TÉCNICA
Incorporação de inulina na matriz
de sorvete de baunilha livre
de gordura: efeito sobre as
propriedades texturais e físicas
Laura T. Rodriguez Furlán; Mercedes E. Campderrós
Facultad de Química, Bioquímica y Farmacia - Universidad Nacional de San Luis. San Luis, Argentina
Instituto de Investigaciones en Tecnología Química (INTEQUI) - CCT-CONICET. San Luis, Argentina.
[email protected]
Introdução
A recomendação, dentro de uma dieta saudável, é que
as calorias provenientes das gorduras não superem os
30% do total de calorias ingeridas. Geralmente, as calorias provenientes das gorduras superam os 40% e são
geradas principalmente por gorduras saturadas, que
estimulam a produção no fígado de lipoproteínas de
baixa densidade (LDL, chamadas coloquialmente
colesterol ruim)” aumentando o risco de provocar
enfermidades cardiovasculares. A partir destas considerações, a demanda atual do mercado é a elaboração de
alimentos com conteúdo graxo reduzido para minimizar seus efeitos negativos para a saúde. Um alimento de
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consumo muito difundido, como o sorvete, pode ter um
alto conteúdo em gordura, por isso o desenvolvimento
de um produto de propriedades sensoriais agradáveis e
livre de gordura é um desafio tecnológico.
O sorvete é um alimento de características
coloidais complexas, devido a seus elementos estruturais tais como gotas de gordura parcialmente fusionadas, cristais de gelo e células de ar dispersas na fase de
soro aquoso (Soukoulis y col., 2010). Os elementos
estruturais dos sorvetes contribuem significativamente
à percepção do padrão de textura, sabor e resistência à
fusão, entre outros aspectos. A gordura, em particular,
contribui sobremaneira às suas propriedades de palatabilidade durante o congelamento e o batido.
Um dos objetivos nas formulações de sorvetes
reduzidos em gordura é obter uma textura desejável.
Isto representa um desafio importante para a tecnologia
alimentar, já que a rede de glóbulos graxos se encontra
ausente e isto pode ter um impacto negativo na textura
final do produto (Aime y col., 2001). Recentemente,
vêem se realizando diferentes estudos sobre fontes não
gordurosas que ofereçam propriedades similares, chamados substitutos de gorduras, e sobre seu efeito sobre
as propriedades sensoriais. Em investigações prévias
têm se utilizado carboidratos e proteínas como substitutos na preparação de sorvetes reduzidos em gorduras
(Aime y col., 2001; Li y col., 1997, Bayarri y col.,
2010). Neste sentido, o polissacarídeo inulina vem
sendo proposto como substituto de gordura em diversos
produtos alimentícios. A inulina é um polissacarídeo
não digestível que atua como fibra dietética, com efei-
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to prebiótico, composto por uma cadeia de
moléculas de frutose com uma unidade terminal de glicose. Existem estudos recentes
que investigam o efeito da adição de inulina sobre as propriedades reológicas e sensoriais de sobremesas lácteas. Além disso, é
um carboidrato não digestível, com um
mínimo impacto sobre o açúcar sanguíneo e
-diferente da frutose- não é insulinêmico e
não eleva o triglicéride. Oferece uma
melhor biodisponibilidade de cálcio e magnésio e melhora a absorção de ferro a nível
intestinal. Inclusive, há evidências de sua
atuação na redução do risco de câncer,
reforço da resposta imune e proteção contra
as desordens intestinais.
Neste trabalho foi investigado o
efeito da inulina como substituto de gordura
em uma matriz de sorvete livre de gordura e
sua influência sobre as propriedades sensoriais e texturais das amostras elaboradas.
Figura 1 - Diagrama de blocos do processo de elaboração
de sorvete livre de gordura
Materiais e métodos
Matérias primas
Inulina (Orafti Chile S.A.). É um polissacarídeo usado como fonte de reserva presente
em muitas plantas alimentícias, tais como
bananas, cebolas, alho, alho-poró, alcachofras e chicória, esta última representa a
principal fonte comercial .
Amido modificado (Matharch M 25,
Mathiesen, Argentina). O amido modificado a
partir de processos de hidroxipropilação e
entrecruzamento consegue melhorar a qualidade do amido nativo, apresentando menor
redução da viscosidade durante o aquecimento e a agitação, mostra uma baixa sinerese durante a armazenagem e
boa estabilidade a baixas temperaturas (Wattanachant y
col., 2003).
Preparação do sorvete
Para demonstrar o efeito da inulina como agente substituto de gordura foram estudadas duas formulações:
uma amostra controle não reduzida em gordura (NRG),
com o objetivo de imitar suas propriedades físicas e
texturais, e outra livre de gordura (LG) utilizando inulina e amido modificado como aditivos. A composição
da amostra NRG foi 5% de gordura; 12% de sólidos
não gordurosos de leite; 18% de açúcares totais e 0,2%
de estabilizante. Com o objetivo de não modificar a
composição de sólidos totais, na amostra LG foi eliminado o conteúdo graxo e se incorporou amido modificado a 3% (p/p) e inulina a 2% (p/p), de modo a substituir o conteúdo gorduroso. O procedimento empregado na preparação do sorvete se mostra na figura 1:
foram misturados os diferentes ingredientes (sem
incorporar o corante e saborizante) com água a 50°C
durante 10 min, utilizando uma agitadora planetária. As
misturas foram pasteurizadas a 75°C durante 15 min.
em um banho a 95°C. Posteriormente foi realizada a
desintegração dos componentes da mistura por meio da
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aplicação de uma homogeneização. Depois as misturas
foram rapidamente resfriadas a 4°C e conservadas 20 horas
com agitação lenta e constante (etapa de maturação).
As amostras maturadas foram congeladas a
–5°C agitando constantemente. Finalmente foram
embaladas e armazenadas a –20°C durante 1 semana.
Análises
Análises de textura. Foi realizada por quintuplicado
depois de um tempo de armazenamento das amostras
de sorvete de duas semanas e a uma temperatura de 10°C, com um analisador de textura TMS-Touch (Food
Technology Corporation, DASTEC). Foi praticado um
teste de penetração a uma velocidade de penetração de
120 mm/min. e uma distância de 10 mm, correspondente com um terço da altura das amostras, utilizando um
tubo de ensaio cilíndrico de um diâmetro de 10 mm. A
dureza (N) das amostras foi avaliada como a força
máxima no pico de compressão durante a penetração
(Soukoulis y col., 2010).
cor e textura. Foi proporcionada água entre as amostras
para limpar o paladar.
Análise estatística. Os dados obtidos foram estatisticamente avaliados através do teste de comparações múltiplas de Tukey-Kramer ao considerar o caso de duas
ou mais comparações. Por outro lado, se utilizou o Ttest, assumindo estatisticamente significativa um
P<0,05 e utilizando um software de estatística Graph
Pad In Stat (1998).
Resultados
Dureza. Os valores instrumentais de dureza dos sorvetes são um parâmetro importante, já que se encontram
relacionados com outros parâmetros tais como overrum, conectividade dos cristais de gelo, propriedades
térmicas, entre outros. A dureza instrumental pode ser
relacionada com o crescimento dos cristais, já que um
aumento no tamanho dos cristais no sorvete se encontra acompanhado por variações nos valores de dureza.
Além disso, a dureza instrumental pode ser utilizada
para analisar o impacto dos diferentes ingredientes
(gordura, açúcares, proteínas e hidrocolóides) sobre o
produto final (Soukoulis y col., 2008). Os resultados do
estudo de perfil de textura revelaram que a adição de
inulina permitiu obter um valor de dureza (8,9±1.0N)
similar à amostra controle (10,0±1.6N), não havendo
diferença estatisticamente significativa entre ambos
Provas de fusão. As amostras foram previamente
armazenadas a -20°C. Para a realização deste teste, as
amostras foram removidas do pote e pesadas.
Posteriormente colocadas sobre uma malha metálica
(diâmetro de poro: 1 mm) e mantida a temperatura
ambiente (T=20°C). Registrou-se regularmente o peso
do material que atravessava a malha, ou seja, o material
que gotejava, durante um período de 80 min.,
determinando a velocidade de derretimento:
Figura 2 - Influência da substituição da gordura por inulina
[(g amostra derretida/g totais) x100 (tempo-1)]
nas amostras de sorvete livre de gordura sobre a
(Bolliger y col., 2000).
velocidade de derretimento
Análise sensorial. Neste estudo foi apresentada
a cada avaliador uma série de amostras codificadas e lhes foi pedido que as avaliassem através
de um exame visual, olfativo e gustativo, e classificassem através de uma escala hedônica a
aceitabilidade. Para isso, se identificou cada
amostra com um código de três dígitos. As
amostras foram testadas a uma temperatura de 15°C, em um ambiente iluminado uniformemente, por um painel de 40 panelistas não treinados
que julgaram as amostras através de uma escala
hedônica de nove pontos, indicando quanto lhes
agradava ou desagradava o produto (9 = gosta
muito, 5 = nem gosta, nem desgosta, 1 = desgosta muito). Foram avaliados o sabor, aroma,
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Figura 3 - Derretimento no tempo de sorvete não livre (A-B)
e livre de gordura com a incorporação de inulina
e amido modificado (C-D)
A
t= 0
t= 20
C
t= 0
B
D
t= 30
a velocidade de derretimento das amostras NRG e LG.
Este ensaio permitiu revelar uma menor velocidade de
derretimento da amostra LG (0,57% de derretimento/min.), que a amostra NRG (1,23% de derretimento/min.), (P<0.001), retendo sua forma original por
maior tempo (LG=30 min.; NRG=20 min., figura 3),
aumentando o tempo necessário para o colapso da
estrutura. Este comportamento poderia explicar-se
considerando que os hidrocolóides aumentam a viscosidade da amostra e portanto, é necessário um maior
(P>0,05). Estudos realizados previamente por
Soukoulis y col. (2010) mostraram que a incorporação
de inulina em sorvetes reduzidos em sacarose permitiu
aumentar a dureza instrumental do sorvete , isto pode
significar que a inulina aumenta o valor de Tg (temperatura de transição vítrea) da amostra e isto permite
uma maior uniformidade dos cristais de gelo. Além
disso, a incorporação de hidrocolóides produz o
aumento da dureza, já que atuam como crioprotetores
devido a sua habilidade de controlar a difusão da água
e o crescimento dos cristais de gelo. O efeito crioprotetor de inulina e o aumento dos valores de Tg que geram
em soluções protéicas, foi demonstrado recentemente
por Rodriguez Furlán y col. (2012), os resultados são
comparáveis com a matriz de sorvete, devido seu elevado conteúdo proteico proveniente de seu ingrediente
majoritário, o leite.
Fusão. A fusão do sorvete se produz devido a fenômenos de transferência calor. O calor penetra gradualmente no interior da matriz do sorvete produzindo a fusão
dos cristais de gelo. A água produzida difunde pelo sorvete e finalmente goteja. Os hidrocolóides, devido a
sua capacidade de retenção de água e de formar gelos,
modificam a velocidade do derretimento do sorvete. Na
figura 2 estão demonstrados os resultados obtidos para
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tempo para que a água difunda do interior ao exterior
do sorvete . Resultados similares foram encontrados
por Soukoulis y col. (2008), que descobriu que a incorporação de hidrocolóides diminui a velocidade de derretimento do sorvete.
A análise sensorial, utilizando uma escala
hedônica de nove pontos, revelou que não houve diferença estatisticamente significativa nos diferentes atributos sensoriais avaliados (cor, aroma, textura e sabor)
ao comparar as amostras NRG e LG (Tabela 1), comprovando a efetividade da inulina como agente substituto de gordura e do amido modificado como agente
texturizante.
Conclusões
Foi estudada a substituição da gordura por agentes tais
como inulina e amido modificado. Pode-se observar
que a incorporação destes componentes ao sorvete livre
de gordura permitiu igualar as propriedades texturais e
sensoriais do sorvete não reduzido em gordura. Além
disso, a incorporação destes hidrocolóides permitiu
diminuir a velocidade de derretimento e aumentou o
tempo de retenção da forma do sorvete em comparação
com a amostra NRG. Isto pode significar que estes componentes aumentam a viscosidade da amostra e portanto
aumentam o tempo de difusão da água através do produto, além disso por suas propriedades de hidrocolóides
contribuem para a retenção da água.
Os resultados demonstraram a efetividade dos
aditivos empregados, conseguindo uma formulação de
sorvete livre de gordura com características físicas e
sensoriais muito similares à amostra controle, com
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características funcionais pela incorporação de um
componente prebiótico, como inulina.
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