LUÍS HENRIQUE ALVES SOBREIRA MACHADO A EFETIVIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Monografia de curso apresentada como requisito para obtenção de menção e conclusão de pós-graduação da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Orientador: Prof. Júlio Roberto dos Reis BRASÍLIA – DF 2009 Para minha mãe, que me ensinou os valores da vida. A meu pai, que me ensinou a ter uma vida de valores. E a minha irmã, que simboliza tudo isso. “A primeira dimensão de uma vida perfeita é o desenvolvimento das forças interiores de uma pessoa. Ela deve trabalhar incansavelmente para atingir a excelência no campo dos seus esforços, não importa quão humilde seja. Aplique-se seriamente a descobrir qual a sua finalidade na vida e então dedique-se apaixonadamente a realizá-la. Este lúcido esforço progressivo em direção à própria satisfação é o comprimento da vida de um homem.” Martin Luther King RESUMO O novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, denominado de repercussão geral pela Emenda Constitucional nº 45, tem a difícil atribuição de obstruir a quantidade avassaladora de recursos que deságuam no Supremo Tribunal Federal. Tendo em vista esta árdua tarefa a ser cumprida, o presente trabalho busca esclarecer as principais dúvidas atinentes à repercussão geral. Far-se-á, portanto, uma breve digressão histórica para compreender a natureza do instituto. Além disso, será analisada, detalhadamente, a doutrina e a jurisprudência a respeito do tema, e, sobretudo, a forma como se dá o seu processamento. Assim, após detida verificação dos aspectos controvertidos que envolvem a matéria, a monografia tem a incumbência de responder à seguinte proposição: a repercussão geral é um instrumento efetivo a ponto de contribuir para a redução de processos endereçados à Suprema Corte? Palavras-Chave: Constitucional; Processo Civil; Recurso Extraordinário; Requisito de admissibilidade; Repercussão Geral; Lei 11.418/2006; Emenda Regimental nº 21; Represamento do recurso extraordinário/amostragem. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6 1 RECURSO EXTRAORDINÁRIO..................................................................................8 1.1 Da origem do recurso extraordinário à repercussão geral ................................. 8 1.2 Juízo de admissibilidade e de mérito do recurso extraordinário ..................... 19 1.3 A classificação dos requisitos de admissibilidade .............................................. 22 2 REPERCUSSÃO GERAL.............................................................................................26 2.1 Repercussão Geral e a Argüição de Relevância ................................................. 26 2.2 A suposta inconstitucionalidade do instituto da repercussão geral e o caráter objetivo do recurso extraordinário. .................................................................................. 33 2.3 Repercussão Geral – conceito vago ? .................................................................. 39 2.4 Repercussão Geral e o Poder Discricionário...................................................... 44 2.5 Do Direito Intertemporal ..................................................................................... 46 3 LEI 11.418/2006 E A EMENDA REGIMENTAL Nº21 .............................................. 49 3.1 Momento destinado para análise da repercussão geral e o procedimento por meio eletrônico .................................................................................................................... 49 3.2 Competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal para apreciação da repercussão geral ................................................................................................................ 56 3.3 Da irrecorribilidade da decisão que recusa a repercussão geral...................... 61 3.4 Intervenção do amicus curiae .............................................................................. 63 3.5 Repercussão geral por amostragem: a garantia de efetividade do instituto ... 67 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 74 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 76 INTRODUÇÃO O presente trabalho tratará do novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, denominado pela Emenda Constitucional nº 45 de Repercussão Geral. A partir de agora, a mais alta Corte do país, pelo menos no que toca à apreciação do recurso extraordinário, somente o conhecerá, se a questão constitucional nele versada transcender os interesses subjetivos da causa. Isto é, só se adentrará na análise do mérito se a matéria contida no bojo do recurso for de alta pertinência para a sociedade, fazendo com que assuntos corriqueiros não façam parte do cotidiano da Corte. Como método de trabalho, será feita, inicialmente, uma abordagem da matéria partindo de premissas gerais. Para isso, mister se faz analisar, de forma superficial, o recurso extraordinário. Em um segundo momento, esmiuçando o tema, a monografia trará à baila as questões controvertidas atinentes à repercussão geral e possíveis soluções. Os capítulos serão divididos na seguinte ordem: a) do recurso extraordinário; b) a repercussão geral; c) Lei 11.418/2006 e Emenda Regimental nº 21. No que toca ao primeiro capítulo, far-se-á uma digressão histórica para que se possa compreender a origem, a causa, o processamento e os problemas que assolam o recurso extraordinário. Já o segundo capítulo tratará da repercussão geral. Será analisada a constitucionalidade do instituto, o seu conceito, bem como a natureza do poder concedido à Suprema Corte. Por derradeiro, o último capítulo da monografia enfrenta as principais dúvidas que acercam o novel instituto. Dentre os mais relevantes podem-se citar: o momento exato para apreciação do “incidente”; o procedimento por meio eletrônico; detalhes sobre a intervenção do amicus curiae e, sobretudo, o engenhoso sistema de represamento dos recursos extraordinários nas instâncias inferiores, onde reside a real possibilidade de êxito da repercussão geral. Desse modo, o trabalho faz questão de ressaltar que se o Legislador não tivesse ousado a ponto de inserir no instituto o procedimento que se conhece por amostragem, a efetividade do mecanismo da repercussão geral restaria seriamente comprometida. Portanto, evidenciar-se-á, ao longo de toda monografia, que o exercício individualizado da jurisdição do Supremo Tribunal Federal encontra-se totalmente inviável, além de obsoleto. Por isso, a implementação da medida vem em boa hora. No entanto, somente o tempo dirá se o instituto da repercussão geral irá vingar ou se tornará mais uma providência inócua que irá para os escaninhos e alfarrábios da história do direito brasileiro. 1 DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.1 Da origem do recurso extraordinário à repercussão geral Superado o período monárquico, com a proclamação da República a 15 de novembro de 1889, inúmeras modificações ocorreram do ponto de vista político, jurídico, social, econômico e até religioso com a jovem república brasileira. Dentre as modificações mais significativas, à guisa de exemplos, podem-se citar: a promulgação da primeira Constituição brasileira Republicana, de 1891, inspirada na Constituição norte-americana, por orientação de Rui Barbosa; a instauração da federação, como forma de estado; a adoção do sistema da tripartição de poderes; a adesão ao regime presidencialista; a inserção do controle judicial incidental de constitucionalidade; o fim do catolicismo como religião oficial, entre outros acontecimentos que marcaram a época.1 Em virtude da nova Constituição, Os Estados Unidos do Brasil, como era denominado, vivenciava um dos momentos mais delicados de toda sua história. Necessário se fazia, a todo custo, reestruturar o Estado, robustecer as instituições e, sobretudo, dinamizar a economia para que o país pudesse adentrar no século XX como uma nação promissora.2 Foi nessa seara, envolto por um momento conturbado e marcado por profundas transformações, que surgiu, antes mesmo de ser promulgada a Constituição de 1891, o recurso extraordinário. O Decreto 848,3 de 11/10/1890, expedido pelo governo provisório, instituiu o respectivo recurso e no ano seguinte, em 24/02/1891, passou a integrar 1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 78 e 79. 2 FONSECA, Annibal Freire da. As Constituições do Brasil. A Constituinte de 1891, o Sistema Constitucional brasileiro, objeções e vantagens. V. 2, p.7 e 8. 3 MACIEL, Adhemar Ferreira. Restrição à admissibilidade de recursos na Suprema Corte dos Estados Unidos e no STF. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9178> “O Decreto nº 848 instituiu o Supremo Tribunal Federal e a Justiça Federal.” Acesso em 15/08/2009. 9 expressamente o texto constitucional, muito embora não tivesse ainda esta exata denominação.4 O recurso endereçado ao Supremo Tribunal Federal tinha como objetivo a análise das sentenças das justiças dos estados em última instância, quando se questionasse sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do estado fosse contra ela, ou se contestasse a validade de leis ou de atos dos governos dos estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do tribunal do estado considerasse válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.5 Desse modo, como se pode constatar, o recurso inspirado no writ of error,6 importado do direito norte americano, possuía função ambivalente. Isto é, visava “garantir a supremacia da lei federal e da Constituição em toda a Federação.”7 O recurso extraordinário era responsável direto pela proteção, austeridade e fiel cumprimento não só da Carta Constitucional, mas também da legislação infraconstitucional. Além disso, o recurso também 4 PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado.São Paulo: Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666 e 1665. “Somente recebeu essa denominação, pela primeira vez, no Regimento Interno do STF de 26/02/1891. A Lei nº 221 de 1894 denominou este recurso de apelação tendo, posteriormente, a Lei nº 1.939 de 1907, alterado novamente o seu nome para recurso extraordinário. Esse nome foi definitivamente adotado, a nível constitucional, a partir da Constituição de 1934, que disciplinava o recurso extraordinário no artigo 76,2,III.” 5 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1891. Artigo 59, §1º, alíneas a e b. 6 MACIEL, Adhemar Ferreira. Restrição à admissibilidade de recursos na Suprema Corte dos Estados Unidos e no Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9178/ COMMAGER, CF, 1958, p. 154. “Na seção 25 da Lei Orgânica Federal Americana (Judiciary Act-1789), estava previsto um recurso judicial contra as decisões finais dos tribunais estaduais de mais alta instância quando se questionasse a validade de lei federal ou de tratado, ou quando tais decisões fossem "repugnant to the constitution, treaties, or laws of the United States". O nome desse meio impugnativo era "writ of error".”. “O recorrente, ao interpor o recurso, alegava error in procedendo ou error in iudicando, isto é, errors of the law (erros de direito) da decisão recorrida, a fim de que a Suprema Corte federal anulasse (cassasse) ou reformasse o julgado.” 7 PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo: Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666. 10 tinha a finalidade de conferir maior segurança jurídica às decisões do Poder Judiciário para que houvesse estabilidade e confiança nas relações sociais.8 No entanto, não tardou a aparecerem os primeiros sintomas ocasionados pela má implementação do recém-criado recurso, e por razões óbvias. Como foi mencionado, o recurso extraordinário é na sua essência uma reprodução fiel do writ of error e isso, infelizmente, gerou graves problemas. Tudo porque há uma dessemelhança fundamental entre ambos os países, qual seja: “a competência legislativa federal, no Brasil, é ampla, ao contrário do que ocorre no direito norte-americano, onde tal competência é bem mais restrita.”9 Conforme leciona Pedro Lessa: “O que diferencia um do outro é que, competindo pela Constituição norteamericana aos Estados legislar sobre o direito civil, comercial e penal, e sendo essa atribuição entre nós conferida ao Congresso Nacional, maior há de ser necessariamente em nosso país o número de casos em que tal recurso pode e deve ser interposto.”10 Sendo assim, tendo em vista a enorme quantidade de recursos interpostos, percebeu-se, em pouco tempo, que o Supremo Tribunal Federal estava sobrecarregado. Era totalmente inviável que um único órgão, composto por somente 15 juízes,11 “pudesse exercer o controle da legalidade e de constitucionalidade das decisões proferidas por todos os demais tribunais do país.”12 8 PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo: Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666. 9 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126. 10 Apud, MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 119. 11 FALCÃO, Djaci. O Poder Judiciário e a Nova Carta Constitucional. Revista de Processo nº53, SP, jan./fev./mar/ 1989, pp. 201-208, p.206. “De acordo com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, o STF seria composto por 15 Ministros. Esse número foi reduzido para 11, em 1931; novamente elevado, mas dessa vez para 16, 1965; sendo composto por 11 Ministros atualmente”. 12 PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo: Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666. 11 Dessa forma, haveria em tese três maneiras para tentar equacionar o problema. Primeiro, seria modificar a Constituição, transferindo parte da competência legislativa da União para os Estados.13 É indubitável que tal medida reduziria drasticamente a quantidade de questões federais a serem suscitadas e, por via de conseqüência, desafogaria a Suprema Corte, a qual tinha a incumbência do controle de legalidade. Segundo, seria criar mecanismos, verdadeiros óbices regimentais, que funcionassem como uma espécie de filtro recursal, impedindo a interposição assoberbada de recursos extraordinários endereçados ao Supremo Tribunal Federal.14 Terceiro, criar um novo Tribunal que ficasse responsável pelo controle da legalidade infraconstitucional. Ao Supremo, tocaria fazer tão-somente o controle de constitucionalidade, sendo, portanto, subtraída parte de sua competência.15 No entanto, as duas primeiras hipóteses não vingaram. No que toca à transferência de competência legislativa da União para os Estados, o problema surgiu por inúmeros motivos, mormente, porque “os limites da repartição regional e local de poderes dependem da natureza e do tipo histórico de federação.”16 Em um sistema federativo que se dá por agregação, proveniente de um tratado internacional dissolúvel que é a Confederação, é comum que os Estados que compõem a Federação tenham suas competências dilatadas pelo fato de gozarem, antes mesmo de seu 13 14 15 16 PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo: Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666. MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. São Paulo: Revista dos Tribunais .4. ed. rev., p. 126. MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. São Paulo: Revista dos Tribunais 4. ed. rev., p. 127. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 475. O autor ainda afirma: “a Constituição de 1988 estruturou um sistema que combina competências exclusivas, privativas e principiológicas com competências comuns e concorrentes, buscando reconstruir o sistema federativo segundo critérios de equilíbrio ditados pela experiência histórica” 12 ingresso, de autonomia própria.17 Isto é, possui de forma ilimitada a denominada “tríplice capacidade: auto-organização e normatização própria; autogoverno e auto-administração.”18 No entanto, “os Estados que ingressam na federação perdem a sua soberania no momento mesmo do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada.”19 Foi o que ocorreu com os Estados Unidos. Por outro lado, o sistema federativo que se dá por desagregação é oriundo de um Estado unitário que se caracteriza pela centralização político-administrativa. Isto é, o governo central detém os poderes principais e suas províncias são na realidade unidades administrativas, e não, unidades políticas com poderes específicos. Nessa vertente, quando se instaura o Estado Federal, é mais do que natural que se torne limitado o campo de atuação legislativa dos Estados membros.20 Foi o que efetivamente aconteceu com o Brasil. Insta frisar que não foi somente por razões históricas que a transferência de competência legislativa da União para os Estados não se efetivou. Na verdade, nunca houve, de fato, qualquer debate ou discussão que trouxesse à baila uma nova revisão constitucional a respeito do tema.21 Deveras, “a falta de vontade política” gerou uma espécie de “hipertrofia legislativa,” sobrecarregando de forma excessiva a competência da União. A segunda hipótese seria criar verdadeiros óbices regimentais para tentar reduzir consideravelmente o número de recursos interpostos perante o Supremo Tribunal 17 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.475. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.São Paulo: Atlas. 20. ed. 2006, p. 255. 19 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado.São Paulo: Saraiva. 11. ed. p. 227. 20 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.475. 21 PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado.São Paulo:Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666. 18 13 Federal. No entanto, “tais tentativas22 ou não lograram êxito ou foram objetos de longas controvérsias.”23 Dessa forma, devido a todas as circunstâncias acima descritas, com o advento da Constituição de 1988, o legislador pátrio optou pela terceira alternativa, já defendida na década de 60, por José Afonso da Silva,24 qual seja: a criação de um novo tribunal, o qual passaria a se chamar Superior Tribunal de Justiça. Este novo Tribunal (STJ) veio a absorver parte considerável da competência até então atribuída ao Supremo Tribunal Federal. A este, caberia tão-somente fazer o controle de constitucionalidade; enquanto aquele tinha a incumbência de fazer o controle da legalidade infraconstitucional. Isto é, a matéria que afetava o recurso extraordinário abarcava tanto o controle de constitucionalidade, como o controle de legalidade. Depois de 1988, o STJ tornou-se competente para processar e julgar o recurso especial e a partir daí passou a ser adjetivado como o “Guardião da Legislação Infraconstitucional”. Nélson Pinto sintetiza: “Na verdade, o recurso especial, previsto no artigo 105, Inciso III, da CF de 1988, nada mais é do que uma derivação do antigo recurso extraordinário, de competência do STF. Portanto, o recurso especial encontra a sua origem no antigo recurso extraordinário, que sofreu com a Constituição de 1988 um desdobramento, passando toda a matéria infraconstitucional para a competência do STJ, que aprecia via recurso especial, permanecendo na 22 23 24 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126 e 127. José Miguel Garcia Medina, em seu livro, faz menção a José Carlos Moreira Alves que rememora as seguintes tentativas: “a Lei 3.396/58 exigiu que o despacho de admissão do recurso extraordinário fosse motivado, à semelhança do que já ocorria com o que não admitia; a Emenda Regimental de 28.08.1963 criou a súmula como instrumento de trabalho para facilitar a fundamentação dos julgados; a Emenda Constitucional 16/65 outorgou ao STF competência para julgar representações de inconstitucionalidade de lei e atos normativos, estaduais e federais, com a finalidade de lhe permitir num único julgamento, solver a questão da constitucionalidade, ou não, dessas normas, o que estancaria, no nascedouro, a fonte de recursos extraordinários que lhe seriam interpostos se a declaração da inconstitucionalidade se tivesse de fazer em cada caso concreto; em 1970 o Regimento Interno estabeleceu uma série de casos de restrições ao recurso extraordinário; em 1977, a EC nº 07, introduziu o instituto da argüição de relevância.” MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126 e 127. MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 128. 14 competência do STF, pela via do recurso extraordinário, apenas a matéria constitucional.”25 Portanto, criar um novo Tribunal foi a alternativa escolhida pelo legislador constituinte para tentar solucionar a crise que vivenciava a Suprema Corte. Apesar de todo esforço empregado, analisando as atribuições, as competências delegadas ao Superior Tribunal de Justiça e os números de processos distribuídos desde 1988, não é difícil notar que o problema, lamentavelmente, só mudou de endereço. Muito embora não se utilize o termo “terceira instância”, foi na verdade o que se fez. Alegava-se que o STJ, julgando a matéria infra em sede de recurso especial, não tinha a incumbência de analisar o caso concreto em si, mas o objetivo a atingir era de uniformizar a jurisprudência e dar maior segurança jurídica às decisões proferidas pelo Poder Judiciário quando envolvesse questões federais. Entretanto, sabe-se que ao julgar o recurso especial, conquanto não reexaminando prova, analisa-se e decide-se o caso concreto por via oblíqua, mesmo não sendo esse o intuito do instituto. Gera, assim, uma espécie de “terceira instância recursal” e conseqüentemente acarreta uma maior morosidade para o processo.26 O ideal era que os Tribunais de Justiça dos Estados atuassem como última instância no que toca às análises de questões federais. Bastaria ter tão-somente uma 1ª(primeira) instância para conhecer o caso e uma 2ª (segunda) que exercesse o papel de “casa 25 26 PINTO, Nélson Luiz. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil interpretado.São Paulo: Atlas. 2. ed. 2004, p. 1666. No mesmo sentido: MAGALHÃES, Hugo de Carvalho Ramos. O Recurso Extraordinário no cível, seus pressupostos, condições e juízo de admissibilidade. Revista de Processo. V. 49. SP. P. 224-228 Analisando situação análoga, referindo-se ao STF: “É uma terceira instância sempre que julga os recursos denominados extraordinários.” Em sentido contrário: BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro.São Paulo. Saraiva. 2004, p. 83 e 84. “Não se trata aqui de um “terceiro grau” de jurisdição, no qual possa haver rediscussão dos fatos e reexame da prova. Cuida-se tão somente da reapreciação da questão de direito, e de direito constitucional, que hajam sido discutidas e apreciadas na instância de origem, vale dizer, que tenham sido objeto de prequestionamento.” 15 revisora” desses julgados, porém em âmbito estritamente estadual. Para tanto, como foi explanado, mister se fazia delegar algumas competências da União para os Estados, que por razões já mencionadas não foi realizado. Até o momento, tudo indica que não foi a melhor opção criar um novo Tribunal o qual fosse inteiramente responsável pelas decisões de todos os demais tribunais do país, quando a matéria versasse sobre questões federais. Somente a título exemplificativo, foram distribuídos ao Superior Tribunal de Justiça, conforme o Banco Nacional de dados do Poder Judiciário:27 42.954 REsp, em 1999; 55.896, em 2000; 99.873, em 2001; 82.782, em 2002; 116.813, em 2003. Sem contar agravos, habeas corpus, mandados de segurança, entre outras atribuições conferidas a esta Corte. De acordo com os dados acima, foram distribuídos, em 5 (cinco) anos, 398.318 REsp para 33 ministros. Uma média de mais de 12 mil processos para cada um. Portanto, a idéia de criar um novo Tribunal, pelo menos no que tange à agilidade da prestação jurisdicional, não vem surtindo o efeito esperado.28 Deveras, conclui-se que houve a transferência de acúmulo de processos do STF para o STJ. Já em relação ao recurso extraordinário, o qual versa, depois de 1988, somente sobre matéria de cunho constitucional, houve no início uma sensível melhora justamente porque as questões federais passaram a ser apreciadas pelo STJ. Não obstante, o número de demandas endereçadas ao STF também aumentou consideravelmente. E isso se deve, principalmente, porque o acesso ao Poder Judiciário vem sendo facilitado a cada ano. 27 28 Disponível em: http://www.stf.gov.br/bndpj/movimento/Movimento6B.asp. Acesso em: 27/08/2009. Revista Justilex. Ano V. Setembro de 2006, p. 49. “O Superior Tribunal de Justiça deve ultrapassar este ano (2006) o montante de dois milhões de processos julgados desde sua instalação, em abril de 1989. Segundo o presidente, ministro Barros Monteiro, o expressivo número dificulta o trabalho do Poder Judiciário. “O volume excessivo de processos que chegam ao Tribunal impede que os ministros analisem as questões mais importantes”, declara o presidente.” 16 À guisa de exemplos, podem-se citar: a implementação da Justiça Itinerante; a promulgação da Lei 9099/96 referente aos juizados especiais; recentemente, no dia 22/06/2007, “o STF julgou eletronicamente o primeiro RE distribuído pelo sistema e-STF. Por meio do novo sistema, os recursos são apresentados e distribuídos para os ministros do STF inteiramente por meio eletrônico;” 29 entre outras melhorias realizadas. Prova dessa constatação são os números. O Banco Nacional de dados do Poder Judiciário30 registra que no ano de 2006 foram distribuídos 54.575 RE e 56.141 agravos, totalizando 110.716 processos. Estatística que destoa por completo da média internacional, se comparados com os números das Cortes Constitucionais dos demais países. Para se ter uma idéia, o Tribunal Constitucional alemão, no ano de 2005, recebeu 4.967 demandas e apreciou o mérito de apenas 301.31 Já a Suprema Corte americana, também em 2005, recebeu 8.521 processos e julgou somente 87.32 Assim, tendo em vista os dados apresentados, não há como deixar de reconhecer que a Suprema Corte brasileira continua extremamente atarefada, assoberbada de processos aguardando julgamento, evidenciando-se, de fato, uma verdadeira crise institucional que está à procura de soluções. Diante dessa realidade, tendo em vista a crônica situação que assola o recurso extraordinário, o legislador pátrio, ao aprovar a EC nº45/04, inseriu no artigo 102, §3º 29 Disponível em: <http://www.azevedosette.com.br/noticias/noticia?id=1026>.(RE 551.746). Acesso em: 29/08/2009. 30 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/bndpj/movimento/Movimento6B.asp>. Acesso em 29/08/2007. 31 MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins (org.)..[et al.]. Direito e Processo do Trabalho em transformação. Rio de Janeiro. Elsevier. 2007, p. 87. “Recorde-se que o número de processos julgados ou recebidos pela Corte Constitucional alemã, entre 1951 e 2002 (141.712 processos) é equivalente ao número de pleitos que o STF recebe em um ano ou dois anos.” 32 O GLOBO. O País. Casos sem relevância atolam Supremo. Páginas: 10 e 11. Carolina Brígido. Domingo, 25 de novembro de 2007. 17 do texto constitucional mais um requisito de admissibilidade no RE, qual seja: a Repercussão Geral das questões constitucionais. A partir de agora, o Supremo Tribunal Federal só conhecerá o recurso extraordinário quando a questão constitucional oferecer repercussão geral, ou seja, quando discutir questões relevantes dos pontos de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassando, assim, os interesses subjetivos da causa. O objetivo do instituto é fazer com que somente as questões de relevante interesse para a sociedade sejam conhecidas e posteriormente julgadas no mérito pelo Supremo. É totalmente inviável que os Ministros continuem apreciando processos cuja matéria verse, por exemplo, sobre: furto de galinhas,33 desaparecimento de jaqueta de couro em lavanderia,34 recolhimento de animal doméstico por “carrocinha”35 e desavença entre vizinhos.36 Vale lembrar que o instituto recém-incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro é “amplamente adotado por diversas Cortes Supremas, tais como: Suprema Corte 33 O GLOBO. O País. Casos sem relevância atolam Supremo. Páginas: 10 e 11. Carolina Brígido. Domingo, 25 de novembro de 2007. “O trabalhador rural João José Rambo, do Rio Grande do Sul, entrou na Justiça pedindo indenização por danos morais. Ele alega que foi condenado injustamente pelo furto de cinco galinhas – três gordas e duas magras, segundo o processo. Ele ficou preso por 11 meses, mas conseguiu anular a sentença por falta de provas. No entanto, ainda não foi indenizado.” 34 O GLOBO. O País. Casos sem relevância atolam Supremo. Páginas: 10 e 11. Carolina Brígido. Domingo, 25 de novembro de 2007. “Uma jaqueta de couro preta desapareceu de uma lavanderia no Guarujá. Como a cliente não chegou a um acordo com os donos da loja sobre o valor a ser ressarcido, a Justiça fixou um valor intermediário. A lavanderia não se conformou e recorreu ao Supremo.” 35 O GLOBO. O País. Casos sem relevância atolam Supremo. Páginas: 10 e 11. Carolina Brígido. Domingo, 25 de novembro de 2007. “Uma moradora de Belo Horizonte teve a sua cadela recolhida pela carrocinha. O animal foi sacrificado e a dona entrou na Justiça pedindo indenização.” 36 Disponível em: <http://stf.empauta.com>. Acesso em 02/09/2009. “Em 2000, o Supremo se viu à frente de um processo decorrente de uma briga entre moradores de um condomínio que não se conformavam com a presença de um cão supostamente feroz na casa de um dos condôminos. Eles discutiam na Justiça a cobrança de uma multa do proprietário do cachorro e o caso acabou indo parar no Supremo sob alegação do princípio constitucional de cerceamento de defesa”.(AI 279.236, Min. Celso de Mello, DJ 09/06/2000). 18 norte-americana e o seu writ of certiorari;37 a Suprema Corte Argentina e o requisito de trascendencia,”38 entre outros. Portanto, a Repercussão Geral, cuja função rememora a antiga argüição de relevância, introduzida pela EC 07, de 1977, é mais uma tentativa para evitar a interposição exacerbada de recursos extraordinários e definitivamente desobstruir esse obstáculo que vem causando sérios transtornos ao Supremo Tribunal Federal. 37 38 Disponível em: <http://www.studentske.sk/anglictina/supreme_court.doc>. A writ is an order issued in the name of a court, and certiorari means to call up for a review. Tradução livre. “Writ é uma ordem expedida em nome da Corte, e certiorari significa requisitar para revisão.” Acesso em: 02/09/2009. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=33780>. Quarta-feira, 20 de dezembro de 2006 - Migalhas nº 1.561. Acesso em: 02/09/2009. 1.2 Juízo de admissibilidade e de mérito do recurso extraordinário Para que o recorrente possa lograr êxito com a interposição do recurso extraordinário, necessariamente, devem sobrepujar-se dois obstáculos, quais sejam: juízo de admissibilidade e o juízo de mérito. Sabe-se que há, inelutavelmente, uma relação de interdependência entre ambos os procedimentos. De fato, inexiste a possibilidade do órgão jurisdicional competente adentrar no mérito do recurso (STF) sem que antes requisitos gerais e específicos preexistam à sua análise.39 O juízo de admissibilidade é, portanto, pressuposto fundamental para atingir a análise de mérito, sendo que ambos os procedimentos são elementos indissociáveis para haver o exame integral do recurso extraordinário. Desse modo, a fim de que a máquina judiciária possa ser provocada de maneira adequada, mister se faz preencher uma série de requisitos legais e jurisprudenciais. Sem isso, não há como retirá-la de seu estado inerente de inércia. Relevante ressaltar que esse ônus imposto ao litigante ocorre não só no momento da interposição do recurso, como também no ajuizamento da ação. Nelson Nery Júnior leciona que existe uma espécie de: “co-relação entre ação e recurso, de sorte que se poderia transportar para a fase recursal, no que respeita à análise dos requisitos de admissibilidade de um recurso, as exigências que, aqui, corresponderiam às condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse processual (CPC, artigo 267, VI). As condições da ação, portanto, devem estar preenchidas para que seja possível o exame do mérito, pretensão deduzida em juízo. Somente depois de ultrapassado o seu exame é que o magistrado poderá colocar fim à incerteza que pesa sobre determinada relação jurídica[...]. Quanto ao recurso, ocorre fenômeno assemelhado. 39 NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 252. “O juízo de admissibilidade dos recursos antecede lógica e cronologicamente o exame de mérito. É formado de questões prévias. Estas questões prévias são aquelas que devem ser examinadas necessariamente antes do mérito do recurso, pois lhe são antecedentes.” 20 Existem algumas condições de admissibilidade que necessitam estar presentes para que o juízo ad quem possa proferir o julgamento do recurso.”40 Portanto, para que haja o regular encadeamento de atos processuais e que o processo prospere com segurança, deve-se averiguar tanto as condições da ação para o ajuizamento, como realizar o juízo de admissibilidade para que o recurso seja interposto. De outro modo não haveria ordem processual. Quaisquer das partes ou terceiros poderiam, por exemplo, ajuizar ação ou recorrer da decisão do jeito e da forma que quisessem e no momento que lhes conviesse. Seria uma verdadeira “anarquia processual”! Não são por outras razões que ao impor a observância ao juízo de admissibilidade dos recursos, o CPC consagrou essas questões pré-meritoriais como matérias de ordem pública. Nessa proposição, em se tratando de recurso extraordinário, “mesmo que o recorrido nas contra-razões do recurso não argúa preliminar de nãoconhecimento do recurso por ausência de um dos requisitos de admissibilidade, o tribunal deverá examinar essa questão de ofício.”41 Insta frisar que se o recorrente cumprir integralmente os requisitos gerais e específicos exigidos, ter-se-á superado o juízo de admissibilidade, passando-se em seguida à análise meritorial, na qual se averigua o teor das razões e o objeto da questão controvertida posta em juízo. Dessa forma, quando se constata que o recurso extraordinário transpôs o juízo de admissibilidade, diz-se que o recurso foi “conhecido”; por outro lado, se houve carência de algum requisito (seja ele geral ou específico) fala-se que o recurso “não foi conhecido”. Quanto ao mérito, se o objeto da questão controvertida for deferida em favor do recorrente, a 40 41 NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 252. MIRANDA, Gilson Delgado. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil comentado.São Paulo: Atlas.2004. 2ª. ed. p. 1572. 21 praxe forense consagrou a expressão “dar provimento”; no entanto, se for indeferida, a expressão que se tem por hábito utilizar é “negar provimento.” Finalmente, cabe analisar qual o órgão competente para realizar o juízo de admissibilidade e de mérito do recurso extraordinário. Não restam dúvidas de que a competência para julgar o mérito do recurso em estudo é do Supremo Tribunal Federal, por imposição constitucional. No que toca ao juízo de admissibilidade, a própria lei processual confere ao órgão a quo fazer provisionalmente o primeiro exame dos requisitos exigidos, sejam gerais ou específicos.42 Isto é, não compete de forma exclusiva ao STF fazer o juízo de admissibilidade do RE, ao contrário do que ocorre com juízo de mérito.43 Sendo assim, tendo em vista a importância do juízo de admissibilidade, este passa obrigatoriamente por dupla-análise. Num primeiro momento, pelo órgão a quo (de quem se recorre), e num segundo momento, pelo órgão ad quem (para quem se recorre). Resta observar que a decisão proferida pelo órgão a quo não tem caráter vinculante, ou seja, pode ocorrer do STF discordar da decisão proferida pela instância inferior, reformando a decisão, e impor a subida do recurso extraordinário. Em caso do órgão a quo não “conhecer do recurso extraordinário”, a decisão interlocutória prolatada desafia o recurso de agravo de instrumento (CPC, artigo 544).44 42 Atente-se que compete ao STF, de forma exclusiva, a apreciação da existência de repercussão geral. Requisito específico do RE. 43 MIRANDA, Gilson Delgado. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil comentado. São Paulo: Atlas.2004.2ª. ed. p. 1572. 44 MIRANDA, Gilson Delgado. Antônio Carlos Marcato (Coord.). Código de processo civil comentado.São Paulo: Atlas.2004. 2ª. ed. p. 1572-1573. 1.3 A classificação dos requisitos de admissibilidade A partir de agora, cabe averiguar o objeto do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário. Isto é, deve-se analisar não só cada elemento exigido pela lei processual, mas também pela jurisprudência para que o recurso extraordinário esteja devidamente credenciado para apreciação do mérito. Os requisitos são: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer, a tempestividade, o preparo, a regularidade formal e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer,45 o prequestionamento,46 o não reexame de prova, o exaurimento completo de instâncias e, por fim, a repercussão geral das questões constitucionais.47 Os escritores contemporâneos têm por hábito dividir os requisitos de admissibilidade, mencionados supra, em grupos de classificação.48 Não há unanimidade na doutrina pronunciando-se a favor de um ou de outro critério.49 No entanto, a classificação proposta por Barbosa Moreira vem sendo adotada por boa parte dos processualistas brasileiros, dentre eles: Nelson Nery Júnior, Araken de Assis, Nélson Luiz Pinto, Ovídio 45 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 40. 46 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 326-327. Prequestionamento como requisito de admissibilidade do RE. No mesmo sentido: BUZAID, Alfredo. “O prequestionamento é uma das condições de admissibilidade do recurso extraordinário.” Em sentido contrário: MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento não é requisito de admissibilidade porque: a) “se nem a norma infraconstitucional pode criar óbices à admissibilidade do RE e do REsp, quanto mais a jurisprudência, mesmo que solidificada em súmulas; b) não há na Constituição Federal, expressa ou implicitamente, referência ao questionamento prévio, pelas partes, perante a instância inferior.” Tendo em vista o posicionamento de Medina, deduz-se que o mesmo raciocínio pode ser levado em conta quando se tratar de não reexame de prova. Súmula 279 do STF. “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.” Já em relação ao completo exaurimento de instâncias e a repercussão geral, ambos os casos têm previsão constitucional a respeito, artigos 102, inciso III e 102, §3º, respectivamente.” 47 RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>. Acesso 07/09/2009. 48 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 40. 49 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 40. 23 Baptista da Silva, entre outros.50 A fim de elaborar sua classificação, Barbosa Moreira levou em consideração a decisão judicial a ser impugnada, “que é o objeto do recurso, para nominar os pressupostos em intrínsecos e extrínsecos. Para o processualista, a divisão em intrínsecos se refere ao poder de recorrer, e em extrínsecos ao modo de exercer o recurso.”51 Quanto aos requisitos intrínsecos (poder de recorrer), compreendem: o cabimento, a legitimação para recorrer e o interesse de recorrer,o prequestionamento, o não reexame de prova, o exaurimento completo de instâncias e a repercussão geral das questões constitucionais.52 Por outro lado, compõem os requisitos extrínsecos (modo de exercer o recurso): a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência do fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo.53 Há, também, outra classificação que se divide em requisitos gerais e específicos.54 Os requisitos gerais são: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer, a tempestividade, o preparo, a regularidade formal e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. Em contrapartida, os requisitos específicos são: 50 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 40. 51 NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 273. 52 Repercussão Geral como requisito intrínseco. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 2007, São Paulo, Revista dos Tribunais.p. 33. “O artigo 543-A do CPC refere que o STF, em decisão irrecorrível, não conhecerá do RE, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral. Trata-se de requisito intrínseco de admissibilidade recursal: não havendo repercussão geral, não existe poder de recorrer ao STF.” Em sentido contrário: RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>. “A Repercussão Geral, segundo nos parece, está ligada a aspectos externos – extrínsecos. Tendo em vista que é a própria Constituição que afirma que o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral da questão constitucional para que o Tribunal examine a admissão do RE, nos parece óbvio que o novo instituto se constitui num requisito de admissibilidade específico do RE, ligado a fatores externos da decisão recorrida.”Acesso em:07/09/2009. 53 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 40. 54 PAIVA, Lúcio Flávio Siqueira de. A lei nº 11.418/06 e a repercussão geral no recurso extraordinário. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9470>. 24 o prequestionamento, o não reexame de prova, o exaurimento completo de instâncias e a repercussão geral das questões constitucionais,55 no caso do RE. Assim, faz-se necessário dar um toque de especialidade em relação ao recurso extraordinário, inserindo requisitos específicos de admissibilidade. Mesmo porque, a principal função do recurso é de garantir a segurança jurídica da ordem constitucional, isto é, prezar pela uniformização dos julgados, “e não de corrigir ou sanar qualquer injustiça do quadro fático.”56 A última classificação é bem simples, cabe avaliar se os requisitos de admissibilidade são de ordem jurídica ou política. De ordem jurídica são: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer, a tempestividade, o preparo, a regularidade formal e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, o prequestionamento, o exaurimento completo de instâncias e o não reexame de prova. De ordem política subsiste tão-somente a repercussão geral das questões constitucionais.57 O prequestionamento e o preparo, por exemplo, são requisitos de índole objetiva. Isto é, em relação ao primeiro, a questão constitucional foi ou não objeto de análise pelo órgão recorrido; quanto ao segundo, houve ou não o pagamento prévio no que tange à custa do processamento do recurso. Logo, a matéria a ser averiguada é constatada no “corpo” dos autos do processo. Por conseguinte, os requisitos são de ordem estritamente jurídica. 55 RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão Geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>.“Contudo, em prol da simplificação que se espera do sistema do processo civil, seja no âmbito legal ou doutrinário, preferimos meramente observar a repercussão geral como mais um requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário.”Acesso em: 08/09/2009. 56 PAULA, Breno de. O problema da valoração da prova em recurso especial. Elaborado em 12/2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2415&p=2>. Acesso em: 08/09/2009. 57 RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>. Referindo-se a Arruda Alvin: “A verificação da repercussão geral da questão constitucional é verdadeiro pronunciamento de caráter político.” Acesso em 08/09/2009. 25 Já a repercussão geral, é requisito de índole subjetiva. A própria Constituição confere ao Supremo Tribunal Federal o poder para decidir se conhecerá ou não o recurso extraordinário.58 A Constituição Federal estipula que o recurso extraordinário somente poderá ser recusado pela manifestação de 2/3 dos ministros do STF. Ficará a critério de cada um deles dizer se na matéria a ser julgada há questões relevantes dos pontos de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. É, indubitavelmente, uma espécie de “filtro recursal”, impedindo que questões de menor importância venham a ocupar a pauta dos ministros do STF. Em suma, tendo em vista todos os critérios analisados, quer sejam: intrínsecos ou extrínsecos, gerais ou específicos, políticos ou jurídicos, conclui-se que o instituto da repercussão geral é um requisito de admissibilidade intrínseco porque se trata do poder de recorrer. Afinal, pressuposto intrínseco é o que diz respeito a fatores internos à decisão judicial que se pretende impugnar. É requisito específico porque não pertence a todo e qualquer recurso, mas ao apelo extraordinário, o qual tem a incumbência de garantir a segurança sistêmica da ordem constitucional. Por fim, é político porque é um requisito de índole subjetiva. Constitui-se prerrogativa do Supremo Tribunal Federal averiguar se a questão a ser julgada é relevante dos pontos de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapasse os interesses subjetivos da causa. 58 URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 68. Referindose a José Carlos Moreira Alves. “A aferição da relevância é julgamento de valor, havendo, pela natureza mesma de tais julgamentos, larga margem de subjetivismo.” 2 REPERCUSSÃO GERAL 2.1 Repercussão Geral e a Argüição de Relevância Como foi visto, desde a instituição do recurso extraordinário pelo Decreto nº 848/1890 até a criação do Superior Tribunal de Justiça em 1988, o recurso objeto de nosso estudo possuía competência dúplice, ou seja, abarcava tanto matéria de cunho constitucional, como infraconstitucional. Sendo assim, desaguou um número infindável de processos no STF, tornando-se inevitável o acúmulo de recursos extraordinários à espera de julgamento. Diante de tal situação, a Suprema Corte vivenciava um momento delicado e algo de concreto deveria ser feito para equacionar o problema. Não faltaram tentativas59 para resolver o que se conhecia por “crise do Supremo.”60 Indubitavelmente, uma das tentativas mais expressivas e que geraram maior expectativa foi a introdução no ordenamento jurídico brasileiro do instituto da argüição de relevância. “A solução encontradiça tem similar nos EUA no writ of certiorari e no Direito Alemão no Recurso de Revisão.”61 Sua função precípua era reduzir o número de interposição de recursos extraordinários quando a matéria suscitada versasse tão-somente 59 60 61 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126 e 127. José Miguel Garcia Medina, em seu livro, faz menção a José Carlos Moreira Alves que rememora as seguintes tentativas: “a Lei 3.396/58 exigiu que o despacho de admissão do recurso extraordinário fosse motivado, à semelhança do que já ocorria com o que não admitia; a Emenda Regimental de 28.08.1963 criou a súmula como instrumento de trabalho para facilitar a fundamentação dos julgados; a Emenda Constitucional 16/65 outorgou ao STF competência para julgar representações de inconstitucionalidade de lei e atos normativos, estaduais e federais, com a finalidade de lhe permitir num único julgamento, solver a questão da constitucionalidade, ou não, dessas normas, o que estancaria, no nascedouro, a fonte de recursos extraordinários que lhe seriam interpostos se a declaração da inconstitucionalidade se tivesse de fazer em cada caso concreto; em 1970 o Regimento Interno estabeleceu uma série de casos de restrições ao recurso extraordinário; em 1977, a EC nº 07, introduziu o instituto da argüição de relevância.” MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 126. ANDRIGHI, Fátima Nancy. Argüição de relevância. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/633/1/.pdf>. Acesso em 11/09/2009. 27 sobre questão federal.62 Isto é, a questão federal argüida deveria ser relevante do ponto de vista social, econômico, político ou jurídico; de outro modo, a Suprema Corte rejeitava o recurso extraordinário.63 A argüição de relevância vigorou no Brasil em torno de 13 anos, mais precisamente, entre 1975 a 1988. No entanto, a primeira vez que se teve notícia do instituto foi em meados da década de 60.64 No ano de 1967 foi dado o primeiro passo importante para implementar a argüição de relevância. Com o advento da Constituição naquele ano, o texto maior conferiu amplos poderes à Suprema Corte, conferindo inclusive “competência para elaborar, com força de lei, seu Regimento interno.”65 Como se não bastasse, a Emenda Constitucional nº1, de 1969, outorgou mais poderes ao Supremo Tribunal Federal. “Esses poderes consistiam em permissão para que o STF, através de seu regimento interno,66 indicasse as causas em que não poderiam interpor o RE quando invocadas as hipóteses previstas no artigo 119, inciso III, alíneas a e d.”67 62 63 64 65 66 67 URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47. p. 65-66. MACIEL, José Alberto Couto. Revista Jurídica Consulex – ano XI – nº 252 – 15/07/2007, p. 51. “Interessante notar que a argüição era apresentada em autos apartados e apreciada pelo STF, em sessão do Conselho. Das mais de 30.000 argüições feitas, apenas 5% das argüições foram acolhidas, sendo que 20% deixaram de ser conhecidas por deficiência do instrumento e o restante (75%) foram rejeitadas.” URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 65. “Em 1965, Ribeiro da Costa, Ministro da Suprema Corte, arquitetou o relatório, o qual possuía proposições para o anteprojeto de Reforma do Poder Judiciário daquela época. Esse documento continha inúmeras propostas inovadoras, dentre elas a positivação da relevância de questão federal como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário.” ALVES, José Carlos Moreira. A Missão Constitucional do Supremo Tribunal Federal e a Argüição de Relevância de Questão Federal. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros nº 58/59, RJ, 1º e 2º sem.1982, p. 41-62. URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 66. “O Regimento Interno do STF entrou em vigor em 15/10/1970.” URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 66. 28 Sendo assim, foi por meio da Emenda Regimental nº368 (STF), de 12/06/1975, que restou configurada a implementação do instituto da argüição de relevância de questão federal no direito brasileiro. No ano de 1977, em virtude da Emenda Constitucional nº7,69 a argüição de relevância foi definitivamente agasalhada pela Constituição. Todavia, o instituto teve vida curta e só perdurou no texto maior por mais onze anos. A Constituição Federal de 1988 não tratou do assunto em nenhum de seus artigos. No entanto, devido à Emenda Constitucional nº45/2004, a necessidade de demonstrar a relevância da matéria ressurgiu no direito brasileiro, mas agora com nova roupagem e sob nomen juris de Repercussão Geral. O espírito é o mesmo, qual seja: a seleção de recursos importantes. Porém, não há possibilidade de se confundir com a antiga argüição de relevância pelo fato de possuir dessemelhanças fundamentais. A principal diferença entre a argüição de relevância e a Repercussão Geral é que enquanto aquela versava sobre matéria infraconstitucional, esta dispõe sobre questões de cunho meramente constitucional.70 Desse modo, torna-se estéril qualquer discussão que venha 68 69 70 URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 67. “Emenda responsável por alterar o regimento Interno, do STF, de 1970. Alargaram-se de forma considerável as hipóteses em que seriam vedadas a interposição de RE. Efetivando, de fato, o instituto da argüição de relevância.” URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 67. “A Emenda Constitucional nº7/1977 repisou todas as vedações consubstanciadas no artigo 308 do RISTF, as quais restringiam os casos de interposição do recurso extraordinário”. MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 96. 29 confrontar o que “o STF entendia por relevante questão federal e o que, provavelmente, passa a entender por questão constitucional de repercussão geral.”71 Outra distinção constatada foi o fato do instituto da argüição de relevância ser analisada em sessão secreta e sem motivação,72 algo que colidiria frontalmente com atual Constituição Federal sendo objeto de flagrante inconstitucionalidade. Vale frisar que o artigo 93, inciso IX, da CF/88, dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos73 e todas as decisões fundamentadas. Coincidência ou não, a dispensa de tais exigências harmonizava-se perfeitamente com o regime militar instituído à época.74 Houve também outra mudança importante em relação ao instituto. Na argüição de relevância, os ministros da Suprema Corte votavam pela admissão da matéria argüida. Isto é, havia presunção negativa de admissibilidade porque “o recurso extraordinário não trazia em seu bojo qualquer questão relevante e, portanto, não seria conhecido, salvo se os Ministros votassem em sentido contrário.”75 Já em relação à Repercussão Geral, a própria Constituição é expressa no sentido de que o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo 71 72 73 74 75 MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 99. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo:Atlas. 2006, p. 531. A falta de fundamentação encontra paralelo no Direito Comparado. “Note-se, porém, que a própria Lei do Tribunal Constitucional Alemão, em seu artigo 93, permite que uma seção formada por três juízes possa, por unanimidade, não admitir o recurso constitucional, quando não presentes os seus pressupostos, em decisão irrecorrível, e que não necessita ser fundamentada. Dessa forma, na prática, o Tribunal Constitucional Federal pode exercer o mesmo juízo de admissibilidade discricionário que a Suprema Corte Americana, mesmo porque, repita-se, a decisão de não conhecimento não precisa ser fundamentada.” Emenda Regimental (STF) nº 21/2007. Artigo 329. A presidência do Tribunal promoverá ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como da formação e atualização de banco eletrônico de dados a respeito. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. P.8. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007. URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 69. 30 recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. Depreende-se que há presunção positiva de admissibilidade, ou seja, a questão constitucional suscitada pelo recorrente pressupõe relevância, a não ser que os Ministros entendam de forma contrária, votando pela inadmissão da repercussão geral.76 Por fim, a última diferença plausível de análise diz respeito à função inclusiva da argüição de relevância, e excludente da repercussão geral. No que toca à argüição, se o recurso extraordinário não se encaixasse nas hipóteses de cabimento estipulado pelo STF, ainda restaria mais uma via de acesso para que o recurso fosse admitido, bastaria que o recorrente demonstrasse a relevância da matéria suscitada. Daí compreende-se o motivo pelo qual a argüição de relevância possuía função inclusiva.77 A Repercussão Geral, por seu turno, tem função tipicamente excludente de admissibilidade do recurso extraordinário. É com certeza um novo requisito de admissibilidade, e não mais uma hipótese de cabimento do RE, como era na argüição de relevância. “Enquanto a argüição constituía um mecanismo de atribuição de admissibilidade apenas a recursos que não encontrassem expressamente previstos na enumeração regimental, a Repercussão Geral é exigida de todo e qualquer apelo extraordinário.”78 Entre similaridades e distinções, não restam dúvidas de que a argüição de relevância foi uma tentativa de racionalizar o recurso extraordinário, dando ensejo à objetivação do processo e, por via de conseqüência, robustecendo a função principal do 76 77 78 URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 69. ANDRIGHI, Fátima Nancy. Argüição de relevância. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/633/1/.pdf>. “A argüição de relevância é excludente da inadmissibilidade do recurso extraordinário, porque somente deverá ser interposto nos casos em que o recurso extraordinário é manifestamente inadmissível.”Acesso em: 21/09/2009. FÉRES, Marcelo Andrade. Impactos da EC nº 45/2004 sobre o Recuso Extraordinário: a Repercussão Geral (ou Transcendência) e a nova alínea d, do inciso III, do artigo 102, da Constituição. Revista Dialética de Direito Processual nº 39. São Paulo, p. 105-112. 31 Supremo Tribunal Federal, qual seja: a segurança jurídica de matérias infraconstitucionais e constitucionais. A idéia de afastar as questões que versam sobre o interesse exclusivo das partes é inerente à atividade recursal excepcional. Tanto é que algumas tentativas foram realizadas com intuito de reavivar o instituto similar à argüição de relevância no direito brasileiro.79 Indubitavelmente, a mais importante foi o advento do artigo 896-A da CLT que dispõe: “O TST, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.” O presente artigo foi inserido pela MP nº 2226/2001, objeto de ação direta de inconstitucionalidade. Vários motivos fundamentaram a ação, dentre os mais plausíveis deve-se destacar que somente por meio de lei poder-se-ia regulamentar a competência do TST. Tendo em vista a suposta inconstitucionalidade do artigo, o TST não regulamentou o critério da transcendência no recurso de revista.80 Denota-se, perceptivelmente, que a Lei já dava claros indícios do que estaria por vir. Era um verdadeiro prenúncio do instituto da Repercussão Geral. Conclui-se, portanto, que o legislador constituinte de 1988, ao menosprezar a argüição de relevância,81 equivocouse em considerar que ao criar o Superior Tribunal de Justiça, transferindo questões de cunho 79 80 81 MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual nº 50, p. 96-97. MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual nº 50, p. 96-97. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. P.8. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 18, 2007. Atribui a não adoção da argüição de relevância pela CF/88 ao “momento histórico vivido, o qual determinou a repulsa, visto que havia um clamor, ao tempo de ditadura, contra a total discricionariedade com que o STF decidia em sessão secreta a relevância, ou não, do recurso, sem necessidade de qualquer motivação ou julgamento.” 32 infraconstitucional para esta Corte, equacionaria o problema que afetava o recurso extraordinário.82 Ficou evidenciado que banir o instituto de argüição de relevância do ordenamento jurídico brasileiro não pareceu ser a decisão mais acertada.83 Tanto é verdade que o legislador pátrio tentou resgatar a essência da argüição de relevância, estabelecendo mecanismos semelhantes, até que se implementasse definitivamente a Repercussão Geral. 82 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (org) et all. Direito e processo do trabalho em transformação.Rio de Janeiro: Elsevier. 2007, p. 16. 83 É evidente que algumas alterações deveriam ser realizadas em relação à argüição de relevância. Primeiro, para compatibilizá-la com a Constituição de 1988 (p.ex.artigo 93, IX). Segundo, para dar um melhor rendimento ao instituto. 2.2 A suposta inconstitucionalidade do instituto da repercussão geral e o caráter objetivo do recurso extraordinário Ao ser introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional 45/2004, muito se indagou sobre possíveis questionamentos ligados à suposta inconstitucionalidade do instituto da repercussão geral das questões constitucionais. Isso porque se questionava, basicamente, sobre “o direito de acesso às partes, em questões subjetivas, ao Supremo Tribunal Federal, com possível ofensa à garantia de acesso pleno e irrestrito à Justiça.”84 Diante de tal situação, resta esclarecer, para que não haja dúvidas quanto à constitucionalidade do instituto, que a garantia de acesso pleno e irrestrito à Justiça deve ser vista com reservas. Isto é, tal garantia não confere às partes direito subjetivo à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário.85 Nessa vertente, é perfeitamente possível o indivíduo não ver sua causa julgada pela Suprema Corte e, ainda sim, ter obtido a garantia de acesso pleno e irrestrito à Justiça. Isso se dá porque ao acionar o Poder Judiciário, o indivíduo tem assegurado todos os direitos inerentes à atividade jurisdicional, inclusive a faculdade de recorrer à instância superior para que sua demanda seja devidamente reapreciada. Além disso, outro aspecto que se deve levar em consideração é o fato dos órgãos do Poder Judiciário possuírem competências, atribuições e prerrogativas distintas umas das outras. Sendo assim, necessário se faz ressaltar que o Supremo Tribunal Federal exerce papel diverso dos demais órgãos do Poder Judiciário. Não é simplesmente um órgão de 84 VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex. Ano XI. nº 254, p. 62. 15/08/2007. 85 VIEIRA, Oscar Vilhena. Que Reforma ? USP – Estudos Avançados. v. 18, nº 51, maio/ago. 2004, p. 202. 34 revisão das cortes ordinárias, sua incumbência, em sede de recurso extraordinário, é garantir a segurança sistêmica, zelando, sobretudo, pela integridade e estabilidade do ordenamento normativo máximo do Estado, a Constituição Federal. Desse modo, ao inserir a repercussão geral como mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, conferindo o poder ao STF de determinar os casos em que a própria Corte pode julgar, “resultou no fato de que ela deixou de ser simplesmente um órgão judiciário comum. É um tribunal de recurso especial, apenas para a solução de questões consideradas como envolvendo um interesse público substancial.”86 Como ressalta Gilmar Ferreira Mendes em seu voto no Processo Administrativo nº 318.715: “A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre partes, trazido à Corte via recurso extraordinário deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos. Tal perspectiva, a par de fortalecer o papel principal da Corte, qual seja a defesa da Constituição, representa a única alternativa possível para a viabilização do Supremo.”87 Corroborando com tal entendimento, Ulisses Schwarz Viana enfatiza: “Sem dúvida vive-se um quadro em que as questões constitucionais, surgidas incidental e intersubjetivamente, reproduzem-se geometricamente em um número invencível de recursos extraordinários individuais (subjetivos), tornando-se inviável o próprio funcionamento do Supremo Tribunal Federal e, por conseqüência, relegando os grandes temas constitucionais a um plano não compatível com a função precípua de Corte Constitucional, atribuída à Suprema Corte na Carta de 1988.”88 86 SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 177. Apud.MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 96.Passagem do voto proferido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes – STF – no Processo Administrativo 318.715, o qual deu origem à Emenda Regimental nº 12/2003. 88 VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex. Ano XI. nº 254, p. 60. 15/08/2007. 87 35 Em apertada síntese, denota-se que a função do Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, é de garantir a uniformidade dos julgados, conferindo segurança jurídica ao sistema recursal e não de julgar causas de interesse exclusivo das partes. Daí surge o motivo pelo qual se fazia necessário implementar um sistema que filtrasse questões versadas unicamente sobre demandas de cunho intersubjetivo. Portanto, para que se possa justificar a constitucionalidade do instituto da repercussão geral, deve-se conceber que o Supremo Tribunal Federal possui funções e características distintas dos demais tribunais. Apreciar questões de índole exclusivamente subjetiva compete às instâncias inferiores. Ademais, outra colocação digna de realce e que reforça a constitucionalidade do instituto é o fato do indivíduo ter direito ao devido processo legal, o qual tem como corolários a ampla defesa e o contraditório,89 além de ter assegurado, sobretudo, a faculdade de recorrer ao segundo grau de jurisdição. Diante do exposto, pode-se tirar a seguinte conclusão: a garantia de acesso pleno e irrestrito à Justiça não confere direito subjetivo ao indivíduo à jurisdição do Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário, quando se tratar de questões subjetivas. Primeiro, porque a atividade recursal extraordinária, de cunho intersubjetivo, não compatibiliza com a verdadeira função que a Corte Constitucional deve exercer. Segundo, porque as garantias e direitos inerentes à atividade jurisdicional estão resguardadas às partes nas instâncias ordinárias. 89 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.São Paulo:Atlas. 20. ed. 2006, p. 94. 36 Insta frisar a lição de Oscar Vilhena Vieira: “A idéia de dar ao Supremo Tribunal Federal o poder de escolher – com certo grau de discricionariedade – as causas que julgará, é da maior relevância. Afinal, já se encontra satisfeito o princípio fundamental do duplo grau de jurisdição. Nesse sentido, o acesso à jurisdição do STF, por meio de recurso extraordinário, não seria um direito subjetivo absoluto, no sentido de que, satisfeitas algumas condições objetivas, obrigado estaria o STF a conhecer do recurso.”90 Logo, não é o fato da Suprema Corte possuir “o poder de análise” em julgar ou não determinada causa que a garantia ao pleno acesso à Justiça será afetada, mesmo porque o duplo grau de jurisdição permanece intocável. Salutar se faz relevar um ponto de suma importância levantado por Oscar Vilhena Vieira: “não há direito subjetivo absoluto do indivíduo de ter acesso à jurisdição do STF, já que o princípio do duplo grau de jurisdição encontra-se devidamente satisfeito.”91 Entretanto, a demanda será objeto de análise pelo STF se o litígio posto em juízo vier a transcender os limites subjetivos da causa, configurando-se como pressuposto indispensável para o conhecimento do recurso extraordinário. Com adoção do instituto da repercussão geral, vislumbra-se, portanto, uma nova perspectiva no sistema brasileiro de controle difuso de constitucionalidade. Concede-se, a partir de agora, tanto efeito vinculante,92 como eficácia objetiva erga omnes ao recurso extraordinário.93 Não há como deixar de reconhecer que o recurso em tela passa por um momento de verdadeira racionalização, deixando “de ter aspecto marcadamente subjetivo ou 90 VIEIRA, Oscar Vilhena. Que reforma ? USP – Estudos Avançados. v. 18. nº 51, maio/ago. 2004, p. 202. VIEIRA, Oscar Vilhena. Que reforma ? USP – Estudos Avançados. v. 18. nº 51, maio/ago. 2004, p. 202. 92 O efeito vinculante aqui abordado é em relação à repercussão geral e não ao recurso extraordinário. Como se sabe, a decisão do recurso extraordinário somente é dotada de força vinculante após cumprir o preceito constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal. 93 VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex. Ano XI, nº 254, p. 60. 15/08/2007. 91 37 de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa de ordem constitucional objetiva.”94 Desse modo, o Supremo Tribunal Federal ao não apreciar questões de interesse exclusivo das partes, reassume a sua real função de Corte Constitucional, arrefecendo, portanto, a fervorosa discussão se a Suprema Corte exerceria ou não o papel de terceira instância recursal, em sede de recurso extraordinário. Quanto a esse último aspecto, vale salientar que o Supremo Tribunal Federal não pode e nem deve desempenhar a função de terceira instância.95 Para isso, foi necessário desenvolver mecanismos como a repercussão geral, cuja finalidade é fazer com que subam apenas os recursos de interesse geral da sociedade. Nesse sentido, pondera Humberto Theodoro Júnior: “Sem um filtro prévio que detecte a presença de uma questão nacional em torno da discussão travada no processo, é inevitável a transformação do STF numa nova instância recursal. Foi a falta de filtragem da relevância do recurso extraordinário que levou o STF a acumular anualmente milhares e milhares de processos desnaturando por completo seu verdadeiro papel institucional e impedindo que as questões de verdadeira dimensão pública pudessem merecer a apreciação detida e ponderada exigível de uma autêntica Corte Constitucional.”96 Denota-se que ao julgar demandas de interesse exclusivo das partes, em sede de recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal torna-se uma espécie de terceira instância recursal de acesso restrito, cabendo ao recorrente, tão-somente, preencher alguns 94 95 96 MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins (org.)..[et al.]. Direito e processo do trabalho em transformação.Rio de Janeiro: Elsevier. 2007, p. 91. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 18, 2007, p. 6 e 7. “Esse tipo de recurso nunca teve a função de proporcionar ao litigante inconformado com o resultado do processo uma terceira instância revisora da injustiça acaso cometida nas instâncias ordinárias. A missão que lhe é atribuída é de uma carga política maior, é a de propiciar à Corte Suprema meio de exercer o seu encargo de guardião da Constituição, fazendo com que seus preceitos sejam corretamente interpretados e fielmente aplicados. É a autoridade e supremacia que toca ao STF realizar por via dos julgamentos dos recursos extraordinários.” THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 18, 2007, p. 6 e 7. 38 requisitos específicos de admissibilidade para que tenha sua causa julgada pela Suprema Corte. Peter Härbele afirma que “a função da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjetivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo.”97 No entanto, de acordo com o panorama em que se encontra o recurso extraordinário, percebe-se, na verdade, que o recurso de amparo é somente mais uma faceta para a proteção dos interesses individuais (subjetivos) consubstanciado na Constituição. Com o advento da repercussão geral, restabelece-se a real identidade do recurso extraordinário porque “a ênfase subjetivista de solução de conflitos interindividuais fica em segundo plano e, deste modo, passa-se a enfocar primeiramente o aspecto objetivo.”98 Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal poderá alcançar o resultado desejado, mormente porque não se ocupará em corrigir eventuais erros das Cortes Ordinárias.99 Portanto, chega-se inevitavelmente à conclusão de que o exercício individualizado da jurisdição do STF revela-se totalmente inviável. Já era tempo de se resgatar o verdadeiro espírito do recurso extraordinário, conferindo a ele concepção objetiva. Desse modo, a Suprema Corte desempenha, indubitavelmente, a sua função de guardiã da Constituição, impedindo que inúmeros processos “continuem entulhados em suas dependências, aguardando lenta distribuição, lenta análise e, muitas vezes, tardia decisão.”100 97 Apud. MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins (org.)...[et al.]. Direito e processo do trabalho em transformação.Rio de Janeiro:Elsevier. 2007, p. 91. 98 VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex. Ano XI. nº 254.p.61. 15/08/2007. 99 MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins (org.)...[et al.]. Direito e processo do trabalho em transformação.Rio de Janeiro:Elsevier. 2007, p. 91. 100 Apud.MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 96.Passagem do voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes – STF– no Processo Administrativo nº 318.715, que deu origem à Emenda Regimental nº 12/2003. 2.3 Repercussão Geral – Conceito Vago ? O ponto mais sensível e, talvez, o que venha acarretar maior discórdia entre os doutrinadores em relação à implementação da repercussão geral é a definição do instituto no que toca à sua abrangência e quais serão os critérios estabelecidos para seu exame e avaliação. Como foi explanado nos capítulos anteriores, a repercussão geral é um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário totalmente distinto dos demais. Isso se dá porque é um requisito político de admissibilidade, ou seja, é concedido o poder aos ministros do Supremo Tribunal Federal de decidir se a questão objeto de análise transcende ou não os interesses subjetivos da causa, seja nos âmbitos jurídico, político, social ou econômico. Por essa razão, ao possuir um conceito elástico e de grande flexibilidade semântica, o instituto da repercussão geral vem sendo alvo de inúmeras críticas por dar ensejo à imprecisão, isto é, concede-se inexoravelmente uma enorme margem de subjetivismo no que tange à sua interpretação, acarretando, por via de conseqüência, grave insegurança jurídica. Aliás, o que pode ser repercussão geral para uns, pode não ser para outros.101 A rigor, muito embora tais colocações devam ser consideradas, as críticas não prosperam. Deve-se ter em mente que normas contendo conceitos vagos, vocábulos plurisignificativos, é um fenômeno cada vez mais freqüente nos ordenamentos jurídicos atuais. Afinal, tendo em vista “o crescimento das relações sociais e sua maior complexidade, 101 URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 68. 40 seria impossível ao legislador prever todos os tipos de relações de onde possam nascer conflitos de repercussão geral.”102 Desse modo, tendo em vista a vaguidade da expressão, agiu bem o legislador “não enumerando as hipóteses que possam ter tal expressiva dimensão, porque o referido preceito constitucional estabeleceu um conceito jurídico indeterminado, que atribui ao julgador a incumbência de aplicá-lo diante dos aspectos particulares do caso analisado.”103 Nessa vertente, à medida que o Supremo Tribunal Federal publicar seus acórdãos conferindo publicidade aos seus julgamentos, estes servirão de parâmetro para delimitar e determinar o real alcance do conceito repercussão geral, analisando a matéria no caso concreto, a jurisprudência do Tribunal será responsável para cumprir este mister.104 Dessa forma, buscar critérios objetivos não faz o menor sentido,105 porquanto somente o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de sua competência exclusiva, pronunciará quais são as questões que oferecem ou não repercussão geral, muito embora a própria lei já tenha categoricamente presumido a repercussão geral nos casos em que a decisão recorrida for contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF (artigo 543, §3º, do CPC). 102 103 104 105 PEREIRA, Vinícius. Questões Polêmicas acerca da repercussão geral no recurso extraordinário. Júris Plenum. nº 14. março de 2007, p. 104. TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista de Processo. nº 145. março de 2007, p. 155. URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 74. No mesmo sentido, PEREIRA, Vinícius. Questões Polêmicas acerca da repercussão geral no recurso extraordinário. Júris Plenum. nº 14. março de 2007, p. 104. “Em determinadas ocasiões não se deve buscar uma definição objetiva do que o instituto significa (como, por exemplo, boa fé). Ao STF deve ser dada a prerrogativa de considerar ou reconsiderar determinada decisão acerca da existência de repercussão geral, pois, assim, como a realidade social é dinâmica e complexa, assim é também a noção do que repercute de forma geral na sociedade.” Em sentido contrário, SILVA, Evandro Lins e. O Recurso Extraordinário e a relevância da questão federal. Revista dos Tribunais. v. 485. SP. março. 1976, p. 14. Analisando o conceito da antiga argüição de relevância, procurava fixar critérios objetivos com fim de definir questão relevante com base no interesse público e também quando estivesse envolvida garantia fundamental do cidadão. 41 Victor Nunes Leal ao discorrer sobre a antiga argüição de relevância, já entendia que uma das formas capazes de esquivar a larga margem de subjetivismo e de não fixar critérios objetivos seria deixar a cargo do STF a atribuição de fixar a relevância da matéria, a saber: “Aspectos da argüição de relevância podem ser minimizados pela formação de precedentes, a exemplo do símile alienígena, através de um eficiente sistema de repositórios, a que os norte-americanos chamam de restatemente of the law, nos quais alguns estudiosos preconizam a futura codificação oficial. Esses precedentes não seriam normativos, nem vinculativos, mas apenas orientadores das argüições de relevância, à feição do nosso ordenamento jurídico.”106 Posicionando-se a respeito, a Emenda Regimental do STF nº 21/2007, dispõe que toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para todos recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada pelo relator(a) à Presidência do Tribunal para que promova ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como da formação e atualização de respectivo banco eletrônico de dados. No entanto, apesar de não fixar critérios objetivos, pode-se esboçar, apenas a título ilustrativo, algumas questões que ofereceriam repercussão geral nos âmbitos jurídico, político, social e econômico. Rodolfo de Camargo Mancuso buscou de forma elucidativa explanar tais critérios com base no Projeto de Lei nº 3.267/2000, o qual visava inserir no recurso de revista o requisito da transcendência: “(i) jurídica: o desrespeito patente aos direitos humanos fundamentais ou aos interesses coletivos indisponíveis, com comprometimento da segurança e estabilidade das relações jurídicas; (ii) política: o desrespeito notório ao princípio federativo ou à harmonia dos Poderes constituídos; (iii) social: a existência de situação extraordinária de discriminação, de comprometimento do mercado de trabalho ou de pertubação notável à harmonia entre capital e trabalho; (iv) econômica: a ressonância de vulto da causa em relação à 106 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Argüição de relevância. <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/.pdf>. Acesso em 04/10/2009. Disponível em: 42 entidade de direito público ou economia mista, ou grave repercussão da questão na política econômica nacional, no segmento produtivo ou no desenvolvimento regular da atividade empresarial.”107 No entanto, por mais que se tente estabelecer parâmetros, ficará sob responsabilidade da jurisprudência do STF definir, no caso concreto, os limites, a abrangência e o real significado do que seja repercussão geral, muito embora existam vozes na doutrina que afirmem não existir tese constitucional que não transcenda o interesse subjetivo da causa.108 Aliás, Hans Kelsen já afirmava que o direito, ao conferir tutela a um interesse privado, estaria ao mesmo tempo conferindo tutela a um interesse geral.109 Não obstante tais colocações, firmar posição de que toda tese constitucional é causa de repercussão geral é o mesmo que banalizar o instituto, perdendo o seu real sentido. Tal entendimento se dá, principalmente, porque ao julgar o recurso extraordinário estaria “a Suprema Corte, de uma forma ou de outra, ditando para todo país o alcance de determinada norma da Constituição.”110 Assim, ao atribuir ao STF a competência para delimitar quais sejam as matérias de interesse geral da sociedade, à medida que for julgando os recursos extraordinários, a força do precedente judicial ganha força no direito brasileiro. 107 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 196 e 197. 108 MACIEL, José Alberto Couto. Revista Jurídica Consulex – ano XI – nº 252 – 15/07/2007, p.51. 109 Apud. PASSOS.J.J.Calmon de. O recurso extraordinário e a Emenda nº3 do RISTF. Revista de Processo. V. 5. São Paulo. Jan/fev/mar. 1977, p. 53. 110 MACIEL, José Alberto Couto. Revista Jurídica Consulex – ano XI – nº 252 – 15/07/2007, p. 51. 43 Obedecer a essa nova ordem (o precedente judicial) é o início de uma tendência que remonta aspectos do stare decisis,111 do direito norte americano.112 Algo que sofre bastante resistência por boa parte da comunidade jurídica brasileira.113 Portanto, caberá aos advogados observar atentamente, a partir de agora, os precedentes judiciais com fundamento na repercussão das questões, as razões pelas quais se conhece ou não do recurso extraordinário. Sendo assim, será dado um passo importantíssimo para “desestimular manobras notadamente protelatórias e a prática de recorrentes que desejam ver questões de nenhum ou quase nenhum relevo para o interesse público.”114 Outro aspecto que deve ser analisado é o entendimento de que as questões de repercussão geral são somente aquelas de interesse geral da sociedade. No entanto, tal afirmação deve ser vista com reservas, uma vez que não são questões exclusivamente de interesses metaindividuais que devem ser considerada para fins de repercussão geral. Mister se faz ressaltar que mesmo quando estiver em jogo o direito de uma só pessoa, em situação aparentemente irreptível, “deverá ser reconhecida a repercussão geral, desde que se trate de direito fundamental, aí incluídos, como se sabe, os direitos e garantias individuais e os direitos sociais.”115 111 112 113 114 115 The Lectric Law Library’s Lexicon on Stare Decisis. Disponível em: <http://www.lectlaw.com/def2/s065.htm>. Stare Decisis means to stand by that which is decided. “Stare Decisis significa aguardando o que está pra ser decidido.”(tradução livre). Acesso em 07/10/2009. VIANA, Ulisses Schwarz. Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista Jurídica Consulex. Ano XI. nº 254, p. 61. 15/08/2007. Nesse sentido: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 82. URBANO, Hugo Evo Magro Corrêa. Da Argüição de Relevância à Repercussão Geral das questões constitucionais no Recurso Extraordinário. Revista Dialética de Direito Processual. nº 47, p. 75. MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 96. 2.4 Repercussão Geral e o Poder Discricionário Ponto de relevo e de fundamental importância é analisar se a Emenda Constitucional nº45/2004 teria conferido poder discricionário aos ministros do Supremo Tribunal Federal para conhecer ou não do recurso extraordinário no que toca ao requisito de admissibilidade da repercussão geral. Sem fazer muito esforço, nota-se que a doutrina emprega comumente o termo discricionariedade.116 No entanto, medida salutar e de bom alvitre é que se utilize de forma técnica o termo sob análise, afinal para fins de repercussão geral, os ministros do Supremo Tribunal Federal estão longe de fazer um juízo discricionário.117 Maria Sylvia Zanella Di Pietro define o que seja poder discricionário sob a ótica do direito público. “A lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou de outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência justiça, eqüidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador.”118 Em suma, é a escolha legítima entre duas condutas, conforme juízo exclusivo de conveniência e oportunidade da autoridade competente, de modo que ficará sempre evidenciada uma deliberação válida. No entanto, não existe poder discricionário em decisões judiciais, mesmo que a regra legislada empregue conceitos de valores, com grande 116 GRECO, Leonardo. A Reforma do Poder Judiciário e o acesso à justiça. Revista Dialética de Direito Processual. nº 27. SP. Junho/2005, p. 67-87. “Por maior rigor que venha a cercar a elaboração da lei preconizada, certamente será impossível evitar o arbítrio, o que resultará em tornar facultativa ou discricionária a jurisdição constitucional do STF.” 117 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18. 2007, p. 10. 118 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 197. 45 flexibilidade semântica, haja vista que há parâmetros e valores que são impostos ao julgador de maneira absolutamente cogente.119 Nessa vertente, evidenciada a repercussão geral, sendo a questão de interesse para toda sociedade, o Supremo Tribunal Federal está obrigado a conhecer do recurso extraordinário, não se pode falar em juízo de conveniência e oportunidade. Assim, não haverá espaço para livre apreciação e escolha entre duas opções igualmente válidas e legítimas, mesmo porque a matéria controvertida é ou não caso de repercussão geral.120 Como conclui Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Metieiro: “não há de se cogitar aí, igualmente, de discricionariedade no recebimento do recurso extraordinário. Configurada a repercussão geral, tem o Supremo de admitir o recurso e apreciá-lo no mérito.”121 No mesmo sentido, José Rogério Cruz e Tucci afirma que: “seja como for, os critérios estabelecidos para o exame da repercussão geral jamais poderão ser discricionários, até porque a Corte deverá explicitar a ratio decidendi.122 Portanto, havendo repercussão geral, o litigante fazendo um juízo de conveniência e oportunidade, atuando discricionariamente, poderá interpor ou não o recurso extraordinário, ao passo que uma vez exercido esse direito, o Supremo Tribunal federal tem o poder-dever de admitir o recurso. Não é caso de discricionariedade, mas sim, de obrigatoriedade, até pelo fato da Constituição impor observância ao princípio da inafastabilidade do judiciário. 119 120 121 122 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 10. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 10. MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2007, p. 34 e 35. TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário: Lei 11.418/2006. Revista de Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 16. jan/fev de 2007, p. 20. 2.5 Do Direito Intertemporal A Emenda Constitucional 45 de dezembro de 2004, responsável pela reforma do Poder Judiciário, inseriu em seu artigo 102, § 3º, o instituto da repercussão geral com a seguinte redação: “no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos seus membros.” É de fácil percepção que se trata de norma de eficácia limitada, isto é, são normas que apresentam “aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade.”123 Somente dois anos depois, em dezembro de 2006, foram acrescentados ao Código de Processo Civil, os artigos 543-A e 543-B, os quais regulamentaram o artigo 102, § 3º, da Constituição Federal. Apesar da própria Lei 11.418/2006, em seu artigo 4º, dispor que: “aplica-se esta lei aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência,” o Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, resolveu Questão de Ordem no AI 664.567,124 Relator Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido de estabelecer como marco temporal para a exigibilidade da repercussão geral o dia 3 de maio de 2007, data da publicação da Emenda n° 21 do Regimento Interno do STF. Em suma, o Ministro decidiu “que a determinação expressa de aplicação da Lei 11.418/06 (art. 4º) aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência não 123 124 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed.Atlas. São Paulo, 2006, p. 7. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp> . Acesso em: 13/10/2009. 47 significa a sua plena eficácia.”125 Segundo ele, ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal a tarefa de estabelecer, em seu Regimento Interno, as normas necessárias à execução da lei 11.418/2006 (artigo 3°). Consta da referida decisão que o objetivo do artigo 4° da lei 11.418/2006: “Foi tão-somente evitar aplicação retroativa do requisito da repercussão geral: sem ele, com efeito, poderia surgir a tentadora interpretação de que a repercussão geral seria exigida quanto aos recursos interpostos antes da vigência da Lei, notadamente aos recursos interpostos após a EC 45. Em tese, como a Lei 11.418/06 entrou em vigor 60 dias após a sua publicação (art. 5º), a edição, pelo Supremo Tribunal Federal, das normas regimentais necessárias a sua execução poderiam ter entrado em vigor nessa mesma data. Apesar dos esforços que se empreenderam, as alterações regimentais – de 30 de abril de 2007 – somente entraram em vigor no dia 03.5.07 – data da publicação da Emenda Regimental nº. 21 (art. 3º) –, após, portanto, a publicação do acórdão objeto do RE a que se refere este agravo. Parece fora de dúvida que, sendo imprescindível a referida emenda regimental para a execução da Lei 11.418/06, seria ilógico exigir que os recursos interpostos antes da vigência daquela contenham uma preliminar em que o recorrente demonstre a existência da repercussão geral (Art. 543-A, §2º, introduzido pelo art. 2º da Lei 11.418/06). É que, ainda que houvesse a referida preliminar, não se poderia dar o imediato e integral cumprimento da Lei 11.418/06. O Tribunal, no julgamento da Medida Cautelar no RE 376.852 (Pleno, 27.3.03, Gilmar Mendes, DJ 13.06.03, por exemplo, deixou de aplicar a medida de suspensão dos processos nos termos dos arts. 14, §5º, e 15, da Lei 10.259/01, considerando a ausência, até então, de normas regimentais ditadas pelo Supremo Tribunal Federal (arts. 14, §10; e 15).”126 A presente decisão tem a sua importância porque inúmeros recursos extraordinários foram interpostos sem constar preliminarmente o requisito da repercussão geral. Mesmo assim, os recursos devem ser conhecidos justamente porque o Supremo Tribunal Federal ainda não tinha elaborado a referida Emenda Regimental. Outro aspecto essencial é definir se o requisito da repercussão geral será suscetível de exigência caso a intimação do acórdão recorrido venha a ocorrer antes de 3/05/2007 e o termo ad quem findar após a data da publicação da Emenda Regimental nº 21, do RISTF. 125 126 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 14/10/2009. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 14/10/2009. 48 Somente a título ilustrativo, imagine que um determinado litigante seja intimado da decisão no dia 1° de maio de 2007. Sabe-se que o prazo para interpor o recurso extraordinário é de 15 dias. Deveria ele demonstrar, em preliminar de recurso, a repercussão geral, uma vez que a Emenda Regimental nº 21 entrou em vigor no dia 03 de maio de 2007? Neste caso, se a preliminar de repercussão geral fosse exigida haveria transgressão frontal à garantia constitucional, uma vez que desrespeitaria o direito processual adquirido ao conhecimento do recurso extraordinário de acordo com a Emenda Regimental vigente ao tempo do termo inicial do prazo para sua interposição.127 Nesse sentido decidiu o Ministro Sepúlveda Pertence, no AI 664.567: “A exigência da demonstração formal e fundamentada no recurso extraordinário da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 3.5.2007, data da publicação da Emenda Regimental 21/2007, do RISTF.”128 Desse modo, não restam dúvidas de que exigir como preliminar de recurso o requisito da repercussão geral, antes de 03 de maio de 2007, não seria a melhor opção. Caso contrário, o litigante seria surpreendido durante o curso do prazo recursal com a elaboração – vigência - da Emenda Regimental, havendo, como acima explanado, afronta direta a um direito processual adquirido. 127 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no recurso extraordinário.São Paulo: Revista dos Tribunais., 2007, p. 75. 128 Disponível em:<http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp> . Acesso em 14/10/2009. 3 LEI 11.418/2006 E A EMENDA REGIMENTAL Nº21 3.1 Momento destinado para análise da repercussão geral e o procedimento por meio eletrônico De 19 de dezembro de 2006, data publicação da Lei 11.418, até 3 de maio de 2007, dia em que passou a viger a Emenda Regimental nº 21, foi o tempo gasto para que se pudesse regulamentar o procedimento da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal. Cinco meses de espera foram necessários para que o instituto da repercussão geral pudesse ter plena aplicabilidade. Apesar dos esforços imbuídos, o tempo despendido para elaboração da referida Emenda foi demasiado, tendo em vista que os artigos que regulamentaram a repercussão geral no Regimento Interno do STF, praticamente repetiram os dispositivos do Código de Processo Civil (artigos 543-A e 543-B). Não obstante a timidez dos dispositivos da Emenda Regimental nº 21, algumas especificações e, inclusive, mudanças práticas procedimentais foram devidamente elucidadas e superadas, respectivamente. As principais foram: o momento para a apreciação da repercussão geral e a inserção do meio eletrônico. Esta última, como forma do relator submeter aos demais Ministros cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral. Até o advento da Emenda Regimental muito se debatia a respeito do momento procedimental destinado ao exame da repercussão geral.129 Arruda Alvim expôs que 129 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário: Lei 11.418/2006. Revista de Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 16. jan/fev de 2007, p. 24. 50 o momento adequado para análise da repercussão geral seria feito preliminarmente, isto é, antes dos requisitos de admissibilidade propriamente ditos, como tempestividade, cabimento e preparo, por exemplo. Assim, afirma o processualista: “O exame da repercussão geral deverá ser prévio à admissibilidade, propriamente dita, ou à admissibilidade em sentido técnico, como assunto preliminar, já quando e dentro do âmbito do julgamento do recurso. A presença de repercussão geral, em certo sentido, é também submetida a um exame (não é ato de julgamento, por isso que a deliberação não tem caráter jurisdicional); este exame não deixa de ser uma forma de admissibilidade, mas previamente à possibilidade de julgamento e apenas em função do reconhecimento pelo tribunal, por meio de pronunciamento de caráter político, da presença da repercussão geral que se encontra na questão constitucional objeto do recurso, admitindo o recurso; de resto, o próprio texto refere-se que o tribunal procederá à admissão do recurso, usando o verbo admitir. Mas essa deliberação preliminar é inconfundível com a admissibilidade propriamente dita (com a verificação do cabimento/enquadramento do recurso nas hipóteses do artigo 102 da CF e legislação ordinária), a qual é juízo preambular já dentro do procedimento do julgamento do recurso.”130 No entanto, se a análise da repercussão geral antecedesse aos demais requisitos de admissibilidade do recurso, em verdade, seria extremamente desgastante para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, uma vez que “haveria o risco de reconhecer a existência da repercussão geral e, posteriormente, não conhecer o recurso no mérito, por ausência de outro requisito de admissibilidade.”131 Corroborando com tal entendimento, Glauco Gumerato Ramos sustenta: “Imagine-se o dispêndio de energia que seria se o STF se reunir na forma a ser prevista na lei regulamentadora e reconhecer a presença da repercussão geral e depois, numa decisão monocrática, o Ministro relator detectar que o RE é intempestivo ou deserto.”132 Foi nesse sentido que se posicionou a Emenda Regimental nº 21, já que a Lei 11.418/2006 foi omissa nesse aspecto. O artigo 323 é claro: “quando não for o caso de 130 131 132 ALVIM, Arruda. A EC nº45 e o instituto da repercussão geral, reforma do poder judiciário (obra coletiva). p. 64. JORGE, Flávio Cheim e SARTÓRIO Elvio Ferreira. O recurso extraordinário e a demonstração da repercussão geral, reforma do judiciário (obra coletiva). p. 186. RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7858>. Acesso em: 18/10/2009. 51 inadmissibilidade do recurso por outras razões, o relator submeterá por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.” Portanto, o relator primeiro analisará sobre os requisitos de admissibilidade propriamente ditos e somente em momento posterior, os Ministros, por meio eletrônico se manifestarão sobre a existência ou não de repercussão geral. Ultrapassada essa fase, de conhecimento do recurso, será julgado o mérito do extraordinário. No que tange à questão de fundo, a Turma, em regra, é o órgão competente para julgar o recurso extraordinário por imposição do artigo 9º, inciso III, do Regimento Interno de 1980 do STF. No entanto, se o recurso extraordinário se amoldar às hipóteses previstas nos artigos 557, caput, e 557, §1º-A, o relator, desde já, julgará monocraticamente o recurso.133 Para isso, o recurso deverá ser manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto quer com a súmula quer com a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, ou, então, se a decisão recorrida estiver confrontando com súmula ou jurisprudência dominante do STF, ou de Tribunal Superior, casos em que o relator poderá dar provimento ao recurso.134 Insta frisar que o recurso extraordinário pode ser julgado também pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Basta que a Turma afete a competência àquele órgão, nos casos que considerar relevante a argüição de inconstitucionalidade ainda não decidida pelo Plenário e o Relator não lhe houver afetado o julgamento; quando, não obstante ter sido 133 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 404. 134 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Teor do artigos 557, caput, e 557, parágrafo único. 52 decidida pelo Plenário a questão de inconstitucionalidade, algum Ministro propuser o seu reexame ou algum Ministro propuser revisão da jurisprudência compendiada na Súmula.135 Também tocará ao plenário do STF julgar o mérito do recurso extraordinário se o relator entender que há matérias nas quais as Turmas divirjam entre si ou alguma delas em relação ao Plenário, ou em razão da relevância da questão jurídica ou da necessidade de prevenir divergência entre as Turmas, convier pronunciamento do Plenário.136 Outra importante inovação trazida pela Emenda Regimental nº 21, e não prevista na Lei 11.418/2006, foi o processo por meio eletrônico. Aliás, o procedimento realizado por meio eletrônico, na prática, inviabilizou a aplicação do §4º, do artigo 543-A, tornando-se letra morta.137 Do Código de processo consta que se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal é composto por duas Turmas de cinco Ministros cada.138 A Constituição Federal, por seu turno, em seu artigo 102, § 3º, é clara em dizer que o recurso extraordinário somente poderá ser inadmitido, no que tange à repercussão geral, se for recusado pela manifestação de dois terços dos Ministros. Se a Turma é composta por cinco membros e quatro Ministros já se pronunciaram no sentido de que a 135 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 404. 136 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 404. 137 SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro Gilmar Ferreira Mendes - STF. Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009. 138 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Teor do artigo 4º do Regimento Interno. 53 matéria objeto de análise oferece repercussão geral, despiciendo seria remeter a questão para o Plenário.139 Mesmo porque se todos os demais componentes do Tribunal votassem pela inadmissão do recurso por não conter no bojo do extraordinário matéria atinente à repercussão geral, a votação não seria suficiente, uma vez que alcançaria um total de sete Ministros. Não satisfazendo os dois terços necessários, isto é, oito Ministros, o mínimo exigido pela Constituição.140 Só que os Ministros, na prática, utilizando-se do meio eletrônico, estão atuando de forma diversa do estipulado no §4º, do artigo 543-A. Por questão de celeridade, o relator do recurso submete por meio eletrônico, aos 10 (dez) outros Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.141 Recebida a manifestação do relator, os demais Ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de vinte dias, manifestação sobre a questão de repercussão geral. Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para a recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral. O relator, na prática, não envia a questão sobre a repercussão geral somente para os membros que compõem a sua Turma, conforme preceitua o § 4º do artigo 543-A. Na verdade, a matéria é encaminhada para todos os demais Ministros. Se oito Ministros, isto é, 139 140 141 RODRIGUES NETTO, Nélson. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário consoante a Lei nº11.418/2006. Revista Dialética de Direito Processual nº 49, p. 119. RODRIGUES NETTO, Nélson. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário consoante a Lei nº11.418/2006. Revista Dialética de Direito Processual nº 49, p. 119. SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes. Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009. 54 dois terços, firmarem posição no sentido de que a questão sob análise não oferece repercussão geral, o recurso extraordinário estará automaticamente inadmitido.142 Denota-se, portanto, que o Regimento Interno do Supremo não está em consonância com o Código de Processo Civil. O correto seria fazer como impõe o §4º, do artigo 543-A, isto é, o relator primeiro encaminharia a questão sobre repercussão geral aos membros de sua Turma, e se não alcançasse a votação de no mínimo quatro membros a favor da repercussão geral, aí, sim, remeteria a matéria para o Plenário. No entanto, infelizmente, a Emenda Regimental nº 21, realiza o procedimento de forma contrária à lei. A celeridade na resolução do feito termina, por muitas vezes, atuando em prejuízo de uma solução mais justa para o processo. Se o procedimento fosse realizado conforme os ditames da lei processual, nada impediria que os Ministros que compõem a primeira Turma, por exemplo, se, porventura, decidissem pela não existência da repercussão geral, poderiam rever a sua posição adotada na Turma, após debate, em Plenário, com os Ministros da segunda Turma e também com o Presidente do Tribunal e alterar o seu voto em favor da repercussão geral.143 Relevante ressaltar que com o advento do meio eletrônico, por questões óbvias, o mérito referente à repercussão geral não será mais submetido ao Plenário e, por via de conseqüência, os debates não serão realizados.144 No entanto, nada impede que qualquer dos Ministros suscite Questão de Ordem e leve o caso para ser discutido em Plenário. Foi o 142 143 144 SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes. Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009. MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 104. SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes. Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009. 55 que aconteceu quando o Tribunal resolveu questão de ordem levantada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes (relator dos recursos extraordinários: 556664/559882/560626).145 “O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes em recursos extraordinários, dos quais relator, interpostos contra decisões proferidas pelo TRF da 4ª Região, no sentido de comunicar aos tribunais e turmas de juizados especiais respectivos a determinação de sobrestamento dos recursos extraordinários e agravos de instrumento que versem sobre a constitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 em face do art. 146, III, b, da CF/88, e do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei 1.569/77 em face do art. 18, § 1º, da CF/67, com redação dada pela EC 1/69, como também no sentido de devolver aos respectivos tribunais de origem os recursos extraordinários e agravos de instrumento, ainda não distribuídos nesta Corte, que versem sobre o tema, sem prejuízo da eventual devolução, se assim entenderem os relatores, daqueles feitos que já estão a eles distribuídos. Diante disso, deliberou o Tribunal que se comunique, com urgência, aos Presidentes do STJ, dos Tribunais Regionais Federais e aos coordenadores das Turmas Recursais, bem como ao Presidente da Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, para que suspendam o envio ao Supremo dos recursos extraordinários e agravos de instrumento que tratem da referida matéria, até que este Tribunal aprecie a questão. Na espécie, o TRF da 4ª Região desprovera apelações da União, por entender que, diante da inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46, da Lei 8.212/91, visto que a matéria relativa à decadência e prescrição de contribuições previdenciárias somente poderia ser tratada por meio de lei complementar, deveria ser reconhecida a prescrição da execução fiscal.”146 Porém, por questão de celeridade processual, dificilmente os Ministros suscitarão questão de ordem para tratar do mérito da repercussão geral, mesmo porque o meio eletrônico já se encontra devidamente implementado no Supremo Tribunal Federal.147 Por outro lado, o procedimento por meio eletrônico não terá lugar quando o recurso versar sobre questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária à Súmula ou à Jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral.148 145 INFORMATIVO do STF nº 479. Data: de 10 a 14 de setembro de 2007. INFORMATIVO do STF nº 479. Data: de 10 a 14 de setembro de 2007. 147 SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes. Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2009. 148 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Teor do artigo 323, §1º, do Regimento Interno. 146 56 Trata-se, portanto, de repercussão geral presumida. É o único caso em que o legislador (artigo 543-A, §3º) delimitou os alcances da repercussão geral e o definiu de forma objetiva, muito embora haja “dificuldade de se estabelecer em que consiste jurisprudência dominante do Tribunal, noção esta, extremamente fluída, diferentemente do que acontece com os verbetes da Súmula do STF que correspondem à jurisprudência assentada do Tribunal.”149 Relevante ressaltar que “por se tratar de uma presunção iuris et de iure, não se admite contrariedade, somente sendo possível, no caso concreto, ser demonstrado que a hipótese não se enquadra na previsão legal.”150 3.2 Competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal para apreciação da repercussão geral O artigo 543-A, § 2º, ressalta que o recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência de repercussão geral. Já o artigo 327 do Regimento Interno do STF dispõe que a Presidência do Tribunal a quo recusará os recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles casos cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedentes do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão. Os §§ 1º e 2º do artigo 327, por sua vez, estabelecem, respectivamente: que igual competência exercerá o relator sorteado, quando o recurso não tiver sido liminarmente recusado pela Presidência; e da decisão que recusar o recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo. 149 150 RODRIGUES NETTO, Nélson. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário consoante a Lei nº11.418/2006. Revista Dialética de Direito Processual. nº 49, p. 117. RODRIGUES NETTO, Nélson. A aplicação da repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário consoante a Lei nº11.418/2006. Revista Dialética de Direito Processual. nº 49, p. 117. 57 Diante dos dispositivos citados, extrai-se que o recorrente deverá demonstrar de forma preambular no recurso extraordinário, fundamentadamente, que a questão constitucional nele aventada oferece repercussão que ultrapassa os interesses subjetivos da causa.151 “A ausência de tal capítulo torna inepta a petição recursal.”152 Se assim não o fizer, a Presidência do Tribunal a quo tem legitimidade para recusar o recurso. Os advogados, destarte, devem estar sempre atentos para se manterem devidamente atualizados com a jurisprudência do STF. Caso contrário, carecendo a matéria de repercussão geral, segundo precedentes do Supremo, a Presidência do Tribunal a quo, terá legitimidade para recusar o recurso extraordinário, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão. Insta frisar que o artigo 327 da Emenda Regimental nº 21 ao permitir a Presidência do Tribunal fazer controle extrínseco de repercussão geral terminou por abrandar, de certa forma, o teor do artigo 543-A, §2º. Este dispositivo determina que a apreciação da repercussão geral será realizada de forma exclusiva pelo STF. No entanto, relevante realçar a lição de Humberto Theodoro Júnior: “O presidente (ou vice-presidente) tribunal a quo, portanto, poderá inadmitir o extraordinário, não pela proclamação de falta de repercussão geral, mas por ausência objetiva de um requisito indispensável da petição. Estará controlando um pressuposto processual, da mesma maneira com que teria de agir, em face da tempestividade do recurso, do prequestionamento ou da demonstração de divergência pretoriana. O que não se admite, de forma alguma, é o juízo de valor sobre os argumentos utilizados pela parte para sustentar a repercussão geral. Essa averiguação somente o STF poderá fazer.”153 151 152 153 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24 e 25. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 25. 58 No mesmo sentido decidiu o STF, em Questão de Ordem, AI 664567: “O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada em agravo de instrumento — interposto contra decisão que inadmitira recurso extraordinário, em matéria criminal — da seguinte forma: 1) que é de exigir-se a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas em qualquer recurso extraordinário, incluído o criminal; 2) que a verificação da existência de demonstração formal e fundamentada da repercussão geral das questões discutidas no recurso extraordinário pode fazer-se tanto na origem quanto no Supremo Tribunal Federal, cabendo exclusivamente a este Tribunal, no entanto, a decisão sobre a efetiva existência da repercussão geral.”154 Em suma, não compete à Presidência do Tribunal se manifestar sobre o mérito da repercussão geral. Aliás, “eventual intromissão indevida de Tribunais de origem nessa seara desafia ação de reclamação ao próprio Supremo, por usurpação de competência.”155 Se o Tribunal de origem admitir o recurso extraordinário que verse sobre questão já definida como carente de repercussão geral, competirá ao relator inadmiti-lo por decisão monocrática, nos termos dos artigos 557 do CPC e 327, §1º, do Regimento Interno do STF. Não se deve entender que o relator estaria usurpando competência do Plenário,156 mesmo porque os demais Ministros que compõem a Corte já teriam decidido anteriormente a questão.157 No caso em apreço, o recurso seria considerado, nos termos do artigo 557, caput, do CPC, como manifestamente inadmissível, justamente por se posicionar contra 154 Disponível em:< http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp> . Acesso em 02/11/2009. MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no recurso extraordinário.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 80. 156 Na prática não haverá debates e discussões em plenário porque o processo de votação sobre repercussão geral se dará por meio eletrônico, salvo se algum dos ministros suscitarem questão de ordem. No entanto, a presidência do tribunal promoverá ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como da formação e atualização de banco eletrônico de dados a respeito (artigo 329 RISTF). 157 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18. 2007, p. 26 e 27. 155 59 jurisprudência já assentada pelo órgão competente para pronunciar a inexistência de repercussão geral.158 Por fim, o §2º, do artigo 327 do Regimento Interno dispõe que da decisão que recusar o recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo. A decisão da Presidência do Tribunal a quo que inadmitir o recurso extraordinário por não apresentar preliminar formal e fundamentada, bem como os casos que carecerem de repercussão geral, segundo precedente do STF, desafiará o recurso de agravo de instrumento a ser processado nos termos do artigo 544 do CPC.159 Se, porventura, a Presidência do Tribunal de origem negar seguimento ao agravo de instrumento,160 não caberá novo agravo de instrumento da decisão. Vale lembrar que não existe juízo de admissibilidade, na origem, de agravo de instrumento do artigo 544, do CPC, muito embora não seja difícil encontrar decisões de negativa de seguimento do próprio agravo.161 Leciona Bernardo Pimentel: “Resta saber qual a via processual adequada se ocorre a indevida negativa de seguimento do agravo de instrumento na origem. Há autorizado entendimento em prol da interposição de novo agravo de instrumento. Ainda que muito respeitável, a solução não é a melhor, tendo em vista a possibilidade da ocorrência de círculo vicioso. Além do mais, o agravo do artigo 544 só é cabível quando ocorre inadmissão de recursos especial e extraordinário. Tudo indica que o princípio da taxatividade restaria desrespeitado com a aceitação de agravo de instrumento contra decisão monocrática de negativa de seguimento a anterior agravo de instrumento. A impetração de mandado de segurança também não se coaduna com a correta orientação consubstanciada no verbete n. 41 da Súmula do Superior Tribunal 158 159 160 161 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24. SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes. Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2007. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula 727. “Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente à causa instaurada no âmbito do juizados especiais.” TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. Súmula nº 19 (2ª região) “Não é cabível agravo regimental de decisão que examina a admissibilidade dos chamados recursos constitucionais RE, REsp e RO.” SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 253. 60 de Justiça, bem assim nos enunciados 330 e 624 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Além do mais, a interpretação do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, reforçado pelos artigos 1º e 5º, inciso II, da Lei n. 1.533, revela que o alcance do mandado de segurança é obtido por exclusão. Sem dúvida, é inadmissível a ação de segurança quando prevista outra via processual específica para a impugnação de decisão jurisdicional. Ora, a Constituição Federal consagrou a ação de reclamação nos artigos 102, inciso I, alínea “l”, e 105, inciso I, letra “f”, quando há usurpação de competência de corte superior. Portanto, tudo indica que a via processual adequada para a impugnação da decisão que impede o seguimento do agravo de instrumento rumo ao tribunal ad quem é a reclamação constitucional, nos termos dos artigos 13 e 18 da Lei n. 8.038, de 1990.”162 Por outro lado, tocará ao relator recusar, em decisão monocrática, quando o recurso não tiver sido liminarmente inadmitido pela Presidência do Tribunal a quo por motivo de ausência de preliminar fundamentada, bem como aqueles casos cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Supremo.163 Nesses casos, o recurso cabível será o agravo regimental (ou interno), nos termos do artigo 557, §1º, do CPC.164 É justamente nesses dois casos, seja quando couber agravo de instrumento ou regimental que se encontra, talvez, o ponto vulnerável do instituto da repercussão geral. Conforme salienta José Alberto Couto Maciel: “Acredito que aí reside a possibilidade de a celeridade desejável perder um pouco do seu efeito. É que, não recusada a repercussão, o extraordinário tramitará na forma atual apenas acrescido de mais um requisito essencial. Recusado o recurso em decorrência de estar a repercussão desfundamentada, e uma vez interposto o agravo, terão as turmas e o Pleno (?) de julgá-lo e o volume de processos, infelizmente, nesta hipótese, não será reduzido.”165 Tendo em vista a enorme possibilidade de interposição de agravos de instrumento, o artigo 327 do Regimento Interno do STF poderia, pelo menos, ter lançado mão 162 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 261 e 262. 163 Teor do artigo 327 do RISTF. 164 THEODORO JUNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 22. 165 MACIEL, José Alberto Couto. Revista Jurídica Consulex – ano XI – nº 252 – 15/07/2007, p. 52 e 53. 61 de atribuir competência aos tribunais de origem de todo país de realizar exame extrínseco de admissibilidade de repercussão geral. Já que compete ao relator fazer o exame de admissibilidade dos requisitos propriamente ditos, como tempestividade, por exemplo, não teria porque o Tribunal de origem fazer controle de preliminar formal e fundamentada e nos casos que a matéria carecesse de repercussão geral, segundo precedente do Supremo. Neste caso, melhor seria atribuir competência exclusiva ao STF, no sentido literal do termo, para somente ele realizar a admissibilidade de repercussão geral, tanto em relação ao aspecto intrínseco (juízo de valor - mérito) como extrínseco. Desse modo, pelo menos não haveria possibilidade de interposição de agravos de instrumento endereçados ao STF por motivos de repercussão desfundamentada, por exemplo. Reduziria, assim, a quantidade de casos em que tal recurso poderia ser interposto. 3.3 Da irrecorribilidade da decisão que recusa a repercussão geral. Encontrando-se nos termos devidos os requisitos de admissibilidade propriamente ditos, o relator submeterá por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.166 Recebida a manifestação do relator, os demais Ministros encaminhar-lhe-ão também por meio eletrônico, no prazo comum de 20 (vinte) dias, manifestação sobre a questão de repercussão geral.167 Reconhecida a existência de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal deverá obrigatoriamente conhecer do recurso extraordinário. Sendo assim, o relator julgará o recurso ou pedirá dia para seu julgamento, após vista ao Procurador Geral, se necessária.168 166 Teor do artigo 323 do RISTF. Teor do artigo 324 do RISFT. 168 Teor do artigo 325 do RISTF. 167 62 Relevante ressaltar que o teor da decisão preliminar sobre a existência da repercussão geral, que deve integrar a decisão monocrática ou acórdão, constará sempre das publicações dos julgamentos no Diário Oficial, com menção clara à matéria do recurso.169 No entanto, se os Ministros decidirem por dois terços dos votos pela inexistência da repercussão geral, a decisão proferida é irrecorrível, valendo, inclusive, para todos os recursos sobre questão idêntica, devendo ser comunicada pelo Relator à Presidência do Tribunal para que promova ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como da formação e atualização de banco eletrônico de dados a respeito.170 Nada impede, todavia, que haja interposição de embargos declaratórios da decisão que negar seguimento ao recurso extraordinário por ausência de repercussão geral.171 Afirma Bernardo Pimentel que: “os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer decisão jurisdicional: sentença, acórdão, decisão interlocutória proferida por juiz de primeiro grau e decisão monocrática de autoria de magistrado de tribunal (verbi gratia, relator, presidente, vice-presidente).”172 Portanto, inexistem motivos para que não caibam embargos de declaração quando a decisão proferida estiver omissa, obscura ou em contradição. Afinal, “é absolutamente necessário que a tutela jurisdicional seja prestada de forma clara, coerente e completa e a tanto se presta o recurso de embargos de declaração.”173 169 Teor do parágrafo único do artigo 325 do RISTF. Teor dos artigos 326 e 329 do RISTF. 171 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 53. 172 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 266. 173 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 53 e 54. 170 63 Via de regra, “os embargos declaratórios visam a complementar e a aclarar a decisão embargada, produzindo apenas efeito integrativo.”174 Porém, não é incomum que a decisão proferida produza efeitos infringentes no julgado embargado, ou seja, que ocorram efeitos modificativos substanciais.175 Imperioso se faz, por respeito ao direito fundamental do contraditório, intimar a parte contrária, a fim de que possa se manifestar sobre a decisão modificada. Em suma, o artigo 326 do Regimento Interno do STF deve ser analisado com prudência e, sobretudo, com muito cuidado. Não obstante o artigo dispor que toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível, vale lembrar que existe a real possibilidade de ser interposto o recurso de embargos de declaração. Por derradeiro, insta frisar que se os Ministros decidirem pela inexistência de repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre questão idêntica. Caberá, então, aos demais tribunais recusar os recursos extraordinários cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal. 3.4 Intervenção do amicus curiae A intervenção do amicus curiae imposta pela lei 11.418/2006, durante o processo de averiguação da repercussão geral, sem dúvida buscou inspiração no parágrafo 2º, artigo 7º, da Lei 9868/1999, a qual dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de 174 175 SOUZA, Pimentel Bernardo. Introdução aos recursos e à ação rescisória. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 273. MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 53 e 54. 64 inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.176 De acordo com a Lei 9868/1999, o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades. Alexandre de Moraes explica o papel a ser desempenhado pelo amicus curiae: “Essa inovação passou a consagrar, no controle abstrato de constitucionalidade brasileiro, a figura do amicus curiae, ou “amigo da Corte”, cuja função primordial é juntar aos autos parecer ou informações com intuito de trazer à colação considerações importantes sobre a matéria de direito a ser discutida pelo Tribunal, bem como acerca dos reflexos de eventual decisão sobre a inconstitucionalidade da espécie normativa impugnada.”177 Segundo Peter Härbele, a intervenção do amicus curiae é forma de participação “de potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição.”178 Nesse sentido, mister se faz ressaltar trecho do voto do Ministro Celso de Mello – STF – ao se pronunciar sobre o processo objetivo de controle normativo abstrato: (...) “a admissão do terceiro, na condição de amicus curiae no processo normativo, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões do Tribunal Constitucional, viabilizando, em obséquio, ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize a possibilidade de participação de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais” (...).179 Relevante ressaltar que a essência da intervenção do amicus curiae no incidente de análise da repercussão geral é a mesma da Lei 9868/1999. Segundo o Ministro 176 MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 106. 177 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo:Atlas, 2006, p. 7. 178 Apud. EDITOR, Sérgio Antônio Fabris. Hermenêutica constitucional.1997, p. 48. 179 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário. Ag.Reg. ADIn nº 2.130-3/SC, Relator Ministro Celso de Mello, j. 03/10/2001. 65 Gilmar Mendes – STF – a idéia central da intervenção de terceiro é justamente permitir, “de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões.”180 Uma vez admitida a participação do amicus curiae pelo relator, que poderá ser concedida de ofício ou a requerimento da parte, o terceiro oferecerá por escrito suas razões com o intuito de convencer a Suprema Corte da existência ou inexistência de repercussão geral a partir do caso concreto.181 Dois pontos importantes constam no parágrafo 2º, artigo 323, do Regimento Interno do STF. Primeiro, a decisão que admitir, ou não, a intervenção de terceiro é irrecorrível. Segundo, a manifestação será sempre subscrita por procurador devidamente habilitado, no prazo em que o relator fixar. Assunto de extrema valia e ainda não decidido pelo Supremo Tribunal Federal é o exato momento em que se dará a intervenção do amicus curiae. Tendo em vista que a análise da questão sobre repercussão geral ocorre por meio eletrônico, tudo indica que ao examinar os requisitos de admissibilidade propriamente ditos, o relator, considerando relevante a matéria e a representatividade dos postulantes, deferirá de ofício ou a requerimento a intervenção de terceiro. Ocorrendo a manifestação por escrito, o relator proferirá o seu voto a favor ou não da repercussão geral, lançando-o no sistema eletrônico. Recebida a manifestação do 180 181 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. Adin nº 2.548/PR. Relator Ministro Gilmar Mendes. Decisão: 18/10/2005. Informativo STF nº 406 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no recurso extraordinário.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 40. 66 relator, os demais Ministros encaminhar-lhe-ão também por meio eletrônico, no prazo comum de vinte dias, manifestação sobre a questão de repercussão geral. Outra questão controvertida e também não decidida pelo Supremo é saber se será permitido ao terceiro a possibilidade de sustentação oral. Sabe-se que em processo abstrato de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal já admitiu, excepcionalmente, a realização.182 O próprio Tribunal permite que o amicus curiae realize sua sustentação oral no tempo máximo de quinze minutos, aplicando, portanto, a regra regimental prevista no artigo 131, §3º.183 No entanto, há posicionamento na doutrina no sentido de que a sustentação oral não será concedida a terceiro quando se tratar de análise de incidente de repercussão geral. Segundo Samir José Caetano Martins, “não seria factível que o STF franqueasse, igualitariamente, o uso da sustentação oral pela legião de interessados em uma matéria de repercussão geral.”184 Certamente, a admissão da sustentação oral em questões referentes à repercussão geral poderá implicar a inviabilidade do funcionamento da Corte, pelo eventual excesso de intervenções. A manifestação somente por escrito agilizará bastante o procedimento. Todavia, existem fortes argumentos em sentido contrário: “Tem-se de franquear ao amicus curiae, de outro lado, a possibilidade de sustentar oralmente as suas razões por tempo igual àquele deferido às partes. Mostra-se atendível, ainda, eventual interesse do terceiro em ser recebido 182 183 184 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Adin nº 2.675/PE. Relator Ministro Carlos Veloso. Decisão 26/11/2003. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Adin nº 2.777/SP. Relator Ministro Cezar Peluso. Decisão: 27/11/2003. Informativo, STF, nº 331. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Adin nº 2.943/6/DF. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Diário da Justiça, Seção I, 23/05/2006, p. 1. MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 107. 67 pessoalmente por esse ou aquele Ministro do Supremo Tribunal Federal, e o de ofertar memoriais para o exame final da causa.”185 Se o Supremo Tribunal Federal decidir pela possibilidade de sustentação oral do amicus curiae, tendo em vista que o procedimento de votação de repercussão geral é realizado por meio eletrônico, competirá ao Ministro relator suscitar questão de ordem e levar a matéria controvertida ao Plenário. Algo que dificilmente ocorrerá. Mesmo porque se toda vez que for admitida a intervenção de terceiro, possibilitar a realização de sustentação oral, a pauta do Plenário restará totalmente inviabilizada.186 3.5 Repercussão geral por amostragem: a garantia de efetividade do instituto O artigo 543-B, do CPC, dispõe que quando houver multiplicidade de recursos com fundamentos em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observando o disposto neste artigo. Já o artigo 328 da Emenda Regimental nº 21 – STF – por seu turno estabelece que protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir-se em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal, ou o Relator, de ofício ou a requerimento da parte interessada, comunicará o fato aos Tribunais e Turmas de juizado especial, a fim de que se observem o disposto no artigo 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhe informações que deverão ser prestadas em cinco dias, e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica. 185 186 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário.São Paulo: Revista dos Tribunais., 2007, p. 40. SILVA, Christine Peter Oliveira da. Assessora do Ministro, do STF, Gilmar Ferreira Mendes. Correspondência eletrônica. Data: 25/10/2007. 68 O parágrafo único do mesmo artigo impõe que quando se verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamentos em idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou o relator selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais de origem ou turmas de juizado especial de origem, para aplicação dos parágrafos do artigo 543-B do Código de Processo Civil. Reside nas hipóteses do artigo 543-B, do CPC, artigo 328 caput e parágrafo único, do RISTF, a real possibilidade de efetividade e sucesso do instituto da repercussão geral, a fim de limitar significativamente o volume de recursos extraordinários endereçados ao Supremo Tribunal Federal.187Humberto Theodoro Júnior define o objetivo principal desses dispositivos: “O que se ataca, de maneira frontal, são as causas seriadas ou a constante repetição das mesmas questões em sucessivos processos, que levam à Suprema Corte milhares de recursos substancialmente iguais, o que é muito freqüente, em temas de direito público, como os pertinentes ao sistema tributário e previdenciário, e ao funcionalismo público.”188 O Ministro Gilmar Ferreira Mendes relembra os motivos pelos quais os processos vêm inevitavelmente se multiplicando: “No Brasil, a falta de instrumentos para a solução de conflitos com efeitos gerais acabou por propiciar essa inevitável multiplicação e pletora de processos. Assinale-se, que nos tempos atuais, esses pleitos são, na maioria dos casos, repetições, matérias homogêneas ligadas aos planos econômicos, em geral associadas a toda essa nossa tradição de combate à inflação, como os chamados planos Bresser, Verão, Collor, além das questões ligadas ao FGTS e ao sistema financeiro de habitação. No quadro do atual sistema processual, o STF e as demais instâncias judiciais decidem essas questões de forma singularizada ou individualizada, o que explica a explosão no número de processos.”189 187 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 23. 188 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 23. 189 MENDES, Gilmar Ferreira. Ives Gandra da Silva Martins(org.)...[et al.]. Direito e processo do trabalho em transformação.Rio de Janeiro:Elsevier. 2007, p. 88. 69 Sendo assim, foi com intuito de equacionar esse problema que surgiu a idéia de represamento dos recursos extraordinários nas instâncias ordinárias, quando a questão tiver a potencialidade em se reproduzir em inúmeros feitos baseados em fundamentos com idêntica controvérsia. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu caso de repercussão geral baseado nos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91: “Salientando que os recursos extraordinários sob análise se submetem ao regime inaugurado pela Lei 11.418/2006, que incluiu o art. 543-B no CPC, e pela Emenda Regimental 21/2007, do STF, atendendo ao marco temporal estabelecido no julgamento do AI 664567 QO/RS (DJU de 26.6.2007), qual seja, a publicação do acórdão recorrido depois de 3.5.2007, entendeu-se que a questão discutida nesses autos — constitucionalidade da regulação de prazos decadencial e prescricional para cobrança das contribuições previdenciárias, bem como de suspensão de prazo prescricional em execuções fiscais de pequeno valor por lei ordinária — estaria entre as suscetíveis de reproduzirem-se em múltiplos feitos, sendo, portanto, pertinente a invocação da disciplina do art. 328 do RISTF.”190 Indubitavelmente, o legislador buscou inspiração na lei 10.259/2001 que dispõe sobre a instituição dos juizados especiais civis e criminais no âmbito da Justiça Federal.191 O artigo 14 da referida lei dispõe que o recorrente pode solicitar pedido de uniformização de interpretação de lei federal, quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material, proferidas por Turmas Recursais, na interpretação da lei. Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência. Em havendo outros eventuais pedidos idênticos, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recusais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se o 190 191 INFORMATIVO do STF nº 479. Data: de 10 a 14 de setembro de 2007. MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 97. 70 pronunciamento do STJ. Publicado o respectivo acórdão, os pedidos retidos serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo STJ.192 Foi com a intenção em dar azo a um processo objetivo que a Lei 10.259/2001 teve o importante papel de introduzir no direito brasileiro as principais noções do que viriam servir, anos mais tarde, de base para repercussão geral. Por sinal, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes já vislumbrava a adoção do procedimento espraiando-se para além do âmbito dos juizados especiais federais, a saber: “De certa forma, é essa visão que, com algum atraso e relativa timidez, ressalte-se, a Lei nº 10.259, de 2001, busca imprimir aos recursos extraordinários, ainda que inicialmente, apenas para aqueles interpostos contra as decisões dos juizados especiais federais.”193 Atualmente, pode-se dizer com toda segurança, que o procedimento adotado nos artigos 14 e 15 da Lei nº 10.259/2001 foi uma espécie de laboratório para a implementação da repercussão geral. Insta frisar que a finalidade do procedimento da Lei 10.259/2001 é similar ao adotado pela lei 11.418/2006, qual seja: o sobrestamento dos recursos fundados em fundamentos com idêntica controvérsia. O procedimento de represamento da Lei 11.418/2006 poderá ocorrer de três formas diferentes. Primeiro, de acordo com o artigo 543-B, § 1º, do CPC, no qual caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até pronunciamento definitivo da Corte. Vale destacar que “eventual sobrestamento indevido desafia agravo de 192 O recurso extraordinário será processado e julgado nos mesmos moldes informados. Artigo 15, da lei 10.259/2001. 193 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário. Medida Cautelar em Recurso Extraordinário nº 376852-2/SC. Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes. 71 instrumento.”194 Frise-se, mais uma vez, que no caso em apreço, é o Tribunal a quo quem escolhe os recursos paradigmas.195 A Segunda hipótese amolda-se com o caput do artigo 328 do RISTF. Aqui, o Presidente do STF ou o Relator são responsáveis por detectar no recurso, protocolado ou distribuído, a presença de questão suscetível de reproduzir-se em inúmeros feitos. Assim, comunicarão o fato aos tribunais locais ou turma de juizados especiais para fins do artigo 543B.196 Leciona Humberto Theodoro Júnior: “Antes mesmo de se ter notícia da ocorrência dos recursos seriados, o STF antecipa, por meio de circular aos tribunais do país a possibilidade de que tal venha acontecer. Diante dessa comunicação, não se procederá à subida de qualquer outro extraordinário sobre a mesma questão constitucional, cuja repercussão geral pende de apreciação. Todo eventual recurso que surgir permanecerá retido na instância de origem, para oportunamente sofrer um dos efeitos previstos no artigo 543-B.”197 A terceira e última forma de represamento se dá conforme o teor do parágrafo único do artigo 328 do RISTF. Nesta hipótese, o procedimento é distinto do que consta no caput do artigo porque aqui os recursos já se encontram no Supremo Tribunal Federal. O Presidente do Supremo ou o Relator apenas verifica a subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamentos em idêntica controvérsia, seleciona um ou mais recursos paradigmas da questão e determina a devolução dos demais aos tribunais de origem ou turmas de juizado especial.198 A previsão que consta do caput do artigo 328 é diferente do parágrafo único. Pelo caput, o Presidente do STF ou o relator detecta um recurso, ou mais, cuja questão for 194 195 196 197 198 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no recurso extraordinário.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 81. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 23. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24. 72 suscetível de reproduzir-se em inúmeros feitos e comunica aos tribunais de todo país para que os recursos assemelhados sequer sejam enviados ao Supremo. Denota-se, portanto, que a medida é acautelatória, ao contrário do procedimento adotado pelo parágrafo único do artigo 328, cuja providência é reparadora. Explica Humberto Theodoro Júnior: “O represamento, como se vê, pode ser provocado por iniciativa do Presidente do Tribunal local (CPC, artigo 543, §1º) ou pelo próprio STF (por ato do Presidente ou relator), que agirá em caráter preventivo (RISTF, artigo 328, caput) ou por medida saneadora (RISTF, artigo 328, parágrafo único). Isto é: o STF poderá impedir, antecipadamente, a subida de recursos repetitivos, ou devolver à origem os recursos que seriamente subirem para seu exame.”199 No que tange ao procedimento de escolha dos recursos paradigmas (artigo 328, parágrafo único) insta frisar aspecto de relevo criticado por parte da doutrina. Afirmam não haver critérios para a seleção de recursos representativos da controvérsia. Samir José Caetano Martins pondera que: “Sustentar que o critério será o da ordem cronológica, ou da qualidade dos arrazoados, é puro exercício de futurologia. A verdade é que a falta de critério para a seleção dos recursos representativos consagra a discricionariedade na escolha dos recursos-paradigma.”200 Apesar das colocações, o autor não sugeriu outro meio para selecionar os recursos paradigmas, parecendo, contudo, ser mais justo e plausível a escolha realizada pelo critério cronológico. Selecionado o(s) recurso(s) representativo(s) da controvérsia, seja o procedimento realizado pelo Tribunal a quo (artigo 543-B, §1º) ou pelo Supremo Tribunal Federal (artigo 328 caput e parágrafo único), os demais recursos ficarão represados na 199 200 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. nº 18, 2007, p. 24. MARTINS, Samir José Caetano. A Repercussão Geral da Questão Constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. nº 50, p. 105. 73 origem. Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados serão considerados automaticamente não admitidos.201 Uma vez julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.202 Se, porventura, for mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.203 Portanto, chega-se à inevitável conclusão de que o exame da repercussão geral por amostragem é o grande trunfo desse novel instituto. Com base em apenas um recurso, por exemplo, inúmeros outros baseados em fundamentos com idêntica controvérsia serão julgados sem a necessidade de serem apreciados pelo Supremo Tribunal Federal, fortalecendo significativamente o papel das instâncias ordinárias. Espera-se, dessa forma, que a quantidade de recursos extraordinários endereçados ao Supremo possa reduzir, viabilizando o trabalho da Corte e conferindo, sobretudo, maior celeridade ao processo. 201 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Teor do artigo 543-B, §2º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Teor do artigo 543-B,§3º. 203 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Teor do artigo 543-B, §4º. 202 CONCLUSÃO O recurso extraordinário, em 2009, completa 119 anos de existência. Sem dúvida alguma é um dos recursos mais antigos do sistema processual brasileiro. Instituído pelo Decreto nº 848, o recurso extraordinário passou por inúmeras mutações durante todos esses anos. A principal delas ocorreu no ano de 1988, quando a recém- promulgada Constituição instituiu o Superior Tribunal de Justiça. O intuito de criar um novo Tribunal era justamente desmembrar a matéria contida no apelo extremo. A partir de então, o provecto recurso passou a tratar de matérias de cunho exclusivamente constitucional. A competência para julgar questão infraconstitucional foi delegada ao Superior Tribunal de Justiça, a ser processada por meio de recurso especial. Tal medida foi tomada com a intenção de limitar o número infindável de recursos que desaguavam no Supremo Tribunal Federal. No entanto, com o passar dos anos, denotou-se que a medida não surtiu o efeito desejado. A Suprema Corte continuava abarrotada de processos aguardando julgamento. Para se ter uma idéia, o Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário registrou o impressionante número de 54.575 recursos extraordinários distribuídos no ano de 2006. Tendo em vista a situação caótica que vivencia a mais alta Corte do país, a Emenda Constitucional nº45, responsável pela reforma do Poder Judiciário, inseriu o instituto da repercussão geral no artigo 102,§3º, da Constituição. O novel mecanismo é uma espécie de “filtro recursal”. A partir de agora, o Supremo Tribunal Federal só conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada transcender os interesses subjetivos da causa. 75 A intenção é impedir que litígios relativos a “furto de galinhas”, por exemplo, cuja matéria contida no bojo do recurso extraordinário não tem o menor interesse para a sociedade, deixe de ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, acarretará, inarredavelmente, duas importantes conseqüências: primeiro, maior celeridade nas decisões dos julgados; segundo, fortalecimento significativo das instâncias ordinárias. Vale salientar que o mecanismo da repercussão geral não é uma invenção brasileira. Diversas cortes constitucionais adotam procedimento símile. Entre eles, o writ of certiorari, do direito norte-americano e o requisito de trascedencia, do direito argentino, entre outros. Portanto, o presente trabalho busca trazer os pontos positivos da adoção desse novo instituto. Principalmente, enaltecer o procedimento realizado por amostragem, uma vez que o sistema de represamento dos recursos extraordinários nas instâncias inferiores será peça fundamental para o sucesso do instituto da repercussão geral. Assim, acredita-se que o número de processos endereçados ao Supremo Tribunal Federal possa reduzir drasticamente, viabilizando o trabalho da Corte. REFERÊNCIAS ALVES, José Carlos Moreira. A Missão Constitucional do Supremo Tribunal Federal e a Argüição de Relevância de Questão Federal. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros nº 58/59, RJ, 1º e 2º sem.1982. ALVIM, Arruda. A EC nº 45 e o instituto da repercussão geral, reforma do poder judiciário (obra coletiva). ANDRIGHI, Fátima Nancy. Argüição de relevância. <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/633/1/.pdf>. Disponível em: BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro.São Paulo:Saraiva. 2004. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. COMMAGER, CF, 1958. 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