PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Fernanda Fujita De Castro Mello Marca notória: um estudo sobre a aquisição e perda de distintividade de marcas decorrentes de sua notoriedade MESTRADO EM DIREITO COMERCIAL SÃO PAULO – 2010 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Fernanda Fujita De Castro Mello Marca notória: um estudo sobre a aquisição e perda de distintividade de marcas decorrentes de sua notoriedade Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Dr. Fábio Ulhoa Coelho. MESTRADO EM DIREITO COMERCIAL SÃO PAULO – 2010 Banca Examinadora _____________________________ _____________________________ _____________________________ IV À Deus, por sua infinita sabedoria, pelos meus pais. V AGRADECIMENTOS A idealização, elaboração e conclusão deste trabalho só foram possíveis com a ajuda de meus professores, colegas de trabalho, amigos e familiares, aos quais venho expressar minha profunda e sincera gratidão. Em especial, gostaria de agradecer as seguintes pessoas: - Professor Dr. Fábio Ulhoa Coelho, meu professor, meu orientador, e meu maior incentivador, agradeço de todo o coração pela oportunidade, dedicação, confiança e apoio fundamentais para a idealização e conclusão deste trabalho; - Dra. Tatiana Zerbini, minha chefe e amiga, e demais colegas da Pinheiro, Nunes, Arnaud e Scatamburlo Advogados, agradeço pelo apoio nas pesquisas, pelas valiosas discussões sobre o tema e, principalmente, pelo apoio nos momentos em que estive ausente; - Dr. Ubirajara Gomes de Mello e Dra. Circe Lima Fujita, meus avôs, a quem dedico todos os frutos de minha formação jurídica, agradeço pelo exemplo que se tornaram na minha carreira; - Minha família, em seu sentido mais amplo, agradeço profundamente pelo amor, segurança e apoio, e pela confiança incondicional; - Meus pais, Angela e Alcy, a quem agradeço diariamente pelos valiosos ensinamentos, e por terem acreditado na minha formação; - Meus amigos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, agradeço hoje e sempre pela alegria dos momentos vividos nesta Universidade, os quais serão inesquecíveis. VI RESUMO O presente trabalho visa analisar dois fenômenos empíricos decorrentes da notoriedade de marca: a aquisição e a perda de distintividade marcária. Primeiramente, busca-se introduzir o instituto da marca como signo distintivo, demonstrando ser a distintividade condição de validade para sua concessão. Após definir o instituto, a aquisição de notoriedade pela marca é analisada, sendo objeto do presente estudo a marca notória como gênero, e suas espécies marca notoriamente conhecida e marca de alto renome. A previsão legal e o âmbito de proteção das marcas notórias são abordados, assim como as principais conseqüências da notoriedade marcária. Feita esta introdução, o presente trabalho aborda os fenômenos de aquisição e perda de distintividade marcária decorrentes de sua notoriedade. O primeiro deles é estudado pela teoria do secondary meaning, ou teoria do significado secundário, e sua ocorrência é analisada em todos os sistemas de aquisição de marca. É dado destaque às expressões originalmente não distintivas e que são passíveis de aquisição de significado secundário, sendo, portanto, passíveis de registro como marca. A seguir, é analisado o fenômeno da perda de distintividade marcária decorrente de sua distintividade, fenômeno conhecido como degeneração ou degenerescência marcária. Por se tratar de processo lento, e quase sempre irreversível, são estudados alguns sinais indicadores da degeneração marcária, e formas costumeiramente utilizadas para evitá-la. Por fim, algumas decisões judiciais e administrativas envolvendo referidos fenômenos são analisadas, buscando-se exemplificar algumas das formas encontradas para se provar e identificar a aquisição de secondary meaning e a degeneração marcária empiricamente, destacando-se a posição dos Tribunais e do INPI quanto ao tema. PALAVRAS-CHAVES: PROPRIEDADE INDUSTRIAL; MARCA; DISTINTIVIDADE MARCÁRIA; MARCA NOTÓRIA; MARCA DE ALTO RENOME; MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA; SECONDARY MEANING; DEGENERAÇÃO. VII ABSTRACT The present study aims at analyzing two empiric phenomena resulting from the notoriety of a mark: the attainment and the loss of trademark distinctiveness. Firstly, it aims to introduce the institute of the mark as a distinctive sign, demonstrating that the distinctiveness is a condition of validity for the grant thereof. After defining the institute, the attainment of notoriety by the mark is analyzed, being the object of the present study the notorious mark as the category, and the well-known mark and high-reputation mark as the types. The legal provision and the scope of protection of notorious marks are broached, as well as the main consequences of trademark notoriety. Having made this introduction, the present study discusses the phenomena of attainment and loss of trademark distinctiveness resulting from the notoriety thereof. The first of them is studied by the theory of secondary meaning, and its occurrence is analyzed in all systems of trademark attainment. Emphasis is given to the expressions originally non distinctive and which are susceptible of attainment of secondary meaning, being therefore susceptible to registration as a mark. Next, the phenomenon of loss of trademark distinctiveness resulting from its distinguishability is analyzed, the phenomenon known as trademark degeneration or trademark degeneracy. Since it deals with a slow process, and almost always irreversible, some indicator signs of trademark degeneration are studied, as well as customary forms used to avoid it. Finally, a few judicial and administrative decisions involving the referred to phenomena are analyzed, seeking to exemplify some forms found for proving and identifying the attainment of secondary meaning and trademark degeneration empirically, emphasizing the position of the Courts and the INPI (the Brazilian Patents and Trademarks Office) in relation to the matter. KEY-WORDS: INDUSTRIAL PROPERTY; MARK; TRADEMARK DISTINCTIVENESS; NOTORIOUS MARK; HIGH- REPUTATION MARK; WELL-KNOWN MARK; SECONDARY MEANING; DEGENERATION. VIII ABREVIATURAS ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Industrial AC – Apelação Cível CUP – Convenção da União de Paris para proteção da propriedade industrial Des. Fed. – Desembargado (a) Federal DJU – Diário de Justiça da União EI – Embargos Infringentes INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial j. - julgado LPI – Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996) Min. - Ministro OMC – Organização Mundial do Comércio Rel. – Relator REsp – Recurso Especial TRF – Tribunal Regional Federal TRIPs – Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Trade Related Aspects on Intellectual Property Rights) STJ – Superior Tribunal de Justiça STF – Supremo Tribunal Federal IX SUMÁRIO INTRODUÇÃO I. A MARCA COMO SINAL DISTINTIVO 1.1 – Conceitos 1.2 - Natureza jurídica das marcas 1.2.1 – Natureza jurídica da marca em função do seu objeto 1.2.2 – Natureza jurídica da marca em razão de sua função 1.2.3 – Natureza jurídica da marca a partir de seu conteúdo 1.3 – Funções 1.3.1 – Função distintiva 1.3.2 – Função de indicação de origem 1.3.3 – Função econômica 1.3.4 – Outras funções 1.4 – Princípios relativos às marcas 1.4.1 – Princípio da territorialidade 1.4.2 – Princípio da especialidade 1.4.3 – Princípio da novidade da marca 1.5 – Tipos de marcas 1.5.1 – Quanto à forma de apresentação 1.5.1.1 – Marcas nominativas 1.5.1.2 – Marcas figurativas 1.5.1.3 – Marcas mistas 1.5.1.4 – Marcas tridimensionais 1.5.2 – Quanto à origem 1.5.2.1 – Marcas nacionais 1.5.2.2 – Marcas estrangeiras 1.5.3 – Quanto à destinação 1.5.3.1 – Marcas de produtos ou serviços 1.5.3.2 – Marcas de certificação 1.5.3.3 – Marcas coletivas 1.5.4 – Quanto ao grau de distintividade 1.5.4.1 – Marcas de alto renome 1.5.4.2 – Marcas notoriamente conhecidas 1.6 – Sistemas de aquisição de direitos sobre as marcas 1.6.1 – Sistema declarativo 1.6.2 – Sistema atributivo 1.6.3 – Sistema misto 1.7 – Condições necessárias para registrabilidade da marca 1.7.1 – Distintividade 1.7.2 – Licitude 1.7.3 – Disponibilidade 1.8 – Proteção conferida pelo registro marcário 1.8.1 – Limitação à proteção 1.9 – Sinais não registráveis como marca devido à ausência de distintividade 1 4 5 8 8 12 14 15 15 18 20 21 23 23 25 28 29 29 29 30 30 31 32 32 32 33 33 33 34 35 35 35 36 37 37 38 40 41 42 44 46 47 49 X II. MARCA NOTÓRIA 2.1 – Conceito de notoriedade 2.1.1 – Questão fática 2.1.2 – A distintividade nas marcas notórias 2.2 – Tipos de marcas notórias 2.2.1 – Marca de alto renome 2.2.1.1- Exceção ao princípio da especialidade 2.2.1.2 - Previsão legal 2.2.1.3 – Requisitos 2.2.1.3.1 - Registro no Brasil 2.2.1.3.2 - Alto grau de conhecimento 2.2.2 – Marca notoriamente conhecida 2.2.2.1 – Exceção ao princípio da territorialidade 2.2.2.2 – Previsão legal 2.2.2.3 – Requisito 2.2.2.3.1 – Alto grau de conhecimento 2.2.2.3.1.1 – Limitação aos produtos e serviços afins. 2.3 – Critérios para se auferir notoriedade das marcas 2.3.1 – Os “critérios” da lei nº 5772/1971 2.3.2 – Ausência de critérios objetivos na lei atual 2.4 – Proteção legal das marcas notórias 2.4.1 – Motivos para a proteção especial 2.4.2 – Riscos decorrentes da notoriedade da marca 2.4.2.1 – Risco do aproveitamento parasitário da marca 2.4.2.2 – Risco de diluição da marca 2.4.2.3 – A diluição e a teoria da distância 2.4.2.4 – O INPI como coadjuvante no processo de diluição de marcas no Brasil III. DA AQUISIÇÃO DE DISTINTIVIDADE DE MARCA DECORRENTE DE SUA NOTORIEDADE 3.1 – A teoria do secondary meaning ou teoria do significado secundário 3.1.1 – Origem 3.1.2 – Características 3.1.2.1 – Fenômeno lingüístico 3.1.2.2 – Expressões fracas x expressões carentes de distintividade 3.1.2.3 – As expressões em língua estrangeira 3.1.2.4 – Limites à proteção 3.1.3 – Aplicabilidade 3.1.3.1 – No sistema declarativo de registro de marca 3.1.3.2 – No sistema atributivo de registro de marca 3.1.4 – O aparente conflito existente entre a teoria do significado secundário e o artigo 124, VI, da LPI 3.1.5 – Fundamento legal para a teoria 3.1.5.1 – A Convenção da União de Paris 3.1.5.2 – O TRIPs 3.1.6 – Riscos da teoria do significado secundário 3.1.7 – Hipóteses de aquisição de significado secundário 3.1.7.1 – Uso prolongado no tempo 57 57 59 62 64 65 67 68 68 69 69 70 71 72 74 74 75 75 76 78 80 81 82 83 84 88 90 93 95 97 98 98 100 102 103 105 105 106 107 108 108 109 110 112 113 XI 3.1.7.2 – Alto investimento publicitário 3.1.7.3 – Excepcionalidade do produto ou serviço assinalado 3.1.8 – A posição do INPI e dos Tribunais brasileiros quanto ao tema IV. DA PERDA DE DISTINTIVIDADE DE MARCA DECORRENTE DE SUA NOTORIEDADE 4.1 – O fenômeno da degeneração da marca 4.1.1 – Degeneração x diluição marcária 4.1.2 – A excepcionalidade dos bens e serviços assinalados 4.1.3 – O conflito entre as estratégias de marketing e a construção de marcas distintivas 4.1.3.1 – A inércia do próprio titular da marca degeneranda 4.1.4 – Fundamento legal para o fenômeno da degeneração marcária 4.1.4.1 - A Convenção da União de Paris 4.1.5 – Sinais indicadores da degeneração marcária 4.1.5.1 – Dicionarização da expressão 4.1.5.2 – Uso da expressão como sinônimo do bem pelo público consumidor e pelos concorrentes 4.1.6 – Possibilidade de reversão 4.1.6.1 – A importância das campanhas publicitárias 4.1.6.2 – Atuação perante o INPI, mercado e meios de comunicação 4.2 – Efeitos da degeneração marcária para os registros de marca 4.2.1 – Impossibilidade de extinção do registro marcário 4.2.2 - Perda de eficácia do registro 4.2.3 – A posição do INPI e dos Tribunais brasileiros quanto ao tema 113 114 115 117 117 118 119 121 121 122 123 123 124 125 126 127 129 130 130 131 131 V. CASOS DE AQUISIÇÃO E PERDA DE DISTINTIVIDADE DECORRENTES DA NOTORIEDADE DA MARCA 133 5.1- Hipóteses de aquisição de distintividade marcária 133 5.2 - Hipóteses de perda de distintividade marcária 136 CONCLUSÃO 138 REFERÊNCIA 140 1 INTRODUÇÃO A marca, signo distintivo cujas origens remontam à Antiguidade, atualmente representa um dos maiores ativos econômicos das empresas em todo o mundo. A proximidade existente entre a marca e o produto ou serviço por ela assinalado faz da marca a principal referência buscada pelo mercado na escolha de seus produtos e serviços. Não é demais afirmar, portanto, que em muitos casos, a marca possui maior reconhecimento e distintividade perante o mercado que a própria empresa por ela representada. Diante da importância de referido instituto, nos últimos séculos, acordos, convenções e leis foram assinados buscando proteger, de um lado, o titular da marca, que a desenvolve e investe em sua promoção, e de outro, o mercado em geral, a quem a marca se destina. Tal proteção se justifica não apenas para privilegiar o titular da marca, a quem é garantido o uso exclusivo de expressões, figuras e formas estilizadas, mas principalmente o mercado como um todo, a fim de se evitar que o consumidor seja confundido por marcas idênticas ou similares, ou que expressões genéricas e comuns sejam apropriáveis a título exclusivo. Sendo a marca signo distintivo, portanto, pode se afirmar que a distintividade é condição de validade para sua concessão. A própria Lei da Propriedade Industrial - LPI (Lei nº 9.279/96), em seu artigo 122, dispõe serem “suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos...”, ao mesmo tempo que proíbe o registro como marca de expressões genéricas, comuns e descritivas (LPI, artigo 124, VI). Nas últimas décadas, o processo de globalização e o desenvolvimento dos meios de comunicação fizeram com que marcas antes limitadas a pequenas regiões cruzassem continentes, e passassem a ser conhecidas e reconhecidas por um número cada vez maior de pessoas. O desenvolvimento da internet e o aumento significativo do acesso à informação digital trouxeram às empresas maior facilidade na divulgação e comercialização de seus produtos e serviços, trazendo às marcas, portanto, maior destaque na economia global. 2 Dentro deste contexto, observa-se que determinadas marcas se destacam das demais pelo maior grau de conhecimento pelo público, pela maior notoriedade que adquirem perante o mercado. Referida notoriedade muitas vezes está diretamente associada à qualidade do produto ou serviço que assinala, principalmente quando se trata de produtos e serviços inovadores, nunca vistos antes no mercado. Em outros casos, a notoriedade da marca é fruto de maciço investimento em campanhas publicitárias e promoção do signo. A notoriedade da marca, portanto, é fenômeno fático, verificado caso a caso, e garante à marca, ao mesmo tempo, maior prestígio, e maior risco de aproveitamento indevido. As marcas notórias – como são denominada pela doutrina -, no Brasil, estão previstas na LPI em dois momentos distintos: como marcas notoriamente conhecidas – as quais excepcionam o princípio da territorialidade das marcas -, e como marcas de alto renome – as quais excepcionam o princípio da especialidade das marcas. Considerando o maior poder atrativo de referidas marcas, e conseqüentemente o maior risco de aproveitamento parasitário por terceiros, às marcas notórias é garantida proteção especial, nos termos da lei referida. Apesar de a notoriedade de uma marca representar fenômeno fático, tal fenômeno gera efeitos diretos no campo do direito. Dentre os efeitos da notoriedade sobre os direitos marcários, estão a aquisição e perda de distintividade de marcas decorrentes de referida notoriedade. O presente trabalho, assim, visa analisar os efeitos da notoriedade da marca com relação à sua distintividade. Dois fenômenos específicos serão analisados no presente trabalho, quais sejam, o da aquisição de distintividade por expressão originalmente não distintiva, decorrente de sua notoriedade (teoria do significado secundário, ou secondary meaning), e o da perda de distintividade de expressão originalmente distintiva, também em decorrência de sua notoriedade (degeneração marcária). No capítulo I do presente trabalho, será analisado o instituto da marca, abordando-se seu conceito, natureza jurídica, funções, tipos, formas de aquisição 3 e âmbito de proteção. Aqui serão analisadas as condições de validade da marca, destacando-se os sinais não registráveis como marca, nos termos da legislação nacional. No capítulo II do presente trabalho será analisada em especial a marca notória, analisando-se sua previsão legal, sua classificação, e algumas conseqüências da notoriedade para o registro marcário, como possibilidade de aproveitamento parasitário e risco de diluição. Nos capítulos seguintes, assim, serão abordados especialmente os efeitos da aquisição e perda de distintividade decorrentes da notoriedade da marca. No capítulo III tratar-se-á da aquisição de distintividade decorrente da notoriedade da marca, abordando a teoria do secondary meaning, ou teoria do significado secundário. Aqui, serão analisadas as expressões que podem adquirir significado secundário, adquirindo, pois, distintividade, bem como a aplicabilidade de referida teoria dos sistemas de aquisição da marca. No capítulo IV, por sua vez, será analisado o fenômeno de perda de distintividade de marca decorrente de sua notoriedade, fenômeno conhecido como degeneração ou degenerescência marcária. As principais causas da degeneração serão abordadas, assim como as conseqüências para o titular do registro marcário. Por fim, no capítulo V serão analisadas algumas decisões judiciais e administrativas que elucidam os fenômenos do secondary meaning e da degeneração marcária, demonstrando empiricamente as formas de constatação e comprovação de referidos fenômenos. 4 I. A MARCA COMO SINAL DISTINTIVO Dentre os bens da propriedade industrial1, a marca é o instituto que atualmente tem maior destaque para o mercado em geral 2. Para MATHÉLY (1994: 12), “L‟importance de la marque et la protection dont elle beneficie s‟expliquent et se justifient: - par son rôle économique, au bénéficie de l‟etreprise, - et par son rôle social, dans l‟intéret du public.”. E, como bem sintetiza DI BLASI (2005: 333), a marca atua essencialmente no plano comercial, “do ponto de vista público, na defesa do consumidor, evitando confusão; e do ponto de vista privado, auxiliando o titular no combate à concorrência desleal.”. Assim, nas últimas décadas, as marcas têm adquirido maior importância econômica, representando, muitas vezes, o maior ativo de uma empresa. Não é por outro motivo que diariamente surgem diversas novas empresas especializadas em avaliação econômica das marcas, cada qual com sua metodologia e variáveis, o que resulta em diversas listagens acerca das marcas mais valiosas do país e do mundo 3. A marca assume, assim, o papel da mais importante das propriedades intelectuais (BARBOSA, 2003: 801), sendo foco de grandes investimentos por parte de seus titulares. No presente capítulo, abordaremos exclusivamente o instituto da marca, definindo seu conceito, natureza jurídica, funções, tipos, formas de aquisição e 1 Para CERQUEIRA (1946, v. I, Parte I: 72/73), “a propriedade industrial (...) pode ser definida como o conjunto dos institutos jurídicos que visam garantir os direitos de autor sôbre as produções intelectuais do domínio da indústria e assegurar a lealdade da concorrência comercial e industrial. A propriedade industrial poderia também ser definida, de modo mais geral, como o ‘conjunto de normas legais e princípios jurídicos de proteção à atividade do trabalho, no campo das indústrias, e a seus resultados econômicos’, abrangendo, assim, a proteção das proteções intelectuais do domínio industrial (invenções, modelos de utilidade e desenhos e modelos industriais) e tôda a matéria relativa à repressão à concorrência desleal, inclusive as marcas, o nome comercial, as indicações de origem dos produtos, etc. Preferimos, porém, a primeira definição por ser mais restrita, particularizando melhor o objeto da propriedade industrial.”. 2 São bens da propriedade industrial a invenção, o modelo de utilidade, o desenho industrial e a marca (COELHO, 2004, v. I: 136). 3 A revista Forbes, por exemplo, divulgou em 2010 a sua lista das dez marcas mais valiosas do mundo: Apple, Microsoft, Coca-Cola, IBM, Google, McDonald’s, General Electric, Marlboro, Intel e Nokia. A empresa Brandz, por sua vez, diverge em sua lista das dez marcas mais valiosas do mundo em 2010: Google, IBM, Apple, Microsoft, Coca-Cola, McDonald’s, Marlboro, China Mobile, General Electric, Vodafone. 5 âmbito de proteção, além das suas condições de validade, dentre outros aspectos de relevância para o presente trabalho. 1.1 – Conceitos O conceito de marca, como se verá, é bastante divergente na doutrina, muitas vezes se confundindo com a própria função que as marcas exercem. Para CERQUEIRA (1946: 364/365), “a marca de fábrica e de comércio pode ser definida como – todo sinal distintivo apôsto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral para identificá-los e diferenciá-los de outros idênticos ou semelhantes de origem diversa.”. FERREIRA (1962: 266), por sua vez, ao analisar as definições de marca dispostas em legislação e doutrina estrangeiras, conclui que “as marcas de indústria e de comércio são as palavras, sinais ou figuras, isoladas ou em conjunto, de forma original, adotados e de uso exclusivo do fabricante ou do comerciante, assegurado pelo registro, a fim de assinalarem-se seus produtos ou mercadorias a exporem-se à venda.”. A definição de marca de MENDONÇA (1955: 215), é uma das mais precisas consagradas pela doutrina. Segundo o autor, as marcas “constituem sinais gráficos ou figurativos, destinados a individualizar os produtos de uma empresa industrial ou as mercadorias postas à venda em uma casa de negócio, dando a conhecer sua origem ou procedência, e atestando a atividade e o trabalho de que são resultado.”. No Brasil, a própria LPI define ser suscetível de registro como marca “os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.”4. A definição legal, portanto, de marca no Brasil é todo símbolo distintivo, 4 LPI, artigo 122. 6 visualmente perceptivo, não compreendido nas proibições legais, dentre elas aquelas expressas no artigo 124 da própria LPI. Dos conceitos referidos, assim, é possível concluir que marca, em seu conceito mais amplo, é um signo distintivo destinado a assinalar determinados produtos e serviços dos demais existentes no mercado. No caso brasileiro, tal signo se limita aos visualmente perceptíveis, não sendo passível de registro como marca, por exemplo, os sinais sonoros e olfativos 5. É importante destacar das definições referidas que todas elas se atentam ao papel distintivo e individualizador da marca, característica essencial de referido instituto. A marca serve para distinguir, individualizar, diferenciar o bem por ela assinalado dos demais presentes no mercado. Portanto, um símbolo carente de distintividade, em tese, não pode ser utilizado na identificação de um bem, pelo simples motivo de ser incapaz de distingui-lo dos demais. Neste sentido, a LPI, em seu artigo 124, inciso VI dispõe não ser registrável como marca “sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;”. A Convenção da União de Paris – CUP6, por sua vez, em seu artigo 6º, quinquies, B, (2), prevê como hipótese de recusa ou invalidação de registro de 5 Um exemplo típico de sinal sonoro não passível de registro no Brasil como marca é o famoso “plim-plim” utilizado nas vinhetas dos programas exibidos pela Rede Globo de Televisão. Dentre os sinais olfativos, menos comuns no país, tem-se como exemplo a famosa essência de Alecrim presente em todas as lojas da rede “Le Lis Blanc”, que já identifica a presença de uma das lojas da rede há metros de distância. 6 A CUP trata-se de Convenção datada de 1823 que visa estabelecer regras para o tratamento e a proteção da propriedade industrial nos países signatários. Referida Convenção teve sua última revisão realizada em Estocolmo em 1967, revisão esta devidamente ratificada no país pelo Decreto nº 75.572, de 08 de abril de 1975, e pelo Decreto nº 635, de 21 de agosto de 1992, que promulgou no país a adesão do país aos artigos 1º a 12 e artigo 28. Posteriormente, o Decreto 1.263, de 10 de outubro de 1994, ratificou e promulgou a Declaração de Adesão aos artigos 1º a 12 e ao artigo 28, alínea “1” do Texto da Revisão de Estocolmo de 14 7 marca “quando [as marcas] forem desprovidas de qualquer caráter distintivo ou então exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a proteção é requerida;”. O Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio - TRIPs7, por fim, em seu artigo 15, (1), ao dispor sobre o objeto de proteção de marca, estabelece que “Qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas.”. Não há dúvida, portanto, de que a distintividade é característica indispensável para que um signo seja reconhecido como marca, sendo não apenas incoerente, mas também expressamente defeso em lei o registro como marca de sinal não distintivo. de julho de 1967 (BASSO, 2000: 77). Quanto à aplicabilidade da Convenção da União de Paris no país, por se tratar de um tratado normativo, já devidamente ratificado no país, a CUP mostra-se perfeitamente aplicável no Brasil. No caso, contudo, de eventual conflito entre o disposto na CUP e na legislação interna, em respeito à jurisprudência brasileira, prevalecerá o disposto no diploma mais recente (MORO, 2003: 167/168). 7 O TRIPs (Trade Related Aspects on Intellectual Property Rights), ou Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, trata-se de acordo contratual que prevê regras de direitos marcários aplicáveis aos signatários do GATT (Acordo Geral de Tarifas do Comércio). O TRIPs foi incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo nº 30/1994 e Decreto Presidencial nº 1.355/1994, juntamente com o acordo que criou a OMC (MORO, 2003: 196). Contudo, como ressalta BARBOSA (2005: 15), o TRIPs, não é uma lei uniforme; ele cria direitos e obrigações para os Estados Membros signatários do acordo, não criando direitos e obrigações para os entes privados. O TRIPs, portanto, exige lei interna, mas não se trata de lei interna. 8 1.2 - Natureza jurídica das marcas A definição da natureza jurídica das marcas, assim como seu conceito, é bastante divergente entre os doutrinadores que se aventuram a tratar do tema. Sendo a marca bem imaterial, contudo, sua natureza jurídica deve ser analisada a partir da natureza jurídica dos bens imateriais. MORO (2003: 46) adverte para a importância na definição da natureza jurídica das marcas, esclarecendo que dependendo da natureza jurídica atribuída, diferente será a aplicação da lei. “De forma mais específica, diverso será o regime jurídico aplicado. Dependendo do regime jurídico aplicado, distintas serão as conseqüências observadas.”. GUSMÃO (1990: 09/47), em artigo sobre a natureza jurídica do direito da propriedade intelectual, propõe classificar as diversas teorias que buscam qualificar o direito sobre os bens intelectuais em três grupos, quais sejam (i) teorias que determinam a natureza jurídica do direito a partir do seu objeto; (ii) teorias que determinam a natureza jurídica do direito a partir de sua função, e (iii) teorias que determinam a natureza jurídica do direito a partir do seu conteúdo. Por considerar a divisão proposta por referido autor clara e bastante ampla, o presente trabalho se limitará a tratar da natureza jurídica das marcas sob a ótica de referido autor. 1.2.1 – Natureza jurídica da marca em função do seu objeto Dentre as teorias que determinam a natureza jurídica do direito sobre bens imateriais em função do seu objeto, GUSMÃO (1990: 09/47) vislumbra três teorias: a teoria da personalidade do direito, a teoria dos direitos intelectuais, de Edmond Picard e a teoria dos direitos dos bens imateriais, formulada por Kohler. Segundo o autor, para a teoria da personalidade do direito, o direito sobre as coisas imateriais, particularmente o direito autoral, é considerado um 9 prolongamento do direito da personalidade. Assim, segundo referida teoria, a proteção do direito de autor seria apenas o prolongamento da proteção do próprio autor e de sua personalidade. Contudo, a crítica que se faz a referida teoria é justamente a de confundir o objeto da proteção com seu criador, além de confundir a natureza do objeto da proteção jurídica com a natureza jurídica do direito sobre o objeto. Quanto a este ponto, aliás, CERQUEIRA (1946: 116/117) já se manifestara ao tratar da inadequação do uso da teoria dos direitos pessoais para explicar os direitos sobre os bens imateriais. Como bem esclarece mencionado autor, “O direito pessoal atribuído ao autor, segundo a maioria dos escritores, consiste: 1º, na segurança da paternidade da obra; 2º na defesa do inédito; 3º, no direito de arrependimento; 4º, na faculdade de correção; 5º, na intangibilidade da obra; 6º, na sua impenhorabilidade. Já vimos que pode ser objeto de cessão o direito do autor de ligar o nome aos seus produtos intelectuais. Do mesmo modo, o autor pode despojar-se dos outros direitos que lhe assistem, cedendo o de alterar a obra e o de retificá-la da circulação, renunciando à faculdade de correção, transferindo, enfim, todos os seus direitos ao editor ou a qualquer cessionário. Êsses direitos, portanto, não constituem direitos pessoais, uma vez que podem ser cedidos, transformando-se em vantagem pecuniária; pois os característicos diferenciais dessa classe de direitos são justamente a falta de conteúdo econômico e a sua intransmissibilidade.”. GUSMÃO critica, ainda, referida teoria ao tentar transferi-la para o direito sobre as marcas, as quais não necessariamente são resultado de um trabalho intelectual. A aplicabilidade de referida teoria para a propriedade industrial, portanto, na visão do autor, dificilmente se sustentaria. 10 Quanto à teoria dos direitos intelectuais de Picard, ela cria uma nova categoria para abrigar os direitos relativos aos bens imateriais por entender que não se trataria de direitos reais, pessoais ou obrigacionais. Referida teoria, portanto, ao estabelecer a qualificação do direito a partir de seu “objeto intelectual”, conclui que o direito que o protege seria um “direito intelectual.”. GUSMÃO, contudo, critica referida teoria em dois aspectos. Primeiramente, para ele a natureza jurídica dos direitos não se qualifica em função de seu objeto8. Em segundo lugar, para o autor referida teoria se equivoca ao acreditar que o direito de propriedade concebido pelos Romanos destina-se apenas a bens corpóreos. CERQUEIRA (1946: 124), aliás, é mais incisivo ao afirmar que Picard limitou-se a criar uma nova categoria de direitos sob nova denominação sem, contudo, definir qual seria sua natureza. Para este autor, “o único mérito da doutrina de Picard, portanto, consiste em haver acentuado que o direito de autor recai sôbre uma concepção de espírito, que tem por objeto a própria concepção de autor e não a sua realização material” (CERQUEIRA, 1946: 127). Por fim, a teoria sobre os bens imateriais de Kohler, assim como a teoria de Picard, também propõe a criação de uma nova classe de direitos, a dos direitos sobre os bens imateriais. Como explica GUSMÃO, para Kohler, o direito sobre os bens imateriais repousaria sobre a idéia de utilidade social, e teria sua origem na criação da obra. Trata-se de um direito de exploração da obra perante o público e, segundo Kohler, não seria um direito eterno na medida em que os bens imateriais tendem a ser abandonados, após certo tempo, em favor da coletividade. Mais uma vez, a crítica que se faz a referida teoria é de que ela não resolveu a questão da natureza do direito envolvido, ao mesmo tempo em que ela dificilmente seria aplicável para marcas, e para o direito da propriedade industrial 8 Caso contrário, exemplifica o autor, o direito sobre as coisas corpóreas deveria chamar-se direito corpóreo e não direito de propriedade. 11 como um todo. CERQUEIRA (1946: 130/131), por sua vez, também não poupou a teoria de Kohler de referida crítica: “A doutrina de Kohler, mais que a de Picard, representa, sem dúvida nenhuma, notável progresso no estudo do direito de autor, residindo seu maior mérito no haver dado a êsse direito um conteúdo objetivo perfeitamente determinado, ao mesmo tempo que definia a natureza de seu objeto e esclarecia várias questões controvertidas e obscuras. Deve-se também ao seu autor, como acentua Bonnet, a construção jurídica do direito de patentes sobre o fundamento filosófico, econômico e social do direito do inventor. Mas, se Kohler definiu o objeto do direito e lhe determinou a natureza, estabelecendo a nova categoria dos bens imateriais, ao lado dos bens corpóreos e incorpóreos; se explicou a gênese e o fundamento do direito de autor; se esclareceu inúmeras e importantes questões relativas a êste ramo do direito; não se pode, entretanto, dizer que tenha tido o mesmo êxito ao tentar definir a natureza específica do direito de autor. Nesse ponto incorreu em êrro, como Picard, adotando o mesmo método negativo para demonstrar que o direito de autor não pode incluirse entre os direitos pessoais ou entre os de obrigação, nem considera-se como propriedade, justificando, assim, a criação de nova categoria de direitos, cuja natureza seria determinada, exatamente como no caso de Picard, pela origem e pela natureza do objeto. Deve-se, porém, reconhecer em seu favor o fato de haver definido com exatidão a natureza do objeto o direito, ao passo que Picard assimilou a natureza do objeto à sua origem. Mas, com indicar a natureza do objeto não se define a natureza do direito que sôbre êle se exerce; de modo que, na teoria do direito sôbre bens imateriais, a natureza do direito de autor constitui questão aberta, não resolvida por seu criador.”. 12 Conclui o autor, portanto, que nenhuma dessas teorias se prestaria à explicação da natureza jurídica dos direitos sobre bens imateriais, dentre eles, a natureza jurídica da marca. 1.2.2 – Natureza jurídica da marca em razão de sua função Dentre as teorias que buscam determinar a natureza jurídica do direito a partir de sua função, GUSMÃO trata das duas mais representativas: a teoria dos direitos de clientela, concebida por Paul Roubier, e a teoria dos direitos de monopólio, seguida por Remo Franceschelli. Como esclarece o autor, a teoria dos direitos de clientela cria uma terceira classe de direitos patrimoniais 9. Roubier, em sua teoria, parte do princípio de que para se definir a natureza jurídica do direito em questão deve-se, primeiramente, buscar a utilidade econômica de referido direito e seu conteúdo econômico. Assim, na análise de Roubier, segundo GUSMÃO, as noções de concorrência e de monopólio devem ser levadas em conta para a análise dos direitos referidos, os quais devem ser compreendidos na dinâmica jurídica, em seu movimento, e não em sua estática jurídica como freqüentemente se faz. A análise da clientela, e principalmente do seu volume, também seria um dado de relevância na análise desses direitos, uma vez que seu volume mais ou menos considerável modificaria o valor do bem, afetando o patrimônio do titular desse bem. Por outro lado, há que se considerar que os direitos de propriedade intelectual tendem a assegurar uma exploração exclusiva com relação à clientela, a qual, entretanto, não é fixa, nem pode ser forçada a sê-lo. MORO (2003: 49) sintetiza a teoria de Roubier ao afirmar que a utilidade econômica dos direitos sobre bens imateriais estaria na tendência à conquista de clientela, e seu conteúdo patrimonial, graças à dominação da clientela, estaria na obtenção de benefícios na concorrência econômica. 9 Além dos direitos reais e dos direitos de crédito. 13 GUSMÃO, contudo, critica referida teoria uma vez que Roubier não leva em conta o conteúdo do direito, mas apenas sua função econômica. Assim, referida teoria também não serviria para definir a natureza do direito sobre os bens intelectuais, se limitando, apenas, a destacar uma conseqüência desses direitos – a sua função econômica. Por outro lado, referida teoria dificilmente seria aplicável aos direitos autorais. A teoria dos direitos de monopólio de Franceschelli, assim como a teoria de Roubier, defende que o caráter fundamental dos direitos de propriedade industrial e intelectual, nesta teoria denominados “direitos de monopólio”, também estaria no seu elemento funcional. Referidos direitos seriam compostos pelo direito de exploração econômica do objeto do direito – o que pertenceria ao autor independentemente de regulamentação específica, sendo seu direito patrimonial - e o direito de se opor a terceiros que tenham comprado esse objeto impedindo-os de reproduzir referido objeto – prerrogativa que seria conferida ao autor por meio de lei especial (jus prohibendi). Após estabelecidos os elementos que compõem referidos direitos, Franceschelli entende que os direitos de propriedade industrial ou intelectual não podem ser considerados direitos reais, pessoais ou de obrigação, criando-se, portanto, uma nova categoria, os “direitos de monopólio”. Para GUSMÃO, Franceschelli tem mérito na evolução da natureza jurídica dos direitos em questão, contudo, GUSMÃO entende não ser possível partir de uma conseqüência econômica do fenômeno jurídico para qualificá-lo juridicamente. GUSMÃO destaca, ainda o fato de referida teoria basear-se na confusão entre o objeto do direito e o próprio direito. Como se verificou, portanto, as teorias mencionadas também não se prestam para definir a natureza jurídica dos direitos sobre bens imateriais, dentre eles, a natureza jurídica da marca. 14 1.2.3 – Natureza jurídica da marca a partir de seu conteúdo Para GUSMÃO, as teorias que determinam a natureza jurídica do direito a partir de seu conteúdo parecem ser as mais acertadas, sendo inclusive as mais utilizadas pelos autores modernos. Segundo essas teorias, o direito de propriedade seria o mais adequado para abrigar o direito sobre os bens imateriais. Para a teoria da propriedade “tout court”10, o direito de propriedade seria o mais adequado para abrigar o direito sobre os bens imateriais na medida em que referido direito seria idêntico ao direito de propriedade que se aplica às coisas materiais11. Essa teoria, segundo GUSMÃO, seria a mais aceita pelos autores brasileiros. Aloïs Troller, divergindo em parte da teoria referida, propõe a teoria da propriedade imaterial, onde aborda a divergência existente entre os direitos de propriedade intelectual – que recaem sobre bens incorpóreos -, e os direitos de propriedade, que recaem sobre bens corpóreos. GUSMÃO elogia referida abordagem exatamente por notar que existe uma diferença entre referidos direitos, mas critica Troller pelo fato de não ter aprofundado sua teoria e suas conseqüências. Ao final de seu estudo, GUSMÃO propõe uma teoria que denomina ser de um direito de propriedade sui generis. Através dela, GUSMÃO propõe a aplicação da teoria do direito de propriedade aos bens imateriais, aperfeiçoando-a, contudo, ao dar destaque às peculiaridades relativas à natureza do objeto do direito. Para GUSMÃO, as peculiaridades relativas aos bens imateriais justificam a adoção de um regime jurídico próprio e sui generis, o qual se adaptaria melhor às restrições legais impostas pelo legislador, ao mesmo tempo em que supera algumas imperfeições da teoria da propriedade “tout court”. 10 11 “puro e simples”. Referido direito de propriedade seria idêntico na medida em que confere ao seu titular o direito de usar, gozar, dispor e reaver a coisa. 15 1.3 – Funções Como exposto no item 1.1, a definição das marcas muitas vezes se confunde com suas próprias funções. Neste item, assim, daremos destaque às principais funções exercidas pelas marcas, e tratadas pela doutrina. 1.3.1 – Função distintiva Pode se afirmar que a função distintiva é a função primordial das marcas. Como expusemos no item 1.1, a marca é freqüentemente definida como signo ou sinal distintivo, exatamente pela função distintiva que exerce sobre o bem ou serviço que assinala. A concessão da marca, como se verá no item 1.8, garante ao seu titular um direito exclusivo de usar, gozar e dispor da marca registrada. Tal direito de exclusividade, garantido e tutelado pelo Estado, só se justifica na medida em que a marca exerça uma função também de interesse do Estado. A função distintiva da marca, assim, parece cumprir bem referida função de interesse estatal na medida em que, de um lado, estimula o empresário a investir no produto ou serviço ofertado, na busca da promoção de sua marca, e, de outro, protege o consumidor do risco de confusão entre os produtos e serviços existentes no mercado. A LPI, em seu artigo 122, estabelece ser suscetível de registro como marca “os sinais distintivos visualmente perceptíveis”. Logo, de acordo com o próprio texto legal, a marca deve exercer a função distintiva, sob pena de não poder ser levada a registro perante o INPI. Como também se expôs no item 1.1, tanto a CUP, como o TRIPs prevêem a distintividade como característica necessária para a concessão de registro de marca. FERREIRA (1962: 270/271) define a distintividade das marcas como qualidade essencial de seu caráter, e decorrente de sua própria definição. Em suas palavras, “o objetivo da marca é o assinalamento de produtos ou de 16 mercadorias, a fim de distinguirem-se de outros do mesmo gênero ou categoria. Destina-se a evitar confronto entre artigos similares. Não tem outro escopo.”. Neste mesmo sentido, MIRANDA (1983: 07) insiste que “A marca tem de distinguir. Se não distingue, não é sinal distintivo, não „assinala‟ o produto (Decreto-lei n. 7.903, art. 89, parágrafo único), não se lhe pode mencionar „elementos característicos‟ (art. 126, IV). Confundir-se-ia com as outras marcas registradas, ou apenas em uso, antes ou após ela. A distinção da marca há de ser em relação às marcas registradas ou em uso, e em si-mesma; porque há marcas a que falta qualquer elemento característico, marcas que são vulgaridades notórias.”. OLIVEIRA NETO (2003: 19/20) bem define a função distintiva como essencial para as marcas. Esclarece referido autor que o regime jurídico das marcas atribui um direito oponível erga omnes, de exclusividade sobre o bem incorpóreo. Em contra partida, referido regime exige que as marcas cumpram uma utilidade prática, que na visão do autor, seria a de identificar um produto ou serviço e distingui-los dos demais. Assim, conclui referido autor tratar-se de um vínculo típico, constante e necessário entre o objeto, a finalidade e o conteúdo do direito. Na doutrina, verifica-se uma divergência entre os autores sobre a função distintiva exercida pelas marcas. Para alguns autores, como FRANCESCHELLI (1964: 93), a função distintiva da marca serviria para distinguir o próprio produto em si, enquanto para outros autores, como MATHÉLY (1984: 12), a função distintiva da marca se prestaria para distinguir a proveniência do bem ou serviço assinalado. Quanto a este posicionamento, esclarece GUSMÃO (1990: 119) que a função distintiva da marca não seria a de indicar a procedência do bem, mas de garantir sua origem. 17 GONÇALVES (1999: 224), ao estudar a função distintiva da marca, trata de suas diversas noções12, concluindo que “[a] função distintiva da marca é, hoje, mais ampla e pode ser assim redefinida: A marca, para além de indicar, em grande parte dos casos, que os produtos ou serviços provêm sempre de uma empresa ou de uma empresa sucessiva que tenha elementos consideráveis de continuidade com a primeira (no caso da transmissão desvinculada) ou ainda que mantenha com ela relações actuais de natureza contratual e econômica (nas hipóteses da licença de marca registrada usada ou de marca de grupo, respectivamente) também indica, sempre, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ônus pelo seu uso não enganoso. Ou seja: a função distintiva, no seu sentido amplo de proveniência, ainda pode revelar-se válida quando a marca seja um sinal distintivo concreto (efectivo) de produtos ou serviços, mas deixa de o ser quando a marca seja mais um sinal distintivo abstracto (potencial) de produtos ou serviços.”. CERQUEIRA (1946: 348/349), ao tratar das funções das marcas, entende que acima da função distintiva estaria sua função identificadora. Nas suas palavras, “As marcas, assumem, assim, tôda a sua fôrça de expressão: marcam, efetivamente, o produto, que passa a ser um produto diferente, na multidão dos produtos congêneres. A marca individualiza o produto, identifica-o, distingue-o dos outros similares, não pela sua origem, mas pelo próprio emblema ou pela denominação que a constitui. É, pois, um sinal de identificação, cuja função econômica é importantíssima. (...) 12 GONÇALVES (1999: 139) identifica três noções distintas na doutrina para a função distintiva da marca, as quais ele divide em noção clássica, moderada ou reformista, e noção inovadora. 18 Esta função identificadora das marcas, que já assinalávamos há 12 anos passados, assume hoje em dia importância cada vez maior, em virtude dos modernos métodos de publicidade, que se baseiam na denominação do produto e não mais no nome do produtor. (...) Pode-se dizer, pois, que, antigamente, a marca distinguia os produtos, indicando-lhes a origem. Hoje distingue-os, identificando-os, dando-lhes individualidade própria.”. Não há dúvida, contudo, que ao atribuir à marca a função identificadora, necessariamente está se atribuindo à marca uma função distintiva. A função distintiva da marca, portanto, é pacífica na doutrina como indispensável para sua caracterização, independentemente da doutrina adotada. 1.3.2 – Função de indicação de origem Além da função distintiva, exerce a marca função de indicação de origem, isto é, indicação de sua procedência. Diferentemente da função distintiva, a função de indicação de origem ou de procedência pode ser exercida pela marca, não se tratando, portanto, de função essencial. Na doutrina, referida função é identificada especialmente nos trabalhos mais clássicos, visto que, atualmente, a função de indicação de origem não se faz tão presente em uma economia altamente globalizada. Na primeira regulamentação brasileira do uso de marcas, por exemplo, impunham-se restrições à transferência do direito sobre a marca, uma vez que a função de sua indicação de origem era tida como função essencial da marca13. Entretanto, a exportação dos processos produtivos pelas empresas, e principalmente a terceirização desses processos pelas grandes companhias faz com que a função de indicação de origem das marcas perca um pouco do seu 13 Decreto nº 3.346, de 14 de outubro de 1887, artigo 13 e Decreto nº 9.828, de 31 de dezembro de 1887, artigo 7º. 19 significado. Não é de se esperar de um consumidor médio que ele saiba identificar, através de uma marca, qual a empresa que produz determinado bem, e em qual país ele é produzido. Além disso, a possibilidade de transferência da marca entre as empresas – o que ocorre freqüentemente no mercado -, faz com que a procedência dos bens identificados pela marca seja constantemente alterada. Portanto, um produto que hoje é produzido em determinado país e por determinada empresa pode ter sido produzido por empresa e em país completamente distintos há poucos anos atrás, e mesmo assim, ser identificado pela mesma marca. O consumidor, por outro lado, raramente se interessa em obter dados sobre o fabricante do produto, ou sobre o local onde ele é produzido. Assim, OLIVEIRA (2004: 04) bem pondera que “a função de indicar a proveniência de um produto não significa, necessariamente, a possibilidade de se identificar a denominação do produtor, o que, aliás, muitas vezes é indiferente para o consumidor.”. MATHÉLY (1994: 11), quanto ao tema, também afasta a função identificadora da origem das marcas. Como expõe, “Il est bien évident que la marque n‟identifie pás l‟object q‟uelle designe, em le définissant dans ce qu‟il est. En raison de sa nature, et en raison du fait qu'elle est apposée sur l'object désigné par la personne d'où proviet cet objet, la marque, par la force des choses, identifie l'objet couvert pat l'indication de sa provenance ou de son origine. Certes, il est bien clair que la marque ne détermine pas cette origine. Elle ne révèle pas l'identité de la personne qui fabrique ou vend l'objet désigné. Elle ne révèle pas non plus le lieu d'établissement de cette personne. 20 Mais elle fournit l'assurance que les objets désignés ont la même origine. C'est à cela que le public reconnaît l'objet marqué.”. Como bem coloca MORO (2003: 40), assim, atualmente a função de indicação de origem pode ser traduzida como uma função de indicação do responsável pela fabricação do produto. Tal entendimento mostra-se mais coerente em uma economia altamente globalizada como a atual, e parece ser o único que ainda se sustenta. 1.3.3 – Função econômica Quanto à função econômica exercida pelas marcas, ao contrário do que ocorre com a função de indicação de origem, parece-nos que na atualidade referida função adquiriu maior relevância do que quando primeiramente identificada pela doutrina. FERREIRA (1962: 267/269) trata da função econômica da marca sob a ótica do empresário e sob a ótica do consumidor. Ressalta, assim, que para o titular da marca, esta seria uma garantia na medida em que identifica no mercado quais os bens produzidos por ele. Essa identificação asseguraria o empresário “da intensidade e da largueza de sua penetração no campo de consumo.”. Do prisma do consumidor, a marca operaria como indicativa da origem do produto, servindo, pois, de garantia no momento da compra. A função econômica da marca, assim, estaria no estimulo econômico que ela representa tanto para o empresário quanto para o consumidor. CERQUEIRA (1946: 349) remete-se à Carvalho de Mendonça para tratar da função econômica das marcas. MENDONÇA (1955: 217), por sua vez, reconhece que as marcas “assumem valiosa função econômica garantindo o trabalho e o esforço humano, representando fator de tráfego e tornando-se elemento de êxito e de segurança às transações.”. 21 Atualmente, contudo, observa-se que a função econômica da marca vai além do vislumbrado pela doutrina no passado. Os altos investimentos na promoção da marca constantemente fazem com que elas sejam o maior identificador não só dos produtos e serviços por elas assinalados, mas das empresas por detrás delas. Assim, é comum que as marcas se tornem o maior ativo econômico das empresas, representando um forte poder atrativo para investidores de todo o mundo. A marca, portanto, assume papel essencial na captação de recursos e na abertura de novos mercados. 1.3.4 – Outras funções A doutrina reconhece, ainda, outras funções que podem ser exercidas pela marca. Neste item, trataremos de duas funções comumente citada pela doutrina: a função de indicação de qualidade das marcas, e a função publicitária. A função de indicação de qualidade, muitas vezes tratada como função de garantia ao consumidor, diz respeito à função exercida pela marca de transmitir ao consumidor determinadas características relativas ao produto por ela assinalado. Tal função, contudo, parece-nos tratar-se de função meramente fática, não possuindo, no direito pátrio, nenhum amparo legal. É certo que ao investir em uma marca, o empresário busca cativar o mercado consumidor, e conquistar a maior clientela possível. Para tanto, o consumidor precisa associar determinada marca a características do produto ou serviço por ela assinalado, como sua qualidade. Assim, é de interesse do empresário que a qualidade de seu produto ou serviço não se altere, de modo que sua clientela seja sempre atraída pelas mesmas características do produto ou serviço que a agradaram no passado. 22 Portanto, a marca passa a exercer, neste caso, a função de indicação de qualidade do produto, neste sentido podendo ser interpretada por uma qualidade boa ou ruim, dependendo do gosto do consumidor. OLIVEIRA (2004: 05), contudo, entende ser impróprio, do ponto de vista jurídico, atribuir à marca qualquer função de garantia, na medida em que nada impede que o titular da marca altere as características do produto ou serviço por ela assinalado. MORO (2003: 43), por fim, destaca as marcas de certificação14 (tratadas no item 1.5.3.2), as quais têm a função exclusiva de garantir a qualidade de um produto ou serviço, nos termos em que são registradas. Referidas marcas, portanto, devem exercer a função de indicação de qualidade, na medida em que foram concebidas exatamente para este fim. Quanto à função publicitária ou atrativa das marcas, FERREIRA (1962: 267/268) a descreve bem ao afirmar que “[o] proprietário efetua a propaganda de seus artigos, assim por sua originalidade, quanto por efeito de sua publicidade. Campanha publicitária bem orientada e melhor executada é de eficácia incontestável. O que se anuncia é a marca; mas o que se vende é o produto. Raridade não é, todavia, que os papéis se invertam. Ao cabo de propaganda persistente e que os consumidores passem a comprar os produtos por causa de suas marcas, tanto prestígio elas adquirem.”. A publicidade, portanto, tem importância não só na promoção da marca, mas principalmente na construção de sua identidade. A publicidade pode agregar às marcas valores não necessariamente intrínsecos aos produtos ou serviços por elas assinalados, podendo atribuir às marcas maior atratividade. Não há dúvida, ainda, que a publicidade é um importante fator na conquista de clientela, na medida em que apresenta aos consumidores novas marcas lançadas no mercado, ao mesmo tempo em que relembra os consumidores das 14 LPI, artigo 123, inciso II. 23 marcas já existentes. Como conclui MORO (2003: 45), “Ao final verifica-se uma relação de interdependência entre publicidade e marca. Se, de um lado, a marca se desenvolve pela publicidade, de outro, é ela instrumento indispensável à mesma publicidade.”. 1.4 – Princípios relativos às marcas Os princípios relativos às marcas, em geral, visam delimitar o âmbito de proteção do direito conferido às marcas (MORO, 2003: 63). Como se verificou, a função primária das marcas é distinguir os produtos e serviços por elas assinalados dos demais existentes no mercado. Assim, a proteção legal conferida ao titular de marca registrada não é absoluta, e visa apenas proteger o titular da marca de seus concorrentes. Os principais princípios relativos às marcas tratados pela doutrina são o princípio da territorialidade, consagrado no artigo 129 da LPI, e o princípio da especialidade. A doutrina vislumbra ainda, um terceiro “princípio” que seria inerente à marca: o princípio da novidade da marca. Embora referido princípio se confunda com uma condição de validade da marca, ele será tratado no item 1.4.3 deste Capítulo em respeito ao posicionamento doutrinário encontrado. 1.4.1 – Princípio da territorialidade O princípio da territorialidade decorre da própria noção de soberania do Estado, e prevê que a proteção conferida pelo Estado não transcende os limites territoriais do país. Assim, nos termos do princípio da territorialidade, uma vez registrada a marca, a ela é conferida proteção nos limites do território nacional. 24 GUSMÃO (1996: 51) esclarece que o princípio da territorialidade deriva do princípio maior da territorialidade das leis, “segundo o qual as leis de determinado Estado são aplicáveis única e exclusivamente no território daquele Estado.”. A LPI, assim, prevê o princípio da territorialidade em seu artigo 129 ao assegurar ao titular da marca registrada seu uso exclusivo em todo o território nacional. MORO (2003: 65) bem coloca a questão do uso da marca no território nacional. Como salienta, é indiferente nos termos da lei que uma marca registrada no país seja utilizada apenas em uma cidade, estado, ou em todo o país. O âmbito de proteção da marca é nacional, podendo seu titular, se assim quiser, utilizá-la por todo o país ou em apenas uma região. Assim, uma vez registrada a marca perante o INPI, não importa em que região está localizado seu titular, nem qual a extensão do uso de sua marca dentro do país. O registro validamente concedido garante proteção no âmbito nacional. No mesmo sentido, o titular de marca estrangeira deve efetuar seu registro no país a fim de garantir sua proteção também no território nacional. Logo, não importa que a empresa estrangeira não possua sede no país, nem mesmo que sua marca seja registrada em dezenas de países: apenas o registro nacional lhe garantirá proteção exclusiva no território nacional. A LPI15, contudo, em conformidade com a própria CUP16, prevê uma exceção ao princípio da territorialidade: a proteção conferida à marca notoriamente conhecida. Como esclarece o texto das Diretrizes Provisórias de Análise de Marcas17 (item 1.1.7.1), ao tratar da regra contida na CUP, 15 LPI, artigo 126. 16 CUP, artigo 6 bis (I). 17 Instituída pela Resolução nº 051/97, de maio de 1997. Com relação à referidas Diretrizes, é importante esclarecer que foram elas instituídas para assegurar aos usuários do sistema marcário, e aos examinadores, estabilidade quanto à interpretação das normas e dos princípios de Propriedade Industrial relativos às 25 “Por essa regra unionista, o Brasil compromete-se, na qualidade de signatário da Convenção, a recusar ou invalidar registro de sinal que constitua usurpação de marca regularmente protegida, via depósito ou registro, em outro país membro da Convenção, quando esta for independentemente notoriamente de estar conhecida previamente no depositada País, ou registrada no Brasil (art. 126 da LPI).”. Nos termos da LPI, portanto, o INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite marca notoriamente conhecida18. No mesmo sentido, o titular de marca estrangeira notoriamente conhecida poderá se opor ao registro de marca no país que reproduza ou imite sua marca, independentemente de ter depositado, no país, pedido de registro para sua marca. Referida exceção, como se verifica, decorre da notoriedade da marca, e se justifica pelo risco existente que um terceiro venha a registrar no país marca estrangeira notoriamente conhecida, para assinalar os mesmos bens ou serviços assinalados pela marca notoriamente conhecida em seu país de origem. 1.4.2 – Princípio da especialidade O princípio da especialidade é aquele segundo o qual as marcas têm proteção delimitada aos produtos ou serviços iguais ou semelhantes (GUSMÃO, 1996: 50). Segundo referido princípio, portanto, o direito de exclusividade ao uso marcas. Contudo, quando instituída, determinou-se que elas fossem revistas no prazo de três meses, para sua adequação integral à LPI. Referida revisão nunca ocorreu e as Diretrizes “provisórias” até hoje são utilizadas, como se permanentes fossem. Discute-se, contudo, se referidas Diretrizes não estariam revogadas, uma vez que já ultrapassado o prazo previsto para sua revisão. Sem adentrar ao mérito da questão, referidas Diretrizes ainda se mostram relevantes não apenas para orientar os usuários do sistema marcário e examinadores, mas por trazer conteúdo informativo de questões previstas pela LPI, mas por ela não esclarecidas. 18 LPI, artigo 126, parágrafo 2º. 26 de determinada marca garantido pelo seu registro limita-se aos bens ou serviços idênticos, semelhantes ou afins àqueles que a marca assinala. É importante esclarecer que o sistema de registro de marcas adota uma divisão dos produtos e serviços em classes, facilitando, assim, não apenas o registro das marcas, mas também a identificação de eventuais usurpadores de marcas de terceiros19. Quando do depósito de pedido de registro de marca perante o órgão competente, o titular do depósito deve indicar em qual classe pretende registrar a sua marca, e a disponibilidade de referida marca, portanto, será analisada, primeiramente, dentro da classe indicada em seu depósito. Referida análise, contudo, não deve estar limitada a apenas uma classe, mas ao ramo de atividade no qual se insere a marca. A identificação da violação de uma marca por outra, com base no princípio da especialidade, mostra-se cada vez mais complexa. A diversificação dos bens e serviços oferecidos por uma mesma empresa faz com que uma mesma marca seja passível de registro pelo mesmo titular em diversas classes distintas. Uma famosa fabricante de roupas, por exemplo, pode também se dedicar à venda de óculos de sol, perfumes e maquiagens, produtos incluídos em classes distintas e que não necessariamente seriam consideradas “afins” a roupas. A proximidade, portanto, entre as classes de marcas e serviços é cada vez maior, o que deve ser levado em consideração pelo examinador dos órgãos de registro de marca quando da análise de anterioridades impeditivas ao registro de uma marca. Daí falar-se em proteção ao ramo de atividade, e não apenas a determinada classe marcária. Neste sentido, se manifestou CERQUEIRA (1946: 371): 19 A partir de janeiro de 2000, o Brasil passou a adotar a Classificação Internacional de Produtos e Serviços (Classificação de Nice), em substituição à antiga Classificação de Produtos e Serviços nacional, instituída pelo Ato Normativo 51, de 1981. A Classificação de Nice foi instituída por um Acordo concluído por ocasião da Conferência Diplomática de Nice, em 15 de junho de 1957, e revista em Estocolmo, em 1967, em Genebra, em 1977, e corrigida em 1979. Esta classificação, atualmente, é constituída por uma lista de 34 classes e por uma lista alfabética de produtos, e mais 11 classes e uma lista alfabética de serviços, totalizando, assim, 45 classes de produtos e serviços. 27 “O princípio da especialidade da marca, entretanto, não é absoluto, nem neste assunto podem firmar-se regras absolutas, pois se trata sempre de questões de fato, cujas circunstâncias não podem ser desatendidas quando se tem de decidir sobre a novidade das marcas e a possibilidade de confusão. Quando se trata de indústrias ou gêneros de comércio inteiramente diversos, a questão de coexistência de marcas idênticas ou semelhantes facilmente se resolve. Ninguém confundiria, por exemplo, uma peça de fazenda com uma garrafa de vinho, ou um automóvel com uma balança, não sendo induzido em êrro pelo fato de ser usada a mesma marca nesses produtos. Tratando-se, porém, de indústrias similares ou afins, surgem as primeiras dificuldades, exigindo-se maior exame e ponderação. Nesses casos, a marca empregada em uma indústria não deve ser admitida em outra, se não existir sensível diferença entre os respectivos produtos, levando-se ainda em conta a possibilidade de querer o titular da marca estender a sua indústria a outros ramos similares, caso em que ficaria impedido de empregar sua marca, se a outro concorrente fôsse lícito usá-la.” MORO (2003: 70), aliás, define bem a diferença existe entre “classe” e “ramo de atividade”: “[n]em sempre o ramo de atividade está contido em uma só classe, podendo ser mais abrangente que esta. E não necessariamente os produtos ou serviços elencados em uma classe pertencem a um mesmo ramo de atividade. Para o titular da marca, melhor é a proteção em seu ramo de atividade, pois é neste que ele poderá sofrer mais prejuízos se um terceiro registrar marca igual ou semelhante à sua, para assinalar produto igual ou afim.”. A LPI, em seu artigo 125, prevê como exceção ao princípio da especialidade a proteção conferida às marcas de alto renome, às quais “será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.”. Note-se que, assim como ocorre no princípio da territorialidade, a exceção do princípio da especialidade também decorre da notoriedade da marca, e 28 referida proteção se justifica pelo alto grau de notoriedade característico das marcas de alto renome. A marca Coca-Cola, por exemplo, é imediatamente identificada pelo consumidor como sendo a marca que identifica refrigerantes. Contudo, o alto grau de notoriedade da marca garante à The Coca-Cola Company, titular da marca Coca-Cola20, proteção à sua marca nos demais ramos de atividade. Neste caso, mais do que coibir eventual confusão entre os produtos e serviços assinalados pela marca de alto renome, busca-se, de um lado, evitar associações indevidas à marca, o que doutrinariamente se denomina aproveitamento parasitário, ao mesmo tempo em que se protege a marca de alto renome do risco de diluição. 1.4.3 – Princípio da novidade da marca LOUREIRO (1999: 230/231) propõe, ainda, o princípio da novidade da marca. Segundo o autor, “Para que um sinal seja suscetível de ser utilizado como marca ele deve estar disponível, ou seja, que um terceiro já não o tenha registrado como marca. Para que seja considerado novo, é suficiente que o sinal não tenha sido objeto de registro por parte de um concorrente do mesmo setor de atividade (princípio da especialidade).”. Afirma, assim, o autor, que as marcas de alto renome constituiriam uma exceção a referido princípio, na medida em que a elas a lei nacional assegura proteção especial em todos os ramos de atividade. CERQUEIRA (1946: 376), por sua vez, também disserta sobre o princípio da novidade da marca, afirmando que “A novidade exige-se em relação às marcas registradas no país, e, só excepcionalmente, em conseqüência e por fôrça dos tratados e convenções internacionais, em relação às marcas estrangeiras, satisfeitas certas condições.”. 20 Registro de marca nº 002.423.790. 29 Parece-nos, contudo, que a novidade relativa trazida por referidos autores como princípio marcário nada mais é do que condição de validade da marca. Assim, uma vez cumprida referida condição, juntamente com as demais previstas em lei, o registro de marca é concedido, não havendo que se falar em “princípio” marcário. 1.5 – Tipos de marcas As marcas registradas, tais como previstas no artigo 123 da LPI, apresentam-se de diversas formas. Nesse item, trataremos dos principais tipos de marcas registradas previstos pela doutrina e pela LPI. Trataremos, ainda, da marca notoriamente conhecida, que embora constitua hipótese de marca não registrada, merecerá destaque no Capítulo II do presente trabalho. 1.5.1 – Quanto à forma de apresentação Quanto à forma de apresentação, dispõe as Diretrizes Provisórias de Análise de Marcas que as marcas podem ser nominativas, figurativas, mistas e tridimensionais, as quais serão tratadas a seguir. 1.5.1.1 – Marcas nominativas As marcas nominativas são aquelas constituídas apenas por letras e números, sem qualquer estilização. São exemplos de marcas nominativas as marcas “COFAP”21, “752”22, “AASP”23, “BEIJINHO DOCE”24, dentre outras. 21 Registro de marca nº 003.431.169. 22 Registro de marca nº 007.156.790. 23 Registro de marca nº 006.030.858. 24 Registro de marca nº 820.773.140. 30 Referidas marcas, quando concedidas, têm sua proteção limitada à expressão ou conjunto numérico que a compõem, podendo ser representadas, portanto, sob estilizações diversas. 1.5.1.2 – Marcas figurativas As marcas figurativas, diferentemente, são aquelas constituídas exclusivamente de elementos gráficos, como desenhos. São exemplos de marcas figurativas: 25 26 Referidas marcas, quando concedidas, são protegidas apenas quanto ao seu elemento figurativo, o qual deve ser utilizado exatamente como concedido, sob pena de descaracterizar a marca registrada 27. 1.5.1.3 – Marcas mistas As marcas mistas, como a própria denominação informa, são aquelas compostas tanto por elementos nominativos quanto elementos figurativos, ou 25 26 27 Registro de marca nº 006.192.424. Registro de marca nº 811.058.948. Alguns doutrinadores defendem, contudo, a proteção in genere da marca figurativa, isto é, que o registro de determinada figura como marca daria ao titular da marca o direito de uso exclusivo do gênero da imagem. OLIVEIRA (1998: 39), após ponderar referido entendimento, entende que a proteção in genere não se justifica por si só, devendo ser constatada semelhança intelectual capaz de criar risco de confusão entre as imagens. 31 apenas de elementos nominativos representados de forma estilizada. São exemplos de marcas mistas: 28 29 Quando concedidas, referidas marcas devem ser utilizadas tal como concedidas – mesma estilização e todos os elementos no conjunto -, sob pena de serem descaracterizadas como marcas. 1.5.1.4 – Marcas tridimensionais Por fim, as marcas tridimensionais são aquelas compostas por desenhos elaborados em três dimensões, como se verifica nos exemplos a seguir: 30 31 Referidas marcas podem ser constituídas de outros elementos, tanto figurativos quanto nominativos, devendo também ser utilizadas tal como concedidas sob pena de descaracterizar a marca. 28 Registro de marca nº 816.443.718. 29 Registro de marca nº 824.349.610. 30 Registro de marca nº 825.661.340. 31 Registro de marca nº 200.037.056. 32 1.5.2 – Quanto à origem Quanto à origem, as marcas podem ser nacionais ou estrangeiras. 1.5.2.1 – Marcas nacionais As Diretrizes Provisórias de Análise de Marcas dispõem que as marcas nacionais – ou marcas brasileiras -, são aquelas depositadas no Brasil por pessoas domiciliadas no país. Em outras palavras, marcas nacionais são aquelas registradas por entes brasileiros no próprio país de origem. 1.5.2.2 – Marcas estrangeiras As marcas estrangeiras, por sua vez, são aquelas depositadas no país por pessoa não domiciliada no Brasil, ou, ainda, são aquelas que, depositadas em país vinculado a acordo ou tratado do qual o Brasil faça parte, ou em organização internacional, são também depositadas no território nacional no prazo estipulado no respectivo acordo ou tratado, e cujo deposito no país contenha reivindicação de prioridade em relação à data do primeiro pedido. Referida definição, como se verifica, engloba especialmente as marcas previstas no artigo 12732 da LPI, às quais é permitido reivindicar prioridade no registro, nos termos da lei referida. 32 “Art. 127. Ao pedido de registro de marca depositado em país que mantenha acordo com o Brasil ou em organização internacional, que produza efeito de depósito nacional, será assegurado direito de prioridade, nos prazos estabelecidos no acordo, não sendo o depósito invalidado nem prejudicado por fatos ocorridos nesses prazos. § 1º A reivindicação da prioridade será feita no ato de depósito, podendo ser suplementada dentro de 60 (sessenta) dias, por outras prioridades anteriores à data do depósito no Brasil. § 2º A reivindicação da prioridade será comprovada por documento hábil da origem, contendo o número, a data e a reprodução do pedido ou do registro, acompanhado de tradução simples, cujo teor será de inteira responsabilidade do depositante. § 3º Se não efetuada por ocasião do depósito, a comprovação deverá ocorrer em até 4 (quatro) meses, contados do depósito, sob pena de perda da prioridade. 33 1.5.3 – Quanto à destinação A LPI, em seu artigo 123, distingue as marcas quanto à destinação ou finalidade do uso, dispondo que as marcas podem ser de produto ou serviço, de certificação, ou coletivas, as quais serão tratadas a seguir. 1.5.3.1 – Marcas de produtos ou serviços As marcas de produto ou serviço, como dispõe o inciso I do artigo 123 da LPI, são aquelas utilizadas para distinguir um produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa. As marcas de produtos ou serviços são as comumente encontradas nos mercado. 1.5.3.2 – Marcas de certificação As marcas de certificação, previstas no inciso II do artigo 123 da LPI, são aquelas que se destinam a atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, matéria utilizada e metodologia empregada. São exemplos de marca de certificação: § 4º Tratando-se de prioridade obtida por cessão, o documento correspondente deverá ser apresentado junto com o próprio documento de prioridade.”. 34 33 34 Como pondera CERQUEIRA (1946: 386), contudo, “não se pode reconhecer nessas marcas o caráter de verdadeiras marcas de fábrica ou de comércio, tendo-se em vista o conceito destas e a sua função primordial de assinalar e distinguir os produtos em relação ao seu fabricante ou vendedor.” O uso das marcas de certificação independe de licença, conforme prevê o artigo 150 da LPI, “bastando sua autorização no regulamento de utilização.”. 1.5.3.3 – Marcas coletivas As marcas coletivas, por sua vez, estão previstas no inciso III do artigo 123 da LPI, e são aquelas utilizadas para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade associativa, como as cooperativas ou organizações não governamentais, por exemplo. Um bom exemplo de marca coletiva é a marca “UNIMED”35·, que visa assinalar serviços médicos prestados por médicos de uma determinada cooperativa. Ressalte-se que, assim como ocorre com as marcas de certificação, o uso das marcas coletivas independe de licença, bastando sua autorização no regulamento de utilização36. 33 Registro de marca no 821.105.124. Ressalte-se que esta marca consta na base de dados do INPI como sendo marca de serviço porque seu registro foi requerido anteriormente à vigência da LPI, que institui a classificação de marca de certificação, mas serve perfeitamente para o exemplo. 34 Registro de marca no 820.425.923. Registro de marca nº 760.283.494. 36 LPI, artigo 150. 35 35 1.5.4 – Quanto ao grau de distintividade Por fim, quanto ao grau de distintividade, as marcas são divididas pela doutrina entre marcas de alto renome e marcas notoriamente conhecidas. Neste item, contudo, apenas introduziremos referidos tipos de marca, uma vez que o Capítulo II do presente trabalho será exclusivamente dedicado a esses tipos de marca. 1.5.4.1 – Marcas de alto renome Marcas de alto renome são marcas registradas amplamente conhecidas e identificadas pelo público consumidor, nele incluído não apenas o público consumidor específico da marca, mas o mercado consumidor como um todo. Referidas marcas assinalam produtos de qualidade e, por serem imediatamente reconhecidas pelo consumidor, merecem proteção especial, nos termos da lei. A LPI37, neste sentido, prevê proteção especial às marcas consideradas de alto renome, garantindo-lhes proteção em todos os ramos de atividade. Referida proteção especial, portanto, como se verá, constitui verdade exceção ao princípio da especialidade das marcas, este já definido no item 1.4.2. 1.5.4.2 – Marcas notoriamente conhecidas De todos os tipos de marca definidos até aqui, as marcas notoriamente conhecidas são as únicas não registradas. Trata-se de marcas muito conhecidas no ramo em que estão inseridas e, por este motivo, são freqüentemente utilizadas indevidamente por terceiros na identificação de produtos idênticos ou afins aos assinalados pela marca notoriamente conhecida. 37 LPI, artigo 125. “À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade”. 36 Como se verá no Capítulo II, A LPI38, assim como a CUP39, garantem proteção especial às marcas notoriamente conhecidas dentro de seu ramo de atividade, independentemente de registro no país. Trata-se, como se verá, de exceção ao princípio da territorialidade, tal como definido no item 1.4.1 supra. 1.6 – Sistemas de aquisição de direitos sobre as marcas A doutrina tradicional reconhece dois sistemas de aquisição de direitos sobre a marca. A principal diferença entre esses dois sistemas, como se verá está na forma em que o direito sobre a marca é adquirido e, conseqüentemente, nos efeitos do registro da marca para a aquisição desta. MENDONÇA (1955: 323) propõe, ainda, um sistema intermediário, também tratado por FERREIRA (1962: 355/357) e, posteriormente, por MORO (2003: 54), quando da análise do sistema brasileiro de aquisição de direitos sobre a marca. Referido sistema será devidamente abordado no item 1.6.3. 38 “Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil. § 1º A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço. § 2º O INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida.”. 39 “Art. 6o bis (1): Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do interessado e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa amparada pela presente Convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca notoriamente conhecida ou imitação suscetível de estabelecer confusão com esta.”. 37 1.6.1 – Sistema declarativo No sistema declarativo de direitos sobre a marca 40, é o primeiro uso da marca que garantirá a seu titular a propriedade sobre a marca. Logo, neste sistema, o registro da marca é meramente declarativo, uma vez que apenas declara a propriedade da marca ao seu titular. Esclarece CERQUEIRA (2010: 63), contudo, que o direito de propriedade adquirido pelo uso, nesse sistema, não é absoluto. Como coloca, “[a] lei reconhece, em certos limites, o direito fundado no uso da marca, exigindo o registro para que o seu titular possa gozar das suas garantias especiais.”. Para MENDONÇA (1955: 324), referido sistema seria o mais justo, pois evitaria “espoliações injustas, por especuladores desalmados, ávidos em se locupletarem com o alheio. Respeita o direito do criador da marca.”. Muitas críticas são traçadas pela doutrina a respeito de referido sistema de marca. A principal delas seria a insegurança que referido sistema representa para os titulares das marcas, os quais dificilmente terão conhecimento de todas as marcas adotadas em um determinado ramo de atividade, dificultando, pois, a escolha da marca que se pretende adotar. 1.6.2 – Sistema atributivo No sistema atributivo de direitos41, ao contrário do sistema declarativo, a propriedade da marca adquire-se pelo registro de marca validamente concedido. Logo, para adquirir direitos sobre a marca, deve o titular submeter seu pedido de registro de marca a uma análise de mérito perante os órgãos competentes e, somente o registro atribuirá os direitos de propriedade. 40 Referido sistema é adotado, geralmente, pelos países de common-law, como é o caso dos Estados Unidos da América. 41 Referido sistema é adotado, geralmente, pelos países de civil-law, como é o caso da França. 38 A vantagem oferecida por referido sistema seria a “da exatidão do regime das marcas, evitando as questões sôbre posse ou uso, facilitando a prova da data certa da propriedade e igualando a proteção internacional à nacional.” (MENDONÇA, 1655: 324). CERQUEIRA (2010: 66), contudo, assevera que “[o] sistema do registro atributivo pode, algumas vezes, prejudicar o comerciante negligente, que descura de seus interesses.”. Entretanto, entendemos que o sistema atributivo é o único capaz de dar garantias ao empresário de que sua marca é única em seu ramo de atividade. Apesar da evolução dos meios de comunicação, a existência de um órgão central, responsável pelas concessões de registro de marca, é de extrema importância na busca prévia das marcas já existentes no mercado. Além disso, como referido sistema exige o registro da marca, ele também prevê a necessidade de uma análise de mérito, por órgãos especializados, acerca da registrabilidade ou não das expressões e sinais levados a registro. Há, portanto, uma garantia de que apenas sinais distintivos, lícitos e disponíveis, nos termos da lei, serão efetivamente registrados como marca. 1.6.3 – Sistema misto Como já introduzido, a existência de um sistema misto de aquisição de direitos sobre a marca é proposto por MENDONÇA (1955: 323), e tratado por FERREIRA (1962: 355/357) e MORO (2003: 54), sendo na opinião desta autora, o sistema adotado pela legislação brasileira. MENDONÇA (1955: 323), ao analisar referido sistema, esclarece que ele “reconhece no registro efeito declarativo somente durante certo período de tempo; decorrido, porém, êste prazo, não havendo oposição de terceiro, considera-se a marca definitivamente de uso exclusivo daquele que a registrou e depositou, sem 39 que se lhe possa excepcionar com o uso anterior de outrem.”. Assim, em sua opinião, referido sistema “combina com felicidade os extremos dos outros, estabelecendo brevíssimo prazo a contar do registro, para o preutente usar o seu direito de reivindicação. Findo o prazo, sem reclamação, o registro a princípio declarativo, torna-se atributivo da propriedade.” (MENDONÇA, 1955: 324). O sistema misto, como informa o próprio nome, possui características tanto do sistema declarativo como do sistema atributivo de direitos. Mas como ressalta MORO (2003: 54), “Na prática, verifica-se a predominância de um ou outro sistema puro, o que não prejudica a divisão teórica mencionada.”. De fato, ante o disposto no artigo 129 caput da LPI42, no Brasil o sistema de aquisição seria, a priori, atributivo, uma vez que apenas o registro validamente expedido confere propriedade sobre a marca. A LPI, contudo, no parágrafo primeiro do artigo referido, prevê o denominado direito de precedência, o qual garante ao usuário de boa-fé de marca não registrada precedência no seu registro. Assim, bastaria o uso anterior no país, por seis meses, de expressão levada a registro por terceiro, para que o usuário tivesse direito sobre a marca. Parece-nos, contudo, que a exceção contida no parágrafo primeiro do artigo 129 apenas confere ao usuário da marca direito de precedência no registro daquela. Logo, o mero uso da marca, neste caso, não confere ao seu titular direito de propriedade, o qual só lhe será atribuído se sua marca for efetivamente concedida após o tramite administrativo no órgão competente. Assim, o sistema misto proposto pelos autores, no nosso entender, não se aplica ao sistema brasileiro, no qual apenas o registro validamente concedido atribuirá a propriedade da marca ao seu titular. 42 LPI, artigo 129: “A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148. § 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro. § 2º O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento.”. 40 1.7 – Condições necessárias para registrabilidade da marca Como já se verificou (item 1.6.3), no Brasil, a propriedade da marca só se adquire pelo registro validamente expedido. Assim, tratar das condições de validade da marca é também tratar das condições necessárias para a registrabilidade da marca. Para COELHO (2004: 158) o registro da marca está sujeito a três condições: a novidade relativa, a não-colidência com marca notória, e o desimpedimento. O autor inova na doutrina ao trazer a “não colidência com marca notória” como condição necessária para o registro da marca. Segundo o autor, “Seu fundamento legal se encontra no art. 126 da LPI, que atribui ao INPI poderes para indeferir de ofício pedido de registro de marca, que reproduza ou imite, ainda que de forma parcial, uma outra marca, que notoriamente não pertence ao solicitante. (...) O principal objetivo do segundo requisito da registrabilidade é a repressão à contrafação de marcas (a chamada pirataria). Essa prática ilícita consiste em requerer o registro de marcas ainda não exploradas pelos seus criadores no Brasil, mas já utilizadas noutros países. Quando o empresário, responsável pela criação e consolidação da marca no exterior, resolve expandir seus negócios para o mercado brasileiro, encontra-a registrada em nome de outra pessoa, em princípio o titular do direito de exclusividade. Demonstrada a notoriedade da marca, o empresário poderá requerer ao INPI a nulidade do registro anterior, bem como a concessão do direito industrial em seu nome.” (COELHO, 2004: 161/162). Quanto ao tema, CERQUEIRA (1946: 369) apresenta quatro requisitos que seriam necessários para que as marcas preencham os fins a que se destinam: (i) cunho distintivo; (ii) novidade; (iii) veracidade e (iv) caráter lícito. 41 Neste trabalho, optamos por classificar as condições necessárias para registro da marca de acordo com as características que o signo deve apresentar para constituir marca válida. Para ser registrado como marca, o signo deve ser distintivo43, lícito44 e encontrar-se disponível. 1.7.1 – Distintividade A distintividade como condição de registrabilidade da marca decorre do próprio artigo 122 da LPI, que dispõe ser suscetível de registro como marca “os sinais distintivos...”. CERQUEIRA (1946: 369) define bem a distintividade como condição de validade da marca, abordando seu duplo aspecto: “Destinando-se a distinguir produtos idênticos ou semelhantes, a marca não pode deixar de ser distinta, sob duplo aspecto: ser característica em si mesma, possuir cunho próprio, na expressão de Ouro Preto, e distinguir-se das outras marcas já empregadas. Os autores belgas costumam exprimir a mesma idéia, dizendo que a marca deve ser subjetiva e objetivamente distintiva.”. Neste mesmo sentido se manifestou RICCI (2006: 192), afirmando ser necessário levar em consideração tanto a distintividade intrínseca quanto a extrínseca do sinal a fim de se estabelecer seu grau de proteção em relação ao seu caráter distintivo. Como esclareceu, “(i) a distintividade intrínseca do sinal, i. e., quando analisado em si mesmo, no seu sentido semântico primário e usual, aferindo se o mesmo guarda relação direta ou indireta com os produtos ou serviços. Para tanto deverão ser levadas em consideração as 43 LPI, artigo 122. 44 Previsão no mesmo artigo anterior. 42 peculiaridades lingüísticas, filosóficas e culturais do país no qual a norma terá aplicação. (ii) distintividade extrínseca (externa) do sinal em relação ao mercado e ao próprio e peculiar público consumidor do produto ou do serviço, levando em consideração, inclusive, a realidade e as peculiaridades de fato do mercado ou do país onde a norma será aplicável, aferindo se o sinal tem reflexos e interferência no campo econômico, na concorrência entre competidores, na percepção e na proteção do público consumidor.”. Para GUERRA (1996: 87), a noção de sinal distintivo teria relação direta com os produtos ou serviços que o sinal visa assinalar. Esclarece o autor que um sinal não distintivo em certa indústria pode ser em outra, logo, a distintividade deve ser analisada à luz do princípio da especialidade. Como amplamente tratado nos itens 1.1 e 1.3.1, a distintividade é função primária das marcas, sendo completamente incoerente que se registre como marca sinal incapaz de distinguir um produto ou serviço dos demais existentes do mercado. Um sinal carente de distintividade utilizado como marca seria ineficaz, inútil, e, portanto, completamente inconcebível. 1.7.2 - Licitude Para ser passível de registro, o sinal deve ser lícito, isto é, não deve ele se encontrar dentre as proibições legais. Na LPI, as vedações legais encontram-se expressamente previstas nos artigos 124 e 181. A ilicitude, neste caso, pode se dar em função de três aspectos: (i) ilicitude em função da ordem pública45; (ii) ilicitude em função da contrariedade do sinal à moral e aos bons costumes 46, e (iii) ilicitude em função do caráter enganoso do 45 LPI, artigo 124, incisos I, XI e XIV. 46 LPI, artigo 124, inciso III. 43 signo, que neste caso, pode se dar pela falsa indicação de proveniência 47, ou pela falsa indicação de qualidade ou de recompensa48. (MORO, 2003: 61). LOUREIRO (1999: 239/250) distingue os sinais que não podem ser adotados como marca em (i) marcas ilícitas 49; (ii) sinais que podem atentar contra a moral e os bons costumes ou contra a ordem pública 50; (iii) sinais que podem induzir a erro os consumidores no que se refere à origem, natureza ou qualidade dos produtos ou serviços, os quais denomina marcas fraudulentas 51; (iv) sinais desprovidos de capacidade distintiva52, e (v) sinais que violem direitos da personalidade ou outros direitos de propriedade intelectual. COELHO (2004: 161) trata da necessidade da licitude do sinal para sua registrabilidade como “requisito de desimpedimento” do signo. Aprofunda, assim, sua análise, referindo-se expressamente às vedações legais dispostas no artigo 124 da LPI. Quanto à ilicitude das marcas, pondera, ainda, CERQUEIRA (1946: 378): “Deve se distinguir, entretanto, a marca ilícita do uso ilícito de marcas válidas em si. Como observa Allart, a marca pode ser ilícita em si, como, por exemplo, quando se trata de sinais cujo uso, como marca, é vedado pelas leis. Mas pode dar-se no caso de ser lícita a marca, destinando-se, entretanto, a assinalar produtos cuja venda é interdita de modo absoluto ou reservada a certas pessoas.”. 47 LPI, artigo 181. 48 LPI, artigo 124, inciso VI. 49 LPI, artigo 124; Convenção Internacional de Genebra, artigo 23; CUP, artigo 6º ter; Tratado de Nairobi de 1981, quanto aos símbolos olímpicos. 50 LPI, artigo 124, inciso III. 51 LPI, artigo 124, incisos IV, V, VII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XIX, XXIII. 52 LPI, artigo 124, incisos VI, VIII, XVIII, XX, XXI. 44 Conclui-se, portanto, que para que um sinal seja passível de registro não basta que ele seja distintivo. É ainda necessário que ele não esteja entre os sinais expressamente vetados para registro como marca, isto é, que não seja ilícito. 1.7.3 - Disponibilidade A disponibilidade, como condição necessária para registrabilidade da marca, consiste “em não haver registro anterior daquele signo para produtos e serviços iguais ou afins, bem como não pode encontrar óbice, proibição em outro sinal distintivo protegido pela lei.” (MORO, 2003: 60). Assim, para ser disponível, o signo não deve ter sido levado a registro em determinada classe de produtos ou serviços por terceiros, nem ser objeto de proteção por outro instituto. Como bem define GUERRA (1996: 88), trata-se de requisito de direitos anteriores, que podem ser, por exemplo, direitos personalíssimos, direitos autorais, direitos aos nomes de empresas, direitos às indicações geográficas, e direitos de propriedade de marca anteriores. MORO (2009: 105/106), em obra mais recente, aprofunda-se quanto ao tema: “O preenchimento da condição de disponibilidade ou novidade relativa nada mais significa do que a constatação da nãoapropriação do sinal pretendido anteriormente por terceiro. Entenda-se não-apropriação do sinal previamente não só como marca, para assinalar produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, mas também a não apropriação anterior por terceiros de outros direitos protegidos por lei, tais como direitos de personalidade e de imagem, nomes empresariais, indicações geográficas, desenhos industriais e direitos autorais. Se, no momento do depósito do pedido de registro de marca, já existir alguma marca ou algum desses direitos mencionados de titularidade de terceiro, que possa dar ensejo a confusão, 45 entende-se que há anterioridade e que, portanto, o sinal não está disponível.” Como já se verificou, a proteção marcária, via de regra, é limitada a um determinado ramo de atividade, como conseqüência do princípio da especialidade das marcas (item 1.4.2). Assim, quando se fala em disponibilidade de um signo em relação às marcas anteriormente registradas, esta deve ser analisada principalmente dentro do ramo de atividade no qual se busca registrar a marca. Parece-nos, assim, que a disponibilidade, em parte, muito se assemelha à condição de novidade relativa tratada pela doutrina. Em ambos os casos, o que também se sustenta é que para que um signo seja registrado como marca, não pode ele já ter sido levado a registro por terceiros para assinalar produtos e serviços do mesmo ramo. Sobre a nomenclatura adotada, MORO (2009: 106) esclarece: “Apesar de novidade relativa e disponibilidade terem igual significação, acredita-se que o termo „disponibilidade‟ é mais claro do que a expressão „novidade relativa‟, uma vez que no contexto marcário aquela exige menos esforço interpretativo do que esta. Em outras palavras, a explicação da composição „novidade relativa‟ é muito mais complexa que a do termo „disponibilidade‟.” Quanto à novidade relativa, sintetiza MENDONÇA (1955: 264/265): “A marca de indústria ou de comércio, para corresponder ao seu fundamental escopo, deve ser distintiva, evitando a confusão dos produtos ou mercadorias similares (...). Os escritores exprimem essa idéia dizendo que a marca deve ter o caráter da novidade. (...) Entenda-se aqui a novidade no sentido relativo, excluída a idéia de invenção ou criação original dos sinais que entram para a 46 composição das marcas. Êsses sinais podem ser vulgaríssimos, achando-se no domínio comum ou público.”. Sobre este requisito, também se manifesta CERQUEIRA (1946: 369/370): “Êste requisito, entretanto, não deve ser entendido de modo absoluto: a novidade da marca é relativa, bastando para considerar-se nova, que a marca não seja ainda usada para assinalar produtos idênticos ou semelhantes. (...) Nada impede também que a marca seja idêntica ou semelhante a outra já usada para distinguir produtos diferentes ou empregada em outro gênero de comércio ou indústria. É neste caso que o princípio da especialidade da marca tem sua maior aplicação, abrandando a regra relativa a novidade. A marca deve ser nova, diferente das já existentes, mas tratando-se de produtos ou indústrias diversas, não importa que ela seja idêntica ou semelhante a outra em uso.”. COELHO (2004: 158), por fim, ao dispor sobre a novidade relativa, esclarece que “não é exigida a novidade absoluta para a concessão do registro. Não é necessário que o requerente tenha criado o sinal, em sua expressão lingüística, mas que lhe dê, ou ao signo não lingüístico escolhido, uma nova utilização.”. 1.8 – Proteção conferida pelo registro marcário Como já se verificou (itens 1.6.2 e 1.6.3), no Brasil é o registro que confere ao depositário ou usuário da marca a propriedade sobre ela. Assim, o registro confere ao titular da marca direito de usar, gozar e dispor da marca adquirida. Conforme dispõe o artigo 129 da LPI, ao titular da marca é assegurado o direito de uso exclusivo da marca em todo território nacional. Assim, pode se 47 afirmar que a principal finalidade do registro de marca é garantir ao seu titular o direito de uso exclusivo da marca. Quanto ao direito de dispor da marca, a LPI assegura ao seu titular o direito de ceder e licenciar a marca registrada53. Note-se, quanto a este ponto, que a LPI confere o direito de dispor da marca até mesmo para os titulares de pedido de registro de marca, isto é, titulares de mera expectativa de direito. O artigo 130, inciso III da LPI, por sua vez, confere ao titular da marca – e ao titular de pedido de registro de marca – o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação. Tal direito permite que o titular ou depositário da marca se oponha, por exemplo, contra terceiros que usem suas marcas na promoção de eventos, ou ainda em propagandas comparativas. Ao tratar dos direitos conferidos pelo registro da marca, CERQUEIRA (2010: 120) aponta quatro direitos: (i) o direito de usar a marca para assinalar os produtos e serviços indicados em seu registro; (ii) o direito de usar dos meios legais para se opor a terceiros que empreguem marca idêntica ou semelhante para os mesmos fins, ou usem a marca legítima em bem ou serviço de outra procedência; (iii) o direito de anular registro para marca idêntica ou semelhante registrada por terceiro para assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, e (iv) o direito de dispor da marca registrada, através da transferência ou cessão. 1.8.1 – Limitação à proteção Como já se teve oportunidade de afirmar (item 1.4), a proteção conferida ao titular da marca não é absoluta, encontrando limites nos princípios da especialidade e territorialidade. 53 LPI, artigo. 130. “Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de: I - ceder seu registro ou pedido de registro; II - licenciar seu uso;”. 48 Além de referidos limites, encontra-se na LPI uma lista expressa de limitações à proteção conferida pelo registro de marca. São elas: “Art. 132. O titular da marca não poderá: I - impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização; II - impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência; III - impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68; e IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.”. Assim, apesar de o titular da marca possuir direito de uso exclusivo de sua marca, não pode ele, por exemplo, impedir que comerciantes identifiquem em seus estabelecimentos as marcas dos produtos ali comercializados. Outra limitação importante é aquela relativa aos fabricantes de acessórios, que até por uma questão de esclarecimento ao consumidor, costumam especificar as marcas dos produtos compatíveis com os acessórios por eles produzidos. Não podem os titulares das marcas, ainda, se opor à circulação de produtos identificados por suas marcas, salvo nas hipóteses expressas na lei, pois uma vez colocados no mercado, exaure o direto do titular da marca sobre eles. Por fim, quanto às obras cientificas ou literárias, também não pode o titular da marca se opor a trabalhos que façam menção às suas marcas, respeitado seu caráter distintivo. 49 Outra limitação que se coloca quanto ao registro de marca é seu caráter temporário. Como prevê a LPI54, o registro de marca vigora pelo prazo de dez anos, findo qual, caso não seja prorrogado, extingue-se55. A LPI56, aliás, prevê outras três hipóteses de extinção da marca: (i) pela renúncia; (ii) pela caducidade57, que ocorre quando o titular da marca não inicia seu uso no Brasil no prazo de cinco anos; quando interrompe referido uso pelo prazo de cinco anos, ou ainda quando faz uso da marca de forma distinta da qual foi concedida, e (iii) pela ausência de constituição ou de manutenção de procurador no país, por empresa estrangeira, com poderes para representá-la administrativa e judicialmente. 1.9 – Sinais não registráveis como marca devido à ausência de distintividade No item 1.1, ao definir o conceito de marca, concluímos ser sua principal característica a distintividade. Verificou-se também, no item 1.3.1, ser a função distintiva a principal função exercida pela marca. Por fim, no item 1.7.1, a distintividade foi tratada como condição de validade da marca. Há de se concluir, portanto, que um sinal carente de distintividade não pode ser registrado como marca. Não seria sequer coerente, aliás, adquirir exclusividade no uso de expressão que não distingue os produtos ou serviços por ela assinalados dos demais existentes no mercado. 54 LPI, artigo 133. “O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.”. 55 LPI, artigo 142. “O registro da marca extingue-se: I - pela expiração do prazo de vigência;”. 56 LPI, artigo 142. “O registro da marca extingue-se: (...) II - pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela marca; III - pela caducidade; ou IV - pela inobservância do disposto no art. 217.”. 57 LPI, artigo 143. “Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento: I - o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil; ou II - o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.”. 50 A legislação nacional, assim, em artigo que indica expressamente os sinais que não são passíveis de registro como marca58, dispõe, especialmente, não serem registráveis os sinais carentes de distintividade. Nos termos da LPI: “Art. 124. Não são registráveis como marca: (...) VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para 58 LPI, artigo 124. “Não são registráveis como marca: I - brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação; II - letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva; III - expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimento dignos de respeito e veneração; IV - designação ou sigla de entidade ou órgão público, quando não requerido o registro pela própria entidade ou órgão público; V reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos; VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva; VII - sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda; VIII - cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo; IX - indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar confusão ou sinal que possa falsamente induzir indicação geográfica; X - sinal que induza a falsa indicação quanto à origem, procedência, natureza, qualidade ou utilidade do produto ou serviço a que a marca se destina; XI - reprodução ou imitação de cunho oficial, regularmente adotada para garantia de padrão de qualquer gênero ou natureza; XII - reprodução ou imitação de sinal que tenha sido registrado como marca coletiva ou de certificação por terceiro, observado o disposto no art. 154; XIII - nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento; XIV - reprodução ou imitação de título, apólice, moeda e cédula da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios, ou de país; XV - nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores; XVI - pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores; XVII - obra literária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos pelo direito autoral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do autor ou titular; XVIII - termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir; XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia; XX - dualidade de marcas de um só titular para o mesmo produto ou serviço, salvo quando, no caso de marcas de mesma natureza, se revestirem de suficiente forma distintiva; XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico; XXII - objeto que estiver protegido por registro de desenho industrial de terceiro; e XXIII - sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia.”. 51 designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;”. O sinal de caráter genérico59 pode ser entendido como aquele comumente empregado para designar gênero, espécie, natureza, origem, nacionalidade, procedência, destino, peso, medida, valor e qualidade (SOARES, 2010: 196). FERREIRA (1962: 287), ao tratar dos sinais não registráveis como marca, define como genérica “[a] denominação designativa de certos e determinados produtos, por sua composição, qualidade ou interêsse. É a que se refere a certos gêneros de produtos ou mercadorias e por si só as indica. Também se tem como necessária, por empregada correntiamente pelo público ou pelo comércio, se não por um e outro. Dêsse modo, os produtos por ela se conhecem, e por ela se clamam no consenso e na voz de tôda gente.”. Note-se que, para referido autor, as marcas genéricas são também necessárias. Neste sentido, também se manifestou CERQUEIRA (1956: 34/35): “Denominações genéricas são as próprias denominações necessárias, usuais ou vulgares a que o Código se refere no parág. único do art. 93, permitindo o seu registro, desde que se revistam de forma distintiva. (...) São denominações relativas ao gênero do produto ou artigo e, por isso, não podem constituir objeto de direito exclusivo. Compreendem também as chamadas menções genéricas, que seguem a mesma regra. As „expressões empregadas comumente para designar gênero, espécie, natureza, origem, nacionalidade (sic), procedência, destino, peso, medida, valor, qualidade‟, outra coisa não são também que as 59 São exemplos de sinal de caráter genérico: genuíno, Brasil, americano, maravilhoso, ótimo, excelente, carioca etc. (SOARES, 2010: 196). 52 mesmas denominações genéricas, a que se refere o inciso, não se compreendendo, assim, o emprêgo da conjunção bem assim, como se tratasse de elementos diferentes. Aliás, usando expressões diversas para designar a mesma coisa, o Código incorre em grave êrro de técnica e dá lugar a dúvidas que não deveriam existir nesta matéria.”. MIRANDA (1983: 34), contudo, assevera: “E preciso não se confundam denominações genéricas e denominações necessárias. A denominação necessária pode não ser genérica: „Morro do Corcovado‟ é denominação necessária sem ser genérica. A denominação genérica não é proibida se verídica: pode-se introduzir a expressão „sapato‟ na marca de indústria ou de comércio, se é de sapato que se trata. No parágrafo único do art. 93 do Decreto-lei n. 7.903, falou-se de denominações necessárias, usuais ou vulgares, para se permitir o uso, se revestirem forma distintiva suficiente. No art. 95, inciso 5º, de denominações genéricas: a essas exige-se o mesmo, mais veracidade. Seria absurdo exigir-se veracidade a denominação necessária não-genérica.”. As Diretrizes Provisórias de Análise de Marcas 60, buscando orientar os examinadores e usuários do sistema marcário, definem o sinal de caráter genérico como “o termo ou expressão nominativa ou a sua representação gráfica que, sem ser de caráter necessário em relação ao produto ou serviço, ou indicativo de natureza, nacionalidade, peso, valor qualidade e época de produção ou de prestação de serviço, não pode individualizá-lo, sob pena de atentar contra o direito dos concorrentes;”. 60 Item 3.5.1.a. 53 O sinal necessário61, por sua vez, é aquele “que representa o verdadeiro nome do produto, está intrinsecamente ligada ao mesmo e é indispensável para identificá-lo.” (SOARES, 2010: 196). Para FERREIRA (1962: 287), “a denominação necessária é, em última análise, a única por via da qual a mercadoria se designa, agregando-se-lhe de modo a não se poder separar uma da outra.”. As Diretrizes Provisórias de Análise de Marcas 62, em caráter esclarecedor, definem sinal necessário como o “termo ou expressão nominativa ou o elemento figurativo indispensável para designar ou representar o produto, a mercadoria ou o serviço; ou, ainda, seus insumos;”. A proibição ao registro de sinal necessário se fundamenta no direito do empresário de se referir ao seu próprio produto pelo seu nome. O registro a título exclusivo, por exemplo, da palavra “refrigerante” para designar bebidas impediria que empresas como a The Coca-Cola Company fizesse qualquer referência ao seu produto Coca-Cola por meio de sua denominação. Neste sentido, também se manifesta LOUREIRO (1999: 243): “o monopólio do nome ou sinal genérico em benefício de um comerciante poderia gerar uma exclusividade inadmissível e injusta, além de prejudicial aos concorrentes, que não teriam como apresentar seus produtos.”. O sinal de caráter comum ou vulgar63, por sua vez, é aquele “que se incorporou à linguagem comum do povo, sem indicar, necessariamente, o produto, mas dando perfeita caracterização do mesmo. Mais se nos avizinha como sendo da gíria ou dito popular.” (SOARES, 2010: 197). Nas Diretrizes Provisórias de Análise de Análise de Marcas, o sinal de caráter comum ou vulgar é definido como “o termo ou expressão nominativa ou o elemento figurativo que, embora não corresponda ao nome ou à representação pelo qual o produto, a 61 São exemplos de sinais necessários: automóvel para assinalar veículos, bala para assinalar doces etc. 62 Item 3.5.1.b. 63 São exemplos de sinais de caráter vulgar: pinga para assinalar aguardente, expresso para assinalar café etc. 54 mercadoria ou o serviço foram originariamente identificados, tenha sido consagrado, pelo uso corrente, para essa finalidade, integrando, assim, a linguagem comercial;” (item 3.5.1.c). Por fim, o sinal de caráter descritivo “é a designação, nome, palavra ou conjunto de palavras próprias para descrever o produto, mercadoria ou serviço, expondo e realçando a sua natureza, qualidade, valor, ingredientes, composição, indicação, peso, medida, função ou qualquer outra propriedade ou característica do produto.” (SOARES, 2010: 197). Exemplo de sinal descritivo seria o uso da expressão “MARCATEMPO” para assinalar cronômetros64. Quanto aos sinais mencionados, ressalva o próprio inciso VI, do artigo 124 da LPI que referidos sinais não são registráveis como marca “quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir”. Assim, CERQUEIRA (2010: 05) adverte que referida proibição não é absoluta, sustentando que “[n]ão basta que o sinal adotado tenha uma relação qualquer com o produto ou artigo que distingue; é preciso que essa relação seja necessária ou, pelo menos, direta e imediata. Se o sinal se relacionar apenas de modo fantasista ou indireto com o produto, a regra deixa de ter aplicação.”. Não se tratando, pois, de relação direta, mas indireta com o bem ou serviço designado pelo sinal, este será passível de registro, ainda que constitua marca pouco distintiva. Neste caso, como assevera CERQUEIRA (1946: 413), “Tratando-se, porém, não do nome ou denominação própria do produto, mas de palavra que com êle se relacione, ou de outros elementos comuns, o seu uso, quando necessário, continua livre; mas como marca, é exclusivo de quem primeiro a registrou. Êsse é o caso, por exemplo, das marcas descritivas, das formadas por letras ou algarismos, e outras. A lei protege o direito que assiste a 64 Diretrizes Provisórias de Análise de marcas, item 3.5.1.d. 55 todos os comerciantes industriais de usarem a denominação descritivas com que designam os produtos e artigos do comércio, as letras do alfabeto, os algarismos, as menções genéricas, e outros elementos que a êsses se equiparam. Não visa, entretanto, assegurar-lhes o direito de empregarem marcas idênticas às criadas pelos seus concorrentes. O fato de se tratar de denominação relacionada com o objeto, a que a marca se destina, não implica, necessariamente, no direito de terceiros usarem a mesma denominação sob forma distintiva diferente.”. SIERVI (2005: 47/48) ressalta, ainda, a questão dos termos estrangeiros. Como bem coloca, se o sinal em língua estrangeira for genérico, descritivo, vulgar, necessário ou de uso comum em relação ao produto ou serviço que irá assinalar, este também será irregistrável, nos termos da LPI. 65 A jurisprudência, por sua vez, está repleta de casos em que se impediu o registro como marca de expressões que tenham relação com o produto ou serviço que visavam assinalar, como “FEIRA LIVRE DE AUTOMÓVEIS” 66, “BANCO 24 HORAS”67, “CHEESE”68 para produtos alimentícios, “CENTRO DE ESTÉTICA” 69, “KARAOKÊ”70, “NOSSO PÃO71” etc. (SCHIMIDT, 1999: 12). 65 Neste sentido, o INPI concedeu à empresa espanhola Telefonica S. A. a marca “TELEFONICA” para assinalar serviços de comunicação apenas em sua forma mista, e sem direito de uso exclusivo do elemento nominativo (Registro nº 821.343.513). A palavra “telefonica”, no idioma nacional, significa “telefone”. 66 TRF, 4ª Turma – AC 107.310 – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – j. 24.11.86 – DJU 11.12.86. 67 TRF, 2ª Região, 1ª Turma – AC 92.02.02639-4 – Rel. Des. Fed. Tânia Heine – j. 01.06.92 – DJU II 07.07.92, p. 20.451, mantido em EI – j. 08.09.94 – DJU II 09.05.95, p. 27.311. 68 TRF, 2ª Região, 2ª Turma - AC 90.0220656-9 – rel. Des. Fed. D’Andréa Ferreira – j. 08.02.94 – DJU II 16.05.95, p. 29.115 e JSTJ e TRF 80/417. 69 STJ, Embargos de Divergência em REsp 7.259-0 – j.14.10.92 – DJU 16.11.92. 70 TRF, 2ª Região, 4ª Turma – AC 94.02.04546-5 – Rel. Juíza Convocada Valéria Medeiros e Albuquerque – j. 20.11.95 – DJU II 13.02.96, p. 6.756. 71 TRF, 2ª Região, 1ª Turma – AC 89.02.01526-2 – Rel. Des. Fed. Chalu Barbosa – j. 28.11.94 – DJU 18.04.95, p. 21.882. 56 Há de se destacar, ainda, a ressalva trazida no inciso VI do artigo 124 supra reproduzido, que permite o registro dos sinais referidos quando revestidos de suficiente forma distintiva. Um sinal genérico, vulgar, ou comum, por exemplo, pode adquirir caráter distintivo em conjunto com outros sinais, como os sinais figurativos. Nesses casos, o INPI pode perfeitamente conceder a marca em sua forma mista, que deverá ser utilizada em seu conjunto. Um exemplo de sinal necessário registrado como marca é a marca “CASA DO PÃO DE QUEIJO”, concedida, em sua forma mista, em 05 de junho de 1990, sob o nº 814.225.284, para assinalar “pães de queijos, biscoitos, biscoitos amanteigados, bolos, bombons, brioches, doces, empadas, pãezinhos, pão, pão integral, pão de sanduíche, pastéis, pastelaria, pizzas, pudins, sanduíches, tortas, salgados, fermento, fermentas para massas farinhas alimentares, massas.”. Referida marca, concedida sem exclusividade de seu elemento nominativo, está assim configurada: Outra hipótese que se vislumbra é a de um sinal necessário, por exemplo, ser utilizado para assinalar produto ou serviço que não possui qualquer relação com ele. Neste caso, o caráter distintivo também é mantido, como por exemplo, a marca “TERRA”72, concedida para assinalar serviços de comunicação, publicidade e propaganda. O termo estrangeiro, no mesmo sentido, se empregado de forma distintiva também é passível de registro como marca. Como exemplo, tem-se o registro da marca “WHITE HORSE” 73, concedida para assinalar uísque. 72 Registro de marca nº 821.230.239, concedido em 19.08.2008. 73 Registro de marca nº 002.784.769, concedido em 13.01.1943. 57 II. MARCA NOTÓRIA O estudo da marca notória mostra-se extremamente complexo dentro do campo do direito. Sendo a notoriedade marcária fenômeno fático, sua percepção envolve critérios muito subjetivos, fazendo, pois, com que a análise e identificação da marca notória nem sempre seja precisa. Por outro lado, a notoriedade da marca implica em efeitos jurídicos relevantes, os quais devem ser definidos com cautela. Se por um lado a notoriedade garante à marca maior atratividade, esta também passa a ser mais visada pelos concorrentes, sendo freqüentemente objeto de violação por terceiros. Neste cenário, empresários e consumidores são os entes mais afetados, fazendo a marca notória jus, portanto, a proteção especial. Assim, não é por outro motivo que acordos internacionais e legislação pátria vêm garantindo às marcas notórias referida proteção especial, a qual vai além da proteção ordinariamente concedida às marcas comuns. A legislação nacional, contudo, não define as marcas notórias. Tal lacuna se dá, na verdade, pelo fato de o conceito de notoriedade, como já exposto, envolver critérios subjetivos, de difícil definição. O presente Capítulo é dedicado ao estudo da marca notória, em especial da marca notoriamente conhecida, e da marca de alto renome. Na primeira parte do capítulo, buscar-se-á definir referidos institutos. Em um segundo momento, tratar-se-á acerca da proteção garantida às marcas notórias, e principalmente sobre os fundamentos para referida proteção. 2.1 – Conceito de notoriedade O termo notoriedade provém de notório, no latim, notorius, de nascere (conhecer), e pode ser definido como a qualidade ou a condição do que é sabido 58 ou conhecido. Notório, por sua vez, é o que é do conhecimento de todos ou de conhecimento generalizado (SILVA, 2000: 560). Aplicando-se o conceito de notoriedade para o direito marcário, pode se afirmar que a notoriedade é verificada quando um sinal distintivo é excepcionalmente conhecido pelo público especializado ou pelo público em geral. Referida notoriedade normalmente agrega ao sinal distintivo maior poder atrativo e, conseqüentemente, maior valor econômico, ao mesmo tempo em que aumenta o risco de aproveitamento parasitário do sinal por terceiros. Note-se que a notoriedade de um sinal não decorre necessariamente da qualidade dos bens e serviços por ele assinalados, ou da qualidade do sinal em si. Não se pode negar que um produto de qualidade superior freqüentemente tem sua marca mais destacada perante o mercado. Por outro lado, uma marca objeto de forte campanha publicitária pode ser igualmente notória, independentemente da qualidade do bem que assinala. Logo, sinais de maior ou menor distintividade podem igualmente se tornar notórios perante o público consumidor, seja pelo alto investimento em publicidade, seja pela qualidade do bem que assinala. HERNÁNDEZ (2006: 40/41), ao tratar das marcas notórias no México, discorre sobre os conceitos “notório” e “famoso” dentro do direito marcário. Em seu entendimento, famosa seria aquela marca “que goza de fama y renombre. / Superior, excelente./ Soñado, extravagante”, enquanto notória seria aquela marca “sobradamente conocido, sabido de todos/ fácil de observar, evidente.” Conclui, pois, que “[s]i uma marca es FAMOSA, luego entonces es NOTORIA, pero si uma marca es NOTORIA no necessariamente es FAMOSA.”. O conceito de notoriedade no âmbito marcário se trata de construção doutrinária, diante da ausência de definição legal para o termo. E a doutrina, por sua vez, tentando classificar as marcas notórias em marcas de alto renome e marcas notoriamente conhecidas, freqüentemente se equivoca quanto ao conceito alcançado. 59 2.1.1 – Questão fática A notoriedade da marca trata-se de fenômeno fático, que se mostra de extrema relevância na medida em que produz efeitos diretos no campo do direito (CORREA, 1997: 33). Primeiramente, ressalta-se que as causas que levam a marca à notoriedade são diversas74, como já exposto anteriormente. Para efeitos da proteção especial conferida às marcas notórias, contudo, é indiferente identificar quais os motivos que levaram determinado sinal a ser profundamente reconhecido pelo público. Uma vez reconhecida a notoriedade do sinal, merece ele proteção especial, dentro dos limites da lei. RODRIGUES (2004: 11), expressa bem a questão fática da notoriedade da marca, distinguindo-a, contudo, do fato notório: “[o] alto renome da marca é um fato que decorre de uma realidade que se lança no mercado e não um fato jurídico, strictu sensu, porém, como tal, projeta efeitos no plano jurídico, repelindo, contudo, qualquer tentativa de fixação no tempo e no espaço. Sob esse espectro, a hipótese de alto renome parece não encontrar similitude, de fato e de direito, na prática ou ideologicamente, com a do fato notório, que, por sua própria essência, independe de prova. O fato notório constitui conhecimento próprio da cultura de determinada sociedade, ou, minimamente, de certa localidade, restando indene de dúvida que se trata de fato sabido por todos, sem exceção. Já o alto renome não reclama conhecimento tão difundido que permita afirmar que ninguém, ninguém dentro de certa coletividade possa ignorá-lo, donde não se deve orientar pelos mesmos 74 São fatores que influenciam a notoriedade da marca: a qualidade do produto ou serviço, o maciço investimento em publicidade, a associação da marca a eventos ou celebridades, dentre outras. 60 paradigmas e, de efeito, pelo mesmo princípio de direito que rege o fato notório.”. Em se tratando de questão fática, a dificuldade que se enfrenta quanto às marcas notórias é a de estabelecer critérios de reconhecimento da notoriedade de um sinal, a fim de se delimitar quais seriam as marcas merecedoras da proteção especial prevista na lei. O INPI, em uma tentativa de normalizar os procedimentos para a aplicação do artigo 125 da LPI75, que trata da proteção especial conferida às marcas de alto renome, baixou a Resolução nº 121/05, de 06 de setembro de 2005. Referida Resolução apresenta em seu artigo 4º uma lista de informações que podem ser apresentadas pelo titular de marca de alto renome para ajudar na comprovação da notoriedade de sua marca, quais sejam: “1) data do início do uso da marca no Brasil; 2) público usuário ou potencial usuário dos produtos ou serviços a que a marca se aplica; 3) fração do público usuário ou potencial usuário dos produtos ou serviços a que a marca se aplica, essencialmente pela sua tradição e qualificação no mercado, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil; 4) fração do público usuário de outros segmentos de mercado que, imediata e espontaneamente, identifica a marca com os produtos ou serviços a que ela se aplica, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil; 5) fração do público usuário de outros segmentos de mercado que, imediata e espontaneamente, identifica a marca essencialmente pela sua tradição e qualificação no mercado, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil; 6) meios de comercialização da marca no Brasil; 75 Apesar de referido artigo tratar especificamente das marcas de alto renome, algumas das informações sugeridas pela Resolução nº 121/2005, em seu artigo 4º, servem também de parâmetro na identificação das marcas notoriamente conhecidas. 61 7) amplitude geográfica da comercialização efetiva da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior; 8) extensão temporal do uso efetivo da marca no mercado nacional e, eventualmente, no mercado internacional; 9) meios de divulgação da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior; 10) extensão temporal da divulgação efetiva da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior; 11) valor investido pelo titular em publicidade/propaganda da marca na mídia brasileira nos últimos 3 (três) anos; 12) volume de vendas do produto ou a receita do serviço nos últimos 3 (três) anos; 13) valor econômico da marca no ativo patrimonial da empresa.”. Da análise do artigo transcrito verifica-se que as informações que serviriam para comprovar a notoriedade da marca referem-se a questões fáticas relativas à sua marca, isto é, referem-se a dados relativos ao efetivo uso da marca no mercado, acerca da extensão de referido uso, bem como dos efeitos do uso da marca. Destaca-se, aliás, a menção expressa que se faz à comprovação dos dados informados “mediante pesquisa de opinião ou de mercado”. Parece-nos que a pesquisa de mercado acerca do conhecimento da marca pelo público é aquela que melhor comprova a notoriedade da marca para os termos da proteção especial. A pesquisa de opinião, realizada por instituição idônea, traz dados objetivos quanto ao alcance da marca perante o público entrevistado. Tais dados, assim, por não possuírem caráter unilateral, são ideais para comprovar referido fenômeno fático. Uma característica importante que se vislumbra quanto à notoriedade da marca é o fato dela ser temporária. Em se tratando de fenômeno fático, há que se considerar que os hábitos e gostos dos consumidores mudam ao longo dos anos, 62 logo, nem sempre uma marca que era visivelmente notória há algumas décadas resiste às mudanças do público consumidor. Como coloca CORREA (1997: 33), a notoriedade, “Como fato, escapa a toda e qualquer tentativa de fixação no tempo e no espaço. Um sinal distintivo pode ter notoriedade nos moldes da lei anterior, mas efêmera. Há marcas que perduram, atravessando as décadas, como Coca-Cola, Mercedes e muitos outros sinais. Outras há que se apagam em poucos anos ou meses ou vão definhando no decorrer das décadas até atingir a decrepitude e não exalar qualquer vestígio da antiga magia.” 76. Conseqüência importante dessa transitoriedade das marcas notórias está no limite da proteção especial assegurado ao sinal notório. Referida proteção deve ser limitada a um determinado período de tempo, findo o qual a notoriedade da marca deve ser reavaliada.77 Caso contrário, sinais notórios no passado, mas pouco conhecidos na atualidade, seriam perpetuamente protegidos nos termos da lei especial, descaracterizando o instituto da marca notória. 2.1.2 – A distintividade nas marcas notórias A notoriedade da marca traz diversas conseqüências para referido sinal. A marca notória, normalmente, adquire maior poder atrativo, maior poder econômico, maior facilidade de infiltração perante o mercado. A marca torna-se objeto de desejo e, conseqüentemente, torna-se alvo constante de imitação e reprodução indevidas. 76 77 No mesmo sentido também se manifesta RODRIGUES (2004: 11). Assim, a Resolução º 121/05 do INPI, acerca das marcas de alto renome, dispõe em seu artigo 10º: “O INPI promoverá a anotação do alto renome da marca no Sistema de Marcas, que será mantida pelo prazo de 5 (cinco) anos.”. 63 Nesta hipótese, a principal conseqüência ou efeito que se vislumbra da notoriedade sobre a marca é o alto grau de distintividade que ela adquire perante o público em geral, ou perante um público específico. A marca passa a ser automaticamente associada ao produto ou serviço por ela assinalado, distanciando-os cada vez mais dos demais produtos e serviços concorrentes. É essa maior distintividade adquirida pela marca, pois, que lhe garantirá maior atratividade, maior valor de mercado, e maior risco de aproveitamento indevido. Entende-se, portanto, que o efeito direito da notoriedade sobre a marca, nesta hipótese, é o aumento de seu poder distintivo, sendo os demais efeitos decorrentes daquele. Por outro lado, o alto poder distintivo adquirido por um signo notório pode, mais do que aumentar sua distintividade, fazer com que referido signo adquira distintividade. Nesta hipótese, um sinal originalmente não distintivo adquirirá distintividade em função de sua notoriedade. Tal fenômeno tem sido observado principalmente em países em que é adotado o sistema declarativo de aquisição de marca. Nesta hipótese, o uso78 prolongado de sinal originalmente não distintivo como marca, associado à notoriedade que referido sinal adquire perante o público consumidor, faz com que o sinal originalmente não distintivo adquira distintividade e passe a ser imediatamente relacionado com os bens e serviços por ele assinalados. Referido fenômeno é estudado pela teoria do secondary meaning ou teoria do significado secundário, e será oportunamente tratado no Capítulo 03. Por fim, outros dois efeitos que se vislumbra com relação à notoriedade da marca é o de enfraquecimento e o de perda de distintividade de um sinal decorrentes de sua notoriedade. Na primeira hipótese, a notoriedade da marca 78 SAMPAIO (1995: 17) introduz a concepção dinâmica de eficácia distintiva, em que o uso da marca desempenha papel ativo quanto a questão da eficácia distintiva. Tal concepção, embora originada nos países do common law, parece-nos essencial na compreensão dos efeitos da notoriedade sobre a distintividade marcária, mesmo nos países do civil law. 64 pode estimular terceiros a adotar como marca sinais muito próximos à marca notória, sinais estes freqüentemente associados a ela. A marca notória, assim, tem seu poder distintivo enfraquecido, diluído, não sendo mais a marca automaticamente associada aos produtos por ela assinalados. Na última hipótese, a notoriedade de uma marca pode fazer com que o público, equivocadamente, associe a marca à própria qualidade do produto por ela assinalado. Como conseqüência, a marca perde seu poder distintivo e passa a ser utilizada pelo público em geral para designar o próprio bem. Referido fenômeno, conhecido na doutrina como degeneração marcária, será oportunamente analisado no Capítulo 04. 2.2 – Tipos de marcas notórias Como se verificou, a notoriedade de uma marca pode ser observada perante um público especializado ou perante o público em geral. O conhecimento de um sinal pelo público como marca, isto é, a notoriedade de uma marca perante o público tem dimensões diversas, sendo diversas, também, as proteções conferidas pela legislação nacional às marcas notórias. Alguns autores, ao tratar dos tipos de marcas notórias, definem-nas através de seu grau de notoriedade. MORO (2003: 90/91), contudo, adverte não se tratar de “uma diferença de graus de notoriedade, mas de tipos de notoriedade, ou mais precisamente, de tipos de marca notória. (...) Talvez fale-se em graus porque uma protege somente dentro de um determinado setor do comércio e a outra ultrapassa esse setor. Mas é essa uma compreensão limitada, pois vê o fenômeno da notoriedade somente sob o ângulo do princípio da especialidade das marcas.”. Como já introduzido pela autora, no Brasil, são dois os tipos de marcas notórias reconhecidas: uma que faz exceção ao princípio da territorialidade, a marca notoriamente conhecida, e outra que faz exceção ao princípio da 65 especialidade, a marca de alto renome. A proteção especial a referidas marcas está prevista, respectivamente, nos artigos 126 e 125 da LPI. GUSMÃO (1996: 52), ao analisar a notoriedade das marcas sob o prisma das normas de proteção marcária (LPI, CUP e TRIPs), distingue três tipos de notoriedade: (i) aquela prevista no artigo 125 da LPI, relativa às marcas de alto renome, “que deve ser necessariamente de altíssimo grau, a ponto de justificar a proteção especial em todos os ramos de atividade”; (ii) a notoriedade prevista no artigo 6º bis (I) da CUP, “que não necessita ser de altíssimo grau, mas circunscrita ao mesmo ramo de atividade, posto que a abrangência da proteção é restrita a este ramo”79, e (iii) a notoriedade do artigo 6º bis (I) da CUP ampliada pelo artigo 16.3 do TRIPs, “que preconiza o alargamento da proteção da marca notoriamente conhecida, desde que: a) possa indicar uma conexão entre aqueles bens e serviços e o titular da marca notoriamente conhecida; e b) seja provável que esse uso prejudique os interesses do titular da marca notoriamente conhecida.”80. As faixas de notoriedade identificadas pelo autor são especialmente úteis não apenas para se identificar os tipos de marcas notórias, mas especialmente para justificar os diferentes graus de proteção conferidos a elas. Como se analisará, enquanto as marcas notoriamente conhecidas têm sua proteção restrita ao seu ramo de atividade, às marcas de alto renome é assegurada proteção especial em todos os ramos de atividade. 2.2.1 – Marca de alto renome A marca de alto renome caracteriza-se por uma marca registrada amplamente conhecida pelo público consumidor em geral, e não apenas o público específico de seu ramo de atividade. Tal reconhecimento perante o público como um todo justifica a ampla proteção assegurada a referido instituto, que será 79 80 Refere-se o autor, quanto a este tipo de notoriedade, às marcas notoriamente conhecidas. Para MORO (2003: 204), “*c+om esta disposição do TRIPs, amplia-se o âmbito de proteção da marca notoriamente conhecida, abarcando os casos de utilização e registro destas por terceiros, em produtos ou serviços distintos.”. 66 protegido em todos os ramos de atividade independentemente se ser registrada em todos eles. Para RODRIGUES (2004: 20), tem-se por marca de alto renome, “um sinal dotado de distintividade singular e de uma autoridade incontestável no mercado, que resulta de sua tradição e qualificação e da qualidade e confiança que inspira, seguramente vinculadas à boa imagem dos produtos ou serviços a que se aplica, exercendo um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintivamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente.”. Como esclarece RODRIGUES (2004: 05/08), “na marca de alto renome destaca-se o conceito de prestígio, fama, boa reputação e credibilidade.” Conclui, ainda, referida autora, que “A marca de alto renome não se define, nem é preciso provar sua existência: „sente-se sua presença.‟”. A marca de alto nome não foi definida na LPI, tendo referida lei se limitado a assegurar à marca de alto renome proteção especial em todos os ramos de atividade81. A LPI, aliás, sequer determinou os critérios para se definir quais seriam as marcas de alto renome e como se dará seu reconhecimento. O INPI, contudo, em uma tentativa de preencher referida lacuna, baixou a Resolução nº 121/2005, de 06 de setembro de 2005, a qual normaliza os procedimentos para a aplicação do artigo 125 da LPI. O artigo 2º de desta Resolução, assim, define que: “Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, considera-se de alto renome a marca que goza de uma autoridade incontestável, de um conhecimento e prestígio diferidos, resultantes da sua tradição e qualificação no mercado e da qualidade e confiança que inspira, vinculadas, essencialmente, à boa imagem dos produtos ou 81 LPI, artigo 125. 67 serviços a que se aplica, exercendo um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente, projetando-se apta a atrair clientela pela sua simples presença.”. Trata-se de definição ampla e repleta de conceitos subjetivos, que em nosso entender, não define a marca de alto renome, mas apenas indica qualidades a serem observadas para sua apreciação. 2.2.1.1- Exceção ao princípio da especialidade A proteção conferida à marca de alto renome extrapola o ramo de atividade em que ela se encontra registrada (LEVIGARD, 2007: 52). Trata-se, portanto, de proteção especial que excepcionada o princípio da especialidade das marcas. Tal entendimento se extrai do próprio texto legal, que assegura à marca registrada no Brasil de alto renome proteção especial em todos os ramos de atividade.82. Verifica-se, entretanto, que o princípio da territorialidade deve ser respeitado, na medida em que a proteção especial mencionada só é assegurada à marca registrada no Brasil. Como esclarece RODRIGUES (2004: 20): “A marca de alto renome registrada no Brasil observa o princípio da proteção no território nacional, em cuja extensão impedirá ou invalidará registro de marca posterior que a ela se oponham independentemente dos produtos ou serviços a que a nova marca se aplique. Em contrapartida, o alto renome da marca também se deve projetar na mesma proporção, ou seja, na extensão do território nacional, sem restringir-se a certa região, estado, cidade 82 LPI, artigo 125. 68 ou localidade do país, embora a este não se limite, podendo atingir outro país ou países, ou mesmo uma cobertura universal.”. 2.2.1.2 - Previsão legal Na legislação brasileira, a noção de marca de alto renome aparece, primeiramente, no Código da Propriedade Industrial de 1967 83, em seu artigo 83, sendo posteriormente prevista no artigo 79 na Lei de 1969 84. Com o advento da lei nº 5772/71, a proteção à marca de alto renome foi mantida em seu artigo 67, sob a denominação, contudo, de “marca notória” (MORO, 2003: 110). Atualmente, a marca de alto renome encontra-se prevista expressamente no artigo 125 da LPI, que dispõe: “Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.”. 2.2.1.3 – Requisitos Do artigo 125 da LPI, extrai-se que para que a marca seja reconhecida como de alto renome no país, merecendo, pois, proteção especial, deve ela estar registrada no Brasil. O registro no Brasil, assim, mostra-se essencial para que se requeira o reconhecimento do alto renome de um sinal. Um segundo requisito que se vislumbra, ainda, relativo ao próprio conceito de marca notória, é a comprovação de sua notoriedade, isto é, de seu alto grau de conhecimento perante o público em geral. Estes requisitos serão tratados a seguir. 83 Decreto-Lei nº 254, de 28 de fevereiro de 1967. 84 Decreto-Lei nº 1.005, de 21 de outubro de 1969. 69 2.2.1.3.1 - Registro no Brasil A LPI, como se verificou, é taxativa ao dispor que “À marca registrada de alto renome será assegurada proteção especial...”. O primeiro requisito, ou requisito legal, que se vislumbra quanto às marcas de alto renome é a necessidade de que elas estejam devidamente registradas no país. Como se abordará adiante, as marcas notórias não registradas no país não merecem proteção especial em todos os ramos de atividade, como é o caso das marcas notoriamente conhecidas. Verifica-se, portanto, que o registro em território nacional confere ao titular da marca de alto renome não apenas propriedade sobre o sinal distintivo, mas o direito de requerer sua proteção especial em todos os ramos de atividade e, conseqüentemente, de se opor a qualquer terceiro que imite ou reproduza sua marca indevidamente, independentemente do ramo ao qual se dedica. 2.2.1.3.2 - Alto grau de conhecimento Para que seja considerada notória, a marca deve, ainda, ser prontamente reconhecida pelo consumidor como indicativa dos produtos ou serviços que assinala. Deve, portanto, possuir alto grau de conhecimento. Como se verificou, a proteção especial conferida à marca de alto renome diz respeito à proteção em todos os ramos de atividade. Logo, para que um sinal seja merecedor de referida proteção, deve ele possuir alto grau de conhecimento perante o público em geral, e não apenas no ramo de atividade em que está inserido. Por outro lado, não se exige que o sinal de alto renome seja também notório fora do território nacional. A proteção conferida pelo artigo 125 da LPI diz respeito a marcas registradas no país e o âmbito de proteção é apenas nacional. Não há sentido, assim, em se exigir que uma marca de alto renome no país seja também reconhecida no exterior, embora referida hipótese possa ocorrer. 70 Note-se, ainda, que alguns autores tratam da reputação como característica necessária à marca de alto renome. MORO (2003: 114/15), por exemplo, afirma ser a reputação “característica fundamental da marca de alto renome.” Como esclarece referida autora, “A reputação de uma marca pressupõe um alto conhecimento do público consumidor em geral, bem como lhe transmite valores. Valores geralmente advindos da qualidade do produto, que conferem à marca fama, celebridade, renome, prestígio. A marca de alto renome pode ser vista como um símbolo de qualidade. Qualidade esta que não representa necessariamente a melhor, mas uma qualidade suficiente, que satisfaz o consumidor.”. Referida característica, contudo, embora seja própria das marcas de alto renome, não pode ser considerada requisito para seu reconhecimento. A reputação mostra-se demasiadamente subjetiva na medida em que envolve valores também subjetivos. Ademais, não há qualquer previsão legal quanto à necessidade de reputação para o reconhecimento do alto renome. Entendemos, assim, que a reputação é característica comum às marcas de alto renome, mas não elemento fundamental delas. 2.2.2 – Marca notoriamente conhecida A marca notoriamente conhecida corresponde à marca que, apesar de não ser registrada no país, possui alto grau de conhecimento em seu ramo de atividade. Por não ser registrada, contudo, referida marca encontrar-se-ía disponível para registro por terceiros, que estariam autorizados a se apropriar desses sinais para identificar os mesmos produtos ou serviços por elas assinalados no exterior. A proteção que se assegura a referida marca funda-se, portanto, especialmente no combate à pirataria, buscando-se evitar que terceiros se 71 apropriem de marcas estrangeiras notórias no país, dificultando o comércio internacional, e causando confusão perante o consumidor. LEONARDOS (1995: 13) assevera, contudo, que “[a] marca que se protege pelo art. 6 bis, da Convenção de Paris, há que ser notoriamente conhecida no país onde se pede a proteção e não no país de origem do seu titular original”. Esta observação mostra-se extremamente coerente na medida em que a proteção à marca estrangeira se dará no território nacional. A proteção às marcas notoriamente conhecidas, como se verá, é prevista no artigo 6 bis (I) da CUP85, e foi incorporada na LPI nos exatos termos de referida Convenção. Assim como ocorre com as marcas de alto renome, contudo, a LPI também não define critérios para o seu reconhecimento, dificultando a identificação da marca notoriamente conhecida merecedora de proteção especial. 2.2.2.1 – Exceção ao princípio da territorialidade Como se depreende da LPI86, a marca notoriamente conhecida goza de proteção especial no país “independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.”. A legislação nacional, portanto, nos termos do artigo 126 da LPI, reconhece os direitos de marcas estrangeiras notoriamente conhecidas no Brasil como se 85 CUP, artigo 6o bis: “(1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do interessado e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa amparada pela presente Convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca notoriamente conhecida ou imitação suscetível de estabelecer confusão com esta.” 86 LPI, artigo 126. 72 aqui estivessem registradas. Referidos sinais, pois, tornam-se indisponíveis para registro por terceiros87, respeitado o ramo de atividade no qual estão inseridos. A marca notoriamente conhecida, assim, excepciona o princípio da territorialidade das marcas na medida em que é protegida no país independentemente de registro ou depósito prévio. Referida marca, pois, “prescinde de estar registrada no país onde é invocada sua proteção”, uma vez que “goza de proteção extraterritorial em todos os países que aderirem à CUP.” 88 (LEONARDOS, 2000: 41). Quanto ao princípio da especialidade das marcas, note-se que este não é excepcionado no caso das marcas notoriamente conhecidas. A proteção conferida aos sinais notoriamente conhecidos limita-se ao ramo de atividade em que estão inseridos, como dispõe o próprio artigo 126 da LPI. 2.2.2.2 – Previsão legal A marca notoriamente conhecida está prevista no artigo 6 bis (I) da CUP, que assim dispõe: “(1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do interessado e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma 87 Entende-se, aqui, por terceiros aqueles que não são os titulares do registro da marca estrangeira em seu país de origem. 88 A lista dos países que aderiram à CUP abrange, atualmente, 173 países, e se encontra disponível no sítio eletrônico da WIPO – World Intellectual Property Organization (www.wipo.int). 73 pessoa amparada pela presente Convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca notoriamente conhecida ou imitação suscetível de estabelecer confusão com esta.”. Para que não restasse dúvida sobre a proteção conferida às marcas notoriamente conhecidas, o legislador nacional introduziu referida proteção no artigo 126 da LPI, remetendo-se, contudo, à definição disposta na CUP, nos seguintes termos: “Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.”. A proteção à marca notoriamente conhecida é, ainda, prevista no TRIPs, em seu artigo 16, que prevê a aplicação do artigo 6º bis da CUP, dando-lhe, ainda, maior enfoque: “2. O disposto no Artigo 6 bis da Convenção de Paris (1967) aplicar-se-á, mutatis mutandis, a serviços. Ao determinar se uma marca é notoriamente conhecida, os Membros levarão em consideração o conhecimento da marca no setor pertinente do público, inclusive o conhecimento que tenha sido obtido naquele Membro, como resultado de promoção da marca. 3. O disposto no Artigo 6 bis da Convenção de Paris (1967) aplicar-se-á, mutatis mutandis, aos bens e serviços que não sejam similares àqueles para os quais uma marca esteja registrada, desde que o uso dessa marca, em relação àqueles bens e serviços, possa indicar uma conexão entre aqueles bens e serviços e o titular da marca registrada e desde que seja provável 74 que esse uso prejudique os interesses do titular da marca registrada.”. 2.2.2.3 – Requisito O artigo 126 da LPI não apresenta nenhum requisito para que a marca seja reconhecida no país como notoriamente conhecida. Vislumbramos, pois, como requisito para reconhecimento da marca notoriamente conhecida apenas o seu alto grau de conhecimento, sobre o qual passamos a abordar. 2.2.2.3.1 – Alto grau de conhecimento O alto grau de conhecimento que se exige das marcas notoriamente conhecidas diz respeito ao grande conhecimento da marca estrangeira, em território nacional, no ramo em que ela está inserida. Assim, ao contrário da marca de alto renome, não se exige quanto à marca notoriamente conhecida alto grau de conhecimento do público em geral, mas apenas de um público especializado. A limitação quanto ao alto grau de conhecimento das marcas notoriamente conhecidas decorre do próprio limite à proteção estabelecido pela legislação nacional. A proteção assegurada pela legislação nacional, como se verá, limita-se ao “seu ramo de atividade”, isto é, ao ramo no qual a marca está inserida. Logo, é coerente que se exija das marcas notoriamente conhecidas reconhecimento apenas no ramo em que a marca está efetivamente inserida. O alto grau de conhecimento que se exige das marcas notoriamente conhecidas, portanto, é menor do que aquele exigido para as marcas de alto renome, devendo, contudo, ser suficiente a justificar a proteção no país independentemente de registro prévio. 75 2.2.2.3.1.1 – Limitação aos produtos e serviços afins A LPI, como se verificou, assegura às marcas notoriamente conhecidas proteção especial independentemente de registro ou depósito prévio no país. Tal proteção especial, contudo, limita-se ao ramo de atividade no qual a marca notoriamente conhecida se encontra inserida. Tal limitação se faz necessária em respeito às próprias marcas nacionais. Como se sabe, as marcas comuns também têm sua proteção limitada a determinado ramo de atividade, em respeito ao principio da especialidade das marcas. Logo, caso a exceção relativa às marcas notoriamente conhecidas também se estendesse ao princípio da especialidade das marcas, estar-se-ía prestigiando a marca estrangeira em detrimento da marca nacional. Assim, ao assegurar proteção especial em determinado ramo de atividade, “a similaridade de produtos e serviços deve ser considerada caso a caso, até porque o próprio mercado pode estabelecer critérios de afinidade e similaridade,” (MORO, 2003: 106). 2.3 – Critérios para se auferir notoriedade das marcas Como se abordou, as marcas notórias encontram sua previsão legal nos artigos 125 e 126 da LPI. A legislação nacional, contudo, como se verá, nada dispôs sobre os critérios de identificação das marcas notórias, transferindo a problemática para o INPI, órgão competente para referida análise. Antes de tratar dos critérios atualmente adotados na identificação das marcas notórias, contudo, abordaremos os critérios adotados quando da vigência da lei nº 5772/71, os quais representaram um avanço no assunto quando estabelecidos. 76 2.3.1 – Os “critérios” da lei nº 5772/1971 Quanto às marcas notórias, o antigo Código da Propriedade Industrial (lei nº 5772, de 1971), em seu artigo 67, dispunha que: “A marca considerada notória no Brasil, registrada nos têrmos e para os efeitos dêste Código, terá assegurada proteção especial, em tôdas as classes, mantido registro próprio para impedir o de outra que a reproduza ou imite, no todo ou em parte, desde que haja possibilidade de confusão quanto à origem dos produtos, mercadorias ou serviços, ou ainda prejuízo para a reputação da marca. Parágrafo único. O uso indevido de marca que reproduza ou imite marca notória registrada no Brasil, constituirá agravante de crime previsto na lei própria.”. Primeiramente, insta observar que referido Código, ao tratar da proteção especial conferida à “marca notória”, refere-se na verdade às marcas de alto renome, as quais, como se verificou, excepcionam o princípio da especialidade das marcas (CORREA, 1997: 33/34)89. Pois bem, da leitura do Código da Propriedade Industrial, verifica-se que há previsão expressa de proteção especial à “marca notória”, mas referido texto legal “não fornece elementos para a análise dessa notoriedade, nem os critérios objetivos pelos quais a administração deve se guiar para „declarar a notoriedade‟ de uma marca.” (GUSMÃO, 1988: 71). A única “regra” que pode ser extraída de referido artigo é ter como “pressuposto de incidência, a constatação de que o emprego não autorizado do sinal declarado notório seria suscetível de gerar confusão ou denegrimento de sua imagem.” (CORREA, 1997: 34). 89 MORO (2007: 111) reconhece a existência de diferenças entre o instituto da “marca notória” previsto no artigo 67 do antigo Código da Propriedade Industrial e a “marca de alto renome” da LPI. “Entretanto, ambos possuem a mesma característica principal, que constitui o afastamento do princípio da especialidade. Qual o motivo então para o legislador ter alterado a nomenclatura legal? A resposta não é de ordem técnica, mas prática.”, que seria evitar as confusões corriqueiramente observadas, principalmente na jurisprudência. 77 Assim, os “critérios” para se apreciar a notoriedade da marca foram posteriormente estabelecidos pelo INPI, por meio de seu Ato Normativo 46. Como ensina GUSMÃO (1988: 71), “Em seu Ato Normativo 46, o INPI entendeu que certas informações seriam necessárias para a análise do pedido de declaração de notoriedade, e as enumera em seu art. 3º.: „a) valor da marca no ativo da empresa; b) valor dos gastos em propaganda diretamente relacionados com a marca; abrangimento de mercados interno e externo, com número estimado de consumidores e esclarecimentos de sua participação relativa no setor; d) enumeração das empresas nacionais e estrangeiras que utilizam a marca, e sua relação com as alíneas „b‟ e „c‟; enumeração de países em que a marca se encontra registrada; data inicial do uso da marca no Brasil, acompanhada de documentação comprobatória possível.‟”. Contudo, muito embora referidos “critérios” tenham sido estabelecidos pelo INPI, em suprimento à lacuna legal, o artigo 5º do Ato Normativo referido dispunha que “As autoridades, no uso de suas respectivas competências, próprias ou delegadas, apreciarão o pedido segundo sua íntima convicção, sendo-lhes facultado exigir outras informações ou formular diligências para verificação da autenticidade das que tiveram sido apresentadas” (GUSMÃO, 1988: 71). Assim, referido autor tece numerosas críticas ao Ato, principalmente pelo fato de que “Segundo o Ato Normativo 46, a apreciação subjetiva derroga a objetiva.” Além disso, referido Ato Normativo, amparado pela Lei nº 5772/71, criou procedimento administrativo próprio para o reconhecimento da notoriedade, isto é, o titular de marca notória seria titular de um segundo registro, o qual seria vigente até a expiração do prazo de validade da marca, “ainda que esta já não gozasse de mais notoriedade que lhe possibilitou a obtenção do mesmo.” (MORO, 2007: 114). 78 Verifica-se, assim, que o antigo Código da Propriedade Industrial não previa critérios para aferição da notoriedade da marca. O Ato Normativo 46 do INPI, por sua vez, estabelecia critérios objetivos para se obter registro de marca notória, os quais, contudo, possuíam mero caráter informativo ao examinador, não servindo como prova absoluta da notoriedade do sinal. 2.3.2 – Ausência de critérios objetivos na lei atual A LPI, assim como o antigo Código da Propriedade Industrial, também não prevê critérios objetivos para se identificar as marcas notórias merecedoras de proteção especial. Referido texto legal limita-se apenas a assegurar às marcas de alto renome no Brasil proteção especial em todos os ramos de atividade 90, assim como assegura às marcas notoriamente conhecidas proteção especial independentemente dela estar previamente depositada ou registrada no Brasil91. Diante desta lacuna, mais uma vez coube ao INPI definir quais critérios adotar para se declarar a notoriedade de uma marca. Com relação às marcas de alto renome, o INPI, através da Resolução nº 121/05, de 06 de setembro de 2005, estabelece que “A proteção especial conferida pelo art. 125 da LPI, deverá ser requerida ao INPI, pela via incidental, como matéria de defesa, quando da oposição a pedido de registro de marca de terceiro ou do processo administrativo de nulidade de registro de marca de terceiro, em tramitação no INPI, nos termos e prazos previstos nos art. 158, caput, e 168 da LPI, respectivamente.” (Artigo 3º da Resolução nº 121/05). Assim, previamente ao exame da oposição ou ao processo administrativo de nulidade referidos, o INPI decidirá quanto à condição de alto renome da marca (Parágrafo 1º do Artigo 3º da Resolução nº 121/05). Como previamente tratado no item 2.1.1, na Resolução referida, assim como ocorreu no Ato Normativo 46 no passado, o INPI enumera sugestões de informações que ajudariam o titular de marca de alto renome a comprovar a 90 LPI, artigo 125. 91 LPI, artigo 126. 79 notoriedade de sua marca92. Dentre as sugestões trazidas por referida Resolução, parece-nos que aquela relativa à pesquisa de mercado, acerca do conhecimento da marca pelo público em geral, é a que melhor comprova a notoriedade da marca para os termos da proteção especial. Neste caso, caso o examinador se convença que está diante de marca de alto renome, “O INPI promoverá a anotação do alto renome da marca no Sistema de Marcas, que será mantida pelo prazo de 5 (cinco) anos.” (artigo 10º da Resolução nº 121/05). Logo, diferentemente do que ocorria quando da vigência da Lei de 1971, não há mais que se falar em duplo registro, mas em proteção especial, pelo prazo de cinco anos. Com relação às marcas notoriamente conhecidas, o INPI, até o momento, não estabeleceu regras de reconhecimento e proteção para mencionados sinais, mas entende que eles podem ser reconhecidos de ofício “se o examinador entender que aquela marca em exame colide com uma marca que é notoriamente conhecida naquele ramo de atividade, a qual o depositante não poderia deixar de 92 “Art. 4º O requerente da proteção especial de que trata o art. 125 da LPI deverá apresentar ao INPI, incidentalmente, no ato da oposição ou do processo administrativo de nulidade, as provas cabíveis à comprovação do alto renome da marca no Brasil, podendo apresentar, em caráter suplementar às provas voluntariamente por ele coligidas, os seguintes elementos informativos: 1) data do início do uso da marca no Brasil; 2) público usuário ou potencial usuário dos produtos ou serviços a que a marca se aplica; 3) fração do público usuário ou potencial usuário dos produtos ou serviços a que a marca se aplica, essencialmente pela sua tradição e qualificação no mercado, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil; 4) fração do público usuário de outros segmentos de mercado que, imediata e espontaneamente, identifica a marca com os produtos ou serviços a que ela se aplica, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil; 5) fração do público usuário de outros segmentos de mercado que, imediata e espontaneamente, identifica a marca essencialmente pela sua tradição e qualificação no mercado, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil; 6) meios de comercialização da marca no Brasil; 7) amplitude geográfica da comercialização efetiva da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior; 8) extensão temporal do uso efetivo da marca no mercado nacional e, eventualmente, no mercado internacional; 9) meios de divulgação da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior; 10) extensão temporal da divulgação efetiva da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior; 11) valor investido pelo titular em publicidade/propaganda da marca na mídia brasileira nos últimos 3 (três) anos; 12) volume de vendas do produto ou a receita do serviço nos últimos 3 (três) anos; 13) valor econômico da marca no ativo patrimonial da empresa. 80 conhecer.” (GUIMARÃES, 2008: 39). Logo, o reconhecimento também se daria por via incidental, e não dependeria do requerimento do titular da marca 93. Apesar das críticas que se faz à ausência de critérios objetivos na análise das marcas notórias, por outro lado, é difícil estabelecer quais critérios seriam suficientes para identificar, objetivamente, uma marca notória. Como se expôs, sendo a notoriedade fenômeno fático, quaisquer critérios que se estabeleça na análise da notoriedade das marcas estes nunca serão absolutos. É por isso que a pesquisa de mercado, através da pesquisa de opinião, se mostra mais confiável na análise do conhecimento de uma marca perante o público e, conseqüentemente, na identificação das marcas notórias. 2.4 – Proteção legal das marcas notórias Nos termos da legislação nacional94, às marcas notórias é assegurada uma proteção especial no país. A proteção especial prevista indica que os sinais notórios terão proteção diversa daquela conferida às marcas comuns, no caso, uma proteção superior. Como já se verificou, as marcas de alto renome, primeiramente, são protegidas em todos os ramos de atividade95. Tal proteção, pois, excepciona o princípio da especialidade das marcas, na medida em que confere ao titular de marca de alto renome proteção em ramos de atividade que sequer atua. Às marcas notoriamente conhecidas, ao contrário, é assegurada proteção especial “independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.”96 Referida proteção, pois, excepciona o princípio da territorialidade das 93 A possibilidade do INPI indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite marca notoriamente conhecida está prevista no parágrafo 2º do artigo 126 da LPI. 94 LPI, artigos 125 e 126. 95 LPI, artigo 125. 96 LPI, artigo 126, caput. 81 marcas, garantindo direitos de propriedade no país a titulares de marca que foram registradas em outros países. Neste item, trataremos dos motivos que fundamentam a concessão de proteção especial às marcas notórias, e trataremos, em especial, dos riscos decorrentes da notoriedade da marca. 2.4.1 – Motivos para a proteção especial As marcas notórias, como se expôs, caracterizam-se por sinais extremamente distintivos, de alto poder atrativo, e de grande valor econômico. A grande notoriedade adquirida por determinados sinais pode, contudo, fazer com que seja necessário flexibilizar os princípios relativos às marcas pra garantir-lhes eficaz proteção e uso exclusivo (ALMEIDA, 2008: 36). RODIGUES (2004: 08/09), tratando especificamente da marca de alto renome, fundamenta sua proteção especial no “excepcional caráter distintivo no mercado, que lhe é exclusivo”, e no fato da marca gozar “de um goodwill elevadíssimo e de conhecimento e prestígio diferidos, que derivam, essencialmente, do reconhecimento de certa excelência e da confiabilidade dos produtos ou serviços a que se aplica e que transcendem a coletividade usuária, de fato ou em potencial, desses produtos ou serviços, atingindo, também, a diferentes públicos, de mercados diversos.”. CORREA (1997: 34), por sua vez, entende que “O princípio que informa a proteção às marcas de alto renome é a repressão ao enriquecimento sem causa.”. Para GUSMÃO (1988: 67), “A notoriedade, em geral, aporta à marca um valor dificilmente estimável, mas seguramente existente. É esse valor econômico que se procura proteger, evitando-se a diluição de seu poder atrativo e de sua reputação. O fundamento da proteção às marcas notoriamente conhecidas 82 repousa sobre as regras de repressão à concorrência desleal, ainda que, no caso, estejamos diante de uma relação de concorrência internacional.”. Para BARBOSA (2003: 875), o fundamento jurídico da proteção legal às marcas notórias estaria na própria proteção ao fundo de comércio, “sem deixar de lado o princípio correlato da proteção ao consumidor.”. Parece-nos, assim, que a proteção especial conferida às marcas notórias fundamenta-se, de um lado, na proteção ao próprio sinal, devido ao seu elevado valor econômico e inquestionável poder atrativo, protegendo-se, portanto, o empresário, titular da marca. Por outro lado, a proteção especial conferida às marcas também se fundamente na repressão à concorrência desleal, princípio basilar da ordem econômica, e na proteção ao consumidor, que quase sempre é o destinatário final dos bens. 2.4.2 – Riscos decorrentes da notoriedade da marca GUSMÃO (1988: 66), ao tratar da marca notoriamente conhecida, prevê que ela “tende a ser usurpada exatamente em função do seu poder atrativo”. Segundo o autor, “A usurpação, em geral, se reveste de duas formas: a) ela se manifesta em um território onde a marca notoriamente conhecida não é protegida, para assinalar produtos idênticos ou similares aos que ela assinala no seu território de origem; b) se manifesta também para assinalar produtos diferentes daqueles protegidos pela marca notoriamente conhecida, seja no território de origem, seja em outros territórios.”. Quanto à primeira hipótese referida, parece-nos que a legislação nacional, ao proteger as marcas notoriamente conhecidas independentemente de registro prévio no país, buscou exatamente coibir esse tipo de usurpação. Assim, o artigo 83 126 da LPI visa coibir a apropriação indevida, no país, de sinais estrangeiros notoriamente conhecidos em determinado ramo de atividade. Quanto à segunda hipótese tratada pelo autor, em se tratando de marca de alto renome, parece-nos que a legislação nacional também se presta para coibir este tipo de usurpação, na medida em que assegurará proteção especial ao sinal de alto renome em todos os ramos de atividade. Em se tratando de marca notoriamente conhecida, contudo, a legislação nacional nada dispõe a respeito da proteção de sinal notório para produtos e serviços diversos de seu ramo de atividade. Embora a proteção às marcas notoriamente conhecidas excepcione o princípio da territorialidade, o princípio da especialidade deve ser respeitado. Assim, existe o risco de que terceiros se utilizem de sinal notoriamente conhecido na identificação de produtos e serviços diversos daqueles protegidos pela marca notoriamente conhecida, buscando associar seu produto ou serviço ao renome da marca original. Trata-se de hipótese de aproveitamento parasitário da marca, que será tratado a seguir. 2.4.2.1 – Risco do aproveitamento parasitário da marca O aproveitamento parasitário da marca caracteriza-se pelo aproveitamento indevido, por terceiros, do renome de marca alheia para promover bens e serviços diversos daqueles assinalados pelo sinal notório. Referido aproveitamento ocorre por meio do uso de marcas notoriamente conhecidas para assinalar bens de ramo de atividade distinto, ocorrendo, portanto, fora do campo da concorrência. No aproveitamento parasitário, assim, busca o usurpador ter seus produtos e serviços associados ao renome de marca de terceiro, aproveitando-se indevidamente de sua fama. 84 GUSMÃO (1993: 03) atenta para o fato de o aproveitamento parasitário pressupor uma relação de não concorrência, divergindo, portanto, da concorrência parasitária, que seria espécie de concorrência desleal. Em seu entendimento, “[o] aproveitamento parasitário constitui-se de claro e indiscutível desvio de função das regras de proteção à propriedade industrial, caracterizando-se como fraude à lei, portanto nulo, independentemente do elemento intencional.”. O principal problema que se vislumbra quanto ao aproveitamento parasitário é o dano que ele causa ao valor atrativo da marca (GUSMÃO, 1993: 04). Um sinal que antes era imediatamente associado a determinado produto ou serviço, passa a designar produtos e serviços diversos. Assim, ainda que respeitado o princípio da especialidade das marcas, é necessário sempre observar se o sinal que se busca registrar como marca encontra-se disponível não apenas nos termos já expostos, mas também não representa risco de aproveitamento parasitário de marca notória. 2.4.2.2 – Risco de diluição da marca As marcas notórias, pelo alto poder atrativo que representam, estão freqüentemente sujeitas ao aproveitamento indevido de terceiros. O próprio aproveitamento parasitário das marcas, como se verificou, causa danos irreversíveis ao valor atrativo das marcas notórias na medida em que elas deixam de ser imediatamente associadas ao produto ou serviço que assinalam. Entende-se, pois, por diluição da marca processo pelo qual a marca notória perde gradativamente sua capacidade distintiva, passando a indicar bens e 85 serviços diversos. Referida diluição pode se dar de três formas: por ofuscação da marca, por maculação da marca, ou ainda por adulteração da marca 97. Como coloca CORREA (1997: 36)98, “Verificando-se o fenômeno da notoriedade (=alto renome) e presente, portanto, o pressuposto de outorga do amparo especial de que cogita a lei, no artigo em exame, impõe-se atenção à vulnerabilidade maior das marcas de alto renome ao processo de desgaste decorrente da aparição de marcas que nela se inspirem. É o fenômeno da diluição, que é um processo de erosão das marcas, cujo magnetismo é, aos poucos, aluído. O que sucede é que o surgimento, no mercado, de marca semelhante identificando produtos de outros fabricantes ou prestadores de serviço leva o público, inconscientemente, a lembrar a marca original. Muito embora a marca parecida até mesmo nem gere confusão quanto à origem, o público, paulatinamente, se habitua com o fato de essa marca ser usada por outros empresários. Isso, naturalmente, tem como conseqüência a queda do poder de atração da marca original e o desaparecimento gradual de sua posição de exclusividade.”. 97 Referida diferenciação é feita principalmente na doutrina norte-americana. A diluição por ofuscação afeta a unicidade da marca, que perde sua força distintiva em si mesma, na medida em que, a coexistência com marcas semelhantes, faz com que o público consumidor não mais identifique a marca imediatamente ao produto ou serviço assinalado pela marca original. A diluição por maculação ofende a reputação da marca, uma vez que esta passa a ser associada com produtos de baixa qualidade, ou com conceito moral reprovável. Por fim, a diluição por adulteração afeta a consistência da marca, na medida em que admite uso diverso daquele desejado por seu titular e conhecido pelo consumidor, reduzindo seu poder de venda. (ALMEIDA, 2006: 184/185). 98 CORREA (1997: 37) compara a diluição das marcas à inflação econômica, ilustrando bem o prejuízo que referido fenômeno causa às marcas. Em suas palavras, “A diluição corresponde, no direito das marcas, à inflação no campo do direito econômico. Quanto mais moeda se emite, mais desgastada se torna a unidade monetária. Aqui, quanto mais se incorpora a marca de terceiro a outras, de vários titulares, mais desgastado, mais desvalorizado se torna o sinal distintivo. A diluição representa, no plano marcário, uma verdadeira morte da marca por afogamento.”. 86 Embora todo sinal distintivo, em tese, possa perder seu caráter distintivo 99, são as marcas notórias que sofrem maior risco de diluição. O alto poder atrativo atribuído às marcas notórias, assim como sua reputação e alto valor econômico, faz de referidos sinais os mais visados por aproveitadores. Dentre as marcas notórias que sofrem risco de diluição, parece-nos que as marcas notoriamente conhecidas, em especial, estão mais sujeitas a esse tipo de enfraquecimento da marca, visto que a elas não é garantida proteção especial em todos os ramos de atividade. Por outro lado, sendo o processo de reconhecimento de marca de alto renome específico, possível de se requerer apenas por meio de defesa, não há dúvida que as marcas de alto renome também podem ser usurpadas por terceiros, diluindo seu poder distintivo. A diluição marcária, contudo, não se confunde com o processo de degeneração da marca, que será tratado no Capítulo 04. Assim como na diluição, o sinal notório que sofre degeneração também perde seu poder distintivo. Entretanto, enquanto na diluição o sinal passa a assinalar produtos e serviços diversos, na degeneração a marca passa a significar o próprio nome do bem. A diluição, assim, é fruto do aproveitamento indevido de terceiros, e independe da intenção do titular da marca notória. Este freqüentemente age 99 Os sinais não notórios, ou aqueles notórios não reconhecidos como tais nos termos da lei, também sofrem risco de diluição, principalmente por não gozarem de proteção especial. O INPI freqüentemente concede registros de marca compostos por sinais semelhantes ou idênticos para assinalar produtos ou serviços de classes distintas, mas que possuem certa afinidade. O titular da primeira marca registrada, por não gozar da proteção especial relativa às marcas notórias, dificilmente consegue alterar referida decisão perante o Judiciário, exatamente pelo fato de sua marca não gozar de proteção especial nos termos da lei. Neste sentido, em recente julgado, ainda não publicado, e disponibilizado pelo próprio procurador da recorrente: “DIREITO. MARCA. EXCLUSIVIDADE. CLASSES DIVERSAS. Trata-se, na origem, de ação em que a ora recorrida buscava a anulação de registro de marca do ora recorrente no INPI. Foi concedido à recorrente registro para laticínios, classe 31, subitem 10, em 18/7/1986, enquanto, para a recorrida em datas anteriores, foram concedidos registros para massas alimentícias em geral, farinha e fermentos em geral, classes 32.10 e 32.20. No caso, os elementos distintivos da marca, bem como o fato de tratar-se de produtos de classes diferentes, são suficientes para que o consumidor exerça adequadamente seu direito de compra, sem se confundir. O simples fato de se tratar de gêneros alimentícios não é suficiente para presumir a confusão. Assim, a Turma deu provimento ao recurso ao entender que o direito à exclusividade do uso da marca, em razão de seu registro no INPI, limita-se à classe para a qual foi concedido, não alcançando outros produtos, não similares, enquadrados em classes diversas, excetuados os casos de marcas ‘notórias’.” STJ, REsp nº 863.975-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 19.08.2010. 87 contra terceiros em busca de manter o poder atrativo de sua marca, mas nem sempre os órgãos competentes constatam o risco de diluição de um sinal. Na degeneração marcária, contudo, como se verá, é o titular da marca normalmente o maior responsável pela perda da distintividade de seu sinal. A proteção ao risco de diluição mostra-se complexa, contudo, na medida em que o princípio da especialidade das marcas deve ser flexibilizado para garantir proteção a sinais notórios em ramos de atividade em que eles não se inserem. Na ausência de uma legislação especifica quanto à proteção ao risco de diluição no país, a análise deve ser feita caso a caso, devendo-se sempre prestigiar as marcas cujo cunho notório e distintivo seja mais latente. Cabe, assim, ao titular da marca, acompanhar as decisões proferidas pelo INPI, e atuar ativamente quando se deparar com registros de marca capazes de afetar sua marca e de diminuir seu poder distintivo. Destaca-se, por fim, que a teoria da diluição encontrou grande aceitação no ordenamento jurídico norte-americano, sendo objeto de lei federal denominada Trademark Dilution Revision Act, que encontra-se em vigor desde outubro de 2006, e veio para “revisar” o Federal Trademark Dilution Act, promulgado em 1996. Segundo referida Revisão, para se afastar o uso de sinal notório por terceiros deve-se considerar a possibilidade de confusão entre o sinal famoso ou notório e o sinal utilizado por terceiro, independentemente da prova real de prejuízo (MILROT, 2009: 16)100. 100 Como coloca a autora em seu artigo, o Federal Trademark Dilution Act, antes da sua revisão, exigia prova concreta do risco de diluição da marca para impedir seu uso por terceiros. No famoso caso norte-americano envolvendo as marcas Victoria’s Secret e Victor’s Little Secret, que foi julgado pela Suprema Corte norteamericana antes da revisão de 2006, o titular da segunda marca não foi condenado a se abster do seu uso, por entender a Suprema Corte norte-americana que referida expressão não diminuía a capacidade distintiva da afamada marca Victoria’s Secret (MILROT, 2009: 16). 88 2.4.2.3 – A diluição e a teoria da distância O processo de registro de marca no Brasil exige do examinador uma análise prévia acerca da disponibilidade ou não do sinal que se pretende registrar. Dentre os critérios adotados pelo examinador, encontra-se a possibilidade ou não de coexistência entre as marcas já existentes e a marcas que se pretende registrar, análise esta feita a partir dos elementos que distinguem a nova marca depositada e da preexistência de outros registros de marca semelhantes. Referida avaliação é denominada pela doutrina de teoria da distância. Como define CORREA (2009: 15), “A teoria da distância é a tradução, no campo das marcas, do princípio da isonomia e visa a determinar se, diante de um quadro composto por certo número de marcas precedentes, a marca neófita pode ou não coexistir com outras pré-registradas. A mensuração da distância ocorre diante de um quadro préexistente, do status quo. Não se mede necessariamente a distinguibilidade intrínseca, genética dos sinais pré existentes, mas o fato de eles conviverem apesar de semelhanças. Não se questiona se as marcas anteriores deveriam ou não conviver: fazse um juízo de realidade, não um juízo de valor.”. A teoria da distância, contudo, não considera o risco de diluição das marcas ao analisar a mera possibilidade de coexistência entre elas. Na prática, o que ocorre é a concessão, pelo INPI, de diversas marcas constituídas por sinais notórios as quais, na opinião dos examinadores, seriam inconfundíveis e passíveis de coexistência. CORREA (2009: 16), pois, assevera que “[a] distância entre as marcas, ditada pela maior ou menor relação entre os componentes semiológicos dos sinais, é alterada por dois outros fatores”, dentre eles “b) o grau de prestígio auferido por um sinal.”. Como ensina, 89 “[o] grau de proteção das marcas é diretamente proporcional ao seu grau de projeção e, em se tratando de marcas que tenham atingido notoriedade, a lei contempla amparo especial. As marcas notórias desfrutam de resguardo contra o fenômeno da diluição, pela sua imensa capacidade de atração de clientela, imantando qualquer produto ou serviço que designem. Em se tratando de marca notória (= de alto renome), a questão que se projeta não é simplesmente a de saber se existe ou não possibilidade de confusão ou associação. O problema é outro: a diluição. Pela posição preeminente adquirida pela marca notória, em razão de sua penetração no mercado, desfruta ela de amparo especial contra todo e qualquer ato que possa implicar diluição de sua força atrativa. A diluição é a verdadeira erosão das marcas, aluindo-lhes, aos poucos, o magnetismo. A diluição não tem como fulcro a possibilidade de confusão. O que sucede é a aparição no mercado de marca semelhante identificando produtos de outros fabricantes levará o público, inconscientemente, a lembrar a marca original. Muito embora a marca parecida até mesmo nem gere confusão quanto à origem, o público, paulatinamente, se habituará com o fato de essa marca ser usada por outros fabricantes. Isso, naturalmente, tem como conseqüência a queda do poder de atração da marca original e o desaparecimento de sua posição de exclusividade.”. Na prática, contudo, diante da concessão de marcas que representam risco de diluição de um sinal notório, ao titular da marca notória não resta outra opção além de recorrer ao Poder Judiciário, visando reverter a decisão administrativa do INPI.101 101 Exemplo de decisão judicial quanto ao tema: “PROPRIEDADE INDUSTRIAL. COLIDÊNCIA DE MARCAS. TEORIA DA DISTÂNCIA. TEORIA DA DILUIÇÃO. DOUBLEMINT. DOUBLE SOFT. 1. No exame de eventual colidência, doutrina e jurisprudência têm tradicionalmente se utilizado da teoria da distância, que, fundamentando-se nos princípios da eqüidade e da igualdade, sustenta a coexistência de marcas quando a situação fática atual possibilite o convívio harmônico de signos semelhantes ou afins. 2. Embora muito eficaz na maioria dos casos, tal critério não é capaz de abarcar hipóteses especialíssimas, onde a infringência de direitos pode ganhar matizes diversos, que exigem uma análise mais profunda e sob outro enfoque, o da teoria da diluição. 3. A idéia principal da teoria da diluição é a de proteger o titular contra o 90 ALMEIDA (2006: 185), Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao ministrar palestra acerca da distintividade como uma função dinâmica da marca, manifestou-se favorável à proteção das marcas do risco de diluição, afastando, em algumas hipóteses, a teoria da distância. Como salientou, “A ratio da teoria da diluição é que a diminuição gradual da distintividade e do valor de uma marca, como resultado do uso indiscriminado por terceiros, constitui uma invasão indevida do direito de propriedade da marca, ainda que inexista possibilidade de confusão. Assim, ao se deparar com um caso em que seja aplicável a teoria da diluição, a preocupação do julgador não deve ser a distância entre os signos ou a possibilidade de induzir o consumidor a erro, mas sim a necessidade de resguardar a distintividade de uma marca que mereça manter seu alto grau de integridade, material e moral, e sua reputação.”. 2.4.2.4 – O INPI como coadjuvante no processo de diluição de marcas no Brasil Como se sabe, no Brasil o órgão responsável pela análise e concessão dos registros de marca é o INPI. É nele que são proferidas decisões de mérito quanto à registrabilidade ou não dos sinais depositados como marcas. enfraquecimento progressivo do poder distintivo de sua marca, mormente em casos de marcas que ostentam alto grau de reconhecimento ou que sejam muito criativas, sendo o paradigma para a decisão entre aplicar a teoria da distância ou a teoria da diluição a fama e a criatividade do sinal. 4. Conquanto os efeitos de uma violação direta de marca registrada sejam mais facilmente identificados e tragam prejuízos imediatos, o resultado da diluição de uma marca traz efeitos nefastos, vez que enquanto o primeiro ludibria os consumidores já existentes, o segundo enfraquece o poder de venda de um sinal distintivo, podendo ser até irreversível. 5. Apelações improvidas.” TRF da 2ª Região, 2ª Turma, AC nº 2002.51.01.514660-7, Rel. Des. Federal LILIANE RORIZ, j. 22.08.2006, DJU 04.09.2006. 91 Diante do risco de diluição que sofrem as marcas notórias, CORREA (1997: 36) atenta que “O acentuado poder distintivo e conseqüente valor econômico das marcas de alto renome impõem maior rigor no exame de pedidos de registro de sinais que com elas apresentem semelhança, pois é intuitivo que a possibilidade de confusão, associação ou, no mínimo, diluição, toma proporções maiores. O nível de rigidez na apuração de conflito, em nosso sentir, deve ser crescente na medida em que se conjuguem o dado identidade/similaridade/afinidade/relatividade entre os segmentos, e decrescente na medida em que a marca nova, que se pretende similar, vise a ramo de negócio sem qualquer ligação (...). Na avaliação de conflito, há que tomar em consideração, além disso, a singularidade do sinal distintivo e a posição de exclusividade de que gozava antes de tornar notória, pois marcas há que, apesar do alto renome que adquiriram, há conviviam com outras que lhe fossem semelhantes ou até mesmo idênticas.”. O que se verifica, contudo, das decisões proferidas pelo INPI é que raramente referido órgão faz uso do poder a ele conferido de indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite marca notoriamente conhecida.102 Dado o assoberbamento enfrentado por referido órgão, as decisões de indeferimento de registros de marca fundadas no risco de diluição de marca notória quase sempre dependem da oposição de terceiros no trâmite administrativo. Outra problemática que se coloca com relação às decisões emanadas pelo INPI é o fato de referido órgão não considerar, quando da análise da registrabilidade das marcas, sua distintividade extrínseca103. LOBO (2006: 189), Procurador do INPI, em palestra ministrada acerca da distintividade como função 102 LPI, artigo 126, parágrafo 2º. 103 Sobre distintividade intrínseca e extrínseca, discorreu-se no item 1.7.1. 92 dinâmica da marca, defendeu o posicionamento do INPI no sentido que, quando da análise da distintividade dos sinais, considera-se apenas a distintividade do sinal em si mesmo e a distintividade do sinal por comparação aos outros, não se analisando, portanto, as circunstâncias fáticas. Por outro lado, sendo a diluição marcária processo fático, que deve ser analisado caso a caso, sua identificação depende de análise subjetiva por parte do examinador, que nem sempre tem conhecimento do cenário global em que a diluição ocorre. É comum que examinadores concedam marcas diversas compostas pelo mesmo sinal notório sem ter conhecimento acerca das decisões proferidas entre os demais examinadores. E, caso o titular da marca notória não se oponha contra cada um dos registros concedidos, a concessão e manutenção de um único registro de marca poderá servir no futuro como fundamento para que outras marcas compostas pelo mesmo sinal notório sejam concedidas, em respeito à teoria da distância. 93 III. DA AQUISIÇÃO DE DISTINTIVIDADE DE MARCA DECORRENTE DE SUA NOTORIEDADE Como se verificou nos capítulos anteriores para que uma marca seja reconhecida como tal é indispensável que ela seja dotada de distintividade, isto é, seja capaz de distinguir o produto ou serviço por ela assinalado dos demais existentes no mercado. Não é por outro motivo que a própria LPI, em seu artigo 124, inciso VI, dispõe não ser registrável como marca sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo se, como o próprio inciso excepciona, o sinal seja revestido de suficiente forma distintiva. Como também se verificou, a marca notória destaca-se das demais marcas existentes do mercado por ter maior reconhecimento do público, que automaticamente associa a marca notória aos produtos e serviços por ela assinalados. Dentre os efeitos da notoriedade sobre a marca, como se observou, estão aqueles relativos à distintividade do sinal. É possível classificar quatro hipóteses distintas relativas à aquisição e perda de distintividade marcária decorrente de sua notoriedade. A primeira delas, já tratada no Capítulo 02 do presente trabalho, diz respeito ao alto poder distintivo adquirido pelas marcas em decorrência de sua notoriedade, o que lhes garante proteção especial nos termos da lei. Nesta hipótese, as marcas adquirem maior distintividade, tornando-se excepcionalmente atrativas. Um bom exemplo para ilustrar esse aumento de distintividade de uma marca pela notoriedade é a marca “COCA-COLA”, cujo poder distintivo é inquestionável. Na segunda hipótese, como também se verificou no Capítulo 02, a alta notoriedade de um sinal faz com que terceiros passem a fazer uso dele para assinalar produtos e serviços de ramos de atividade distintos, aproveitando-se, indevidamente, do renome da marca original para promover sua atividade. Este 94 aproveitamento parasitário do sinal notório faz com que referido sinal tenha sua distintividade enfraquecida, diluindo-se no mercado. É possível vislumbrar alguns exemplos de marcas em processo de diluição, como é o caso da marca “CONTINENTAL”104, originalmente utilizada para identificar cigarros, e que atualmente identifica produtos dos mais diferenciados ramos, como aros maciços e pneumáticos de borracha105; gorduras, óleos comestíveis, condimentos e especiarias106; bebidas, xaropes e sucos concentrados 107; carroceria para veículos108; relógios109, aparelhos eletrodomésticos110, dentre outros. A terceira hipótese que se vislumbra – a qual será analisada no presente Capítulo, é a de sinais não distintivos, isto é, carentes de distintividade, que adquirirem distintividade diante de seu alto grau de notoriedade. Referidos sinais, como se verá, adquirem um significado secundário ao longo do tempo, diverso daquele original, prestando, pois, para distinguir o produto ou serviço que assinalam. A última hipótese que se vislumbra, e que será analisada no Capítulo 04, é a de perda total de distintividade marcária decorrente do excesso de notoriedade do sinal. Neste caso, diferentemente do que ocorre com a diluição, a perda de distintividade não se dá em função do uso do sinal notório por terceiros. O que ocorre, na verdade, é a confusão entre marca e objeto por ela assinalado, que passam a ser considerados sinônimos para o público consumidor. 104 Registro de marca nº 002.523.272 105 Registro de marca nº 003.352.064. 106 Registro de marca nº 002.152.070. 107 Registro de marca nº 003.164.810. 108 Registro de marca nº 003.220.133. 109 Registro de marca nº 006.666.051. 110 Registro de marca nº 730.079.082. 95 3.1 – A teoria do secondary meaning ou teoria do significado secundário Como se verificou, a função primária da marca é a de distinguir os bens e serviços por ela assinalados dos demais existentes no mercado. Isto porque, ao assinalar seu produto com sinal distintivo, não tem o empresário outro objetivo senão o de diferenciar seu produto dos demais, distingui-lo, torná-lo único na percepção do consumidor. A escolha do sinal que irá distinguir o bem ou serviço, contudo, não é uma tarefa fácil. Como bem expôs PINHO (1996: 49), vários motivos influem para a complexidade na escolha da marca: “a pulverização do mercado com diversas empresas em posição de concorrência; a abertura do mercado em função da globalização da economia; a internacionalização dos mercados antes nacionais ou regionais; a formação de blocos econômicos; a busca da harmonização das diferentes legislações nacionais que regulam a matéria com o conseqüente reconhecimento dos direitos de empresas estrangeiras sobre a marca e nomes comerciais.”. Estes fatores, contudo, raramente são relevados pelo empresário comum. Na verdade, a busca por uma marca altamente distintiva, com alto poder atrativo antes mesmo do lançamento do produto ou serviço no mercado exige grandes investimentos em pesquisa e principalmente em marketing, o que nem sempre pode ser suportado pelo empresário. É muito comum, portanto, que ao se escolher uma marca na identificação de um produto ou serviço, o empresário opte por uma expressão não distintiva, mas que se associe ao serviço ou produto oferecido. Tal associação entre o sinal adotado e o bem assinalado mostra-se, a princípio, interessante na medida em que, para o consumidor, a identificação entre o bem e o sinal que o identifica será quase imediata, dispensando ao empresário gastos iniciais com publicidade. A 96 marca “AMARULA”111, por exemplo, foi registrada para assinalar “bebidas, xaropes e sucos concentrados”, e na prática identifica licor produzido a partir da fermentação de uma fruta denominada “marula”. A associação entre o nome da fruta e o principal ingrediente da bebida é imediata, o que, a princípio, pode ser interessante para o empresário na divulgação de sua marca. Da mesma forma, a marca “CIMENTCOLA” 112, concedida para identificar, dentre outros produtos, argamassas, praticamente descreve o produto por ela assinalado, introduzindo o produto ao consumidor sem necessidade de maior publicidade do bem. Verificou-se, contudo, que o uso continuado de sinais não distintivos na identificação de determinados bens, associado à notoriedade adquirida por referidos sinais perante o público consumidor, fez surgir no mercado marcas perfeitamente capazes de distinguir os bens por ela assinalados, na medida em que estes sinais, originalmente não distintivos, passaram a ter, para o consumidor, significado diverso do seu significado original. Referido fenômeno passou a ser estudado pela teoria do secondary meaning ou teoria do significado secundário. Como explica CARRAU 113 sobre o motivo da denominação teoria “secundária”, “La explicación surge de que estamos frente a un signo (no distintivo) que tiene uma significación „primaria‟: El concepto que transmite el signo por si mismo, en su significado natural o literal. Pero – a la vez – adquirió mediante el uso en el comercio un segundo significado o una „significación secundaria‟: como marca. Por ello, ese mismo signo termina simbolizando o significando algo más, „distingue‟ los bienes de un comerciante, adquire un valor, representa un origen, una calidad, un prestigio, una clientela. De tal forma que llega un punto en que el significado 111 Registro de marca nº 811.923.924. 112 Registro de marca nº 790.315.041. 113 “La significación secundaria a la hora de elegir marcas”, pp. 02/03. 97 „secundario‟ como „marca‟, por su uso y publicidad, por la distintividad adquirida, se transforma en el „significado primario‟ (su significado o función como marca destaca por sobre el significado natural o literal del signo).”. O uso progressivo de sinal não distintivo no mercado para identificar determinados bens, portanto, associado a um elevado grau de conhecimento que esse sinal adquire perante o público consumidor, pode levar referido sinal a adquirir um segundo significado para o mercado. Este sinal, assim, passa a ser dotado de distintividade, sendo passível de registro como marca. 3.1.1 – Origem O conceito de secondary meaning surgiu nos chamados países do common law (SAMPAIO, 1995: 13), tendo sido verificado primeiramente na Grã Bretanha, em 1896, e desenvolvido nos Estados Unidos da América, onde o uso do sinal é fundamental para a aquisição do direito sobre a marca (MORO, 2003: 83/84). O surgimento da teoria do secondary meaning nos países do common law explica-se principalmente pelo fato de referidos países adotarem o sistema declarativo de direitos. Nesses países, o registro da marca, como já se observou, visa apenas declarar um direito pré-existente, adquirido pelo uso do sinal como marca, e referido registro garantirá, ainda, ao titular da marca o direito de agir contra terceiros. Portanto, é também nos países do common law que são verificados com mais freqüência casos de aquisição de significado secundário por sinais carentes de distintividade, como se verificará no Capítulo 05. 98 3.1.2 – Características O fenômeno do secondary meaning pressupõe (i) a aquisição de significado secundário, (ii) por sinal não distintivo, (iii) decorrente do seu uso anterior e da notoriedade adquirida pelo sinal perante o mercado. Estes três fatores, portanto, caracterizam o fenômeno do secondary meaning, e devem ser observados quando da avaliação da ocorrência ou não do fenômeno estudado. O secondary meaning trata-se, pois, de fenômeno lingüístico, que exige uma mutação da linguagem, na medida em que um determinado signo passa a possuir novo significado perante o público consumidor. Como se observou, quando a ocorrência do fenômeno do secondary meaning é reconhecida, seja pelo órgão responsável pelos registros de marca, seja pelos Tribunais, o que se garante é o registro, como marca, de expressão originalmente não distintiva, o que pode ser considerado uma excepcionalidade. Logo, a identificação das principais características do secondary meaning, mostra-se especialmente importante para que não se conceda, equivocadamente, uma proteção especial a sinais carentes de distintividade. 3.1.2.1 – Fenômeno lingüístico A primeira característica do fenômeno do secondary meaning, portanto, é o fato de tratar-se de fenômeno lingüístico, relativo à própria semântica do sinal não distintivo. Como esclarece CORREA (1994: 32), “O desenvolvimento de um significado secundário deriva de um processo de depósito semântico dentro do significante. O significante é apenas uma forma, ou, antes, uma fôrma, servindo de receptáculo a conteúdos diferentes, simultânea ou sucessivamente, por processo diacrônico. O significante que, 99 inicialmente, possuía um significado ou mais, passa a ter mais um, no plano puramente privado.”. Na verdade, o que se observa no fenômeno do secondary meaning é que o sinal não distintivo adquire significado diverso do seu significado original. Entende-se por significado diverso aquele diverso do seu sentido semântico original, primário, significado este que possui relação direta com o bem ou serviço assinalado. Como bem sintetiza RICCI (2006: 193): “[a]quela expressão ou sinal que, originalmente e a priori, não teria suficiente distintividade intrínseca, adquire a distintividade na mente do consumidor e passa a ter um segundo significado para ele, qual seja: o sentido secundário de verdadeira marca.”. JACOBY (2001: 1029) defende, ainda, tratar-se o secondary meaning de fenômeno psicológico, na medida em que o novo significado do sinal é criada mentalmente pelo público consumidor: “When a „substantial‟, appreciable‟, or „significant‟ proportion of the relevant consuming public develops cognitive networks for a product or service, and these networks posses one or more nodes capable of serving to uniquely identify that product or service and only that product or service as coming from a particular (albeit anonymous) source, then, forms a psychological perspective, that node (or nodes) may be said to have „acquired distinctiveness‟ or achieved „secondary meaning‟.”. Em se tratando de sinais não distintivos que adquirem distintividade, não há dúvida de que o novo significado adquirido pelo signo deve afastar-se do significado original, permitindo que o signo desassocie-se do bem ou serviço que visa assinalar, sendo capaz de distingui-lo dos demais. 100 3.1.2.2 – Expressões fracas x expressões carentes de distintividade Como se verificou, a LPI, em seu artigo 124, inciso VI, é taxativa ao não permitir o registro, como marca, de sinais carentes de distintividade. Da lista dos sinais dispostos no artigo referido, têm-se os sinais de caráter genérico, necessários, comuns, vulgares ou simplesmente descritivos, “quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva.”. Por outro lado, como também se verificou, são os sinais carentes de distintividade que podem sofrer o fenômeno do secondary meaning, uma vez que referido fenômeno pressupõe a aquisição de distintividade de um sinal originalmente não distintivo, de modo a garantir-lhe o direito de ser registrado como marca. Das disposições referidas, conclui-se que somente poderão sofrer o fenômeno do secondary meaning os sinais genéricos, de uso comum, vulgares, descritivos, assim considerados em relação ao produto ou serviço que visam assinalar. A doutrina norte-americana, contudo, apesar de admitir a aplicação da teoria do secondary meaning para sinais genéricos, não admite que referidos sinais sejam registrados como marca (SIERVI, 2005: 138). Na opinião da autora, “[o] Direito americano nega-se a atribuir conseqüência jurídica, no caso, proteção marcária, em tais circunstâncias, pois não admite que possa ser dado direito de exclusividade ao uso de termos que identifiquem, de forma genérica, um produto ou serviço.”. Embora a jurisprudência norte-americana se mostre pacífica quanto ao entendimento referido, na prática há uma grande dificuldade de se definir e 101 diferenciar os termos genéricos dos sinais descritivos, vulgares, necessários ou de uso comum, o que pode gerar decisões contraditórias quanto ao mesmo tema. A legislação nacional, por sua vez, não proíbe o registro como marca de sinais que, embora se relacionem indiretamente com o produto ou serviço que visam assinalar, sejam dotadas de distintividade. De fato, são essas as marcas preferidas pelos empresários, pois ao mesmo tempo em que evocam o produto ou serviço que assinalam, ou sugerem sua natureza, sendo facilmente identificadas pelo mercado, são elas passíveis de registro como marca. Referidos sinais são comumente reconhecidos pela doutrina como marcas evocativas ou sugestivas e caracterizam-se por possuírem um poder distintivo mais atenuado. São consideradas, portanto, marcas fracas, em contraposição às marcas fortes, de alto poder distintivo. LEONARDOS (2000: 47) esclarece que a marca evocativa “É a marca registrável que por contraposição à descritiva (irregistrável), que meramente evoca o produto que pretende distinguir, mantém com ele uma relação remota ou indireta.”. O autor apresenta como exemplos a marca “MOTORÁDIO” para rádio de automóveis, “PAPER MATE” para canetas, e “BAGUETE” para sanduicheria. Para GARCIA (2008: 21) as marcas sugestivas são as preferidas dos publicitários pelo fato de sua associação com o produto não depender de campanhas publicitárias. Dentre os exemplos trazidos, destacam-se as marcas Coca-Cola, Palmolive e Eveready. A questão que se coloca, contudo, é se as marcas evocativas e sugestivas também seriam passiveis de sofrer o fenômeno do secondary meaning. Em se tratando de fenômeno que estuda a aquisição de distintividade por signos não distintivos, a princípio, parece-nos tecnicamente equivocado prever a aplicação de referida teoria para sinais dotados de distintividade. O que se admite, contudo, é que sinais evocativos ou sugestivos também adquiram um novo significado ao longo do uso, isto é, que adquiram um 102 secondary meaning, adquirindo, portanto, mais distintividade do que originalmente possuíam, na medida em que seu novo significado é capaz de afastar o sinal do bem ou serviço por ele assinalado. Referido significado secundário, assim, não transformará um sinal não distintivo em signo passível de registro como marca, mas será capaz de transformar uma marca originalmente fraca em marca forte. 3.1.2.3 – As expressões em língua estrangeira Quanto às expressões em língua estrangeira, como se verificou, referidos sinais são passíveis de registro como marca desde que apresentem caráter distintivo. Isto significa afirmar que as palavras em língua estrangeira serão passíveis de registro como marca quando não possuírem relação direta com o produto ou serviço que assinalam. Quando referidas expressões, contudo, possuírem relação com o produto ou serviço que distinguem, parece-nos que devem ser observadas as mesmas disposições relativas às marcas evocativas ou sugestivas e às marcas genéricas, de uso comum, vulgares e descritivas. Assim, expressões em língua estrangeira que possuem relação indireta com o produto ou serviço que assinalam, sendo consideradas evocativas ou sugestivas, não estão sujeitas ao fenômeno do secondary meaning - muito embora possam adquirir significado secundário com o uso prolongado 114 -, enquanto os sinais em língua estrangeira diretamente relacionados com o bem ou serviço que assinalam, poderão sofrer o fenômeno do secondary meaning. 114 A marca “POST-IT” (Processo nº 006.995.160), por exemplo, foi concedida para assinalar “material de papel ou papelão em folha contendo um revestimento adesivo pelo menos em um dos lados, para fixação em paredes ou outras superfícies verticais para manter no lugar exemplares de exposição e outras mensagens.”. Considerando que o verbo “post”, na língua portuguesa pode ser traduzido como postar, informar ou dispor, não há dúvida de que a marca “POST-IT” evoca a função das etiquetas autocolantes que ela identifica. Entretanto, há que se reconhecer que a notoriedade adquirida por referida marca fez com que ela adquirisse maior distintividade, afastando o termo “post-it” do objeto assinalado pela marca “POSTIT”. 103 3.1.2.4 – Limites à proteção Ao adquirir um significado secundário, como se abordou, o sinal originalmente não distintivo adquire capacidade distintiva, sendo passível, portanto, de registro perante o INPI. Uma questão que se coloca, contudo, é a de qual seria a extensão da proteção garantida a referidos sinais, na medida em que são constituídos por expressões genéricas, comuns, descritivas de um produto ou serviço. Como coloca SIERVI (2005: 146), “A necessidade de proteção a sinais, em princípio, não distintivos, em decorrência da notoriedade adquirida e do uso diferenciado feito pelo comerciante, consumidores de que com tal vistas termo à percepção constitui-se a pelos marca individualizadora de determinado bem gera, em contrapartida, a possibilidade de monopólio da linguagem para o titular do signo que adquiriu secondary meaning.”. Parece-nos, contudo, que a questão pode ser resolvida em se limitando a forma em que o sinal que adquiriu secondary meaning será utilizado, tanto pelo titular da marca que adquiriu significado secundário, como pelo mercado em geral. Tem-se, assim, que somente o titular da marca poderá fazer uso do sinal como marca, enquanto aos demais somente será permitido fazer uso do sinal de forma genérica, descritiva, isto é, em seu significado primário. Tal conclusão, aliás, não poderia ser outra: o fato de um sinal inicialmente não distintivo ser registrado como marca não impede que a palavra possa ser usada em sua acepção semântica “[o]u seja, que não possa ser usada como símbolo semiológico para referir-se ao significado que lhe é atribuído enquanto tal.” (SHIMIDT, 1999: 15). 104 Ao tratar da legislação uruguaia e da teoria do significado secundário no Uruguai, CARRAU115 ressalva que “Como contrapeso justo a la doctrina de la „significación secundaria‟ ha surgido la doctrina o defensa del „uso leal‟ („fair use‟ defense). Así, nadie podría ser impedido de usar términos de uso general, aunque sean marcas registradas, si los usa lealmente, de buena fé, en su significado literal (y no como marca) para describir o calificar y sin provocar riesgo alguno de confusión. Naturalmente, esto habrá de ser ponderado en cada caso concreto, apreciando todos los elementos en cuestión.”. Um exemplo apresentado por SAMPAIO (1995: 14) serve para ilustrar a limitação à proteção referida: “Um comerciante norte-americano lançou a marca Realemon para sumo de limão. O produto obtém grande sucesso, mormente pela sua qualidade. Os concorrentes accionam judicialmente esse comerciante, alegando que ele não tem direito a tal expressão como marca, visto que ela tão-só descreve o produto como sendo „realmente limão‟. Em sua defesa, o comerciante apresenta affidavits (declarações) demonstrando o grande volume de vendas da sua marca, os avultados gastos na sua publicidade e sobretudo o resultado de surveys (inquéritos ou sondagens) demonstrando que o público consumidor associa inequivocamente a expressão a uma determinada origem do produto, função individualizadora característica de marca. O Tribunal decidiu então que a expressão „Realemon‟, apesar de poder significar que o produto é realmente limão, tem efectivamente um „segundo significado‟ (secondary meaning), pois que preenche cabalmente a função característica da marca. Isso não quer dizer que os concorrentes possam apor 115 “La significación secundaria a la hora de elegir marcas”, p. 03. 105 nas embalagens dos seus produtos a expressão „real lemon‟, mas apenas como mera expressão indicativa de que o seu produto é realmente limão, e não como marca.”. Conclui-se, portanto, que mesmo registrado como marca, o titular de um sinal que adquiriu secondary meaning não pode impedir o uso de referido sinal em seu significado originário por terceiros. A doutrina do secondary meaning busca apenas identificar sinais que adquirem distintividade para garantir ao seu titular o registro como marca, respeitado sempre o fair use do sinal, em seu significado primário. 3.1.3 – Aplicabilidade A aplicação da teoria do significado secundário das marcas, como se verá, pode se dar tanto no sistema declarativo de direitos, como no sistema atributivo. 3.1.3.1 – No sistema declarativo de registro de marca No sistema declarativo de direitos, como se verificou, é o primeiro uso da marca que garantirá a seu titular a propriedade sobre a marca. Logo, neste sistema, o registro da marca é meramente declarativo, uma vez que apenas declara a propriedade da marca ao seu titular. Como também se expôs, a teoria do secondary meaning pressupõe a aquisição de significado secundário, por sinal não distintivo, decorrente do seu uso anterior e da notoriedade adquirida pelo sinal perante o mercado, decorrente de referido uso anterior. Logo, uma das principais características do fenômeno do secondary meaning - a aquisição de distintividade pelo uso anterior do sinal – é perfeitamente compatível com a principal característica do sistema de declarativo – a aquisição de um direito pelo uso do sinal. Não é por outro motivo, portanto, 106 que a teoria do secondary meaning surgiu exatamente nos países que adotam o sistema declarativo de direitos. Não há dúvida, portanto, acerca da aplicabilidade da teoria do secondary meaning em países que adotam referido sistema, sendo nestes países, como se verá, que são mais freqüentemente observados casos de aquisição de significado secundário por sinais originalmente não distintivos. 3.1.3.2 – No sistema atributivo de registro de marca A questão acerca da aplicabilidade da teoria do secondary meaning no sistema atributivo de direitos, por sua vez, mostra-se polêmica, não encontrando posicionamento pacífico na doutrina. Como se verificou, no sistema atributivo, a propriedade da marca adquirese pelo seu registro. E, para que o sinal depositado seja registrado como marca, como também se verificou, deve ele preencher os requisitos legais, dentre eles, o de ser distintivo. A análise acerca da distintividade do sinal no sistema atributivo, portanto, ocorre no momento em que ele é depositado perante o órgão competente para ser registrado como marca. E, se neste momento, o sinal mostrar poder distintivo, o órgão competente não pode recusar-se a registrá-lo por ausência de distintividade. Desta análise, portanto, mostra-se incorreto o entendimento de que a teoria do secondary meaning não encontraria aplicabilidade nos países que adotam o sistema atributivo de direitos. Nada obsta que um sinal adquira secondary meaning pelo uso antes de ser levado a registro perante o órgão competente. 107 No Brasil, por exemplo, a marca “CREDICARD” 116 foi devidamente registrada perante o INPI para identificar “serviços auxiliares ou correlatos das atividades financeiras.”. A marca “ALPARGATAS” 117, por sua vez, também se encontra registrada para identificar, dentre outros produtos, “calçados, tênis, sapatos esportivos, sapatos para a prática de esportes, chuteira de futebol, botas para a prática de esportes, botinas, sapatos de ginástica, sandálias de banho, chinelos de banho, sandálias e sapato social.”. Logo, a possibilidade de aplicação da teoria do secondary meaning em países que adotam o sistema atributivo de registro de marca é fato inafastável. Como se verificará, aliás, dos demais exemplos selecionados no capítulo 05, em muitos casos, uma marca que adquiriu significado secundário e foi registrada em país que adota o sistema declarativo de direitos, posteriormente é levada a registro em países que adotam o sistema atributivo. Nesses casos, a marca já se mostra perfeitamente distintiva quando é depositada perante o órgão competente, sendo, assim, passível de registro também perante esses países. 3.1.4 – O aparente conflito existente entre a teoria do significado secundário e o artigo 124, VI, da LPI Como se verificou, o artigo 124, VI, da LPI é taxativo ao impedir o registro como marca de sinais carentes de distintividade. O artigo 165 da LPI, por sua vez, dispõe ser nulo o registro de marca que for concedido em desacordo com as disposições daquela lei. Outra questão que se coloca, portanto, é a de que a teoria do significado secundário seria inaplicável no país na medida em que conflitaria com disposição expressa da LPI de não permitir o registro como marca de sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo. 116 Registro de marca nº 006.751.377, concedido em 10.09.1978. 117 Registro de marca nº 007.534.922, concedido em 13.10.1981. 108 Tal posicionamento, contudo, também não merece prosperar. Como bem se abordou, a teoria do significado secundário prevê a aquisição de distintividade por sinais originalmente não distintivos, logo, a própria teoria do secondary meaning somente assegura a proteção como marca aos sinais que adquiriram distintividade. Assim uma análise restritiva do artigo 124, VI, da LPI mostra-se incompatível com o próprio sistema de registro de marca no país, uma vez que os termos “genérico”, “necessário”, “comum”, “vulgar” e “descritivo” podem ser perfeitamente afastados diante do significado secundário adquirido pelo sinal. Daí estar-se diante de um conflito aparente entre a teoria do significado secundário e o artigo 124, VI, da LPI, o qual, na prática, não se verifica. 3.1.5 – Fundamento legal para a teoria A possibilidade de um sinal originalmente não distintivo adquirir distintividade, tornando-se, portanto, passível de registro, não está expressamente prevista na legislação nacional. Contudo, a teoria do secondary meaning pode ser perfeitamente fundamentada na CUP e no TRIPs, como se passa a demonstrar. 3.1.5.1 – A Convenção da União de Paris A CUP118 dispõe, em seu artigo 6 quinquies C (1), que para se apreciar se uma marca é suscetível de proteção, devem ser consideradas todas as circunstâncias de fato, notadamente a duração de seu uso. Ao comentar este dispositivo, em especial a importância das circunstâncias de fato a serem analisadas quando da concessão do registro de marca, BODENHAUSEN (1969:123), antigo Diretor Geral dos Bureaux Internacionaux 118 Sobre a aplicabilidade da CUP no Brasil, discorreu-se no item 1.1. 109 Réunis pour la Protection de la Propriété Intellectuelle - BIRPI (hoje denominada OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual), prevê expressamente a possibilidade das circunstâncias de fato demonstrarem que uma marca originalmente sem distintividade adquiriu, pelo seu uso prolongado, um significado secundário, tornando-a distintiva. Logo, a teoria do significado secundário da marca mostra-se perfeitamente fundamentada no artigo 6 quinquies C (1) da CUP, uma vez que, dentre as circunstâncias de fato a serem analisadas quando da apreciação da registrabilidade ou não de um sinal, certamente está a aquisição de um significado secundário pelo sinal originalmente não distintivo. 3.1.5.2 – O TRIPs O Artigo 15. 1 do TRIPs, por sua vez, dispõe: “1. Qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas. Quando os sinais não forem intrinsecamente capazes de distinguir os bens e serviços pertinentes, os Membros poderão condicionar a possibilidade do registro ao caráter distintivo que tenham adquirido pelo seu uso. Os Membros poderão exigir, como condição para registro, que os sinais sejam visualmente perceptíveis.”. Referido instrumento legislativo, como se verifica, prevê expressamente a possibilidade de um sinal adquirir distintividade pelo seu uso, contemplando, pois, a teoria do secondary meaning. 110 Uma ressalva que se coloca, contudo, quanto ao TRIPs é acerca da sua aplicabilidade no país, uma vez tratar-se de tratado-contrato119. Como adverte SIERVI (2005: 175), “O TRIPS é um tratado-contrato e, por conseguinte as obrigações geradas por este tipo de tratado são dirigidas aos Estados signatários, que devem modificar suas legislações internas, a fim de que essas sejam compatíveis com as disposições do tratado.”. Assim, embora o Brasil esteja obrigado a reconhecer a possibilidade de registro de uma marca originalmente não distintiva que adquiriu distintividade por meio do uso, as regras estabelecidas pelo TRIPs não podem ser exigidas diretamente dos cidadãos. Torna-se, pois, necessária uma modificação da legislação nacional para que a teoria do significado secundário seja também aplicada no país com fundamento no TRIPs, modificação esta que só poderá ser feita pelo Congresso. 3.1.6 – Riscos da teoria do significado secundário A teoria do significado secundário, como se colocou, prevê uma hipótese excepcional, em que é garantido a um único empresário direito de propriedade sobre sinal originalmente não distintivo. Desta excepcionalidade, contudo, decorrem dois riscos inevitáveis: um para o titular da marca, e outro para seus concorrentes. Primeiramente, como se expôs no item 3.1.2.4, mesmo registrado como marca, um sinal que adquiriu secondary meaning não pode afastar o uso de referido sinal em seu significado originário por terceiros. Isto porque, como se colocou, a proteção conferida ao titular de marca adquirida em decorrência do secondary meaning é limitada. 119 Sobre o tema, discorreu-se no item 1.1. 111 Portanto, o titular de marca composta por sinal originalmente não distintivo terá que conviver com o uso legítimo, por seus concorrentes, do sinal referido em seu sentido primário. O titular da marca “VOLKSWAGEN”120, por exemplo, que traduzido do alemão significa “carro popular”, não poderá impedir que seus concorrentes utilizem a expressão “carro popular” como indicativa do produto por eles ofertado. Referida restrição se coloca, principalmente, nos países de língua alemã. No mesmo sentido, o titular da marca “KITCHENS” 121 não poderá impedir que seus concorrentes utilizem referido sinal para designar “cozinhas”. Quanto a este ponto, contudo, é importante ressaltar que o ônus que se impõe ao titular da marca de convívio com o uso de sua marca por terceiros em seu significado primário, não se traduz na permissão de uso desenfreado de referidos sinais como marca por terceiros. A concessão de registros de marca para terceiros compostas com a marca que adquiriu significado secundário, ainda que sem direito de uso exclusivo, não deve ser permitida, sob o risco de causar a diluição da marca. Como ensina CORREA (1998: 12): “[a] distintividade descomunal da marca notória deve ser o fio condutor de qualquer análise de colidência. Não importa que a marca notória tenha emergido de um campo lógico originalmente banal. Importa é a sua evolução no campo cognitivo, a aptidão que tenha adquirido, em função do uso, para dinamizar a venda de um produto. Assim como alguém pode nascer em um meio acanhado e tornar-se dono de um império, a marca notória pode ser, na origem, palavra banal, quase genérica, e crescer a ponto de libertar-se de sua limitação natal.”. Quanto aos concorrentes do titular da marca, por outro lado, estes terão que conviver no mercado com marca intrinsecamente ligada aos bens e serviços 120 Registro de marca nº 002.171.511, concedido em 21.01.1969. 121 Registro de marca nº 003.989.100, concedido em 24.10.1969. 112 por eles ofertados, mas para designar bem da concorrência. Embora a eles seja permitido o uso do sinal em seu significado primário, não há como evitar que o sinal seja imediatamente associado ao produto da concorrência. Além disso, deverão eles ter muita cautela no uso de sinal registrado como marca por terceiro na identificação de seus bens ou serviços, para que o uso não ultrapasse os limites do fair use, caracterizando violação de marca. 3.1.7 – Hipóteses de aquisição de significado secundário A aquisição de significado secundário por sinal originalmente não distintivo pode se dar por diversos motivos.122 Trataremos aqui dos três principais motivos vislumbrados na prática para ocorrência do fenômeno do secondary meaning. 122 SIERVI (2005: 169/170) traz uma hipótese interessante prevista pela doutrina uruguaia e italiana “denominada, respectivamente, de recaptura e riabilitazione”, que ocorreria “quando o secondary meaning é adquirido posteriormente ao registro do sinal como marca.”. Como ensina, “*n+esses casos, o termo em questão é, em princípio, distintivo, dada a sua natureza fantasista, mas com o uso esse sinal perde o seu caráter distintivo, operando-se a sua degeneração. A degeneração faz com que os consumidores não identifiquem mais o signo como marca, mas como o próprio nome do produto. O sinal torna-se, portanto, carente de distintividade e é considerado de uso comum. No caso de recaptura ou reabilitação, entretanto, o sinal readquire a sua capacidade distintiva, graças aos esforços do seu titular para restaurar a função marcária do signo. Essa recuperação da distintividade ocorre com base nos mesmos fatores que dão ensejo ao secondary meaning. Desse modo, a constatação da aquisição do significado secundário se dá após o registro da marca e ao invés de fazer surgir o direito à proteção marcária, ela impede a anulação do registro pré-existente.”. Embora a hipótese mostre similaridades com a disciplina do secondary meaning, entendemos que a recaptura de marca degenerada por seu titular não representa hipótese de secondary meaning, pois o sinal degenerado não adquire novo significado, diverso do original, mas apenas retoma referido significado. Por este motivo, a hipótese sugerida não será tratada neste trabalho. 113 3.1.7.1 – Uso prolongado no tempo O uso prolongado no tempo de sinal originalmente não distintivo para identificar determinados bens ou serviços é a principal hipótese reconhecida pelos tribunais brasileiros para se identificar a ocorrência do secondary meaning. Como se verificou, em sendo um fenômeno lingüístico o secondary meaning exige que um sinal não distintivo adquira um novo significado perante o mercado. Logo, é o consumidor quem deve identificar um signo não distintivo como designador de determinado bem, é ele quem deve reconhecer a distintividade do sinal. Não se pode negar, portanto, que o uso de um sinal não distintivo, por um longo período de tempo, e de forma contínua, para designar determinado bem ou serviço é capaz de fazer com que o consumidor passe a identificá-lo como marca. Referido sinal, depois de anos, décadas, consolida-se no mercado, adquire significado próprio, independentemente de originalmente não possuir caráter distintivo. 3.1.7.2 – Alto investimento publicitário O alto investimento publicitário, por sua vez, mostra-se extremamente eficaz na aquisição de significado secundário por um sinal, embora não possa ser considerado prova absoluta da aquisição de secondary meaning. Como se sabe, a publicidade tem por objetivo promover um produto ou serviço, apresentando-o para o mercado, destacando suas qualidades e diferenciando-o dos demais. Assim, ainda, que se trate de um sinal originalmente não distintivo, a publicidade é capaz de agregar-lhe características distintivas, e mais do que isso, é capaz de transmiti-las ao consumidor. Em se tratando de matéria de prova, contudo, o alto investimento publicitário nem sempre é capaz de demonstrar que o consumidor, na prática, 114 reconhece o significado secundário de um sinal originalmente não distintivo. Como já exposto, é o consumidor quem deve reconhecer o novo significado adquirido pelo sinal, o que só pode ser verificado caso a caso. O alto investimento publicitário, entretanto, comprova a boa intenção do titular da marca na busca da individualização de seu sinal, e deve ser relevado quando da análise da incidência ou não do secondary meaning. 3.1.7.3 – Excepcionalidade do produto ou serviço assinalado Uma terceira hipótese que se vislumbra, por fim, é a de aquisição de um significado secundário por um sinal decorrente da excepcionalidade do produto que ele assinala. O que se vislumbra, nesta hipótese, são bens de qualidade tão excepcional que, ainda que sejam identificados por sinal não distintivo, o consumidor identifica o bem em decorrência de sua qualidade. Neste caso, a excepcional qualidade do bem é capaz de agregar poder distintivo ao sinal marcário que o identifica, fazendo que ele adquira um significado secundário. Um bom exemplo para ilustrar esta hipótese é a marca “IPHONE” 123, depositada no Brasil para assinalar serviços de telecomunicação. A qualidade excepcional dos aparelhos de celular “IPHONE” fez com que referido produto adquirisse fama internacional, e que a expressão “IPHONE” - que significa telefone (“phone”) com internet (“i”) -, adquirisse novo significado, confundindo-se com o próprio produto. 123 Pedido de registro de marca nº 829.213.910. 115 3.1.8 – A posição do INPI e dos Tribunais brasileiros quanto ao tema A aplicabilidade da teoria do significado secundário no país mostra-se divergente no âmbito administrativo e judicial O entendimento oficial do INPI é a de que o secondary meaning só teria aplicação nos países que adotam o sistema declaratório de direitos, não sendo, portanto, aplicável no Brasil (LOBO, 2006: 189/190). Isto porque, o INPI não analisa as circunstâncias de fato quando da concessão de registros de marca, ainda que assim determine a CUP, artigo 6º quinquies C (1), por entender que referida determinação é aplicável apenas em hipóteses de marcas já registradas no exterior quando requeridas no Brasil, e somente quando aplicável o princípio do “telle quelle” previsto no artigo 6º, quinquies A (I) da CUP124. A argumentação referida, contudo, foi taxativamente afastada pelo poder judiciário em sentença proferida no caso da marca “POLVILHO ANTISSÉTICO” 125, onde se decidiu que “Não ficou demonstrado o argumento do réu no sentido de que tal ressalva (o art. 6, quinquies, da Convenção de Paris) só prevalecia nos países em que a propriedade da marca se adquire por mera ocupação, uma vez que não foi citado e parece inexistir qualquer dispositivo convencional ou legal que estabeleça tal restrição quanto à aplicação do citado texto da Convenção de Paris.”. 124 o Como dispõe o artigo 6 quinquies A (1), da CUP, “Qualquer marca de fábrica ou de comércio regularmente registrada no país de origem será admitida para registro e protegida na sua forma original nos outros países da União, com as restrições indicadas no presente artigo. Estes países poderão antes de procederem ao registro definitivo, exigir a apresentação de um certificado de registro no país de origem, passado pela autoridade competente. Não será exigida qualquer legislação para este certificado.” Assim, o princípio “telle quelle” determina que a marca registrada no país de origem será protegida nos demais países da União “tal qual” foi concedida no país de origem, isto é, em sua forma original. No entendimento do INPI, portanto, a aplicação do artigo 6º quinquies, C (1) da CUP, isto é, a necessária verificação das circunstâncias de fato quando do registro da marca seria apenas observada no caso das marcas estrangeiras a serem registradas no país. 125 Referido caso será tratado oportunamente no Capítulo 05. 116 Logo, embora o INPI, oficialmente, relute em aceitar a teoria do secondary meaning, ele não pode afastar o registro de marcas que, no momento do depósito, se mostrarem suficientemente distintivas, ainda que referida distintividade decorra de uso anterior do sinal. Os Tribunais, por sua vez, embora de maneira tímida, têm aceitado a aplicabilidade da teoria do secondary meaning no país, como se abordará no Capítulo 05. 117 IV. DA PERDA DE DISTINTIVIDADE DE MARCA DECORRENTE DE SUA NOTORIEDADE Como se observou, é possível vislumbrar quatro hipóteses distintas relativas à aquisição e perda de distintividade marcária decorrente de sua notoriedade. Neste capítulo, abordaremos a última hipótese de perda de distintividade marcária, decorrente do excesso de notoriedade adquirido pelo sinal. 4.1 – O fenômeno da degeneração da marca A notoriedade de uma marca, como se destacou, é freqüentemente vista de forma positiva pelo direito. Isto porque, a notoriedade é capaz de agregar a um sinal maior distintividade, maior valor econômico e maior poder atrativo. É por este motivo que às marcas notórias, como se expôs, é conferida proteção especial, que excepciona os princípios relativos às marcas, visando proteger seu poder atrativo. Diante deste contexto, o fenômeno de degeneração marcária constitui um paradoxo para o direito. Neste fenômeno, o excesso de notoriedade de um sinal tem como conseqüência a perda de sua distintividade, e conseqüentemente, a perda do seu valor como marca. A degeneração marcária, assim como o secondary meaning, trata-se de fenômeno lingüístico, na medida em que a marca, originalmente distintiva, adquire novo significado, diverso de seu significado original. De forma idêntica, portanto, é o público consumidor que passará a identificar a marca como sinônimo do produto, agregando-lhe novo significado. Como ensina COELHO (2004: 172), 118 “A degeneração de marca notória é um interessante fenômeno mercadológico que se verifica quando os consumidores passam a identificar o gênero do produto pela marca de um de seus fabricantes (cf. Sampaio, 1995). Marcas como aspirina, gilete e fórmica encontram-se degeneradas, na medida em que deixaram de identificar certo produto, fornecido por determinado empresário, e passaram a se referir ao gênero, incluindo produtos concorrentes. A degeneração é altamente prejudicial ao empresário, porque a marca deixa de cumprir com a sua função essencial. Todos os investimentos em publicidade para tornar notória a marca podem se perder, pelo exagero da notoriedade. Os investimentos para reverter processo de degeneração em curso, por sua vez, devem ser tão ou mais elevados, e sua eficácia não é garantida, podendo até mesmo contribuir para degenerar mais a marca.”. Portanto, como bem destaca o autor, a degeneração marcária é especialmente prejudicial ao empresário. Na degeneração, mais do que perder a distintividade, a marca passa a significar o próprio bem que assinala, passando a ser utilizada no mercado como sinônimo de referido bem. 4.1.1 – Degeneração x diluição marcária A diluição marcária, como se verificou, trata-se de hipótese de enfraquecimento da distintividade de um sinal decorrente de sua notoriedade. Referido enfraquecimento, em muitos casos, é tão acentuado que o sinal deixa de ter força distintiva, diluindo-se. Portanto, tanto o processo de diluição como o processo de degeneração marcária tratam-se de hipóteses de perda de distintividade do sinal, ambos decorrentes da notoriedade da marca. 119 Não se pode, contudo, confundir referidos fenômenos. Na diluição de marca notória, um mesmo sinal distintivo passa a ser utilizado para distinguir diversos produtos existentes no mercado, perdendo, portanto, sua força distintiva. A diluição marcária normalmente é conseqüência do aproveitamento indevido de marca por terceiros e, via de regra, independe da intenção do titular da marca notória. O titular da marca, aliás, como se expôs, freqüentemente age contra terceiros em busca de manter o poder atrativo de sua marca, mas nem sempre os órgãos competentes constatam o risco de diluição de um sinal quando da análise do registro de marcas por terceiros. Na degeneração marcária, diferentemente, a marca perde sua capacidade distintiva na medida em que passa a significar o próprio nome do bem que assinala. A marca, assim, torna-se sinônimo do bem. Nesta hipótese, como se verá, o titular da marca é normalmente o maior responsável pela perda da distintividade de seu sinal, seja pelo mau uso que faz do sinal marcário, seja pela inércia na sua proteção. Note-se que alguns autores tratam a degeneração marcária como hipótese de diluição de marca (neste sentido, FABBRI JR., 1996: 97). Embora os fenômenos sejam muito próximos, entendemos que algumas das causas de referidos fenômenos, bem como uma das principais conseqüências da degeneração – o fato de a marca tornar-se sinônimo do bem -, faz da diluição e da degeneração marcária fenômenos distintos. 4.1.2 – A excepcionalidade dos bens e serviços assinalados A excepcionalidade de um bem ou serviço lançado no mercado é freqüentemente apontada como causa de degeneração de marca. Nesta hipótese, o que se observa é o lançamento no mercado de um produto ou serviço inovador, muitas vezes objeto de proteção patentária, que 120 passa a ser designado pelo público em geral pela própria marca que o assinala. Neste caso, o produto ou serviço, por ser único no mercado, adquire o nome da marca que o identifica, com ela se confundindo. Como ensina MIRANDA (1983: 34), “Se a denominação do produto cuja invenção foi patenteada cai em domínio comum, com a invenção mesma, dá-se a generalização da expressão, porque o produto, que passa a poder ser feito por outros, tem de ter nome e a denominação, que tivera, quase sempre se impõe. Não importa se é o nome do próprio patenteado. Se o inventor que evitá-lo, não tinha outro caminho que deixar de emprestar o seu nome ao produto. A fortiori, se não se trata de nome do inventor, mas de nome de fantasia.”. Note-se que nesta hipótese é o consumidor que, primeiramente, passa a reconhecer o gênero do produto como sinônimo da marca. Por não encontrar produtos similares no mercado, o produto inovador vai, aos poucos, sendo divulgado entre os consumidores apenas pela marca, como sendo o nome do próprio produto, como ocorreu com a marca “ASPIRINA” 126, ou ainda com a marca “CHICLETS”127. Entretanto, é a inércia do titular da marca que, em um segundo momento, contribuirá para que a marca seja confundida com o produto inovador, tornando-se, na visão do consumidor, sinônimo daquele. Assim, em casos como tais, cabe ao titular da marca, quando do lançamento do produto no mercado, designá-lo pelo seu nome próprio, ainda que de difícil assimilação pelo consumidor, visando evitar a degeneração de sua marca. 126 Registro de marca nº 810.848.775. 127 Registro de marca nº 817.767.096. 121 4.1.3 – O conflito entre as estratégias de marketing e a construção de marcas distintivas O problema que se encontra quanto às estratégias de marketing é o fato de, em muitos casos, centrarem-se elas na transformação da marca em sinônimo do produto (FABBRI JR., 1996: 98). Referida estratégia, para o profissional do marketing, parece ser a mais eficaz na fixação de uma marca, na medida em que a associação direta entre a marca e o produto reduz o âmbito de atuação da concorrência. Neste sentido, os profissionais de marketing, contratados para promover o bem, focam suas campanhas na associação entre marca e produto, de modo que o consumidor, ao se deparar com determinada marca, automaticamente identifique o produto por ela assinalado, e vice-versa. Contudo, a longo prazo, referida estratégia mostra-se extremamente perigosa, e é capaz de causar a degenerescência da marca que se visava promover. O sucesso do marketing, portanto, pode paradoxalmente levar a marca a perder seu poder distintivo, degenerando-se. 4.1.3.1 – A inércia do próprio titular da marca degeneranda Como se verificou, a degeneração marcária, normalmente, ocorre por mau uso da marca por seu titular. O titular da marca, ainda, diante dos indícios da degeneração de sua marca, muitas vezes é negligente, e acomoda-se diante do lento processo de perda de poder distintivo de sua marca. Ao se vislumbrar a ocorrência de processo degenerativo, isto é, identificados os sinais indicadores da degenerescência, deve o titular da marca agir a fim de zelar pela sua integridade material e reputação, em respeito aos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 130, III, da LPI. 122 Como adverte SAMPAIO (1995: 15/16), “[v]árias vezes a degenerescência tem ocorrido por certa negligência do titular da marca relativamente à possibilidade dessa ocorrência. E é claro que há formas concretas de evitar a degenerescência marcária. Não basta, porém, o titular da marca preocupar-se com isso, ou até fazer enormes esforços nesse sentido, se estes esforços não conseguirem evitar tal fenômeno. Pelo menos, nos EUA (e também na Grã-Bretanha) o que interessa é a efectiva perda factual da capacidade distintiva do sinal marcário, independentemente dos esforços do seu titular em sentido contrário.”. Como pondera referido autor é a perda da capacidade distintiva da marca que passa a confundir-se com o próprio bem -, que importa para a caracterização da degeneração. Os esforços empregados pelo titular da marca na tentativa de reverter referido fenômeno não terão nenhum valor no caso da degeneração definitiva do sinal. 4.1.4 – Fundamento legal para o fenômeno da degeneração marcária Assim como ocorre com o secondary meaning, a possibilidade de perda de propriedade sobre um sinal em decorrência de sua degeneração não está expressamente prevista na legislação nacional. A degeneração marcária, aliás, sequer se encontra entre as hipóteses de extinção de registro de marca, como se mostrará no item 4.2.1. Entretanto, o fenômeno da degeneração marcária encontra fundamento na CUP a qual, como já exposto é perfeitamente aplicável no país. Como passamos a demonstrar, a CUP prevê, de um lado, a possibilidade de uma marca registrada ser invalidada por ter degenerado e, de outro, impossibilita o registro de marca que já sofreu degeneração. 123 4.1.4.1 - A Convenção da União de Paris A CUP, em seu artigo 6 quinquies B (2), dispõe que: “B . Só poderá ser recusado ou invalidado o registro das marcas de fábrica ou de comércio mencionadas no presente artigo, nos casos seguintes: (...) (2) quando forem desprovidas de qualquer caráter distintivo ou então exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a proteção é requerida;”. Da leitura de referido artigo verifica-se que a CUP prevê expressamente a possibilidade de recusa ou invalidação de registro de marca “que se tenha tornado usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a proteção é requerida;”, isto é, que tenha sofrido degeneração perante o público em geral. 4.1.5 – Sinais indicadores da degeneração marcária A degeneração marcária trata-se de processo lento e muitas vezes de difícil percepção. Normalmente quando o titular da marca nota a perda do poder distintivo do sinal, a marca já se degenerou, ou se encontra em estágio quase irreversível de degeneração. A doutrina, assim, aponta alguns sinais indicadores da degeneração marcária, visando principalmente alertar o titular da marca para que ele tome as 124 medidas necessárias para tentar reverter o processo de degeneração, isto é, para tentar manter a sua marca, antes que ela perca seu poder distintivo por completo. Como exemplifica SAMPAIO (1996: 16), “Nos EUA, os meios de prova judiciais de degenerescência de uma marca são usualmente: definições em dicionário em que a expressão aparece como designação genérica, documentação que prove ter o próprio titular ou seus associados usado a expressão genericamente e, ainda, sondagem que demonstrem o uso as marca como expressão simplesmente genérica.”. Neste item, abordaremos os dois principais indicadores da degeneração marcária verificados na prática: a dicionarização da marca, e o uso da expressão como sinônimo do bem pelo público consumidor e demais concorrentes do mercado. 4.1.5.1 – Dicionarização da expressão Um dos sinais mais comuns da degeneração marcária é verificado quando a marca é abordada nos dicionários como designativa do bem ou serviço que assinala. Os dicionários muitas vezes indicam marcas registradas como sinônimos dos bens por ela assinalados, contribuindo para o processo de degeneração do sinal. Para que uma marca seja dicionarizada, contudo, é necessário que ela seja previamente reconhecida pelo público em geral como designativa do bem que ela assinala. Os especialistas responsáveis pelo desenvolvimento dos dicionários não criam novos verbetes, mas os buscam na linguagem corriqueira, popular. O titular da marca, assim, quando se deparar com a dicionarização de sua marca, deve agir contra as editoras, notificando-as acerca de seus direitos sobre 125 o sinal e exigindo que se indique nos dicionários tratar-se referido sinal de marca registrada. GLAU-KUNTZ (1995: 30), em comentário à Lei de Marcas Alemã de 1995, trata de curiosa disposição presente em referida lei, a qual prevê que na hipótese de marca registrada ser citada em dicionário, enciclopédia, livro de referências (também em forma de banco de dados eletrônicos) e levar à idéia que referida marca é, na verdade, um nome genérico para produtos ou serviços para os quais a marca registrada se destina, o titular de marca registrada poderá exigir do editor da obra que em sua apresentação seja incluída uma indicação de que se trata de uma marca registrada. Na hipótese, ainda, da obra já ter sido publicada, aquela disposição deverá ser cumprida na edição seguinte. A disposição alemã quanto ao tema representa um avanço na medida em que prevê hipótese expressa de responsabilização da editora pela degeneração do sinal. Embora no Brasil não exista nenhuma disposição legal neste sentido, não há dúvida que o titular da marca poderá agir judicialmente contra a editora, visando zelar pela integridade material de sua marca128. 4.1.5.2 – Uso da expressão como sinônimo do bem pelo público consumidor e pelos concorrentes Como se verificou, a ocorrência de degeneração marcária, por se tratar de fenômeno empírico, deve ser verificada juntamente ao público consumidor. Como assevera SIERVI (2005: 217): “Não haverá degeneração se o consumidor não perceber o sinal como sinônimo da designação comum do bem que esse costumava distinguir. A vulgarização de uma marca notória é, como visto, um fenômeno sociológico que se opera no seio da sociedade e depende do comportamento do público para ser configurada. Por 128 LPI, artigo 130, III. 126 pior que seja a atitude do titular frente ao sinal, ou seja, por mais que o titular da marca realize um uso não distintivo do signo, utilizando-o sempre como o nome comum do bem que designa, por meio da publicidade ou de qualquer outra forma, a vulgarização do sinal não existirá se o público consumidor não considerar o sinal como o próprio nome do produto ou serviço.”. Para JAY (2009: 1.118/1.119), “Many types of evidence may be proffered in trademark disputes on the issue of whether a mark is or has become generic. However, surveys (opinion polls) that measure the „primary significance‟ of a mark to consumers are „almost the rigueur‟ in such inquiries.”. A pesquisa de opinião, portanto, é reconhecida pela doutrina como uma medida eficaz para se identificar eventual processo de degeneração de um sinal, servindo de parâmetro para que empresários preocupados na manutenção de sua marca remodelem sua estratégia publicitária. 4.1.6 – Possibilidade de reversão A possibilidade de reversão do processo degenerativo é bastante discutida pela doutrina, porém, dificilmente se verifica, na prática, a “recaptura” da distintividade pelo sinal. Como se verificou no item 3.1.7, parte da doutrina classifica a “recaptura” da distintividade pelo sinal degenerado como hipótese de aquisição secondary meaning pelo sinal129, posicionamento com o qual discordamos naquele momento. 129 Neste sentido, LEVY (2005: 1.197). 127 CARRAU130, a título ilustrativo, traz um exemplo ocorrido nos Estados Unidos da América relativo à marca “SINGER”, que considera ser uma “recaptura” da marca131: “En los Estados Unidos, la firma Singer Manufacturing Co. perdió derechos sobre sua marca de máquinas de coser, porque el público consumidor designaba genéricamente dichas máquinas como „singers‟. Sin embargo, la campañía continuó utilizando el signo para distinguir sus produtos y lugeo de cincuenta años, logro obtener nuevamente derechos exclusivos sobre dicho término: „recapturó‟ la marca.”. O problema da “recaptura” da distintividade do sinal está na dificuldade de se perceber, normalmente, que determinada marca está se degenerando, e que o titular da marca deve agir imediatamente. A reversão da degeneração, portanto, dependerá não apenas das medidas tomadas pelo titular da marca, mas também do momento em que as medidas serão tomadas, e da resposta do público consumidor a referidas medidas. 4.1.6.1 – A importância das campanhas publicitárias O uso de campanhas publicitárias na tentativa de se reverter a degeneração do sinal pode, de fato, gerar efeitos positivos, isto é, garantir que o sinal não degenere, e retome à distintividade que possuía originalmente. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a titular da marca “TABASCO” investiu em forte campanha publicitária para dissociar sua marca ao sinônimo de pimenta. Como coloca FABBRI JR. (1996: 98), “Evidente que tal ação de emergência se deu após o referido fabricante constatar que os esforços 130 “La significación secundaria a la hora de elegir marcas”, p. 03. 131 Abordaremos sobre o exemplo referido no Capítulo 5. 128 em marketing despendidos até então tinham como tônica a mensagem de que „Tabasco era pimenta, e pimenta era Tabasco‟”. SAMPAIO (1995: 16) apresenta dois exemplos interessantes: “O sucesso inicial da KODAK foi tal, que o público, maravilhado com o produto a tão baixo preço, começou a verbalizá-lo genericamente dizendo: eu kodako-te, tu kodaka-me, ele foi kodakado etc. O Sr. Eastman gastou então rios de dinheiro para evitar tal generalização. Fê-lo através de enormes campanhas publicitárias, e até por meios judiciais, de modo a levar os consumidores, vendedores e imprensa a dizer que se „fotografa com uma máquina fotográfica (da marca) Kodak.”. (...) “Há alguns anos, a empresa Xerox obrigou um Senador norteamericano a desmentir-se publicamente, em pleno Senado, na semana seguinte a ter dito „tenho aqui uma xeroxcopy‟... pois o que ele afinal tinha não era uma Xeroxcopy (marca registrada), mas sim uma mera fotocópia tirada por uma qualquer máquina japonesa. A empresa Xerox tem despendido largas somas na vigilância e detecção de dicionários, enciclopédias e outras publicações que insiram a palavra „xeroxcopy‟ como expressão comum ou vulgar sinônimo de fotocópia ou cópia fotostática, obrigando os editores, inclusive judicialmente, a eliminar tais inserções. E tem-no conseguido.”132. Um exemplo bastante lembrado no Brasil foi a campanha publicitária desenvolvida para evitar a degeneração da marca “LYCRA” 133, que era usada corriqueiramente para identificar qualquer tecido elástico para roupas. Com o 132 A título ilustrativo, em consulta ao mini dicionário Houaiss a palavra xerox aparece definida como “1. máquina que copia a seco texto ou imagem; 2. Diz-se de ou essa cópia – marca registrada (Xerox) que passou a designar seu gênero; cf. fotocópia.” (original não grifado). 133 Registro de marca nº 002.698.315. 129 slogan “Se tem essa etiqueta é Lycra. Só Lycra é da Dupont”, a empresa Dupont conseguiu, com sucesso, destacar a marca “LYCRA” no mercado, evitando de forma eficaz sua degeneração. 4.1.6.2 – Atuação perante o INPI, mercado e meios de comunicação Quando determinada marca começa a ser identificada pelo público em geral como sinônimo do bem que representa, é comum que terceiros depositem, como marca, expressões compostas pela marca degeneranda. Tal conduta muitas vezes ocorre por falta de informação do depositante, que desconhece tratar-se o sinal de marca registrada. A marca “JEEP”134, por exemplo, vem sendo utilizada corriqueiramente para identificar quaisquer veículos de tração 4x4, e não apenas os veículos da empresa DaimlerChrysler Company. Por este motivo, as associações de proprietários desse tipo de veículo vêem se reunindo em “JEEP” clubes, organizando passeios, eventos, e outras atividades que envolvam veículos de tração 4x4. Ocorre que alguns “JEEP” clubes vêm levando a registro marcas compostas pela marca “JEEP”, de titularidade da empresa DaimlerChrysler Company. A marca “JEEP CLUBE DO BRASIL”135, por exemplo, reproduz claramente a marca “JEEP”, o que pode influenciar ainda mais na degeneração deste sinal. É muito comum, ainda, verificar no mercado placas indicando empresas de “XEROX”136, que também representa marca registrada. O uso da marca “XEROX” em matérias jornalísticas como sinônimo de fotocopiadoras, aliás, é prática 134 Registro de marca nº 002.811.316. 135 Registro de marca nº 813.268.214. 136 Registro de marca nº 006.531.881. 130 constante. Note-se, portanto, que o titular da marca deve estar atento às situações referidas e agir sempre que constatar a possibilidade de degeneração de sua marca. Agir previamente pode ser a única maneira de se evitar que a marca, de fato, degenere. 4.2 – Efeitos da degeneração marcária para os registros de marca Como passaremos a abordar, os efeitos da degeneração marcária para os registros de marca, no Brasil, são essencialmente práticos. 4.2.1 – Impossibilidade de extinção do registro marcário A LPI prevê, em seu artigo 142, as hipóteses de extinção do registro de marca, quais sejam: “Art. 142. O registro da marca extingue-se: I - pela expiração do prazo de vigência; II - pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela marca; III - pela caducidade; ou IV - pela inobservância do disposto no art. 217.”. Não há, portanto, qualquer previsão legal de extinção de registro de marca já concedido com fundamento na degeneração sofrida pelo sinal ao longo do tempo. Em outras palavras, uma vez registrado como marca, o INPI não pode se recusar a prorrogar o registro de marca degenerada, salvo nas hipóteses expressas do artigo 142. Por outro lado, mesmo que se recorra ao Poder Judiciário, não há qualquer fundamento legal capaz de fundamentar uma ação de extinção de registro de 131 marca. Ainda que se alegue que o titular da marca deixou de zelar por sua integridade137, referida omissão não é causa de extinção de registro de marca. 4.2.2 - Perda de eficácia do registro Nos termos da lei, como exposto, ainda que uma marca degenere, ela continuará registrada como se distintiva fosse. Entretanto, na prática a marca perde sua força distintiva, e seu titular não poderá impedir que terceiros façam uso do sinal por ele registrado para identificar seus produtos. A perda de eficiência do registro de marca, portanto, é o principal efeito da degeneração da marca sobre o sinal, e mostra-se importante na medida em que a legislação nacional nada dispõe acerca da manutenção de marcas que perderam seu caráter distintivo em processo de degeneração. 4.2.3 – A posição do INPI e dos Tribunais brasileiros quanto ao tema Como se verificou, a degeneração marcária não está prevista na legislação nacional como hipótese de extinção do registro de marca. Por este motivo, embora se esteja diante de um registro de marca que sofreu degeneração, o INPI não pode se negar a prorrogar o registro de referida marca se seu titular assim requerer. Na prática, contudo, visando superar esta questão, o INPI concede registros de marca compostos por outras marcas que considera ter degenerado. Embora referida conduta, a princípio, se mostre contrária à LPI138, há que se ressalvar que o registro de marca degenerada, ainda que vigente, é ineficaz, portanto incapaz de ser oponível a terceiro. 137 LPI, artigo 130, III. 138 LPI, artigo 124, XIX. 132 Quanto aos tribunais brasileiros, estes reconhecem a possibilidade de degeneração de uma marca, principalmente em ações interpostas com fundamento em marca degenerada, na qual se requer a abstenção do uso da marca por terceiros. A marca “FORMICA”, por exemplo, e o termo “JET SKI”, foram reconhecidos judicialmente como degenerados, isto é, como não passíveis de uso exclusivo por seus titulares. Outras hipóteses serão tratadas no capítulo 05. 133 V. CASOS DE AQUISIÇÃO E PERDA DE DISTINTIVIDADE DECORRENTES DA NOTORIEDADE DA MARCA Neste capítulo, trataremos de alguns casos práticos nos quais é possível identificar a incidência dos fenômenos do secondary meaning e da degeneração marcária, bem como casos em que referidos fenômenos foram suscitados, porém não reconhecidos pelos órgãos competentes. 5.1- Hipóteses de aquisição de distintividade marcária A doutrina apresenta, freqüentemente, quatro casos clássicos de reconhecimento, em âmbito judicial, de aquisição de distintividade marcária decorrente do secondary meaning adquirido pelo sinal. O primeiro deles refere-se à marca “VECAMBRÁS” 139, cujo pedido de registro de marca foi indeferido pelo INPI sob o argumento de que induziria falsa procedência - uma vez que o sufixo “BRÁS” indicaria pessoa jurídica de direito público. Neste caso, o antigo Tribunal Federal de Recursos anulou o ato administrativo de indeferimento do registro, diante da prova feita pelo titular da marca de que referida marca era usada há quase vinte anos no mercado, tendo adquirido um novo significado perante o público em geral140. O segundo caso clássico apresentado pela doutrina refere-se à marca “POLVILHO ANTISSÉPTICO” 141, designativa de um talco, cujo registro também foi, a princípio, indeferido pelo INPI. O titular da marca propôs ação de nulidade do ato administrativo do INPI de indeferimento e o antigo Tribunal Federal de Recursos do Rio de Janeiro142 confirmou a sentença de primeira instância que 139 Registro de marca nº 002.117.193. 140 Publicado no Diário Oficial de 12.11.1975, p. 8.313. 141 Registro de marca nº 760.022.038. 142 Apelação Cível nº 102.635 – TFR/RJ – 5ª. Turma – Relator Min. Pedro Acioli, publicado no Diário Oficial de 17.10.1985, p. 18.379. 134 deu provimento à ação para anular o ato do INPI. Em referida ação, o Tribunal destacou que o titular da marca comprovou fazer uso do sinal como marca desde o ano de 1903, quando o produto foi licenciado pela Saúde Pública. Neste caso houve aplicação expressa do artigo 6, quinquies, da CUP, restando reconhecida que a marca em questão havia adquirido caráter distintivo em face de seu uso prolongado. O terceiro caso bastante discutido pela doutrina, e já citado no presente trabalho, refere-se à marca “ALPARGATAS”143. Neste caso, o titular da marca mencionada propôs ação visando coibir o uso do sinal mencionado por terceiros, e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim se manifestou quanto ao assunto144: “Ninguém questiona que o vocábulo „alpargata‟ é substantivo que, na significação original, denota espécie de sapato, ou calçado com algumas peculiaridades que não vem a propósito. Para demonstrá-lo, escusa recorrer aos dicionários. Mas a questão fática, que esta a desafiar a qualificação jurídica neste processo é outra, e está em indagar se, difundindo seu uso como expressão nominativa de singular espécie de calçado, por ela fabricado há muitos anos, não acabou a autora por emprestar-lhe conteúdo semiótico translato e singular, que entrou no universo da concorrência mercantil, a identificar não só o produto em si, mas o comerciante mesmo, e todas as atividades industriais e comerciais? (...) De modo que, se a r. sentença reconheceu ter a autora granjeado, em mais de 70 anos de atividades industrias e comerciais, merecia fama, cuja intensidade respondeu pelo fenômeno semântico de o fabricante e o produto terem assumido e absorvido a notação ideológica da própria espécie sob a marca „Alpargatas‟, o que compõe sua „denominação‟, não 143 144 Registro de marca nº 007.534.922, concedido em 13.10.1981. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 82.301-1, TJSP, 2ª Câmara, rel. Des. Cézar Peluso, j. 10.02.1987, em ação proposta por São Paulo Alpargatas S/A, titular da marca “ALPARGATAS”. 135 ver o claro perigo de confusão advindo do isso de igual „nome‟, por parte da ré, dedicada a objeto social idêntico, é negar aquele fato vistoso e transparente.”. Com referida fundamentação, pois, foi confirmada a sentença que julgara procedente a ação, a fim de impedir o uso da marca “ALPARGATAS” por terceiros. Por fim, o quarto caso constantemente apresentado pela doutrina refere-se à marca “GASTHAUS” 145. Neste caso, o poder judiciário anulou a decisão administrativa que havia indeferido o registro da marca em questão para identificar serviços de alimentação, levando em conta outros argumentos, como o uso ininterrupto dessa marca por quase duas décadas por seu titular. O acórdão de lavra Tribunal Regional Federal da 2ª Região, aliás, faz menção expressa ao artigo 6, quinquies, da CUP, relativo à aquisição de distintividade pelo uso. Em caso recente, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região reconheceu a aquisição de secondary meaning pela marca “KITCHENS” 146, registrada para assinalar, dentre outros produtos, utilidades domésticas. De forma diversa, contudo, o mesmo Tribunal não reconheceu a aquisição de significado secundário pela marca “CULTURA INGLESA”147. Com relação ao INPI, como já se expôs, referido órgão mostra-se relutante em aceitar a aplicação no país da teoria do secondary meaning. Contudo, muito embora este seja o posicionamento oficial de referido órgão, basta uma análise das suas decisões para se verificar que muitas marcas constituídas por sinais originalmente não distintivos são concedidas, sem qualquer ressalva, como as marcas “VOLKSWAGEN”, “CREDI-CARD”, “MISTURA FINA”, “FIAT LUX”, “COCA-COLA”, “GENERAL ELETRIC”, “ULTRAGAZ” e “GEMADO”. 145 Registro de marca nº 814.173.330. 146 Apelação cível nº 2007.51.01.803363-9. 147 Apelação cível nº 2001.51.01.536393-6. “SUPER LUX”, “MOTO SPORT”, 136 5.2 - Hipóteses de perda de distintividade marcária SOARES (2010: 169/198), em obra recentemente lançada acerca das marcas notórias e seu risco de diluição, trata minuciosamente sobre os mais famosos e recentes casos de litígios judiciais em que se discutiu a degeneração marcária. Dado a complexidade do trabalho do autor, optamos por selecionar alguns dos casos por ele abordado. O primeiro caso trazido pelo autor - Bayer CO. v. United Drug CO – referese à degeneração sofrida pela marca “ASPIRINA”148 nos Estados Unidos da América. Como destaca referido autor, a empresa Bayer CO. adquiriu em 1900, nos Estados Unidos da América, a patente do produto e a marca “ASPIRIN” para assinalar ácido acetilsalicílico. A marca “ASPIRIN” foi utilizada por seu titular por quinze anos como sinônimo do produto que assinalava, sem que o titular da marca - e da patente – se preocupasse com referida associação. Assim, quando a patente para o ácido acetilsalicílico expirou-se, muitos fabricantes de produtos químicos, incluindo os concorrentes, admitiram que o termo “ASPIRIN” era o nome genérico da droga. Por fim, através de decisão tomada pelo examinador do Departamento de Patentes e de Marcas nos Estados Unidos da América, foi declarado que a marca “ASPIRIN” não era mais válida e foi determinado o seu cancelamento. Outro caso tratado por referido autor - DuPont Cellophane Co vs. Waxed Products Co., Inc. – refere-se à antiga marca “CELLOPHANE”, que não se encontra mais vigente no país. Neste caso, o produto, também objeto de patente, representava uma inovação para o mercado, e diante da ausência de produtos semelhantes no mercado, passou a ser identificado como sinônimo da própria marca. A marca “TEFLON”149 (E.I. DuPont de Nemours & Co., Inc. VS. Yoshida Internacional, Inc) também sofreu processo de degeneração, como ensina o 148 No Brasil, a marca “ASPIRINA” está registrada sob o nº 003.010.716; como já tratado, no país a degeneração marcária não é causa de extinção do registro de marca. 149 Registrada no Brasil sob o nº 003.320.464. 137 mesmo autor. Entretanto, através da pesquisa de opinião, o titular da marca conseguiu demonstrar em juízo que o público identificava a expressão “TEFLON” como marca registrada, opinando o juízo pela manutenção da marca. A marca “SINGER” 150 de propriedade de The Singer Mfg Co., também teria sofrido degeneração. Após a decorrência legal no prazo de validade das primeiras patentes de referida empresa, e com a colocação de seu objeto no domínio público, muitos concorrentes passaram a fabricar máquinas de costura identificando-as como “Singer sewing machines”. Em 1896, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América conclui que a marca “SINGER”, tornou-se nome de uma classe de máquinas de costura feitas pela Singer Company e pelos seus concorrentes. Não satisfeita com essa decisão, a titular da marca “SINGER” continuou a se utilizar de sua marca, porém com muito mais cautela, “não só projetando a mencionada marca, como também ampliando sobremaneira a sua produção nos Estados Unidos da América e em quase todos os outros países. Durante o período de 1930 a 1950, colocou ao mercado quatro milhões e meio de máquinas de costura, despendendo quinze milhões de dólares em publicidade. Os concorrentes foram desaparecendo paulatinamente e a „SINGER‟, através de nova decisão judicial, em 1952/3, readquiriu os direitos à sua plenitude a qual, indiscutivelmente, continua a ser umas das mais conhecidas em todo o mundo.” (SOARES, 2010: 173). São, ainda, casos famosos de degeneração de marca, reconhecidos pela doutrina: “VASELINA”, “CELLULOID”, “MACACÃO”, “WALKMAN”, “PILATES”, “VITROLA”, “XEROX”, “GILLETE”, “DANONE”, “BAND-AID”, dentre outros. 150 Registrada no Brasil sob o nº 002.294.788. 138 CONCLUSÃO Como se verificou, a distintividade se trata da principal característica da marca. A marca surge como sinal distintivo e visa distinguir os produtos e serviços por ela assinalados dos demais existentes no mercado. Assim, a distintividade é também condição de validade para o registro marcário. Um sinal carente de distintividade é, nos termos da lei, irregistrável como marca. As marcas notórias merecem, por sua vez, proteção especial nos termos da lei por serem especialmente distintivas, atrativas, e de maior valor econômico. Quanto aos efeitos da notoriedade sobre a marca, observamos no presente trabalho quatro hipóteses. Na primeira delas, um sinal carente de distintividade pode adquirir significado secundário. Assim, referido sinal, originalmente não distintivo, torna-se distintivo pelo uso. Esta hipótese é tratada pela teoria do secondary meaning, e mostra-se particularmente importante na medida em que garante a um sinal não distintivo proteção marcária. Na segunda hipótese, um sinal distintivo torna-se excepcionalmente distintivo, merecendo proteção especial. Esta hipótese é analisada dentro do instituto das marcas notórias. A terceira hipótese vislumbrada é aquela na qual um sinal tem seu poder distintivo enfraquecido pelo aproveitamento indevido de terceiros. Referido fenômeno é estudado pela teoria da diluição marcária. Por fim, o último fenômeno analisado refere-se à perda total da distintividade marcária decorrente de seu uso impróprio na designação do gênero 139 do produto assinalado. Este fenômeno é denominado degenerescência ou degeneração do sinal marcário. No presente trabalho, assim, abordamos as quatro hipóteses referidas, dando maior ênfase à disciplina do secondary meaning, e ao fenômeno da degeneração da marca. Alguns casos foram trazidos de forma ilustrativa, a fim de demonstrar a aplicabilidade de ambas as teorias no país. 140 REFERÊNCIA ALMEIDA, Liliane do Espírito Santo Roriz de. O reconhecimento do alto renome da marca pela via judicial. In: Anais do XXVIII Seminário Nacional da Propriedade Industrial, 2008, pp. 36-38. _____. A Distintividade como uma função dinâmica da marca: o registro marcário, a degenerescência e o significado secundário. In: Anais do XXVI Seminário Nacional da Propriedade Industrial, 2006, pp. 184-185. ARITA, Hissao. Concorrência Desleal na Área de Marcas. 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