Absenteísmo Docente em Instituição de Ensino Público
Autoria: Leandro Queiroz Soares, Eduardo Ramos Ferreira da Silva
Resumo:
O presente estudo teve como finalidade a identificação das causas do absenteísmo,
por parte do corpo docente, em uma instituição de ensino público. Seu embasamento teórico
abordou aspectos relacionados ao absenteísmo como conceito, origem, características, fatores
causais e dimensão ética. Foi realizada uma pesquisa de natureza aplicada, exploratória, com
roteiro semi-estruturado e na linha etnográfica. Os resultados indicaram que o absenteísmo
provém de diversas causas, entre as quais citam-se as relacionadas com fatores de cunho
cultural e com deficiências no sistema administrativo da instituição objeto de estudo. Dentre
as recomendações que objetivam a minimização ou, até mesmo, a anulação do absenteísmo,
destacam-se a implementação de programas de treinamento e desenvolvimento dos recursos
humanos, a adoção de feedbacks entre os níveis hierárquicos, além de aprofundamento de
estudos em temas, como motivação, stress, relacionamentos interpessoais e ética, todos com
enfoque organizacional.
Introdução:
O absenteísmo tem preocupado estudiosos e teóricos do campo da administração, por
se tratar de um problema complexo, que envolve várias causas e efeitos.
Dentre uma das mais graves e usuais conseqüências do absenteísmo para as
organizações, ressalta-se a queda da produtividade e, conseqüentemente, a queda dos lucros, o
que gera uma seqüela para a organização atingida. Esse fato pode ser ilustrado por RHODES
e STEERS (1980) apud SIQUEIRA (1984), ao apontarem uma estimativa que demonstra que
o absenteísmo nos EUA resulta em mais de 400 milhões de dias úteis perdidos por ano, sendo
que, em muitas indústrias, registram-se níveis de absenteísmo de 10 a 20% da força de
trabalho, em média. Podem ser atingidos níveis ainda mais elevados em organizações que
apresentam maior intensificação da fadiga, por decorrência da natureza das atividades de seus
empregados.
Referindo-se ainda à realidade dos Estados Unidos, RHODES e STEERS (1980) apud
SIQUEIRA (1984) ressaltam que, combinando-se o número de dias úteis perdidos por ano
com uma estimativa aceita do curso diário do absenteísmo por empregado, pode-se chegar a
um custo anual estimado de 26,4 bilhões de dólares.
A repercussão do absenteísmo nos aspectos financeiros das organizações e da
sociedade desperta a consciência da importância do estudo desse fenômeno para a economia
de organizações públicas, que, de maneira geral, situam-se em âmbito mais complexo do que
as empresas privadas.
No caso das instituições de ensino público, as conseqüências negativas podem ser
percebidas, principalmente, sob a ótica social, uma vez que o aluno fica prejudicado com a
ausência de professores e mesmo de profissionais que apóiam as atividades de ensino.
Marco teórico
Os conceitos sobre absenteísmo apresentados na literatura não são uniformes, variando
conforme cada autor.
Segundo a definição de FERREIRA (1986:15), a palavra absenteísmo, provinda do
francês absenteísme, derivado do inglês absenteeism, de absentee, significa ausência habitual
da pátria, da propriedade, do emprego ou ainda falta de assiduidade. Sob essa ótica, justificase o conceito de alguns autores, conforme citado no Bulletin of Labour Statistics (1990), ao
sugerirem que o absenteísmo deve estar relacionado a todos os momentos em que, no
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desenrolar de um ano, o empregado esteja ausente no decorrer de seu horário normal de
trabalho, mesmo que essa ausência se deva a fatores alheios à sua vontade, como, por
exemplo, férias coletivas impostas pelo empregador ou o surgimento de fenômenos
intempestivos de proporções mais amplas que afetem a população, como racionamentos de
energia, que obrigam as empresas a reduzirem seu horário normal de funcionamento. Esses
autores enquadram também no universo do absenteísmo as férias anuais, as folgas semanais
previstas por lei, feriados e traslado do empregado no roteiro residência-trabalho-residência.
Segundo a definição apresentada no documento para a 14.º ICLS - International
Conference of Labour Statisticians (1987), o absenteísmo no trabalho refere-se aos
“períodos de tempo em que os empregados que deveriam estar trabalhando
nem mesmo encontram-se em seus postos de trabalho à disposição de seus
empregadores, mas continuam mantendo um vínculo formal com os seus trabalhos”
(MATA-GREENWOOD, 1990-3, p. IX).
Por outro lado, existem autores que adotam conceitos mais restritos, defendendo a
idéia de que o absenteísmo refere-se exclusivamente às ausências não justificadas ao trabalho,
como HSIEH et al (1994), GILBERT e SNEED (1992) apud SANTANA (1997).
Para a finalidade do presente trabalho, adotou-se a seguinte definição de absenteísmo:
ausências em momentos em que os empregados deveriam estar trabalhando normalmente,
subentendendo-se exclusivamente as faltas ou atrasos, justificados ou não, em horários
enquadrados efetivamente no que foi estipulado em contrato.
SALAZAR (1976) apud SIQUEIRA (1984) sustenta que o absenteísmo constitui um
dos problemas que coexistem com a própria história da evolução humana, afligindo as
instituições desde os tempos antigos. No tocante à sua origem primordial, o absenteísmo
como problema de proporções graves para as instituições gera discordâncias entre estudiosos.
No que diz respeito à origem do absenteísmo de forma sistemática nas organizações,
alguns estudiosos defendem que esse fenômeno se deu com o advento da revolução industrial,
a qual apresentava características incompatíveis com o bem-estar do trabalhador.
Segundo outros autores, como por exemplo MUNFORD (s.d.) apud SALAZAR
(1976) apud SIQUEIRA (1984), a origem do absenteísmo como problema de proporções
graves para as instituições deu-se no período da história da civilização denominado eotécnico,
entre 1000 d.C. a 1750 d.C., caracterizado, em seu início, como a época em que o pequeno
patrão possuía estreita relação com o empregado. Em contraste, já no final dessa fase, foi
surgindo a individualidade, fortalecendo-se a impessoalidade na produção e enfraquecendo-se
a relação operário-patrão, a qual, conseqüentemente, passou a adquirir um caráter menos
humano e mais formal, surgindo, assim, as primeiras manifestações de tensão no ambiente de
trabalho. Essas tensões, por sua vez, proporcionaram ao trabalhador a idéia do trabalho como
uma “coisa odiosa” (MUNFORD, s.d. apud SALAZAR, 1976 apud SIQUEIRA, 1984) que
deveria ser evitada sempre que possível, não somente como causa de insatisfação, mas
também como uma ameaça para a saúde. Reforçando essas afirmativas ilustradas por
MUNFORD (s.d.), DEJOURS (1993) apud LEME e MAZZILLI (2001) afirma:
“Os trabalhadores se empenham em lutar contra o sofrimento, porém não
buscam situações de trabalho isentas de sofrimento. O trabalho é um local de buscar
desafios, logo é um local propício para jogar e rejogar com o sofrimento, na
esperança de que ocorram descobertas e criações humanamente úteis.”
Como classificação das causas e características mais importantes do absenteísmo,
SALAZAR (1976) apud SIQUEIRA (1984) sugere as que seguem:
• absenteísmo por doença não profissional: incide principalmente entre os
empregados jovens e naqueles de pouca antigüidade na empresa; registro de 80% das
ausências curtas devidas a problemas do aparelho respiratório e trato gastrointestinal.
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• absenteísmo por riscos profissionais: decorre da má adaptação do empregado ao
trabalho. Nesse caso, cabe à empresa a minuciosa observância e conseqüente
controle/melhoria das condições físicas e ambientais de trabalho, de modo a evitar que
possam constituir elementos de riscos potenciais para o empregado.
• absenteísmo por incapacidade não física: envolve as faltas injustificadas e as
ausências por sanções disciplinares; decorre dos problemas de saúde do tipo mental e/ou
emocional, os quais influem no estado de ânimo e na motivação do indivíduo, criando
obstáculos para a sua presença real no trabalho.
• absenteísmo por inadaptação do indivíduo: caracterizada como a falta de
vontade do empregado para cumprir suas tarefas, podendo originar-se de várias causas, como
ansiedade, frustrações, ressentimentos, tensões, temor e conflitos emocionais, sendo estes, nas
palavras de SALAZAR (1976) apud SIQUEIRA (1984), “(...) grandes inimigos da saúde
humana, mais terríveis que os germes patológicos (...)”.
Já COUTO (1996), médico especialista em saúde ocupacional, classifica o
absenteísmo em cinco fatores causais: de trabalho, sociais, culturais, de doenças e de
personalidade. Para fins deste trabalho, serão caracterizados os quatro primeiros fatores:
• fatores de trabalho: são definidos por COUTO (1996) como “as ocorrências no
ambiente de trabalho que o homem percebe como desfavoráveis” (p.22). Segundo esse
autor, na grande maioria das empresas, ainda predominam os valores clássicos do
industrialismo, como: a especialização, a sincronização, a maximização da produção e a
proposital e explícita distinção entre quem manda e quem faz, valores que, na interpretação do
especialista, acabam por propulsionar o absenteísmo. COUTO (1996) sustenta, ainda, que
esses fatores acarretam alto índice de turnover nas organizações.
• fatores sociais: COUTO (1996) esclarece que os absentas contumazes, de maneira
geral, “(...) não possuem status sócio-econômico mais baixo que os pontuais” (p.22),
concluindo, dessa forma, que “(...) não é no status sócio-econômico que estão os fatores
sociais do absenteísmo” (p.22). Entretanto, como forma de não rejeitar a possibilidade de que
haja relação em nível individual, o referido especialista ressalta, a título de exemplificação,
que condições precárias de habitação podem aumentar a incidência de determinadas doenças,
o que, conseqüentemente, acarreta aumento de absenteísmo. COUTO (1996) ainda sustenta
que, apesar da redução do mercado de trabalho, os absentas continuam faltando,
principalmente os empregados de melhor nível da área operacional.
COUTO (1996) reconhece que esses fatores estão correlacionados, também, com a
distância e dificuldade no transporte entre a residência do indivíduo e a empresa;
• fatores culturais: constituem-se, segundo COUTO (1996), no principal elemento
no conjunto das causas do absenteísmo. Esse autor sustenta que a cultura do absenteísmo é tão
rotineira e inconscientemente aceita, que os empresários pagam horas-extras para substituir os
ausentes e contratam mais pessoal para cobrir as falhas decorrentes destas faltas. Seguem-se
alguns exemplos de fatores culturais que favorecem o absenteísmo, conforme sugeridos por
COUTO (1996): a) falta de crença dos dirigentes na pontualidade; b) falta de exemplo dos
dirigentes; c) falta de comprometimento do trabalho do indivíduo com o resultado do grupo;
d) hábito de se considerar o motivo da ausência como algo aceitável; e) inexistência de um
sistema de reconhecimento à pontualidade; f) resistência ao controle de ausência pelo
supervisor da área; g) falta de “enquadramento” sistemático dos indivíduos que abusam das
faltas, o que acaba por influenciar os colegas de trabalho a tomarem atitudes similares; h)
entre os absentas contumazes, costumam estar alguns supervisores.
• fatores de doenças: destacam-se, entre os resultados das pesquisas de COUTO
(1996): a) maior incidência entre indivíduos de idade variando de 18 a 30 anos; b) entre as
doenças, o resfriado, gripes e problemas de garganta e vias aéreas superiores merecem maior
destaque, vindo as tendinites, sinovites e lombalgias, em segundo lugar; c) apesar de ser um
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problema grave no Brasil, o alcoolismo não se destaca como agente importante de faltas ao
trabalho; d) entre os absentas contumazes, a fadiga psíquica ocupa lugar de destaque.
COUTO (1996) destaca a dificuldade de controle deste fator causal, ao ressaltar que se
trata de um fator sobre o qual o dirigente/empresário não pode estabelecer previsão precisa,
além de que as causas mais comuns do absenteísmo por doença são justamente aquelas sobre
as quais os médicos do trabalho não podem ter participação ativa no momento da seleção de
pessoal, como por exemplo, a gripe e o resfriado.
O absenteísmo também possui uma dimensão ética. Quando é provocado
propositalmente por parte do empregado, pode ir de encontro à questão da ética, que, segundo
ROBBINS e COULTER (1998), refere-se às regras e princípios que definem a conduta certa
ou errada. DAVIS e FREDERICK (s.d.) apud ROBBINS e COULTER (1998)
complementam afirmando que agir de maneira ética ou antiética é o resultado de uma
complexa interação entre o estágio de desenvolvimento moral do administrador e muitas
outras variáveis, incluindo características individuais, o projeto estrutural da organização, a
cultura organizacional e a intensidade da questão ética.
Como forma de se reduzirem as práticas antiéticas, expressão adotada no presente
trabalho para referir-se ao absenteísmo praticado propositalmente por parte do empregado, os
mesmos autores recomendam às instituições, dentre outras medidas, implementar treinamento
em ética e estabelecer códigos de ética.
Abordando o absenteísmo pelas estatísticas, KELLOGG (s.d.) apud FONTES (1974)
apud SIQUEIRA (1984), baseando-se em pesquisas realizadas no Estados Unidos, registra,
entre outras, a seguinte afirmação: “o absenteísmo é maior às segundas-feiras e menor às
quartas e quintas-feiras; cresce nos dias anteriores e posteriores aos dias feriados”. Essa
afirmativa, embora não tenha sido investigada com a devida profundidade para se apurarem as
suas efetivas causas, suscita reflexões, capazes de levar a algumas possíveis conclusões, como
a de classificar essa espécie de absenteísmo por incapacidade não física, conforme sugerido
por SALAZAR (1976) apud SIQUEIRA (1984).
As investigações de JAMATI (1962) acerca do absenteísmo por parte das
trabalhadoras nas indústrias, apontam para o fato de que o índice de absenteísmo no trabalho
por parte das mulheres é maior do que o dos homens: “(...) quaisquer que sejam as cifras
sobre absenteísmo que se consulte a respeito dos diversos ramos econômicos dos diversos
países, sempre poderá comprovar-se que o absenteísmo das mulheres é superior ao dos
homens” (JAMATI, 1962, p. 275).
Essa autora atenta para o fato de que as causas desse maior nível de absenteísmo
feminino não se restringem apenas à intervenção de fatores de ordem biológica.
Complementando esta idéia, SOKOLOWSKA (1965), em seus estudos sobre as diferentes
atitudes dos homens e das mulheres em relação ao trabalho, sustenta que “A freqüência das
ausências no trabalho certificadas pelo médico com objetivo de acompanhar um membro
da família que se encontre enfermo é, por conseguinte, mais elevada entre as mulheres do
que entre os homens.” (SOKOLOWSKA, 1965, P. 46)
Ressalta ainda SOKOLOWSKA (1965), baseando-se em uma análise mais detalhada,
que enquanto os homens utilizam licenças por razões relacionadas com seu próprio estado de
saúde, em muitos casos, as mulheres as utilizam para acompanhar a enfermidade de um
membro da família, em sua grande maioria crianças. JAMATI (1962) reforça esta afirmativa:
“A presença de filhos no lar provoca ausências freqüentes.” (1962, p. 279) e detalha essas
estatísticas, ao citar que a maior freqüência de ausências ao trabalho se dá entre mulheres de
25 a 29 anos de idade, o que reflete a maior probabilidade da presença de um filho com pouca
idade no lar.
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Ainda no tocante aos aspectos de ordem familiar, JAMATI (1962), adentrando no
estado matrimonial da empregada, demonstra que, por ordem de importância, as mulheres
casadas são as que mais se ausentam do trabalho, seguidas das divorciadas, viúvas e solteiras.
Como outras razões para o maior grau de absenteísmo por parte das mulheres,
JAMATI (1962) destaca: a distância entre o domicílio da empregada e o seu local de trabalho;
o horário integral de trabalho, que acaba por limitá-las na realização de seus afazeres
domésticos, que, ainda na atualidade, em termos percentuais, continua sendo de maior
incumbência dessas do que dos homens.
SOKOLOWSKA (1965), com intuito de demonstrar fatores relevantes a serem
considerados ao se estudar o absenteísmo em termos comparativos entre ambos os sexos,
ressalta o lugar do trabalho na escala de valores das mulheres em relação ao dos homens e a
grande variabilidade de características (biológicas e psicológicas) peculiares de cada sexo. A
revista “O DIRIGENTE INDUSTRIAL”, referenciada por SIQUEIRA (1984), acrescenta
ainda as situações orgânicas, como a tensão-pré-menstrual e os conseqüentes sintomas
nervosos/dolorosos que antecedem a menstruação, bem como o período de gravidez ou
aleitamento.
Ainda dentro da dimensão estatística do absenteísmo, SINZATO (1997) demonstrou
um surpreendente resultado de sua pesquisa acerca do fator causal do absenteísmo
relacionado a doenças, ao afirmar que apenas 10% dos casos investigados referem-se à
doença pura e incapacitante, sendo, portanto, 90% dos casos apontados como ocasionados em
decorrência da motivação individual de cada empregado.
Caracterização da organização estudada
Este estudo englobou como universo de pesquisa toda a população integrante de uma
instituição de ensino público, localizada no Distrito Federal, que, por consenso entre o
presente pesquisador e os membros da direção dessa instituição, teve seu nome resguardado.
Como forma de mencioná-la no decorrer do presente trabalho, adotou-se o pseudônimo
Ensinar.
A Ensinar é a primeira instituição brasileira, em sua área de atuação e domínio, a
promover a educação profissional, de níveis básico, técnico e tecnológico. Dentre os serviços
de ensino oferecidos por essa instituição, destacam-se a estruturação da musicalização
infantil, a musicografia braille, oferta de tecnologias MIDI aplicadas à música, composição
musical, arranjos musicais através de softwares, técnicas de gravação e sonorização de
espetáculos, dentre outros.
No tocante à sua estrutura organizacional, a Ensinar compõe-se de cinco níveis de
articulação das ações pedagógicas, artísticas e administrativas, sendo eles: Direção, Gerência,
Coordenação, Supervisão e Núcleo.
No organograma, esses níveis apresentam-se da seguinte forma: a Direção vincula-se à
Secretaria de Estado de Educação (SEE) por intermédio do Departamento de Educação
Profissional (DEP). Subordinadas à Direção encontram-se a Gerência administrativa, a
Gerência Pedagógica e a Gerência de Produção e Articulação.
Metodologia da pesquisa
A pesquisa integrante do presente artigo pode ser classificada como um estudo de
caso, qualitativa, aplicada, bibliográfica, documental e de campo (VERGARA, 2000;
MATTAR, 1996; RICHARDSON, 1999). O levantamento de campo foi realizado, seguindo
uma abordagem na linha da etnometodologia. O propósito desse método de pesquisa, no qual
o pesquisador “pede permissão para investigar” (MORAES, 2000), foi o de interagir com o
corpo funcional com uma freqüência e por um período de tempo que permitissem entender
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seus valores e significados (FONSECA, 1997; ROCHA, 1984), tendo-se o absenteísmo na
Ensinar como tema central.
O investigador conviveu durante o período de setembro a novembro de 2000,
realizando 8 (oito) entrevistas com professores e coordenadores pedagógicos do quadro de
pessoal da Ensinar. Essas entrevistas foram realizadas com base em roteiro semi-estruturado,
em profundidade, coexistindo, em paralelo, à prática da observação participante pelo
pesquisador nos locais de trabalho da Ensinar. As observações focaram desde as instalações
físicas até as reações dos respondentes em relações aos temas abordados, como risos,
expressões faciais, manifestações paralingüísticas e outros tipos de atitudes e de comunicação
verbal e não verbal. As perguntas básicas da investigação de campo foram extraídas do marco
teórico. Entretanto, na medida em que as conversações progrediam, outros tipos de perguntas,
não previstas anteriormente, iam sendo elaboradas.
A amostra foi definida pelo critério de tipicidade, o qual, segundo VERGARA (2000),
constitui-se pela seleção de elementos representativos da população-alvo, os quais puderam
ser selecionados de maneira plausível, uma vez que o autor do presente trabalho,
anteriormente ao início da pesquisa de campo, pôde identificar alguns dos professores
absenteístas e assíduos, mediante observação e informações.
Adotou-se o registro dos dados/informações coletados no decorrer das entrevistas por
meio de gravação em fitas cassetes, quando permitido pelos entrevistados. Ao início de cada
entrevista, explicitou-se ao entrevistado o objetivo e a relevância da mesma, a fundamentação
e importância de sua participação, bem como a garantia de confidencialidade da origem das
informações coletadas.
A edição das fitas gravadas gerou um total de 56 páginas digitadas. Nessas edições,
procurou-se transcrever o estilo do português falado, preservando-se aspectos de linguagens
regionais, expressões idiomáticas e outros fenômenos relacionados ao referido idioma, bem
como procurou-se explicitar as percepções do entrevistado, baseando-se em sua postura, sua
expressão corporal, tonalidade de voz e ênfase em determinadas palavras.
O tratamento dos dados deu-se de maneira intrínseca ao método fenomenológico,
citado por VERGARA (2000), o que se justifica pelo fato de a pesquisa fundamentar-se na
ousada intenção de impedir impetuosamente qualquer interrupção por parte de idéias
preconcebidas do pesquisador, que podem ir de encontro a alguns de seus valores, crenças,
suposições, paradigmas, o que, portanto, exige uma rígida e constante vigilância.
Uma vez que a análise e interpretação dos dados ocorreu mediante
“(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter,
através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores que permitam inferir conhecimentos relativos às condições
de produção/recepção dessas mensagens” (BARDIN, 1979:31 apud RICHARDSON
(1999:223),
afirma-se que, para tal fim, utilizou-se a análise de conteúdo.
Visando obter inferências válidas baseadas nas mensagens analisadas, recorreu-se a
comparar seu conteúdo com evidências independentes das fontes que os produziram, no
presente caso, com diversos dados bibliográficos estudados no decorrer da revisão de
literatura, podendo-se nomear esse procedimento, conforme sugestão de RICHARDSON
(1999), de comparação direta.
No que concerne às unidades de registro integrantes da análise de conteúdo, pode-se
afirmar que se utilizou, principalmente, a análise temática, uma vez que, baseando-se na
experiência e interpretação das informações por parte do presente pesquisador, pôde-se
extrair, por meio da codificação de uma mensagem, um tema que não estava explicitamente
agregado a ela.
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Análise e apresentação dos dados e resultados
Antes de se demonstrarem os resultados obtidos mediante a pesquisa de campo, é
fundamental discorrer-se sobre duas características funcionais da Ensinar, levantadas
mediante análise documental e observação.
O horário de trabalho é flexível. Tal flexibilidade justifica-se pelo fato de muitos dos
professores da instituição serem musicistas atuantes, profissão que os submete, por exemplo, a
constantes viagens com orquestras e bandas, longos trabalhos em gravações, bem como a
tocar seus instrumentos musicais profissionalmente em ambientes como: casas de shows,
bares, dentre outras diversas atividades, as quais acabam, por diversas vezes, a coincidir com
os horários de expediente de trabalho na Ensinar.
Não há um controle sistemático de freqüência de pessoal. Embora exista o livro de
ponto a ser assinado por todos os empregados da instituição diariamente, o mesmo não pode
ser utilizado como um instrumento de controle das ausências ou freqüências, uma vez que,
freqüentemente, acaba sendo assinado somente no final do mês, independentemente das faltas
ocorridas. As únicas maneiras encontradas para se identificarem e registrarem as faltas ou
atrasos seriam a observação ou fontes de informações verbais, que, de qualquer forma,
também não estão sendo utilizadas. Enfim, conclui-se que há uma total falta de controle no
que se refere às faltas ou atrasos, excetuando-se aquelas justificadas mediante atestados
médicos ou informações prévias pelo próprio professor.
Ao se questionar acerca do nível de orgulho/satisfação em relação ao trabalho, 75%
dos entrevistados demonstraram-se satisfeitos, conforme retratado pela palavras de um dos
respondentes:
“Independentemente do salário baixo, eu escolhi uma área que me satisfaz
intimamente. É uma vantagem que possuo em relação à maioria das pessoas
atualmente. Tenho enorme satisfação em ser um professor e também um musicista,
sendo que realizo-me tocando o meu instrumento, aprecio o ato de transmitir os
meus conhecimentos e experiências, além de sentir um enorme prazer em ver o
aluno crescendo e desenvolvendo-se.”
Os outros 25% restantes afirmaram que só estão nessa profissão com o intuito de
ganharem uma renda extra, pois o que realmente os realiza é a atuação efetiva como
musicistas, entendida como o ato de tocarem os seus instrumentos musicais
profissionalmente, participar de gravações para diversos fins e compor músicas, fato que
sugere a falta de adaptação ao trabalho. Porém, um fato que contribuiu incisivamente na
demonstração de que realmente a inadaptação ao trabalho é um dos fatores materializadores
do absenteísmo foi o desabafo de um dos professores, captado por meio da observação
participante, ao “defender-se” do protesto dos alunos em relação as suas constantes faltas:
“Ainda bem que toco na orquestra! Eu iria preferir a morte se tivesse que trabalhar
exclusivamente com aulas teóricas de música!”
Ao se questionar quanto ao nível de orgulho sentido por serem professores da
Ensinar, todos os respondentes entraram em concordância ao afirmarem que, no meio
musical, ser um professor da referida instituição está relacionado a um certo nível de status,
ligado à imagem de que todos os empregados que dão aula na Ensinar são excelentes
profissionais, tanto no que se refere ao cargo de professor quanto ao de músico. Mesmo
assim, um dos entrevistados afirmou com tom de ironia: “(...) como se os bons professores se
concentrassem exclusivamente aqui... (...)”. Essa afirmativa, até certo ponto, entrou em nível
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de concordância com as exclamações de outros entrevistados ao relatarem que “Há bons
professores e músicos aqui dentro, mas também existem muitos ‘picaretas’!”
Por outro lado, aproximadamente 60% dos respondentes relataram, de forma direta ou
indireta, que, na medida em que o tempo passa e eles percebem que as coisas que deveriam
progredir internamente acabam só regredindo, o entusiasmo pelo trabalho diminui. Um dos
respondentes afirmou que sente um certo preconceito/desprezo por parte da comunidade, não
por ser professor da Ensinar, mas por ser professor de música, fato que acredita estar
diretamente ligado a uma questão de cunho cultural do Brasil.
Uma das questões da entrevista buscou a percepção dos respondentes quanto ao
reconhecimento de seu trabalho por parte da Direção da Ensinar, já que, segundo diversos
teóricos, dentre os quais cita-se SINZATO (1997), essa valorização demonstrada por
superiores hierárquicos pode ser impulsionadora da motivação dos empregados. Essa
motivação, por sua vez, é um dos fatores-chave para que o empregado compareça
assiduamente ao local de trabalho. Ao se propor a referida questão, todos os entrevistados
entraram em concordância ao afirmarem que não percebem reconhecimento pelo trabalho. Os
argumentos variaram entre si, mas sempre mantendo o mesmo teor, dentre os quais destacamse:
“Olha, perceber eu até já percebi. Mas sabe aquele ‘tapinha nas costas’ que
é o mesmo que nada? Pois é, foi esse!”;
“Nunca percebi, nem por palavras e nem por atos.”;
“Já fazem 8 anos que eu trabalho aqui e nunca percebi nenhum
reconhecimento.”;
“Eu percebo um total ‘absenteísmo’ de reconhecimento, isso sim!”;
“Reconhecimento? Se puderem passar um trator por cima de nós, passam
por cima de todo mundo!”
“Na verdade, a Direção desconhece totalmente o que ocorre por aqui. Você
percebe que, dando ou não dando aula, não fará diferença nenhuma. Por isso é que
acontece tanto problema por aqui!”
Esses relatos sugerem a quase inexistência de reconhecimento por parte da Direção,
seja verbalmente, seja por meio de atitudes. Já em relação às Coordenações, alguns poucos
respondentes afirmaram perceberem reconhecimento pelo trabalho. No tocante ao cliente
externo, ou seja, alunos e comunidade, a percepção positiva quanto ao reconhecimento foi
unânime entre todos.
Ao definirem a Ensinar, metaforicamente comparada a uma pessoa, os respondentes
relacionaram diversos aspectos que consideram como característicos da organização, dentre
os quais, citam-se: desorganização, vaidade, obesidade, sedentarismo, preconceito,
paternalismo, potencial de crescimento, falta de controle e excelentes recursos humanos,
conforme podem ser observados incorporados a alguns dos relatos a seguir:
“Seria uma pessoa desorganizada. Uma mulher vaidosa, que se veste com
roupas espetaculares, muito bem maquiada, cabelo arrumado, chamando bastante
atenção, mas... as peças de roupas íntimas sempre estariam sujas.”;
“Seria uma senhora extremamente gorda, inchada mesmo, necessitando um
exercício físico mais intensivo. Eu até acredito que ela faça exercícios de final de
semana, na melhor das intenções, mas que não resolvem nada. Seria ainda uma
pessoa cheia de preconceitos, mas extremamente ‘maternalista’ com os seus ‘filhos’
[empregados - N.A.] e bastante desorganizada. Não seria muito ‘limpinha’ não,
embora eu acredite que esteja passando por uma faxina atualmente.”;
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“Seria uma adolescente, com muita efervescência, muitos hormônios, com
muitos desejos, mas ainda bastante descontrolada.”;
“Seria um pessoa desorganizada. Como é que pode querer implementar um
terceiro grau se não sabe administrar nem mesmo o apagador dela?!”;
“Seria um pessoa com muito potencial, com uma função muito importante
perante a sociedade, possuidora de ótimos ‘órgãos’ internos, mas... totalmente
desorganizada, cabelos esvoaçados, nenhum dos órgãos no lugar. Necessitaria se
reorganizar, partindo do pé mesmo, limpando, cortando e pintando as unhas,
penteando os cabelos, embora que eu acredite que tal higiene já esteja se iniciando.”
A análise das afirmativas acima sugere que a Ensinar, embora possua excelentes
recursos humanos, está com excesso de pessoal, com predominância de um espírito
paternalista entre os relacionamentos hierárquicos, além de estar necessitando de passar por
uma reformulação administrativa, com enfoque em controle e organização.
Ao se referirem ao índice de motivação para execução do trabalho que percebem em si
mesmos no momento atual, a grande maioria dos entrevistados demonstrou e reforçou
verbalmente considerável desmotivação por diversos fatores, entre os quais, destaca-se o alto
nível de insatisfação relacionado às condições de trabalho, fato que pôde também ser
percebido por meio da observação participante em diversas situações. Citaram a precariedade
ou, até mesmo, a falta de instrumentos básicos para a execução do trabalho, como canetas
esferográficas e apagadores. Um dos professores, no decorrer de sua aula, chegou a declarar:
“Eu me nego a comprar por conta própria uma caneta ou um apagador que seja. Vocês me
desculpem, já que não poderei cumprir todo o meu conteúdo de maneira apropriada, mas a
culpa não é minha!”
Um outro entrevistado declarou que, além de comprar de uma a duas canetas
esferográficas para suas aulas expositivas mensalmente, ele chega a gastar, aproximadamente,
cento e vinte reais em cópias de partituras, já que, segundo este entrevistado, a instituição não
oferece nem mesmo uma cota mínima de cópias para cada professor e que boa parte dos
alunos não tem a menor condição financeira de adquiri-las. Sendo assim, este respondente
entende que, se não fornecer por conta própria as partituras para os alunos, o rendimento de
suas aulas cairá consideravelmente.
Um dos entrevistados acrescentou como uma das causas propulsoras da sua
desmotivação o fato de não se sentir apto para ser um educador. Este respondente sustenta
que, para ser professor profissional, não basta estudar de quatro a cinco anos em uma
universidade e obter a licenciatura exigida como requisito-chave pela SEE. Para ele,
necessita-se também de obtenção de um preparo prévio para se educar realmente os alunos,
sendo este, segundo o mesmo entrevistado, o papel mais fundamental dos professores, já que,
“(...) queiram eles ou não, irão exercer influência sobre os seus alunos”. Este relato pode
ser interpretado como uma atual carência e necessidade de treinamento, o qual poderia ser
utilizado como uma das formas de valorizar o capital intelectual da instituição, sustentar e
fortificar a auto-estima dos empregados e, conseqüentemente, elevar o nível de motivação
desses profissionais.
Outro professor declarou, em sala de aula, a sua insatisfação quanto a um aspecto que,
segundo ele, põe a saúde de todos em risco. Referia-se ele ao material de que é composto o
teto das salas de aula, o qual desprende partículas que, segundo ele, são extremamente
perniciosas à saúde.
Outra causa citada por todos os entrevistados como propulsora da desmotivação
refere-se aos considerados “baixos e injustos salários”. Já a minoria de professores que
demonstraram ao menos algum nível de satisfação, justificaram-na gerada exclusivamente
por sentirem-se realizados por estudarem o que gostam, por lecionarem na área afim com seus
interesses e pela satisfação em acompanhar o desenvolvimento dos alunos.
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Duas questões da entrevista, intrínsecas à temática deste estudo, disseram respeito à
opinião dos respondentes quanto às principais causas geradoras do absenteísmo e a possíveis
confidências de colegas quanto aos motivos pelos quais faltam ou atrasam.
Uma das causas geradoras relatadas foi a de ordem salarial. Na opinião de um dos
respondentes:
“A falta de dinheiro acarreta uma série de problemas. O professor se
alimenta mal, reside mal, se priva de consumir diversas coisas que gostaria. Com
isso, acaba se frustrando. Tal frustração acumulada acarreta problemas de ordem
emocional que, por sua vez, geram uma indisposição ou até mesmo uma doença.”
Essa afirmativa pode ser interpretada como um reforço à sustentação de COUTO
(1996), no fato de que condições precárias de habitação podem aumentar a incidência de
determinadas doenças, conforme demonstrado no marco teórico do presente trabalho.
Em seguida, o mesmo entrevistado exemplificou sua afirmativa com o caso de um
“colega que foi três vezes a livraria para estudar um livro, sendo que não dispunha do
dinheiro para comprá-lo”, exemplificando, ainda, por meio do caso de um “outro colega que
telefonou para sala dos professores implorando para que alguém doasse dois pneus
‘recapiados’, já que os do carro dele não tinham mais nenhuma condição de uso e ele não
tinha dinheiro para comprá-los”.
A questão salarial remeteu à deficiência de um sistema de aumentos salariais
vinculados ao tempo de serviço. Nas palavras de um dos entrevistados:
“Só existem três barreiras, as quais são ultrapassadas por tempo de serviço e
realização de cursos. Iniciamos recebendo R$ 950,00 por mês. Após seis ou sete
anos, passamos a receber aproximadamente R$ 1.300,00. Depois de toda uma vida
de trabalho, com trinta anos de serviço, o salário passa para aproximadamente R$
2.000,00. Se o professor tiver uma pós-graduação, talvez se aposente com R$
2.500,00.”
Na opinião de um outro entrevistado, o fator causal salarial como propulsor do
absenteísmo já é um fator histórico. Esse respondente defende que “o salário do professor
mantem-se baixo e injusto intencionalmente, como uma forma de desvalorizar o ensino
público brasileiro ao máximo possível”.
Um outro fator causal apontado como gerador do absenteísmo foi o de personalidade.
Segundo um informante, um colega muito próximo a ele “sempre atrasa, embora não dê
aulas no primeiro horário do período matutino, justamente visando evitar o atraso, possua
automóvel, resida bastante próximo ao local de trabalho e aparente estar extremamente
satisfeito com sua profissão”. Relatou, ainda, não acreditar que esse colega aja dessa forma
intencionalmente, uma vez que “ele é assim na vida pessoal. Sempre está atrasado para seus
compromissos! O caso dele é uma questão de ‘enrolação’ não-proposital.”
Alguns outros respondentes sustentaram a idéia de que “há muitos ‘picaretas’ na
Ensinar”. Como forma de retratar esses nomeados “picaretas”, um informante descreveu que
o professor “picareta” falta propositalmente, porque “não está nem aí para nada,
principalmente após ter aprendido que, vindo dar aula ou não, não fará a menor
diferença”, opinião reforçada por dois outros respondentes ao afirmarem que “os ‘picaretas’
geralmente possuem alguém ‘maior’ para passar a mão em suas cabeças”.
Segundo um dos entrevistados, a Ensinar é
“um grande centro de funcionalismo público. Os professores não possuem
qualquer comprometimento com o resultado final do grupo, faltando por qualquer
motivo, até mesmo para ‘tratar’ o cabelo, irresponsabilidade generalizada!”
Conforme pode-se identificar, esta declaração enfatiza aspectos característicos do fator
causal cultural do absenteísmo, classificado por COUTO (1996) no marco teórico do presente
trabalho.
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Um dos entrevistados descreveu uma das justificativa que afirma já ter escutado
diversas vezes de colegas que são absentas contumazes: “o governo finge que me paga um
salário justo, eu finjo que recebo com satisfação e, conseqüentemente, irei fingir que dou
aulas”, afirmativa que acaba por ressaltar mais uma vez o fator causal de ordem salarial.
Ainda referindo-se aos denominados “picaretas”, alguns dos entrevistados declararam
que estes são “extremamente prejudiciais para a saúde da instituição”, uma vez que, ao
praticarem o absenteísmo, acabam por gerar um “círculo vicioso”, influenciando os colegas
que se sentem injustiçados a também aderirem a essas práticas.
Um outro entrevistado evidenciou como fator gerador do absenteísmo o reforço dado
pela própria Direção, ao, por exemplo, declarar em uma reunião de professores: “Tem
professores que faltam e atrasam muito, mas são ótimos professores, já outros que são
assíduos não são tão bons assim.” Este respondente interpretou essa declaração como uma
das maneiras da Direção para “passar a mão na cabeça de alguns professores
‘queridinhos’”, raciocínio também sustentado por outros informantes, conforme já ressaltado
anteriormente.
Segundo um outro informante, a Direção/Coordenação também reforça o absenteísmo
ao deixar de punir os absentas, sendo que, omitindo-se de tal responsabilidade, acaba por
gerar um sentimento de injustiça e de desigualdade entre os empregados, fato que acaba
levando os que são assíduos a sentirem-se no direito de também faltarem ou se atrasarem.
Por intermédio da análise dos três parágrafos anteriores, pode se identificar um alto
nível de concordância entre as declarações dos entrevistados e as afirmativas de COUTO
(1996) ao referir-se aos fatores causais do absenteísmo de ordem cultural nas organizações.
Por meio do relato de dois coordenadores, pôde-se identificar o reforço dado à cultura
do absenteísmo na Ensinar. Ao se questionar quanto à existência ou não do absenteísmo, um
desses respondentes, afirmou: “É o nosso maior problema atualmente! Praticamente todos
os dias, eu tenho que largar minhas atividades na coordenação e correr para uma sala de
aula para ‘cobrir’ um professor que faltou e nem sequer nos avisou. É uma ‘loucura’!”
Já, ao se questionar acerca das medidas que a instituição poderia adotar para evitar o
absenteísmo, o outro respondente afirmou: “Ando pensando em requerer a contratação de
mais professores do que o suficiente para o nosso quadro, justamente para que possam
‘cobrir’ essas tão freqüentes faltas. O que você acha? Não é uma boa estratégia?”
O pesquisador pôde ainda registrar, por intermédio da observação participante, a
seguinte declaração de um coordenador pedagógico, ao se referir aos problemas gerados por
um absenta contumaz: “Não há nada que posso fazer! Não estou aqui para demitir e nem
punir ninguém, mas tão somente para orientar a conduta ideal.”
Outro fator relatado por um entrevistado como gerador do absenteísmo foi o
relacionado aos problemas de transporte, sendo que
“muitos que não têm condições de comprar um automóvel, sentem-se
frustrados por ter que pegar um ônibus para vir ao trabalho, o qual deveria pelo
menos, dar-lhe condições salariais para adquirir o automóvel. Sem mencionar a
situação atual de nosso país, que acaba por gerar greves de ônibus constantes, fato
que impossibilita de vez a este professor comparecer à Ensinar, principalmente
quando a sua casa fica distante da instituição.”
Esta declaração pode ser interpretada como concordante com as afirmativas de
JAMATI (1962) e COUTO (1996), ao referirem-se ao absenteísmo propulsionado pela
distância entre a residência do empregado e o trabalho.
O fator relacionado a doenças como causador do absenteísmo foi apontado somente
pelos professores que se dizem assíduos, ao relatarem por exemplo: “somente falto em casos
extremos como doenças graves que realmente me impossibilitem de vir”, afirmativa que,
para merecer a devida aceitação de autenticidade, carece de uma cuidadosa investigação por
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parte de um especialista em medicina e saúde do trabalho como SINZATO (1997), o qual
sustenta que, no fator causal do absenteísmo por doenças, 90% dos casos referem-se à
motivação individual de cada empregado, sendo, portanto, apenas 10% ligados à doença pura
e incapacitante, conforme descrito no marco teórico do presente trabalho.
Segundo alguns informantes, identificou-se que um dos fatores que contribui
substancialmente para faltas e atrasos é a flexibilidade que a instituição oferece aos
professores. De acordo com um respondente, diversos professores “simplesmente informam
que irão viajar, que possuem outros afazeres. Inclusive, se você investigar, concluirá que às
sextas e segundas-feiras, além de semanas que possuem feriados, é muito natural diversos
professores ‘emendarem’ inteiramente”.
Sustentando este mesmo raciocínio, um outro entrevistado, ao referir-se ao horário
flexível, afirmou que
“o problema é que aqui dentro tudo ocorre como uma grande troca de
favores. Não que esteja incorreto, pois até considero uma medida inteligente para
manter professores bons aqui dentro, mas não deveriam passar essa imagem de que:
‘Nós fomos bonzinhos, agora você nos deve um favor’.”
Outro respondente declarou que, na Ensinar, prevalece um contrato psicológico: “Eu
já cheguei a passar o dia inteiro aqui e nenhum superior hierárquico me viu um instante
sequer.” Complementando este raciocínio, informou que “eles chegam a nos telefonar no
final do mês para comparecermos e assinarmos a folha de ponto, sem necessitar de
qualquer justificativa”, afirmativa que pôde ser confirmada por meio da declaração de um
empregado do setor de pessoal da Ensinar, ao confidenciar que, geralmente, nem há
necessidade de contactar o professor para assiná-la, sendo que “essa folha de ponto fica o
mês inteiro na sala dos professores à disposição dos mesmos para assinarem quando bem
entenderem, sem controle de ninguém”.
Reforçando as afirmativas acima, um outro entrevistado testemunhou que
“Existem professores que só aparecem na instituição uma vez por mês para
assinar a folha de ponto, e outros que, inclusive, moram em outros estados, não
aparecem nem sequer uma vez, mas a folha de ponto aparece assinada e eles
continuam recebendo os seus salários.”
Em seguida, em tom de descontentamento, esse mesmo entrevistado declarou: “tratase mesmo de uma ‘máfia’, basta que o professor faça parte da ‘turma’, da ‘panela’
mesmo”.
Mediante análise dos dados/informações/atitudes observados e coletados, pôde-se
inferir que um outro possível fator gerador do absenteísmo na instituição refere-se ao
andamento dos relacionamentos humanos internos. Nas palavras de um dos entrevistados
“Existe um departamento, ao qual estão subordinados, aproximadamente,
vinte professores. Antigamente o relacionamento era bom, até que ocorreram tantas
mudanças de coordenação que o grupo acabou por se deteriorar. Se hoje este
departamento possui vinte professores, então existem vinte ‘panelas’, trata-se de
individualismo mesmo!”
De acordo com outro entrevistado, a sua relação com toda a população da Ensinar
“não chega nem perto do que realmente gostaria. Vejo, da parte da Coordenação, um certo
autoritarismo disfarçado, que sei que está diretamente relacionado com a pressão que vem
de cima, da Direção.” O mesmo entrevistado opinou ainda que
“Tudo se resume na questão do respeito pelo nosso trabalho. Não me refiro
só à população da instituição, mas ao pagar baixos salários, por exemplo, o governo
está nos desrespeitando, a própria sociedade está nos desrespeitando!”
Sustentando essa mesma idéia, um outro informante afirmou:
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“Como podem querer ser respeitados se não nos respeitam?! Não me refiro
só à população da escola, mas à comunidade, ao governo. Basta olharmos para a
greve dos professores atual [referindo-se à greve dos professores das universidades
federais ocorrida no 2.º semestre de 2001 no Brasil – N.A.]. O governo já chegou a
negociar com alguns funcionários, mas não com os professores. É aí que nós
podemos ver que somos ‘o cocô da mosca do cavalo do bandido’ mesmo, é assim que
nos enxergam!”
Ainda referindo-se ao conceito de respeito, um dos respondentes afirmou que:
“para que haja verdadeiramente respeito entre duas partes, é necessário que
o respeito seja mútuo. Até mesmo na relação aluno/professor, o aluno tem que
fazer-se respeitar, exigindo, por exemplo, a assiduidade e pontualidade. Quando eu
chego atrasado e o aluno reclama, eu fico de ‘cabeça baixa’, e ainda dou toda razão
para o aluno, sendo que ele não tem culpa, pelo menos não diretamente, de nossa
situação atual.”
Outra possível causa geradora do absenteísmo apontada por um dos entrevistados
refere-se a questões familiares.
Esse entrevistado, confirmando JAMATI (1962), relatou que
“Como mãe divorciada, vejo-me na incumbência de, além de trabalhar
muito, resolver literalmente tudo o que diga respeito a minha casa e filha. Tenho
que acordar cedo, preparar o café, acordar a minha filha, vesti-la, preparar sua
maleta, ordenar tudo o que irei necessitar para o meu dia de trabalho, levar a
menina para a escola e me dirigir para o trabalho em meio aos engarrafamentos,
para chegar às 08:00h em ponto. Mas o pior mesmo é no horário de almoço, em que
saio do trabalho um pouco depois de 12:00h, busco a minha filha, chego em casa e
preparo o almoço, momento em que procuro realizar outras tarefas pendentes
simultaneamente. Após o breve almoço, levo a minha filha a um cursinho e volto
rapidamente para o trabalho, novamente em meio aos engarrafamentos, tendo que
chegar 14:00h, quando não às 13:45h para reuniões. Os meus atrasos, muitas vezes,
acabam sendo inevitáveis.”
Outro entrevistado sugeriu que uma possível causa do absenteísmo seja decorrente da
natureza do trabalho, não pelo aspecto de stress gerado ao se lidar com várias pessoas
simultaneamente, mas pelo fato de que algumas profissões, como a de professor, exigem um
envolvimento por parte do empregado muito maior do que diversas outras, sendo que os
professores “são obrigados” a trabalhar além do horário estipulado pelo contrato de trabalho,
uma vez que precisam elaborar as aulas, estudar constantemente para se manterem
atualizados, corrigir provas, ajudar alunos extra classe, entre outras atividades, fato que,
segundo sua visão, acaba entrando em contra-senso com a baixa remuneração.
Conclusões e Sugestões
Mediante o que foi coletado e analisado no decorrer da pesquisa de campo, pôde-se
concluir que as causas geradoras do absenteísmo por parte do corpo docente na organização
estudada provêm de diversas naturezas.
No intuito de facilitar a visualização dessas causas, as mesmas são apresentadas a
seguir: a) insatisfação em relação à remuneração; b) clima organizacional desfavorável; c)
problemas de ordem familiar; d) inadaptação dos empregados ao trabalho; e) qualidade
deficiente da Direção/Coordenações; f) falta de espírito de equipe/falta de coesão de grupo; g)
fragilidade dos relacionamentos interpessoais; h) fatores de personalidade; i) natureza do
trabalho; j) ausência de reconhecimento por parte da Direção/Coordenações; l) insatisfação
em relação às condições de trabalho; m) sentimento de inaptidão para exercer o cargo de
educador; n) problemas de transporte; o) doenças diversas; p) elevada flexibilidade em
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relação ao horário de trabalho; q) falta de controle, organização e autoridade por parte da
Direção; r) sentimento de desigualdade e injustiça; s) suposta formação de grupos informais
que se apóiam mutuamente nas práticas do absenteísmo.
Entre as recomendações que objetivam a minimização ou, até mesmo, a anulação do
absenteísmo, destacam-se a implementação de programas de treinamento e desenvolvimento
dos recursos humanos, a adoção de feedbacks entre os níveis hierárquicos, além de,
aprofundamento de estudos em temas tais como: motivação, stress, relacionamentos
interpessoais e ética, todos com enfoque organizacional.
Espera-se que este trabalho possa contribuir para a ciência da administração,
estudando-se, com maior profundidade, as diversas dimensões das causas do absenteísmo,
como as psicológicas, antropológicas, culturais e sociais, entre outras.
Ressalta-se que o presente trabalho apresentou suas limitações, como o tamanho da
amostra, as visões dos próprios entrevistados, uma possível falha de observação do
pesquisador e a pressão do tempo em que foi realizado.
Finalmente, esclarece-se que este trabalho não tem a pretensão de ser definitivo, mas,
sim, de que servir como ponto de partida para futuros estudos acerca do absenteísmo.
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Absenteísmo Docente em Instituição de Ensino Público Autoria