SEQUESTRO DA SUBJETIVIDADE E O PROGRAMA DE TRAINEE NAS MELHORES EMPRESAS PARA SE TRABALHAR Entende-se como sequestro da subjetividade o processo de apropriação planejada da concepção de realidade do sujeito, por parte da organização, de forma sub-reptícia, furtiva e às ocultas. Este processo priva a liberdade do sujeito de se apropriar da realidade e ordenar seu próprio saber, ficando a mercê dos saberes e valores da organização, através de um tipo hábil de manipulação de comportamento, capaz de seduzir e envolver as pessoas. Considerando as teorias Economia Política do Poder e Psicossociologia, foram analisados 14 dos programas de trainee das empresas consideradas as melhores empresas a se trabalhar, com o propósito de descrever o processo de sequestro da subjetividade nestas práticas organizacionais. No estudo foi identificado que os programas de trainees introduzem e familiarizam o jovem ao modelo e aos valores da empresa, a partir da promessa de carreira, sucesso e de pertencimento. Entretanto, as promessas adjacentes aos programas, vão além dos aspectos profissionais, atingindo a subjetividade do trabalhador, criando uma ilusão de reconhecimento, bem como um sentimento de pertença e satisfação da demanda de amor. Observa-se que as mesmas promessas que pretendem desenvolver a condição profissional atuam como mecanismos de controle, fazendo com que o sujeito internalize os desejos e valores da empresa, tomando-os como seus. Assim, o controle da organização ocorre muito mais em um nível subjetivo que propriamente físico, num panoptismo que assegure o amor à empresa e, consequentemente, os resultados da organização. Esta pesquisa conta com o apoio financeiro da Fundação Araucária. Palavras-chave: Sequestro da subjetividade, programas de trainee e sofrimento no trabalho. Thaís Leme Regatieri, Fisioterapeuta, Mestranda em Educação - UFPR, Rua: Luiz Leopoldo Landal, 1020, sobrado 04, Novo Mundo, Curitiba/PR e-mail: [email protected] Rafaela Mayer de Moraes, Psicóloga, Mestranda em Organização e Desenvolvimento – FAE, Rua: Dr. Othon Accioly Rodrigues da Costa, 299, Cajuru, Curitiba/PR, e-mail: [email protected] Rossana Cristine Floriano Jost, Pedagoga, Mestranda em Organização e Desenvolvimento – FAE, Rua: Urbano Lopes, 488, Ap.1302, Cristo Rei, Curitiba/PR, email: [email protected] Lis Andrea Pereira Soboll, Psicóloga, Mestre em Administração, Doutora em Medicina Preventiva. Professora do Mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário, R: 24 de Maio, 135, Curitiba/PR, e-mail: [email protected] José Henrique de Faria, Economista, Mestre em Administração, Doutor em Administração e Pós-Doutor em Relações de Trabalho. Professor do Mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário Rua: 24 de Maio, 135, Curitiba/PR, e-mail: [email protected] ‐1‐ INTRODUÇÃO As práticas de controle sempre estiveram presentes no cotidiano das organizações. Com a reestruturação capitalista os mecanismos de controle instituídos pelas organizações passaram a ser mais sofisticados atuando na subjetividade do trabalhador (FARIA, 2004). Tem-se visto que essas sutilezas e refinamentos das estratégias de dominação são cada vez mais visíveis nos discursos empresariais. De acordo com Faria & Meneguetti (2007, p.119), “todo discurso oculta uma rede simbólica de relações de dominação ideológica e de poder”, a qual vai ao encontro com a ideologia do sistema de capital. Segundo Gaulejac (2007), essa rede ideológica é apropriada pelo indivíduo que, mesmo não estando inserido em uma organização, está subsumido à ideologia capitalista, encontrada não somente nos discursos como também no cotidiano da sociedade. O sequestro da subjetividade (FARIA & MENEGUETTI, 2007) representa um meio pelo qual as organizações se apropriam do sujeito para incutir seus objetivos e valores de forma que o controle passa a ser internalizado. O presente artigo tem como objetivo descrever o processo de sequestro da subjetividade nas organizações por meio dos discursos empresariais presentes nas divulgações dos programas de trainee, a partir da Economia Política do Poder e da Psicossociologia. PRÁTICAS DE CONTROLE ORGANIZACIONAL: SEQUESTRO DA SUBJETIVIDADE E PROGRAMA DE TRAINEE Até meados dos anos 70, a estrutura capitalista se baseava nos modelos Fordista e Taylorista de produção, caracterizados pela produção em massa e pelos seus sistemas de controle físico. Com o advento das tecnologias microeletrônicas e a crescente inserção destas no mundo do trabalho, na década de 90, começou-se a delinear um terceiro paradigma produtivo, denominado Toyotismo ou capitalismo flexível. Segundo FARIA (2004), a mudança de base técnica é acompanhada de alterações nas estratégias de gerenciamento organizacional. Neste sentido, para Faria & Meneghetti (2007), o Toyotismo dá continuidade à extrema racionalização dos processos produtivos, visando maximizar a capacidade de produção individual. Com as modificações na estrutura do sistema capitalista, modificam-se também os mecanismos de controle do processo de trabalho. Na gestão flexível, estes se revelam na ‐2‐ centralização da autoridade, na atribuição de responsabilidades da produção aos trabalhadores, no estímulo à criação de equipes de trabalho e no controle sobre a subjetividade dos trabalhadores (FARIA, 2004; FARIA & MENEGUETTI, 2007). Com a reestruturação produtiva, inicia-se um processo de (re) qualificação de trabalhadores a fim de se inserirem neste novo cenário, pois a alta competitividade exige que o trabalhador seja polivalente e apresente desempenhos sempre superiores. Segnini (2000), afirma que esse processo de “qualificação”, imposto pelo próprio reordenamento do capital, representa relações de poder no interior dos processos produtivos e na sociedade e cuja qualificação é insuficiente para o desenvolvimento social. A dinâmica do controle na empresa contemporânea desloca-se do sistema físico para o sistema psíquico, canalizando a subjetividade (GAULEJAC, 2007). Desta forma, o mesmo autor afirma que a organização espera de seus funcionários uma devoção de “corpo e alma”, evidenciando a real transposição de um sistema que evidencia o respeito pela autoridade, obediência e até a própria culpa, para um sistema baseado na exigência de excelência, na onipotência, no medo do fracasso e no apelo à satisfação narcísica. É preciso que o empregado “vista a camisa” da empresa e lute ferrenhamente para permanecer ou mesmo conseguir sua vaga de emprego (GRISCI, 2002). Gaulejac (2007) ainda salienta que a identificação com a empresa e a idealização de seus projetos suscitam a mobilização psíquica esperada, na qual o controle passa a ser internalizado e realizado pelo próprio sujeito, modificando o papel gerencial. Assim, percebe-se na gestão flexível, mecanismos de controle sutis capazes de sequestrar a subjetividade do trabalhador (FARIA & MENEGHETTI, 2007), ou seja, a organização visa tomar para si as atividades psíquicas, emocionais e afetivas dos sujeitos - individuais ou coletivos - que a compõem. Ainda para os autores, por ser planejadamente realizada, essa concepção de cooptação da subjetividade caracteriza-se por manipular comportamentos e ações dos trabalhadores com o intuito de submeter esses a sua ideologia. Este mecanismo leva o trabalhador a enfrentar, de maneira mais resignada, a precarização de seu próprio trabalho (FARIA & MENEGHETTI, 2007). O imaginário é dominado pela ideologia gerencialista, que padroniza valores, e canaliza as aspirações do indivíduo para os objetivos organizacionais (GAULEJAC, 2007). Para Faria & Meneghetti (2007, p.45), a subjetividade “tornou-se fragmentada na atual sociedade sob o comando do capital”. Os autores advertem que inúmeras são ‐3‐ as investidas das organizações que buscam inserir o trabalhador numa ideologia racional e alicerçada em valores de máxima produtividade e lucratividade, ou seja, há, de fato, manipulação intencional sobre o trabalhador, pela empresa, de forma a submetê-lo aos seus valores. Esse mecanismo de controle busca fazer com que o sujeito se identifique com o sequestrador, não se perceba explorado, tampouco note a precarização de seu trabalho. O sequestro da subjetividade faz com que o trabalhador entenda-se como parte do capital (FARIA & MENEGHETTI, 2007). As relações de poder e de controle por parte das organizações instrumentalizam o sequestro da subjetividade dos indivíduos com o propósito de, não só anular os questionamentos, mas, principalmente, canalizar a mobilização subjetiva e gerar adesão em relação aos propósitos organizacionais (FARIA, 2004). A inserção na organização por programas de trainee é uma das práticas de gestão utilizadas neste contexto. Segundo Dobermann (2006), a expressão trainee pode ser traduzida como “treinamento”, a qual representa as práticas adotadas pelas organizações capitalistas para integrar e preparar seus trabalhadores no momento de inserção para o trabalho. Os empregados também podem ser treinados para executar novas tarefas e desenvolverem diferentes competências, com o intuito de se adaptarem às exigências e necessidades da empresa. Os programas trainee são adotados com objetivos “estratégicos” (DOBERMANN, 2006), ou seja, os trabalhadores são considerados “matéria-prima” para incremento da produção e eficiência da organização capitalista, havendo, portanto, uma racionalidade instrumental que trabalha a favor desse processo. A análise dos materiais de divulgação dos programas trainee indica que tal estratégia organizacional se configura como um mecanismo atual de sequestro da subjetividade. Sua peculiaridade reside no fato de que é antes uma tentativa de sequestro, pois se dirige aos sujeitos antes mesmo de seu ingresso efetivo na empresa. METODOLOGIA Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, de natureza qualitativa, desenvolvida a partir de um estudo multicasos. Com o objetivo de descrever o processo de controle da subjetividade, instrumentalizado pelos discursos organizacionais inseridos na divulgação de programas de trainee, esta pesquisa contemplou a análise de 14 propostas de programa de trainee. ‐4‐ Adotou-se como critérios para definição da amostra estudada, a escolha de empresas consideradas “as melhores empresas para se trabalhar” por uma revista de grande circulação nacional. Dentre as 150 empresas indicadas, 33 delas foram selecionadas para este estudo. A amostra foi escolhida considerando o escore de 81 a 100 pontos respectivos ao índice de felicidade no trabalho (IFT) 1 . A partir desta amostra inicial, detectou-se que 14 empresas ofereciam programas trainee e possuíam divulgação na internet. A análise se baseou no discurso da divulgação dos processos seletivos de trainee, concentrando-se no material disponível nos websites das empresas, uma vez que é através deste material que os candidatos têm acesso à proposta do programa. Os dados coletados dos programas de trainee presentes nos sites das organizações selecionadas foram agrupados e analisados a partir da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977). De acordo com Severino (2007), a análise de conteúdo é “uma metodologia de tratamento e análise de informações constantes de um documento, sob forma de discursos pronunciados em diferentes linguagens: escritos, orais, imagens, gestos. Um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Trata-se de se compreender criticamente o sentido manifesto ou oculto das comunicações”. A partir do estudo dos materiais de divulgação dos programas de trainee relativos as 14 empresas selecionadas, foram identificadas três categorias analíticas, a posteriori, considerando o processo de “sequestro da subjetividade”, apresentadas e discutidas no próximo tópico. RESULTADOS E DISCUSSÃO Entende-se que o sequestro da subjetividade pode ser viabilizado por diversas práticas de gestão. A análise e discussão aqui apresentadas destaca os programas de trainee como instrumentos de controle da subjetividade, ainda na sua divulgação, a partir de três categorias de análises identificadas na divulgação dos referidos programas. São elas: promessa de carreira, promessa de pertencimento e promessa de sucesso. 1 O Índice de Felicidade no Trabalho (IFT) representa o índice geral das “Melhores Empresas Para Você Trabalhar” é composto de: 70% equivalentes à percepção dos servidores sobre a organização – Índice de Qualidade do Ambiente de Trabalho (IQAT); 25% referentes às políticas e práticas de gestão de pessoas – Índice de Qualidade na Gestão de Pessoas (IQGP) e por fim, 5% devidos à visita do jornalista à empresa (JORGE, 2008) ‐5‐ Promessa de carreira A grande maioria das empresas apresenta propostas engrandecedoras e sedutoras, como a promessa de que o candidato, ao término do programa, assumirá um cargo de liderança na organização. Observa-se, no discurso das empresas, diversas promessas, tais como: “o objetivo do programa de trainee através de um programa de desenvolvimento, para o grupo W, é preparar profissionais recém-formados e caracterizados como futuros profissionais para posteriormente ocupar cargos técnicos e de comando dentro da organização”; “na empresa S, o programa de trainee visa atrair e desenvolver profissionais de alto potencial em conhecimentos técnicos e comportamentais com a finalidade de prepará-los para assumir posições chaves de liderança”. Os mecanismos de controle no capitalismo contemporâneo atuam sobre os sujeitos de maneira sutil e através de referenciais subjetivos (FARIA, 2004), buscando mobilizar psiquicamente o sujeito para provocar adesão à ideologia organizacional. Assim, através de promessas de liderança e carreira, a organização prenuncia status, gera expectativa de reconhecimento e sucesso, de realização profissional e pessoal, em troca da adesão do sujeito. Embora existam algumas diferenças entre os programas de trainee, as empresas comumente utilizam o recurso da promessa de ascensão rápida na carreira e a possibilidade de assumir funções de comando dentro da organização como chamariz para os candidatos (DOBERMANN, 2006). Essa possibilidade, entretanto, vem acompanhada do compromisso de fidelidade e dedicação que o trabalhador assume com a empresa. Pagés e col. (1987) destacam que, enquanto o sujeito acredita estar respondendo aos seus objetivos e desejos pessoais, são os propósitos da organização que são alcançados. Para Gaulejac (2007), a organização viabiliza a crença de uma onipotência individual ao mesmo tempo em que exige a dedicação total do indivíduo ao seu trabalho e a sua carreira. Neste mesmo sentido, Sennett (1999) comenta que o desejo de status ou de carreira é antigo, bem como o senso de que as carreiras desenvolvem nosso caráter (mais que os empregos). De acordo com Gaulejac (1999), a exigência de sucesso, que também esta relacionada à carreira, está fundamentada no desejo de onipotência inconsciente do ‐6‐ indivíduo, o qual é cooptado pela organização e oportuniza uma “idéia” de poder ilimitado, na qual a pessoa projeta seu próprio narcisismo. O autor ainda coloca que, tomado pela ilusão de seu desejo, o indivíduo teme fracassar, o que remete à perda do “amor da organização”, por não estar à altura e não ser reconhecido como competente. Gaulejac (2007) entende que, nesta situação, há uma constante tensão, pois o padrão idealizado pela organização passa a ser uma “norma a ser aplicada” e perseguida. A literatura popular é repleta de receitas de “formas de vencer”, mas absolutamente calada quanto a como enfrentar o fracasso, segundo Sennett (1999). Para o autor, aceitar o fracasso, dando-lhe forma e lugar na história de nossa vida, talvez seja uma obsessão interior nossa que nunca discutimos com os outros e, desta forma, tememos falar abertamente, o que faz com que isso se torne maior, reiterando a bruta frase interior: “Não sou bom o bastante”. Dejours (2001) considera que o medo de não ser competente e de fracassar é um dos principais fatores de sofrimento no trabalho. Mas a promessa de um dia pertencer ao grupo dos escolhidos, mesmo que nunca se efetive, age como um mecanismo de encantamento daqueles que sonham ingressar numa destas empresas. Promessa de sucesso No capitalismo flexível as organizações buscam, através de estratégias de participação, transferir as responsabilidades organizacionais aos trabalhadores como forma de se apoderar dos conhecimentos dos mesmos (FARIA, 2004). Assim, a organização promove a ideologia da excelência, pautada na carreira mas também no sucesso. A divulgação é direcionada para sujeitos de excelência com os perfis favoráveis aos objetivos organizacionais: “Nossa estratégia é incrementar nossos esforços de desenvolvimento e criar uma equipe de primeira linha cada vez mais forte”; “Considere pertencer ao Mundo de Cuidados da empresa Q, se você: for um profissional de TI inteligente, criativo e cheio de energia; deseja criar e testar tecnologia nova e integrá-la ao mundo real; busca um lugar com grande potencial para você desenvolver-se pessoal e profissionalmente; quiser expor-se a oportunidades de seguir uma carreira global”; “Para participar da nossa empresa você deve possuir as seguintes competências: busca pela excelência: ter ambição de os padrões mais altos de execução para as partes envolvidas; liderança corajosa: estabelecer metas ‐7‐ desafiadoras para si e executá-las com coragem e tenacidade; engajamento: engajar-se com autenticidade aos colegas e clientes para obter um bom fluxo de desenvolvimento; sustentabilidade: tomar decisões ponderadas para proteger os valores, a reputação e os negócios da organização”. A excelência definida como uma prática excepcional impele sujeitos à superação. A busca de um ideal de perfeição leva a uma competição sem fim, que enfraquece os laços de solidariedade e os indivíduos passam por “um processo de desestruturação do viver-junto”, podendo levar ao sofrimento (DEJOURS, 2008, p. 225). O sujeito é cobrado não para trabalhar, mas para vencer, visto que nos programas de trainee se oferece a ideia de carreira aliada ao sucesso (PAGÈS et al, 1987). Nesse contexto, a empresa reitera uma promessa de satisfação e estabilidade quando, paradoxalmente, predomina a competição acirrada entre os próprios trabalhadores. As organizações dirigem as atribuições para os trabalhadores, através de suas ações, de forma a se abster de toda a responsabilidade. Conforme os dados: “Acreditamos que a qualidade de nossos produtos está diretamente ligada a excelência de nossos recursos humanos. Por isso, focamos na formação de uma nova geração de talentos, preparada para o atual cenário empresarial e afinada com os mais modernos princípios de atuação no mercado”. Neste contexto, o fracasso é de responsabilidade do sujeito, apenas (PAGÈS et al,1987). O fracasso é o grande tabu moderno (SENNETT, 2009), por isso o sucesso se torna uma obrigação, os trabalhadores são condenados ao sucesso para sobreviver (PAGÈS et al, 1987; GAULEJAC, 2007). E só pode acontecer desta forma, se o sequestro da subjetividade for suficiente para fazer crer que a “mãeorganização” promoveu todas as oportunidades de crescimento e desenvolvimento, conforme prometido previamente na divulgação dos programas de trainee. Mas, contraditoriamente, ao estabelecer padrões de excelência e de superação como uma constante, o fracasso é incipiente e o sucesso é para os poucos que demonstram adesão total e perene (PAGÈS et al,1987). O vínculo entre indivíduo e organização colabora para a efetividade do sequestro. Promessa de pertencimento Além do vínculo objetivo que o sujeito estabelece com a organização – relativo às relações formais – há um vínculo psicológico, que se relaciona com a possibilidade de satisfazer demandas subjetivas como a necessidade de reconhecimento, de ‐8‐ realização, de desejos e sentimento de pertença. “O reconhecimento é o processo de valorização do esforço e do sofrimento investido para realização do trabalho, que possibilita ao sujeito a construção de sua identidade, traduzida afetivamente por vivência de prazer e de realização de si mesmo” (MENDES, 2007, p.44). Assim, podese considerar que a promessa de pertencimento compõe o discurso sedutor dos programas de trainee, favorecendo a criação de vínculos subjetivos com os candidatos. “O vínculo psicológico entre os indivíduos e a organização pode ocorrer porque elementos como a fama da empresa, o status, o respeito no trabalho e, entre outros, o sentimento de família proporcionam satisfações e prazeres ao indivíduo” (FARIA & SCHMITT, 2007, p. 39). As organizações analisadas prometem integração com outras pessoas, com a empresa e com a família como forma de conquistar o “futuro-trabalhador”: “a gente podia começar falando que é porque você vai fazer bonito para a sua família, amigos e colegas, o que é verdade”, assim como apresentam as vantagens afetivas que o sujeito obterá ao fazer parte da companhia: “Empresa X: Você está procurando por uma carreira promissora numa companhia que influencie o modo como as pessoas trabalham, se divertem e aprendem?”; “Empresa Y: Como parte do nosso time global, você terá oportunidades de desenvolvimento profissional e pessoal, um trabalho estimulante e desafiador, e fará parte de uma equipe dedicada e inovadora, que se esforça para fazer da empresa Y o melhor lugar para trabalhar”; “Empresa Z: oferecemos oportunidades para quem busca constantes desafios, oportunidade de crescimento na carreira, experiência global, e equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal”; “Empresa V: você terá oportunidade de trabalhar conosco, crescimento profissional e pessoal, trabalhos desafiadores e estimulantes e excelente remuneração e benefícios”. No entendimento de Pagès et al (1987), há um deslocamento dos objetivos econômicos da organização para o plano subjetivo. Trabalha-se não para sobreviver na sociedade de consumo, mas para pertencer a um grupo de escolhidos. Nesse sentido “a exigência passa do nível econômico para o nível psicológico, da mesma forma que a instância encarregada do controle passa da organização (sistema de restrição) ao individuo (ideal do ego, ferimento narcisista do fracasso...)” (PAGÈS et al, 1987, p.137). Alguns dos discursos estudados colocam em causa a idéia do projeto de vida, além da oportunidade de carreira: “Empresa R: ah, você quer trabalhar aqui? Que bom, ‐9‐ mas, mais do que isso, queremos que você construa um projeto de vida com a gente”; “Queremos oferecer muito mais. Queremos que você tenha um projeto de vida. Algo que você acredite e que te estimule a trabalhar mais feliz e motivado”; “Empresa H, muito mais que um trabalho. Vamos fazer de tudo para que você construa com a gente algo muito maior. Você pode trabalhar em um lugar que te de prazer em acordar todo o dia e que te estimule a se desenvolver e crescer cada vez mais”. As imagens proferidas pela organização, que envolvem tanto o sucesso profissional como satisfações pessoais, são fetiches que encobrem a verdadeira relação entre o sujeito trabalhador e a organização: a dominação do capital. Ao anunciar sua preocupação com a vida e com o status social de seus colaboradores, desvirtua-se o foco das relações de trabalho contemporâneas, marcadas pelo utilitarismo e pelos vínculos pessoais descartáveis (FARIA & MENEGUETTI, 2007). Nesse sentido, podemos dizer que os programas trainee, ao mesmo tempo em que capacitam tecnicamente o trabalhador, são espaços potenciais de controle, uma vez que estimulam o sujeito a se adaptar ao modelo da empresa, familiarizando-o às demandas do capital. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da divulgação dos programas de trainee aponta para um sequestro da subjetividade preventivo, que acontece antes do ingresso efetivo na organização. Tem como finalidade, não só filtrar os candidatos para a seleção, mas principalmente exercer uma função ideológica de internalização dos valores organizacionais. A organização é capaz de prover, por meio de palavras, de um discurso, a realização de um sonho para o trabalhador iludido com as estratégias adotadas pela empresa. Seu discursos estão pautados em promessas que, por serem enunciadas, já cumprem efeito de controle e sedução. Prometem sucesso, pertencimento e carreira, que são abertamente oferecidos pela “mãe-organização”. Embora aqui identificadas como três categorias, na realidade, diz respeito a um mesmo mecanismo de controle. O pertencimento prometido se efetiva a partir da obtenção de sucesso, o qual, por sua vez depende da superação constante e de resultados sempre excelentes, os quais prometem uma carreira a ser conquistada. Paradoxalmente, estes padrões de exigência são idealizados e desconectados do trabalho possível de ser realizado. Os poucos heróis que conquistam estes espaços, desde a seleção no programa de trainee, são deificados, juntamente com a organização. Estas promessas são ‐10‐ coerentes com a ideologia gerencialista, que permeia a sociedade e as relações de produção e de afeto desde a infância (GAULEJAC, 2007) e, neste sentido, pode-se entender a efetividade do sequestro da subjetividade contexto presente. A empresa promete o que se coloca como base na ideologia gerencialista que organiza as relações de produção e de afeto. Que sujeito não gostaria de ser assim sequestrado? Os objetivos das organizações, através desses discursos, é atingir a essência desse trabalhador, de modo a dar um enfoque cada vez mais utilitarista, voltado à produção de mais-valia. Trata-se de um jogo de poder. As categorias examinadas nos mostram que o sentimento de reconhecimento se apresenta em todas elas. Em outras palavras, as organizações impressionam pela enorme facilidade com que possuem de prover um sentimento de gratidão caso o trabalhador mobilize toda sua força de trabalhado em prol da organização. Neste artigo, foi tratado apenas da divulgação dos programas de trainee e da tentativa de sequestro da subjetividade preventiva. É essencial, no entanto, entender como se efetiva este sequestro nas práticas destes programas, tema potencial para futuras pesquisas. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: 70ª edição, 1977. DEJOURS, C. A banalização da injustiça social (4ª ed.). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. DEJOURS, C. Addendum – da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In: LANCMAN, S.; SZNELWAR, L. (organizadores). Christophe Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Brasília: Paralelo 15, 2008. DOBERMANN, M. G. L. O Trainee e a construção do trabalhador flexível. Dissertação de Mestrado, 127f, Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de Educação, 2006. FARIA, J.H. de. Economia Política do Poder: As práticas do controle nas organizações. Vol.3. 1ª edição (2004), 5ª reimpressão, Curitiba: Juruá, 2009. FARIA, J.H. de; MENEGHETTI, F.K. O sequestro da subjetividade e as novas formas de controle psicológico no trabalho. In: FARIA, J.H. de (organizador). Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007. p. 45 a 67. ‐11‐ FARIA, J.H. de; SCHMITT, E.C. Indivíduo, vínculo e subjetividade. In: FARIA, J.H. de (organizador). Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007. p. 23 a 44. GRISCI, C.L.I. Reestruturação do trabalho bancário: velocidade e sofrimento psíquico. SOCIUS – Centro de Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações. N.04/2002. MENDES, A.M. (organizadora). Psicodinâmica do trabalho: Teoria, método, pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. PAGÈS, M. et al. O Poder das Organizações. São Paulo: Atlas, 1987. SEGNINI, L. Educação e Trabalho: uma relação tão necessária quanto insuficiente. São Paulo em Perspectiva, 14(2) 2000. SENNET, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo . Rio de Janeiro: Record, 1999. SEVERINO, A. J. Metodologia do Trabalho Científico. 23ª edição revista e atualizada, 4ª reimpressão. São Paulo: Cortez, 2007. ‐12‐