHO, 2001).
O processo de desaparecimento do espaço físico do mercado e a
associação do objeto com sua marca favoreceram a simbiose entre comércio e media. Os
produtos saíram das prateleiras das lojas e passaram a flutuar no tempo e no espaço das
programações televisivas ou nas janelas pop up dos sites. Eles perderam a referência concreta
e passaram a estar imbricados na linguagem promocional dos programas de televisão. Um
exemplo bem comum, o merchandising: estratégia comercial que se faz presente em quase
todos os programas de televisão, principalmente nas telenovelas ou nos reality shows. Nesse
caso, não são os produtos que atraem o consumidor, mas a própria narrativa reificada e
transformada em mercadoria.
A prodigiosa expansão do capitalismo impulsionada pela comunicação
tecnológica favorece a desmaterialização do capital e reorganiza os modos de produção e de
23
consumo, conduzindo-os ao campo do imaginário. Cazeloto (2008) lembra que apesar de
todas essas mudanças, o sistema capitalista continua vigorando sob as mesmas bases. As
hierarquias, as zonas privilegiadas, os pólos de produção e toda sua estrutura não se
encontram em estágio autocrático, pelo contrário, livre dos constrangimentos da circulação
concreta (máquinas, moeda etc.) e do espaço físico (fábricas, mercado etc.), o sistema
capitalista continua cumprindo seu papel totalitário por meio da lógica da mais potência (a
velocidade é o produto). O sujeito deve estar sempre atualizado, obter os objetos
infotecnológicos disponíveis no mercado e dominar todas as linguagens necessárias para seu
acesso. O autor ainda enfatiza, a forma cultural e imaterial do capitalismo que age num campo
fluido e indeterminado geograficamente, buscando possibilidades mais rentáveis que a
civilização mediática possa oferecer. (cf. CAZELOTO, 2008).
Na relação imaterial entre mercado e media, as transações comerciais e
o valor das mercadorias são ocultados. O que vem à tona é a utopia “sui generis” da
comunicação, denominada por Trivinho (2007) de “tecnoteleologias”. Elas são definidas pelo
autor como “utopias condicionadas pela tecnologia, fundadas na tecnologia e desenvolvidas
até a sua realização com base e por meio da tecnologia” (ibid., p. 380), com o interesse de
beneficiar as grandes corporações.
Ao contrário das metanarrativas modernas que eram propostas
ideológicas inalcançáveis e contraditórias, a tecnoteleologia revela-se plenamente possível de
ser realizada. Por meio da freqüente utilização dos aparatos tecnológicos, o indivíduo sente-se
parte integrante do processo de construção, de disseminação e de concretização de todas as
utopias tecnológicas. Até mesmo o sonho de emancipação humana torna-se real ao ser
mediado pela tecnologia. Diante do computador ou com o celular na mão, ambos conectados
a rede, o ente humano pode ingressar num espaço em que tudo é permitido, onde os limites
geográficos e temporais são facilmente ultrapassados e para singrar nesse mar de
possibilidades basta apenas apropriar-se da função mais complexa e completa do ser humano,
a imaginação.
Levando em consideração esse aspecto, Trivinho (2007) chama atenção
para o encantamento que os objetos infotecnológicos de tamanho mini estão causando
atualmente. Eles transformaram-se em fetiches sociais. Observados pelos consumidores com
alegria e deslumbramento, rapidamente, viram alvo de desejo e de “devoção silenciosa, mais
emocionalmente intensa” (TRIVINHO, 2001, p. 84). A sedução é alimentada pela promoção
publicitária, rica em detalhes e imagens que transformam um simples objeto em algo
espetacular. Os media tem poder de transformar a realidade em espetáculo. Eles encantam
24
pela emoção e sutilmente promovem o aumento do consumo. Nessa escalada dos extremos, a
tecnologia e a comunicação convertem-se em instrumentos ideológicos de legitimação e
dominação do sistema capitalista renovado.
1.1.3. As significações imaginárias do fenômeno pós-moderno: transformações e
desafios
Como ressaltado anteriormente, cada momento histórico possui sua
própria rede simbólica composta por elementos que lhe são identitários. Essa rede é
constituída de significações imaginárias que só podem ser compreendidas dentro do contexto
no qual estão inseridas (CASTORIADIS, 1986). Justamente por causa disso, os projetos
ideológicos do passado são completamente incapazes de corresponder às necessidades da
atualidade.
Esse argumento serve como base para entender o movimento de
transição da modernidade para a pós-modernidade. À medida que o projeto iluminista caiu em
descrédito, outros característicos da época nascente ocuparam o seu lugar. Porém, as crenças
anteriores não desapareceram bruscamente. A transição aconteceu de forma gradual,
possibilitando às significações passadas deixarem marcas nas atuais, dentro de uma dinâmica
arbitrária. Por esse motivo, ainda hoje se presencia – mesmo sob outras bases – traços da
política de exclusão purificadora do passado. Antigamente, a exclusão constava na separação
do “povo eleito” de seus inimigos. O inimigo deveria ser punido por não ser capaz de
corresponder aos objetivos da elite dominante (o povo eleito), como é o caso dos “hereges”
para o cristianismo medieval; os burgueses para o marxismo/comunismo e os judeus para o
nazismo. Hoje, as experiências excludentes foram reescalonadas, passando a acontecer
também no plano simbólico. A principal delas é concebida por Trivinho (2001) como o
apartheid da civilização mediática. Ele configura o fosso existente entre os indivíduos que
possuem capital cognitivo e econômico necessário para o pleno domínio das linguagens
infotecnológicas e os indivíduos que, por inúmeros motivos, não conseguem acompanhar a
frenética transformação tecnológica. Esses, infelizmente, são condenados a viver à margem.
Tal fato serve para demonstrar que as significações imaginárias modernas ainda sobrevivem
na pós-modernidade, mas ao serem aplicadas num novo contexto sócio-histórico, elas têm os
seus sentidos alterados, tornado-se parte constitutiva da nova época.
Ao observar o quadro a seguir, é válido relembrar do tripé de
significações do imaginário moderno apresentado no primeiro item deste capítulo. Assim fica
25
fácil de constatar na pós-modernidade, o mesmo sonho de liberdade que movimentou as ações
da era moderna. A diferença reside apenas na estratégia utilizada para atingir esse objetivo.
Na modernidade, acreditava-se totalmente nas potencialidades humanas. Na pósmodernidade, a tecnologia comunicacional destitui a soberania do homem e assumi o status
messiânico, anteriormente ocupado pelo sujeito. Tal fato desencadeou a notável
transformação no imaginário da sociedade atual.
FIGURA 3: Imaginário moderno e imaginário pós-moderno: comparações
Como se pode perceber, as significações imaginárias da pósmodernidade resultam na visão niilista dos modos de encarar a existência humana,
favorecendo o “neoindividualismo” 2, a fugacidade nas relações interpessoais, a busca pela
satisfação momentânea, a paixão por si mesmo (glamorização da autoimagem) e o narcisismo
militante (SANTOS, 2000, p. 87). Martín-Barbero (1996) ressalta que a identidade una da
modernidade fratura-se na pós-modernidade. Essa fratura, sobretudo, é resultado da crescente
utilização dos recursos tecnológicos.
Encontramo-nos diante de sujeitos dotados de uma elasticidade cultural que se
assemelha a uma falta de forma, é mais bem receptivas as mais diversas
formas, e de uma “plasticidade neural” que lhes permitem uma camaleônica
adaptação aos mais diversos contextos e uma enorme facilidade para os
idiomas da tecnologia. (Ibid., 1996, p.13).
2
Segundo Jair Ferreira dos Santos, o “neoindividualismo” trata-se de uma releitura do individualismo moderno
acrescido do forte consumismo e da distração provocada pelos meios.
26
Essa ação “camaleônica” define bem a identidade plural e performática
da pós-modernidade. Enquanto a identidade moderna era fundamentalmente construída a
partir da linearidade dos discursos e da clareza dos valores, a identidade pós-moderna é
basicamente calcada no consumo, conforme exemplifica Silverstone (2002, p. 258): “Posso
ser homem pela manhã, mulher à tarde e talvez algo completamente diferente após o jantar, e
onde meus gostos, estilos e minha pessoa podem mudar com cada momento de consumo”. No
que tange a identidade pós-moderna, o autor ainda conclui:
Falamos da fatura de identidades numa era pós-moderna, das indeterminações
de etnias, classes, gêneros e sexualidade em torno dos quais as culturas se
formam, oferecendo-nos uma grande coisa agora, outra depois; aqui e acolá,
em toda parte, enquanto vagueamos nômades, pelo tempo e pelo espaço.
Somos vistos como foliões num carnaval sem fim; num baile de máscaras no
hiper-real, e cercados por ele. (Ibid., p.83)
No entanto, a comunicação de par com a tecnologia não apenas invade o
imaginário social, por meio de seu discurso persuasivo, incentivando o consumo, a moral
hedonista, os estilos e as tendências ecléticas, como “concretiza” todos os possíveis “sonhos”
dessa geração. Diante desse “poder” da comunicação tecnológica, Trivinho (1999) ressalta
que na transição da modernidade para a pós-modernidade houve um deslocamento do
significado das projeções ideológicas da humanidade. Elas deixaram de ser “aspirações”, para
transformarem-se em “ações” concretizadas no plano tecnológico.
A Filosofia, a Economia Política e as Ciências Sociais cedem lugar à
tecnologia e seus discursos comerciais (publicitários, jornalísticos, técnicos,
acadêmicos etc.); o que antes habitava o centro do cenário como parâmetro de
construção e de uma nova sociedade é desbancado pela tecnociência como
meio e fim em si, a mesma que, com efeito, pleiteia a realização de princípios
não muito diferentes dos de outrora. (Ibid., p. 381).
Além da efemeridade nas relações sociais, da pluralidade de identidades, do
íntimo relacionamento entre sociedade e tecnologia e, da mundialização da cultura, outra
característica do contexto da pós-modernidade é a individualidade. O sujeito pós-moderno
preza a liberdade, desconsidera as condições concretas disponíveis para o seu exercício e
concebe o “individualismo” como sendo “o valor pelo qual todos os outros valores vieram
ser avaliados e a referência pela qual a sabedoria a cerca de todas as normas e resoluções
supraindividuais devem ser medidas” (BAUMAN, 1998, p. 09). Se na modernidade a
humanidade abria mão de certo grau de liberdade em troca de relativa segurança; na pós-
27
modernidade ela prefere a liberdade total em detrimento a qualquer estabilidade. Essa forma
de encarar a vida repercute, principalmente, nas relações interpessoais.
A excessiva busca pela liberdade acentua os sentimentos de insegurança, de
incerteza e de solidão. A afetividade passa a ser compreendida apenas como fonte de prazer
momentâneo, impossibilitando a solidificação dos sentimentos e causando, igualmente, um
vazio existencial. Planejar objetivos a serem realizados no futuro não é atitude atraente,
“qualquer oportunidade que não for aproveitada aqui e agora é uma oportunidade perdida”
(BAUMAN, 2001, p. 187). Laços e parcerias humanas não são “embalados” pelo utópico
sonho de completude, afinidade, ideais partilhados; pelo contrário, são estabelecidos
imediatamente pela lógica do consumo, lê-se de caráter utilitário. Assim, que “melhores
oportunidades” surgirem, as relações podem ser extintas. A satisfação individual é regra
maior, tornando as relações duradouras algo inviável diante de uma realidade constantemente
mutável, onde em cada “esquina”, em cada “mudança de canal” ou em cada “link”, um novo
produto – ou relacionamento – está pronto para ser consumido.
28
1. 2. DOS MASS MEDIA AOS MEDIA INTERATIVOS: A TRAJETÓRIA
DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO IMAGINÁRIO SOCIAL
Como discorrido nos itens iniciais deste capítulo, a promoção da
comunicação tecnológica origina-se do lastro destrutivo deixado pela Segunda Guerra
Mundial. Com o descrédito nas grandes narrativas, ela passou a ocupar o centro da cena
sociocultural promovendo e articulando três modelos de culturas, como mostra a figura a
seguir.
FIGURA 4: As culturas articuladas pela comunicação tecnológica
Ao comparecer como epicentro impessoal e auto-organizado, a
comunicação, estruturada em bases da rede mediática, movimenta-se e ramifica-se no interior
de cada uma das culturas, atuando como vetor tecnológico totalitário de produção, ligação e
sedimentação das três culturas com a finalidade de atingir concretizar o velho sonho de
emancipação humana por meio da promoção de novos discursos ideológicos. Entre eles,
destaca-se o apelo à “globalização” (Matellard, 2000) e à “visibilidade total” (Trivinho,
2001). Ambos ligados ao “poder” comunicacional de ultrapassar os limites (temporal e
geográfico), obliterando o real convencional, o real cotidiano, da vida prosaica, em proveito
do real imagético, fantasioso, fabuloso, fugaz, originado da matrix tecnológica3.
3
Matrix, palavra latina, deriva de mater que quer dizer mãe. Em latim, Matrix é o órgão de reprodução onde o
embrião se desenvolve, o útero.
29
Essa idéia de articulação e de “integração” do mundo, proporcionada
pela tecnologia, principalmente, pela comunicação informática, não é recente. Remonta à
concepção da teoria social de Nobert Wiener, a Cibernética 4. No livro a “Cibernética e
sociedade: o uso humano dos seres humanos”, o autor afirma que a comunicação e o controle
colaboravam na tentativa de impedir a tendência entrópica, isto é, a degradação natural da
sociedade5. O empenho de Wiener era buscar alternativas de superação desse óbice,
relacionado à termodinâmica6. Ele aplica a lei da física com o intuito de adequá-la às relações
sociais. Para o autor, a circulação ininterrupta das informações evita a degradação e o caos
social. “Assim como a entropia é uma medida de desorganização, a informação conduzida por
um grupo de mensagens é medida de organização”. (WIENER, 1978, p. 21).
É impossível compreender o pensamento de Nobert Wiener sem
reescaloná-lo à dimensão sociopolítica. O imaginário da teoria cibernética consiste em manter
o desenvolvimento harmonioso dos laços sociais. Esse paradigma antropológico, vislumbrado
por Breton e Proulx (2000), estabelece a máquina como meio de reorganizar
“harmonicamente” a sociedade, transformando-a em sociedade da informação. Nela, o
humano comparece pulverizado em bits e em códigos genéticos vulneráveis a técnicas que
possibilitam até mesmo a reprodução em série (clonagem). O hommo communicans se despe
de conceitos clássicos, como a interioridade, para tornar-se um ser voltado essencialmente
para o que vem do exterior.
O valor atribuído à informação pela teoria cibernética contribuiu para a
proliferação incontrolável de técnicas e tecnologias comunicacionais que introduziram
aparelhos e objetos infotecnológicos em todos os setores da vida cotidiana (TRIVINHO,
2001). Essa proliferação surge na metade do século XX, mais precisamente, no período de
guerra, com a finalidade tática de aniquilamento do inimigo. “A comunicação possui
umbilicais relações com o campo bélico” (ibid. 2001) e, por isso, continua exercendo sua
finalidade prática de aniquilação. Desta vez, é a aniquilação da realidade em prol de uma
“hiper-realidade” (BAUDRILLARD, 1991, p. 20), uma realidade inexistente, vazia de
sentido.
4
Não se trata aqui de aprofundar a teoria cibernética, somente, de apresentar os alicerces lançados por Wiener e
analisar, de maneira geral, as respectivas repercussões no cenário social.
5
Argumentação inspirada na aula de Fundamentos da Comunicação, ministrada pelo Prof.Dr. Eugênio Trivinho,
em 29/03/2007, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC/SP.
6
A segunda lei da termodinâmica diz que o universo e todos os sistemas físicos em menor escala evoluem
espontaneamente para a situação máxima de entropia, degradando-se pelo nivelamento absoluto de elementos.
Como há homogeneidade, não existem trocas de elementos e o sistema estanca e morre. (WIENER, 1978, p. 14).
30
Segundo Kumar (1997), a humanidade já testemunhou duas grandes
revoluções. A Primeira, de acordo com o autor, foi à revolução causada pela utilização da
energia (vapor e eletricidade). A segunda, e mais atual, é a revolução da informação
(tecnologia e comunicação). Gestada há mais de um século, suas primeiras manifestações
assumiram diversas formas: telégrafo elétrico, cinema, rádio e televisão. Mas, é o computador
que simboliza o principal motor de transformação, colocando-se ao centro da sociedade da
informação. As experiências comuns da vida diária são suficientes para confirmar esse fato:
bancos em funcionamento 24 horas, o virtual desaparecimento do dinheiro na maioria das
transações bancárias, reservas em hotéis, compras de passagens aéreas, até mesmo check-in;
pesquisas em bibliotecas e consultas em catálogos e arquivos de bancos de dados de
instituições públicas, resultado de exames laboratoriais, sistemas de segurança monitorado por
microcâmeras conectado ao terminal de computador, são alguns dos exemplos de como a
tecnologia da informação invadiu o cotidiano.
No transcurso da história7, a comunicação, fincada em bases
tecnológicas, alcança o ápice no século XX. Mas, as primeiras sementes já se faziam
presentes ainda no século XIX 8. Primeiro, na forma de telégrafo e, posteriormente, na
organização de grupos de imprensa (agências de comunicação), promovendo os primeiros
gêneros culturais de massa. Antes mesmo da Primeira Guerra, as indústrias de cinema e
música começavam a revelar seu potencial de exportação.
Contudo, as significativas transformações sociais promovidas pelos
meios de comunicação, realmente, só foram sentidas com maior efeito a partir da década de
20. O advento das programações de rádio contribuiu para o aparecimento de novos estilos
musicais e para o crescimento da indústria de discos e gramofones. A população,
principalmente, a elite acostumada a ouvir música erudita, passou a escutar melodias mais
ligeiras, estilo relacionado à agitação das cidades em crescimento. Claro que no início houve
resistências. Chegou-se a levantar hipóteses de que esse “modismo” não iria adiante. Porém,
rapidamente, o “novo estilo” atingiu as camadas populares e dominou a sociedade. Durante o
período de guerra, os programas radiofônicos foram utilizados como instrumento sutil no
processo de manipulação da opinião pública. As programações dividiam-se em transmissões
de propagandas do sistema de governo, músicas e as “campeãs de audiência”: as rádios
7
Não é o objetivo deste tópico, recontar a história dos mass media e a dos media interativos e, nem tão pouco,
aprofundar reflexões a respeito de sua função social. Devido entender que a temática já foi bastante
desenvolvida, esmiuçada e, por hora, superada. O contexto histórico dos meios de comunicação, a ser
brevemente abordados, será analisado sobre a ótica do imaginário.
8
Argumento baseado nas obras de Armand Matellard, “História da Utopia Planetária: da cidade profética à
sociedade global” (2002) e “A globalização da comunicação” (2002).
31
novelas. Histórias românticas contadas pari passu em capítulos de curta duração, capazes de
unir a família em torno do rádio, aguçando o imaginário do ouvinte. Se o rádio deixava o
ouvinte “livre” para criar suas próprias imagens, o cinema passou a encantar o telespectador
ao dar vida às imagens, transformando a ficção em realidade.
O cinema surgiu no século XIX com os irmãos Lumière. Inicialmente
era mudo, tornou-se sonoro no final dos anos 20. Pouco tempo depois, as cores invadiram o
écran. A partir de então, o cinema transformou-se em uma indústria de entretenimento,
movimentando muito dinheiro e atraindo multidões fascinadas pelo mundo espetacular. Foi a
indústria cinematográfica que instituiu no imaginário do público o conceito de “star system”,
as estrelas e astros do universo ficcional da comunicação. Atores e atrizes transformados em
“modelos de seres humanos”. Imagens artificiais construídas pelo comércio comunicacional
para serem endeusadas e consumidas pelo imaginário. Os artistas ao se tornarem pessoas
públicas, passaram a dividir com os fãs, muitas vezes forçadamente, a sua privacidade. A vida
prosaica destas pessoas foi descortinada e virou objeto da mídia. Não são poucos os exemplos
de “famosos”, vítimas de invasão de privacidade em nome da “necessidade” de deixar o
público informado.
A televisão criada no período entre guerras, e melhor desenvolvida
depois de 1945, possui total conformidade com intentos da teoria cibernética. A manutenção
dos laços sociais é uma delas. Wolton é grande entusiasta desse pensamento.
O espectador, ao assistir à televisão, agrega-se a esse público potencialmente
imenso e anônimo que assiste simultaneamente, estabelecendo assim, como
ele, uma espécie de laço invisível [...]. Trata-se, portanto, de um laço social
tênue, menos forte e menos forte e menos limitador do que as situações
institucionais ou as interações sociais vêm justamente do seu caráter ao
mesmo tempo restritivo, lúdico, livre e espetacular. (WOLTON, 1996, p.
124).
O autor desenvolve suas argumentações sempre contrapondo a televisão
geralista à fragmentada. De maneira geral, a primeira corresponderia aos canais abertos e a
segunda aos fechados, à TV por assinatura. Wolton mostra-se claramente partidário da
generalista, acreditando ser o modelo apropriado para promover ligações entre indivíduos e
gerar a rede global. É válido ressaltar que a televisão geralista apesar de acessível, também
possui a funcionalidade de servir aos interesses de quem detém as concessões de transmissão,
reforçando não apenas a cultura mediática como também engendrando força ao sistema
capitalista. Um bom exemplo de empresas que fazem parte desta “rede global” é a Televisa
32
(emissora mexicana) e a Rede Globo (emissora brasileira). Ambas exibem seus seriados e
suas telenovelas muito além de seus países de origem.
Com o crescimento dos media interativos, a televisão de modelo
centralizador, a TV analógica, começou a sofrer alterações quanto à forma de transmissão. O
mercado mediático, com a intenção de atender aos ideais de interatividade, apropria-se das
tecnologias digitais e cria a TV digital (HDTV).
A movimentação em torno da TV de alta definição começou em 1987,
nos Estados Unidos. No ano de 1991, as empresas européias produtoras de equipamento
eletrônico e os órgãos reguladores começaram a discutir a viabilidade do desenvolvimento da
televisão digital. Mas foi no Japão, em 1995, que ela concretizou-se. O governo japonês e as
principais redes de televisão investiram cerca de trinta milhões de dólares na digitalização das
transmissões televisivas do país. No Brasil, as primeiras experiências com os sinais digitais já
existentes foram iniciadas no segundo mandato de governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso; em 2003, já na gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, foi baixado decreto
autorizando as universidades realizarem pesquisas com a finalidade de verificar a
possibilidade da construção de um padrão nacional da televisão digital. Em 2007 ocorreu à
inauguração da primeira transmissão com sinal digital e em 2008, iniciou-se a campanha em
prol da popularização da TV digital no país.
A televisão digital surge com as seguintes promessas de [1] alta
qualidade em imagem e som. Os primeiros aparelhos de TV tinham apenas 30 linhas de
vídeo. Enquanto um monitor analógico possui entre 480 a 525 linhas, um monitor digital
chega a 1080 linhas, possibilitando maior definição sonora e imagética; e de [2]
interatividade. O telespectador passa a ter a liberdade para interferir nos dados armazenados
no receptor ou estabelecer troca de informações por meio de uma rede à parte do sistema, no
caso a linha telefônica ou a rede de banda larga. Em outras palavras, é possível navegar na
internet, interagir com o comércio eletrônico e estabelecer contatos por meio dos
comunicadores instantâneos.
Não será realizada neste Trabalho, a análise das prováveis
transformações que a televisão digital poderá ocasionar. Mas com certeza, esta nova forma de
“fazer” televisão dividirá opiniões. Principalmente, no que tange à aquisição do produto, já é
possível vislumbrar mais uma forma de “estratificação sociodromológica cibercultural” 9.
(TRIVINHO, 2001, p. 226).
9
O conceito de “estratificação sociodromológica cibercultural”, segundo Trivinho (2001), refere-se à
desigualdade própria da civilização mediática atual. Em que se cria um fosso entre a elite, categoria social que
33
Seja no modelo digital ou analógico, a televisão continua encantando o
telespectador por meio de programações variadas que simulam a vida real. Atualmente,
público tem acompanhado a novelização do cotidiano. Todos os fatos, desde os mais
prosaicos aos mais inusitados, são contatos e recontados pari passu, cena a cena,
exaustivamente, em todos os veículos de comunicação. Se as emissoras utilizam desse recurso
com a justificativa de serem promotoras do direito inalienável à informação, elas – na verdade
– promovem o crescimento do fenômeno hipertélico (BAUDRILLARD, 1996). As imagens e
informações veiculadas de maneira desordenada ultrapassam o sentido de sua existência e
perdem a funcionalidade. Por isso, não raramente, é possível observar a indiferença do
telespectador diante das notícias. Mesmo que a principio, elas causem impacto e comoção,
como é o caso do ataque às Torres Gêmeas (2001), acidente com o avião da TAM (2007),
assassinato de Isabela Nardoni (2008), os consecutivos erros nas ações policiais (2008),
escândalos políticos etc. Após algumas semanas, caem na rotina. Almoça-se assistindo aos
desfechos dos casos com tranqüilidade, como se fosse o último capítulo de uma telenovela.
Nos programas de entretenimento, a exposição da alteridade vira motivo de “chacota
pública”. Os segredos, a intimidade, o escuso, o ilegal, a obscenidade, o criminoso, tudo vem
a luz da visibilidade mediática.
O direito à informação aliada à ordem de que “nada deverá ficar
escondido” possibilita rumos incontroláveis ao ideal cibernético da transparência social. Não
é de estranhar que a exposição pública do universo privado cause tanto interesse ao
imaginário social. A possibilidade de desvendar os segredos alheios, de ver o escuso,
proporcionada pela tecnologia facilita ao ser humano concretizar o desejo de adentrar num
terreno íntimo e proibido. As câmeras escondidas, os paparazzi, os programas de auditório
que mostram diuturnamente a vida das pessoas, famosas ou anônimas, é a prova irrefutável da
realização de uma “barbárie” silenciosa e violenta que assassina a privacidade alheia sem a
menor chance de defesa, em prol de um ideal de verdade e de imparcialidade inatingível que
apenas mascara a vontade primária do homem de derrotar o seu semelhante, fortalecendo os
interesses do sistema.
Se o arranjamento mediático configurado pelos mass media foi
corrompido pelos ideais do mercado, frustrando o sonho de liberdade, os media interativos
surgem para transformar o sonho em realidade. A interatividade proporcionada pelas
possui capital econômico, cognitivo e informativo suficiente para acompanhar a lógica da mais-potência
proposto pelo mercado, a “nova miséria técnica”, os que vivem à margem por não ter condições de acompanhar
os avanços tecnológicos. Os temas relativos à “dromocracia”, suas características e conseqüências, serão
aprofundados nos itens posteriores.
34
tecnologias da informação pretende concretizar as promessas de democracia e liberdade não
cumpridas pelos meios de massa.
Os media interativos oferecem total flexibilidade em função do modelo
comunicacional descentralizado. Devido possuir uma estrutura infoeletrônica rizomática que a
possibilita não vincular-se a um controle central, a web proporciona ao usuário a interação
direta com os elementos constitutivos do espaço virtual. Os links, as janelas pop-up, os
domínios de endereçamento permitem os usuários interagirem facilmente com a máquina,
postando fotos, participando de bate-papos em chats ou nas inúmeras comunidades existentes
na rede. Desta forma, concretizando o ambicioso sonho humano de ultrapassar os limites
geográficos e temporais e transformar o planeta numa pequena aldeia global. Nessa aldeia, a
humanidade unida, vive plenamente a liberdade de expressão. Porém, sabe-se que isso não é
verdade. As questões de democracia e de liberdade precisam ser bem analisadas, já que o
pleno acesso à rede é prerrogativa de pouquíssimos. Para utilizar os objetos infotecnológicos,
sobretudo, o computador, é necessário acompanhar a “lógica da reciclagem estrutural” da
cibercultura. Aqueles que não acompanham, vivem à margem. Os indivíduos com receio de
serem discriminados fazem o possível para atender as exigências impostas pela tecnologia.
Um bom exemplo é a utilização das comunidades virtuais que tem proporcionado a inclusão
de milhares de pessoas no totalitário sistema dromocrático cibercultural (tema a ser
aprofundado no item 1.3.1. desta Dissertação).
Diante das relações efêmeras da pós-modernidade, as comunidades
virtuais surgem como possibilidade de unir aquilo que se distanciou. A carência humana
incentiva o imaginário a buscar formas de pertencimento na vida de outros. Muitas vezes, os
usuários nem se conhecem pessoalmente, tão pouco dividem o mesmo espaço geográfico, mas
agregam-se por meio da rede. Eles criam parâmetros de afinidades (gostam do mesmo estilo
musical, de filmes, novelas, escritores etc.), expõem sem receio algum os seus hábitos e a sua
imagem. Nessa busca pela superação de suas carências, o indivíduo também reflete a
necessidade própria de sua época, a exposição extrema de tudo o que é de fórum intimo. As
comunidades deixam vir à tona todos os desejos, os segredos ocultos e a “obscenidade do
excesso das aparências” em máquinas de dissimular. (BAUDRILLARD, 1996, p. 63).
Os meios de comunicação acostumaram o imaginário social a
sobreviver da ficção e do espetáculo. As novelas, os filmes, as transmissões esportivas, os
vídeoclip‟s, as propagandas, os sites, ou seja, todo o universo mediático encontra-se
subordinado aos efeitos “especiais” tecnológicos. A tecnologia se instalou no coração da
35
sociedade e institui uma nova época, composta de fenômenos híbridos, instigantes e
inusitados, a Cibercultura.
36
1. 3. CIBERCULTURA
A irradiação da cultura pós-moderna aliada ao domínio dos meios de
comunicação, à expansão absoluta de produção, circulação e consumo de objetos
infotecnológicos e a propagação da web nos últimos anos, são alguns dos fatores que
contribuíram para o aparecimento de um fenômeno de “longevidade indeterminada”, a
cibercultura (TRIVINHO, 2001, p. 59). Consolidada na segunda metade do século XX, o
fenômeno cibercultural se faz presente em todos os setores da vida humana, na medida em
que procedimentos e processos usuais do cotidiano dependem de alguma forma da tecnologia
informática. Em termos conceituais, a cibercultura pode ser definida como “modelo
tecnológico de cultura” e pela sua amplitude e flexibilidade acabou por construir um “mundo
próprio”. (Ibid., p. 60).
De acordo com Trivinho (2001), a cibercultura está implicada em tudo
“o que é de mais importante socialmente” na vida contemporânea. Ela impulsiona descobertas
na área das ciências biológicas (clonagem, conservação e experiências com células-tronco
embrionárias etc.). Sua maquinaria é requerida na área das ciências exatas e na área da
educação, servindo como ferramenta de apoio no processo ensino-aprendizagem. Faz-se
presente nos tratamentos estéticos, na segurança pública e também nas organizações
criminosas. Está inserida no ambiente de trabalho e até na esfera do tempo livre e do lazer. A
cibercultura modifica todas as formas de relacionamento e práticas sociais. Não por acaso,
essa “tecnocultura tem implicado em complexos debates de questões sobre direito e ética”.
(Ibid., p. 58).
Para melhor compreender o advento cibercultural, é preciso percorrer a
história da informática. A cibercultura deriva diretamente das implicações socioculturais do
desenvolvimento da microeletrônica. Segundo Breton (1991), o progresso informático não
depende somente de critérios científicos e técnicos. É necessário observar a confluência dos
avanços tecno-científicos associados aos fatores de transformação cultural, social e
ideológico, provocados desde o aparecimento dos primeiros computadores. O autor aponta
três fases importantes do desenvolvimento da informática: a primeira fase ocorre entre 1945 e
1960 e possui forte ligação com a teoria cibernética; a segunda fase, de 1960 até o final de
1970. Esta fase caracteriza-se pelo surgimento de sistemas centralizados, representantes
fidedignos da tecnocracia estatal, militar, científica e empresarial; a terceira e última fase, de
37
acordo
com
Breton,
surgiu
após
1970,
é
identificada
pelo aparecimento
dos
microcomputadores e das redes telemáticas.
Para Breton (ibidem), é no primeiro estágio que os princípios essenciais
se estabelecem e surgem as grandes inovações. As pesquisas embasadas na teoria cibernética
eram realizadas em universidades e patrocinadas por verbas militares. Além das inúmeras
empreitadas a favor da criação de tecnologia que servissem às Forças Armadas e, portanto, ao
Estado norte-americano, as atenções se voltavam para a tentativa de desenvolver “máquinas
pensantes”, dotadas de “inteligência artificial” que simulassem o funcionamento do cérebro e
o do comportamento comunicacional dos seres humanos. De acordo com o autor, o segundo é
caracterizado pela ruptura entre a informática e a cibernética. Enquanto esta se concentra no
desenvolvimento de máquinas simuladoras do comportamento humano em situações relativas
à comunicação no âmbito social, aquela se traduz em pura técnica de manipulação de
informação por meio do computador que, como o próprio nome indica, tinham o objetivo de
computar, de calcular, e controlar informações10. Também o fato da cibernética ter se tornado
abrangente demais, abarcando várias áreas distintas (matemática, física, psicologia, biologia
etc.), e não conseguir concretizar suas promessas iniciais permitiu que a informática rompesse
com ela. Nesse período, a informática necessitava de credibilidade do público para estabilizarse enquanto ciência, disciplina e paradigma, definindo sua identidade e seus limites.
Se na primeira informática os computadores eram praticamente restritos
aos interesses estatais e militares. Na segunda, apesar das pesquisas, majoritariamente, serem
fomentadas pelo escalão militar, havia interesse em popularizá-lo. Não por outro motivo, eles
foram introduzidos nos setores governamentais, até que as corporações empresariais
adotaram-no e financiaram o desenvolvimento do microcomputador. O microcomputador e,
conseqüentemente, a microinformática, foi um convite à ruptura com os sistemas burocráticos
e centralizadores, representantes de uma informática controlada e inacessível para a maioria
dos indivíduos. (BRETON, 1991).
Sabe-se que o microcomputador começou a ser comercializado na
metade da década de 70, mas a grande expansão só aconteceu no início de 80. Essa fase,
Breton caracteriza como terceira informática. Fase marcada pela fusão entre a informática, as
telecomunicações, a interação entre a microinformática e as grandes corporações
empresariais. Esse estágio possui marcos significativo como o aparecimento do IBC-PC
(personal computer – computador pessoal), em 1981, e a criação da Word Wide Web,
10
A primeira máquina de computador criada chamava-se ENIAC (Eletronic Numerical Analyzer and computer),
foi criada para auxiliar nos cálculos balísticos da Segunda Guerra Mundial.
38
interface gráfica multimedia que ampliou consideravelmente a utilização da internet a partir
de 1990. Então, o computador deixou a ser utilizado somente na esfera militar e passou a
ocupar a ambiente domiciliar. Sendo usado para fins de trabalho, lazer e entretenimento.
É na terceira fase que a informática assume o propósito de re-encantar o
mundo por meio do uso dos computadores pessoais e dos demais objetos infotecnológicos
possíveis de conexão de rede. Então, se as duas fases anteriores possuíam “ares” da
modernidade com a presença de ideais racionalistas técnico-científicos, na terceira, viceja o
espírito da pós-modernidade. Pode-se afirmar que o contexto pós-moderno é terreno fértil
para a cibercultura se desenvolver como novo esprit du temps, possuindo características
próprias que possibilita o surgimento de novas utopias.
A cibercultura invade implacavelmente o “coração” da civilização
contemporânea com discurso doce e fantástico, convidando o indivíduo a se adaptar às regras
estabelecidas, sob pena de sofrer exclusão. Para se viver nesta nova época, é necessário um
novo condicionamento psíquico e comportamental. O indivíduo deve possuir capital cognitivo
indispensável para agir no mundo virtual e/ou para utilizar os objetos infotecnológicos cada
vez mais sofisticadas. O fenômeno cibercultural vigora por meio de linguagens estruturadas,
sujeita a mudança constante, a qual implica em contínuo aprendizado, a ciberalfabetização. A
ciberalfabetização consiste na apreensão das senhas infotécnicas (linguagens/códigos) de
acesso compatíveis para sobrevivência na cibercultura. De acordo com essa afirmativa,
Trivinho (2001) enfatiza:
Se o pleno domínio das senhas infotécnicas promove inserções, a inexistência
desse domínio envolve uma exclusão em cadeia, uma hiperexclusão: exclusão do
mercado de trabalho, exclusão do lazer, exclusão do cyberspace, exclusão da
época, exclusão da vida. (Ibid. 2001, p. 225)
A revolução high tech implica em consideráveis transformações, tais
como: [1] a memória cultural e social desloca-se do cérebro humano para ser armazenada em
chip da “memória” tecnológica; [2] o conhecimento e a cultura se convertem em espectro e
passam a existir em códigos nos bancos de dados informáticos; [3] a vida humana é
desmaterializada e desterritorializada. Tudo se dobra a lógica da instantaneidade. A
velocidade supera o tempo e o espaço, tornando-se o motor principal que movimenta a
cibercultura.
39
1.3.1. O SISTEMA DROMOCRÁTICO CIBERCULTURAL
Os conceitos de dromocracia, dromologia e suas possíveis variações
[dromocrático, dromológico, dromocrata], devem ser creditadas as obras de Paul Virilio. Em
“Velocidade e Política”, de 1977, o autor apresenta as primeiras bases da categoria
epistemológica crítica que permite compreender a história humana pelo prisma da velocidade.
Dromos é um prefixo grego que designa rapidez, agilidade. Remete as
ações na urbis e está imbricado nos planos estratégicos e táticos com fins bélicos. O termo se
utilizado dentro do contexto empírico, pretende colaborar na compreensão de que o progresso
humano sempre esteve mais ligado à ditadura do movimento fomentado pela guerra, do que a
projetos herdeiros dos pensamentos tradicionais greco-clássico, cristãos, cartesianos e/ou
positivistas. (TRIVINHO, 2007).
No transcurso da história, o processo de dromocratização da vida
humana passou por diversas transformações até configurar-se como sistema que rege a vida
social na cibercultura. A relação humana com a dimensão dromológica da existência está
implicada desde a descoberta de “vetores de movimentação de corpos, objetos e valores
materiais e/ou simbólicos” (ibid., p. 71-72) presentes nos planos estratégicos de conquistas
por espaço geográfico nas sociedades nômades primitivas. Depois, passa pela dominação
“trans-histórica” do mar e do ar, até chegar ao estágio mais avançado quando apresenta-se
como parte constitutiva do “meio de transporte” mais veloz, a comunicação tecnológica.
De acordo com Virilio (1997), os meios de comunicação comparecem
no mesmo plano epistemológico dos meios de transporte. Afinal, eles não deixam de ser
autênticos produtores de velocidade. Se os meios de transporte são denominados de “veículos
metabólicos” [corpos vivos vocacionados à velocidade (humana e animais)], seguidos dos
veículos técnicos (canoa, jangada, caravela, bicicleta etc.) e dos tecnológicos (automatizados:
automóvel, avião, navio etc.), os de veículos de comunicação (de massa e interativos), devido
operar na velocidade da luz, podem ser denominados de “último veículo”. Seguindo essa
perspectiva, Trivinho (2007) conclui:
Os vetores de produção de movimento convencionais cedem espaço aos de
transmissão e circulação de produtos simbólicos (informação e imagens),
representativos ou não de referentes concretos. O secular império sucede o
último veículo, fadado a mais alta velocidade praticável, a velocidade da luz.
A subtração do território geográfico que se confunde com a diminuição
anuladora do planeta. (TRIVINHO, 2007, p. 57).
40
Os meios de comunicação revelam-se o principal vetor de
dromodratização da vida humana, ao ser capaz de ultrapassar os limites do tempo e do espaço,
romper com a lógica da partida e da chegada e transportar códigos e imagens. Vale ressaltar
que eles possuem procedimentos e princípios, mutatis mutandis, ligados as mesmas
características das táticas bélicas, da logística e da estratégia dos campos de guerra.
“Logística, pela qualidade de precisão adequada de meios e fins” e “estratégia, qualidade de
planejamento eficaz de ação” (ibid., p. 63). Então, velocidade e guerra são categorias
indissociáveis no modus operandi da dromocracia cibercultural e estão imbricadas na cultura
do controle resultante do processo de informatização das sociedades contemporâneas, o qual é
levado a cabo pela megatecnoburocracia, incontestável instância de ponta na promoção da
cibercultura. (TRIVINHO, 2001).
A dinâmica da dromocratização cibercultural converge para uma nova
forma de pressão social identificada por Trivinho (ibid., p. 223) como “gerenciamento
infotécnico da existência” que, acumulada a outras existentes, torna-se essencial para a
compreensão do processo de dromocratização da civilização mediática contemporânea. Há
algum tempo, especialmente a partir da segunda metade do século XX, o cenário mundial tem
sido configurado, sobretudo, pelas tecnologias digitais. Todos os âmbitos da experiência
humana, direta ou indiretamente, estão associados a processos interativos proporcionados
pelos media informáticos. Por isso, Trivinho (ibdem) lembra “[...] a cibercultura de par com
a dromocracia articula todos os poros, institui, portanto, um novo agenciamento
sócio-
histórico do ser em sua integridade [...]”. Esse processo, coercitivo em sua natureza, denota o
quanto os indivíduos precisam e devem se subordinar – sem poder de escolha – a sua
existência
e
suas
experiências
aos padrões
do
mercado informático aliado
a
megatecnoburocracia promovida pela cibercultura. Para viver a presente época, na medida do
possível, o indivíduo deve estar dromoapto. Precisa saber lidar com o ritmo e as exigências
específicas impostas pelo mercado. Essa (dromo) aptidão peculiar caracteriza-se pelo domínio
das chamadas “senhas infotécnicas de acesso à cibercultura”, a saber,
[...] o domínio pleno (tanto mais privado quanto possível), nomeadamente,
do objeto infotecnológico completo, do capital cognitivo-informático
conforme (língua inglesa pressuposta), da linha telefônica [ou de qualquer
outro meio recente para acessar a Internet, de preferência em banda larga],
do status de usuário teleinteragente e do potencial de acompanhamento
concreto das reciclagens estruturais (equipamentos e capital cognitivo) [ou
seja, do capital financeiro]. (Ibid., p. 221-222)
41
Na cibercultura, tais senhas correspondem à atualização mais fiel do
aforismo dromocrático: “a velocidade é o poder” (VIRILIO, 2000, p. 16). Assim, quem passa
a indicar a cadência a ser seguida são os que detêm essas chaves cognitivas de acesso.
Aqueles que não compõem a nova elite high tech encontram-se dromoinaptos, restando
alvitrados, tentam de todas as formas ganharem sobrevida à condição desfavorável. No
processo totalizante e irresistível de informatização sociocultural, comparece a estratificação
sociodromológica cibercultural. Uma estratificação social baseada nos parâmetros da
dromoaptidão própria da cibercultura. (TRIVINHO, 2001, p. 224).
Não por acaso as senhas infotécnicas, apontadas por Trivinho (2001),
são chamadas de “acesso”. Nas cidades desenvolvidas, o mercado de trabalho, a interação
social, a vida doméstica, o gozo do tempo livre e as atividades de lazer comparecem norteados
tecnologias informáticas. Claro, é preciso considerar que o fator econômico associado a
outros indicadores de diferenciação social (grau de escolaridade, sexo, etnia etc.) são aspectos
que aumenta, ainda mais, o abismo entre a “nova elite” e os “novos miseráveis”. No entanto, a
situação financeira favorável não garante a inserção social. É necessário que os indivíduos
tenham aptidão própria para lidar com as exigências da cibercultura. O cumprimento dessas
exigências, a posse do capital cognitivo adequado para apreensão das senhas infotécnicas,
assegura a participação ativa no âmbito societário da atualidade. O autor ainda lembra, a
participação social ocorre, efetivamente, através do “estado permanente de exclusão
iminente”, visto que na cibercultura vigora a “lógica da reciclagem estrutural” (ibid., p. 216),
ou seja, a necessidade de incessante atualização de produtos ciberculturais. “Esse fenômeno
diz respeito ao movimento inflexível e compulsivo da megatecnoburocracia no sentido de
firmar o imperativo da mais-potência como valor de mercado”. (Ibidem).
A movimentação em direção ao que há de mais potente no mercado
infotecnológico (maior velocidade de processamento e de transmissão de dados, maior
capacidade de armazenamento de informações, maior quantidade de recursos programáveis,
maiores recursos interativos, maior mobilidade [praticidade] é uma dinâmica angustiante e
obsessiva. O que se adquire hoje, amanhã já estará obsoleto. Essa é a lógica do consumo, a
lógica do sistema invisível, tão ou mais autoritário do que qualquer outro já existente, capaz
de massacrar, de excluir, de aniquilar o sujeito. Na verdade, em grande parte das aquisições,
principalmente, para o mercado doméstico, não é a finalidade (valor de uso) que conta, mas o
desejo compulsivo de se ter o novo, o potente, o avançado.
Trivinho (2001, p. 217) observa que nessa dinâmica de reciclagem há
um autoritarismo velado por parte da magatecnoburocracia.
42
Não só consumidores, mas também governos e empresas de ramos diferentes
dos do high tech no mundo inteiro são praticamente coagidos a se dirigir ao
mercado, com regularidade, para incrementar e atualizar seus pertences,
quando não para substituir o patrimônio inteiro. (Ibid., p. 217)
É uma cadeia recursiva sem fim – pelo menos evidente – que faz da
exclusão a regra da dinâmica cibercultural. Vale repetir: a lógica da reciclagem estrutural faz
com que todos os considerados incluídos em um determinado momento vivam em “estado
permanente de exclusão iminente”. (Ibid., p. 226).
1.3.2. FENÔMENO GLOCAL
O termo “glocal” também foi introduzido na área das ciências humanas
por Paul Virilio (1995). Trata-se da fusão de duas palavras global e local que, obviamente,
abarca profundas conseqüências semânticas (TRIVINHO, 2007, p. 242). A aglutinação das
palavras resulta na fusão de sentidos (nem o local, nem o global são reduzidos de sentindo) e
no aparecimento de outro, talvez o mais relevante, refere-se ao modo com que ocorre o
processo civilizatório na sociedade contemporânea.
Segundo Trivinho11, o fenômeno glocal é recente, pertence ao século
XX, mas as suas características básicas comparecem no primeiro media capaz de possibilitar
troca de informações emissor-receptor em tempo real, o telefone. O autor também lembra que
ainda no século XIX, já se faziam presentes todos os elementos básicos que servem de suporte
ao glocal na atualidade.
[...] no último quartel do século XIX, já estão presentes todos os elementos
básicos que sustentam a existência do glocal atual: equipamentos de
telecomunicações, infra-estrutura de rede (pressupostas aí as estações de
processamento, codificação e decodificação internacional), acoplamento entre
ser humano e máquina, procedimentos de emissão e recepção, tempo real,
fluxo (sonoro e/ou imagético) de sentido e não sentido, espectralização da
interação humana, desejo comunicacional (de abordagem da alteridade como
espectro, isto é, imagem, texto, ícone etc.) [...]. (Ibid, p. 246).
Essa nova configuração civilizatória tornou-se mais evidente após a
Segunda Guerra Mundial, quando a comunicação é elevada ao status de valor e passa a
11
Paul Virilio (1997) foi o primeiro autor a tratar do termo “glocal” no campo das ciências humanas.
Posteriormente, Trivinho (2001, 2007) alargou e aprofundou o termo, inserindo-o no contexto social, cultural e
político da sociedade mediática contemporânea. Então, o glocal passou a ser concebido como conceito analíticocrítico que “mergulha no coração da cultura tecnológica imagética e informacional em sua configuração pósideológica, transpolítica, despolitizada, inteiramente satelizada e planetária”, como define o próprio autor.
43
configurar como eixo dinamizador do mundo. Apesar do glocal se fazer presente nos meios
de massa, é no contexto das tecnologias digitais que ele mostra-se em sua fase mais avançada.
Não deixa de ser pitorescamente interessante o fato de o fenômeno glocal ter
sido mais amplamente percebido em relação ao cyberspace do que à rede
televisiva, e menos ainda em relação à rede de rádio e de telefonia.
(TRIVINHO, 2007, p. 245)
Fenomenologicamente, esse fenômeno acontece num contexto local
(casa, escritório, cybercafé, lan house) em exista um equipamento capaz de rede (televisão,
rádio, computador de base ou móvel, celular etc.), operando em tempo real por meio de fluxos
informacionais capturados por antenas, satélites, cabos etc. Observadas essas condições,
verifica-se a combinação indissociável entre a ambivalência local (corpos e subjetividade) e
os fluxos globais, numa hibridação que “pressupõe, necessariamente, uma clivagem
bidimensional do mundo vivido” (ibid., p. 254): a dimensão material/palpável e
imaterial/espectral. Porém, ao mesmo tempo essa clivagem é pressuposta, o processo de
glocalização trata de assimilar o hiato e, no limite, fazer constatar apenas a realidade do
contexto da experiência (“local”) concreta.
Trivinho (2001) esclarece que na imbricação entre local e global, os
contextos são indexados um pelo outro, ainda que o global pese mais sobre o local. Ao
considerar os mass media, por exemplo, pode-se afirmar que existe a indexação do global
pelo local quando há participação do receptor-consumidor na programação, seja radiofônica
ou televisiva. Essa intervenção é mínima e sempre vigiada pelo próprio emissor. Se formos à
direção oposta, o receptor ao consumir um produto mediático da rede, permite refundição do
contexto local no qual se encontra pelos conteúdos globais. É neste último que se manifesta a
plena potência do glocal:
[...] um implante tecnológico forjado no âmbito local, um esquema mediático
cavado de cada reduto imediato de ação do corpo, exatamente para dar
sustentação material à completa irradiação simbólica e imaginária do que
pertence à ordem global. (Ibid., 2001, p. 78).
Não se pode esquecer, o fenômeno glocal refunda a relação entre
homem e a máquina. Antes, essa relação era quase restrita à esfera do trabalho,
prioritariamente no setor industrial; hoje, ela está presente em várias outras situações do
cotidiano. Outrora, parecia evidente o domínio humano sobre a máquina por ele
instrumentalizada, agora essa evidencia é questionável. Já não é tão simples analisar em que
44
bases se fundam a relação. Os media interativos, de modo bastante diverso dos meios de
massa, exige um engajamento humano muito mais efetivo do que simplesmente ligar e/ou
desligar o aparelho eletrônico/informático; ou mudar de “canal”, ainda que se trate de zapping
(no caso da televisão). Vale ressaltar, o acoplamento vai além das sinergias entre “corpos”. O
que está em jogo são a conjuminação entre as subjetividades envolvidas, o imaginário
(individual e social) e os fluxos mediáticos da rede.
O glocal é “um fenômeno comunicacional de (con) fusões em cadeia”
(ibid., p.68). Ele não se reduz às questões técnicas. Em sentindo amplo, ele corresponde ao
arranjamento sociocultural sofisticado sobre teia comunicacional formada inicialmente pelos
meios de massa e, agora, acrescida e capitaneada pelos interativos. Sua finalidade não –
teleológica – hipertelia (BAUDRILLARD, 1996) – não é senão sua multiplicação
indeterminada para enredar indivíduos e máquinas até o esgotamento de todas as
possibilidades. É uma expansão avassaladora que busca integrar os media de massa, os
interativos, a telefonia (móvel e fixa) e, por reverberação, os impressos e os próprios corpos e
a subjetividade, para formar o grande glocal (informação verbal) 12. Esse é um dos efeitos da
realização (perversa) da utopia de Wiener: o humano transformado em máquina comunicante
condutora de fluxos informacionais a serviço do enraizamento mais radical da comunicação
como eixo articulador do atual processo civilizatório. “Como tal, o glocal é a fonte e, ao
mesmo tempo, a caixa de ressonância do modelo de cultura hegemonicamente produzida na
era mediática”. (TRIVINHO, 2001, p. 82).
Esse telos heterodoxo, o grande glocal, não se vincula ao por vir, mas se
apresenta como realizável aqui e agora. Em qualquer momento histórico ele comparece como
atual. Há, portanto, uma tendência e sua perpetuação.
12
Argumento inspirado nas aulas de Mídias e Impactos Socioculturais, ministrada pelo Prof. Dr. Eugênio
Trivinho, em 19/09/2007, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC/SP.
45
CAPÍTULO II
IMAGEM E IMAGINÁRIO
“O imaginário que falo não é a imagem de. É criação incessante e essencialmente
indeterminada”.
(CASTORIADIS, 1986, p. 13)
As relações entre o imaginário e o real revelam a complexidade da condição
humana. As lembranças da infância, os desejos da vida adulta, a memória dos fatos passados,
as projeções do futuro, as manifestações folclóricas, a religiosidade, as demonstrações de
afeto são ações impulsionadas pelas forças imaginais. É impossível compreender as
experiências da vida limitando-se apenas em respostas fisiológicas e/ou materiais. Todas as
aptidões humanas e a interação com o mundo social obedecem a motivações “obscuras”
denominada por Castoriadis (1986) de “magma de significações”. Para o autor, o magma de
significações dá sentido ao imaginário. Ele age como catalisador de valores, costumes,
crenças e sonhos influenciando o comportamento individual e a ação coletiva dentro de uma
dinâmica em que o passado, o presente e o futuro permanecem emaranhados.
Castoriadis ainda enfatiza que o imaginário jamais pode ser concebido como
uma faculdade mental inferior, porque ele é a constante e indeterminada criação de imagens,
capazes de movimentar a realidade. Tudo o que se apresenta na esfera social está entrelaçado
no mundo simbólico. Certamente, nada se esgota nele (simbólico), mas sem ele não consegue
sobreviver.
Neste capítulo será aprofundada a discussão de todos os aspectos da ação
imaginante, levando em consideração a sua dimensão psíquica e social. A finalidade desse
“mapeamento do imaginário” é compreender as transformações pelas quais ele passou ao
inserir-se no contexto tecnológico.
46
A construção do quadro teórico fundamenta-se na semiótica da cultura
de Bystrina, Kamper, Belting e Baitello; na teoria do imaginário, de Castoriadis; na
psicanálise, de Freud, na teoria sociodromológica, de Virilio e na epistemologia crítica da
cibercultura, de Trivinho, entre outros teóricos e conceitos relevantes, os quais possibilitam
compreender que o imaginário é o agente mobilizador e articulador intrínseco da cibercultura.
47
2.1. O IMAGINÁRIO EM REPRESENTAÇÃO
2.1.1. AS IMAGENS: DEFINIÇÃO
Desde o início da história, filósofos e pesquisadores se debruçam sobre
a complexidade que une a imagem, o imaginário e a realidade. Mas antes de entender essa
relação, é necessário definir o sentido etimológico da palavra imagem.
No latim, “imago” – imagem – significa retrato de um morto. Na língua
portuguesa, segundo o Dicionário Aurélio (2004), ela é a “representação mental, gráfica,
plástica fotográfica de pessoa ou objeto; ou a impressão, lembrança, recordação de momentos
ou pessoas”. No grego antigo, o sentido dessa palavra está ligado ao termo eidos (idéia), cujo
conceito foi desenvolvido por Platão. Para ele, as idéias estão inseridas no mundo das
essências verdadeiras. Mas para seu discípulo Aristóteles, as imagens são apenas aquisições
mentais de um objeto real. Durante a Idade Média, a imagem era definida como “aliquid stat
pro aliquo”, ou seja, algo que está além da concretude do objeto e não possue sentido
definido. Na verdade, muitos significados vêm à tona, mas o verdadeiro sentido encontra-se
ocultado.
Segundo o semioticista Ivan Bystrina (1995), as imagens são
inextinguíveis, fazem parte de outra existência e ocupam o status semiótico da segunda
realidade13. Para o autor, elas possuem a capacidade de sobreviver independentemente de seus
suportes materiais, porque apropriam-se do imaginário humano. Diante disso, Baitello (1995)
ressalta que o envolvimento existente entre imagem e o imaginário ocorre primeiro no
inconsciente humano. Sabe-se que a mente é uma verdadeira usina de imagens construídas a
partir das experiências vividas. A dinâmica dessa construção se dá, essencialmente, por meio
da natureza perceptiva das informações envolvidas no processo do pensamento.
A complexidade das imagens está relacionada ao seu caráter mágico, o
qual permite, simultaneamente, representar algo presente ou ausente. Para serem percebidas
e/ou interpretadas, as imagens precisam obrigatoriamente de suportes. Eles permitem que a
imagem concretizada e classificada, levando em consideração a sua natureza e a sua
linguagem. Mas vale ressaltar, mesmo com ajuda dos suportes alguns significados
permanecem invisíveis aos olhos humanos. Isso ocorre devido os sentidos e sentimentos
serem imprevisíveis. Ao observar uma imagem, vêm à tona as lembranças presentes na
13
A segunda realidade é, de acordo com Bystrina (1995), “nitidamente um fenômeno psíquico”, construída após
o nascimento da linguagem.
48
memória, mas como as imagens penetram no íntimo do ser, elas não deixam de evocar as
histórias soterradas e “enraizadas nas profundezas invisíveis do esquecimento”. (BAITELLO,
1995).
2.1.2. ORIGEM DAS IMAGENS: O MITO DA CAVERNA
É impossível falar da origem das imagens sem lembrar-se da famosa
alegoria “O mito da caverna”. Para introduzir o tema tratado neste item será importante citar
um trecho do texto platônico14.
“Imagine uma caverna escura, separada por um muro bem alto. Entre
o muro e o chão, existe um fino feixe de luz, deixando a caverna em quase completa
escuridão. Os moradores daquele lugar, desde o nascimento, convivem com a ausência de
iluminação. Vivem acorrentados e de costas para o muro. Ali, não podem ou já se
acostumaram a não fazer movimentos bruscos e a olhar apenas a parede do fundo, sem
jamais terem visto o mundo exterior; nem a luz do sol. Sem jamais terem, efetivamente, visto
uns aos outros e nem a si mesmos. A visão era apenas das sombras. A vida que passa do lado
de fora é projetada como imagens sombrias nas paredes da caverna.
Os prisioneiros se comunicam, dando nomes as “coisas” que julgam ver e ficam atentos
escutando os sons vindos do lado de fora. Para eles, são as vozes das próprias sombras. Um
dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide fugir. Fabrica
instrumentos com o qual quebra os grilhões. De início, sente dificuldades de se mexer.
Entretanto, enfrentando os caminhos e obstáculos, consegue fugir. Ao primeiro instante, fica
totalmente cego pela luminosidade do sol, com quais os seus olhos não estavam acostumados.
Após passar o mal-estar, vê, de fato, a realidade. Sente-se dividido entre a incredulidade e o
deslumbramento: incredulidade porque será – a partir de então – obrigado a decidir onde
“habita” a verdade: no que vê naquele momento, ou nas sombras que sempre conheceu; e
deslumbramento, porque seus olhos nunca tinham enxergado com “tamanha nitidez”.
Apenas esta parte inicial da alegoria platônica é suficiente para ilustrar a relação existente
entre a imagem e o imaginário.
O sociólogo e antropólogo Dietmar Kamper, inspirado no sentido da
palavra latina “imago”, define imagem como a “presença de uma ausência” (KAMPER, 2002,
p. 07). Para o autor, as imagens possuem características sombrias, próprias dos habitantes da
14
Trecho extraído, na íntegra, do livro: CHAUI, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2003. p. 11.
49
alimentando o famigerado imaginário, sedento por imagens vazias, assim como os moradores
das cavernas, ansiosos por sombras de algo inexistente.
Kamper (ibidem) afirma que no transcorrer da história, é possível
perceber a importância das imagens. Durante a Revolução Francesa, a tríade razão-ciênciatécnica ocasionou a derrubada da idolatria das imagens da Idade Média. Porém, o próprio
princípio da técnica e da superação científica contribuiu para a projeção de um mundo ideal
fonte somente de aparências. Durante a Segunda Guerra Mundial, a barbárie e a ditadura
conduziram o projeto das luzes e o sonho de progresso ao precipício. Com pessimismo tenaz,
Adorno e Horkheimer fazem a constatação da reintegração da razão no terreno fantástico das
imagens. No entanto, os autores revelam que “no mundo racionalizado, a mitologia invadiu o
domínio do profano” (in. KAMPER, 1974, p. 44). No contexto desencantado da pósmodernidade, as imagens continuam conduzindo a vida humana. Elas apenas abandonaram o
campo religioso e místico da Idade Média, deixaram de constituir os sonhos iluministas e
passaram a ocupar o reduto da indústria cultural (o cinema, a imprensa, a publicidade etc.).
Por isso Kamper enfatiza, “não existe vida sem imagens”. (Ibidem).
De fato, as imagens fazem parte da essência e da existência humana.
Como já citado, elas nasceram na caverna da percepção do homem e transformaram-se num
“oásis de escuridão em meio à luz do dia” (KAMPER, 2002, p. 06). Depois, fizeram-se
presente no mundo das palavras, dando significado ao que é perceptivo, extrapolando os
limites fortes da razão, até mostrarem-se, despidamente, ao universo exterior, quando
finalmente romperam os grilhões e passaram a ser vistas do lado de fora da caverna humana.
O primeiro sinal dessa exteriorização remete-se ao Período Paleolítico, época em que homem
ainda vivendo no nomadismo, passou a construir instrumentos de auxílio para sua
sobrevivência e a desenvolver a arte rupestre. Desde então, as imagens foram sendo
projetadas em suportes. Mas mesmo assim, continuavam sendo fruto da introspeccção
humana. No entanto, com o passar dos anos, sobretudo, após o desenvolvimento da
tecnologia, as imagens proliferaram-se desordenadamente e deixaram de restringir-se a
criação humana e individual. A capacidade de reprodutibilidade proporcionada pelos meios
tecnológicos contribuiu para que elas perdessem a essência e a profundidade. A luz da
velocidade tecnológica, ao mesmo tempo em que ofusca o significado original das imagens,
torna evidente todo o seu poder de sedução.
Os homens hoje vivem no mundo. Não vivem nem na linguagem. Vivem na
verdade nas imagens do mundo, de si próprios e dos outros homens que
foram feitos, nas imagens do mundo, deles próprios e dos outros homens que
50
foram feitos para eles. E vivem mais mal do que bem nessa imanência
(permanência) imaginária. Morrem por isso. No ápice da produção de
imagens existem maciços distúrbios. Existem distúrbios das imagens que
tornam enormemente ambígua a vida das imagens e a morte das imagens.
(KAMPER, 2002, p 08).
Kamper (ibid., p. 09) afirma que o imaginário humano tornou-se refém
das imagens. Hoje, elas vigoram soberanas. O cotidiano está permeado de marcas, símbolos,
dígitos e ícones. Até mesmos os sentimentos são expressos por meio de códigos (emoticons,
avatares, buddy poker) no espaço virtual. A imagem tecnológica ofuscou a realidade,
permitindo o indivíduo enxergar somente as formas sombrias projetadas pela luz artificial dos
media no interior de “nossas” residências. Porém, evadir da caverna das imagens gera outra
dificuldade, nada que emerge somente do real consegue sobreviver. Afinal, é por meio da
relação imaginário e imagem que a vida movimenta-se. A dupla premissa diz: “como
imagens, os homens são imortais, sem imagens talvez pudessem ser mortais” (KAMPER,
2002, p. 03). Tal afirmativa leva a compreender que o ser humano nunca deixará de produzir
imagens. Elas movem o imaginário. E o imaginário é vida, é a ação imortalizadora do ser
humano.
2.1.3. A SEDUÇÃO DAS IMAGENS
De acordo com Baitello (1995), o ser humano possue a característica de
criar seres que atuam sobre seus criadores. Esses seres originam-se no imaginário e ganham
vida através das imagens. A história dessa ação aparece sob as figuras titânicas onipotentes.
Depois, sob a forma de “deuses justiceiros e reparadores” (HILMAN, 1995) e mais tarde, são
representados nas figuras políticas e nas relações entre dominadores e dominados, até todos
esses símbolos serem destronados pela tecnologia.
O semioticista Belting (in: BAITELLO, 1995) propõe a compreensão
da complexa atividade sedutora das imagens a partir das categorias operativas denominadas
de “imagens endógenas e imagens exógenas”. As endógenas possuem valores dominantes que
conduzem a força imaginativa à interiorização. Podem-se citar inúmeros exemplos
artisticamente produzidos pela cultura humana em diversas áreas na arquitetura, na pintura, na
fotografia, na literatura, no teatro, que conseguem remeter o indivíduo às profundezas íntimas
de seu ser. Opostamente, as imagens exógenas possuem valores exteriorizantes. Elas são
criadas e recriadas pela tecnologia e sobrevivem por meio do processo inflacionário. E essa
desmesurada proliferação das imagens provoca a perda de seus significados.
51
Diante do descontrole das imagens causado pelos aparatos tecnológicos, sobretudo, pelos
media, Flusser (1995) afirma que a invasividade e a onipresença da imagem é a terceira
catástrofe provocada pelo homem. Ainda de acordo com o autor, a primeira catástrofe seria a
transição da fase arborícola para o nomadismo. A segunda, o assentamento do nômade, a
posse e o cultivo da terra; e a terceira equivale à perda dos espaços de privacidade e de
projeção que são invadidos pelo “furacão da mídia”. (Ibid., p. 45)
Vilém Flusser foi um importante pensador tcheco que viveu no Brasil
por 31 anos e se ocupou em refletir sobre as densas possibilidades de construção de imagens
numa sociedade cada vez centralizada na tecnologia. Para ele, as imagens produzidas pelas
máquinas tecnológicas já estão programadas para essa finalidade. Elas estão previamente
inscritas na própria memória de funcionamento dos programas. Na verdade, os programas são
formalizadores de um conjunto de procedimentos conhecidos, onde parte do elemento
constitutivo de determinado sistema simbólico, bem como as suas regras de articulação são
inventariados, sistematizados e simplificados para serem colocadas às disposições de um
usuário genérico, preferencialmente leigo.
Flusser denomina de “funcionário” aquele que interage com os objetos
tecnológicos e extrai deles as imagens técnicas. Para o funcionário, as máquinas
infotecnológicas são “caixas pretas” cujo seu funcionamento e o seu mecanismo gerador de
imagens não são totalmente conhecidos. O usuário lida apenas com o canal produtivo, mas
não com o processo codificador interno. Porém, isso não importa, tais “caixas” tecnológicas
seduzem por meio de um discurso “amigável”. Ou seja, elas podem funcionar e colocar em
operação o programa gerador de imagens técnicas mesmo quando o indivíduo que as
manipula desconhece o que se passa em suas entranhas. O usuário deve dominar apenas o
input e o output das “caixas pretas” e saber como acionar os botões adequados, de modo a
permitir que o dispositivo ativasse as imagens desejadas. Assim, o sujeito escolhe, dentre as
categorias disponíveis no sistema, a mais adequada para construir o que deseja. O poder da
escolha faz com que o funcionário acredite estar exercendo a liberdade de criar as suas
próprias imagens.
As imagens criadas com o auxilio da tecnologia são muito mais livres e
enigmáticas. Por isso, exercem o poder de dominar, de “hipnotizar” os olhos humanos. No
que se refere à sedução, Baudrillard (1996) lembra que esse é um processo dual. “Ninguém
pode seduzir, se não estiver seduzido. Ninguém pode jogar sem o outro, é a regra
fundamental” (ibid., p. 92). Logo, as imagens não seduzem o imaginário humano sozinhas,
como revela o autor, o homem sempre esteve seduzido por elas.
52
O sujeito deseja, o objeto seduz. A relação existente entre sujeito e
objeto não é estabelecida por meio de trocas, mas pela lei da compensação. Em outras
palavras, as imagens seduzem compensando as carências íntimas do sujeito, causando-lhe
prazer, mesmo que momentâneo.
A sedução, como a paixão, alimenta-se da fome. Vive o excesso da falta.
Nutre-se da vertigem pelo nada. Alimenta-se de si mesma numa espiral de
gasto inútil e sem retorno [...]. (MACHADO, 2003, P. 27).
Vale ressaltar que o poder sedutor das imagens não está somente ligado
aos suportes tecnológicos. Os gregos, por exemplo, cultuavam os deuses, seres imortais com
capacidade de agirem na vida dos seres humanos 15. Na tribo dos xamãs, a figura da serpente
possuía um significado especial, simbolizava a força da natureza sobre as ações humanas.
(BYSTRINA, 1995, p. 31). Os relatos bíblicos do cristianismo também revelam o poder das
imagens. Por exemplo, a figura da serpente também é mencionada. No entanto,
diferentemente da tribo xamânica, ela não é adorada, mas é utilizada como instrumento das
ações de divinas. A imagem da serpente exerce um simbolismo dual no cristianismo. No
contexto de Adão e Eva, aparece como símbolo da fraqueza humana. Assim como, revela-se
instrumento da “força divina” no momento em que Moisés precisa libertar seu povo da
escravidão no Egito16. Outra simbologia importante no cristianismo é a prática da ceia, ainda
repetida durante a missa nos dias de hoje. A partilha do pão e do vinho é a possibilidade do
homem estar mais próximo de Deus. O símbolo da aliança entre o ser divino e a humanidade,
concretiza-se na imagem da hóstia sagrada.
As imagens também estão presentes nos sonhos. Sabe-se que não é
apenas o homem que sonha outros animais também o fazem. Segundo Bystrina (ibid., p. 14),
o sonho humano acontece na fase REM do sono, porém não fica apenas nela. As imagens que
se produzem durante a noite, muitas vezes estão desconexas com a realidade física ou social
do sonhador. Apesar disso, conseguem causar sensações múltiplas (tristeza, alegria, impacto)
como se realmente tivessem ocorrido. O autor relata que em comunidades primitivas de
aborígines australianos, o sonho exercia a função criadora.
15
Na concepção greco-romana, os deuses eram seres supremos. Presidiam os fenômenos atmosféricos,
recolhiam e dispersavam as nuvens, comandavam as tempestades, criavam relâmpagos. Por outro lado,
mandavam chuva benéfica para fecundar a terra e endurecer os frutos.
16
De acordo com o relato bíblico, na época em que os israelitas estavam no Egito e queriam sair em busca da
terra prometida. Moisés atirou o seu cajado diante do faraó, mas os servos do faraó fizeram a mesma coisa. Os
cajados se transformaram em serpentes, porém, o cajado de Moisés devorou as outras serpentes.
53
[...] o sonho é o próprio momento de criação de tudo o que existe. Os
primórdios da criação, quando todos os seres surgiram, são designados por
esses aborígenes como o “Tempo dos Sonhos”. Na sua narrativa, os
primeiros seres sonhavam as plantas, os animais; depois desenhavam seus
sonhos e rochas e lhes davam a alma. A partir dos desenhos na rocha, os
seres adquiriram corpo, materialidade. (BYSTRINA, 1995, p. 14)
A narrativa aborígine faz recordar do “sonho criador de Deus”, quando,
em sete dias, povoa o planeta com a rica diversidade de plantas e animais, além de fazer o
homem a sua imagem e semelhança. A partir de então, o ser humano acredita ser “imagem e
semelhança de Deus”, mas convive com a imperfeição própria de sua natureza, é mortal. Por
isso, o indivíduo busca incessantemente as imagens. Elas agem como possibilidade de ofuscar
o medo da morte. Somente as imagens conseguem imortalizar o sujeito e fazê-lo atingir a
perfeição, característica dos seres divinos. (KAMPER, 1995).
Dentro ou fora dos sonhos, as imagens dão sentido ao mundo real. As
expressões artísticas, os mitos, as esculturas reverenciadas nas religiões ou em culturas
diversas revelam o quanto a imagem é importante na vida do ser humano. Baitello (1994)
lembra que, após algum tempo, as pinturas rupestres depositadas no interior das cavernas
pelos ancestrais humanos, contribuíram para a criação de objetos como adornos, utensílios,
apetrechos. Este deslocamento da imagem estática, existente apenas do plano imaterial, para o
mundo real com finalidades práticas no cotidiano, pode ser entendido como a primeira forma
de mobilidade das imagens.
[...] Objetos móveis passam a ser portadores dos registros antes circunscritos
aos espaços interiores ou de interioridade. Está dado o momento em que
encontramos as primeiras inscrições sobre pedras, sobre madeira, sobre os
ossos de animais, sobre a areia, sobre a argila fresca e sobre o papiro. São
materiais da luz do dia, não mais presos dentro das cavernas, mas móveis,
passíveis de transportes e de longos deslocamentos, como seus possuidores
ancestrais. (BAITELLO, 1995).
Primeiro, as imagens deixaram de existir apenas na imaginação humana
e passaram a habitar o interior das cavernas. Mas, não perderam a sua essência: serem figuras
representativas da introspecção humana. Ao deslocarem-se das paredes frias das cavernas
para o mundo real, as imagens libertaram-se do obscuro e passaram a viver sob a luz do dia.
Elas ganharam o espaço aberto e apoio dos suportes luminosos da tecnologia. Então, “ao
invés de imagens inscritas, o que passamos a ter são imagens sobrescritas numa fina película
de pigmentos que se colocam sobre uma superfície” (Ibidem).
54
Este mecanismo de sobreposição facilita uma característica (e talvez aquela
caracterização mais simples que nós teríamos da imagem): a de que toda
imagem é uma superfície. E, tendo-se transformado em superfície, a imagem
deu origem a todas as outras superfícies tecnicamente desenvolvidas para
receber imagens: o couro, a madeira, o papiro, o papel e depois as telas de
vidro, as telas de luz e suas variantes. A leveza da sobreposição já não
precisava mais cavar as entranhas materiais e do suporte. (BAITELLO,
18995, p. 53).
As imagens ao se sustentarem em suportes cada vez mais simples e
fáceis de reprodução em larga escalam, proliferam-se exacerbadamente e invadiram o
cotidiano. É impossível estimar quantas imagens externas atingem o imaginário dos
habitantes do planeta. Com certeza, a quantidade delas é tão grande que a capacidade da
imaginação humana jamais conseguiria mensurar. Principalmente, porque são construídas
pelas velozes “máquinas de fazer imagens”. (SFEZ, 1994, p. 34). A partir do momento em
que as imagens passaram a habitar o planeta, perderam a sua essência e tornaram-se referência
de si mesmas. (ibid., p.75). De acordo com Baudrillard (1996), o mundo real é cada vez mais
dispensável e distante para as imagens. Elas deixaram de ser vetor de mediação entre homenshomens e entre homens-mundo para serem vetores de dispersão da realidade.
As imagens se tornaram seres auto-suficientes e independentes. Fizeram
um pacto com a luz dos media e cegaram os olhos humanos. Hoje, a sociedade encontra-se
numa situação bem parecida com aquela vivida pelo morador da caverna, sedento em se
libertar do mundo das imagens. Porém, a dificuldade é enxergar, de fato, o real. Afinal, os
olhos já estão acostumados a ver somente a superficialidade das imagens. É justamente na
superficialidade que reside à sedução das imagens. Ela desafia o imaginário a “descobrir os
seus segredos”, a enxergar além da superfície. Mas, isto não é possível. Nunca se consegue
atingir o âmago da imagem. Não existe meio de desvendar todos os mistérios dela. “Por mais
que olhemos, não penetramos, não atingimos nunca o dentro, a escuridão que é aquilo que
gerou a nossa vida e a nossa capacidade imaginativa, nossa capacidade de produzir imagens”
(BAITELLO, 2005, p.72).
55
2.2. CONTRIBUIÇÕES DO IMAGINÁRIO
2.2.1. DESVENDANDO O IMAGINÁRIO: CONCEITOS
Na alegoria platônica, os habitantes da caverna ao verem as sombras
(imagens) projetadas na parede, nomeavam as “coisas” que julgavam ver associando-as aos
sons vindos de fora. Para eles, aquele som era a “voz das imagens”. Mesmo não conhecendo a
realidade existente do lado de fora das paredes úmidas das cavernas, os moradores
“imaginavam”, davam sentido ao que viam. Enxergavam naquelas figuras mal definidas os
seus sonhos, seus medos e seus anseios. Elas ganhavam vida. Vida originada da força
imaginal e que acabou impelindo um dos moradores da caverna a procurar a liberdade. Essa
força impulsionada das ações concretas é o imaginário. Ele é o pensamento simbólico que
ativa os diferentes sentidos. Constrói os esquemas de reconhecimento social e dinamiza a
evolução de sua própria produção. E, justamente, pelo fato desse pensamento simbólico ser
um “mundo criador”, torna-se difícil de ser definido. Entender as estruturas do imaginário
remete a tautologia, uma vez que a única via de acesso depende do próprio pensamento
simbólico.
Por esse motivo, o termo imaginário está associado a uma infinidade de
outros termos, como: mito, imaginação, sonho, devaneio, fantasias etc. No entanto, todas
essas palavras, assim como o próprio conceito de imaginário está envolto num cenário
nebuloso, afinal ele é sombra que se movimenta nas paredes da mente humana. É impossível
dar apenas um significado ao imaginário. Ele pode ser tudo o que existe e o que não existe,
uma espécie de mundo oposto à realidade ou uma produção de devaneios de imagens
fantásticas que permitem a evasão para longe das preocupações cotidianas e também pode ser
resultado da força criadora radical dos indivíduos.
O imaginário parece resistir a todas as tentativas de definição precisa.
Apesar de ser da mesma natureza da racionalidade, o imaginário não admite fixar-se em
explicações racionais, pois, a própria razão está fixada em ações imaginárias. A máxima de
Descarte, “cogito ergo sun” ou “penso logo existo” que norteou todo o pensamento racional
moderno, não deixa de fazer referência a maior capacidade inerente do ser humano, o
imaginação. Ele funciona como a bússola orientadora da existência humana, conduzindo a
história e as realidades culturais, bem como, todos os processos subjetivos: os sentimentos, os
sonhos e racionalidade.
56
No entanto, durante algum tempo, o imaginário não era reconhecido.
Falava-se sobre mitos, razão, religiosidade, pensamento, impulsos, libido, mas nunca do
imaginário. A seguir, será relatado um pouco da história dos conceitos de imaginário, baseada
na obra descritiva de Barbier (1984).
2.2.1.1. FASE DE SUCESSÃO
A primeira fase do conceito de imaginário caracteriza-se pela
atualização do pensamento racional e pela potencialização da função imaginante do ser
humano. Após os pré-socráticos, o pensamento grego impôs o dualismo entre o real e o
imaginário, separando a sensação, a percepção, os sentimentos e as condutas da fantasia do
sonho e dos mitos. Détienne e Vernant (1978) afirmam que desde a epopéia homérica até o
século III a.C, os “poderes” do imaginário começaram a ser concebidos como ações do
sobrenatural e, por isso, foram marginalizados. Por volta de 432 a.C, em Atenas, transformouse delito misturar crenças sobrenaturais com os conhecimentos ligados à astronomia. Isso
porque os conhecimentos astronômicos começaram a representarem o primeiro contato com o
campo científico formalizado. Porém, as condições intelectuais da ciência, criadas a partir do
século IV, estavam distantes de triunfar. A própria filosofia de Platão, por exemplo, continuou
a fazer apelo ao mito e a justapor um grande rigor de raciocínio às concepções místicas ou
religiosas. Sócrates não hesitava em invocar o seu “demônio” quando necessitava executar
algum tipo de atividade. Esse “demônio” representava sua força interior que orientava as suas
condutas. Aristóteles acreditava nos sonhos premonitórios como representação dos desejos ou
do temor que suscitavam a representação onírica de um evento provável de acontecer ou de
algo a ser evocado pelo indivíduo logo em seguida.
Com o advento do cristianismo, a tendência religiosa prevaleceu sobre a
tendência científica grega, provocando confronto entre a religião revelada e as argumentações
racionais, causando certa elevação do imaginário. Sabe-se que as simbologias cristãs, sempre
estiveram carregadas de pulsões imaginais. Durante o Renascimento reapareceu a sucessão
grega. O abandono do ideal contemplativo colaborou para o surgimento da obrigação de criar
um pensamento ao mesmo tempo rigoroso e apropriado aos fenômenos vividos. A ação
passou a não ser antítese de conhecimento. Nada seria indigno de ser conhecido, embora,
fosse necessário o encontro dos métodos de conhecimento. Nesse momento, sobressaiu o
pensamento de rigor intelectual racionalista moderno de Descartes, o método cartesiano.
57
Após Descartes, os filósofos começaram a julgar severamente a
imaginação enquanto faculdade, modo de exercício de pensamento. O imaginário passou a ser
concebido como forma de mascarar o real. Nunca alguém poderia aprender algo por meio do
imaginário. Sartre (1971) afirma que cada ser humano possui a capacidade de dominar o
objeto real. Os objetos “fantasmas” alteram o real e tornam o sujeito inábil diante das
situações complexas da realidade. Para o autor, existe “um abismo que separa o real do
imaginário” (ibid., p. 168). A cada instante que o sujeito apropria-se do real, o EU imaginário
desaparece e passa a dar lugar ao EU real.
2.2.1.2. FASE DE SUBVERSÃO
A fase da subversão é caracterizada por uma nova concepção de
imaginário e pela potencialização do real/racional. Vale ressaltar que entre os gregos essa
ambivalência já era possível de ser notada. Para eles, existia uma espécie de impossibilidade
de se desfazer do imaginário e, por isso, era necessário reconhecer o seu valor positivo. Essa
posição de reconhecimento das “ações imaginais” tornou-se mais explícita no século XIX,
quando o imaginário transformou-se no único real.
A elevação do imaginário revela o abismo existente entre o real e o
imaginário. Na tentativa de resolver o problema, passou-se a acreditar que as força psíquica
do indivíduo, liberada dos entraves das urgências perceptivas, seria capaz de separar a
realidade exterior e ouvir as “possíveis vozes interiores” (BARBIER, 1984, p. 18). Tal
pensamento, apesar de ser uma proposta de união entre imaginação e realidade, reforça a
relação abismal existente entre eles. Por isso, o imaginário permaneceu potencialmente
subversivo mantendo-se ao mesmo tempo oculto e voluntariamente ignorado.
2.2.1.3. FASE DE AUTORIZAÇÃO
A fase da autorização iniciou-se no século XX e também caracteriza-se
pela busca de equilíbrio entre o imaginário e o real. Este período é rico em contribuições
intelectuais e alguns autores destacaram-se nesta fase, como Barchelard (1974), Durand
(1969) e Castoriadis (1986).
Barchelard (1974) considera a função do irreal tão útil quanto à função
do real. O autor afirma que o homem da ciência – o homem diurno – deve atuar no domínio
da consciência, no locus da técnica e da razão; e o homem da poiesis – o homem noturno –
58
enraizado nos domínios arcaicos, profundos e ainda desconhecido da psique, tem a
responsabilidade de atuar no locus da criação. Vale observar que Barchelard, ao mesmo
tempo em que potencializa a razão, também evidencia que ela é incapaz de atingir sozinha o
nível ontológico. Esse só pode ser atingido por meio da função psíquica fundamental, a
poiesis, criação.
Nesta fase, outro teórico que se destaca é Durand17 (1969). Em seus
estudos sobre o imaginário, o autor propôs-se “recensear” as imagens que constituem o
“capital homo sapiens” (ibid., p.12). Para ele, a coleta de imagens gera uma série de conjuntos
constituídos em torno de núcleos organizadores (constelações e arquétipos) com a finalidade
de servir como instrumento de normalização para estudo com fins científicos. Paralelamente
as compreensões ao novo espírito antropológico iniciado por Durand, Cornelius Castoriadis
(1986) também apresentou uma via de acesso para compreensão do imaginário, analisando as
ações provocadas por ele no contexto social.
Castoriadis foi antigo animador do grupo “Socialisme ou Barbarie”,
durante o período de 1949 a 1965. Economista do OCDE (Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), psicanalista e sociólogo, esse intelectual heterodoxo se
interrogou sobre a experiência do movimento operário, as burocracias comunistas (partidos,
estados, sindicatos), os obstáculos do pensamento marxista, antes de abordar o lugar do
imaginário no processo (sócio-histórico) de auto-instituição da sociedade. O autor faz
rigorosas objeções às concepções de Marx. Para ele, as formas de associações dos
trabalhadores – decorrentes do socialismo – se tornaram ultrapassadas. O ritmo de trabalho
não é individual, como afirmam as teorias capitalistas de organização, mas ditado pelo ritmo
de trabalho do “conjunto” ao qual pertence. Tratando-se de um conjunto de operários, em
regime socialista somente este próprio conjunto deve determinar tal ritmo, o que transforma
um suposto problema de remuneração (fruto do “pensamento herdado” capitalista) em um
problema de gestão operária da economia – modo de pensar socialista.
Castoriadis adverte ainda que esta nova forma de dimensionar a questão
não resulta em solução mais fácil: o estabelecimento coletivo dos ritmos e das equivalências
entre desperdícios de energia em atividades diferentes pode conduzir a muitos erros a serem
permanentemente corrigidos até chegar às soluções ao menos provisórias. Esses erros, porém,
seriam fecundos para o desenvolvimento do socialismo, ao passo que “enquanto se colocar o
problema sob forma do „salário pelo rendimento‟ ou do „direito burguês‟, permaneceremos de
17
Durand foi fundador do Cantro de Pesquisa sobre o imaginário (C.R.I) em Grenoble, no ano de 1966.
59
imediato no âmbito de uma sociedade de exploração” (CASTORIADIS, 1986, p. 62). O autor
sugere que a idéia de “homem econômico” foi criada pela sociedade burguesa à sua própria
imagem e semelhança. Ou melhor, à imagem e semelhança do burguês na sociedade burguesa
e não a imagem do operário. Nesse sentido, o pensamento marxista deveria lutar para
desembaraçar-se da penetração do modo de pensar capitalista em suas problematizações,
teorias e ações revolucionárias, mesmo que tal modo de pensar provenha do próprio Marx.
A militância e o empenho nos estudos sobre a teoria marxista
impulsionou Castoriadis a romper com o trotskismo em nome das fontes vivas do marxismo,
mas levando igualmente a seus últimos limites. Após penetrar o cerne da teoria, pouco a
pouco vai abandonando o a teoria e avaliando que o prosseguimento (ou mesmo recomeço) do
projeto revolucionário demanda a destruição das bases doutrinárias vigentes. Em 1975, o
autor publicou a obra “A instituição imaginária da sociedade”, título que celebrizou todos os
termos empregados. Não é fácil explorar seus escritos. Os textos condensam anos de trabalho,
com vista não exatamente a uma nova teoria que tomasse o lugar do marxismo, mas a uma
elucidação inseparável de um projeto político. Abordado dentro das classificações
epistemológico-filosóficas habituais, não podem e não devem ser congelados em formatos já
instituídos. A teoria proposta por Castoriadis não é marxista, freudo-marxista, historicista,
hegeliana, fenomenológica, sartreana, heideggeriana ou estruturalista, embora faça menção a
todas essas vertentes. Analisada do ponto de vista das idéias (de que lança mão) é
extremamente poliforma: história como criação, imaginário social, autoinstituição da
sociedade, imaginário radical, instituinte e instituído, sócio-histórico, autoalienação,
sociedade heterônoma e autônoma, lógica conjuntiva-identitária, pensamento herdado e
magma de significações são algumas categorias originais investigadas e conceituadas pelo o
autor. É um desafio expor as idéias de Castoriadis sem recair no que ele tanto combate,
transformar a sua teoria na “busca pela lucidez em luz no fim do túnel”. (CASTORIADIS,
1986, p. 13).
2.2.1.4. AS SIGNIFICAÇÕES IMAGINÁRIAS: IMAGINÁRIO RADICAL E
IMAGINÁRIO SOCIAL
O termo imaginário leva imediatamente a pensar em psicanálise. Essa
afirmativa não está totalmente errada, mas, antes de tudo, vale lembrar que Castoriadis (1986)
não visava articulações e/ou conciliações entre Marx e Freud. O que o autor faz é
fundamentar-se em alguns conceitos psicanalíticos, em especial o imaginário, desviando-o de
60
seu sentido canônico e promovendo novos significados. Ele faz questão, no prefácio de seu
livro “A instituição imaginária da sociedade”, de distinguir seu trabalho de eventuais
construções de teoria no sentido herdado do termo. Ao invés de teoria, Castoriadis chama de
“elucidação”, ou seja, a procura por uma lucidez indispensável a um projeto político,
fundamentado nas transformações constantes da história e, conseqüentemente, da sociedade.
De acordo com o autor, o processo sócio-histórico é coletivo, anônimo,
humano e impessoal. Ele serve para localizar a sociedade e inseri-la nos mais variados
contextos, inscrevendo-a numa lógica de continuidade em que estejam presentes o “que não
existem mais, o agora e ainda o que está por nascer”. Sendo então, ao mesmo tempo,
estruturas dadas, instituições e obras materializadas (concretas ou não) e também “o que”
estrutura, institui e materializa. Ou seja, é a “união e a tensão da sociedade instituinte e da
sociedade instituída, da história feita e da história se fazendo”. (Ibid., p. 131).
Dessa forma, é fácil compreender porque a história pode ser definida
fundamentalmente
como
poiesis:
uma
criação
constante
capaz
de
proporcionar
transformações constantes. Nessa perspectiva, o social-histórico se auto-institui não como
ordem identitária ou dialética, nem como caos, mas na qualidade do que Castoriadis
denomina de magma de significações. O magma é uma diversidade em principio irredutível à
lógica conjuntista-identitária, sendo impossível dizer/representar o modo de ser daquilo que se
transforma em condição da lógica sem apelar, de algum modo, para esta própria lógica. Então,
do que trata a lógica conjuntista identitária? É tudo aquilo que possa ser reconhecido como
“marca” da sociedade. É a impressão deixada pelo passado, o qual influencia o modo de
pensar e agir no presente e colabora para construções de novas projeções no futuro.
Para compreender melhor, utilizaremos a linguagem como exemplo do
pensamento do autor. Toda a palavra é aberta e os seus significados (magma) ultrapassam os
limites da percepção humana (lógica conjuntista identitária). Ou seja, a palavra “mesa” referese a um objeto concreto. A ligação indissociável entre objeto-nome é algo que já foi herdado
dos antepassados e por isso pode ser afirmado como parte da lógica conjuntiva-identitária da
sociedade. Porém, a constituição do objeto jamais vai reduzir os múltiplos sentidos que a
palavra proporciona. Uma única palavra pode reportar a infinitas “remissões”, mas nunca se
esgotará “no que seria a coisa em si”. (CASTORIADIS, 1986, p. 394). Essa impossibilidade
de esgotamento dos sentidos deve-se a movimentação constante do magma de significações.
Segundo Castoriadis, o motor que movimenta toda a existência humana
é o imaginário. Ele constitui o social-histórico, envolve a lógica conjuntiva-identitária, e
movimenta o magma de significações da sociedade. Para compreender a extensão da ação
61
imaginária, o autor classifica o imaginário em radical e social. O imaginário radical origina-se
no interior da mente humana; depois, passa a reinar como social-histórico e como “psiquesoma”. Como o sociol-histórico, absorve os significados coletivos e anônimos e como
“psique-soma” exerce funções no âmbito representativo, afetivo e intencional. Já o
imaginário social é posição, criação, fazer ser. Ele articula e dá sentido a sociedade instituinte,
impulsionando o movimento das significações sociais (magma).
O imaginário radical cria as significações e o imaginário social propaga,
modifica e a instala no cerne da sociedade. As contribuições imaginárias estão presentes em
todos os momentos da vida humana. Seja na descoberta do fogo, nas pinturas no interior das
cavernas primitivas, no modo de vida nômades, nas construções de apetrechos de guerra ou de
instrumentos para auxílio na caça e na pesca, na organização dos sistemas feudais, no
pensamento burguês, nas ações revolucionárias, nas críticas socialistas ao sistema capitalista,
no modo de sobrevivência durante os conflitos, nas batalhas sangrentas das guerras mundiais,
nos sofrimentos dos exilados nos campos de concentração nazistas, no terror das bombas que
devastaram Hiroshima e Nagasaki, nas matanarrativas emancipatórias, nas “tecnoteleologias
sui generis” da comunicação, bem como, no vestuário, nas gírias, na política, na economia,
nas relações afetivas e nas ideologias, enfim, tudo só tem sentido no e pelo imaginário. Por
isso, Castoriadis ressalta que “falar das significações imaginárias sociais quer dizer também
que essas significações são presentificadas e figuradas pela efetividade dos indivíduos, dos
atos e dos objetos que eles informam. (Ibid., p. 514).
O imaginário instituído na sociedade determina o que é “real‟ e o que
não é. Habita no que tem sentido e no que é desprovido dele. Uma sociedade não vive sem
mitos, lendas, crenças, utopias, sonhos e projetos. Elas estão inseridas no sistema de
interpretação do mundo para incentivar a sociedade a investir de significações o mundo.
62
2.3. O IMAGINÁRIO NA CIBERCULTURA
No domínio acadêmico, as palavras parecem ser difíceis de serem
definidas. Foi assim com o termo “pós-modernidade”, cuja popularidade entre os teóricos das
ciências sociais não cessou em ser investigado até meados da década de 90. Nesta época,
falava-se exaustivamente de “sociedade pós-moderna”, “sociabilidade pós-moderna”,
“estética pós-moderna” entre outras variações, mas todos os conceitos possíveis revelavam a
incerteza quanto o processo de transição da modernidade para a pós-modernidade. Algo
semelhante aconteceu com a palavra cibercultura que, hoje, desfruta de significativa
notoriedade nos meios acadêmicos. O termo quase sempre se refere ao contexto cultural
totalmente dominado pela tecnologia.
Segundo Davis (1999), toda cultura é desde sempre uma “tecnocultura”.
Porém, a cibercultura equivale a esfera da experiência contemporânea na qual a tecnologia
passa a ser pensada como fator central determinante das vivências sociais, das sensorialidades
e das elaborações estéticas. Ou seja, ela é muito mais do que uma tecnocultura. A cibercultura
representa o momento em que a tecnologia se coloca como vetor essencial de articulação da
sociedade.
Desde a Revolução Industrial, as experiências tecnológicas mantêm um
relacionamento paradoxal com a humanidade. Ao mesmo tempo em que impulsionam a
evolução da história, também se constituem em problemas explícitos para a humanidade. No
que tange às tecnologias comunicacionais, o surgimento dos meios de massa se convertem em
temática central desde meados da década de 40. Nesse sentido, “A dialética do
esclarecimento” (1947), de Adorno e Horkheimer, pode ser considerada uma obra
emblemática daqueles instantes iniciais em que a comunicação massiva se constituía como
força determinante. Os debates no campo das ciências humanas e sociais giravam em torno da
“ação alienadora” dos media, concebidos como “reprodutoras” das ideologias vigentes. A
“indústria cultural” (cinema, rádio, televisão) era concebida como instrumento de
padronização de comportamentos e como limitadora do senso crítico, visando o
fortalecimento do sistema. Atualmente, já é possível perceber que os meios de comunicação
(de massa ou interativos) não reproduzem e nem fortalecem o sistema, eles são o próprio
poder e o próprio sistema que conduz a sociedade.
Sabe-se que durante algum tempo os mass media reinaram absolutos.
Mas, na década de 90, começaram a perder espaço para os media interativos que rapidamente
63
caíram no gosto do usuário (consumidor tecnológico). Afinal, a comunicação passiva dos
meios de massa foi transformada em comunicação interativa. O indivíduo passou a atuar
como agente direto do processo comunicacional mediado pela máquina.
Não há como negar que se vive um momento de inaudito fascínio pela
tecnologia. A miniaturização das máquinas de comunicar, bem como sua crescente
mobilidade presente em aparatos como telefones celulares, palmtops e notebooks tornaram a
comunicação mediada num fenômeno ubíquo. O lema é “comunicar sempre, cada vez com
mais freqüência”. Nesse sentido, Sfez (1994) acrescenta que todas as tecnologias de
vanguarda se aliaram a comunicação. Assim a cibercultura pode ser definida como o instante
supremo de realização da comunicação tecnológica, mas também não se reduz a só isso. Na
verdade, ela é a uma nova configuração social e imaginária.
Felinto (2003) recorre à antropologia para lembrar que esta geração não
é a primeira a maravilhar-se com as rápidas e extraordinárias mudanças provocadas pela
comunicação. No entanto, a marca ontológica que diferencia a cibercultura de outros períodos
precedentes é a propalada passagem do paradigma “analógico” para o “digital”. O fenômeno
cibercultural assinala sua especificidade com base nesse novo modelo tecnológico, cujas
características ultrapassam todo e qualquer modelo anterior. A maior delas foi à
informatização do mundo. Toda natureza, inclusive a subjetividade humana pode ser
compreendida
por
padrões
funcionais
passíveis
de
digitalização
em
sistemas
computadorizados. Um dos melhores exemplos de processos de “informatização” é o
mapeamento do genoma humano em computadores que desfiam as seqüências genéticas
binárias.
Nesse sentido, o pós-humanismo representa o desdobramento direto da
“visão de mundo” cibercultural. Se o sujeito pode ser traduzido em partículas de informações
discretas, por que não seria possível aperfeiçoá-lo por meio da manipulação consciente dessa
mesma informação? Só não seria possível, como também já existem métodos (ou softwares)
capazes de duplicar ou modificar pessoas e/ou objetos (como o photoshop18, o processo de
rotoscopia digital19 dos cinemas, até a biotecnologia, a clonagem e a manipulação de células18
O photoshop é um software caracterizado como editor de imagens bidimensionais do tipo raster (imagens que
contém descrição em cada pixel). Foi desenvolvido pela Adobe Systems e é considerado o líder no mercado de
editores de imagens profissionais. Ele está disponível para sistemas operativos Microsolf Windows e Mac OS-X,
mas também pode ser rodado no Linux, através da camada de compatibilidade.
19
Rotoscópia é um dispositivo que permite os animadores redesenhar quadros de filmagens para serem usados
em animações. Pode ser utilizado para animar uma referência filmada ou com auxílio de outros aparatos
tecnológicos (motion tracking e onion-skinning), reproduzir (scanear) pessoas e objetos para serem
posteriormente manipulados por meio da computação gráfica. Esse método de animação é bastante utilizado nos
efeitos especiais do cinema. O primeiro a utilizá-lo foi Walt Disney, no filme “Branca de Neve e os sete anões”.
64
tronco). No universo cibercultural, cada átomo converte-se em informação e comunicação.
Logo, a informação pode ser compreendida como conceito-chave da cibercultura.
Diante desse panorama e de todos os elementos nele incluídos, como
explicar o fenômeno cibercultural? A explicação só poderia vir da categoria que possibilita
penetrar no interior de todos os sistemas e os obriga a afinar conceitos, quer trate do
simbólico, do estético, do conhecimento e de seus prolongamentos dirigiridos ao social. Ele se
encontra no centro de todos os dispositivos do saber. “Força central, condição inevitável da
vida em sociedade” (FELINTO, 2003, p. 20), o imaginário se encontra na fundação de todas
as formas de conhecimento, nas práticas e nas representações sociais.
Vale recordar que há algum tempo atrás, a categoria do imaginário
desfrutava de popularidade acadêmica. Principalmente na década de 70, a temática atingiu seu
ápice nos trabalhos de Durand e Castoriadis. Depois, os estudos sobre o imaginário passaram
por certo arrefecimento. Porém, no âmbito da cibercultura, o imaginário reaparece como
conceito importante, impondo-se no campo científico. Autores como Sfez (1996), Ferrer
(1996), Lemos (2002), Trivinho (2007) e Rüdiger (2002) denominam a força social que
projeta sobre a tecnologia determinadas imagens, expectativas e representações coletivas de
“imaginário tecnológico”. Dessa forma, a cibercultura poderia ser definida como imaginário
tecnológico fecundado a partir do paradigma digital. Esse imaginário tecnológico compreende
aos processos, projetos e sonhos que se plasmam em aparatos materiais e ao impacto que
esses objetos ensejam no cotidiano por meio do imaginário coletivo.
A cibercultura se manifesta como imaginário no qual o paradigma
digital chega para realizar um sonho imemorial da humanidade: a superação das limitações
humanas através do rompimento espaço-tempo, a manipulação da realidade convertida em
padrões de informação, “a conquista absoluta da natureza e das leis do cosmo – em uma só
palavra – a divinização do homo ciberneticus” (FELINTO, 2003, p. 32). As crenças (os
mitos, as metanarrativas etc.), aparentemente, superadas pelo conhecimento científico,
retornam – no contexto cibercultural – na forma de “fetichismo” tecnológico no qual
máquinas adquirem valor imanente e são pensadas como seres dotados de “inteligência
artificial”.
e depois se popularizou. Algumas produções destacam-se na utilização desse recurso: A trilogia “Guerra nas
Estrelas” (utilizado para construir os sabres luminosos), A trilogia “Matrix” e em especial “A scanner darkly”,
filme todo produzido por meio da técnica de rotoscópia, sendo utilizada para transformar os “seres reais” (atores)
em ilustrações simuladas de traço de linha e tinta. No campo da música, destaque para o vídeo clip da música
“Take on me” da banda norueguesa A-ha, na década de 80 e “Black or White” de Michael Jackson, em meados
de 90.
65
Além do fascínio pelas máquinas “inteligentes” e pela comunicação de
uma forma geral, a cibercultura também contribui para mudanças de comportamento e nas
relações sociais. Lemos (2002) recorda do aparecimento da atitude “cyberpunk”, a saber, um
estilo de vida (undergroud) inspirado no movimento homônimo de ficção cientifica que
associa “tecnologias digitais, psicodelismo, tecnomarginais, ciberespaço, ciborg e poder
midiático, político e econômico dos grandes conglomerados multinacionais” (ibid., p. 200).
Segundo o autor, “os cyberpunks são outsiders, criminosos, visionários da tecnologia. Eles
encarnavam, na ficção e na vida real, uma atitude de apropriação vitalista da tecnologia”,
orientada pelo tema “do it youself”. Esse undergroud hightech, direta ou indiretamente, é
herdeiro da contracultura tecnocrática das décadas de 60 e 70, contudo não há mais rejeição às
tecnologias, ao contrário, a apropriação e o desvio na lógica de produção, consumo e a
utilização delas abre uma possibilidade para escapar do controle social imposto pelos
tecnocratas. A libertação pretendida vai além de possíveis coerções sociais, abrange também a
superação das limitações do próprio corpo humano, seja por meio de próteses, de
manipulações biotecnológicas e até o uso de drogas. Tal fato é semente da utopia do corpo
perfeitamente saudável, lembra Sfez (1996).
A cibercultura revela um apelo à transcendência e ao misticismo (como
citado anteriormente). De acordo com Timothy Leary – um dos destaques da contracultura
dos anos 60 e, posteriormente, do movimento cyberpunk afirmam que o “computador pessoal
é o LSD dos anos 90” (aput. DERY, 1999, p.28). Se nos anos 60 falava-se de psicodelismo, a
partir dos anos 80 o que se destaca é a “ciberdelia” que “reconcilia os impulsos
transcendentais da contracultura dos anos 60 com a informania dos anos 90”. (Ibidem., p.29).
A apropriação das tecnologias informáticas pode, então, ser
compreendida em duas direções: uma pessoa, com o propósito de manter o corpo livre e
superpotencializado e a outra social. Neste caso, promove-se a “democratização” da
tecnologia: todos podem e devem usufruir dos benefícios gerados pelos avanços tecnológicos.
Esta era a ideologia propagada pelos cyberpunks, “computers for the people”.
Vale ressaltar, essa utopia democrática da informatização não atingiu o
seu objetivo. Apenas uma minoria conseguia dominar os conhecimentos técnicos específicos.
Para rebelar-se contra a “exclusão” provocada pela tecnologia, jovens chamados harckers
passaram a usar a tecnologia contra os infotecnocratas. Passando algum tempo, os jovens da
“era higtech” ao perceberem que o mercado tecnológico cresceu e tornou-se rentável,
transformaram-se em poderosos empresários da microinformática. É o caso de Bill Gates,
presidente de fundador da Microsoft, Steve Jobs e Steve Wozniak, fundadores da Apple e
66
inventores do famoso Macintosh. Ou seja, os jovens idealistas “hippies” tornaram-se
“yuppies”, executivos infotecnocratas bem sucedidos.
O imaginário cibercultural não é somente alimentado pelos ideais
libertadores
propagados
pela
tecnologia.
Mas,
principalmente,
mantido
pela
magatecnoburocracia da informatização, virtualização e ciberespacialização das sociedades
contemporâneas, a qual Trivinho (2001) define como “rede institucional internacional
responsável pela produção e circulação de bens ciberculturais (hardware, solftware e netware,
em seja qual formato for) e pela fomentação acelerada do cyberspace”. (TRIVINHO, 2001, p.
214).
É importante lembrar que a informatização aconteceu. Porém, não
atingiu o objetivo inicial (a democratização), livre acesso a todos. O que houve foi um
reescalonamento da infotecnocracia. A atitude socialista transgressora transformou-se numa
atitude conservadora de perpetuação do status quo. A reprodução infinda das estruturas
sociais
e
culturais
e
das
dinâmicas
políticas
e
econômicas,
pretendidas
pela
megatecnoburocracia para alimentar o capitalismo cibernético, estabelecem a cibercultura
como cultura de controle velada, escondida por trás das promessas de interatividade,
velocidade e informação
2.3.1. A DITADURA DO IMAGINÁRIO: O IMAGINÁRIO TECNOLÓGICO
Segundo Castoriadis (1986), o imaginário “é a introjeção do real, a
aceitação inconsciente de um modo de ser partilhado com os outros” (ibid., p. 67). Para o
indivíduo penetrar no interior da caverna do imaginário social é necessário compreender,
aceitar e participar de suas regras. Ao apropriar-se mentalmente dessas regras, o sujeito
consegue criar novos procedimentos que dão origem a novas ações imaginárias. Este processo
de construção e reconstrução é natural e acontece devido o imaginário sair de sua condição
original (imaginário radical) e passar para a dimensão social.
Especificamente no contexto da cibercultura, as manifestações podem
continuar sendo compreendidas a partir da “diagnose” de Castoriadis. No entanto, o
imaginário tecnológico, diferentemente das “ações imaginais” vivenciadas no passado, está
fincado em processos complexos e efêmeros. Apesar de ainda possuir umbilicais ligações
com o patrimônio afetivo, imagético, simbólico, individual e grupal, o imaginário tecnológico
infiltra dois novos elementos capazes de sustentar todos os outros já citados: a velocidade e a
informação. Eles passam a constituir o “magma de significações”, agindo como grandes
67
estimuladores das atividades concretas do cotidiano e assim, produzindo sentido “no viver na
ciberrcultura”.
[...] o imaginário era fruto puro das relações interpessoais, sem mediação
maquínica, sem meio, finalidade em si (teatro, poesia oral, “causos”, contos,
fábulas). O pecado original estabeleceu-se com a mediação. A tela entrou na
vida do homem como um divisor de águas. Passou-se da fluência à fruição,
da conjunção à intermediação e do troco ao meio. Aos poucos, tudo virou
meio. O meio se tornou fim [...]. (MACHADO, 2003, p. 75)
Durante muito tempo, a voz do imaginário foi calada e relegada a uma
posição secundária e até mesmo marginal, sendo concebida como parte maldita do espírito
humano. Na modernidade, por exemplo, foram cortados os laços com as fontes vitais da
imaginação em detrimento da supremacia da razão. Agora, parece que a humanidade tenta
recuperar o tempo perdido. Durand (1970) destaca a irônica situação contemporânea, na qual
a vitória da ciência e da técnica (anteriormente inimigas da imaginação) conduz
paradoxalmente ao ressurgimento do imaginário como força vital. A civilização da imagem
dos meios de comunicação reinstala no mundo o domínio do imaginário. A sociedade passa
de um extremo ao outro: da exclusão absoluta do imaginário ao desejo da substituição do
racional pela imaginação. Por isso, Felinto (2003) enfatiza: “quando o imaginário está por
toda a parte, quando o seu poder é ubíquo, sem centro e inteiramente pervasivo torna-se tão
perigoso quanto à razão totalitária”. (Ibid., p. 28)
Essa afirmação possibilita reportar a Freud (1971) – que na pista de Le
Bon (1895) pretende explicar a “alma das massas” e a sua capacidade de “invetividade”. Logo
na introdução do texto “Psicologia das massas e a análise do eu”, Freud afirma:
O individuo nas relações com os pais, com os irmãos e irmãs, com a pessoa
amada, com os amigos com o médico, cai sob a influência de apenas uma só
pessoa ou de um número bastante reduzido de pessoas, cada uma das quais se
torna importante para ele. Ora quando se fala de psicologia social ou de grupo,
costuma-se deixar essas relações de lado e isolar como tema de indagação o
influenciamento de um indivíduo por grande número de pessoas
simultaneamente, pessoas com quem se acha ligado por algo, embora, sob
outros aspectos e em muitos respeitos, possam ser-lhes estranhas. (FREUD,
1970)
Para o psicanalista, o indivíduo ao se inserir num grupo adquire um
poder invencível, o qual permite render-se a instintos que, se estivesse sozinho, com certeza
teria mantido reprimido. Dentro do grupo, todos os membros tornam-se anônimos,
favorecendo que o “espírito de responsabilidade” desapareça inteiramente. (LE BON, in.
FREUD, 1970, p. 90). O autor ainda lembra que o grupo é conduzido pela “voz da
68
fascinação”. Ela conduz o grupo pela sua ação hipnótica. Por isso, todos os sentimentos e
pensamentos inclinam-se na direção determinada pelo “hipnotizador”. Sob a influência de
apenas uma sugestão, serão realizados atos com irresistível impetuosidade. Essa
impetuosidade é ainda mais irresistível porque a “voz de comando” é a mesma para todos os
membros do grupo, favorecendo assim, a aceitação imediata.
Vemos então que o desaparecimento da personalidade consciente, a
predominância da personalidade inconsciente, a modificação por meio da
sugestão e do contágio de sentimentos idéias sugeridas em atos, estas, vemos,
são características principais do indivíduo que faz parte de um grupo. Ele não é
mais ele mesmo, mas, transformou-se num autômato que deixou de ser dirigido
pela vontade. (Ibidem)
A análise de Le Bon e de Freud sobre o comportamento das massas, de
certa forma, reforça o sentido de imaginário social proposto por Castoriadis, quando o autor
afirma que o imaginário é o modo de ser partilhado inconscientemente com os outros.
Seguindo a lógica desses argumentos e relacionando com a atuação do imaginário tecnológico
nos dias de hoje, é possível compreender que o imaginário tecnológico atua na esfera social,
mudando comportamentos, modificando os valores e implantando novos meios de relações
sociais, devido “convocarem” a massa, ou melhor, os usuários a corresponderem a voz de
comando da tecnologia da informação.
Esse “inconsciente tecnológico” dos usuários é alimentado por meio de
discursos devotados que anuncia o surgimento de um novo tipo de consciência, capaz de
expandir-se sem limites pela rede (TURKLE, 1997). Nessa expansão, o corpo torna-se
maleável, podendo, inclusive, romper os limites do espaço e do tempo (numa ação mais
complexa que o estado de bilocação) ou até mesmo, desaparecer, já que o corpo deixa de ser
matéria para converter-se em códigos padrões da informatização. A narrativa organizadora em
torno da qual se desenrolam todas as ações do imaginário tecnológico, implica na idéia de
desaparição de todo o obstáculo ou materialidade envolvendo as noções de imediatez e de
transparência. Essa narrativa ou utopia sem a qual o imaginário tecnológico não poderia
sobreviver é denominada de “fenômeno glocal”.
69
2.4. UTOPIAS DO IMAGINÁRIO TECNOLÓGICO: O FENÔMENO
GLOCAL
O fenômeno glocal equivale à produção imaginária que conduz o
fazer/ser da sociedade tecnológica. Ele age como a “voz de comando” da tese freudiana,
conduzindo e controlando as “massas”, principalmente, introduzindo no imaginário social a
“alma” da cibercultura.
Teoricamente, Trivinho (2007) define o fenômeno glocal como a
mescla “inextricável” entre o conteúdo global da rede e o espaço local de socialização e
reprodução da existência cotidiana. Segundo o autor, esse fenômeno é recente, pertence ao
século XX. No entanto, as suas sementes já eram possíveis de serem notadas a partir do
telégrafo elétrico, como mencionado no primeiro Capítulo deste Trabalho.
O glocal trata-se da junção das palavras local e global. O que pertence
ao local e ao global passa a existir em via única no imaginário social tecnológico. O vetor de
articulação das ações glocais imaginárias é a velocidade e a interatividade. Esses dois
processos constituem o que atrevo chamar de “utopias do imaginário tecnológico”. Eles
colocam em prática o processo de “planetarização” do mundo por meio da capacidade de
desterritorialização e imaterialidade eletromagnética, possibilitando o condicionamento de
toda a vida humana ao estado dromocrático. Ou seja, dominam os discursos institucionais e
corporativos, interferem na cultura e no contexto do trabalho, mediam relações sociais e
destacando-se como entretenimento na hora do lazer.
A seguir serão apresentadas algumas das principais significações
imaginárias promovidas pelas utopias do “fenômeno da glocalização da existência”.
2.4.1. O FASCÍNIO PELAS PRÁTICAS GLOCAIS INTERATIVAS
A interatividade é o processo comunicacional em que agentes com igual
poder de decisão e de ação relacionam-se de maneira direta dentro de um ambiente
imaginário, o espaço virtual. As relações interativas equivalem ao principal paradigma
cibercultural, desafiando todas as elementares teorias da comunicação existentes. Até pouco
tempo, a comunicação era dominada pelos modelos tradicionais, modelo ponto-a-ponto
(ligação telefônica) e um-todos (impressos em geral, rádio e televisão).
70
Com o advento da tecnologia da informação, a interatividade surgiu
para “desbancar” e “reconfigurar” todos os modelos já existentes. A interatividade representa
o esquema “todos-todos”, cuja característica principal é permitir que os usuários tornem-se
emissores e receptores simultaneamente. Quando um computador está conectado à internet, o
usuário pode A rede oferece infinitas possibilidades de ação do usuário. Esse parece ser o
ponto mais fascinante e sedutor; dá a sensação de poder e de domínio da situação. O usuário
sente-se autônomo para fazer as suas escolhas e acessar o que desejar. Afinal, ele está
protegido pelo bunker tecnológico. O bunker, segundo Trivinho (2007) significa:
[...] nomeia redutos ou, muitas vezes, cinturões fortificados, erigidos ou
sulcados no solo ou construídos em patamar totalmente subterrâneo, para
cumprir objetivos logísticos de proteção, resistência ou defesa contra
investidas inimigas em contextos de guerra ou guerrilha e, como tal, para
oferecer, simultaneamente, retaguarda a processo progressivo de contraataque. (Ibid., p. 307)
Nesse sentido, o usuário protegido pela a sua parafernália tecnológica
sente-se livre para “deixar” o corpo material e “penetrar” na rede com seu corpo imaterial. O
autor enfatiza que o “emissor e, em especial, o receptor, meramente distintos no processo real,
obliteram-se para ressurgir como usuários teleinteragentes”. (TRIVINHO, 2001, p. 124). O
conceito de usuário teleinteragente pressupõe um grau de participação e intervenção mais
pleno o que de um receptor num processo de comunicação de massa. É diferente ligar um
rádio ou a televisão e receber sinais de emissoras apresentado conteúdos pré-estabelecidos e
acessar um site e interagir com os hiperlinks, traçando caminhos de leitura e/ou pesquisa de
acordo com os próprios interesses, tendo a possibilidade imediata de construir e emitir novos
conteúdos a partir do que foi consultado e apreendido.
A comunicação interativa desafia o ente humano, anteriormente
identificado como protagonista do processo comunicacional. O indivíduo sempre foi o
sujeito-agente da comunicação e a máquina figurava apenas como meio ou “canal”. Porém a
interatividade exige um novo redimensionamento dos esquemas teóricos de comunicação e
também da compreensão das relações sociais, visto que a própria máquina tornou-se
alteridade no processo social e comunicacional. Essa condição revela a extrema dependência
do ente humano em relação à máquina. Na modernidade, o sujeito “construía” sua identidade
e exercitava sua autonomia a partir da relação EU-TU (pessoa-pessoa). Acreditava-se que o
“EU” (res cogitan) diferia-se do “OBJETO” (res extensa). Então, o sujeito só poderia manter
71
diálogo existencial com o seu semelhante20. Hoje, essa concepção sofreu modulações devido
as máquinas passarem a materializar funções humanas. Esse processo é notado na relação
com os objetos infotecnológicos, sobretudo, os celulares e os computadores pessoais
(principalmente se conectados à rede), atuam como um “segundo eu” (TRIVINHO, 2001,
p.83), capaz de condicionar o sujeito a percebê-lo como extensão do próprio corpo.
2.4.2. A MÁQUINA COMO ALTERIDADE
A tecnologia tornou-se mais marcante no final do século XVII, com a
Revolução Industrial. No século XX, ela se intensificou, principalmente, com o
desenvolvimento da microeletrônica. Na Revolução Industrial as máquinas tecnológicas
estavam presentes exclusivamente no âmbito do trabalho e eram utilizadas para auxiliar o
desenvolvimento das atividades humanas. Esse tipo de máquina é o Santaella (1997, p. 35)
chama de “máquinas musculares”. Ou seja, aquelas que auxiliam o trabalho humano somente
naquilo que é puramente mecânico e físico. A autora também classifica outros tipos de
máquinas com o intuito de mostrar que, de alguma forma, as máquinas sempre estão
associadas ao auxilio dos indivíduos.
Sob o pretexto inicial de auxiliar os indivíduos, a máquina acabou
substituindo as faculdades humanas e, em alguns casos, os próprios indivíduos acabam
cedendo as suas facilidades e capacidades. Principalmente, após a nova configuração
sociocultural deste século que aponta para a onipresença das máquinas do cotidiano. Portanto,
as máquinas inteligentes, instrumentos de irradiação do imaginário glocal, condicionam o
modo de ser, de estar, de pensar, de agir e de existir. Elas introduzem o sistema dromocrático
em todas as relações por elas estabelecidas. Por isso, merecem certa desconfiança. A sua
facilidade e praticidade de uso criam dependência no indivíduo. Inclusive, tornam-se
indispensáveis até para executar as tarefas mais corriqueiras.
Independente de juízos de valor sobre a relação homem-máquina, elas
figuram literalmente como alteridades na cibercultura. No passado, as máquinas dependiam
integralmente dos indivíduos para funcionar. Hoje, em alguns casos, elas funcionam sozinhas,
somente, por meio de um comando de voz.
As máquinas se autolegitimaram como alteridade demonstrando sua
utilidade e seu poder. Vigoram como sujeitos das ações. Le Breton (2003) afirma que os
20
Argumento inspirado na obra de Martin Buber “EU e TU”, 1979.
72
“computadores transformaram-se em parceiros da vida, em companheiros, em abertura para o
mundo”. (Ibid., p. 155).
2.4.3. A TELEEXISTÊNCIA: A FUGA DOS CORPOS
“Telepresença”,
“teleação”,
“telerrealidade”,
“terceira
janela”,
“poluição dromosférica”, “espaço crítico” são algumas expressões usadas por Virilio para
denominar o efeito do imaginário glocal por meio da dinâmica dromocrática.
As práticas glocais ciberculturais pressupõem a tele-existência
interativa. Ou seja, a capacidade de existir a distância através das redes telemáticas. Nesse
caso específico, a tele-existência pode configurar tanto como telepresença, quanto como
teleação. Virilio (1993, p. 22) diz que a telepresença e a teleação acontecem sob a “aurora do
falso dia”. Para o autor, o falso dia é o “dia artificial” que complementa, mas geralmente
sobrepõe, o dia real. A “realidade extensiva” (concreto) sempre foi percebida a partir da
iluminação direta (sol, eletricidade). Mas, com as tecnologias de comunicação em tempo real,
a realidade extensiva dá lugar à “intensiva”, a terrealidade.
A telerrealidade é a “realidade” percebida indiretamente pela mediação
tecnológica. O corpo imaterial desloca-se, entra no ciberespaço e partir disso, tem acesso à
nova dimensão existencial do espaço virtual das redes interativas.
Com a instituição do ciberespaço como lugar privilegiado de ação do
imaginário glocal, o “solo” duro da superfície ficou ainda desvalorizado. O terreno citadino
passou a ser local de trânsito, fluxo e passagem. Tornou-se via de acesso, trajeto, sendo
tocado por quem não possui alternativas. É quase insensível para aqueles que têm condições
de viver sem pisá-lo. Isso acontece nas grandes cidades em que o caos do trânsito e a
violência são manifestados com maior intensidade. Desse modo, as práticas glocais são
imprescindíveis. Fazer compras, pagar contas, manter contato com amigos e parentes, sem
precisar correr o risco de eventuais infortúnios. Porém, evitar as ruas pode significar que
estamos perdendo o corpo matéria em benefício de um corpo espectral. Trivinho afirma que
“[...] o glocal e a existência em tempo real por ele permitida significam abandono e
esvaziamento do espaço urbano extensivo [...] em proveito da feudalização e povoamento da
vasta socioespacilização eletrônica em que se transformou o planeta”. (TRIVINHO, 2001, p.
87).
No processo de tele-existência, o usuário abandona o próprio corpo. NO
ciberespaço, propriamente, fluidos, só há lugar para corpos “liquefeitos” pela digitalização. O
73
corpo espectral multimediático torna-se protagonista das relações da realidade virtual.
Segundo Le Breton (2003), a “internet tornou-se a carne e o sistema nervoso dos que não
conseguem mais ficar sem ela e que só sentem despeito de seu antigo corpo”.
Para Virilio a banalização do alhures também se dá pelo “primado do
tempo sobre o espaço que hoje, se exprime no primado da chegada (instantânea) sobre a
partida (VIRILIO, 1993b, p. 43). O audiovisual é “[...] o veiculo para avançar à alta
velocidade, isto é, para não ir à parte nenhuma” (ibid., p. 51). A tela é o ponto coincidente da
partida e da chegada No ciberespaço, à viagem não é realizada pelos indivíduos, mas pelas
imagens. Elas deslocam-se enquanto o usuário continua no mesmo lugar, geralmente
sentados. Com a propagação da comunicação informática, a sedentariedade se intensificou.
Por isso, Virilio (ibid., p. 48) conclui que “em última análise, cada avanço dos transportes não
é mais do que um progresso e uma emancipação do assento” e, desse modo, a humanidade
caminha para uma “sedentarização terminal”: “o espaço já não se estende, o momento da
inércia sucede à deslocação continua”. (Ibid., p. 33)
A crise da motricidade desencadeada pela “lei da menor ação” chega ao
cume com o glocal interativo. Se já era observada na utilização de controles remotos, escadas
rolantes e elevadores, tanto mais agora, com o surgimento do ciberespaço e das inúmeras
possibilidades de teleação proporcionadas. Vale ressaltar que o acesso à rede em contextos
como grandes saguões de aeroportos ou mesmo em espaços variados contribuem para o
aparecimento de um sentimento paradoxal. Ao mesmo tempo em que o usuário está “livre” no
ciberespaço, está igualmente encarcerado. Esse fato é denominado por Trivinho (2007) de
“nomadismo veicular sedentário nômade”. Ou seja, equivale à mescla entre duas realidades:
nômade, porque o corpo espectral navega sem rumo no ciberespaço. Sedentário, devido o
aprisionamento do corpo “material” em apenas um local. Em outras palavras, o nomadismo
contemporâneo se conforma à invalidez motora.
74
CAPÍTULO III
CIBERCULTURA, IMAGINÁRIO E JUVENTUDE
“Se a velocidade é luz, então aparência é o que se move. Transparências
momentâneas e enganosas, dimensões do espaço que não passam de aparições
fugitivas, objetos percebidos no instante do olhar, este olhar que é, a um só tempo, o
lugar e o olho”.
(VIRILIO, 1993, p. 34)
Segundo Castoriadis (1986), o imaginário social é a “rede simbólica
socialmente sancionada, onde se combinam em proporções variáveis um componente
funcional e um componente tecnológico” (ibid., p.159). Essa rede se firma à medida que os
indivíduos a utilizam para “pensar e operar” no cotidiano.
Como já ressaltado anteriormente, em tempos de cibercultura, o
imaginário social une-se aos mecanismos da comunicação tecnológica e reescalona o sentido
de “ser/fazer” na atualidade. O imaginário da era mediática equivale ao imaginário
tecnológico. Nele estão imbricados todas as formas de interação mediada pelos objetos
infotecnológicos, sobretudo, os capazes de conexão de rede. Vale ressaltar que o imaginário
tecnológico ou imaginário glocalizado ao ser parte constituinte do imaginário social, também
se estabelece por meio de sua utilização.
Hoje, vive-se um momento de fascínio pelos aparatos tecnológicos. A
miniaturização e a mobilidade deles transformaram-se em “fetiches” sociais. Em especial para
a juventude, a internet oferece múltiplas possibilidades, favorecendo a construção de
conhecimento, a possibilidade de comunicação e de lazer.
Neste último capítulo, será apresentado o resultado da pesquisa
empírica que objetiva revelar a influência da internet no imaginário de jovens brasileiros. A
pesquisa foi realizada em duas cidades: Belém do Pará e São Paulo. A faixa etária dos
membros que compõe o corpus da pesquisa é entre 14 a 17 anos de idade.
75
Ao realizar as pesquisas bibliográficas, foi possível perceber que a
grande maioria das obras científicas e/ou trabalhos acadêmicos fazem distinção entre a
adolescência e juventude. Neste Trabalho não se fará distinção. Será utilizado o termo
“jovem” para especificar o sujeito que está na fase entre a infância e adolescência. Existe um
motivo para esta “não especificação”: esta Dissertação não pretende ater-se, somente, em
aspectos psicológicos e/ou comportamentais de cada faixa etária. Na verdade, pretende-se
levantar indicadores, por meio de pesquisa empírica, capazes de possibilitar discussões sobre
as significações imaginárias existente na relação entre internet-juventude.
A construção do quadro teórico fundamenta-se em Castoriadis, Freud,
Piaget, Vygotsky, Trivinho, Virilio, Barbero, Canclini e Libâneo.
76
3.1. CONCEITO DE JUVENTUDE
A categoria de juventude, assim como todas as categorias instituídas no
imaginário social, pode ser compreendida como parte constitutiva da “lógica conjuntistaidentitária”. Segundo Castoriadis (1986), a lógica conjuntista-identitária é um conjunto de
elementos com funções definidas e determinadas pelos fatores socio-históricos. Uma vez
ligado ao socio-histórico, esse elemento (categoria) sofre significativas transformações à
medida que a própria sociedade se modifica com o passar dos anos. Por isso, é complexo
estabelecer uma definição que seja capaz de abranger todas as significações sociais, culturais
e históricas do “ser jovem”.
De acordo com o senso comum, a juventude é a fase intermediária entre
a infância e a vida adulta, caracterizando-se por significativas modificações biopsicossociais.
O seu início é marcado por alterações físicas e hormonais com influência psíquica (alterações
físicas e hormonais com repercussões psíquicas) e o fim, por transformações de âmbito social
(entrada no mercado de trabalho, responsabilidade com encargos cívicos, constituição da
própria família e ingresso no ensino superior).
Não é apenas difícil determinar um conceito para a categoria juventude.
Outro ponto polêmico capaz de gerar discussões é a determinação da faixa etária. Segundo o
Plano Nacional da Juventude (PNJ) 21·, o jovem é o indivíduo que se encontra na faixa etária
entre 15 a 29 anos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), jovem é o
aquele que se encontra entre 12 a 18 anos. Por isso, o amparo judicial é até os 18 anos. Salvo
algumas exceções, o sujeito de até 21 anos consegue usufruir dos benefícios estabelecidos
pela lei (ECA). Já a UNESCO considera jovem a pessoa entre 16 a 25 anos. E a OMS
(Organização Mundial de Saúde) define o período entre 10 a 20 anos. Diante dessa
discordância quanto à faixa etária, este Trabalho utilizará o termo para nomear os sujeitos
entre 14 a 17 anos que representam o corpus desta Pesquisa.
Historicamente, a juventude passou por várias transformações. Na
antiguidade, os jovens assumiam responsabilidade com as tarefas ligada à prática da
cidadania. Em Atenas, por exemplo, os jovens do sexo masculino, maiores de 18 anos,
freqüentavam um “noviciado cívico” de preparação moral e religiosa com o objetivo de
21
É o conjunto de políticas públicas e medidas que beneficiam os jovens brasileiros entre 14 a 29 anos. O PNJ
foi elaborado pela Comissão Especial da Juventude. O Plano estabelece como prioridade erradicar o
analfabetismo juvenil, oferecer bolsas de estudo e alternativas de financiamento aos jovens com dificuldades
econômicas, manutenção e permanência no ensino superior, incentivo e empreendedorismo juvenil e ampliação
de programas de incentivo ao primeiro emprego. Em 2006, o PNJ teve parecer aprovado e aguarda votação em
plenário.
77
exercer, plenamente, – quando adulto – sua cidadania. Também em Roma, o jovem auxiliava
os mais velhos durante os combates e participava das assembléias políticas, cabendo-lhe o
direito ao voto. As mulheres jovens, tanto em Atenas quanto em Roma, dedicavam-se em
aprender as tarefas domésticas, preparando-se para um futuro casamento. Nessa época, a
transição de uma fase para a outra, era ritualizada e, por isso, as funções sociais eram bem
definidas. No entanto, a modernidade causou alterações no mundo do trabalho que,
consequentemente, influenciaram no modelo de família. Também durante essa época,
surgiram inúmeras teorias pedagógicas com a finalidade de compreender o desenvolvimento
humano e melhorar a formação daqueles sujeitos que ainda não haviam ingressado na vida
adulta. Dessa forma, o jovem passou a permanecer mais tempo na escola, afastado das
responsabilidades com o trabalho (mundo adulto) e distante da família, fator que contribuiu
para o aparecimento e fortalecimento da classe jovem. Dessa forma,
Morin (1977) lembra que a juventude, por não ser uma categoria
antropologicamente e sociologicamente definida, só pode existir nas sociedades em que a
transformação da criança em adulto não ocorre de forma brusca, mas sim de maneira
gradativa, desenvolvendo-se num espaço de cultura e de história que não pertencente ao
universo infantil e nem a vida adulta (ibid. p. 137). Esse crescimento gradativo é marcado por
mudanças que vão desde a maturação sexual até o desejo de tornar-se autônomo, ficando
evidente a necessidade de romper com os limites estabelecidos pela família e pela
comunidade e buscar dentro de si referências que o possibilite construir sua própria
identidade. No entanto, ao mesmo tempo em que procura se libertar dos ideais da família,
compactua com o pensamento de um novo grupo, os amigos. De acordo com psicólogo e
sociólogo Jean Piaget22, a partir dos 12 anos, o indivíduo encontra-se com todas as suas
habilidades cognitivas em pleno funcionamento. Tal fato colabora para o desencadeamento de
reflexões sobre a sua existência, estimulando a construções de projetos para o futuro. Porém,
o dualismo entre o amadurecimento do corpo e o amadurecimento psicológico causa,
frequentemente, susceptibilidade à instabilidade emocional, desencadeando alguns problemas
que podem levar ao consumo de drogas, doenças psíquicas, distúrbios alimentares (como
anorexia e bulimia) e, na grande maioria das vezes, a compulsividade por aquisição de
produtos propagados pelos media.
22
Jean Piaget dedicou-se a estudar o desenvolvimento humano a partir do processo de aprendizagem. Segundo o
teórico, a aprendizagem ocorre por meio de dois princípios básicos: a assimilação e a acomodação. A teoria
piagetiana influenciou muitos autores, entre eles destaca-se Jürgen Habermas, no campo da teoria da
comunicação e na área da pedagogia, campo fértil de propagação dos estudos de Piaget, um nome de destaque é
de Emília Ferreiro.
78
Tanto para Piaget quanto para Vigostki 23, o processo de maturidade está
subordinado as significações sociais. Diante desse aspecto é possível entender o motivo pelo
qual a ação da juventude na sociedade mudou com o passar dos anos. Durante a modernidade,
os jovens eram preparados para trilhar o caminho estabelecido pelos pais. As jovens do sexo
feminino preparavam-se para se tornarem “esposas”. Saiam do controle dos pais para o
convívio submisso ao lado dos maridos. Os homens jovens, por sua vez, aprendiam o ofício
do pai e, de acordo com o poder aquisitivo, saiam de casa para estudarem em faculdades
situadas nas capitais. Já a pós-modernidade, como estudado no capítulo I, traz consigo
consideráveis transformações, dentre elas, o aparecimento da juventude cética. Diante dos
horrores da guerra, o idealismo caiu por terra e os sonhos perderam o encanto. Os jovens
passaram a “enxergar” o futuro com desconfiança. Mas, mesmo assim, a juventude queria
reconstruir a história, resgatando os seus ideais. Nas décadas de 50, 60 e 70, os movimentos
juvenis24 atingiram o seu ápice de contribuição política e social através de atitudes de caráter
revolucionário.
Na ânsia de reescrever a história, apagando o passado sangrento, os
jovens tornaram-se alvo fácil dos media que, naquele período, surgiam propagando uma nova
utopia, a reconstrução do mundo destroçado. Os mass media conseguiram se infiltrar e se
fortalecer no imaginário social persuadindo os jovens através de seu discurso de vanguarda
democrático. Diminuindo a distância entre as culturas, possibilitando o livre acesso de tudo
aquilo que, antes, pertencia ao mundo do adulto: a violência, o erotismo, os comportamentos
controversos etc. (BARBÉRO, 1998, p. 28); quebrando as hierarquias por meio de ações
anarquistas e propiciando a separação e fortalecimento dos grupos juvenis.
Na América, na U.R.S.S, na Suécia, na Polônia, na Inglaterra, na França, no
Marrocos, vemos uma tendência comum aos grupos adolescentes a afirmar sua
própria moral, a arvorar seu uniforme (blue jeans, tênis, suéteres) a seguir
sempre a moda, a reconhecer-se nos heróis, uns exibidos no cinema (James
Dean, Belmondo), outros oriundos da imprensa sensacionalista; ao mesmo
tempo, uma sensibilidade adolescente se infiltra na cultura (filmes novelle vague,
romances de Sagan). (MORIN, 1997, p. 148).
Diante desse panorama social, é interessante observar que apesar da
juventude ao procurar se distanciar dos valores e ideologias estabelecidas na cultura integrou-
23
Lev Semenovich Vogostki foi o grande fundador da escola soviética de psicologia histórico-cultural.O autor
construiu a teoria Sociointeracionista a partir de sua experiência de vida, testemunhou todo o processo da
Revolução Russa, e através da leitura crítica dos textos de Karl Marx e de Frederich Engels e das teorias da
psicologia: behaviorismo, gestalt, psicanálise e do desenvolvimento humano, de Piaget.
24
Na década de 60, houve a revolução cubana
79
se ao sistema através do ávido consumo dos produtos culturais. Sabiamente, os meios de
comunicação apoderaram-se dos sonhos e carências juvenis e passaram a “produzi-la em larga
escala” e a “vendê-la” como ideal de vida para todos, inclusive para aqueles que ainda não são
ou, até mesmo, já são adultos.
80
3.2. PÓS-MODERNIDADE E CIBERCULTURA NO CONTEXTO
BRASILEIRO
As relações entre sociedade e cultura adquirem, hoje, total relevância.
No âmbito acadêmico, especialmente, existe a preocupação em entender as características
próprias do contexto latino-americano levando em consideração o multiculturalismo.
Especialmente no Brasil, torna-se evidente as diferenças étnicas e culturais proveniente da
miscigenação dos povos.
Canclini (2003) recorre à história para responder algumas questões
importantes do contexto brasileiro, como da América Latina. Segundo o autor, as
contradições latino-americanas revelam que muitos dos problemas enfrentados nos dias de
hoje, ainda são resultados do período de colonização.
Os países da América Latina e o Brasil foram colonizados por nações
européias atrasadas, submetidas à Contra-Reforma e a outros movimentos modernos. Após
essa situação, nunca houve plenamente uma manifestação moderna, mas, “ondas de
modernização” (ibid., p. 67). Essas ondas modernas foram impulsionadas por fatos ocorridos
entre o século XIX e início do século XX, como:
[...] a oligarquia progressiva, pela alfabetização e pelos intelectuais
europeizados; entre os anos 20 e 30 deste século, pela expansão do capitalismo e
ascensão democratizadora dos setores médios e liberais, pela contribuição de
migrantes e pela difusão em massa da escola, pela imprensa e pelo rádio; desde
os anos 40, pela industrialização, pelo crescimento urbano, pelo maior acesso à
educação média e superior, pelas novas indústrias culturais. (ibidem)
Apesar desses movimentos, a América Latina e o Brasil não
conseguiram atingir o patamar de desenvolvimento moderno europeu. Pode-se perceber que o
Brasil e os países latinos americanos sobrevivem num contexto em que é visível o desajuste
entre “modernidade” e “modernização”. De acordo com o autor, esse “desajuste” não é apenas
um fator resultante do processo histórico da colonização – não deixa de ser, mas não se limita
a isso –, outros fatores colaboraram para que os efeitos da modernização não fossem
vivenciados como na Europa. Um deles, ou o mais importante, seria a utilidade que “os
desajustes” possui no estabelecimento da ideologia dominante. A modernização com
expansão restrita de mercado, democratização para minorias, renovação das idéias, mas com
baixa eficácia nos processos sociais são exemplos de condições que fortalecem a hegemonia
das classes dominantes nos países da América Latina e no Brasil.
81
Enquanto a modernidade européia propagava o desenvolvimento
científico, a autonomia pessoal e a remuneração pelos serviços pessoais, o Brasil ainda vivia
em clima de “escravidão”. A dependência econômica agrária latifundiária brasileira com o
mercado externo influenciou o surgimento da racionalidade econômica burguesa ainda nos
moldes serviçais. Se a intenção era introduzir a prática do trabalho com retorno de
remuneração proporcional com o serviço realizado, o que aconteceu foi a dominação da classe
dirigente condutora das forças de trabalho, acostumadas a conduzir o disciplinamento integral
da vida dos escravos, preferiu prolongar o serviço ao máximo de tempo e não dar a
remuneração cabível. Essa falta de remuneração compatível com a força de trabalho revelouse, mais tarde, o maior fator dos problemas sociais vivenciados no Brasil.
As horas de dedicação exclusiva ao serviço e os salários incompatíveis
com que era realizado conduziu o grupo de “baixa renda” a margem da sociedade. Sem direito
a educação e saúde de qualidade e de moradia com infra-estrutura adequada para a
sobrevivência digna, os sujeitos marginalizados socialmente procuraram “as formas escusas”
para sobreviver. A violência que tanto preocupa a sociedade atualmente é fruto das
discriminações vivenciadas ainda nos momentos iniciais da história brasileira.
Se por um lado o Brasil não conseguiu viver plenamente a modernidade
e a modernização, por outro, já nasceu pós-moderno. A pós-modernidade é compreendida
pelas (con)fusões de sentidos e na forma de ver o mundo e pela multiplicidade cultural. Nesse
sentido, a sociedade brasileira vive a pós-modernidade desde a sua colonização. Misturas
étnicas, religiosas e culturais caracterizam o povo brasileiro.
No que diz respeito à relação com os media e a influência deles no
contexto social, o Brasil também possui comportamento pós-moderno. Apesar de todas as
desigualdades sociais, o atraso em alguns aspectos sociais e econômicos, o Brasil destaca-se
pelo número de acessos a internet. É cada vez maior o uso de microcomputadores domésticos
e consumo de aparelhos infotecnológicos pelos brasileiros.
Pesquisa realizada pelo IBGE, em 2007, mostra que o Brasil ocupa 5ª
posição no uso da internet. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) apontam que 32,1 milhões de brasileiros, cerca de 21, 9% da população
acima de 10 anos de idade, utilizam a rede mundial de computadores. O número é expressivo
e coloca o Brasil como o primeiro país da América Latina e o quinto no mundo. Se for levado
em consideração o número de internautas em relação à população do país, a situação muda
um pouco. O Brasil cai para a 62ª posição, sendo ultrapassada pela Costa Rica, Guiana
Francesa e Uruguai. Segundo o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações
82
(Anatel), isso ocorre devido a população de baixa renda não tem poder aquisitivo suficiente
para adquirir uma máquina, utilizando somente por algumas horas em lan house ou cyber
café. Mas existe a promessa do governo de desenvolver mecanismos para favorecer a
aquisição de computadores e acesso à internet por pessoas de baixa renda.
Na interpretação desse paradoxo – vale lembrar que pesquisa realizada
pelo MEC, em 2008, revelou que o Brasil tem cerca de 16 milhões de analfabetos, ou seja,
16.295 milhões de pessoas são incapazes de ler e escrever. E se levado em consideração o
conceito de analfabetismo funcional, o número salta para 33 milhões – não pode ser ignorado
o fato de que para se comunicar no ciberespaço é necessário dominar a linguagem de acesso a
rede (sociossemiose).
Diante desse panorama paradoxal, é importante perceber como a
cibercultura é um fenômeno que não pode ser desprezado. E se já movimenta estudos quanto
a sua importância, com certeza ainda não foi desvendada todas as suas possibilidades de
atuação e de significação social. Nesse sentido, a afirmação de Rüdiger (2004) é conveniente:
“a cibercultura é o movimento histórico, a conexão dialética entre sujeito humano e suas
expressões tecnológicas, através da qual transformamos o mundo e, assim, nosso próprio
modo de ser interior e material em dada direção (cibernética)” (ibid., p.54)
83
3.3. RETRATO DA JUVENTUDE BRASILEIRA
Em 200325, uma pesquisa solicitada pela Fundação Perseu Abramo em
parceria com o Instituto Cidadania traçou o perfil do jovem brasileiro. Foram entrevistados
cerca de 3.501 jovens entre 15 a 24 anos (correspondendo – na época – 20,1% do total da
população de acordo com o Censo 2000/IBGE) de 198 municípios estratificados por
localização geográfica (capital, interior, áreas urbanas e rurais), contemplando 25 estados do
território nacional. Os resultados servem como parâmetro de análise do comportamento da
juventude brasileira no século XXI.
As questões norteadoras que contribuíram para traçar o perfil dos
jovens centraram-se em aspectos emocionais, psicológicos e sociais. De acordo com a
pesquisa, é possível perceber certa homogeneidade na forma de pensar da juventude atual. Os
indivíduos residentes nas cidades urbanizadas, independente de classe social, gostam das
mesmas coisas e possuem comportamento semelhante diante dos problemas sociais. Algumas
diferenças são sensivelmente sentidas nos jovens das áreas rurais.
A primeira parte da pesquisa se detém a aspectos emocionais e
psicológicos da classe jovem. A pergunta inicial refere-se à existência/condição de ser jovem:
Ser jovem é bom ou ruim? Por quê? De acordo com os entrevistados, é bom ser jovem no
Brasil. O motivo destacado como ponto positivo nesta fase é a falta de responsabilidade. Para
eles, não ter preocupações e responsabilidades contribuem para que se possa aproveitar mais a
vida, como se pode perceber no gráfico a seguir:
Ser jovem, é bom ou ruim?
Boas
Ruins
Amabas
N.R
1%
11%
14%
74%
GRAFICO 1:
FONTE: Fundação Perseu Abramo
25
A Pesquisa está disponível na íntegra no site www.planalto.gov.br/secgeral/juventude/juventude.pps .
84
As melhores coisas em ser jovem
Estudar para adquirir…
Atividades de lazer
Viver com alegria
Não ter responsabilidade
0%
As melhores coisas em ser jovem
10%
20%
30%
40%
50%
Não ter
responsabilidad
e
Viver com
alegria
Atividades de
lazer
Estudar para
adquirir
conhecimento
45%
40%
10%
5%
GRÁFICO 2:
FONTE: Fundação Perseu Abramo
A segunda etapa da pesquisa corresponde a aspectos sociais. Para
facilitar a compreensão, dividimos os resultados em grupo A e grupo B. O grupo A é formado
por jovens da área urbana, independentemente, de sexo, cor e situação econômica. O mesmo
ocorre com o grupo B, porém, os indivíduos incluídos nessa classe, são jovens moradores das
áreas rurais e/ou interiores. A pergunta 2 (P [2]) refere-se aos assuntos de interesse do jovem.
Assunto de interesse dos jovens
38%
37%
17%
8%
2%
GRÁFICO 3:
FONTE: Fundação Perseu Abramo
85
Assunto de interesse dos jovens
38%
37%
17%
8%
2%
GRÁFICO 4:
FONTE: Fundação Perseu Abramo
De acordo com os gráficos é possível perceber que a maioria dos jovens
do grupo A, se interessam por temáticas sobre educação, principalmente, assuntos referentes a
vestibulares e faculdades. Os demais entrevistados apontam assuntos referentes ao ingresso no
mercado de trabalho e cultura e lazer como seus favoritos. Vale ressaltar que neste no aspecto
“cultura e lazer” estão incluídas temáticas referentes a festas, músicas, cinema, televisão,
internet, namoro e moda. Apenas 2% dos jovens mostram-se interessados com os problemas
sociais. Em alguns itens, o grupo B é igual ao A. O interesse pela educação continua em
primeiro lugar. Na sequência aparece o interesse por problemas sociais. Compreensível, por
tratar-se de uma classe de pessoas que vivenciam – de perto – as situações abandono por parte
dos governantes. Sabe-se que os moradores das áreas rurais e dos interiores vivem em
condições precárias (ausência de hospitais bem equipados, educação precária, falta de
saneamento básico. E no caso das comunidades ribeirinhas (no norte do Brasil), falta
inclusive estuário e alimentação). Nesse grupo, o interesse por cultura e lazer é de apenas 2%.
A segunda pergunta da segunda etapa da pesquisa está voltada para
aspectos sócio-políticos. Refere-se à preocupação do jovem: O que preocupa o jovem? Nessa
pergunta não houve ponto de contradição. Todos os jovens afirmaram que a preocupação está
na violência.
86
Preocupação do jovem
Saúde
Educação
Drogas
Emprego
A violência
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
GRÁFICO 5:
FONTE: Fundação Perseu abramo
É importante refletir sobre os fatores que desencadeiam a violência. O
século XX foi marcado por barbáries mundiais. E o século XXI, os atos violentos só fizeram
aumentar, principalmente na classe jovem.
Alguns fatores contribuem para o aumento do índice da violência.
Libâneo. (2004) afirma que as novas gerações têm mostrado estrutura psíquica frágil e
instável. Um dos motivos seria a falta de referência familiar. As multiplicações dos modelos
de família acabam gerando conflitos nas relações e estimulando o indivíduo em formação a
fazer o mesmo. Além desse motivo familiar, também existe os problemas sociais. Ainda de
acordo com o autor, a atenção dispensada pela sociedade à juventude é bastante contraditória.
Ao mesmo tempo em que ampara, legalmente, seus direitos e deveres, impõe condições
etárias e de experiência para o ingresso nas atividades laborais. Não raramente, é possível ver
jovens passando por situações de subordinação e submetidos à marginalização social. A
ausência de emprego, a despreocupação com a educação, a ausência de interesse político,
dificuldades econômicas e demográficas são alguns dos fatores que tem contribuído para o
prolongamento dessa fase. Ao viver numa sociedade fundada na desigualdade e na
exploração, o jovem vê seu futuro com desconfiança, embora – muitas vezes – não seja capaz
de verbalizar. Afinal, sente-se, ao mesmo tempo, apto e inepto para a vida social.
87
No entanto, não raramente, ainda, se vêem jovens vivendo situações de
subordinação e submetidos à marginalização social. Segundo Libâneo (2004), a falta de
emprego, a despreocupação com a educação de qualidade, a ausência de interesse político,
dificuldades econômicas e até demográficas, são fatores que tem contribuído para o
prolongamento dessa fase. Ao viver numa sociedade fundada na desigualdade e na
exploração, o jovem vê seu futuro com desconfiança, embora – muitas vezes – não
verbalizada. Afinal, sente-se, ao mesmo tempo, apto e inepto para a vida social.
A terceira pergunta refere-se ao conteúdo dos assuntos tratados pelos
jovens com os amigos e com os pais. De acordo com os entrevistados, o tema mais frequente
nos grupos de amigos é o “relacionamento amoroso”, em seguida, costumam conversar sobre
drogas, esporte, arte, incluindo moda, música, cinema, televisão e internet. Por último aparece
o interesse em discutir sobre educação. Com os pais, a pesquisa revela que a temática das
discussões sofre alterações. Isso demonstra que, apesar, das transformações sociais ocorridas
na pós-modernidade, o diálogo entre pais e filhos ainda é carregado de tabus. Nem sempre o
jovem sente-se a vontade de conversar sobre assuntos polêmicos com a família, procurando os
amigos para partilhar suas dúvidas, como mostra os gráficos.
Assuntos discutidos com os amigos
Educação
Arte
Esporte
Drogas
Relacionamento amoroso
0%
GRAFICO 6:
FONTE: Fundação Perseu Abramo
10%
20%
30%
40%
50%
60%
88
Assuntos discutidos com os pais
Desigualdade Social
Sexualidade
Ética e Moral
Drogas
Educação
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
GRAFICO 7:
FONTE: Fundação Perseu Abramo
A pesquisa aponta também o nível de importância que a escola tem para
os jovens. Segundo eles, a função dos estabelecimentos de ensino é prepará-los para ingressar
no mercado de trabalho.
No contexto atual, a escola assume o desafio de continuar exercendo a
função de propagar os valores morais e éticos instituídos na sociedade e atender as
expectativas impostas pela nova configuração social. Como discernir com lucidez os
binômios certo/errado, legal/ilegal, normal/anormal, moral/imoral, numa época marcada pela
quebra dos conceitos opostos? Como falar de normas, regras e respeito, em um momento
marcado pelo individualismo e pela perda de entusiasmo pelas grandes causas? É um grande
dilema manter a educação dentro de princípios tradicionais em meio a uma situação que leva
os jovens a vivenciar, no dia-a-dia, experiências contrárias a tudo o que é ensinado.
O panorama da educação brasileira não é dos melhores. São muitos os
problemas e, até o momento, poucas soluções. A decadência do ensino público, a
inadimplência nas escolas particulares, o “comércio” que envolve o ensino médio, os
processos de avaliação que dificultam o ingresso no ensino superior, os salários vergonhosos
dos professores, a falta de policiamento nas escolas, entre tantos outros. Além de todos esses
dilemas de aspecto político, social e econômico, a educação ainda necessita descobrir
estratégias que a possibilite atrair os alunos. Os métodos utilizados em sala de aula, já não
conseguem atrair crianças e jovens acostumados a interagir com as TIC (tecnologias da
89
informação e comunicação). Pesquisas especificamente ligadas a educação revelam que os
recursos tecnológicos têm colaborado na melhoria do processo ensino-aprendizagem26. Mas,
fica a pergunta: será que a melhoria do ensino brasileiro reside apenas na inclusão das
tecnologias nas escolas? Qual o lugar das tecnologias na educação brasileira? A pergunta é
polêmica e, com certeza, dividiria opiniões. Como não é interesse deste Trabalho adentrar no
campo educacional, a indagação serve como estímulo para novas reflexões e, quem sabe, abre
caminho para novas pesquisas acadêmicas.
Na pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, os jovens
destacaram que a escola é o espaço onde o indivíduo deve se preparar para ingressar no
mercado de trabalho. A crise econômica força o jovem, principalmente, de baixa renda, a
começar a trabalhar cedo, muitas vezes, sujeitando-se ao subemprego, sem direitos
trabalhistas garantidos, sem remuneração adequada e sem segurança. Por isso, o jovem
acredita que a qualidade educacional o impulsionará a melhor condição de vida. Como aponta
o gráfico a seguir.
A função da Escola
Para fazer amigos
Para ajudar no dia-a-dia
Para entender a realidade
Preparar para o mercado de trabalho
0%
Pouco importante
10%
20%
Importante
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Muito importante
GRAFICO 8:
FONTE: Fundação Perseu Abramo
26
O campo teórico está rico em obras dedicadas ao tema. Muitas delas discutem o assunto e outras ensinam –
como manual – o educador a fazer bom uso das tecnologias da informação e comunicação. Recentemente, a
Revista Nova Escola dedicou quatro páginas com uma reportagem “ensinando” os profissionais da área de
educação a utilizarem as tecnologias em benefícios das aulas. A reportagem apresenta modelos de plano de aula
e sugestões de sites.
90
A última etapa da pesquisa refere-se ao lazer dos jovens. No ano em
que foi realizada a pesquisa, 2003, os entrevistados afirmaram que o “melhor” lazer era
assistir televisão. É importante ressaltar que após cinco anos, o crescimento de acesso a
internet tornou-se superior a 41, 5 milhões, somente nos primeiros meses de 2009, segundo
IBOPE/ NetRatings.
Mídia utilizada pelo jovem?
Televisão
Rádio
Jornal
Web
GRAFICO 9:
FONTE: Fundação Perseu Abramo
De forma sucinta, a pesquisa mostra que o jovem brasileiro, mesmo
diante dos problemas sociais, ainda compreende a juventude como “uma etapa da vida sem
responsabilidades e preocupações”. Não demonstra interesse por questões de âmbito social,
gasta parte do tempo assistindo televisão, gosta de conversar com os amigos sobre
relacionamentos amorosos, vê a escola apenas como “lugar” importante para capacitá-lo para
o mercado de trabalho e não conversa com os pais e/ou responsáveis sobre assuntos relevantes
para sua formação pessoal. Parece não se preocupar com o amanhã. Vive o hoje, sobretudo,
pensando em seu bem estar. Diferentemente, da classe jovem das décadas de 50 e 60 que se
uniu em busca de um ideal, o jovem da cibercultura acostumou-se a ser um SER ÚNICO em
frente às telas do computador ou da televisão.
91
3.4. UTOPIAS DO IMAGINÁRIO GLOCALIZADO
3.4.1. RECONTANDO A HISTÓRIA DE NARCISO
Assim como os argumentos do segundo capitulo foram introduzido a
partir da alegoria platônica “O mito da caverna”, essa terceira parte do Trabalho possibilita
relembrar o conto mitológico de Narciso27. A seguir, o trecho que introduzirá a análise.
Narciso era conhecido por todos da região como sendo o mais lindo
jovem de toda a Grécia. A sua aparência despertava paixões e admirações por onde quer que
passasse. Mas, quando uma jovem se aproximava de Narciso para declarar seu amor,
afastava-se devido sua arrogância.
Seus pais, ninfa Liríope e deus-rio Céfiso preocupados com o
comportamento do filho, procuraram o adivinho Tirésias. Este vaticinou que Narciso poderia
ter vida longa desde que jamais contemplasse a própria imagem. Os pais desolados fizeram o
possível para defender o jovem de seu trágico destino. Porém, não foi possível.
Um dia, Narciso fugiu de casa. Foi à floresta caçar, mas perdeu-se.
Desesperado, começou a gritar. Ninguém o ouvia. Apenas ele ouvia a sua própria voz sendo
reproduzida inúmeras vezes... Depois de um tempo, percebeu que barulho vinha da ninfa Eco.
Eco era apaixonada por Narciso, porém não conseguia se declarar. Tinha sido condenada
pela deusa Hera, esposa de Zeus, a viver sem falar o que sentia ou pensava. Podia apenas
repeti os sons que escutava.
Narciso, sabendo do drama de Eco, resolveu brincar com os seus
sentimentos. Nesse instante, deusa Nêmesi, que representava a vingança e punia os maus
tratos, resolveu castigá-lo. Sem desconfiar de nada, Narciso foi conduzido até a beira de um
rio. Ao abaixar-se para beber água, viu ali uma belíssima imagem. Imediatamente, o rapaz se
viu apaixonado. Era apenas o seu reflexo... Sem pensar, Narciso mergulhou em busca de seu
amor e nunca mais voltou.
Em tempos de cibercultura recontar a história de Narciso parece ser
bastante coerente. No conto, a água-espelho foi à perdição do rapaz. Ao ver sua imagem
refletida, Narciso acabou esquecendo-se do mundo real e mergulhou nas águas profundas,
tentando buscar o seu amor ideal Hoje, os indivíduos também se esquecem da realidade ao
penetrarem nas águas do ciberespaço. Apenas com uma senha, o sujeito mergulha no mar
27
Trecho extraído, na íntegra, do livro: CHAUI, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2003. p. 11.
92
virtual em busca da agradável sensação da imaterialidade provocada pelo fenômeno de
glocalização. O glocal equivale a é a concretização do imaginário tecnológico. Por meio dele,
o sujeito transforma-se em espectro e consegue superar todos os seus limites. Sem o corpo
físico é possível estar presente em vários lugares ao mesmo tempo e atingir o seu “eu ideal”.
De acordo com Freud (1945), o comportamento narcísico está ligado à
projeção do eu ideal. Durante a infância, a energia pulsional está dirigida para o próprio Eu. A
criança experimenta, inicialmente, um “tipo” de narcisismo em que todo o prazer está
vinculado a ela mesma, como se tudo confluísse para o engrandecimento e satisfação do seu
Eu. Somente mais tarde, essa energia volta-se para algo exterior. Sendo assim, o narcisismo é
uma reação psíquica que conflui não apenas para proporcionar prazer a si mesmo, mas
principalmente para satisfazer a necessidade de engrandecimento do “nosso Eu”. Seria em
outras palavras, o reestabelecimento da “onipotência” existente no estágio de vida infantil,
uma vez que essa grandiosidade egocêntrica é “quebrada” em vários momentos da vida e de
diferentes formas. Um dos elementos corrosivos do amor-próprio são os conflitos do dia-a-dia
e o trabalho árduo, sem criatividade e pouco recompensador o qual o indivíduo é obrigado a
se submeter para garantir sua sobrevivência.
Nesse sentido, a tecnologia, sobretudo a rede, favorece a libertação dos
sentimentos reprimidos vinculado à satisfação narcisista de integrar-se a um meio lúdico,
despreocupado, que ressoa a mesma liberdade existente na etapa da infância. Protegido pelo
bunker tecnológico, o sujeito apropria-se do imaginário glocalizado que o conduz ao
sentimento de onipotência. A excitação causada pela liberdade da experiência online
possibilita a sensação de superioridade e a relativa independência do Eu virtual com relação
ao corpo ordinário. Sendo assim, o cibernarcisismo, construído pelo imaginário glocal, tratase da condição psicológica original de atingir o Eu ideal transcendendo as limitações do
próprio corpo biológico.
O corpo físico “prende” o indivíduo a um mundo repleto de limitações,
sofrimentos e obstáculos. O corpo re-significado pela tecnologia, o corpo espectral, se
desvincula do corpo tangível e permite experimentar somente o que satisfaz o ego humano. O
território virtual em três dimensões do Second Life é um bom exemplo das potencialidades da
“vida virtual”. Nele, os participantes planejam os seus personagens e duas identidades, sob a
ilusão de conquistar o que talvez nunca venham a ter, pelo menos não com a mesma
facilidade na vida online. Trata-se de uma oportunidade de viver uma versão idílica da própria
vida, o que geralmente significa possuir boa forma física, alto padrão financeiro, experimentar
93
ao extremo as vantagens de uma vida social ativa, com fama, muitos amigos, festas e sexo
seguro. (MOHERDAUI; MING, 1997).
No virtual, o corpo tecnológico é um corpo em potência e não está
submetido às limitações peculiares ao corpo tangível, ele muda de aparência, de gênero, se
extingue com a mesma facilidade e rapidez de um log off e se recria no instante seguinte,
aperfeiçoado. Em outras palavras, o imaginário glocal é o fenômeno encantador que atrai o
sujeito a mergulhar no mar profundo da tecnologia e “morrer” feliz em busca da superação
dos anseios do seu Eu ideal.
3.4.2. AS RELAÇÕES SOCIAIS NA REDE
Alberoni (1993, p. 13), ao refletir sobre as relações humanas, apresenta
a amizade como uma “centelha” que atrai as pessoas, uma específica forma de amor norteada
pela admiração, pelo companheirismo. Apesar dos novos contornos dados pela cibercultura as
relações afetivas, o princípio da necessidade humana de sociabilidade continua vivo. Ainda
para o autor, a relação entre amigos permanece pautada pela ética.
“Temos necessidade de ser nós mesmos de maneira mais verdadeira, de ser
autênticos. Nós não sabemos quem somos. Somos uma multiplicidade de
pessoas, de desejos, de aspirações, cada um dos quais fala pela mesma
boca, apresenta-se naquele mesmo palco que chamamos “eu”. (Ibid., p.17)
A manutenção da ética, defendida por Alberoni como base que perdura
na amizade contemporânea, é uma afirmação frágil diante do cenário do ciberespaço. Como
não poderia deixar de ser, o relacionamento de amizade online assumiu a efemeridade e a
superficialidade da condição pós-moderna. A fragilidade característica dos vínculos de
amizade estabelecidos pelo sujeito foi potencializada nas relações em rede, apesar da
permanente necessidade de criar laços.
Os internautas, em meio às interfaces sociais cada vez mais inovadoras,
adicionam, deletam, excluem e bloqueiam aqueles com quem não mais desejam se relacionar.
Em redes de relacionamento, como o Messenger, há a possibilidade de o cadastrado
determinar o grau de envolvimento estabelecido com cada um dos candidatos a compor sua
lista de amigos. A distinção pode ser feita por meio de uma classificação (trabalho, família
etc.) ou por definição do grau de afinidade como “favorito” ou “grupo” e até mesmo “outros
contatos”. Esses seriam o que é menos íntimo ao usuário cadastrado, no entanto comparece na
94
“lista de amigos”. Tal fato retrata uma característica própria da rede, a superficialidade das
relações. A máxima ensinada às criancinhas “não fale com estranhos”, foi suplantada no
momento em que se relacionar com “estranhos” passa a ser considerado também como
amizade.
Bauman (2001, p. 123-124) aborda o encontro com estranhos sob o
prisma da desconformidade com o trivial oferecido nas relações ordinárias. O discurso do
autor vai ao encontro do que vem sendo tratado, pois revela uma espécie de manifestação
contra a segurança da rotina, regida pela atração, pelo perigo de partilhar a companhia de
estranhos, “tanto mais ameaçadora a diferença e tanto mais intensa a ansiedade que ela gera”.
Sob essa lógica, torna-se evidente que a mensuração da qualidade das relações de amizade
típicas da cibercultura não pode se dar a partir dos preceitos modernos. A longa duração já
não é mais uma medida respeitável, pois a tecnologia inaugurou a instantaneidade. O tempo
passa a corresponder à duração do fenômeno, melhor dizendo, o oximoro “momento de
tempo” (ibid., p. 138) é capaz de traduzir as relações virtuais movidas pelo aqui-agora,
preocupadas somente com o momento. Apesar da existência de casos de relações estáveis que
se sustentam prioritariamente pelo espaço virtual e assim perpetuam.
Ainda que o caráter efêmero e descartável seja apregoado criticamente a
esse tipo de relação, é relevante observar os demais vetores envolvidos nas interações,
considerando o fato de, no campo virtual, não existe fronteiras que possibilitem distinguir
entre os interlocutores e os vetores pertencentes ao contexto. O momento do bate-papo se
mistura como comércio, com o lazer, com os apelativos sexuais, com os procedimentos
criminosos, a alteridade, o “outro” virtual fica diluído nessa miscelânea (TRIVINHO, 1999, p.
404-405). É possível, por exemplo, movido pelo interesse pessoal, empenhar-se na busca por
um site especializado em um determinado conteúdo e, de repente, ser alvejado pela
publicidade de um produto, cujo interesse foi denunciado pelos agentes inteligente
rastreadores contidos num site de busca consultado outrora, ou mesmo, participar de uma
sessão de conversação através de um aplicativo de conversa em tempo real, enquanto ouve
notícias de uma rádio virtual ou as acompanha nas manchetes de jornal online.
Outro ponto que merece relevância diz respeito à sofisticação high tech,
que, além de ampliar o horizonte de opções e oportunidades de relacionamento para além da
presença física, deixou os “amigos” à vontade para o desenvolvimento de linguagens próprias,
que misturam gírias, jargões da informática, giffs animado e abreviações, além das expressões
de sentimentos e movimentos possíveis pelos avatares como, por exemplo, o buddy poke das
páginas do Orkut. Tudo isso, para melhor adaptação do clima e a velocidade exigida pelo
95
ambiente ciberespacial. A voracidade da comunicação digital pode ser considerada a mola
propulsora desse “novo idioma”, visto que superou a paciência necessária para esperar que
uma frase fosse digitada corretamente num aplicativo de conversa simultânea, até mesmo,
encurtou a disposição para a leitura de longos textos dispostos entre links, ícones e outros
atrativos que povoam as telas dos computadores cada vez mais portáteis. A linguagem da rede
é a linguagem do agora, não permite fruições.
Essa “nova linguagem”, chamada popularmente de internetês, mantém
opiniões divididas entre educadores e especialistas. O repúdio tem sob alegações o infringir
das regras gramaticais e o fato de o sistema de codificação, ao invés de ficar restrito ao
ambiente virtual, influencia na escrita em sala de aula. Os entusiastas reconhecem a
importância de destinar atenção para esse tipo de escrita, visto o número crescente de adeptos.
96
3.5. A INTERNET E O IMAGINÁRIO DOS JOVENS: APRESENTAÇÃO
DOS DADOS DA PESQUISA
3.5.1. CARACTERIZAÇÃO
I.
Período de aplicação dos questionários: abril a outubro de 2008.
II.
Local: Belém (PA) e São Paulo (SP)
III.
Instituições de ensino em que a pesquisa foi realizada: Escolas da rede publica e da
rede particular. Em Belém, a escola particular está situada no centro da cidade,
bairro do Reduto, e a escola pública na periferia, no bairro do Guamá. Em São
Paulo, a escola particular está localizada na zona Oeste, no bairro de Perdizes,
enquanto que a escola pública fica localizada no bairro Jabaquara, zona sul da
capital.
IV.
Número de participantes: Duzentos (200) jovens, sendo cem (100) de cada cidade.
V.
Idade dos participantes: 15 a 17 anos
VI.
Nível de escolaridade dos participantes: ensino médio (cursando)
Vale ressaltar, as escolas de São Paulo não autorizaram que os seus
nomes fossem divulgados. Devido a isso, também preferi manter no anonimato o nome das
escolas de Belém.
3.5.2. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
A pesquisa foi dividida em duas partes: a primeira está relacionada aos
dados pessoais e a segunda parte refere-se, especificamente, a utilização da internet pelos
jovens.
3.5.2.1. Dados Pessoais:
A) Participantes da pesquisa
Como mostra o gráfico a seguir, a maioria dos jovens participantes da
pesquisa – em ambas as cidades – possuem 17 anos. Cabe aqui, de antemão, esclarecer que,
97
inicialmente, pensava-se que a idade e o nível de escolaridade dos participantes seria um fator
importante na análise dos dados. Contudo, ao decorrer do processo da pesquisa começou-se a
perceber que a idade não é um fator relevante no que diz respeito a utilização da internet, uma
vez que todos os jovens demonstraram interagir da mesma forma com os meios. Por isso, na
segunda fase da pesquisa, os dados não serão apresentados levando em consideração a faixa
etária, somente o sexo (em alguns casos).
Alunos da rede particular - Belém
Meninos
Meninas
0
0,05
0,1
0,15
17 anos
0,2
16 anos
0,25
0,3
0,35
0,4
0,35
0,4
15 anos
GRAFICO 10: Quantidade de entrevistados
Alunos da rede pública - Belém
Meninos
Meninas
0
0,05
0,1
0,15
17 anos
GRÁFICO 11: Quantidade de entrevistados
0,2
16 anos
0,25
15 anos
0,3
98
Alunos da rede particular - São Paulo
Meninos
Meninas
0
0,05
0,1
0,15
17 anos
0,2
16 anos
0,25
0,3
0,35
0,4
0,35
0,4
15 anos
GRÁFICO 12:
Alunos da rede pública - São Paulo
Meninos
Meninas
0
0,05
0,1
0,15
17 anos
GRÁFICO 13:
0,2
16 anos
0,25
15 anos
0,3
99
B) Renda média (familiar) dos entrevistados
O nível médio da renda familiar dos jovens entrevistados diferencia-se
bastante nas duas cidades. Na escola particular de São Paulo, localizada em Perdizes, o índice
médio da renda familiar dos alunos participantes chegou a mais de dez salários mínimos. Em
Belém, a maior renda ficou em torno de cinco a sete salários mínimos. Na rede pública a
diferença também fica evidente, permitindo observar que a renda média dos entrevistados de
Belém é sempre inferior aos moradores de São Paulo.
Média da renda familiar dos alunos da rede
particular - Belém e São Paulo
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Meninos
Meninas
Meninos
1 salário mínimo
2 a 4 salários mínimos
8 a 9 salários mínimos
mais de 10 salários mínimos
Meninas
5 a 7 salários mínimos
GRÁFICO 14: Renda média familiar
Média da renda familiar dos alunos da rede
pública - Belém e São Paulo
80%
60%
40%
20%
0%
Meninos
Meninas
Meninos
1 salário mínimo
2 a 4 salários mínimos
8 a 9 salários mínimos
mais de 10 salários mínimos
GRÁFICO 15: Renda Média familiar
Meninas
5 a 7 salários mínimos
100
C) A contribuição do jovem na renda familiar
Os jovens das escolas particulares das duas cidades afirmaram não
contribuírem na renda da família, ou seja, os alunos apenas estudam e não trabalham
Diferentemente, os alunos das escolas públicas afirmaram ser necessário dividir o tempo entre
estudo e trabalho para aumentar a renda familiar. Devido o pouco tempo disponível para o
trabalho, a maioria ingressa no mercado informal. De acordo com os dados, continua-se
percebendo a significativa diferença de renda entre as cidades de Belém e de São Paulo.
Participação do jovem na renda familiar
Escolas particulares - Belém e Sâo Paulo
100%
50%
0%
Meninos
Meninas
Colunas1
Meninos
Meninas
Colunas2
GRÁFICO 16: Participação na renda familiar
Participação do jovem na renda familiar
Escolas públicas - Belém e São Paulo
100%
50%
0%
Meninos
Meninas
Colunas2
GRÁFICO 17: Participação na renda familiar
Meninos
Colunas1
Meninas
101
D) Objetos eletrônicos que possuem em suas residências
De acordo com os dados a serem apresentados a seguir, é possível
observar que a maioria dos jovens – independente da idade ou do poder aquisitivo – faz
questão de adquirir os objetos infotecnológicos divulgados na mídia. Os que possuem poder
aquisitivo favorável nem se esforçam para obter as “parafernálias” tecnológicas do momento,
mas aqueles que – infelizmente – sobrevivem com dificuldades financeiras, fazem o possível
para acompanhar o avanço do mercado informático. Inclusive, durante a aplicação dos
questionários, alguns alunos relataram ter “furtado” celular porque não tinham condições de
comprar o modelo desejado.
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
Sim
Não
0,2
0,1
0
GRÁFICO 18: Objetos infotecnológicos que possuem
102
3.5.2.2. Utilização da Internet
Nesta segunda parte da pesquisa serão apresentados dados referentes à
forma como o jovem relaciona-se com a internet, deixando evidente a sedução que a mesma
exerce no imaginário da juventude brasileira.
No que toca ao acesso a rede, não há diferença entre sexo e idade.
Todos os jovens interagem da mesma forma e demonstram-se fascinados com as
possibilidades do espaço virtual. Como será possível observar, os jovens fazem questão de
dedicar boa parte de seu tempo as atividades na web.
Período de acesso a rede
Jovens de Belém
0%
10%
10%
10%
Somente aos finais de semana
De segunda a sexta-feira
Todos os dias, a qualquer tempo
Somente no período de férias
70%
Durante o expediente de trabalho
GRAFICO 19: Período de acesso a rede
Período de acesso a rede
Jovens de São Paulo
0%
11%
5%
10%
Somente aos finais de semana
De segunda a sexta-feira
Todos os dias, a qualquer tempo
74%
Somente no período de férias
Durante o expediente de trabalho
GRAFICO 20: Período de acesso a rede
103
Jovens de Belém
8%
17%
17%
1 a 2 horas
2 a 4 horas
25%
4 a 6 horas
6 a 8 horas
33%
mais de 8 horas
GRAFICO 21: Horas dedicadas à rede
Jovens de São Paulo
5%
9%
48%
19%
1 a 2 horas
2 a 4 horas
4 a 6 horas
6 a 8 horas
19%
GRAFICO 22: Horas dedicadas à rede
mais de 8 horas
104
Nas duas cidades, fica clara a preferência dos jovens pelas comunidades
virtuais e pelos comunicadores instantâneos. Para eles, estes sites oportunizam entrar em
contato com os amigos, expressar sentimentos e principalmente propiciam lazer. A
comunidade mais acessada é o Orkut, em seguida Facebook e Twitter. Entre os
comunicadores instantâneos, o Messenger é o mais utilizado. Além desses sites, os
entrevistados destacam o Youtube, Second Life, os sites de Games e os de conteúdo adulto
como os acessados com freqüência tanto por meninas quanto por meninas, como mostra o
gráfico seguinte.
Jovens de Belém
120%
100%
100%
100%
90%
80%
80%
80%
80%80%
75%
70%
60%
40%
40%40%40%
30%
20%
20%
10%
20%
10%10%
8%
10%
20%
15%
30%
10% 10%
GRAFICO 23: A preferência dos jovens na internet
Google Talk
Yahoo Messenger
ICQ
Skype
Sonico
Facebook
Twitter
Sites de bibliotecas
Sites de universidades
Sites de conteúdo adulto
Sites de revistas e jornais estrangeiros
Sites de revistas e jornais nacionais
Sites de conteúdo religioso
Sites de curiosidades
Sites de entretenimento: televião e cinema
Sites de esportes
Sites de música
Blog's
E-mail
Second Life
Chat's
Games
Youtube
Messenger (MSN)
Orkut
0%
105
Jovens de São Paulo
120%
100%
100%
100%
90%
80%
80%
80%
80%80%
75%
70%
60%
40%
40%40%40%
30%
20%
20%
10%
20%
10%10%
8%
30%
20%
15%
10%
10% 10%
Google Talk
Yahoo Messenger
ICQ
Skype
Sonico
Facebook
Twitter
Sites de bibliotecas
Sites de universidades
Sites de conteúdo adulto
Sites de revistas e jornais estrangeiros
Sites de conteúdo religioso
Sites de revistas e jornais nacionais
Sites de curiosidades
Sites de entretenimento: televião e cinema
Sites de esportes
Sites de música
Blog's
E-mail
Second Life
Games
Chat's
Youtube
Orkut
Messenger (MSN)
0%
GRAFICO 24: A preferência dos jovens na internet
A maioria das vezes em que os jovens acessam a internet, eles não
possuem objetivo definido. Se eventualmente tiver, acabam cedendo aos encantos da rede.
Tomando por base esse comportamento, foi perguntado aos entrevistados: o que eles
procuram na internet? Impressionantemente, todos deram a mesma resposta: procuram
relacionamentos amorosos. Por isso, o jovem se expõe em sites de relacionamento, postando
fotos e, não raramente, comunicando-se com pessoas que nem conhece, ficando exposto a
situações de violência física e moral.
106
Jovens de Belém
Fazer amizades
Ouvir música
Namorar
Assistir a vídeos
Nâo
Fazer download de arquivos, filmes e…
Sim
Comprar produtos
Participar de chat's
Enviar mensagens por e-mail
Fazer trabalhos escolares
0%
20%
40%
60%
80%
100%
GRAFICO 25: O que o jovem procura na internet
Jovens de São Paulo
Fazer amizades
Ouvir música
Namorar
Assistir a vídeos
Nâo
Fazer download de arquivos, filmes e…
Sim
Comprar produtos
Participar de chat's
Enviar mensagens por e-mail
Fazer trabalhos escolares
0%
20%
40%
60%
80%
100%
GRAFICO 26: O que o jovem procura na internet
Na entrevista, perguntou-se aos jovens qual a sua opinião sobre a
internet. A maioria dos entrevistados afirmou que a web é um “invento” revolucionário, capaz
de melhorar a comunicação das pessoas e também é um ótimo meio de lazer. Para eles, a rede
também favorece a aprendizagem, uma vez que possue enorme acervo de textos sobre os mais
variados assuntos.
107
Jovens de Belém
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Sim
Não
Não sabe
GRAFICO 27: A opinião do jovem sobre a internet
Jovens de São Paulo
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Sim
Não
Não sabe
GRAFICO 28: A opinião do jovem sobre a internet
108
No que toca as experiências vivenciadas pelos jovens no espaço virtual,
é possível perceber que elas são diversificadas e que causam dependência ao usuário. Os
entrevistados foram enfáticos ao afirmarem que após “experimentar” uma vez a internet, não
será mais possível viver sem ela. Um dos fatores, apontados pelos entrevistados, como
desencadeador dessa necessidade imprescindível de utilização da rede, está relacionada à
velocidade e a interatividade. Para eles, não há “coisa” melhor do que estar conectado e se
fazer “presente” em vários lugares ao mesmo tempo. Mais de 80% dos participantes, de
Belém e de São Paulo, disseram encantados com a possibilidade de “postar” fotos no Orkut e,
na mesma hora, conversar com amigos pelo Messenger. Outra experiência apontada pelos
jovens como “atraente”, é a liberdade de manterem-se no anonimato quando se toma alguma
atitude “errada”, ou seja, dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade.
Quando online, costuma acessar mais de
um site
Você tem ou teve perfis "fakes" nas
comunidades que utiliza
Não sei
Você já cometeu algum ato de violência
moral na rede
Não
Sim
A internet é mais interessante do que a vida
real
A internet causa dependência
0%
20%
40%
60%
80%
100%
GRAFICO 29: Experiências na internet
Por último, foram feitas duas perguntas essenciais para a pesquisa: A
primeira está relacionada aos sentimentos causados pela utilização da internet e a segunda está
ligada aos desejos do usuário teleinteragente. 70% dos jovens apontaram os sentimentos de
liberdade e de autonomia como os mais recorrentes. Em seguida, com 50%, o sentimento de
alegria também parece ser constante. Quanto aos desejos, os entrevistados mostraram-se
ávidos pelo consumo, pela beleza, pelo dinheiro e, sobretudo, pela fama.
109
2%
5%
26%
24%
Autonomia
Liberdade
Prazer
Alegria
16%
Raiva
27%
Ódio
GRAFICO 30: Sentimentos proporcionados pela internet
23%
23%
Fama
4%
Dinheiro
Paz
20%
18%
Felicidade
Tranquilidade
12%
Beleza
GRAFICO 31: Desejos dos usuários da internet
3.5.3. ANÁLISE FINAL
De acordo com os dados apresentados, foi possível perceber que a
influência exercida pela internet no imaginário dos jovens brasileiros é de controle e de
domínio de um sistema que vigora totalitariamente no cotidiano. Este sistema transpolítico é o
capitalismo em seu estágio mais avançado (JAMESON, 2000) que de par com a tecnologia
invadiu todas as dimensões da vida humana, anulando, completamente, os princípios e valores
110
tradicionais, os redutos particulares e a vida privada em detrimento da espetacularização do
dia-a-dia promovida pelos meios de comunicação, que deixam vir à tona os sentimentos
insondáveis do ser humano.
Estimulados pelos ideais de interatividade e de velocidade, os jovens
alimentam o falso sentimento de liberdade e de autonomia durante o acesso a rede. Na
verdade, ao consumirem objetos infotecnológicos e utilizarem constantemente a internet, eles
perpetuam a lógica do sistema vigente. No entanto, parece que a juventude atual não está
preocupada com isso, eles apenas buscam diversão, e a internet é o lugar propicio. Protegido
pelo bunker tecnológico e possuindo o pleno domínio das senhas infotécnicas (TRIVINHO,
2001; 2007), o indivíduo pode ser tudo o que quiser: herói ou bandido, famoso ou anônimo.
Ao instituir-se na sociedade por meio da comunicação tecnológica, o
capitalismo apropriou-se do imaginário social, transformando-o em imaginário glocal. Esse
imaginário é responsável em articular e dar sentido a civilização mediática. E por ser
identitário a época, ele não sofre influencia dos elementos que o constituem. Na verdade,
esses elementos só tem sentido porque o próprio imaginário produz. Em outras palavras, a
internet, como instrumento consitutivo do imaginário glocalizado, só tem valor porque esse
imaginário o dar sentido.
Diante disso, pode-se afirmar que as sensações de liberdade e
autonomia, assim como, o desejo de fama e de riqueza apontados pelos jovens como
sentimentos recorrentes da utilização da internet, tratam-se de respostas diretas das ações
imaginárias glocais. Pois, somente por meio delas que a configuração societária mediática, a
cibercultura, ganha significado e insere veladamente o capitalismo no âmago da sociedade.
111
CONCLUSÃO
Diante das diversas transformações pelas quais o mundo tem passado
qualquer conclusão corre o risco de equívocos. Ainda assim, é possível e necessário apontar
certas tendências que gradativamente parecem cristalizar e marcar singularmente a civilização
contemporânea. Uma delas é a irreversibilidade das mudanças operada pela comunicação
tecnológica.
O presente trabalho apresentou o contexto histórico e cultural nos quais a
comunicação contemporânea está inserida, a fim de colaborar para o entendimento de sua
significação social, a partir de uma abordagem crítica focada nas implicações e/ou influências
que o fenômeno comunicacional possui no imaginário coletivo. A carga utópica da
comunicação pode ser vista como remodulação do ideal cibernético de criar uma sociedade de
caráter informacional, na qual computadores, como máquinas de comunicar, teriam funções
sociais e primordiais e, para à qual os humanos precisariam se adaptar, tornando-se
“máquinas comunicantes”.
Não é necessário grande esforço para notar que a descrição da sociedade
cibernética coincide, em parte, com a configuração social da cibercultura. Se, de um lado os
computadores gozam de prestígio social e os indivíduos transformaram-se em “máquinas de
comunicar”, mediante acoplamentos informáticos de toda a espécie, de outro, o desejo de
harmonia e transparência social, resta irrealizável.
Ao longo dos anos, os media de massa foram perdendo espaço para os
media interativos. E, para sobreviver, precisam incentivar as práticas interativas. A velocidade
e a interatividade vigem como esteio da cibercultura e, desse modo, funda bases sociais e
culturais específicas. A lógica da cibercultura funciona segundo a dinâmica dromocrática.
Esta condiciona a vida humana, exigindo forçadamente a ciberaculturação, sem a qual a
existência se torna duvidosa e a morte simbólica tende a ser o horizonte (TRIVINHO, 2007).
Para acompanhar o ritmo acelerado instituído pela dromocracia, os indivíduos vêem-se
pressionados a acoplar o corpo e a mente a diversos dispositivos tecnológicos, na tentativa de
não ficar ao largo da sociedade. (Ibidem).
As protetizações e os demais artifícios técnicos e/ou tecnológicos não
atendem apenas às determinações da dromoaptidão própria da cibercultura, como também
112
corresponde ao devaneio mercadológico de superação das limitações intrínsecas à condição
humana, sob o pretexto de as máquinas serem superiores aos humanos. Como nem todos
podem se equipar devidamente vislumbra-se mais uma vez na história a exclusão em massa.
Diante disso, o presente Trabalho conclui que o imaginário social na
atualidade vigora como imaginário glocal, o qual influencia a sociedade e, sobretudo, os
jovens com ideais identitários a época regida pela comunicação tecnológica, como a
sociabilidade, a teleexistência, o narcisismo e os comportamentos iconofágicos (consumo de
imagens artificiais) (BAITELLO, 1995) que apenas servem para fortalecer e perpetuar o
sistema capitalista.
Os relacionamentos online lançam novos desafios para a reflexão teórica e
também para a constituição de vínculos sociais consistentes, na medida em que o preço da
conexão generalizada é o afastamento físico da alteridade, agora percebida como espectro
informacional multimediático (TRIVINHO, 2007). Tal sociabilidade é simultaneamente
sintoma e causa da intensificação do espírito individualista que gera relações interpessoais
descomprometidas, superficiais e efêmeras. Características próprias do contexto pósmoderno. Época em que a cibercultura encontra ambiente propício para sobreviver e se
desenvolver.
113
INTERNET
Ciência avançada
Homem que pensa
Constrói e destrói,
Pensa que é Deus
Perdeu o sentido
Perdeu o limite
Perdeu a si mesmo
Busca o infinito,
Amor, amizade,
Dinheiro, vaidade,
Paixão, rancor.
INTERNET...
Veículo ingênuo
Cultura inocente
Vigília da dor,
Do horror e da morte,
Suicídio em massa,
Triste quimera
De quem com loucura buscava
Antecipar a “Nova Era...”
Nazaré Sousa28.
28
Escritora paraense. Poesia extraída do livro “Coletâneas” para a Academia Paraense de Letras. 1998, p.14.
114
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