Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Resumo O trabalho traz reflexões em torno de dois projetos de pesquisas, ambos elegendo como objeto a Prova Brasil. Em revisões a que se procedeu, notou‐se a ausência de estudos na Anped e na Anpedsul em torno dos descritores da Prova Brasil. Há muitas pesquisas sobre aspectos específicos de letramento(s); de alfabetização e uma variedade de objetos que envolvem leitura e escrita. Registram‐se também pesquisa acadêmica e artigos que falam das avaliações em larga escala e, especificamente, sobre as implicações teóricas e metodológicas dos descritores previstos no Plano de Desenvolvimento da Educação, PDE. Sumarizam‐se diretrizes da Prova Brasil, orientados na Matriz de Referência; implicações teóricas e metodológicas em torno da concepção de letramento(s). Nos registros, pontua‐se o deslocamento dos descritores para a intratextualidade, em oposição à interdiscursividade e intertextualidade. Palavras‐chave: Prova Brasil. Descritores. Letramento(s). Osmar de Souza Universidade Regional de Blumenau [email protected] X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza Introdução Este artigo percorre duas pesquisas: As avaliações de leitura (Prova Brasil, Saeb, Enem): compreensões de professores de escolas públicas, já concluída, em 2013 e Avaliações nacionais frente aos desafios de leitura e escrita: um estudo a partir de professores de escolas públicas, ainda em andamento. A primeira se delimitou a uma região de um estado do Sul do Brasil; a segunda está procedendo a um mapeamento de questões nas diferentes regiões deste mesmo Estado. Em comum, há o foco em sujeitos professores atuantes em escolas públicas, justificado pelo de que o alvo da Prova Brasil, em sua concepção inicial, eram alunos de escolas públicas. Supõem‐se implicações teóricas e metodológicas para professores. Trata‐se de pesquisas qualitativas com amostragens de voluntários (BOGDAN & BIKLEN, 1994; LAKATOS & MARCONI, 2010). Um dos tópicos das pesquisas se concentra nos descritores de leitura, previstos no PDE/Prova Brasil‐ Plano de Desenvolvimento da Educação (2011) e é sobre isso que o texto vai se concentrar por implicações teóricas explícitas e/ou implícitas em torno do conceito de letramento(s). Embora os projetos abranjam também o Enem, o artigo se limita à Prova Brasil, questionando‐se professores atuantes no quinto e nono anos, como prevê a orientação oficial para esta avaliação. Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos: um questionava os professores sobre reflexões em torno da Prova Brasil, implicações para o ensino de leitura e escrita e impactos da gestão sobre os docentes (APÊNDICE 1); o segundo focaliza especificamente os descritores da Prova Brasil e seus impactos na prática docente (APÊNDICE 2). A análise leva em conta os estudos sobre letramento(s). Embora se possa quantificar dados, opta‐se por uma análise qualitativa (BAUER & GASKEL, 2002), da qual alguns excertos ilustram a penúltima seção deste artigo. O artigo se justifica, entre outras razões porque: A Anped, em seu GT 10, Alfabetização, leitura e escrita, apresenta trabalhos que elegeram a Provinha Brasil, mas, nas três últimas edições, nenhum sobre a Prova Brasil. Em consequência, os descritores privilegiados no documento acima mencionado ainda não ganharam visibilidade neste GT. Assim, este trabalho se propõe trazer ao debate os X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.2
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza descritores e suas implicações para professores do quinto e nono anos do ensino fundamental, alvos da Prova Brasil. Aproxima‐se de vários estudos em torno do conceito de letramento(s) que ganham espaço no GT há mais de oito anos. Na Anpedsul, na última realização, registra‐se um trabalho (GABRIEL; BASTIANI, 2012). Os autores, no entanto, não chegam a entrar no mérito dos descritores e suas implicações teóricas, tampouco as exigências para professores. Mostram‐se interessados em acompanhar sujeitos, nas escolas, no enfrentamento das questões propostas. Foge de seus objetivos discutir questões teóricas ligadas à noção de letramento(s) imbuídas nas questões da Prova Brasil, ou numa questão mais ampla o que subjaz aos testes, em termos de teorias de letramento(s) como o fazem, em texto já não tão recente, Bonamino; Coscarelli, Franco (2002). Em termos de pesquisa, menciona‐se a de Silva (2013), em sua tese de doutorado. A autora focaliza a leitura na Prova Brasil como ensino e avaliação e faz reflexões sobre os descritores, analisando‐os à luz de um confronto entre os resultados da prova em escolas de Pernambuco, relacionando a aplicações similares realizadas pela pesquisadora que apontam para incongruências, entre tantos pontos, pelo nível de complexidade que o documento oficial apresenta como orientação. Problematiza também a confiabilidade dos resultados da Prova Brasil. Justifica‐se o artigo, ainda, por implicações que as Provas vêm trazendo aos currículos escolares, neste caso, envolvendo o desempenho leitor. Já há registros de que pelo menos 17 estados no Brasil adotam avaliações periódicas dos alunos, em moldes similares à Prova Brasil. Quanto a municípios, ainda se precisaria proceder a um levantamento. No Estado em que as pesquisas se realizam, há informação de dois municípios de médio porte (entre 200 e 600 mil habitantes) que adotam avaliações nos quinto e nono anos. Pelo que se indica a preocupação é melhorar o ideb de suas redes. Essas breves considerações permitem eleger a Prova Brasil como objeto a se pesquisar e dentro de suas dinâmicas, o papel dos descritores, por correlações com o(s) conceito(s) de letramento(s) e eventuais impactos nas práticas de professores. Há outras X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.3
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza implicações com as políticas públicas hoje em vigor, nas esferas: federal, estaduais e municipais; pontos de derivas nos currículos, entre outros, mas que aqui não se avança. O artigo está estruturado em três seções: a primeira faz uma rápida passagem pela Prova Brasil e a avaliação de leitura; a segunda revê estudos em torno do(s) letramento(s); a terceira reflete sobre registros colhidos junto aos professores, correlacionando com exigências escolares e práticas sociais de leitura e escrita. As considerações finais recuperam tópicos do artigo e reflexões adicionais. Seguem referências e dois apêndices. Conhecendo a prova brasil A avaliação denominada Avaliação Nacional do Rendimento Escolar‐ Anresc (Prova Brasil) é realizada a cada dois anos. Avalia as habilidades em Língua Portuguesa (foco da leitura). É aplicada somente a estudantes do quinto e nono anos de escolas das redes públicas (BRASIL, 2011). Inicialmente, previam‐se somente classes com mais de 20 alunos. Nas últimas edições tem sido revisto isso, para atingir escolas rurais e, assim, tentar uma universalização mais ampla das avaliações (BONAMINO & SOUZA, 2012). O objetivo é que se atinja uma “equidade” à educação oferecida principalmente pelas escolas públicas. Essa pretendida “equidade” neste caso se limita ao desempenho leitor. Impõe, assim, uma direção para o(s) letramento(s) pretendido(s). O documento do PDE destaca críticas que a avaliação tem recebido. No que diz respeito à leitura, para efeito deste artigo, fala‐se de que a Prova Brasil capta apenas aspectos superficiais das competências de leitura. Contra‐argumenta‐se, no documento, que as estratégias que dotem os alunos de capacidades de responder corretamente aos itens da Prova Brasil permitem que eles consolidem competências fundamentais para o exercício da cidadania. Instrumentalizaria, pelo documento, os demais componentes curriculares. No texto oficial, reconhece‐se o caráter diagnóstico das avaliações e que por si só não garantem a solução dos problemas da educação. Defende‐se a correlação com outras políticas públicas, como a permanência do aluno na escola, as condições materiais para as X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.4
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza famílias, entre outras. Em relação ao caráter diagnóstico consignado no documento, observa‐se que este escapa aos formuladores, porque acaba ganhando na mídia e nas próprias escolas repercussões de resultados confiáveis. Prova esta afirmação, como se verá na terceira seção, o fato de os professores legitimarem os descritores, preparando os alunos para as provas. Isso traz consequência para os níveis de letramento(s) dos alunos, acionados pela escola. A Matriz de Referência de Língua Portuguesa é composta de seis tópicos: 1‐
procedimentos de leitura, 2‐ implicações do suporte, do gênero ou enunciador na compreensão do texto; 3) relação entre textos, 4) coerência e coesão no processamento do texto; 5) relações entre recursos expressivos e efeitos de sentidos e 5) variação linguística. Para o quinto ano, são contemplados 15 descritores; para o nono, são acrescentados mais seis. Os descritores obedecem dentro de cada item a uma ordem crescente de aprofundamento e/ou a ampliação de conteúdos ou das habilidades exigidas. No tópico 1, procedimentos de leitura aparecem: a) localizar informações explícitas em um texto; b) inferir o sentido de uma palavra ou expressão; c) inferir uma informação implícita em um texto; d) identificar o tema de um texto; e) distinguir um fato da opinião relativa a esse fato. (todos os descritores são avaliados no quinto e nono anos) No tópico II, implicações do suporte, do gênero e/ou enunciador na compreensão do texto, dois descritores estão previstos: a) interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso; b) identificar as finalidades de textos de diferentes gêneros. (ambos também nas duas séries avaliadas) No tópico III, Relação entre textos, dois descritores, a) reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que foi produzido e daquelas em que será recebido; b) reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema. Desses descritores, somente o primeiro será avaliado nos quinto e nono anos. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.5
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza No tópico IV, encontram‐se os seguintes descritores: a) estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade do texto; b) identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa; c) estabelecer relação causa/consequência entre partes e elementos do texto; d) estabelecer relações lógico‐discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios, etc; e) identificar a tese de um texto; f) estabelecer relações entre tese e os argumentos oferecidos para sustentá‐la; g) diferenciar as partes principais das secundárias em um texto. Os descritores previstos em e, f, g aplicam‐se somente aos nono anos. O tópico V, relações entre recursos expressivos e efeitos de sentido, desdobra‐se em: a) identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados; b) identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações; c) reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão; d) reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos ortográficos e/ou morfossintáticos. Os descritores c, d restringem‐se aos nono anos. O último tópico, variação linguística, só contém um descritor: identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto. Aplica‐se tanto ao quinto quanto ao nono anos (BRASIL, 2011). Este tópico se ressente de elementos que considerem a diversidade de contatos e de redes sociais dos alunos. Como o aluno, por exemplo, se relaciona com itens lexicais que divergem regionalmente? Como o aluno lidaria com limitações em contextos letrados com medianas e complexas exigências? Rios (2010) faz uma análise desses descritores, incluindo o que se exige no ensino médio. Em sua observação não há fechamento em termos de privilegiar um gênero. Há predominância de textos de abordagens narrativas no quinto ano e argumentativas, no nono. Incluem‐se textos em diferentes modos semióticos. O autor considera que há inovações em termos de teorias pragmáticas enunciativas; teorias sociolinguísticas e teorias de discurso. No entanto, conclui que a Matriz de Referência se refere ao processo cognitivo do texto. Trata‐se de um letramento eminentemente escolar em oposição a um letramento ecológico (BARTON, 1994; X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.6
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza BARTON & HAMILTON, 2000). Nos registros a se apresentar na terceira seção, faz‐se uma retomada dessa abordagem de Rios, acrescentando um reducionismo à leitura intratextual. O documento leva em conta as relações intertextuais e interdiscursivas, mas, nesta pesquisa, os professores dizem não contemplar em suas atividades e nem se posicionam sobre as implicações desses descritores também no processo de escrever. Por ser uma avaliação em larga escala, orientada pela TRI (Teoria da Resposta ao Item), a Prova Brasil, pela homogeneização dos resultados, torna‐se limitada para considerar variáveis sociológicas e antropológicas do(s) letramento(s) (BUNZEN, 2010). Para atender a essa perspectiva, somente pesquisas etnográficas (STREET, 1995) poderiam atender. Para concluir este tópico, traz‐se a contribuição de Bonamino; Souza (2012). As autoras estabelecem uma reflexão sobre o que chamam de “gerações de avaliações”, identificadas por elas em três, não em termos cronológicos, mas em interocorrências, por envolver consequências curriculares leves ou fortes, na literatura apresentada como low e hight stakes. Para o foco deste artigo, interessa destacar do mesmo artigo implicações teóricas que podem orientar práticas escolares mais preocupadas em “preparar alunos para os testes” do que para desenvolver distintas habilidades e competências para as antigas e novas exigências de letramento(s) (BARTON, 1994; BARTON; HAMILTON, 1998; 2000). A seguir, faz‐se uma revisita aos estudos de letramento(s) e o que pode implicar pela formulação de avaliações em larga escala. Revisitando quem se debruçou sobre letramento(s) O conceito ou os conceitos de letramento, cada vez mais usado no plural já ganhou visibilidade em publicações no Brasil, além de livros, artigos em periódicos e, em eventos acadêmico‐científicos como a Anped e suas reuniões regionais. Fugiria ao foco deste artigo fazer uma sumarização das compreensões e dos conflitos que o conceito traz. Aqui vai se tentar apenas cruzar algumas contribuições e relacioná‐las com as avaliações em larga escala, como a Prova Brasil, relativamente à leitura. Dessas, as perspectivas; teorias correlacionadas e dicotomias. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.7
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza Sobre as perspectivas, revisitam‐se Anderson e Irvine (1993). Eles sintetizam três perspectivas que abordam letramento: funcionalista; interpretativista e letramento crítico. A funcionalista focaliza habilidades e técnicas em leitura e escrita, que recaem sobre o indivíduo. Além disso, trabalha com critérios similares, controláveis. Poder‐se‐ia acrescentar, no caso da Prova Brasil, de o sujeito dar conta de exigências intratextuais, que fazem parte de alguns de seus tópicos. A segunda inclui relações intertextuais e interdiscursivas, mas silencia sobre as relações desiguais, que envolvem práticas de letramento. Reconhecem as interações sociais como constituidoras de práticas letradas. O(s) letramento(s) crítico(s) levam em conta fatores históricos e ideológicos inerentes a determinadas práticas de leitura e escrita. Ao considerar as condições de produção da leitura, o(s) letramento(s) crítico(s) aproximam‐se de teorias enunciativas e discursivas, além de sociolinguísticas. As perspectivas, como se nota, apontam para uma compreensão de letramento(s) como interdisciplinar, como já apontado neste artigo por Rios, na seção anterior. Goulart (2006) defende o(s) conceito(s) de letramento(s) ligado(s) à teoria da enunciação. Este posicionamento se justifica, no caso desta pesquisa, por se entender que a avaliação em larga escala, como a Prova Brasil, expõe as crianças a textos de diferentes formas de interação. Ao estabelecer esta interface, concebe‐se o fenômeno do(s) letramento(s) em sua dimensão social, o que pressupõe a existência de um conjunto de atividades e exigências sociais, que envolvem a língua escrita e seu uso. Como o foco é a leitura, portanto, fruidor da linguagem, o fenômeno da produção permanece no terreno de implicações, de possíveis desdobramentos. Mas a teoria encontra problemas por dificultar comparações, homogeneizações. Avalia‐se a dimensão individual, que indica letramento como um atributo pessoal‐ conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas em torno da leitura. Entende‐se, por exemplo, que ler implica o domínio do sistema de escrita e isso passa por uma construção até certo ponto diferenciada de sujeito a sujeito, mas os sentidos sociais das manifestações escritas são marcados por contextos diferenciados também. Como conceber isso à luz da teoria enunciativa ou das teorias de discurso, em avaliações de larga escala? X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.8
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza Sobre possíveis dicotomias, abordam‐se neste artigo duas: a primeira em torno do modelo e a segunda da escolarização. Street (1995) propôs uma distinção entre modelo “autônomo” e “ideológico” de letramento(s). Essa distinção é retomada por Kleiman (1995), Soares (2000; 2003). Para esta (2000), o segundo modelo encaixa‐se na versão forte do letramento, enquanto o primeiro situa‐se na versão fraca, por conceber o letramento como um conjunto de habilidades para que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social. Com este horizonte, concebe‐se que, além de “funcionar adequadamente”, em determinadas exigências sociais de interação, os sujeitos constroem formas de autonomia, de reflexão, questionamento, crítica e transformação de seu ambiente social, constituindo‐se não apenas em reprodutores de estruturas de poder. Esta dicotomia tem sido problematizada por autores como Bunzen (2010), por uma abordagem sociológica e antropológica do(s) letramento(s). Da mesma forma, o autor considera pouco produtiva a dicotomia entre letramento(s) escolarizado(s) e não escolarizado(s). Essa questão pode reduzir o debate a polarizações não saudáveis para a vida acadêmica e para as pesquisas. Talvez mais oportuno seja construir atitudes positivas do que cada lado permite ao desenvolvimento da educação em que o(s) letramento(s) ocupa(m) lugar nunca concluído(s). Refletindo sobre as pesquisas Quando se iniciou a pesquisa, os professores voluntários e que aceitaram o convite para responder aos questionamentos mantinham uma atitude de quase indiferença em relação à Prova Brasil por duas razões sempre recorrentes em suas respostas: de que as provas não eram disponibilizadas, para que pudessem reconhecer as questões pedagógicas a serem trabalhadas; de que não participavam da sua aplicação. A prova acabava sendo vista por eles como uma forma de “auditoria”. Este posicionamento ainda é notado quando os professores pertencem à rede estadual. Muda, quando estão filiados a redes municipais. Pode‐se afirmar isso porque há professores dos dois municípios que fazem avaliações próprias, como se afirmou na introdução. O Estado, pela Secretaria da Educação, ainda não fez uso de avaliações similares. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.9
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza Esta posição acaba confirmando o deslocamento da Prova Brasil para a segunda e terceira gerações, de que falam Bonamino e Souza (2012), com a crescente interferência nos sistemas e, consequentemente, nas atividades curriculares, neste caso, voltadas à leitura. Isso se evidencia quando se questionam os professores sobre o uso dos descritores em suas aulas, em que desenvolvem leituras. Do primeiro tópico de leitura, nenhum dos descritores recebeu “não”. Um deles recebeu “às vezes”, “inferir uma informação implícita em um texto”. O mais ausente é o tópico III, relação entre textos. Embora possamos reconhecer o lugar que ocupam as relações pragmático‐
enunciativas, os efeitos de sentidos, filiados a determinados discursos, as forças sociolinguísticas, presentes nos textos, concorda‐se com Rios (2010) que a leitura contemplada na Prova Brasil e que os professores acabam incorporando em suas práticas curriculares, conscientes ou não das implicações teóricas e metodológicas, reduziria as habilidades e competências de leitura para a intratextualidade. Trata‐se de um letramento que passa pela escola e que pode ter consequências nos diferentes lugares por onde os sujeitos circulam. Mas como a preocupação é com o TRI, oferece desdobramentos limitados em termos de exploração das polissemias que os textos tendem a manifestar. Relacionado ao processo de escrever, poderia haver também implicações nem sempre benéficas aos alunos. A pesquisa tentou avançar e indagar sobre as relações dos desempenhos leitores, tendo como norte os descritores, a respeito do desempenho escrito, porque isso consta do projeto que ainda está em andamento e também fez parte do projeto concluído. Registra‐se uma leve incidência no tópico IV, coerência e coesão no processamento do texto. Um professor assim se expressa: procuro privilegiar este tópico, pois é evidente que para construir bons textos, os alunos precisam aprender a evitar repetições em suas produções. Um outro fala: ajudam na elaboração de textos bem estruturados e coesos. Nota‐se que essa menção acaba sendo coerente com a crítica de Rios, pois são as relações intratextuais as que mais merecem atenção dos sujeitos professores. Essa vinculação pode ser explicada pela cultura de sala de aula que legitima essa preocupação e pelo letramento escolar (BUNZEN,2010). Concorda‐se que o letramento escolar não é X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.10
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza um mal. Há desdobramentos das observações intratextuais no desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita também nas intertextuais e interdiscursivas. Na seleção feita para este artigo, os tópicos privilegiados são o I, IV e o VI. De todos o mais ausente é o III, relação entre textos. Professores atuantes nos nonos anos relacionam o tópico V com a argumentação. Veja o excerto: influencia em outros aspectos como, por exemplo, a argumentação oral. Na explicitação dos descritores no início deste artigo, observava‐se que a argumentação recai para o nono ano e o ensino médio. O que chama a atenção desta resposta é a relação com a oralidade. Questionava‐se a escrita. Pode‐se associar à oralidade formal, um pouco esquecida nas escolas, mas que aos poucos vem sendo contempladas, por se entender que os gêneros orais formais fazem parte do letramento(s), em termos de habilidades superiores. Referindo‐se a todos os descritores, dos seis tópicos, um professor assim se expressa: todos esses procedimentos, se bem aplicados, servirão como motivação para o aluno aperfeiçoar suas produções. Outro procedimento que deixa o aluno motivado a escrever e reescrever é a ação de dar sentido mais concreto às suas produções. Chama a atenção o “reescrever”. No instrumento, aparece vinculado ao tópico V, aos efeitos produzidos pela palavra. Há o que Goulart fala a respeito do letramento, correlacionado com a teoria enunciativa. O “sentido mais concreto” pode remeter ao leitor alvo. Avalio as questões e seus descritores, então as avaliações são elaboradas nos mesmos moldes “(sem grifos no original), “Leitura e comentários dos textos e respectivas questões”, “Leitura dos descritores; grupos de estudo debatem o tema”“. O destaque na formulação do professor encontra eco em Bonamino e Souza (2012) quando falam que pesquisas nacionais e internacionais vêm mencionando que os alunos estão sendo preparados para os testes, com isso ocorrendo uma redução nos currículos escolares. Embora na primeira geração isso fosse pouco visível, na pesquisa já concluída e na em andamento, já há sinais de que os professores de quinto e nono anos já sofrem desta força externa. Encontram‐se também resistências à Prova Brasil. Considera‐se a dimensão contínua do(s) letramento(s), numa tentativa de escapar dos currículos fechados e X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.11
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza indutores de uma pretendida “equidade” (BRASIL, 2011). Leitura e escrita são práticas. Não é lendo um manual que aprendemos, é praticando. É um aprendizado constante. Aponta para a não finalização do(s) letramento(s) e para as imposições externas que podem esquecer as exigências sociais em determinados contextos. Do ponto de vista teórico, percebe‐se ainda uma perspectiva funcionalista, muito mais próximas das teorias de texto ou da linguística textual. Nota‐se um sinal, ainda insuficiente para ser evidência, do que se falava há alguns anos do “texto como pretexto”, para a exploração gramatical, pode estar avançando para análises linguísticas. As teorias de discurso, enunciativas, de gêneros, pelos professores voluntários pesquisados ainda precisariam de novas pesquisas para se observar suas inserções nas práticas de aula que ampliam o(s) letramento(s). Considerações finais As avaliações nacionais em larga escala como a Prova Brasil, pelo que os registros apontam, com raras exceções, já entraram na cultura e nas práticas de sala de aula. Acionam procedimentos metodológicos em professores. Mas a preocupação com os resultados, com os índices da escola reduz as dimensões de leitura a tópicos intratextuais, pelos registros dos professores. Os professores estabelecem relações entre os descritores e suas influências no processo de escrever. Mas acabam reduzindo à dimensão intratextual em elementos que a escola já vem privilegiando as relações gramaticais que marcam a coesão textual. Como o estudo tem abrangência regional, e como se trata de uma amostragem de voluntário, recomenda‐se cautela para se produzir conclusões além desses limites. A pesquisa também acompanha outros trabalhos no sentido de que se preparam os alunos para as provas, seguindo os mesmos modelos. Não se pode ignorar que a preparação do aluno para o TRI produz efeitos, como demonstra o trabalho de Silva (2013). Há relações sociais de leitura que uma recepção equivocada produz efeitos negativos para o sujeito. Instaura‐se, assim, a cultura avaliativa, que está explicitada no PDE, com desdobramentos sociais. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.12
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza Os descritores tentam avaliar um conjunto de habilidades e competências indiscutíveis. Mas no último tópico mereceria fazer coro com pesquisas de natureza etnográficas e que se pautam por uma ótica de uma pedagogia culturalmente sensível. Como pesquisas em larga escala poderiam lidar com isso? Referências ANDERSON, G; IRVINE, P. Informing critical literacy with ethnography. In: LANKSHEAR, C. & MCLAREN, PL. Critical Literacy: politics, praxis, and the postmodern. New York: State University of New York, 1993. p. 81‐104 BAKHTIN, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986. BARTON, D. Literacy: an Introduction to the Ecology of Written Language. Oxford, Blackwell, 1994. BARTON, D; HAMILTON, M. Local literacies. London: Routledge, 1998. BARTON, D; HAMILTON, M. Literacy practices. In: BARTON, D HAMILTON, M e IVANIC, R(eds). Situated literacies. London: Routlede, 2000. BAUER, MW; GASKELL, G. Pesquisa com texto, imagem e som: um manual prático. 9ed. Petrópolis‐RJ: Vozes, 2002. BOGDAN, R; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: fundamentos métodos e técnicas Portugal: Porto Editora, 1994. BONAMINO, A; COSCARELLI, C; FRANCO, C. Avaliação e letramento: concepções de aluno letrado subjacente ao SAEB e ao PISA. Educação e Sociedade. V. 23, n. 81, Campinas, dez. 2002 BONAMINO, Alícia e SOUZA, Sandra Zakia. Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil: interfaces com o currículo da/na escola. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.38, n. 2, p.373‐388, abr/jun.2012. BRASIL. Ministério da Educação. PDE/Prova Brasil ‐ Plano de Desenvolvimento da Educação: Prova Brasil: ensino fundamental; matrizes de referência; tópicos e descritores. Brasília: MEC, SEB; Inep, 2011. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.13
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza BUNZEN, C. Os significados do letramento escolar como uma prática sociocultural. In: VÓVIO, C; SITO, I; GRANDE, P.(Org.) Letramentos: rupturas, deslocamentos e repercussões de pesquisas em linguística aplicada Campinas‐SP: Mercado de Letras, 2010. GABRIEL, NC; BASTIANI, SC. Prova Brasil em cena: à voz dos alunos e professores em uma experiência de acompanhamento. IX Anpedsul Caxias do Sul‐RS: UCS, 2012. LAKATOS, EM; MARCONI, MA. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2010. RIOS, GV. Considerações sobre letramento, escolarização e avaliação educacional. In: RESENDE, VM; PEREIRA, TH. Práticas socioculturais e discurso: debates transdisciplinares. Brasília: Labcom Books, 2010. SILVA, FS. Leitura e Prova Brasil: Ensino e Avaliação. Tese de Doutorado. Recife: UFPE, 2013. STREET, B. Introduction: the new literacy studies. In: Cross‐cultural approaches to literacy. Great Britain: Cambridge University Press, 1995, 1995. p. 1‐21 STREET, B. Abordagens alternativas ao letramento e desenvolvimento. Paper entregue após a teleconferência UNESCO Brasil sobre letramento e diversidade, out. 2003. Disponível em: <http://telecongresso.sesi.org.br/templates/header/index.php?language=pt&modo=biblio
teca&act=categoria&cdcategoria=22>. Acesso em: 17 de fevereiro de 2006. APÊNDICE 1 1) Analisou as questões de Língua Portuguesa da Prova Brasil? Justifique 2) Considera que a Prova Brasil traz contribuições à leitura e à escrita? Justifique 3) Os gestores têm acompanhado a aplicação e atuado frente aos resultados? X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.14
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Prova brasil e o(s) letramento(s) acionado(s) pelos descritores: um deslocamento para a intratextualidade? Osmar de Souza APÊNDICE 2 Tópico I Procedimento de leitura Localizar informações explícitas em um texto Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Inferir o sentido de uma palavra ou expressão Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Inferir uma informação implícita em um texto Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Identificar o tema de um texto Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato Sim( ) não ( ) às vezes ( ) Tópico II Implicações do suporte, do gênero e/ou enunciador na compreensão do texto Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Tópico III Relação entre textos Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação com textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido. Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema. Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Tópico IV Coerência e coesão no processamento do texto Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para continuidade do texto. Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Tópico V relações entre recursos expressivos e efeitos de sentido Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações Sim ( ) não ( ) Às vezes ( ) Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão Sim ( ) não ( ) às vezes ( ) Justifique a opção que você mais trabalha e a que menos trabalha. Na sua opinião, os descritores aplicados auxiliam os alunos em seus processos de escrever? X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.15
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