Finanças A Oferta Pública Obrigatória Hugo Ricardo Araújo – Licenciado em Economia O âmbito da nossa análise é o estudo da Oferta Pública de Aquisição Obrigatória (1) e o seu tratamento no Código dos Valores Mobiliários, CVM (2). Não será incluída nesta exposição a referência ao processo que é levado a cabo quando o dever de lançar uma Oferta Pública de Aquisição, OPA, se constitui. Tendo em vista o enquadramento da questão da OPA Obrigatória, optamos por alargar o âmbito do trabalho a um debate sobre os fundamentos do sistema que lhe está associado. O funcionamento da economia de mercado “Cada indivíduo esforça-se por aplicar o seu capital de modo que a sua produção tenha o máximo valor. Geralmente não tem intenção de promover o interesse público nem sabe sequer em que medida o está a promover. Pretende unicamente a sua segurança, o seu próprio ganho. E assim prossegue, como que levado por uma mão invisível, na consecução de uma finalidade que não fazia parte das suas intenções. Na prossecução do seu próprio interesse promove frequentemente o interesse da sociedade de uma forma mais efectiva do que quando realmente o pretende fazer”(3). A construção de uma economia de mercado, o desenvolvimento da iniciativa privada, o aumento da concorrência, a necessidade de obtenção de maior eficiência na produção, negociação e transacção, levou a Empresa a adquirir dimensão. A concentração empresarial é uma das estratégias seguidas para a obtenção das economias de escala e de experiência necessárias, atingida nomeadamente através da tomada de participação societária de domínio. O funcionamento do mercado, o mecanismo da mão invisível, levaria segundo Adam Smith à maximização da utilidade 50 social através do seu funcionamento sem rédea, sem limitações ou imposições. No entanto, existem equações que, segundo alguns autores e legisladores, não são resolvidas pelo mercado com a devida equidade, gerando tratamentos desiguais entre os actores do mercado. Neste contexto surge a OPA Obrigatória, como uma medida reguladora do funcionamento do mercado e das relações de domínio. Esta ocorre como uma protecção aos minoritários. A OPA A OPA não é mais do que uma ferramenta disponibilizada aos agentes do mercado, que actuando livremente, a poderão utilizar tendo por fim a obtenção de uma posição de domínio sobre uma empresa ou grupo de empresas. No entanto, existem situações em que esta liberdade poderá ser substituída por uma obrigação (como acontece, em determinadas circunstâncias, no corpo legislativo nacional), por exemplo quando se reúnem as condições que impõem a obrigatoriedade de lançamento de uma OPA. A OPA Obrigatória No CVM e na legislação comunitária através da Directiva 2004/25/CE(4) encon- Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 tramos consagrada a figura da OPA Obrigatória. Um dos seus objectivos centrais será o de “proteger os titulares de valores mobiliários e, em especial, os detentores de participações minoritárias, após uma mudança de controlo das sociedades. Os Estados-membros deverão assegurar essa protecção mediante a imposição ao adquirente que assumiu o controlo de uma sociedade do dever de lançar uma oferta a todos os titulares de valores mobiliários dessa sociedade, tendo em vista a aquisição da totalidade das respectivas participações a um preço equitativo que deve ser objecto de uma definição comum”(5). Finanças A primeira fase deste regime surge com o Código das Sociedades Comerciais (CSC). A segunda com o Código do Mercado de Valores Mobiliários (CodMVM). A terceira surge com a revisão deste Código pelo DL 261/95, de 3 de Outubro, o qual vem unificar o regime da OPA no CVM e vem introduzir significativas alterações ao regime da OPA Obrigatória anteriormente existente. A quarta fase, sobre a qual incidirá a nossa análise, surge com a transposição para o regime legal nacional de um conjunto de Directivas Comunitárias. Neste sentido, o DL 52/2006 de 15 de Março vem efectuar algumas alterações, que qualificamos de pormenor, no regime geral das Ofertas Públicas e nas disposições referentes à OPA, no entanto, não gera qualquer alteração ao regime da OPA Obrigatória anteriormente existente. A Directiva 2004/25/CE relativa às ofertas públicas de aquisição, não foi ainda transposta para a ordem jurídica nacional. No entanto, existe já autorização legislativa da Assembleia da República concedida ao Governo (Lei n.º 35/2006 de 2 de Agosto) para adequação do sistema sancionatório previsto no CVM a esta mesma Directiva. Assim, concluímos que o regime da OPA Obrigatória se manterá inalterado em todos os outros aspectos. Caracterização da OPA Obrigatória No quadro jurídico português e europeu, o legislador confere especial protecção ao accionista minoritário em detrimento da liberdade negocial de quem adquire o controlo. Noutros ordenamentos jurídicos, tal protecção não é conferida, por exemplo, na maior economia do mundo, a dos EUA, não existe a figura da OPA Obrigatória. O ponto O Regime da OPA Obrigatória no CVM da nossa análise será direccionado para o corpo legislativo nacional da OPA Obrigatória e o no ponto Debate sobre o dever de lançamento de uma OPA propomo-nos analisar os argumentos a favor e contra a existência do dever de lançamento de uma OPA. O Regime da OPA Obrigatória no CVM No CVM, a temática da OPA Obrigatória encontra um espaço de regulamentação autónomo nos arts. 187º ao 193º. No entanto, este regime acaba por surgir naturalmente influenciado pela parte geral das Ofertas Públicas, constante dos arts. 108º a 155º, e pelas disposições gerais reservadas às Ofertas Públicas de Aquisição, nos arts. 173º a 186º. O regime legal da OPA obrigatória tem vindo ao longo do tempo a sofrer evoluções. Haverá lugar à obrigatoriedade de lançamento de uma OPA caso a participação numa sociedade aberta (genericamente, todas as empresas que têm o seu capital aberto ao investimento público), ultrapasse nos termos do art. 20º do CVM(6), um terço ou metade dos direitos de voto correspondentes ao capital social. A OPA incidirá sobre a totalidade das acções ou títulos que confiram direito à sua subscrição ou aquisição (art. 187º n.º 1). O dever acima retratado não se constitui quando, ultrapassada a fasquia de um terço dos direitos de voto, o virtual obrigado prove não possuir domínio da sociedade visada nem estar com esta em relação de grupo (art. 187º n.º 2). O limite de um terço definido poderá ser suprimido pelos estatutos das sociedades abertas sem acções ou outros valores mobiliários que confiram direito à sua subscrição ou aquisição admitidos à negociação em mercado regulamentado (art. 187º n.º 4). A contrapartida da Oferta Pública de Aquisição (art. 188º) poderá ser em dinheiro ou em valores mobiliários, embora neste segundo caso deva existir sempre uma alternativa em dinheiro, e terá que Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 51 Finanças respeitar um conjunto de limites, que iremos abordar com maior profundidade mais à frente. Nos arts. 189º e 190º apresentam-se, respectivamente, as derrogações ao dever de lançamento de uma OPA Obrigatória e as situações de suspensão do mesmo dever. Estas questões serão aprofundadas no ponto 6 desta análise. O prazo para a publicação de anúncio preliminar da oferta após verificação do facto constitutivo do dever de lançamento de uma OPA, é de 30 dias e está previsto no art. 191º n.º 1, que refere ainda no seu n.º 2, a possibilidade da pessoa obrigada se fazer substituir no cumprimento daquele dever. Usualmente, confundem-se as noções de sociedade aberta com a de sociedade cotada, no entanto, a primeira é mais abrangente, considerando para além das cotadas, todas as sociedades que têm o seu capital aberto ao investimento público. Apesar desta aparente abrangência, o legislador introduziu mecanismos de correcção em determinados casos, adequando o normativo à realidade e permitindo duas saídas para a qualificação ou não de uma sociedade como aberta: (i) dependência de deliberação da assembleia geral a abertura do capital social e como consequência a qualidade de sociedade aberta (art. 13º n.º 2), (ii) a possibilidade dos estatutos das sociedades não cotadas Direitos de Voto Para existir a obrigatoriedade de realização de uma OPA, uma das participações em sociedade aberta deverá ultrapassar directamente ou nos termos enunciados pelo art. 20º, os limites definidos pelo art. 187º n.º 1. Assim, a constituição do dever de lançar uma OPA faz-se através da análise dos direitos de voto que pertencem a determinado titular, mas também com base nos direitos de voto que o art. 20º lhe imputa, e o dever em causa apenas se constitui quando é ultrapassado um de dois limites, um terço ou metade dos direitos de voto. Note-se que, o dever de lançar uma OPA não está associado à existência de apenas um obrigado. Poderá constituir-se simultaneamente o dever de lançar uma OPA face a mais do que uma pessoa, altura na qual todas elas ficariam solidariamente vinculadas ao dever. Ou seja, o cumprimento por parte de uma delas do lançamento de uma OPA libertaria todas as outras. Esta é uma situação comum, quando existem acordos estabelecidos para obtenção de domínio sobre uma determinada entidade. Importa não perder de vista que para o legislador, nos termos do art. 20º, o que é relevante é a detenção de direitos de voto e não a aquisição de valores mobiliários. Adicionalmente, torna-se relevante considerar uma outra questão. O dever de lançamento de uma OPA pode-se constituir perante sujeitos que não são sequer accionistas e que terão por outras vias domínio sobre a sociedade (no art. 20º não é exigida a titularidade directa das acções), por exemplo, em casos de participações indirectas. Valores Mobiliários Os artigos 192º e 193º, assim como os artigos 388º e 393º, referem as consequências do incumprimento ou violação do dever de lançamento de uma OPA. suprimirem o limite de um terço definido no art. 187º n.º 1 em relação ao dever de lançamento de uma OPA (art. 187º n.º 4). Direito aplicável Sociedades abertas A qualificação de uma sociedade como aberta ou não, resulta da conjugação dos artigos 13º e 27º, que respectivamente se referem a situações de aquisição e perda de qualidade de sociedade aberta. Dada a abrangência do tema escusamonos a explicar as suas várias componentes, não deixando no entanto de fazer referência a algumas questões que consideramos centrais no âmbito do trabalho apresentado. 52 O art. 108º n.º 1 indica as disposições aplicáveis às Ofertas Públicas, dirigidas especificamente a pessoas com residência ou estabelecimento em Portugal, seja qual for a lei do oferente ou do emitente. O n.º 2 deste mesmo artigo abre uma excepção, entre outras, à OPA Obrigatória, considerando que o regime existente no CVM apenas se aplicará às ofertas sobre valores mobiliários emitidas por sociedades que tenham como lei pessoal a lei portuguesa. Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 A OPA Obrigatória incide sobre a totalidade das acções e outros valores mobiliários emitidos pela sociedade visada, que conferem direito à subscrição ou aquisição dos títulos representativos do seu capital (art. 187º). Ou seja, temos, desde logo, três questões a analisar: Tipos de Valores Mobiliários, Preço e Quantidade. Em relação aos Tipos de Valores Mobiliários, a referência explícita por parte do legislador pretende focar a defesa do titular dos valores mobiliários da sociedade visada, independentemente da forma usada por este para participar na sociedade – princípio da universalidade. No entanto, esta defesa não implica, como é óbvio, a existência de apenas um preço para a totalidade dos valores mobiliários que serão alvo da oferta compulsiva. O art. Finanças 124º n.º 2 refere a possibilidade de preços diversos consoante as categorias de valores mobiliários ou de destinatários existentes. Desta forma, temos numa OPA Obrigatória o estabelecimento de diferentes preços para instrumentos de capital diferentes: acções, warrants autónomos (que conferem o direito a aquisição de acções representativas de capital), as obrigações convertíveis em acções e as obrigações com warrant, contratos de futuros ou opções sobre os instrumentos de capital da sociedade visada. Em relação ao Preço, ou como o CVM o explicita, a Contrapartida (art. 188º), deve ser definida em dinheiro ou em valores mobiliários, mas neste último caso haverá sempre lugar como alternativa um valor em dinheiro (art. 188º n.º 3). A contrapartida nunca será inferior ao mais elevado dos seguintes montantes: (i) o maior preço pago pelo oferente ou por qualquer das pessoas que, em relação a ele, estejam em alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 20º pela aquisição de valores mobiliários da mesma categoria, nos seis meses imediatamente anteriores à data de publicação do anúncio preliminar da oferta; (ii) o preço médio ponderado desses valores mobiliários apurado em mercado regulamentado durante o mesmo período (art. 188º n.º 1). O art. 188º n.º 2 abre uma outra possibilidade, se a contrapartida não puder ser determinada por recurso aos critérios referidos acima, ou se a CMVM entender que a contrapartida oferecida não está devidamente justificada, por excesso ou defeito, esta será fixada por um auditor independente a expensas do oferente. A definição de um preço mínimo está associada à necessidade de não esvaziar de conteúdo a obrigatoriedade de lançamento de uma oferta, na medida em que, no caso de ser possível ao oferente definir o preço livremente, este poderia escolher um preço de tal forma baixo, que se tornaria sempre inaceitável por parte dos visados pela oferta. Por outro lado, e mais uma vez, é uma forma de proteccionismo sobre os interesses dos minoritários, que assim ganham a possibilidade de transmitirem as suas participações em situação de igualdade aos accionistas que transmitiram o domínio. Ainda relativamente ao critério seguido na definição do preço, este deve ser posteriormente publicitado no prospecto a ser apresentado, tal como disposto no art. 6º da Directiva 2004/25/CE (Directiva em transposição). Em relação à última questão, Quantidade, o legislador definiu a OPA Obrigatória como total. Este tratamento decorre do princípio enunciado no art. 112º, princípio da igualdade de tratamento dos destinatários da oferta. O fundamento para a inexistência de ofertas públicas obrigatórias parciais, prende-se com o facto de estas não proporcionarem uma protecção efectiva dos interesses dos investidores, na medida em que, não irão permitir à totalidade dos investidores alienarem as suas participações (pelo menos totalmente) ficando assim prejudicado o seu direito à saída da sociedade, aquando da transferência de domínio. Associada a esta questão, importa referir uma característica do nosso Excepções ao dever de lançamento de uma OPA ordenamento jurídico: a preferência e incentivo das OPA’s gerais face às parciais. As OPA’s parciais são aceites pelo nosso orde-namento jurídico, no entanto, acabam por ser desincentivadas devido à existência de dois pontos específicos da lei: (i) a sociedade visada pela OPA apenas terá os seus poderes limitados quando esta tiver sido direccionada a mais de um terço dos valores mo-biliários da respectiva categoria (art. 182º n.º 1); (ii) a existência de uma derrogação ao dever de realização de uma OPA compulsiva, quando o domínio for adquirido mediante a realização de uma OPA geral voluntária (art. 189º n.º 1, a). por parte da CMVM da inexistência das condições que levariam à obrigatoriedade de lançamento de uma OPA. De salientar, no entanto, que em caso da referida prova, a pessoa em causa ficará obrigada a um regime de vigilância que se encontra previsto no art. 187º n.º 3. Assim, qualquer alteração de percentagem de direitos de voto que implique um aumento superior a 1% em relação à situação comunicada anteriormente, terá de ser comunicada à CMVM. Por último, haverá obrigatoriedade de lançamento de uma OPA, quando a pessoa em causa adquirir influência dominante sobre a sociedade visada. Do que foi atrás referido, coloca-se uma questão relevante: o artigo 187º n.º 3 A Inexistência de Domínio O artigo 187º no seu n.º 2 refere a existência de uma exclusão ao dever de lançamento de uma OPA. Assim, quando ultrapassado o limite inferior dos direitos de voto (um terço), se a pessoa a que a ela estaria obrigada provar perante a CMVM não possuir domínio sobre a sociedade em causa, nem com esta se encontrar numa relação de grupo, então haverá exclusão da exigibilidade de realização de uma OPA. Importa, da análise acima realizada, reter que deve existir sempre reconhecimento Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 53 Finanças b), faz referência à aquisição de posição dominante (“adquira uma posição”). No entanto, a posição de domínio poderá ser obtida mediante outras operações, como aquisição de acções próprias por parte da sociedade visada, ou através da existência de herança. Estes factos na nossa opinião, conduziriam à obrigatoriedade de lançamento de uma OPA. Derrogações No artigo 189º existem três situações de exclusão do dever de lançamento de uma OPA: Art. 189º n.º 1 a) – quando os limites que impõem a realização de uma OPA são ultrapassados pela realização de uma OPA voluntária sobre a generalidade dos valores mobiliários (sem qualquer tipo de restrição de quantidade ou percentagens máximas de valores, ou seja, quando a oferta em causa foi lançada nos mesmos termos da OPA Obrigatória). Esta excepção surge pela inexistência de justificação para uma possível protecção adicional aos minoritários, na medida em que estes já possuem, com a primeira OPA, oportunidade para sair do capital da empresa visada. (ii) Art. 189º n.º 1 b) – quando resulta da execução de plano de saneamento financeiro no âmbito de uma das modalidades de recuperação ou saneamento previstas na lei. A exclusão baseia-se na necessidade de viabilizar o processo de saneamento iniciado, pois a possível obrigatoriedade de lançamento de uma OPA poderia conduzir a um processo extremamente dispendioso, impossibilitando a recuperação da visada. (iii) Art. 189º n.º 1 c) – quando a obrigatoriedade resulta de processo de concentração empresarial associado à fusão de sociedades. No entanto, esta exclusão apenas se verificará se da deliberação da assembleia geral da sociedade emitente dos valores mobiliários em relação aos quais a oferta seria dirigida, constar expressamente que da operação resultaria o dever de lançamento de oferta pública de aquisição. Aqui, a exclusão está alicerçada no facto de a operação de fusão necessitar de acordo prévio dos órgãos sociais para a sua realização, pelo que os interesses dos accionistas serão protegidos por parte da Assembleia Geral. O art. 189º n.º 2 refere que a derrogação do dever de lançamento de uma OPA é objecto de declaração pela CMVM, requerida e imediatamente publicada pelo interessado. O beneficiário de derrogação deve cumprir com o disposto no art. 43º do Regulamento nr 10/2000 da CMVM. 54 Suspensão do dever O dever de lançamento de oferta pública de aquisição fica suspenso se a pessoa a ele obrigada, em comunicação escrita dirigida à CMVM no prazo de cinco dias úteis após a ocorrência do facto constitutivo do dever de lançamento, se obrigar a pôr termo à situação nos 120 dias subsequentes – art. 190º n.º 1. Durante este prazo, a pessoa obrigada ao lançamento da OPA deverá alienar os valores mobiliários necessários à eliminação da transposição da fasquia legal ultrapassada. O beneficiário da suspensão acima referida deve cumprir com o disposto no art. 44º do Regulamento n.º 10/2000 da CMVM. Relacionados com a referida suspensão do dever de lançamento de uma OPA surgem três pontos: (i) primeiro, importa notar que a suspensão em causa exige comunicação à CMVM; (ii) segundo, durante o período de suspensão, os direitos de voto associados aos valores mobiliários em causa ficam inibidos (nos termos dos arts. 190º n.º 3 e 192º), pelo que não existirá capacidade do detentor desses valores mobiliários exercer uma posição dominante; (iii) por último, a cessação da obrigação de lançamento de uma OPA não se faz apenas pela alienação das participações, mas antes pela sua alienação a terceiros que não estejam em alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 20º. Substituição O art. 191º n.º 2 refere que a pessoa obrigada ao lançamento de uma OPA se pode fazer substituir por outra no cumprimento do seu dever. Ou seja, independentemente da pessoa que efectua a OPA, os interesses dos accionistas minoritários e o seu tratamento em situação de igualdade face a quem efectuou a transferência de domínio está assegurada. Coloca-se agora a questão relacionada com a contrapartida. Somos da opinião que o preço definido pelos valores mobiliários será estabelecido de acordo com o art. 188º, em relação à pessoa que estaria inicialmente obrigada a efectuar a OPA e não em relação ao substituto. Incumprimento O CVM prevê sanções relativas ao incumprimento do dever de lançar uma OPA. De acordo com o art. 192º este incumprimento tem como resultado a imediata inibição dos direitos de voto e dividendos inerentes às acções que excedam os limites legais impostos, ou que tenham sido adquiridas por exercício de direitos inerentes Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 àquelas acções ou a outros valores mobiliários que confiram direito à sua subscrição ou aquisição. O art. 192º n.º 2 dispõe que esta inibição vigorará por cinco anos. O CVM prevê a cessação desta inibição, na sua totalidade, em duas situações: (i) com a publicação de anúncio preliminar de oferta pública de aquisição, mediante contrapartida não inferior à que seria exigida se o dever tivesse sido cumprido atempadamente; e (ii) com a alienação do excedente de participação que lhe impõe o dever de lançamento da OPA, a pessoas que não estejam em nenhuma das situações previstas do art. 20º n.º 1. São anuláveis as deliberações dos sócios que, sem os votos inibidos, não teriam sido aprovadas (art. 192º n.º 4). Os dividendos que tenham sido objecto de inibição revertem para a sociedade (art. 192º n.º 5). Adicionalmente, o incumprimento, como referido no art. 193º, gera ainda responsabilidade civil, sendo o infractor Finanças considerado responsável pelos danos causados aos titulares de valores mobiliários sobre os quais deveria ter incidido a OPA. O dano(7), tal como o define Jorge Brito Pereira, será a diferença entre a contrapartida mínima pela qual o oferente seria obrigado a lançar a oferta e o valor pelo qual os titulares possam alienar os valores mobiliários que seriam objecto da mesma. No entanto, em nosso entender, a noção de dano deveria ser alargada ao custo de oportunidade associado ao não investimento dos valores em causa, ou seja, ao dano deveria ser acrescido o ganho financeiro de um investimento com o mesmo índice de risco. Adicionalmente, o incumprimento do dever gera ainda responsabilidade contraordenacional. Assim, se ultrapassados os 30 dias referidos no art. 191º n.º 1 para anúncio preliminar da oferta, esta não for realizada, a pessoa incorre na prática de uma contra-ordenação muito grave, prevista e punida pelos arts. 393º n.º 2 h) e 388º nr 1 a). Empresas dominadas pela empresa visada pela OPA Obrigatória Nos casos em que a empresa visada pela OPA Obrigatória domina também ela outras empresas, então, na nossa opinião, o dever de lançamento da oferta sobre a empresa visada dominante, deverá ser estendido às dominadas por esta. Note-se que não é exigida a condição de accionista para constituição do dever de lançamento de uma OPA. Se existe domínio sobre uma empresa-mãe, também o existirá sobre as filhas, e dessa forma, existe obrigatoriedade de lançamento de uma OPA sobre estas. A Parte Geral das Ofertas Públicas no CVM e o seu relacionamento com o dever de lançamento de uma OPA O art. 124º n.º 3 refere que a Oferta Pública só pode estar sujeita a condições, desde que sirvam interesses legítimos do oferente e que não afectem o funcionamento normal do mercado. No entanto, estas condições fazem depender o sucesso da Oferta de um dado número de aceitações por parte dos titulares dos valores mobiliários, o que não faz sentido do ponto de vista da OPA Obrigatória, na medida em que esta é geral e não aceita cláusulas de sucesso. Um outro ponto relevante é a regra imposta pelo art. 186º, que estabelece limites para a sucessão de ofertas. Este artigo impede o oferente (ou qualquer das pessoas que com este estejam em alguma das situações previstas no art. 20º nº1) de lançar qualquer oferta pública de aquisição sobre os valores mobiliários pertencentes à mesma categoria dos que foram objecto da oferta ou que confiram direito à sua subscrição ou aquisição, nos doze meses seguintes à publicação do apuramento do resultado da oferta. No entanto, esta estabilidade estará em causa no caso de serem ultrapassados os limites que impõem a realização de uma OPA. Se tal acontecer, o impedimento estabelecido acaba por ser colocado para segundo plano devido ao dever imposto. A publicação de anúncio preliminar, no caso de OPA Obrigatória, está definida no art. 191º n.º 1 o qual refere que após a constituição do dever de realização de uma OPA, a pessoa que a esta está obrigada tem 30 dias para a publicitação deste anúncio. Desta forma, não se aplicará o art. 175º referente à publicação de anúncio preliminar, ficando, no entanto, de acordo com o número 2 deste artigo, o oferente obrigado a prosseguir até ao final com a oferta em termos não menos favoráveis que os aí anunciados. O CVM prevê ainda o princípio da irrevogabilidade das ofertas públicas, sendo este ainda mais acentuado na OPA Obrigatória, dada a sua natureza (art. 130º n.º 1). No entanto, situações subsequentes que atinjam os factos constitutivos de lançamento de uma oferta pública obrigatória (art. 128º) podem levar à sua revogação. A Oferta Pública Potestativa Embora fora do âmbito desta exposição, importa referir esta figura dado que, nas circunstâncias referidas no art. 196º n.º 2, o accionista dominante (nos termos do art. 194º) de uma entidade será colocado numa situação de sujeição face ao minoritário, que o poderá obrigar à aquisição dos seus valores mobiliários. Debate sobre o dever de lançamento de uma OPA Neste ponto iremos referenciar, aqueles que em nossa opinião, são os fundamentos mais fortes a favor e contra a figura da OPA Obrigatória. Na prática todos os argumentos válidos a favor da OPA Obrigatória giram em redor do princípio da protecção do accionista minoritário na mudança do controlo societário. Esta protecção, é conseguida (i) pela possibilidade de saída do capital da empresa em que participa e (ii) concretizando esta saída nas mesmas condições de quem cedeu o domínio, vendendo os seus valores mobiliários por preço igual. Ou seja, quem tem controlo, quem tem mais informação, não é privilegiado face a quem não tem a gestão da sociedade. O minoritário acaba assim, por também ele, aproveitar o Prémio de Controlo. Importa aqui realizarmos uma análise sobre o que é o Prémio de Controlo. Este não é mais do que a diferença entre o preço pago pelo valor mobiliário em causa e o seu valor de mercado. Esta diferença poderá ser interpretada de formas diferentes, seja do lado de quem adquire, seja do lado de quem cede o controlo: quem cede a posição de domínio, entende o prémio pago como a remuneração do risco a que esteve sujeito e da situação de controlo sobre uma determinada entidade; quem adquire entende o prémio como uma antecipação de benefícios económicos futuros, decorrentes de uma mais competente gestão, de ganhos de economia de escala esperados, de proveitos associados a uma relação de grupo a estabelecer ou simplesmente reconhece a Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 55 Finanças existência de activos subavaliados ou passivos sobreavaliados. Defendemos que o prémio de controlo é de quem controla a sociedade e não da própria sociedade, pelo que não deverá ser repartido pelos minoritários. Note-se que a própria contabilidade reconhece esta questão. Na aquisição de uma participação, o Goodwill (Prémio de Controlo) está registado na empresa adquirente, no seu activo, não sendo por norma reflectido nas contas da participada. Com a OPA Obrigatória, estamos a dar tratamento igual a accionistas diferentes. No entanto, os accionistas que detêm controlo, têm maiores responsabilidades e estão sujeitos a maiores riscos, pelo que terão de ser remunerados por essa mesma situação. Outro dos argumentos a favor da OPA Obrigatória, é o da protecção do mercado de capitais. Este ganhará com a protecção do minoritário, que investe as suas poupanças no mercado de capitais, permitindo o financiamento da economia capitalista. Sentindo-se protegido contra situações de abuso, contra situações de gestão ruinosa por parte de quem adquire controlo, acabará por existir uma natural maior propensão para o investimento. No entanto, este mecanismo, em nosso entender, também afasta capital do mercado. Esta figura legislativa acabará por condicionar e limitar as operações de tomada de controlo, pela exigência de superiores valores dispendidos por parte de quem compra, uma vez que quem alcança o domínio é obrigado a adquirir mais valores mobiliários do que à partida seriam necessários para deter controlo. Esta situação, conduz a uma menor eficiência do mercado, uma menor eficiência na alocação de recursos e limitando uma das mais rápidas formas de aquisição de dimensão no mundo empresarial. Acresce a este facto que este tipo de operação (aquisição tendo em vista o domínio), sendo regulada legislativamente, acaba também por premiar a gestão incompetente. O risco de aquisição, em contextos onde a OPA Obrigatória está prevista, acaba por ser menor, pelo simples facto de o processo de tomada de domínio ser mais caro, uma vez que existe a obrigatoriedade de aquisição de mais participação do que a exclusivamente necessária para a aquisição de domínio. Desta forma, o gestor menos competente acaba por ser protegido, podendo a cotação no mercado dos valores mobiliários da entidade que este representa assumir valores mais baixos sem correr riscos de aquisição. A função disciplinadora do mercado deixa 56 de ter efeito e um dos primeiros argumentos usados a favor da OPA Obrigatória acaba por cair, pois a gestão ruinosa por parte de quem detém o domínio poderá conduzir à erosão do património do investidor minoritário. O regime da OPA Obrigatória deixa ainda de fora da sua esfera protectora o pequeno accionista que efectuou a cedência da participação previamente à tomada de domínio. Este, pela menor e menos correcta informação de que dispõe, acaba por vender no mercado (ou fora dele) a sua participação por um preço que poderá ser bastante inferior ao da OPA Obrigatória, e temos de ter em linha de conta que geralmente as operações de aquisição de domínio acabam por ser antecedidas de períodos de perdas no mercado. Desta forma, a OPA Obrigatória acaba por beneficiar o accionista minoritário que está disposto a aceitar mais perdas ao nível do seu património mobiliário. Um outro ponto a considerar prende-se com a competitividade entre mercados de capitais que seguem diferentes caminhos no processo de regulação da OPA Obrigatória. Podemos argumentar que a decisão de localização de factores de produção por parte de um investidor é influenciada pela maior ou menor facilidade que este antecipa numa possível transmissão de posi- “Na nossa opinião, a existência deste regime acaba ele próprio por gerar desigualdade, ao tratar minoritários da mesma forma que trata aqueles que detêm o domínio, quando na verdade as suas posições e risco assumidos são diferentes.” Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 ção de domínio, sendo neste caso as economias mais intervencionistas prejudicadas em relação a outras mais liberais. Por outro lado, quem procura investir, procura os mercados mais favoráveis ao capital, ou seja, aqueles que com menos investimento premeiam com maiores rentabilidades. O preço é uma das parcelas desta equação e a OPA Obrigatória acaba por tornar o mercado mais caro. Um dos argumentos utilizados com mais propriedade, por parte dos defensores da OPA Obrigatória, é o de que a aquisição de domínio, por vezes, leva a constituição de relações de Grupo que acabam por prejudicar o minoritário. Esta situação, bastante comum, baseia-se na constituição de relações entre o universo da empresa adquirente e a visada, que acabam por ser realizadas com prejuízo desta para benefício do Grupo como um todo. Neste caso, defendemos a existência de dever de lançamento de uma OPA, pois este tipo de relação preferencial foge ao correcto funcionamento do mercado, pelo que deverá ser travada. No entanto, ao nível nacional, a legislação fiscal tem desde já medidas de controlo direccionadas no sentido de evitar este tipo de relação – Legislação sobre Preços de Transferência. Embora o objectivo central que esteve na génese desta legislação não seja o da Finanças protecção do correcto funcionamento do mercado, ela acaba por ser uma medida correcta que a este aproveita. Por último, cabe-nos ainda considerar os efeitos da obrigatoriedade de lançamento de uma OPA sobre a protecção aos accionistas minoritários da empresa que adquire o domínio. A OPA Obrigatória acaba por proteger o accionista minoritário da empresa visada, mas não protege o da empresa adquirente, que se vê sem mecanismos de defesa face aos superiores riscos de detenção de participação nessa mesma empresa. No contexto nacional, a empresa adquirente acaba por ser obrigada a despender de mais recursos na aquisição, aumentando, desta forma, o seu endividamento e o seu risco no mercado de capitais. Conclusão Em matéria de OPA Obrigatória, a legislação nacional e comunitária encontram-se em sintonia. A recente transposição das directivas comunitárias relacionadas com ofertas públicas (Decreto-Lei n.º 52/2006 de 15 de Março) não veio trazer alterações de relevo ao normativo nacional, deixando a componente da OPA Obrigatória inalterada. O corpo legislativo nacional segue assim o caminho do proteccionismo do detentor de participações minoritárias, tendo como premissa básica o tratamento equitativo de detentores de valores mobiliários no mercado. Na nossa opinião, a existência deste regime acaba ele próprio por geral desigualdade, ao tratar minoritários da mesma forma que trata aqueles que detêm o domínio, quando na verdade as suas posições e risco assumidos são diferentes. Mas mais importante que os actores do mercado de capitais, é o próprio mercado e o seu funcionamento, e este acaba por perder com este corpo legislativo. Aeconomia europeia, face a outras como a dos EUA, acaba por perder competitividade, não apenas pela fuga de capitais e recursos para esses mercados menos exigentes e mais baratos, mas também pela potenciação de situações de ineficiência de aplicação de recursos disponíveis e pelo incentivo dado à incompetência de gestores, protegendo-os do carácter disciplinador do funcionamento livre do mercado. Cremos que esta não é mais do que uma medida de protecção dos centros de poder europeus, que com receio do possível esforço de aquisição por parte de americanos e asiáticos de participações em empresas chave europeias, escondem as participações nas suas maiores empresas por detrás de preços mais elevados. No entanto, esta política de actuação mina o processo de auto-regulação do mercado e pelo não funcionamento da “mão invisível” de Adam Smith, estaremos um pouco mais longe do bem-estar social que se procura. Notas (1) Ao longo do trabalho, iremos utilizar indistintamente as expressões “OPA Obrigatória” e “Obrigatoriedade/Dever de lançar uma OPA”, na medida em que entendemos que a discussão em redor de tal questão terminológica não se enquadra no âmbito do trabalho em causa. Esta questão é analisada in Paulo Câmara, “O Dever de Lançamento de Oferta Pública de Aquisição no novo Código dos Va-lores Mobiliários”, Vol II, Coimbra Editora, 2000. (2) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99 de 13 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.º 61/2002, de 20 de Março, 38/ 2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 66/2004, de 24 de Março, e 52/2006, de 15 de Março. (3) Adam Smith, “A Riqueza das Nações” (1776) (4) Directiva 2004/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004 relativa às ofertas públicas de aquisição. (5) Parágrafo (9) do Preâmbulo da Directiva acima referida. (6) Quando for indicado apenas um artigo, deverá entender-se como referido ao CVM. (7) Jorge Brito Pereira, na obra “A OPA obrigatória”, de 1998, Almedina. BIBLIOGRAFIA – Burda & Wyplosz, Macroeconomics, Oxford, Second Edition. – Câmara, Paulo, O Dever de lançamento de Oferta Pública de Aquisição no Novo Código dos Valores Mobiliários, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, 2000. – Falcão, João Paulo Menezes, A OPA Obrigatória, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. III, Coimbra Editora, 2001. – Garcia, Augusto Teixeira, OPA – da Oferta Pública de Aquisição e seu Regime Jurídico, Coimbra Editora, 1995. – Pereira, Jorge Brito, A OPA Obrigatória, Almedina, 1998. – Samuelson, Paul A. / Nordhaus, William D., Economia, McGraw Hill, 14º Edição. – Smith, Adam, A Riqueza das Nações, 1776. – Vaz, João Cunha, A OPA na União Europeia face ao Novo Código dos Valores Mobiliários, Almedina, 2000. Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 57