CONTRATO AGRÁRIO E A IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS E VANTAGENS JAKUBOSKI, Adriélli Pelizzar1 RAUBER, Elton Antonio2 SANTOS, Izaura José Padilha dos3 Resumo: Os contratos agrários, que a partir de 1964 passaram a ser regidos por Leis específicas, têm por escopo regulamentar as relações que envolvam as locações de prédios rústicos, e nessas relações as partes se obrigam a seguir o que expressamente institui as normas. Dentre esses preceitos, se encontra a irrenunciabilidade de direitos e vantagens pela parte considerada em desvantagem – o arrendatário. Essa premissa, se ignorada, torna sem efeito e nula desde o início, a cláusula que a ofender. Objetiva tal proibição, proteger o indivíduo que não dispõe de nada mais a oferecer, além de seu trabalho na relação. Palavras-Chave: Contratos agrários, irrenunciabilidade de direitos, função social. Abstract: Agrarian contracts, which from 1964 became governed by specific laws, have scope for regulatory relationships involving leases of agricultural land, and these relations the parties agree to follow the rules which expressly establishes. Among these precepts, is the non-waiver of rights and benefits considered by the party at a disadvantage - the tenant. This assumption, if ignored, becomes null and void from the beginning, that the offending clause. Objective such prohibition, protect the individual who does not have anything else to offer besides its work on the relationship. Keywords: Agrarian contracts, non-waiver of rights, social function. 1. Introdução Os contratos, em regra, na atualidade, são regidos pelo Código Civil de 2002, que apesar de não conceituar especificamente o instituto, disciplina todas as formas de contrato em um vasto número de artigos. Por outro lado, as questões envolvendo locação de propriedades rústicas, que até o advento do Estatuto da Terra4 eram tratadas exclusivamente com base no Código Civil de 1916, a partir da edição daquele, da Lei nº 4.947/665 e do Decreto nº 59.566/666, passaram a ter regulamentação própria presente nesses dispositivos legais, ficando a sua eficácia vinculada ao expressamente exigido por essas normas. “Tanto é isso verdadeiro, que o novo Código Civil silenciou sobre os contratos agrários”7, devendo, no entanto, ser utilizado quando esses dispositivos forem omissos8. 1 JAKUBOSKI, Adriélli Pelizzar. Bacharelando em Direito, IX semestre pela AJES - Faculdade de Ciências Contábeis e de Administração. E-mail: [email protected] 2 RAUBER, Elton Antonio. Bacharelando em Direito, IX semestre pela AJES – Faculdade de Ciências Contábeis e de Administração. E-mail: [email protected] 3 SANTOS, Izaura José Padilha dos. Bacharelando em Direito, IX semestre pela AJES – Faculdade de Ciências Contábeis e de Administração. E-mail: [email protected] 4 Lei 4.504/64 - Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. 5 Fixa Normas de Direito Agrário, Dispõe sobre o Sistema de Organização e Funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, e dá outras Providências. 6 Regulamenta as Seções I, II e III do Capítulo IV do Título III da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, o Capítulo III da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, e dá outras providências. 7 MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. – 8. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2009. p. 175. 8 Lei 4.504/64, artigo 92, § 9º - Para solução dos casos omissos na presente Lei, prevalecerá o disposto no Código Civil. Em vista dessa vinculação, Edson Ferreira de Carvalho conceitua contratos agrários como “acordos de vontade, firmados segundo as Leis 4.504/64 (arts. 92 a 96) e 4.947/66 (arts. 13 a 15) e Dec. 59.566/66, com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos relativos à exploração do imóvel agrário ou parte dele”9. (destacamos) Segundo esse conceito, os contratos que tratarem sobre o uso ou posse temporária da propriedade – contratos agrários – devem, obrigatoriamente, obedecerem ao preceituado nos dispositivos legais que versam sobre o tema e qualquer desvio pode ensejar em inaplicabilidade ou anulação. As Leis acima evidenciadas se caracterizam por trazerem, no que se refere à relação entre proprietário da terra e o terceiro que laborara nesta, disposições obrigatórias e que têm efeitos independente de estarem expressas no termo10 e por proibirem a renúncia de direitos e vantagens nelas instituídas11. 2. Materiais e métodos Para este escrito, utilizar-se-á, basicamente, o estudo da legislação aplicável aos contratos agrários e o entendimento doutrinário a respeito. 3. Da irrenunciabilidade de direitos e vantagens Na seara civil, os contratos são caracterizados pela vontade das partes, que podem pactuar livremente, sendo conceito de contrato, na visão de Pablo Stolze Gagliano, “um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir segundo a autonomia das suas próprias vontades”12. (destacamos) Nos contratos pactuados no âmbito civil13, em que pese a obediência à Lei, uma vez que são considerados negócios jurídicos14, e a limitação pelos princípios da função social e 9 CARVALHO, Edson Ferreira de. Manual didático de direito agrário. 1ª ed. (ano 2010), 1ª reimp. Curitiba: Juruá, 2011. p. 394. 10 Lei 4.504/64, artigos 92 e 93, Lei 4.947/66, artigo 13 e Decreto 59.566/66, artigo 13. 11 Lei 4.947/66, artigo 13, V; Decreto 59.566/66, artigo 2º. 12 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. Volume IV: Contratos. Tomo I: Teoria geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 47. 13 Para efeito deste estudo será considerado como seara diferente os contratos agrários, no entanto pertencem eles à esfera civil. 14 “Negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que todo o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.” AZEVEDO, Antônio Junqueira de, apud TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. p. 185. da boa-fé objetiva, como assevera Gagliano, a vontade das partes é mais ampla. Já nos contratos atinentes à locação de prédios rústicos15, a liberdade das partes é mais restrita, sendo condicionada às imperatividades impostas pelas Leis16 que regem especificamente essa relação. Em se tratando de contratos agrários17, além das exigências previstas nos artigos 92 e 93 da Lei 4.504/64, artigo 13 da Lei 4.947/66 e artigo 13 do Decreto 59.566/66, é expressamente proibido constar nestes a renúncia de direitos e vantagens por parte do arrendatário18. Ressalta-se que é proibido renunciar toda e qualquer vantagem, não somente as constantes no Estatuto da Terra e no seu regulamento, mas também as originadas de outros dispositivos legais19. Não quis o legislador restringir a liberdade de contratar, mas sim proteger o indivíduo que não dispõe de outra ferramenta senão o seu trabalho. Para Wellington Pacheco Barros, “essa vontade se subsumia na vontade do arrendador ou parceiro-outorgante e que, por isso, poderia procurar retirar alguns direitos e vantagens, estatuídos na lei, o legislador chamou a si essa proteção com o claro intuito de fazer justiça social”20. Segundo Francisco de Salles Almeida Mafra Filho, “os contratos agrários representam interesses coletivos ou gerais da sociedade, com normas prefixadas legalmente e acima da vontade das partes contratantes”21. E por assim serem, são agraciados pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o privado que “não permite a renúncia de nenhum dos benefícios consagrados em lei a favor da parte hipossuficiente”22. Outro fundamento que justifica a irrenunciabilidade dos direitos e vantagens do arrendatário é que, a exemplo das relações trabalhistas, este é considerado, pelo Estado, como de fato o é, salvo exceções, economicamente mais débil e por isso deve ser protegido – princípio da proteção do hipossuficiente. 15 Os contratos agrários apesar de regulamentados por normas específicas, devem obediência a alguns preceitos básicos do direito comum, como por exemplo, objeto lícito e a vontade das partes, mesmo mais restrita, são imprescindíveis para a validade do acordo. 16 Leis 4.504/64 e 4.947/66 e o Decreto 59.566/66. 17 O Decreto 59.566/66, artigos 3º e 4º considera como contratos agrários o arrendamento rural e a parceria rural. 18 Lei 4.947/66, artigo 13, IV e Decreto 59.566/66, artigo 2º. 19 OPTIZ, Silvia C.B.; OPTIZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 355. 20 BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito agrário. Vol. 1 – Doutrina e exercícios. 6. ed. revista e atualizada – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 128 e 129. 21 MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida apud CARVALHO, Edson Ferreira de. Manual didático de direito agrário. 1ª ed. (ano 2010), 1ª reimp. Curitiba: Juruá, 2011. p. 397. 22 CARVALHO, Edson Ferreira de. Manual didático de direito agrário. 1ª ed. (ano 2010), 1ª reimp. Curitiba: Juruá, 2011. p. 397. Cabe ainda destacar que os contratos agrários devem atender à função social, como preconizado no artigo 421, do Código Civil de 2002, e serem fontes de justiça social. Por isso, qualquer disposição contratual, além das expressamente contidas nas normas, que contrarie esses preceitos deve ser, por óbvio, rechaçada. Tudo em defesa da dignidade do trabalhador que não possui condições, em vista da politica falha de distribuição de terras do Brasil, de laborar em terra de sua propriedade. 3. Considerações finais É visível, pelo exposto, que o Estado, ao fazer constar nas normas pertinentes às relações que envolvam cessão temporária da posse da terra, a irrenunciabilidade de direitos e vantagens ali prevista, por parte do arrendatário, visa proteger a dignidade deste e também a proteção ao trabalho. Nas palavras de Wellington Pacheco Barros, “a proteção contratual da maioria desprivilegiada, a detentora do trabalho e que vem possuir temporariamente a terra de forma onerosa, em detrimento da minoria privilegiada, os proprietários ou possuidores rurais permanentes”23. De outra banda, ao cultivar a terra que não lhe pertence, o arrendatário estará cumprindo, em substituição ao proprietário, a função social da terra, o que lhe dificultará o acesso definitivo a esta. 4. Referências BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito agrário. Vol. 1 – Doutrina e exercícios. 6. ed. revista e atualizada – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. CARVALHO, Edson Ferreira de. Manual didático de direito agrário. 1ª ed. (ano 2010), 1ª reimp. Curitiba: Juruá, 2011. GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. Volume IV: Contratos. Tomo I: Teoria geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. – 8. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2009. OPTIZ, Silvia C.B.; OPTIZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. 23 BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito agrário. Vol. 1 – Doutrina e exercícios. 6. ed. revista e atualizada – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 119.