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São Paulo, 16 de junho de 2000.
Ilmo Sr.
Dr. José Mário Miranda Abdo
Diretor Geral
Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL
REF: Audiência Pública 02/2000 – Regras do Mercado Atacadista de
Energia
Prezado Dr. Abdo:
A ENRON agradece à ANEEL pela oportunidade de oferecer
contribuições referentes à Audiência Pública 02/2000, relativa à
homologação das Regras do MAE (Mercado Atacadista de Energia).
A ENRON entende que o processo de Audiência Pública para
homologação das Regras do MAE pela ANEEL será dividido em duas
etapas. Em uma primeira etapa, a ANEEL estará compilando opiniões gerais
sobre o assunto. Com base nestas opiniões a serem fornecidas pelos diversos
agentes setoriais e pelos demais interessados, a ANEEL preparará e tornará
público um documento identificando os aspectos mais relevantes, os quais
serão objeto de análise mais aprofundada na segunda fase desta mesma
Audiência Pública.
As contribuições que estão sendo agora oferecidas pela ENRON
referem-se exclusivamente à primeira fase da Audiência Pública supra.
Tecem comentários sobre o conteúdo básico das Regras do MAE, bem como
sobre o processo de desenvolvimento das mesmas, sugerindo algumas
medidas para acelerar o processo de homologação. A ENRON entende que
as regras do MAE estão no caminho crítico de implementação do Mercado
Atacadista de Energia.
Como observação de caráter geral, a ENRON gostaria de externar sua
preocupação quanto à excessiva demora no processo de elaboração das
Regras do MAE, e por decorrência da implementação do Mercado
Atacadista de Energia como um todo. As Regras do MAE, que foram
elaboradas pelo Ministério de Minas e Energia e entregues ao então recémcriado Mercado Atacadista de Energia em novembro de 1998, deveriam ter
sido revisadas e aprovadas por esta instituição noventa dias após a primeira
Assembléia de criação do MAE, em outubro de 1998 (cláusula 44 do Acordo
de Mercado). Infelizmente, e devido a uma série de razões que fogem ao
escopo deste documento, o processo de refinamento e aprovação das regras
sofreu inúmeros atrasos, devendo estar concluído somente ao final do ano
em curso. A ENRON entende que estes atrasos são de extrema seriedade
para a criação de um mercado competitivo de energia elétrica.
A ENRON entente também que, a despeito das razões e justificativas
alegadas para este atraso, existe um custo social resultante da demora na
implementação do MAE. Este custo se torna mais preocupante neste
momento crítico do setor elétrico, quando que a implementação do Mercado
Atacadista de Energia passa a ser percebida como uma condição sine qua
non para a viabilização do programa emergencial das térmicas do Governo
Brasileiro. Os investidores potenciais deste programa percebem um risco
regulatório muito grande em comprometer vultosos capitais ou em celebrar
contratos de longo prazo sem que as regras básicas de funcionamento da
indústria estejam finalizadas e sacramentadas.
Finalmente, a ENRON entende que a ANEEL está perfeitamente
consciente quanto à situação delicada de desequilíbrio entre oferta e
demanda por que está passando o Setor Elétrico Brasileiro e
consequentementete quanto à importância na aprovação imediata das Regras
do MAE. Dentro deste entendimento e objetivos comuns é que a ENRON
está oferecendo as sugestões e colaborações contidas neste documento. Por
facilidade expositiva, as idéias estão organizadas em três seções principais:
-
I. O atraso na implementação das Regras do MAE e do
Mercado Atacadista de Energia propriamente dito
II. A importância da implementação do MAE como elemento
viabilizador do Programa Termelétrico
-
III. Sugestões específicas para acelerar o processo
Cada uma destas seções será detalhada nas páginas que seguem:
I.
O atraso na implementação das Regras do MAE e do Mercado
Atacadista de Energia propriamente dito.
O Mercado Atacadista de Energia e a criação do Operador Nacional do
Sistema foram duas pedras basilares acordadas para o estabelecimento da
competição nos segmentos de geração e de comercialização. Ambos foram
instituídos através de diploma legal amplamente discutido no âmbito do
Poder Executivo e do Congresso Nacional, e que resultou na MP 1531,
posteriormente convertida na Lei 9.648 de 1998.
As regras de funcionamento do Mercado, por sua vez, resultaram de
uma organizada e meticulosa discussão técnica desenvolvida no âmbito do
Projeto RE-SEB, do qual participaram mais de 250 técnicos do Setor
Elétrico, com suporte de consultoria internacional. O assunto foi discutido
em um nível de detalhe excruciante.
As Regras de Mercado, bem como os mecanismos de regência e
organização do mesmo, foram consolidados em um único documento, o
assim chamado Acordo de Mercado, assinado por praticamente todos os
agentes representantes dos segmentos de geração e de consumo. Vale
lembrar que este Acordo, antes de sua assinatura, foi objeto de Consulta
Pública instaurado pela ANEEL.
Em suma, o Acordo de Mercado consolidou um trabalho técnico
exaustivo e meticuloso, contou com o suporte legal e foi aprovado de
acordo com os procedimentos transparentes de instaurados pelo Poder
Concedente.
Este Acordo de Mercado estabelecia que, uma vez criado o Comitê
Executivo do Mercado (COEX), este envidaria seus melhores esforços para
revisar e aprovar as Regras detalhadas de Mercado, em seu formato
algébrico definitivo.
Instaurado o COEX, o mesmo corroborou os prazos para aprovação
das Regras e para a implementação do Mercado Atacadista de Energia, o
qual deveria estar operativo ao início do ano 2000.
Entretanto, as ações empreendidas pelo COEX e pela ASMAE, seu
braço executivo, não foram suficientes para aprovação das Regras do MAE
no prazo acordado (entre os agentes e entre estes e a sociedade). Por razões
das mais diversas possíveis, os prazos de implementação do MAE foram
sendo sucessivamente dilatados.
Não cabe aqui fazer uma análise exaustiva das razões que
determinaram as sucessivas revisões de cronograma. Entretanto, é
importante destacar algumas delas, no sentido de extrair lições de como o
processo pode agora ser acelerado. Algumas das razões mais importantes
que determinaram atrasos na implantação do MAE, podem ser resumidas
como segue:
Fase I.0 + Fase
1) Maior detalhamento e conhecimento das nuances do processo de
implementação – quando da elaboração do orçamento de operação
Fase os conselheiros tomaram
Fase
e investimentos do MAE,
conhecimento
da complexidade do processo, o que de per si exigiu uma revisão
para tornar o cronograma mais realista;
Fase
Fase
2) Cassação da MP 1819 – esta ação forçou uma absorção
intempestiva, por parte da ASMAE, das funções que vinham sendo
executadas pelo GCOI; esta absorção implicou em uma mudança
Fase
de foco dos trabalhos de detalhamento e aprovação das regras
definitivas, o que implicou uma nova revisão do cronograma. Foi
Evolução a
necessário buscar regras para aplicação imediata, o que foi objeto
da Resolução 222/99 da ANEEL;
3) Discussões quanto aos aspectos técnicos das Regras do MAE – em
Evolução a Mercado
“ Pseudo
parte, isto se deve a um preciosismo dos
técnicos que trabalharam
neste projeto; entretanto, em grande parte, as discussões exaustivas
se deviam à busca legítima, por parte dos agentes, de encontrar
soluções favoráveis às suas empresas em particular. Muitas das
regras discutidas implicavam em alocação de renda econômica
entre os segmentos de geração e carga e eram percebidas como
“jogos de soma zero”;
4) Sistema de Governance – o MAE, o COEX e a Assembléia Geral,
não contavam com incentivos e penalidades que fomentassem a
finalização das regras dentro dos prazos acordados; o sistema de
governance levava a um comportamento dos agentes no sentido de
buscar soluções que beneficiassem suas empresas, ainda que isto
comprometesse os prazos de implementação. O todo resultou em
algo inferior a soma de suas partes. No entendimento da ENRON,
este tem sido o fator de maior importância no atraso da aprovação
das regras e do MAE como um todo.
Com base neste diagnóstico aqui descrito de forma expedita e nas
lições extraídas do processo de implementação do MAE nos últimos 18
meses, a ENRON sugerirá, ao final deste documento, algumas
recomendações específicas no sentido de acelerar o processo de
implementação do MAE.
II. A importância da implementação do MAE como elemento
viabilizador do Programa Termelétrico
Implementar o Mercado Atacadista de Energia tem sido até agora, um
componente chave para introduzir concorrência no Setor Elétrico. Este
objetivo é, como já comentado, uma das pedras basilares da reforma do
Setor.
Introduzir concorrência é um objetivo nobre, legítimo, mas que não
está sujeito a uma pressão forte da sociedade para implementação imediata e
intempestiva. Sabe-se que os benefícios da concorrência se materializam a
médio e longo prazo, o que de per si, dá aos agentes e ao governo um grau
de conforto em implementar de forma correta e paulatinamente, sem as
pressões do dia a dia.
Entretanto, o cenário atual mudou radicalmente. O Setor Elétrico sofre
ameaça de um racionamento de energia sem proporções, o que mobilizou o
governo e os agentes a buscarem uma solução a curto prazo. Desta
mobilização resultou o Programa Emergencial de Termelétricas do MME.
A ENRON entende que a finalização da Regras do MAE e a
implementação do Mercado são indispensáveis para o êxito deste programa
emergencial. Não ter as regras claramente definidas e os procedimentos de
Mercado operando efetivamente, é um risco regulatório muito grande para
os investidores comprometidos em alocar vultosos capitais para a
consecução do programa.
As unidades geradoras são particularmente “sensíveis” aos riscos
regulatórios do mercado. Apenas a título de ilustração, seguem algumas
inquietudes que são críticas quando da análise do projeto por parte dos
investidores. As Regras do MAE abordam e definem todos estes aspectos,
faltando apenas uma finalização e homologação oficial.
a) Formação de Preços I – Como será determinado o preço spot e
qual o grau de transparência na definição dos parâmetros de
entrada dos modelos?
b) Formação de Preços II – O Encargo de Capacidade será
implementado? Como será calculado e “discretizado” em
diferentes patamares
c) Formação de Preços III – Haverá interferência do MAE e do
Governo no sentido de limitar preços do MAE? Em que áreas? Sob
que circunstâncias? TMO, Encargos de Capacidade, Serviços
Ancilares?
d) Perdas - Como serão calculados e aplicados os fatores de perda?
Incluirão perdas na rede como um todo ou apenas na malha de
transmissão (Rede Básica)?
e) Restrições de Transmissão – Como serão compensadas as plantas
forçadas a gerar fora da ordem de mérito por questões de
estabilidade, falhas na transmissão ou para provimento de serviços
ancilares? As regras “constrained-on” e “constrained-off”
propostas serão aceitas?
f) Oferta de preços – As novas térmicas terão liberdade de determinar
seus preços e condições para fins de despacho (custo marginal e
inflexibilidade)? Estes parâmetros poderão ser “auditados” pelo
MAE, ONS ou ANEEL? Sob que circunstâncias? Apenas em caso
de “market power” ou inteiramente à discrição destes agentes?
g) Registro de Contratos – Os procedimentos que permitem aos
agentes declarações de contratos “ex-post” serão de fato
implementados? (para permitir a celebração de contratos de
capacidade).
Todos estes aspectos são cruciais quando da análise de viabilidade das
usinas, particularmente das térmicas constantes no Programa Emergencial. A
indefinição de um ou mais destes aspectos implica em riscos regulatórios
muito grandes, os quais levarão a longas e complexas discussões entre os
futuros geradores e as concessionárias distribuidoras quando da negociação
dos PPAs (“Power Purchase Agreements”). Riscos e indefinições implicam
que os geradores exigirão preços mais elevados, o que levará, por sua vez, a
novas e intensas discussões entre as concessionárias distribuidoras e a
ANEEL quanto aos termos e condições de repasse.
Tudo isto implica em prazos adicionais, atrasos e desgastes que podem
ser mitigados quando da homologação, tão rápido quanto possível, de um
conjunto coerente e claro que são as Regras do MAE.
Portanto, o sentido de urgência na implementação do MAE passa
agora a ser de extrema prioridade. Não há mais tempo para refinamentos
e discussões de detalhes técnicos de natureza menor. Sucessivos atrasos são
socialmente danosos e inaceitáveis . O compromisso entre qualidade do
produto, defesa de interesses individuais e urgência na implementação deve
ser claramente revisado. A sociedade organizada não pode se dar ao luxo de
permitir sucessivos atrasos como os que vem ocorrendo na implementação
do MAE.
III. Sugestões específicas para acelerar o processo
Em primeiro lugar, é preciso encarar o problema de frente. Há
necessidade de uma consciência muito clara de que o processo de
implementação do MAE está atrasado e que a delonga em consolidar as
regras é um dos fatores que tem determinado este atraso. Deve-se admitir
que houve uma ineficiência do Setor Elétrico como um todo em implementar
o Mercado Atacadista nos prazos devidos.
Em segundo lugar, é interessante avaliar friamente as razões
determinantes do atraso da implementação do MAE, sendo que a mais
importante, na visão da ENRON, se deve a um sistema de Governance com
incentivos e penalidades muito frágeis, que não estimulam os agentes a
implementarem o MAE nas datas aprazadas. Neste sentido, a ENRON
sugere que a ANEEL, como o agente que outorgou uma Autorização para
funcionamento do MAE, adote adequados instrumentos para induzir o seu
mais rápido funcionamento.
Em terceiro lugar, e para dar eficácia às recomendações do item
anterior, a ENRON sugere que a ANEEL deva exercer um papel de
vigilância sobre o andamento dos trabalhos, identificando atrasos, problemas
levantados pelo COEX, contingências, conflitos potenciais entre MAE e
ONS, e outros dados relevantes.
Em quarto lugar, a ENRON recomenda que a ANEEL seja a mais
objetiva possível quando da discussão e homologação das Regras de
Mercado, objeto desta Audiência Pública. Houve um questionamento de
parte de alguns agentes quanto à necessidade ou não da ANEEL ter colocado
as Regras em Audiência Pública, o que poderá implicar em um atraso
adicional na implementação do MAE. Não vamos questionar esta decisão da
ANEEL, tampouco emitir qualquer julgamento de valor quanto à
conveniência ou não de realizar Audiência Pública nesta fase dos trabalhos.
O ponto que a ENRON gostaria de ressaltar é que a ANEEL, ao avaliar as
diversas sugestões, tenha em mente que estas Regras não estão sendo
discutidas a partir de uma “folha branca de papel”. Há uma série de
documentos basilares, tais como a Lei 9.648/98, o Decreto 2.655/98 e o
Acordo de Mercado que devem servir como “âncora” para o processo de
homologação. A ENRON está preocupada sobremaneira com a possibilidade
de que esta Audiência Pública venha a questionar aspectos e decisões que
consubstanciaram o Acordo de Mercado, recaindo em discussões técnicas
intermináveis e não resolvidas no mundo acadêmico internacional. Há
consciência de que as Regras de Mercado aprovadas não representam o
mundo ideal, mas sim representam o melhor compromisso técnico, político e
comercial que o Setor pode formular. Sabe-se também que estas regras não
estão “escritas em pedra” e que passarão por um processo evolutivo natural
nos próximos anos. Desta forma, a ENRON reitera, com grande ênfase, que
a ANEEL tome como ponto de partida o Acordo de Mercado e seja
extremamente seletiva quanto a proposições de mudança de natureza
acadêmica, que não tenham o pragmatismo necessário nem o compromisso
com a implementação do mercado competitivo de energia a curto prazo.
Estes são pontos principais que espelham a visão da ENRON neste
momento, com base nas informações disponíveis. A ENRON estará também
atenta e tecerá comentários sobre documento a ser divulgado brevemente
pela ANEEL como próximo passo desta Audiência.
Como comentário final, a ENRON se coloca inteiramente à disposição
da ANEEL para esclarecimentos adicionais que se façam necessários no
sentido de aperfeiçoar as Regras de Mercado e, principalmente no sentido de
acelerar a implementação do Mercado Atacadista de Energia.
Agradecemos antecipadamente, subscrevemos,
Atenciosamente.
Lindolfo Ernesto Paixão
Vice-Presidente – Assuntos Regulatórios
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