Deficiência de Ferro e Anemia na Doença Renal Crônica(DRC) Prof. Dr. Hugo Abensur Livre-Docente de Nefrologia da USP Presidente da Sociedade de Nefrologia do Estado de SP Objetivos da Aula • Fisiopatologia da Anemia na DRC • Deficiência de Ferro na DRC • Tratamento da Anemia na DRC – Reposição de Ferro na DRC Anemia Hemoglobina < 11 g/dl Hemoglobina < 13 g/dl NHANES III - 1988 -1994 Arch Intern Med. 2002;162:1401-8. Causas de anemia na DRC • Deficiência de eritropoetina • Deficiência de ferro (30-50%)* • Estado Inflamatório • Perdas sangüíneas • Hiperparatireoidismo • Diminuição da meia-vida das hemácias • Deficiência de ácido fólico e de vitamina B12 * Hutchinson FN. Am J kidney Dis 1997; 29(5):651-7. Ciclo da Eritropoiese O complexo EPO / EPO-R é internalizado e degradado por proteólise Walrafen P et al, Blood 2005;105: 600-608 Eritropoetina α e Darbepoetina α 5 aminoácidos alterados C.E.R.A. - Ativador Contínuo do Receptor de Eritropoetina • C.E.R.A. primeiro representante da classe (CERA) – Quimicamente sintetizado – Resultado da integração de uma cadeia polimérica de metoxipolietilenoglicol à molécula de eritropoetina • Peso molecular ~60 000 Da Macdougall et al. ASN 2003 Meia Vida dos Agentes Estimuladores de Eritropoesis CERA= Ativador Contínuo do Receptor de EPO peginesatide = peptídeo sintético 26: 59-66, 2006 14 n=312 12,1 12 9,2 10 7,86 8 6,4 6 4,4 4 3,6 2 0 HD Pac 94 5 4 3 2 1 34 71 57 20 36 Estágios Inflamação X EPO regulador nuclear DeMaria, R. et al. Nature 401:489-493,1999 Resistência à EPO CRP ≥ 50mg/L CRP < 50mg/L Drücke T NDT 16 (S 7): 25-28, 2001 Inflamação e Ferro Deficiência de Ferro na DRC Total Estágio 2 Estágio 3 Estágio 4 Estágio 5 401 49 147 179 26 35.0± 17.5 70.1±7.7 42.1±8.8 a 22.8±4.0 a,b 13.8±1.1 a,b,c Hemoglobina <11g/dL 18% 8% 13% 20% 39% Ferro<50 ug/dL 14% 14% 11% 15% 30% Ferritina < 100 ng/mL 53% 51% 55% 55% 47% TSAT<20% 21% 23% 16% 24% 31% N Cl de creatinina ml/mim Canziani MEF,Abensur H e cols. J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 2 - Junho de 2006 Deficiência Absoluta e Funcional de Ferro • Deficiência absoluta de ferro – Menor ingestão e absorção de ferro ou perda excessiva de ferro – % Sat T < 20% e ferritina < 100 ng/ml • Deficiência funcional de ferro – Utilização ineficaz do ferro, a partir dos depósitos (anemia da doença crônica) – % Sat T normal ou diminuída e ferritina > 500 ng/ml Weiss, G, Goodnough, LT. - N Engl J Med 2005; 352:1011. Reposição de ferro Via Oral É eficaz? • Menor absorção intestinal de ferro (ex. citoquinas: hepcidina) • Interferência de outras substâncias na absorção de ferro (ex. antiácidos, fibras, chás...) • Melhor absorção em jejum e concomitante à administração de vitamina C • Eventos adversos gastrintestinais: náuseas, vômitos, dor abdominal, diarréia e constipação • Necessidade diária = 200 mg de ferro elementar • 1 cp. sulfato ferroso = 40 mg ferro elementar = 5 cps/dia!!! Van Wyck DB. JASN (2004) 15: 107–111 Hörl W et al. NDT (2007) 22 [Suppl 3]: iii2–iii6 Ferro EV é mais efetivo que Ferro Oral 39 pacientes iniciando HD (sem EPO) com deficiência de ferro BX de medula Fudin R et al. Nephron 1998;79(3):299-305. Importância da reposição de Fe EV • Estudo Israelense* – 45 pacientes com depuração de CR = 10-40 mL/min – Receberam apenas Sacarato de Hidróxido de Ferro III EV, 200 mg/semana, total de 5 semanas – Aumento médio de Ht = 2,7±2,72 % – Aumento médio de Hb = 0,91±0,78 g/dL – 28,9% dos pacientes alcançaram Ht = 35% *Silverberg DS Clin Nephrl. 55(3):212-9,2001 Ferro EV X Oral • Pacientes com DRC (n=160) – Pré-diálise com Clcr < 60 mL/min – Sat T < 25% e Ferritina < 300 ng/mL • Intervenção – Ferro oral • Sulfato Ferroso 325mg 3 X /dia por 56 dias – Ferro EV • Sacarato 200 mg em bolo 2-5 min – 5 doses • Sacarato 500 mg em infusão 3,5 a 4 h – 2 doses – Sem eritropoetina ou com dose mantida de eritropoetina US Iron Sucrose Clinical Trials Group – Kidney Int. 2005 Dec;68(6):2846-56 Ferro EV é superior ao ferro VO no tratamento da anemia US Iron Sucrose Clinical Trials Group – Kidney Int. 2005 Dec;68(6):2846-56 Ferro EV é superior ao ferro VO em repor estoques de ferro O grupo que recebeu dose elevada de ferro (500mg) apresentou mais reações US Iron Sucrose Clinical Trials Group – Kidney Int. 2005 Dec;68(6):2846-56 Indicação de Reposição de Ferro na DRC Reposição com Ferro EV: – Ferritina: < 100 ng/ml (estágios 3,4 e DP) e < 200 ng/ml (HD) – Porcentagem de saturação de transferrina: < 20% Somente após a reposição de Ferro EV... – Iniciar eritropoetina http://www.kidney.org/professionals/KDOQI/guidelines_anemiaUP/guide1.htm Sacarato de Hidróxido de Ferro III (Noripurum® EV) Reações adversas • Raramente ocasiona reação anafilática (ao contrário do ferro dextrana - não disponível no Brasil) • Reações raras (devido à presença de ferro livre): – Infusões rápidas em pacientes com % Sat T elevada – Hipotensão arterial, rubor, dor lombar, dor epigástrica e urticária • Dose máxima por infusão 200 mg • Administrar em postos de saúde ou em ambiente hospitalar Van Wyck DB J Am Soc Nephrol. 2004 Dec;15 Suppl 2:S107-11. Review. Problema • Pacientes em tratamento conservador (prédialítico) • Pacientes em programa de diálise peritoneal – Dificuldade para receber várias doses de ferro EV. – Necessidade de poupar vasos para futuro acesso vascular para Hemodiálise Solução Estudo randomizado controlado comparando carboximaltose férrica intravenosa com ferro oral para o tratamento da anemia ferropriva de pacientes com doença renal crônica não dependente de diálise. • Multicêntrico (47 centros),Aberto, Aleatorizado, Fase 3 • 255 pacientes portadores de DRC não dialítica Critérios de Inclusão • • • • • • Idade > 12 anos (GFR) ≤45 mL/min/1.73 m2 Hb ≤11 g/dL TSAT ≤25% Ferritina ≤300 ng/mL Os pacientes sem EPO ou recebendo EPO com dose fixa por mais de 8 semanas antes do estudo. Qunibi WY e cols. NDT 26:1599-1607, 2011 Desenho do estudo • 144 pacientes (incluídos na análise) – 1 g de CF, EV em 250 ml SF 0,9% ,dose única em 15’ (podendo ainda receber mais 2 doses adicionais de 500 mg com intervalo de 2 semanas se a saturação de transferrina ficasse menor que 30% e a concentração de ferritina ficasse menor que 500 ng/mL) • 103 pacientes receberam sulfato ferroso 325mg por via oral, 3 vezes por dia por 56 dias. • A dose de eritropoietina não podia ser alterada, exceto por questões de segurança. Qunibi WY e cols. NDT 26:1599-1607, 2011 Cararterísticas da População Qunibi WY e cols. NDT 26:1599-1607, 2011 Resultados: % com elevação de HB> 1g/dL Qunibi WY e cols. NDT 26:1599-1607, 2011 Resultados: Hb e Ferritina Qunibi WY e cols. NDT 26:1599-1607, 2011 Resultado: Saturação de transferrina Qunibi WY e cols. NDT 26:1599-1607, 2011 Eventos Adversos Qunibi WY e cols. NDT 26:1599-1607, 2011 Conclusão • Os autores concluíram que nos pacientes com DRC não dialítica a administração endovenosa de CF foi mais eficaz do que o ferro oral: – para aumentar o nível de Hb – reabastecer as reservas de ferro • Ainda a infusão endovenosa de CF também foi associada com menos efeitos adversos • Portanto, pelo fato de poder ser administrada em grandes doses únicas a CF é mais conveniente do que a terapia oral de ferro para administração ambulatorial nos pacientes com DRC não dialíticos. Qunibi WY e cols. NDT 26:1599-1607, 2011 Caso Clínico MSAMM, 40 anos, transplantada renal, creatinina 1,5 mg/dL, recebeu ferinject no dia 23/01/13 (1g em 250 mL de SF 0,9% em 15 minutos, sem intercorrências) Ferinject 23/01/13 21/01/13 24/01/13 17/02/13 Hemoglobina (g/dL) 10,3 11,2 Hematócrito (%) 33,7 36 Ferro Sérico (μg/dL) 27 82 Sat. De Transf. (%) 7 33,2 Ferritina (ng/mL) 8,93 180 178 Evolução da Ferritina Após Infusão de 1g EV de Ferinject Ferinject 23/01/13 Ferritina (ng/mL) 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 Ferritina (ng/mL) Diretrizes • Níveis-alvo de hemoglobina – Hb entre 11 e 12g/dl (homens e mulheres) • Níveis-alvo dos estoques de ferro – Ferritina: 200-500 ng/ml (HD) e > 100 ng/ml (DRC não dialítica e DP) – Saturação de transferrina (%): 20-40% Clinical Practice Guideline and Clinical Practice Recommendations for Anemia in Chronic Kidney Disease: 2007 Update of Hemoglobin Target http://www.kidney.org/professionals/KDOQI/guidelines_anemiaUP/guide1.htm Diretrizes Brasileiras de Anemia na DRC- Reposição de Ferro RECOMENDAÇÃO 3.3.1. Os pacientes com DRC em estágios 1 e 2 com ferritina e saturação de transferrina abaixo dos valores da normalidade poderão receber inicialmente suplementação de ferro por via oral (Opinião). RECOMENDAÇÃO 3.3.2. Nos pacientes portadores de DRC em estágios 3 a 5, incluindo pacientes em diálise peritoneal, com ferritina <100 e saturação de transferrina <20%, a reposição de ferro deverá ser feita preferencialmente por via intravenosa (Evidência B). Diretriz para o Tratamento da Anemia no Paciente com Doença Renal Crônica - JBN 2007; 29 (4- Supl.4) Suplemento: Kidney International (2012) 2, 283-287 O uso de ferro para tratar a anemia na DRC • Para adultos portadores de DRC com anemia não em uso de ferro ou terapia com MEEs sugerimos um teste com ferro EV (ou VO nos pacientes com DRC não dialítica por 1 a 3 meses): – um aumento na concentração de Hb sem iniciar o tratamento com MEEs é desejado e – TSAT <30% e ferritina é <500 ng / ml • Exclusão de infecção ativa. Suplemento: Kidney International (2012) 2, 283-287 KDIGO 2012 • • • • • Iniciar EPO com HB < 10 g/dL Evitar HB > 11,5 g/dL. SAT < 30% e ferritina < 500 ng/ml. Não usar terapia adjuvante. Evitar administração de ferro em situações de infecção ativa Suplemento: Kidney International (2012) 2, 283-287 Tentativas de Normalização de HB em DRC • • Estudo em Hemodiálise • 1233 pacientes cardiopatas em HD • Estudo interrompido (mais eventos CVs) Estudos em DRC (conservador) – CREATE • N=603 Crcl=15-35 mL/mim epo beta • Hb elevado entraram em diálise precocemente – CHOIR • N=1432 DRC 15-50 mL/min • Mais eventos cardiovasculares no HB elevado – TREAT • N= 4023 Diabético • Mais AVC com Hb elevado Besarab A, NEJM 1998 339: 584-590, CREATE NEJM 206 335, CHOIR NEJM 2007 356, TREAT NEJM 2009 361 Conclusões Anemia e DRC • • • • • • • Anemia é muito prevalente na DRC. Diversas Causas: deficiência de EPO, Ferro e Inflamação. Impacto na Morbimortalidade. A faixa de HB alvo tende a estreitar (11-12g/dL) Necessidade de reposição prévia de ferro Nova opção de ferro EV (carboximaltose férrica) Cuidado nos pacientes com antecedentes de AVC e câncer Referências Bibliográficas • • • • • Maria Eugênia Fernandes Canziani, Marcus Gomes Bastos, Rachel Bregman, Roberto Pecoits Filho, Cristiane Tomiyama, Sergio Antonio Draibe, Wander Barros do Carmo, Miguel Carlos Riella, João Egidio Romão Jr, Hugo Abensur. Deficiência de Ferro e Anemia na Doença Renal Crônica. JBN 2006;28(2): 86-90. Romão JE Jr, Haiashi AR, Elias RM, Luders C, Ferraboli R, Castro MC, Abensur H. Positive acute-phase inflammatory markers in different stages of chronic kidney disease. Am J Nephrol. 2006;26(1):59-66. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Anemia Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Anemia in Chronic Kidney Disease. Kidney inter., Suppl. 2012; 2: 279–335. Van Wyck DB, Roppolo M, Martinez CO, Mazey RM, Mcmurray S for The United States Iron Sucrose (Venofer) Clinical Trials Group. A randomized, controlled trial comparing IV iron sucrose to oral iron in anemic patients with nondialysisdependent CKD. Kidney International, Vol. 68 (2005), pp. 2846–2856. Qunibi WY, Martinez C, Smith M, Benjamin J, Mangione A, Roger SD. A randomized controlled trial comparing intravenous ferric carboxymaltose with oral iron for treatment of iron deficiency anaemia of non-dialysis-dependent chronic kidney disease patients. Nephrol Dial Transplant. 2011 May;26(5):1599-607.