3. Revisão de Mecânica dos Fluidos Neste item recorda-se alguns conceitos da Mecânica dos Fluidos e faz-se algumas considerações úteis à compreensão do estudo das Máquinas Hidráulicas. 3.1. Propriedade dos Fluidos A seguir serão definidas algumas propriedades dos fluidos que são importantes para o estudo do escoamento em Máquinas Hidráulicas. a) Massa Específica (ρ ) [kg/m3] É a quantidade de massa de fluido por unidade de volume. b) Volume Específico (v) [m3/kg] É o volume ocupado por unidade de massa. É igual ao inverso da massa específica e tem particular importância no estudo de escoamento de fluidos compressíveis. c) Peso Específico (γ ) [kgf/m3] É a razão entre o "peso" e o volume do fluido, ou mais corretamente: a força, por unidade de volume, exercida sobre uma massa específica submetida a uma aceleração gravitacional. d) Densidade (d) [adimensional] É a razão entre a massa específica de um fluido e a massa específica de um fluido de referência (água, no caso líquido ou ar, no caso de gás) em condições padrão (pressão atmosférica ao nível do mar e temperatura de aproximadamente 20oC ). e) Viscosidade - Absoluta ou Dinâmica (µ ) [kg/ms] É a medida da resistência ao escoamento do fluido, ou seja, a razão entre a tensão de cisalhamento (ou força de coesão entre as camadas adjacentes de fluidos) e a razão de mudança da velocidade perpendicular a direção do escoamento. - Cinemática (ν ) [m2/s] É a razão da viscosidade absoluta pela massa específica do fluido. Obs.: A viscosidade dos fluidos depende fortemente de temperatura. f) Pressão (P) [N/m2] É definida como a razão entre a componente normal de uma força e a área sobre a qual ela atua. A pressão exercida em um elemento de área de um fluido é igual em todas as direções. Para que ocorra o escoamento de um fluido de um ponto até o outro é necessário que haja uma diferença de pressão. Podem ser do tipo: - Pressão Absoluta (Pabs): medida com relação a pressão zero absoluto. - Pressão Manométrica (Pman): medida com relação a pressão atmosférica local. - Pressão Atmosférica Padrão (Patm): é a pressão média ao nível do mar. Relação de Pressões: Pabs = Pman + Patm g) Temperatura (T) [oC] Pode ser definida, a grosso modo, como a propriedade que mede o grau de aquecimento ou resfriamento de um sistema. A temperatura aponta o sentido de transferência de energia na forma de calor, que flui dos corpos de alta temperatura para os de baixa temperatura. Obs.: No estudo das Máquinas Hidráulicas, considera-se quase sempre o fluido, no caso da água, como líquido perfeito (ideal), isto é, incompressível, perfeitamente móvel e sem viscosidade. Não havendo forças resistentes de atrito interno, as forças exteriores a que o líquido é submetido são equilibradas apenas pelas forças de inércia. Admite-se também que o líquido possua isotropia perfeita, isto é, que as suas propriedades características ocorrem do mesmo modo, independentemente da direção segundo a qual são consideradas. 3.2. Tipos de Escoamento A seguir será dada uma classificação ampla da Mecânica dos Fluidos baseada nas características físicas observáveis dos campos de escoamento: a) Escoamento Uni, Bi e Tridimensionais Um escoamento é classificado como uni, bi ou tridimensional dependendo do número de coordenadas espaciais requeridas na especificação do campo de velocidades. b) Escoamento em Regime Permanente e Transiente Se as propriedades do fluido em um ponto do campo não mudam com o tempo o escoamento é denominado escoamento em regime permanente. Neste tipo de escoamento, as propriedades podem variar de ponto para ponto no campo, mas devem permanecer constante em relação ao tempo para um dado ponto qualquer. Se as propriedades do fluido em um ponto do campo variam com o tempo, o escoamento é dito não permanente ou transiente. c) Escoamento Uniforme e Não Uniforme Um escoamento uniforme em uma dada seção transversal é caracterizado pela velocidade ser constante em qualquer seção normal ao escoamento. Um escoamento não uniforme (ou variado) é aquele em que as velocidades variam em cada seção transversal ao longo do escoamento. d) Escoamento Rotacional e Irrotacional O escoamento rotacional é caracterizado pelo movimento de rotação das partículas do fluido em torno de seus próprios centros de massa devido ao aparecimento de conjugados oriundos das tensões cisalhantes. Um escoamento sem rotação, ou seja, de translação ideal, é chamado de irrotacional (ou potencial). e) Escoamento Laminar e Turbulento O escoamento laminar é caracterizado pelo movimento em lâminas ou camadas, não havendo mistura macroscópica de camadas de fluido adjacentes. O escoamento turbulento é caracterizado pelo movimento tridimensional aleatório das partículas do fluido sobreposto ao movimento da corrente. Para caracterizar se um escoamento é laminar ou turbulento existe um parâmetro adimensional denominado número de Reynolds: Re = ρ.V.L µ onde: V é uma velocidade característica do escoamento; L é um comprimento característico da geometria onde ocorre o escoamento. Por exemplo, no caso de escoamento num tubo, V é velocidade média do escoamento e L é igual ao diâmetro do tubo. Assim se Re < 2000 caracteriza escoamento laminar; 2000 ≤ Re ≤ 4000 caracteriza uma região de transição e Re > 4000 caracteriza o escoamento turbulento. f) Escoamento Compressível e Incompressível Escoamento nos quais as variações de densidade são desprezíveis são denominados incompressíveis; quando essas variações são consideráveis o escoamento é dito compressível. A maioria dos escoamentos de líquidos é essencialmente incompressível. Embora a maior parte dos escoamentos gasoso seja compressível, nos casos da velocidade do escoamento (V) ser pequena em relação a velocidade do som no fluido (c), ele pode ser considerado V incompressível; quando o número de Mach, M= for menor que 0,3. c 3.3. Trajetórias, Filetes, Linhas e Tubo de Corrente Fig. 3.1- Representação de trajetória, filete e tubo de corrente. Estes elementos, apresentados na Figura 3.1, são definidos da seguinte maneira: Trajetória é o caminho traçado por uma partícula de fluido em movimento. Linhas de corrente são linhas imaginárias traçadas no campo de escoamento de tal forma que, em um determinado instante no tempo, elas são tangenciais a direção do escoamento em todos os pontos do campo. Não pode haver escoamento através de uma linha de corrente porque as mesmas são paralelas ao vetor velocidade e elas nunca se cruzam. Filete é um canal líquido de seções transversais suficientemente pequenas para que, em todos os pontos de uma dada seção transversal, possamos considerar como sendo as mesmas as condições do escoamento (velocidade, pressão, etc...) Tubo de corrente é um filete de seção finita apreciável, enfeixando um conjunto de filetes. 3.4. Teoria sobre o Escoamento dos Fluidos O estudo do escoamento dos fluidos é em geral realizado por um dos seguintes métodos clássicos: a) Método de Euler Considera-se um ponto fixo no espaço e se exprimem, a cada instante, as grandezas características da partícula que passa por esse ponto. Corresponde a considerar as linhas de corrente num dado instante. b) Método de Lagrange Acompanha-se a partícula ao longo de sua trajetória e representam-se, por equações, a velocidade e demais características da partícula, no instante considerado sobre sua trajetória, referidas a uma origem escolhida arbitrariamente. Obs: Nos estudos de Máquinas Hidráulicas será adotado o Método de Euler. 3.5. Sistema e Volume de Controle Para o tratamento dos problemas de escoamento de fluidos é importante delimitar, fixando ou imaginando, uma região no espaço. Isso pode ser feito através da definição de um sistema e/ou volume de controle. a) Sistema Um sistema é constituído por uma porção de matéria (fluido) isolada do exterior e fechada por um contorno imaginário ou real. A massa do sistema é fixa (se conserva). Suas fronteiras (separação com a vizinhança (exterior)) podem ser fixas ou móveis, Figura 3.2. Fig.3.2- Exemplo de sistema. b) Volume de controle Trata-se de um volume arbitrário, fixo no espaço, de paredes imaginárias, que permite a passagem, através de sua superfície externa (superfície de controle), da massa, da quantidade de movimento, da energia e demais quantidades associadas ao escoamento. Um volume de controle é ilustrado na Figura 3.3 Fig. 3.3 - Exemplo de volume de controle. Obs: Segundo as definições feitas acima podemos concluir que o tratamento do escoamento em Máquinas Hidráulicas pode ser feito por meio de volumes de controle. 3.6 Leis Básicas e Equações As leis básicas que se aplicam ao estudo das máquinas de fluxo são os princípios de conservação: conservação da massa, conservação da quantidade de movimento e conservação da energia, etc. No caso de um sistema estas leis são escritas a seguir. 3.6.1 Conservação da massa (Continuidade) Um sistema por definição possui massa constante. Matematicamente isto é expresso por dm = 0; dt 3.6.2 Conservação da quantidade de movimento (2a Lei de Newton) A segunda lei de Newton estabelece que a força resultante sobre um sistema é igual a variação da quantidade de movimento do sistema. r r d ( mV ) F= . dt O momento das forças resultantes é expresso pelo produto vetorial: r r r M =r× F. ∑ ∑ O momento resultante sobre um sistema também pode ser expresso em função da variação do momento angular do sistema, ou seja r r dΗ M = . dt 3.6.3 Conservação da energia (1a Lei da Termodinâmica) A variação da energia de um sistema é igual soma de calor e trabalho trocados com o meio: dE & Q& = + W , onde Q& e W& são as taxas de calor e trabalho trocados com o meio. dt 3.6.4 Relação entre as formulações de sistema e volume de controle As máquinas de fluxo em geral possuem aberturas por onde os fluidos escoam. Desta forma elas podem ser caracterizadas como volumes de controle onde as leis básicas assumem formas particulares. A partir das leis básicas para um sistema pode-se obter a formulação para um volume de controle através do teorema do transporte, o qual é escrito aqui sem demonstração (encontrada em livros de mecânicas de fluidos) na forma: r r DΦ ∂ = ϕρdV + ϕ ( ρV • dA) Dt sist ∂t v .c s . c. ∫ ∫ onde Φ é uma grandeza extensiva qualquer e ϕ = Φ é a grandeza intensiva correspondente. m Alguns valores das grandezas acima são dados a seguir m r ; ϕr = 1 r Pr = mV ; rϕ = V r r r Φ = H = r × mV ; ϕ = r × V 2 E = Q − W ; ϕ = e = V / 2 + gz + u A partir da equação do teorema do transporte pode-se obter os princípios de conservação aplicados a um volume de controle como r r ∂ ρdV + ρV • dA = 0 (continuidade); ∂t v .c. s.c. r ∂ r r r r F = VρdV + VρV • dA (quantidade de movimento); ∂t v .c. s.c. r r ∂ p r r Q& − W& eixo = eρdV + eρV • dA + ρV • dA (conservação da energia). ∂t v .c. s.c. ρ s.c. ∫ ∫ ∑ ∫ ∫ ∫ ∫ ∫ No caso de máquinas de fluxo os volumes de controle para o rotor possuem movimento de rotação em torno de um determinado eixo. Assim uma equação mais útil do que a equação de quantidade de movimento é a equação do momento angular, que em coordenadas cilíndricas pode ser escrita na forma: r r ∂ M z = r Vθ ρdV + r Vθ ρV • dA ∂t v .c. s.c. ∫ ∫ 3.7 Equação de Euler Fig. 3.4- Escoamento em linha de corrente. A equação de Euler é oriunda das equações do movimento do fluido para o caso do escoamento livre de fricção (µ=0). Considere uma linha de corrente e selecione um sistema cilíndrico fluido conforme a Figura 3.4. As forças que tendem a acelerar o elemento são: -forças de pressão nas bases: δFP = P.δA − (P + δP).δA = −δP.δA - força peso na direção do movimento: δz δFw = −ρ.g.δs.δA. = −ρgδAδz δs O elemento infinitesimal de massa que sofre a ação dessas forças é: δm = ρ.δV = ρ.δs.δA A segunda lei de Newton pode ser expressa por : V.δV δF = δm.a = (ρ.δs.δA). δs Aplicando a 2o Lei de Newton ao longo da linha de corrente, temos: dF = dFw + dFp (ρ.ds.dA ). V. dV = −dP.dA − ρ.g.dA.dZ ds Dividindo por ρ.dA e rearranjando, resulta a Equação de Euler para escoamento unidimensional de um fluido compressível em regime permanente: dP + V.dV + g.dZ = 0 ρ 3.8. Equação de Bernoulli A equação de Bernoulli é obtida a partir da equação de Euler, considerando o escoamento incompressível e integrando entre dois pontos quaisquer pertencentes a uma linha de corrente. Equação de Euler para fluido incompressível (ρ=cte): V2 dP + d γ 2g + dZ = 0 Integrando entre os pontos 1 e 2, e rearranjando, temos a Equação de Bernoulli: 2 2 P1 V1 P V + + Z1 = 2 + 2 + Z 2 γ 2g γ 2g Para uma dada linha de corrente a quantidade P γ + V 2 2g + Z = H = cte É importante lembrar as suposições feitas até aqui para derivar a Equação de Bernoulli para que a mesma possa ser aplicada corretamente. São elas: - escoamento permanente; - escoamento incompressível; - escoamento livre de fricção (µ=0); - escoamento ao longo de uma linha de corrente. Em resumo, a Equação de Bernoulli é equivalente a aplicação da energia para o escoamento de fluidos ideais, como podemos ver através de cada um dos seus termos definidos a seguir e mostrados esquematicamente na Figura 3.5: P - Energia específica de pressão (Altura representativa de pressão, altura de pressão γ estática, cota piezométrica ou piezocarga). V 2 - Energia cinética específica (Altura representativa de velocidade, Altura de pressão 2g dinâmica, Energia Atual ou Taquicarga). z- Energia potencial específica (Altura representativa da posição ou cota) H- Energia Total específica (Queda Hidráulica ou Altura de Elevação , Carga Dinâmica). Fig. 3.5 - Representação gráfica da Equação de Bernoulli.