Interações
ISSN: 1413-2907
[email protected]
Universidade São Marcos
Brasil
Lima Souza, Elvira
Vygotsky e Wallon e o futuro da psicologia
Interações, vol. V, núm. 9, jan-jun, 2000, pp. 49-55
Universidade São Marcos
São Paulo, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35450904
Como citar este artigo
Número completo
Mais artigos
Home da revista no Redalyc
Sistema de Informação Científica
Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
Vygotsk
allon e o futuro da psicologia
ygotskyy e W
Wallon
Resumo
esumo: A idéia, desenvolvida por Vygotsky e também por Wallon, de que a mente
humana é função da cultura encontra respaldo hoje nos estudos sobre o cérebro, que já
revelaram com consistência que o cérebro se desenvolve e se modifica de acordo com as
experiências que o indivíduo tem em seu meio, ou seja, o meio definitivamente participa
do processo biológico do desenvolvimento cerebral. Desta forma a compreensão biológica só pode ser realizada com a compreensão dos processos da cultura. Não podemos,
então, pensar a consciência como um subproduto da biologia, mas, como atividade
mental que se efetua, exatamente, na dualidade biológico-cultural dos processos humanos. É nesta perspectiva que se entende hoje a psicologia como a área de conhecimento
que traz para o estudo interdisciplinar do desenvolvimento humano a dimensão dos
processos mentais, em uma perspectiva não reducionista, ou seja, nem limitada à biologia da espécie, nem função exclusiva do meio.
Palavras-chave
alavras-chave: mente humana; processos culturais; studos sobre o cérebro; Biologia; estudos interdisciplinares.
Vygotsk
allon and the future of P
sychology
ygotskyy and W
Wallon
Psychology
Abstract: The idea that human mind is function of culture, which was first developed
Abstract
by Vygotsky and also Wallon, is today renewed in brain studies, which appointed
consistently that the brain develops and changes in accordance the experiences involving
the individual and its surrounding, that is, the surrounding definitively is part of biological
process of mental development. In this way biological understanding can be realized
only with the understanding of cultural processes. We can not, therefore, think conscience
as a byproduct of Biology, but, instead, as mental activity which has place, exactly, in the
biological-cultural duality of human processes. It is in that perspective that we can
understand today Psichology as the field of knowledge that brings for interdisciplinary
study of human development the dimension of mental processes, in a non-simplifying
perspective, that is, neither limited to the biology of species, neither exclusive function
of surrounding.
Keywords
Keywords: human mind; cultural processes; brain studies; Biology; interdisciplinary
studies.
EL
VIRA
ELVIRA
SOUZA LIMA
Hofstra University
Universidade São Marcos
INTERAÇÕES
Vol. 5 — Nº 9 — pp. 49-55
JAN/JUN 2000
Vygostky e Wallon e o futuro da psicologia
50
E
m seu livro Luzes (1999) Michel Serres discute a natureza
topológica do tempo. Segundo ele, o tempo não flui linearmente,
mas apresenta uma estrutura complexa, melhor compreendida em termos de superfícies plásticas, cujos movimentos produzem “dobras” onde
pontos linearmente distantes terminam por tocar-se. Desta forma, na
história do conhecimento, teorias produzidas há 2 ou 3 séculos podem
ser mais atuais para as questões da ciência contemporânea do que teorias
produzidas neste século ou mesmo nas últimas décadas.
Quando nos voltamos para a história moderna da psicologia podemos ver com clareza como o desenvolvimento das idéias manifesta essa
“topologicidade” de que nos fala Serres. Um exemplo recente é a retomada da teoria histórico-cultural do desenvolvimento humano, após
décadas de completa obscuridade. Desde as décadas de 60 e 70 temos
visto a introdução de Vygotsky no mundo ocidental e seu ressurgimento na própria Rússia. Wallon, outro teórico importante da abordagem
histórico-cultural do desenvolvimento humano, embora não tenha sido
banido como Vygotsky o foi em seu próprio país, também passou por
um grande período de ostracismo, sendo muito recente a sua retomada
em países em que sua obra já havia sido introduzida, acompanhada de
um interesse em países aonde era totalmente desconhecido, como é o
caso dos Estados Unidos.
O que traz esse ressurgimento de idéias que foram elaboradas no
final do século XIX, desenvolvidas nas primeiras décadas do século
XX e que depois praticamente desapareceram?
Duas razões podem ser avançadas de imediato: o fato de que os
teóricos dessa linha de pensamento trataram com profundidade questões que são hoje centrais na discussão sobre o desenvolvimento humano e o fato de que, epistemológica e metodologicamente, o trabalho por
eles realizado é consoante com a abordagem interdisciplinar que hoje se
faz nos estudos do comportamento humano em suas dimensões neurobiológica e cultural.
INTERAÇÕES
Vol. 5 — Nº 9 — pp. 49-55
JAN/JUN 2000
O ensaio realizado por Vygotsky sobre os problemas da psicologia
de seu tempo é de uma aguda atualidade, sua discussão sobre a consciência como objeto da psicologia é relevante em uma época em que pesqui-
Mas o interesse da teoria histórico-cultural pode estar, principalmente, naquilo que ela anunciou como programa de estudos para a
psicologia, mas não chegou a efetivá-lo por fatores vários, de questões
científicas e acadêmicas aos interesses políticos de que se cercou a psicologia neste século, principalmente após a II Grande Guerra Mundial.
51
Vygostky e Wallon e o futuro da psicologia
sadores de varias áreas (tanto das ciências biológicas como humanas) se
voltam com interesse acentuado para a compreensão desse fenômeno
humano, sobre o qual ainda pouco se sabe. As idéias de Wallon, quando revisitadas pela neurociência, se revelam como questões centrais da
produção cientifica na área, como é o caso do papel das emoções no
desenvolvimento humano, o desenvolvimento das representações e o
funcionamento dos sistemas expressivos.
Podemos ressaltar aqui dois pontos fundamentais na perspectiva
da teoria histórico cultural que deverão ser tratadas pela psicologia. Por
um lado, a emergência da consciência humana como processo e mediação do desenvolvimento. Por outro lado, a dimensão cultural da mente
humana, envolvendo a compreensão dos mecanismos pelos quais a cultura transforma os processos do pensamento humano e como os novos
instrumentos e as novas produções que resultam dessa transformação
(pela ação criadora do ser humano) irão, por sua vez, produzir outros
processos de formação.
Nestes dois pontos tem-se como fator fundamental a dimensão
emocional do processo de humanização. A consciência e a elaboração
da cultura, os processos humanos que são provocados pela cultura e
pela emergência da consciência humana estão profundamente ligados à
experiência emocional.
A questão das emoções e a
experiência emocional
A compreensão de que a emoção é parte fundamental, constitutiva
do comportamento humano e a constatação de que a memória é modu-
INTERAÇÕES
Vol. 5 — Nº 9 — pp. 49-55
JAN/JUN 2000
Vygostky e Wallon e o futuro da psicologia
52
lada pela emoção trouxeram uma nova perspectiva para o estudo do
comportamento humano como comportamento situado emocionalmente.
Quais são as implicações das emoções na própria constituição do estado
consciente?
Antônio Damásio, em livro recentemente publicado, trata extensivamente desta questão, problematizada no próprio titulo do livro, O
sentimento do que acontece – corpo e emoção na formação da consciência (The
feeling of what happens – body and emotion in the making of consciousness).
Recebido como um trabalho de superior qualidade sobre a consciência,
o livro retoma algumas questões levantadas por Wallon, principalmente
as ligadas ao papel das emoções no desenvolvimento humano. Wallon
enfatizou, no entanto, o aspecto cultural da constituição da consciência,
trazendo com isto a noção de meio como fundamental.
Uma das idéias mais interessantes para a psicologia atual vem das
colocações de Vygotsky sobre a relação do indivíduo com o meio. Em
seu artigo “The problem of the environment”, Vygotsky afirma que o
meio não é constante para um mesmo indivíduo e nem é o mesmo para
vários indivíduos que nele estejam inseridos em um dado momento. A
forma como o indivíduo experimenta emocionalmente o meio está ligado, por um lado, ao seu período de desenvolvimento, por outro, ao fluxo
das experiências vividas anteriormente. Desta forma, o meio se submete à
historicidade do indivíduo, ao mesmo tempo em que a constitui.
Essa idéia de Vygotsky, associada à sua colocação sobre a linha do
desenvolvimento cultural, vem reforçar a dimensão de humanização
avançada por Wallon em sua formulação sobre o milieu. Como é que,
através de sua experiência com o meio, o ser humano se tornou cultural,
emergindo de um estado de pré-fala para a construção progressiva de
linguagens, as quais, por sua vez, modificaram as linhas de pensamento humano. Com os conhecimentos hoje disponíveis sobre o comportamento dos gorilas e chimpanzés, temos elementos de contraposição
para refletir o processo de humanização como uma ação de desenvolvimento da consciência (humana).
INTERAÇÕES
Vol. 5 — Nº 9 — pp. 49-55
JAN/JUN 2000
Se o milieu é, como explicitou Wallon, constituído de níveis em
que o meio biológico e o meio químico se integram com o meio da
Essas questões complexas devem ser analisadas como fenômenos
psicológicos. O conhecimento do funcionamento do cérebro não desvela a origem da consciência, que deve estar, segundo vários estudiosos
(oriundos tanto das ciências medicas e biológicas, como das ciências
humanas) na realização dos processos mentais.
53
Vygostky e Wallon e o futuro da psicologia
cultura (ou seja, das representações, das linguagens e das idéias) e se o
meio é, como explicitou Vygotsky, fonte de desenvolvimento humano,
efetivado pela experiência emocional que o indivíduo tem deste meio,
o estudo do meio torna-se parte constitutiva do estudo do desenvolvimento da consciência humana. E a consciência humana, por sua vez, é
parte determinante (dialeticamente: determinante-determinada) na criação da historia.
Damásio (1999) coloca a consciência como um “fenômeno totalmente privado, pessoal que se efetua como parte do processo privado,
pessoal que chamamos mente” (p.12) que são ambos, por sua vez, correlacionados com sua expressão – o comportamento – este passível de
ser observado por terceiros. Mente e comportamento estão relacionados
com as funções do organismo, particularmente do cérebro. A compreensão dessa correlação levou a psicologia e a filosofia a se aproximarem
da biologia, o que possibilitou, ainda segundo Damásio, grandes avanços no conhecimento da linguagem, visão e memória.
O desenvolvimento tecnológico recente nos permite, então, relacionar hoje os comportamentos observados não só à “contrapartida mental do comportamento, como também aos indicadores específicos da
estrutura do cérebro ou atividade cerebral.” (Damásio, 1999, p. 13)
O interesse desse conhecimento estaria, no entender de Ramachandran (1998), na elucidação das bases do comportamento. “Quando se
trata de sistemas biológicos, entender a estrutura é crucial para entender
a função” (p. 264). Desta forma, o conhecimento do biológico não dá o
correlato imediato do psicológico, embora o maior conhecimento sobre
o substrato biológico do fenômeno psicológico (segundo a concepção
walloniana de que a todo fato psicológico corresponde um substrato
biológico) traga consigo novas possibilidades de compreensão do processo de desenvolvimento humano.
INTERAÇÕES
Vol. 5 — Nº 9 — pp. 49-55
JAN/JUN 2000
Vygostky e Wallon e o futuro da psicologia
54
Wallon alertou para o fato de que o estudo do desenvolvimento
humano não poderia ser reduzido nem às características biológicas da
espécie, nem à experiência do meio, como fatores exclusivos. Ambas
visões seriam reducionistas.
A idéia de que a mente humana é função da cultura encontra respaldo hoje nos estudos sobre o cérebro que já revelaram com consistência que o cérebro se desenvolve e se modifica de acordo com as experiências que o indivíduo tem em seu meio, ou seja, o meio definitivamente participa do processo biológico do desenvolvimento cerebral.
Desta forma, a compreensão biológica só pode ser realizada com a compreensão dos processos da cultura.
Não podemos, então, pensar a consciência como um subproduto
da biologia, mas, como atividade mental que se efetua, exatamente, na
dualidade biológica-cultural dos processos humanos.
É nesta perspectiva que se entende hoje a psicologia como a área de
conhecimento que traz para o estudo interdisciplinar do desenvolvimento humano a dimensão dos processos mentais, em uma perspectiva
não reducionista, ou seja, nem limitada à biologia da espécie, nem função exclusiva do meio. O desafio que se coloca à pesquisa psicológica é,
também, de natureza metodológica, ou seja, como constituir situações
de pesquisa em que esses processos possam ser apreendidos e compreendidos em sua dimensão dialética da relação do organismo com o meio,
relação esta que constitui aquilo que é, no dizer de Wallon, unicamente
humano.
Bibliografia
DAMASIO, A. (1999) The feelings of what happens - body and emotion in the making of
consciousness. New York: Hartcourt Brace and Company.
INTERAÇÕES
RACHAMANDRAN, V. S. e BLAKESLEE, S. (1998) Phantoms in the Brain human nature and the architecture of mind. Londres: Fourth Estate Limited.
Vol. 5 — Nº 9 — pp. 49-55
JAN/JUN 2000
SERRES, M. (1999) Luzes. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Unimarco.
EL
VIRA SOUZA LIMA
ELVIRA
e-mail: [email protected]
Recebido em 25/03/2000
55
Vygostky e Wallon e o futuro da psicologia
VYGOTSKY, L. (1994) The problem of the environment, in The Vygotsky Reader,
Oxford: Blackwell.
INTERAÇÕES
Vol. 5 — Nº 9 — pp. 49-55
JAN/JUN 2000
Download

Full screen - Red de Revistas Científicas de América Latina y el