ESTUDO DA ATIVIDADE NERVOSA AUTONÔMICA ATRAVÉS DA ANÁLISE
DA VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDIACA EM PACIENTES COM
DISTÚRBIOS DO SONO E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Gêrda Coêlho e Silva – NOVAFAPI, UNIVAP
Tatiana Cavalcanti Mendes – UNIVAP
Natalia da Penha Cantalice Figueira – UNIVAP
Luís Vicente Franco de Oliveira – UNIVAP
INTRODUÇÃO
A insuficiência cardíaca é um estado patofisiológico no qual uma anormalidade da
função cardíaca é responsável pela incapacidade do coração em bombear sangue de acordo
com as demandas metabólicas teciduais. Dentre suas manifestações clínicas encontramos a
fadiga e dispnéia, as quais limitam a tolerância ao esforço nestes indivíduos
(VASSILAKOPOULOS et al., 1999). Este é um distúrbio com grande prevalência que vem
sendo associado a repetitivas hospitalizações, alta morbidade e alta mortalidade. Segundo
Woodson (2004), os distúrbios respiratórios do sono com episódios recorrentes de apnéia
(ausência de respiração) e hipopnéia (redução da respiração) atinge 60% dos pacientes com
insuficiência cardíaca, podendo afetar a função cardíaca. Esses distúrbios respiratórios
geram diversos efeitos patofisiológicos que sobrecarregam o ventrículo esquerdo, incluindo
aumento do débito cardíaco, dessaturaçãoes arterial de oxihemoglobina e microdespertares
excessivos, o que resulta em ativação simpática, piora da insuficiência cardíaca e qualidade
de vida desses pacientes (MORTARA; TAVAZZI, 1996). O padrão ouro para o diagnóstico
dos distúrbios respiratórios do sono é a polissonografia completa. Os distúrbios do sono
possuem uma grande quantidade de variações que vão desde um leve desconforto por
alteração de fusos horários a problemas mais graves, como a morte súbita durante o sono ou
um adormecimento enquanto se dirige um automóvel. As disfunções podem ser primárias,
envolvendo mecanismos neurais do sono e despertar, ou secundárias, correlacionadas a
doenças clínicas, psiquiátricas ou neurológicas (DEMENT, 1990).
A análise da variabilidade da freqüência cardíaca tem sido empregada como recurso
para a mensuração da atividade do sistema nervoso autônomo em diversas situações,
baseando-se na identificação da força das bandas de baixa e alta freqüência da função
espectral dos intervalos R-R da freqüência cardíaca (NOTARIUS; FLORAS, 2001). A
literatura científica mostrou que o tônus parassimpático está relacionado à banda de alta
freqüência que controla o estado de repouso, enquanto o exercício é associado a uma
ativação simpática, ligada à banda de baixa freqüência (GUZZETTI et al, 2005). O sistema
nervoso autônomo tem um papel importante na mediação das alterações cardiovasculares
provocadas pelo estresse, contribuindo para a regulação do débito cardíaco durante o
repouso, exercício e em situações de doença cardiovascular. A mediação da variabilidade
da freqüência cardíaca tem sido particularmente usada como recurso para a mensuração da
atividade simpática e parassimpática. Anormalidades na fisiologia autônoma –
especialmente o aumento da atividade simpática, atenuação do tônus vagal e diminuição da
freqüência cardíaca na recuperação – têm sido associados ao aumento da mortalidade
(ROSENWINKEL et al, 2001).
Um estudo realizado por Arora (2004) mostrou que em pacientes com insuficiência
cardíaca congestiva, sistólica e diastólica, os parâmetros da variabilidade da freqüência
cardíaca se apresentam diminuídas em comparação com indivíduos normais.
O equilíbrio simpático/parassimpático deve apresentar-se alterado em pessoas
criticamente doentes. A mensuração da atividade autônoma provê importantes informações
relacionadas ao prognóstico, patogênese e estratégias de tratamento em desordens cardíacas
relevantes da insuficiência cardíaca congestiva e dos distúrbios do sono a ela relacionados
(SCHMIDT et al, 2001).
O estresse se faz presente em todas as reações do organismo desencadeadas por
agressões de ordem física, psíquica ou infecciosa (AIDLEY, 1998).
O objetivo deste estudo foi analisar o comportamento do sistema nervoso simpático
durante o sono em pacientes portadores de apnéia obstrutiva do sono associado à
insuficiência cardíaca congestiva.
METODOLOGIA
A presente pesquisa trata de um estudo clínico, prospectivo, consecutivo, em base
individual do tipo descritivo, caracterizado como série de casos.
Trata-se de uma investigação não controlada por não apresentar um grupo controle
no seu desenvolvimento. Este estudo foi realizado junto ao Laboratório de Distúrbios do
Sono do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento – IP&D da Universidade do Vale do
Paraíba – UniVap, na cidade de São José dos Campos – SP. Este estudo foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da Universidade do Vale do Paraíba - UniVap sob o
número L100/2003/CEP, sendo acatado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de
todos os participantes.
Como sujeitos da pesquisa, foram triados 08 indivíduos de ambos os sexos, adultos,
oriundos do Serviço de Cardiologia da Clínica Cardioclin/Policlin de São José dos Campos,
portadores de insuficiência cardíaca congestiva, devido a miocardiopatia dilatada,
isquêmica ou idiopática, classe funcional II e III, segundo a NYHA (THE CRITERIA
COMMITEEE OF NEW YORK HEART ASSOCIATION, 1994).
Os critérios de inclusão do estudo foram que os mesmos deveriam que ser
portadores de ICC, devido a miocardiopatia dilatada, isquêmica ou idiopática, estando sob
tratamento farmacológico, no mínimo por um mês, não podendo ter apresentado episódios
de descompensação cardiorrespiratória no período mínimo de dois meses anteriores aos
exames e, fração de ejeção (FE) < 50% verificada pelo método ecocardiográfico.
Foram adotados como critérios de exclusão pacientes com doença cardíaca valvular
primária, procedimentos cirúrgicos recentes na região da caixa torácica, história de acidente
vascular encefálico, uso abusivo de álcool, usuário de drogas e o não consentimento na
participação do estudo.
A avaliação clínica dos pacientes foi realizada no Serviço de Cardiologia da Clínica
Cardioclin / Policlin de São José dos Campos e no Laboratório de Distúrbios do Sono do
Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento – IP&D da Universidade do Vale do Paraíba –
UNIVAP, na cidade de São José dos Campos, SP que constou da coleta de dados do
prontuário do paciente, fornecida pelo médico cardiologista responsável, referente aos
dados pessoais, avaliação da saturação noturna da oxihemoglobina, ecocardiografia e
classificação funcional segundo a NYHA.
A avaliação dos pacientes incluiu a história da moléstia atual, a classificação
funcional quanto à insuficiência cardíaca, segundo a NYHA, ecocardiografia e a realização
do teste com o Somnologica 3 – The Embla Diagnostic Software (Flaga hf. Medical
Devices) para mensuração da atividade do sistema nervoso simpático através da análise da
VFC. A modalidade de teste escolhida dentro do método de polissonografia basal noturna
completa foi o da análise da variabilidade da freqüência cardíaca calculado a partir do sinal
da freqüência cardíaca padrão do eletrocardiograma. Os exames foram realizados no
Laboratório de Distúrbios do Sono da UNIVAP.
RESULTADOS
Este estudo analisa nível de estresse através do estado do sistema nervoso autônomo
simpático em pacientes portadores da síndrome da apnéia/hipopnéia do sono associada à
insuficiência cardíaca. O estudo foi baseado no exame de polissonografia noturna de cada
paciente, o qual gera dados que se referem ao número de eventos ocorridos em cada época,
correspondendo a 30 segundos cada.
Avaliou-se a atividade simpática e parassimpática de cada indivíduo, utilizando
dados de baixa freqüência (LF), que são valores que variam de 0.04 a 0.15 Hz e de alta
freqüência (HF), que são valores que variam de 0.15 a 0.4 Hz.
Os gráficos abaixo apresentam os valores referentes à análise pela FFT dos
componentes de baixa e alta freqüência, que correspondem à atividade simpática e
parassimpática, respectivamente, dos sujeitos do estudo divididos em 2 grupos. Grupo 1)
apresenta menos de 30 eventos apnéicos por hora; Grupo 2) apresenta mais de 30 eventos
apnéicos por hora.
Grupo 1: IAH < 30
número de eventos LF
Análise da atividade simpática
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1
6 11 16 21 26 31 36 41 46 51 56 61 66 71 76 81 86 91
época
Fig. 1. Análise dos índices de atividade simpática (LF).
Análise da atividade parassimpática
número de eventos HF
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
1
6 11 16 21 26 31 36 41 46 51 56 61 66 71 76 81 86 91
épocas
Fig. 2. Análise dos índices de atividade parassimpática (HF).
Grupo 2: IAH > 30
número de eventos LF
Análise da atividade simpática
20000
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1
6 11 16 21 26 31 36 41 46 51 56 61 66 71 76 81 86
épocas
Fig. 3. Análise dos índices de atividade simpática (LF).
número de eventos HF
Análise da atividade parassimpática
10000
9000
8000
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
1
6 11 16 21 26 31 36 41 46 51 56 61 66 71 76 81 86
épocas
Fig. 4. Análise dos índices de atividade parassimpática (HF).
DISCUSSÃO
As alterações da variabilidade da freqüência cardíaca têm sido demonstradas em
associação com diversos distúrbios que afetam o tônus autonômico incluindo o infarto
recente do miocárdio, a insuficiência cardíaca congestiva e a neuropatia diabética. A apnéia
obstrutiva do sono tem sido associada a distúrbios característicos do ritmo cardíaco com
focos recentes na variabilidade da freqüência cardíaca. As variações cíclicas da freqüência
cardíaca são observadas durante os eventos apnéicos obstrutivos do sono (GULA et al,
2003).
Os resultados do nosso estudo mostraram que todos os sujeitos avaliados pelo
exame polissonográfico apresentaram desequilíbrio no sistema nervoso autônomo, sendo
classificados em categorias que correspondem a situações críticas de estresse, o qual pode
ser físico e/ou psicológico, o que pode ser confirmado através dos altos níveis de baixa
freqüência (FLORAS, 2003).
Estes resultados são semelhantes aos obtidos no estudo conduzido por Mortara e
Tavazzi (1996), no qual afirmam que a insuficiência cardíaca congestiva está associada a
uma ativação simpática elevada; porém os mecanismos responsáveis por este fenômeno
permanecem incertos. Mecanismos possíveis incluem um aumento das influências
excitatórias e uma diminuição das influências inibitórias, ligadas a um mecanismo central.
Entretanto, foi sugerido que um aumento das influências excitatórias a partir dos
quimiorreceptores musculares a quimiorreceptores carotídeos por si só não seria suficiente
para desencadear excitação neurohormonal na insuficiência cardíaca congestiva. O
mecanismo principal parece estar relacionado à diminuição das influências inibitórias
devido às anormalidades na modulação do barorreflexo pela circulação.
A resposta cardiovascular a um microdespertar ocorrido ao final de uma apnéia
obstrutiva é quase o dobro da que ocorre em um microdespertar espontâneo. Em uma
apnéia obstrutiva a resposta cardiovascular ao final de um evento apnéico é mais provável
devido à combinação de fatores específicos para a interrupção do fluxo aéreo, tal como o
aumento da pressão negativa intratorácica e/ou estimulação dos receptores pulmonares
(O’DRISCOLL, 2004).
CONCLUSÃO
A utilização do software Somnologica da polissonografia Embla, destinado à análise
da variabilidade da freqüência cardíaca, se mostrou uma ferramenta eficaz na identificação
dos níveis de atividade do sistema nervoso simpático de pacientes portadores de síndrome
da apnéia/hipopnéia do sono associada à insuficiência cardíaca congestiva. Os dados
obtidos neste estudo confirmaram as afirmações de estudos prévios, indicando um nível
elevado de atividade simpática em pacientes com este tipo de insuficiência cardíaca
portadores de distúrbios do sono.
O fato dos resultados apresentados neste trabalho confirmarem o que é descrito na literatura
caracteriza que a análise da variabilidade da freqüência cardíaca através do software
Somnologica consiste em um novo método, eficaz e não invasivo, para a identificação de
problemas relacionados ao sistema nervoso autônomo.
Palavras-chave: Insuficiência cardíaca, polissografia, distúrbios respiratórios do sono.
REFERÊNCIAS
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muscles in heart failure. Monaldi Arch Chest Dis, v. 54, n. 2, p. 150-153, 1999.
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2004.
DEMENT, W. C. A personal history of sleep disorders medicine. Journal of Clinical
Neurophysiology., v. 7, n. 1, p. 17-47, 1990.
MORTARA, A.; Tavazzi, L., “Prognostic implications of autonomic nervous system
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Arch. Gerontol. Geriatr., 23 (1996) 265-275
NOTARIUS, C. F.; Floras, J. S. “Limitations of the use of spectral analysis of heart rate
variability for the estimation of cardiac sympathetic activity in heart failure (2001)”,
Europace, v. 3, p. 29-38
GUZZETTI, S.; La Rovere, M.T.; Pinna, G.D.; Maestri, R.; Borroni, E.; Porta, A.;
Mortara, A.; Malliani, A. “Different spectral components of 24h heart rate variability are
related to different modes of death in chronic heart failure (2005)”, European Heart
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ROSENWINKEL, E. T.; Bloomfield, D. M.; Arwady, M. A.; Goldsmith, R. L. Exercise
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2001.
ARORA, R.; Krummerman, A.; Vijayaraman, P.; Rosengarten, M.; Suryadevara, V. Heart
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(3):299-303, 2004.
SCHMIDT, H. B.; Werdan, K.; Muller-Werdan, U. Autonomic disfunction in the ICU
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AIDLEY, D. J. “The physiology of excitable cells(1998). 4ªed, Cambridge University
Press, NY, 228p.
PEREIRA, M. G. Epidemiologia teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan ,
1995, 583 p.
GULA, L., J.; Krahn, A., D.; Skanes, A.; Ferguson, K., A.; George, C.; Yee, R.; Klein, G.,
J., “Heart rate variability in obstructive sleep apnea: a prospective study and frequency
domain analysis”. A.N.E. v. 8, n. 2, p. 144-149, 2003.
* Professora do Curso de Fisioterapia da NOVAFAPI, mestranda do curso de pósgraduação em Engenharia Biomédica da UNIVAP [email protected]
**Aluna do curso de graduação em Engenharia Biomédica da UNIVAP
***Aluna de iniciação científica do curso de Fisioterapia da UNIVAP
[email protected]
****Professor Doutor da UNIVAP [email protected]
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