Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo
2007 set-dez; 19(3)325-30
Influência da rugosidade superficial dos materiais odontológicos na adesão
bacteriana: revisão da literatura
Influence of the surface roughness of the dental material in the bacterial
adhesion: A literature review
Karla Zanini Kantorski*
Clóvis Pagani**
RESUMO
A adesão de bactérias bucais aos dentes ou materiais restauradores desempenha papel fundamental na
etiologia de doenças bucais como cárie e doença periodontal. Este estudo relata como a literatura avaliada explica os mecanismos de adesão bacteriana às superfícies sólidas no ambiente bucal, de que forma as
propriedades dessas superfícies, como sua rugosidade, podem influenciar nesse processo de adesão e quais
procedimentos clínicos podem ser utilizados para reduzir a rugosidade superficial dos principais materiais
restauradores.
DESCRITORES: Adesinas bacterianas - Placa dentária - Resinas compostas.
ABSTRACT
The adhesion of oral bacteria to the teeth or restorative materials plays fundamental role in the pathogenesis of oral diseases as caries and periodontal disease. This study reviews as the literature explains the
mechanisms of bacterial adhesion to the solid surfaces in the oral environment, how the properties of these
surfaces, as their roughness, can influence in this adhesion process, and which clinical procedures can be
used to reduce the surface roughness of the main restorative materials.
DESCRIPTORS: Adhesins bacterial - Dental plaque - Composite resins.
** Doutoranda em Biopatologia Bucal na Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de São José dos Campos
** Professor Adjunto do Departamento de Odontologia Restauradora da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de São José dos Campos
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INTRODUÇÃO E REVISÃO DA LITERATURA
A colonização bacteriana nas estruturas dentárias ou
materiais restauradores é considerada fundamental para
o desenvolvimento de lesões de cárie, gengivite e doença periodontal (Löe et al.27 1965; Gibbons16 1989; Van
Houte42, 1980).
O processo de adesão bacteriana parece ocorrer, inicialmente, de forma inespecífica, sendo mediado pela
ação das forças de Van der Waals, forças eletrostáticas,
e interações hidrofóbicas (Gibbons16, 1989; Quirynen e
Bollen34, 1995). Contudo, essa adesão inicial é fraca, os
microrganismos podem ser facilmente removidos pelos
mecanismos de controle e regulação da microbiota bucal
não permitindo a colonização bacteriana na superfície
sólida. Assim, para aumentar a adesão inicial, as bactérias expressam adesinas na sua membrana celular que se
ligam a sítios complementares específicos sobre as superfícies (Gibbons16, 1989; Quirynen e Bollen34, 1995;
Busscher e Van Der Mei8, 1997; Curtiss12, 1986; Nassar
et al.28, 1995). Esses sítios complementares são proteínas
salivares que adsorvem as superfícies sólidas no ambiente
bucal formando a chamada película adquirida (Dawe et
al.13, 1963).
Algumas bactérias podem ainda sintetizar glicanos a
partir de carboidratos da dieta. Esses glicanos permitem
firme adesão, promovendo condições favoráveis para a
colonização de outros microrganismos que não têm a capacidade de se ligarem diretamente às superfícies (Curtiss12, 1986).
A adsorção da película adquirida e a formação do
biofilme dentário podem ocorrer sobre todas as superfícies sólidas expostas ao ambiente bucal, independente
de serem superfícies naturais, como esmalte e cemento,
ou artificiais, como materiais restauradores (Chan e Weber11, 1986; Nyvad e Killian31, 1987).
Estudos in vivo, usando variadas metodologias, têm
demonstrado diferenças no biofilme dentário formado sobre diferentes materiais (Wise e Dykema45, 1975;
Adamczyk e Spiechowicz1, 1990; Hahn et al.18, 1993;
Auschill et al.2, 2001; Auschill et al.3, 2002; Konishi et
al.23, 2003), o que parece resultar do efeito das diferentes
propriedades dos materiais.
A energia livre superficial (ELS), por exemplo, pode
influenciar nas características da película adquirida adsorvida e conseqüentemente, as composições da película
e do biofilme dentário podem ser diferentes dependendo
do tipo de material (Jendresen e Glantz20, 1981; Quiry326
nen e Bollen34, 1995; Nassar et al28., 1995).
A rugosidade superficial dos materiais é outra propriedade importante, pois foi observado que o biofilme
dentário forma-se em maior quantidade e mais rapidamente sobre superfícies rugosas (Quirynen et al.35, 1990;
Quirynen et al.36, 1993; Gatewood et al.15, 1993; Quirynen e Bollen34, 1995). Além disso, foi verificado que
a influência da rugosidade superficial sobre o acúmulo
e composição da placa é mais importante do que a influência da energia livre superficial (Quirynen et al.35,
1990).
Rugosidade Superficial dos Materiais X Adesão e Colonização Bacteriana
Estudos com microscopia eletrônica de varredura
revelaram que a adesão inicial de microrganismos, evidentemente, começa sobre irregularidades e subseqüentemente expande-se por toda a superfície (Lie26, 1977;
Lie25, 1979; Nyvad e Fejerskov30, 1987).
Essas irregularidades promovem a formação do biofilme dentário porque aumentam a área disponível para
a adesão e principalmente, porque protegem as bactérias
dos mecanismos de controle e regulação da microbiota
bucal, como fluxo salivar, mastigação, deglutição (Newman29, 1974) e procedimentos de higiene bucal (Quirynen et al.35, 1990).
Associação entre quantidade de biofilme dentário e
rugosidade superficial foi verificada sobre diferentes materiais odontológicos como cerâmicas, titânio e resinas
acrílicas (Yamauchi et al.46, 1990; Rimondini et al.37,
1997; Kawai et al.22, 2000).
Como a adesão bacteriana supostamente passa de
uma fase inicial reversível para uma fase de adesão mais
forte, considerada irreversível (Curtiss12, 1986), parece
sensato que essa mudança ocorra preferencialmente nas
irregularidades onde os microrganismos estão protegidos
dos mecanismos de controle e regulação da microbiota
(Quirynen et al.35, 1990; Quirynen et al.36, 1993; Gatewood et al.15, 1993; Quirynen e Bollen34, 1995).
Essa maturação mais rápida do biofilme nas irregularidades foi observada por Rimondini et al.37 (1997).
Esses autores avaliaram a colonização bacteriana sobre
amostras de titânio polidas com diferentes técnicas. Nas
amostras lisas houve menor acúmulo de bactérias, sendo
que somente cocos foram verificados. Nas amostras com
rugosidade intermediária com presença de ranhuras, foram encontrados curtos e longos bastonetes. Nas amos-
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tras rugosas, caracterizadas pela presença de ranhuras e
depressões, foram observados longos bastonetes agregados ou em camadas. Assim, como cocos são considerados espécies pioneiras e bastonetes espécies subseqüentes
na colonização, a presença de longos bastonetes pode ser
considerada um avanço no estágio de maturação da placa
sobre as superfícies mais rugosas. Observações similares
também foram encontradas por outros autores (Nyvad
e Fejerskov30, 1987; Carrassi et al.36, 1989; Quirynen et
al.36, 1993).
A maturação mais rápida do biofilme dentário sobre
áreas rugosas apresenta implicações clínicas, pois em biofilme mais “maduro” é maior a presença de microrganismos patogênicos.
Procedimentos Clínicos para Reduzir a Rugosidade Superficial dos Materiais
Inúmeros materiais odontológicos estão disponíveis
com as mais variadas indicações clínicas. Contudo, seja
qual for a aplicação clínica de um material, a rugosidade
superficial deve sempre ser considerada.
Durante o tratamento protético, faz-se necessário o
uso de restaurações provisórias que não devem ser vistas
apenas como substitutos do tecido dentário desgastado
ou perdido, mas devem ser utilizadas para dirimir todas
as dúvidas em relação à prótese final, como a determinação da forma, do contorno, da oclusão e da estética
(Pegoraro et al.33, 1998). Além disso, as restaurações provisórias devem manter a saúde gengival, e assim, a textura superficial do material deve ser considerada (Larato24,
1972; Hergott et al.19, 1989; Berastegui et al.5, 1992;
Kaplan et al.21, 1996) para evitar sangramento durante a
moldagem ou cimentação (Shillingburg Jr39, 1998).
Para materiais permanentes, existem inúmeros estudos na literatura avaliando diferentes procedimentos
de acabamento e polimento com o objetivo de alcançar
uma superfície mais lisa.
Em relação ao amálgama, estudos observaram que
quando se obtém, inicialmente, uma superfície lisa (0,05
μm), o uso de pastas para polimento pode não alterar
ou, na maioria dos casos, tornar a superfície mais rugosa
(Roulet e Roulet-Mehrens38, 1982). Em contrapartida,
quando se obtém, inicialmente, uma superfície rugosa,
os procedimentos de acabamento e polimento tornam-se
fundamentais para atingir rugosidade superficial adequada (Eide e Tveit14, 1987). Segundo revisão da literatura
realizada por Bollen et al.6 (1997), superfície mais lisa
de amálgama é obtida quando polida com pedra-pomes
e SnO2.
Para cerâmicas odontológicas parece estar estabelecido que o material deve ser adequadamente glazeado
antes de sua aplicação na cavidade bucal (Barghi et al.4,
1976; Goldstein et al.17, 1991) uma vez que cerâmicas
não glazeadas têm causado efeitos indesejáveis no tecido
periodontal adjacente e são mais suscetíveis à adesão bacteriana (Swartz e Phillips41, 1957; Caputo9, 1980)
Entretanto, em muitas situações é necessário ajustar o material na boca, mesmo com o conhecimento de
que um novo glaze não será possível. Nessas situações, a
rugosidade superficial deve ser minimizada pelo uso de
sistemas de polimento intra-oral. Segundo Bottino et al.7
(2006), o uso de brocas diamantadas sobre superfícies
cerâmicas deve ser seguido por polimento com pontas
de borracha abrasiva, e discos de feltro com pasta diamantada.
Para resinas compostas parece haver consenso de que
uma superfície mais lisa é obtida quando o material é
polimerizado contra uma matriz plástica lisa (Weitman e
Eames43, 1975; Wet e Ferreira44, 1980; Smales40, 1981).
Entretanto, quando há necessidade de ajuste, o polimento intra-oral resulta em superfície mais rugosa quando
comparada à superfície inicial polimerizada contra a matriz plástica (Roulet e Roulet-Mehrens38, 1982). O’Brien
et al.32 (1984) verificou que o uso de pontas de borracha
e discos de alumina parecem ser os métodos de polimento e acabamento que alcançam melhores resultados
quanto à rugosidade, tanto para resinas convencionais
quanto para micro-particuladas.
Contudo, com o tempo, independente do procedimento de acabamento e polimento utilizado, a ação da
mastigação e escovação provoca abrasão que resulta em
exposição das partículas inorgânicas produzindo uma
superfície mais rugosa (Wet e Ferreira44, 1980). Nesse
contexto, a indústria de materiais odontológicos vem se
preocupando no desenvolvimento de compósitos constituídos por partículas menores e mais regulares. Na literatura existe grande variabilidade nos resultados quanto
à rugosidade superficial de resinas compostas submetidas
a diferentes procedimentos de acabamento e polimento.
Essas variações podem ocorrer pelos diferentes equipamentos usados para avaliar as medidas de rugosidade superficial (Bollen et al.6, 1997).
Clinicamente, no momento da indicação de determinado material restaurador, várias considerações se fazem
necessárias, como custo, estética, resistência e longevidade. Quando a estética é fator fundamental, pode-se optar
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por cerâmicas ou resinas compostas. Nesse caso, em termos de rugosidade superficial, os dois materiais podem
apresentar valores de rugosidade adequados. Contudo, a
longo prazo, após desgastes relacionados com escovação,
mastigação, entre outros, as cerâmicas parecem ser mais
estáveis quanto às suas características superficiais (Wet e
Ferreira44, 1980).
CONCLUSÃO
Os procedimentos clínicos de acabamento e polimento empregados para reduzir a rugosidade superficial
dos materiais restauradores devem ser priorizados para
garantir a saúde bucal dos pacientes e a longevidade do
tratamento restaurador.
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Recebido em: 6/10/2005
Aceito em: 16/11/2006
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