Mulheres no RAP carioca: Inserção e Preconceito Juliana Siqueira de Lara1 Aymara Fernandez Escobar2 Gabriela Dottori de Sá Barreto3 Sara Silva Ferreira4 Luiza dos Santos Cruz5 Orientador (a): Nilma Figueiredo de Almeida6 Resumo O presente trabalho busca uma compreensão acerca da construção das identidades e subjetividades femininas em camadas populares, enfatizando as rappers do Movimento Hip-Hop carioca. Para entender a inserção destas mulheres no cenário do Hip Hop foram realizadas entrevistas semiestruturadas com quatro mulheres que atuam como rappers. Também foram aplicados 40 questionários, via internet, na Comunidade “Viaduto de Madureira” do site Orkut, em 17 mulheres e 23 homens, com idade superior a 18 anos e freqüentadores do Viaduto Negrão de Lima, em Madureira, local de referência para encontros do Movimento Hip-Hop na cidade do Rio de Janeiro. Verificou-se que ainda existe preconceito na participação de mulheres em Movimentos Sociais, como é o caso do Rap, no Hip Hop, da cidade do Rio de Janeiro e que as mulheres de camadas populares que desenvolveram uma consciência sócio-política possuem mais recursos de luta e transformação social que as mulheres que não se engajaram em alguma outra atividade no âmbito público. Palavras-chave: Gênero; Movimento Hip-Hop; Mulheres no RAP; Preconceito; Movimento Social. 1 2 3 4 5 6 Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: [email protected] Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: [email protected] Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: [email protected] Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: [email protected] Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: [email protected] Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: [email protected] 1 O presente trabalho busca uma compreensão acerca da construção das identidades e subjetividades femininas em camadas populares, partindo do pressuposto de que o sujeito, assim como toda identidade é uma construção discursiva e, como tal, ideológica. Isto implica em dizer que as afirmações feitas sobre o que é ser homem ou ser mulher são organizadas para ratificar necessidades sociais. Desta forma os discursos sociais constroem, refletem e servem de suporte para os valores culturais dominantes em um tempo e grupo determinado. (ROCHA-COUTINHO, 1995) Considerando-se que a literatura demonstra que a sociedade contemporânea produziu sujeitos individuais onde se valoriza a independência e a realização profissional, necessita-se entender a identidade da mulher e sua relação com a família e o trabalho. A escolha do universo do Movimento Hip-Hop, em particular a categoria RAP, surgiu a partir da constatação da existência de poucas intérpretes e compositoras nesse meio, além de poucas referências na literatura sobre o tema. O conceito de gênero, ao enfatizar as relações sociais entre os sexos, permitiu a apreensão das desigualdades entre homens e mulheres, evidenciando a desigualdade de poder. Nas sociedades ocidentais, marcadas também por outros ‘sistemas de desigualdade’, é possível constatar que o padrão dominante nas identidades de gênero de adultos envolve uma situação de subordinação e de dominação das mulheres, tanto na esfera pública como na privada. (FARAH, 2004) Segundo Costa (1979), a mulher era considerada frágil por sua delicadeza e debilidade em sua constituição moral, devido a estereótipos criados sobre a personalidade feminina, assim como a natureza masculina era marcada pela força e vigor. O desenvolvimento econômico, ao alterar as regras sociais, conferiu a mulher um papel decisivo na conquista de um espaço profissional e intelectual. Para Rangel e Sorrentino (1994) o capitalismo possibilitou o desenvolvimento de uma consciência coletiva da situação de inferioridade social das mulheres. Segundo Machado e Barros (2009) houve uma crescente participação feminina no mercado de trabalho beneficiada pelo nível de instrução cada vez maior, favorecendo a independência e autonomia das mulheres e gerando uma avaliação na autoridade doméstica. Verifica-se também que no segmento de mulheres economicamente ativas e com maior nível de instrução as representações de gênero tendem a ser mais questionadas e com probabilidade de serem revistas. As autoras indicam uma crescente participação de mulheres pobres no mercado de trabalho, com baixos níveis de escolaridade e poucos recursos para cuidar dos filhos, enfrentando dificuldades no exercício profissional e tendendo a inserção em atividades de baixo reconhecimento social. Tais condições dificultam as trocas simbólicas e comprometem a mobilidade entre os mundos sociais, implicando no processo de construção de identidade das mulheres de classe mais pobre. Os estudos de gênero e trabalho desafiaram teorias solidamente estabelecidas e propiciaram uma interlocução entre acadêmicos e militantes, gerando uma visão mais acurada das diferentes dimensões do problema: formas de situar-se no mercado de trabalho, de viver as experiências ocupacionais, de desafiar o imaginário gerencial e sindical, da articulação da vida no trabalho e fora dele. (GUIMARÃES, 2004). Machado e Barros (2009, p. 371), falam de “um esforço em retificar a tese da resistência das camadas populares à ideologia individualista em função da expansão das 2 tendências contemporâneas de ‘institucionalização, mercantilização, racionalização, igualitarização e liberalização do espaço público’ na sociedade brasileira”. A subjetividade dos trabalhadores está estruturada sobre um ideário relacional e hierárquico, o que conflita com os valores individualistas da modernidade. Mesmo assim, verifica-se que os homens tendem a ser mais influenciáveis frente às forças de modernização que as mulheres dos segmentos populares, ou seja, enquanto o ethos feminino segue o padrão hierárquico da cultura, confirmando os valores familiares associados à moral relacional, o ethos masculino reúne hierarquia e individualização. (Idem, Ibid). Castells apud D’Ávila e Nazareth (2005) sugere que o crescimento de uma economia informacional global, agiu como uma força propulsora para o trabalho e consciência feminina, ocasionando transformações no mercado de trabalho e no acesso das mulheres à educação. Os avanços tecnológicos no campo de reprodução humana, na biologia, farmacologia e medicina permitiu à mulher um controle sobre seu corpo, gravidez e reprodução. Assim, para além das mudanças de comportamento, de seu papel na sociedade, de sua inserção na cena política e econômica, pode-se dizer que a mulher tem hoje um novo corpo. Ela passou a ter controle sobre a sua fertilidade, tem maior expectativa de vida, etc. O autor enfatiza também que embora a entrada de mulheres no mercado de trabalho tenha diminuído a discriminação legal e melhorado a qualidade do trabalho, a violência e abuso psicológico de mulheres, aumentou por causa da reação dos homens às mulheres com níveis educacionais superiores aos deles e a recusa da perda do próprio poder na sociedade. Além disso, estudos sobre mão de obra qualificada revelam que a indústria do trabalho reserva mais freqüentemente às mulheres tarefas manuais repetitivas enquanto que aos homens concedem-se tarefas que requerem conhecimento técnico. Estatísticas e estudos também apontam que em 1990 as mulheres já representavam 32% da população economicamente ativa no mundo e os salários das mulheres continuam sendo mais baixos que os pagos aos homens para realizarem as mesmas funções. O trabalho feminino reflete, acima de tudo, um aprisionamento a representação de uma primordial história hierárquica que sujeitou mulheres a homens. (D’ÁVILA e NAZARETH, 2005) Dados recentes revelam que as meninas que concluem o Ensino Médio continuam candidatando-se no exame de vestibular em muito maior proporção nos cursos considerados “tradicionalmente femininos”, nas áreas de ciências sociais e humanas. Uma provável explicação seria a persistência de estereótipos sexuais na educação, ao lado da pressão da sociedade patriarcal ainda existente no Brasil. Por outro lado, mesmo aquelas mulheres que se dedicam a uma carreira no campo da Ciência e Tecnologia enfrentam problemas e dificuldades no exercício da profissão, como apontam estudos realizados em numerosos países e que foram motivo de denúncias em encontros que reúnem mulheres cientistas. Na PUC-Rio, foi unânime a opinião de que é preciso um esforço sistemático para motivar meninas para a pesquisa científica. (TABAK, 2002) É possível que as mulheres, no espaço privado, relutem em abandonar o controle e poder que sempre tiveram no âmbito doméstico, levando a afirmar que a mulher de hoje acumulou funções, mas ainda não dividiu responsabilidades; ela se exige, tal como a sociedade lhe impõe, ser múltipla e dar 3 conta da sua dupla jornada de trabalho. (ROCHA-COUTINHO,1998) Estudos ilustram como as “imagens” de gênero, presentes nas representações sociais, atuam no imaginário empresarial e dos próprios trabalhadores/as, construindo uma representação da mulher e do feminino em seu elo com o trabalho, condicionante em suas chances de realização de projetos de vida. (GUIMARÃES, 2004) Os estudos sobre as tecnologias discursivas (textos, imagens) permitem ver de que maneira o discurso é um lugar privilegiado de representação e/ou de contestações de práticas sociais naturalizadas, como as instituições médicas, demográficas, econômicas, feministas ou de políticas públicas. Estudos sobre a Internet apontam-na para um novo ambiente comunicativo e de empoderamento feminino para produzir mudanças a nível individual e coletivo, enquanto que as interações no Orkut e Fotolog são vistas como possivelmente democráticas e promotoras de identidade multigênero. (ZIMMERMANN, 2007; FUNCK e WIDHOLZER, 2005) Os diversos estudos visam uma desconstrução de padrões acerca da sexualidade, de modelos de normalidade e comportamentos estereotipados. Importante atentar-se para os discursos presentes nas salas de aula, pois a escola não apenas reproduz discursos ideológicos, mas engendra valores e representações no imaginário coletivo de identidades sociais marcadas por etnia, classe, geração e gênero. (FRANÇA, 2005; LOURO, 2003) A pesquisa de Machado e Barros (2009) aponta para a existência de uma tensão entre os valores individualistas e os de ordem relacional tanto nas camadas médias de mulheres como nas populares, da sociedade fluminense; também sugere que os valores do individualismo encontrados nos segmentos populares não se confundem com aqueles identificados nas camadas médias e mais francamente voltados para uma subjetividade psicologizada, mas configuram um entendimento de si baseado nas possibilidades atuais referenciadas aos campos profissional e religioso. Ressaltam em seus resultados que a mobilidade educacional, a maior participação no mercado de trabalho e a crescente adesão aos grupos religiosos da confissão evangélica constituem fatores que propiciam experiências de individualização das mulheres das camadas populares em relação a alguns dos vínculos tradicionais, ainda que o valor-família siga muito importante nesses estratos. Ao mesmo tempo, procuramos mostrar que as experiências das mulheres dos segmentos médios com nível educacional elevado, renda própria e atribuição de valores altamente individualizantes à leitura de suas trajetórias apontam para a presença de valores relacionais, sobretudo, no que se refere à família, à maternidade e aos projetos de conjugalidade. (MACHADO E BARROS, 2009, p.372) Os debates contemporâneos sobre gênero estão marcados pela ênfase da pluralidade, em suas diversas dimensões. Fraser e Nicholson (1992) apud Rodrigues (2005) tentaram uma aproximação da teoria feminista ao pós-modernismo, um pós-feminismo, que deixa de lado a idéia de sujeito da história, substituindo as noções unitárias de mulher e identidade genérica feminina por conceitos de identidade social que são plurais e de constituição complexa, e nos quais o gênero seria somente um traço relevante entre outros. Muitos autores já compreendem que o gênero é uma categoria relacional e não identitária, por considerar ser impossível uma elaboração universal a partir de um único ponto de vista, já que estudos das que se denominam “mulheres de cor” ou do “terceiro mundo” têm sido atentamente vistos como possibilidade para superação de problemas epistemológicos vigentes. (FERREIRA E BORGES, 2004) 4 Segundo Vieira (2005), a identidade social da mulher não é unitária, mas resulta de diferenças, podendo ser concebida como produto da negociação externa com outros sujeitos, estabelecendo um contínuo nessa negociação, cujo propósito permanente é a constituição do self. Butler (2003) tenta deslocar o feminismo do campo do humanismo, como prática política que pressupõe o sujeito como identidade fixa, para algo que deixe em aberto a questão da identidade, algo que não organize a pluraridade, mas a mantenha aberta sob permanente vigilância. Segundo Ferreira e Borges (2004) a relação contemporânea entre teoria e prática parece conflitante, a teoria apresenta-se pouco útil aos movimentos sociais e sua dinâmica plural, as perspectivas teóricas são inacessíveis, de difícil compreensão e desconectadas da prática. As feministas urbanas brasileiras apropriaram-se do conceito acadêmico e o ligaram ao ativismo ao perceberem o quanto as relações de gênero estruturam a vida social e, desta forma, puderam abrir possibilidades para transformação, refletindo sobre suas realidades, sejam no aspecto da sexualidade, identidade, política e divisão e trabalho. O Hip-Hop não é apenas um gênero musical, é uma cultura que consiste em 4 subculturas: DJ: músico “sem instrumentos” ou o criador de bases para os cantores; B. Boy: dançarino que representa o Break (estilo de dança); MC: cantor, utilizando ou não técnicas de improviso; Grafiteiro: aquele que representa a expressão plástica, via desenho. Conforme Gonçalves (1997), a origem e as raízes da cultura Hip-Hop estão contidas no sul do Bronx, em Nova Iorque (EUA). A cultura Hip-Hop chegou ao Brasil por volta dos anos 80, principalmente em São Paulo, pelas mãos das equipes que realizavam os Bailes Soul e pela venda de discos, revistas e filmes sobre o movimento. Na década de 80 o movimento hip hop no Rio era muito embrionário e somente no início da década seguinte teve impulso e obteve número maior de adeptos. A primeira entidade organizada do movimento foi a Associação Hip-Hop Atitude Consciente fundada em 1993 com a colaboração do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), que através do seu programa Racial voltado para as demandas e produções da comunidade negra, descobriu o grupo de Rap Geração Futura, cujo líder era MV Bill. De acordo com a ONG cultural WOOZ, a palavra RAP significa ritmo e poesia (Rhythm and Poetry). Elemento artístico do hip-hop com maior disseminação entre os jovens, o rap se constitui pela melodia tocada por meio de pick ups (toca discos) comandadas pelo DJ (Disc Jóquei), que mistura ritmos e trabalha os sons, e pela letra do MC (Mestre de Cerimônia) ou rapper, muitas vezes o autor da letra. A música rap tem um ritmo cadenciado e as palavras são ditas em tom de declamação. As gírias são utilizadas nos versos que compõem as letras de rap e unem, tanto na produção como na divulgação, pessoas que moram na periferia (o local é uma referência importante para os hip hoppers), denunciando os problemas étnicos e sociais, apropriando-se de referenciais do passado da população marginal e gerando, com isso, um questionamento do imaginário social, uma vez que a história “oficial” é questionada por outras memórias (TELLA, 2000). Segundo Matsunaga (2006), pelo modo como cantam e o que cantam, os rappers muitas vezes são considerados pela mídia como os “sociólogos” sem diploma, que buscam entender e denunciar os problemas sociais, configurando-se como narradores urbanos. Além da denúncia do dia-a-dia na periferia, nas letras de 5 rap há indignação, revolta, acusação, ódio. Informações do site www.rapdesaia.blogspot.com, revelam que a entrada das mulheres no Movimento Hip-Hop ocorreu, principalmente em Nova York, no ano de 1979. Para saber quando aconteceu a entrada de mulheres no Hip Hop carioca foi necessário fazer um trabalho de campo, onde realizaram-se entrevistas semi-estruturadas, gravadas e transcritas, com quatro mulheres que atuam como rappers no cenário do Movimento Hip-Hop: Ediwiges dos Santos, uma das primeiras cantoras a movimentar o RAP feminino no Rio de Janeiro; Negga Gizza, fundadora da CUFA (Central Única das Favelas) - uma organização não-governamental cuja forma de expressão predominante é o hip hop - e uma das cantoras de RAP de maior repercussão a nível nacional; Flávia Odara, cantora que iniciou sua carreira junto com Negga Gizza e Alessa Vozes, integrante da banda “Vozes do Gueto”. Também foram aplicados 40 questionários, via internet, na Comunidade “Viaduto de Madureira” do site Orkut, em 17 mulheres e 23 homens, com idade superior a 18 anos e freqüentadores do Viaduto Negrão de Lima, em Madureira, local de referência para encontros do Movimento Hip-Hop. Segundo Ediwiges dos Santos, foi a “partir de muita determinação e ousadia” que elas entraram no cenário do Hip Hop. No ano de 1992, Ediwiges formava com outras seis mulheres o grupo As Damas do RAP, que tinha como proposta apenas o “break” (dança de rua) que apresentavam-se em eventos como o Charme e Disco Voador, locais onde ocorriam manifestações do Movimento Hip-hop. Paralelamente, no Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), jovens de várias localidades do estado se reuniam para aprender uma atividade, movidos pelo hip-hop. Através do incentivo do CEAP ao grupo As Damas do RAP a mostrar seu trabalho de composição que elas fizeram da letra “Sonho Real”, que propiciou o contato direto com cantores e pessoas ligadas ao movimento: ATCON - Associação Atitude Consciente - uma entidade responsável por revelar os primeiros representantes do movimento, como o Consciência Urbana (cujo líder era o rapper e ator Big Richard - Turma do Gueto), NAT, Poesia Sobre Ruínas, RRR, Filhos do Gueto, Gabriel O Pensador e Geração Futuro (cujo líder era MV Bill). A entrada definitiva ocorreu a partir da produção fonográfica de uma coletânea de RAP - Tiro Inicial – que incluiu todos os participantes da ATCON e como convidadas especiais, As Damas do RAP. Segundo relato de Ediwiges, a maioria das pessoas que faziam parte do Movimento Hip-Hop se assustou com a entrada do grupo de dança como letrista. Sobre a reação masculina, a atual advogada e também militante (como gosta de se definir), respondeu que tirando músicos como MV Bill, DJ TR, Big Richards (“os homens com a cabeça mais aberta”, como afirmou), a reação masculina não foi de muita abertura: “Eles achavam que era tudo mole, tudo 'melzinho’!” Ela atribuía os conflitos de aceitação dos homens com a proposta feminina que chegava ao Rap, pois as letras de suas músicas se preocupavam em passar uma mensagem diferenciada do que aquela dura realidade descrita pelos homens, tinham um caráter mais esperançoso, de uma vida mais próspera para a sociedade. A batida de suas músicas era mais dançante do que aquela usada até o momento. Ediwiges relatou: “Nós queríamos ver o Brasil de outra maneira. Nós não exigíamos miséria, violência urbana e problemas com a questão racial. Então eles diziam: ‘Ah! É tudo uma utopia que vocês inventaram!’. Eles achavam que não tínhamos um embasamento, com um tema que para eles 6 valesse a pena ser colocado para fora e representasse de fato o movimento Hip-Hop”; “O Sonho Real, além de ter uma base mais dançante, que nessa época, 1992 e 1993, os garotos só usavam uma base mais seca e fúnebre, tinha letras que falavam sobre um Brasil diferente. Nós víamos um Brasil que existia educação, não havia filas em postos de saúde, que nossos governantes resolveriam fazer leis que valessem a pena, etc. Os homens ainda achavam que estávamos vivenciando uma utopia: ‘Vocês estão fazendo aquilo que vêem na televisão e não o que é a realidade.’ ” Ediwiges afirmou que o grupo não queria mudar as características que determinavam o RAP como um estilo de cunho político e social, ou melhor, de protesto, queriam apenas propor uma nova forma de levantar questões sérias e de reflexões. A reação feminina daquelas que também eram engajadas no Movimento - na época as mulheres só haviam conquistado o espaço como dançarinas - também foi de estranheza. E, pouco a pouco, através dessa primeira iniciativa, novas vozes femininas foram surgindo nos palcos do subúrbio carioca. A reação do público nos eventos em que elas se apresentavam também não era satisfatória. Flávia Odara, uma das representantes do RAP feminino carioca atual, quando perguntada sobre o comportamento dos homens que iam a eventos para assistir shows, responde: “Ah! Eles gritavam: 'Piranha! Piranha!'. (risos). “É, era mais ou menos por aí”. Ediwiges completou que os homens normalmente achavam que mulheres só subiriam no palco para cantar um “hit romântico”. Então, quando percebiam que as letras que saíam tinham um caráter de protesto, a única alternativa deles para não terem que admitir a entrada feminina, era o xingamento. As duas cantoras comentaram a reação do público feminino e disseram que as mulheres não xingavam como os homens, mas demoraram algumas apresentações para darem incentivos. Elas acreditam que essa primeira atitude era justificada pela surpresa e não admissão de que algo estava mudando naquele cenário. Pouco a pouco, segundo elas, as mulheres foram se identificando com a luta de quem estava no palco e percebendo que tinham que abraçar aquela causa também, pois se incluíam nela. A questão da identidade surge no discurso de Negga Gizza quando diz que no início as mulheres no Hip Hop não possuíam uma identidade própria, pois tinham que estar sempre vestidas de forma masculina: “No início, ela não tinha identidade alguma. Usava roupas largas, mais masculinas. Mas isso foi se moldando naturalmente, já que foi copiado dos Estados Unidos. Lá, as mulheres também usavam roupas largas e aqui não seria diferente.” Ediwiges confirma: “Nós tínhamos que andar como os homens. Se notar nossas fotos antigas, andávamos de botina, calças largas, camisas xadrez, bonés... Tínhamos que nos parecer como eles. Batom nem pensar!”. E quando perguntadas sobre a justificativa de terem que aparentar como os homens, elas afirmaram que só dessa maneira seriam aceitas, sem nenhum tipo de juízo. Segundo Negga Gizza: “Os caras já chegavam nos julgando quando colocávamos uma roupa mais feminina: ‘Ah! Essas minas não são do RAP não. Olha o tipo de roupa que ela usa. Vamos colocar uma roupa mais larga. Assim você está muito vulgar!’”. Agora já está mudando: “Com o passar do tempo isso foi mudando. As mulheres passaram a não aceitar, mas a se despertar e ver que tinha que ser diferente”. A primeira grande mudança encontrada no cenário do RAP feminino foi em relação ao número de integrantes femininas que atualmente compõem o espaço, superior ao início da década de 90. No 7 entanto, ainda são poucos os trabalhos circulando na Internet ou nomes significativos no mercado da música do RAP. As principais dificuldades encontradas no interior do Movimento Hip-Hop provinham dos próprios integrantes masculinos do Movimento. Segundo Negga Gizza, quando permitiam a participação feminina era por status: “Só o fato de um homem estar rodeado de mulheres já traz pra ele uma representação social. Ele fica se sentindo ‘o cara’. Aquele que carrega com ele um bonde por onde passa, oferecendo a oportunidade de fazer arte ou um som, mesmo que com um enorme interesse por trás do seu discurso”. Segundo Negga Gizza, para que a mulher seja respeitada no Rap “Falta discussão. Muitas mulheres não discutem isso e acabam não tendo opinião e visão alguma”. “Eu faço isso através da minha música, entrevistas... de formas mais sutis. Até porque eu não sou feminista e sim, feminina. (risos). O problema é que a grande maioria não liga para isso. Elas saem para noite, com amigas e, em nenhum momento, entra um assunto que de fato vá mudar a realidade delas...”. O Hip Hop é um espaço para transformação social e Gizza diz que o RAP traz um pouco isso. “É uma oportunidade, já que quando estamos envolvidas em eventos e movimentos sociais, a gente acaba tendo uma vontade de se organizar para promover alguma mudança. Eu posso me guiar pelo que a CUFA está fazendo. Há um grupo de mulheres, no Brasil inteiro, chamado Maria-Maria, que reuni mulheres que atuam em realidades diferentes, mas que têm uma ligação com o Hip-Hop. Esse grupo tem o objetivo de gerir ações voltada para a mulher, de todo os tipos, sem apenas focar em uma área apenas e sim, na luta da inserção em geral”. Negga Gizza acredita que o panorama atual está melhor: “Ah, mudou. Antigamente, você via mulheres ao lado de cantores com um perfil todo masculino e hoje em dia, os homens cantam lado a lado com mulheres sendo femininas” e o fator que ajudou: “Acho que foi a convivência entre homens e mulheres e o crescimento da discussão do RAP no Brasil. Foi difícil de aceitar essa mudança, até para as mulheres, já que elas sempre foram muito oprimidas. O incentivo dos homens a proporcionar essa transformação foi muito importante. Se a cabeça deles não estivesse sendo transformada, as mulheres teriam se estagnado”. Segundo as entrevistadas, a reação do público em geral, tanto masculino quanto feminino, deixou de ser tão agressiva em relação às mulheres (não há mais xingamentos, por exemplo) e causa menos “estranheza" do que antigamente. Para Gizza “O público aceitava, pois quando uma mulher subia no palco ela era tida como um momento de destaque, já que não havia muitas mulheres nesse papel.” No entanto, ainda há certos resquícios que evidenciam reações preconceituosas. Tais como a evasão do público durante um evento em que cantores homens se apresentavam e de repente, subia uma mulher no palco. Segundo Alessa tal atitude causa um impacto até maior sobre as cantoras, pois “a indiferença se torna até mais angustiante do que um insulto”. Hoje as mulheres adquiriram uma identidade feminina própria e deixaram de imitar o modelo dos homens. Essa é uma mudança que todas as entrevistadas afirmaram: a mulher se veste de forma muito mais feminina e não têm que seguir o parâmetro masculino, usam sempre batom, brincos, etc. Quando perguntadas sobre como ocorreu essa mudança, disseram que não houve um ponto específico, mas que foi através de muito contato e discussão entre si. Flávia Odara comprova: “Não vou nem dizer que houve um ponto, que promoveu essa mudança. Foi uma questão nossa, de 8 cabeça. Começamos a discutir sobre isso e ganhar convicção, através de novos conhecimentos e contatos com o Afroreagge e CEAP, por exemplo. Iniciamos colocando vestido, saia, rosto pintado e salto para subir no palco...”. A música também mudou, segundo Flávia Odara: “Teve uma evolução. Se eu for parar para analisar como nós começamos, acho que foi muita falta de conhecimento. Todo esse tempo, trabalhando com o Hip-Hop e uma nova interação até mesmo com o mundo, nós passamos a retratar algumas questões de forma diferente. Mas também não exaltando: ‘Ah! A mulher apanha do marido e ele é um canalha’. Não! Nós vamos retratar que isso existe, mas a mulher também tem deixado falha. Se já existe formas de ela colocar isso adiante, então por que se reprimir? Nossas letras querem mostrar para a mulher: ‘Tem que acordar!’”. “Mas no início, de fato, em nossas letras faltavam o engajamento. E até nesse ponto, eu acho que os homens também queriam se posicionar, para nos alertar, mas não sabiam como falar. Então só diziam: ‘Ah! É mulher? Então não vai dar certo!’”. Gizza fala: “Eu não comecei como cantora e sim, sendo locutora de rádio. Meu interesse era social, querendo beneficiar as pessoas que tivessem uma realidade parecida com a minha, passando uma mensagem. Eu tinha o pensamento da revolução na cabeça. A rádio Comunidade tinha o perfil dos excluídos da sociedade, os marginalizados e foi ali que eu encontrei o Hip-Hop. Paralelo a isso, eu sempre gostei muito de escrever”. “Minhas letras saem de forma natural. Eu costumo dizer que as minhas composições não são forçadas: ‘Ah! Hoje eu vou falar sobre esse tema.. ou um outro qualquer’. Eu acabo acompanhando processos políticos, sociais.. tentando mudar o pensamento das pessoas. O aborto é um tema que eu tentei trazer para a discussão. Acho que não são só os políticos que devem mexer com a cabeça das pessoas. Mas nós, uns e outros é que temos que fazer política e mexer com a cabeça um do outro.” Ediwiges fala sobre a contribuição delas ao movimento: “eu acho que acabamos trazendo algumas coisas pro Movimento Hip-Hop, que não existiam antes. Por exemplo, os garotos detestavam e diziam que nunca usariam em suas vidas a base dançante, de R&B. Hoje em dia, vocês podem notar, que todo mundo, tirando Racionais Mcs e poucos outros que têm um estilo mais próprio, cantam com base dançante.” Adotaram o “Refrão cantado, melodia, etc.”. Sobre a influência da luta das mulheres contra o preconceito social nas relações dentro do Movimento Hip-Hop, Ediwiges afirmou: “Ah! Com certeza. Hoje em dia, sempre há uma menina do Movimento Hip-Hop que está participando de uma ONG, algum trabalho visando a luta da mulher, mostrando que estamos vivenciando um novo século. Não somos mais aquelas que namora, casa e se torna dona-de-casa. Somos agora, as ‘mulheres multi’”. Para Gizza “Não dá para ter uma visão apenas dentro do RAP. A mulher que está com um microfone na mão, em cima do palco, daqui a pouco descerá e estará participando da produção de um evento. Depois, a mesma estará em casa sendo mãe, dentro de uma escola dando aula ou até mesmo dando palestras em congressos.” E, acrescenta: “Hoje não dá para reclamar que não há espaço para mulher, pois para os homens também está difícil lançar disco e se estabelecer na música.” Para Gizza, “Há espaço para ela, mas pouco. Falta também para a mulher perseverança e uma outra cabeça de mudança. Não dá para as mulheres ficarem em casa chupando o dedo e chamando os homens de machistas, se elas não se organizarem e tentarem trazer 9 discussões de sua própria inclusão. A diferença que tem entre mulheres e homens dentro da música RAP é a mesma que tem no mercado de trabalho e na música em geral, seja no samba, no rock, no axé... Ou seja, a presença da mulher na sociedade em geral é que não é satisfatória”. A análise dos questionários sobre a opinião dos membros do Movimento do Hip Hop sobre a participação de mulheres como cantoras de Rap, foi a seguintes: a maioria dos homens que responderam disseram não haver preconceito contra as rappers (13 /23). E as mulheres, em suas respostas, alegaram existir preconceito (10 /17). Este ponto evidencia uma diferença de percepção entre os gêneros, onde o preconceito é mais notado pelo grupo feminino do que masculino; os homens que confirmaram a existência de barreiras à mulher, disseram que o preconceito existe porque a sociedade acredita que mulheres deveriam se enquadrar apenas na categoria da dança e não do RAP ( 4 /10). Já na visão das mulheres, o preconceito existe porque as pessoas acreditam que as mulheres não têm capacidade para transmitir a mensagem do Hip-Hop ( 8 / 10). Verificou-se que ainda existe preconceito na participação de mulheres em Movimentos Sociais, como é o caso do Rap no Hip Hop da cidade do Rio de Janeiro, colocando mais uma vez, as mulheres como alvo de discriminação. Considerações Finais Pode-se concluir com a análise das entrevistas que as mulheres de camadas populares que desenvolveram uma consciência sócio-política possuem mais recursos de luta e transformação social que as mulheres que não se engajaram em alguma outra atividade no âmbito público. Percebe-se também a importância do nível de instrução para a mudança das representações de gênero na sociedade, pois uma rapper é advogada e a outra, locutora de rádio comunitária. Isso facilita na articulação dos discursos e composição de letras que questionem os padrões sociais. As mulheres ainda se deparam com obstáculos originados na formação patriarcal e hierárquica de nossa sociedade, mas as transformações sociais acontecem lentamente. O enfrentamento de preconceito é sempre difícil, ele é fruto de estereótipo em sua base cognitiva e sentimentos negativos em seu componente afetivo. A falta de informação e de reflexão sobre as normas sociais, a crença nos discursos institucionalizados e nos estereótipos criados só intensificam os preconceitos. Pode-se tentar minorá-los inibindo os estereótipos através de contato com igualdade de condições e ênfase na interdependência e busca de objetivos superiores comuns, tudo isso sendo acompanhado de mudanças macrossociais, que questionem as normas, modelos educacionais e práticas conformistas incentivadores de preconceitos de qualquer espécie. Para tentar diminuir os embates num primeiro momento a estratégia acaba sendo a apropriação dos parâmetros masculinos, para em seguida trilhar o próprio caminho. 10 Referências Bibliográficas RODRIGUES, Carla. Butler e a desconstrução do gênero. Revista Estudos Feministas. Vol 13, nº 1 Florianópolis Jan./Apr. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 026X2005000100012&script=sci_arttext. Acesso em: 28/10/08, 14hrs. BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003. 236 p. FRANÇA, Kelly Bedin. Corpo, gênero e sexualidade: discussões. Fem. vol.13 nº.1 Florianópolis Jan./Apr. 2005. Disponível http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2005000100014. 29/10/08, 13:45hrs. Rev. Estud. em: Acesso em: LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 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