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O Discurso Liberal e a Flexibilização do
Direito do Trabalho Diante das Crises do
Capitalismo Globalizado
Awdrey Frederico Kokol1
Thiago Fernando Cardoso Nalesso2
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Globalização e o Trabalho. 3. O Direito do
Trabalho e a Teoria da Flexibilização. 4. Considerações Finais. 5. Referências Bibliográficas.
Resumo: A questão central deste artigo é verificar se as críticas liberais
apresentadas ao protecionismo do direito do trabalho se baseiam
em algum fundamento científico ou se são apenas tentativas de
se maximizar os lucros, transferindo-se aos trabalhadores os prejuízos dos momentos de dificuldades do capitalismo. A conclusão
é que o fundamento do discurso liberal é mais ideológico do que
técnico ou científico. Não há provas de que, ao se flexibilizar o
Direito do trabalho sejam garantidos níveis elevados de empregabilidade, nem mesmo a manutenção dos níveis atuais, razão pela
qual tais práticas colocariam apenas em risco a rede mínima de
proteção dos trabalhadores.
Palavras-chave: globalização – princípio da proteção – flexibilização
Abstract: The issue is discussed in this article is whether the criticisms
made liberal protectionism of labor based on any scientific basis
Mestranda em Direito pelo Núcleo de Estudos de Direito e Relações
Internacionais da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP.
Bolsista CAPES/PROSUP. Acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.
br/4172042392125002. E-mail: [email protected].
2 Professor Universitário das Faculdades Integradas de Itapetininga – FKB
e do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL e Mestre em
Direito pelo Núcleo de Estudos de Direito e Relações Internacionais da
Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Acesso ao currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/1978952677592373. E-mail: thiagonalesso@hotmail.
com.
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or are only attempts to maximize profits, transferring the losses to
workers in times of difficulties of capitalism. The conclusion is that
the liberal is more ideological than technical or scientific. There
is no evidence that the flexibility in labor law are guarantees high
levels of employability, even maintaining current levels, which is
why such practices would put at risk just the minimum network
protection for workers.
Keywords: globalization – principle of protection – flexibility
1. Introdução
O Direito não é apenas lei e ordem, mas sim um conjunto de
processos sociais, regras, princípios e outras fontes que disciplinam a convivência social.3 Por tal motivo a ciência jurídica precisa
acompanhar as transformações sociais na tentativa de minimizar
conflitos em um determinado momento histórico.4 O Direito constitui um método inacabado, que se encontra sempre em processo
de elaboração para adequar-se aos “fatos que emergem de uma
sociedade que se orienta por relações de dominação e anseios de
emancipação”.5
Neste sentido, a particularidade do Direito trabalhista ganha
destaque: sua multidisciplinaridade,6 sua ligação com outras ciências
como a Economia, Sociologia, Administração de empresas, Filosofia, entre outras, faz com que, em momentos de crise, este ramo
seja alvo de críticas não só por parte de alguns de seus operadores,
mas também por estudiosos de outras ciências com que se relaciona,
normalmente sendo acusado de engessar o desenvolvimento econômico dentro do Estado.
O Direito trabalhista tem sido duramente criticado pelos adeptos da filosofia neoliberal que pleiteia uma nova ordem jurídica nas
Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva.
2003. p. 02.
4 Misailidis, Mirta Lerena. Os direitos fundamentais da pessoa do trabalhador
na ordem econômica global. Disponível em: <http://www.unimep.br/pos/
stricto/direito/documents/OsDireitosFundamentais_Global.pdf>
Acesso
em 28 out, 2008.
5 Misailidis, 2008.
6 Barbagelata, Héctor Hugo. O Particularismo do Direito do Trabalho. São
Paulo: LTr, 1996, p. 20.
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relações entre capital e trabalho, cunhada na doutrina laissez faire,
laissez passer.7 A teoria apresentada pelos liberais para o Direito do
trabalho é a flexibilização das leis trabalhistas.
A questão que se discute neste artigo é se as críticas apresentadas se baseiam em algum fundamento científico ou são apenas tentativas de se maximizar os lucros, transferindo-se aos trabalhadores
os prejuízos dos momentos de dificuldades do capitalismo.
2. A Globalização e o Trabalho
Após a queda do Muro de Berlim, marco do fim do regime soviético, presenciou-se a hegemonia capitalista e sua difusão pelas
vias da globalização. Esta por sua vez, atingiu a economia, a cultura,
os meios de comunicação e transporte, o método produtivo, enfim,
tornou o mundo uma espécie de aldeia global.8
No conceito de Octávio Ianni, aldeia global abrange a ideia de
comunidade mundial, um mundo sem fronteiras. A comunicação e
a informação invadem e articulam os Estados e culturas por meio
da eletrônica e da informática, e “as informações, os entretenimentos e as ideias são produzidas, comercializadas e consumidas como
mercadorias”.9
No âmbito do trabalho a globalização desenvolveu-se rapidamente após a Segunda Guerra Mundial e atingiu o ápice com o fim
da Guerra Fria.
Destaque-se que no período pós-guerra, os Estados Unidos,
principal vencedor do conflito, apoiou financeiramente a Europa e
o Japão na reconstrução dos seus Estados. Muitas empresas americanas instalaram-se em países europeus e no Japão, e permitiram a sua
multinacionalização. Incorporam-se ao Japão e à Europa as novas
tecnologias e os padrões de consumo implantados nos EUA.10
Doutrina econômica proposta pela Teoria Clássica. Significa “deixar
fazer, deixar passar”. (Vasconcellos, Marco Antonio S; Garcia, Manuel E.
Fundamentos de Economia. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 16.)
8 Ianni, Octavio. Teorias da Globalização. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998, p. 15.
9 Ianni, op. cit., p. 13.
10 Singer, Paul. Globalização e Desemprego: diagnósticos e alternativas. 4ª
ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 20.
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A progressiva queda das barreiras alfandegárias deu espaço para
que os países enriquecidos nesta primeira etapa da globalização11 alcançassem, em uma segunda etapa, os países em desenvolvimento.
Também contribuiu para isso o investimento estrangeiro e a constituição de um mercado financeiro internacional não submetido ao
controle público.12
Para Paul Singer, muitas eram as vantagens do capitalismo com
a transição de estruturas produtivas dos países desenvolvidos para
outros, menos desenvolvidos:
A globalização é um processo de reorganização da divisão internacional do trabalho, acionado em parte pelas diferenças
de produtividade e de custos de produção entre países. No
início da segunda etapa, os países semi-industrializados apresentavam ao capital global, vantagens comparativas, que consistiam em grande disponibilidade de mão-de-obra já treinada
e condicionada ao trabalho industrial a custos muito menores
do que nos países desenvolvidos. Na mesma época, as lutas
de classe nos países industrializados haviam se intensificado,
alimentadas por crescente insatisfação de uma classe operária
de escolaridade elevada com um trabalho monótono e alienante. Grandes jornadas grevistas eram resolvidas com elevações salariais que superavam os ganhos de produtividade
e pressionavam os lucros. A transferência em grande escala
de linhas de produção industrial para a periferia foi a resposta das empresas. Grandes centros industriais na Europa e na
América do Norte foram literalmente esvaziados, com prédios
fabris abandonados e grande número de desempregados.13
A mundialização e expansão do capitalismo deve-se, também,
ao General Agreement on Tariff and Trade (GATT), tratado celebrado em 1947, em Genebra, que criou o sistema mundial de comércio.
O GATT constituía-se de um código de tarifas e regras estabelecidas
pelos 23 Estados então signatários, e regia-se por três princípios básicos: tratamento igual e não discriminatório para todas as nações
comerciantes, redução de tarifas por meio de negociações e elimina11 Para Paul Singer a globalização é dividida em duas etapas: a primeira inicia-
se no fim da Segunda Guerra ao fim dos anos 60: a segunda, que é vista
atualmente, já perdura há mais de um quarto de século e já atingiu boa
parte do terceiro mundo. (Singer, 2006, p. 28.)
12 Singer, op. cit., p. 20.
13 Ibid., p. 21.
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ção das cotas de importação. O GATT evoluiu e atualmente corresponde à Organização Mundial do Comércio (OMC).14
O tempo tornou-se uma questão primordial no processo produtivo, bem como os custos, visto que agora a demanda exige qualidade, produção em larga escala em um lapso temporal curto, rápida
e com garantia.15 Estas características colocaram em xeque os antigos
modelos produtivos até então consagrados e deram lugar à descentralização produtiva da fábrica.16
Tal instabilidade macroeconômica gerou grande cautela nos
investimentos produtivos industriais que, desde então, vinham se arrefecendo nos países capitalistas centrais, a par do
crescimento das atividades nos setores de serviços, que agregam desde comércio, finanças, saúde, etc., e até novas atividades relacionadas a entretenimentos. Na concorrência imposta pelo deslocamento do consumo a esses novos segmentos,
acirrada pelo baixo crescimento (se comparado aos índices do
pós-1945 até o final dos anos 1960), a indústria redirecionou
suas estratégias de padronização em larga escala, para a crescente agregação tecnológica, maior qualidade e personalização de seus produtos.17
Márcio Pochmann descreve que as grandes corporações foram
estimuladas a transferir o processo produtivo aos países periféricos
em dois momentos. No primeiro, a partir da ajuda norte-americana
do pós-guerra, as empresas europeias inseridas no mercado competitivo buscavam menores custos na produtividade. E em um segundo
momento, as grandes empresas ampliaram seus investimentos em
países subdesenvolvidos devido à elevação dos preços do petróleo e
de matérias-primas. Essas empresas tornaram-se corporações transnacionais que tinham a possibilidade de escolher em qual parte do
14 Sandroni, Paulo (org). Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Best
Seller, 1999, p. 262.
15 Pinto, Geraldo Augusto. A Organização do Trabalho no Século 20:
Taylorismo, Fordismo e Toyorismo. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p.
51.
16 O fordismo e taylorismo, modelos baseados na linha de montagem foram
substituídos pelos sistemas just-in-time e kanban, instituídos pelo método
japonês que visa à redução dos desperdícios por meio de um sistema de
informação dentro da empresa: assemelha-se à reposição de mercadorias
nas prateleiras dos supermercados. (Pinto, 2007, p. 29-73).
17 Pinto, op. cit., p. 50.
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mundo se instalariam, o que deu origem a uma nova forma de organização do trabalho.18
Para Paul Singer o pré-requisito para a instalação de empresas
estrangeiras nos Estados eram os baixos índices de inflação, estagnação dos preços e a oferta barata de mão de obra, além de baixos
níveis de sindicalização.19
O que derrotou os sindicatos e os obrigou a aceitar a precarização foi a nova mobilidade que o capital adquiriu na segunda etapa da globalização. O grande capital multinacional
simplesmente abandonou o campo de batalha e se transferiu
para países em que a debilidade do movimento operário lhe
oferecia plena liberdade de reformular as relações de produção de acordo com seus interesses. A segmentação do mundo
do trabalho, que estava implícita nos Estados Unidos e certamente em outros países industrializados, foi a explicitada mediante a criação de uma franja de trabalhadores destituídos de
quaisquer direitos, exceto o pagamento do serviço prestado. A
resistência sindical pode ser aquilatada pela extensão em que
ramos inteiros de produção foram transferidos de suas localizações tradicionais a outras partes do país ou a outros países.
O que em muitos casos condenou à morte econômica e social
as sociedades abandonadas. Não admira que as autoridades
políticas tenham abandonado os sindicatos à sua sorte para
tentar impedir que a retirada do capital transformasse cidades
e regiões em cemitérios industriais. 20
Para Boaventura de Sousa Santos os traços principais desta nova
economia global são o investimento em escala mundial, os processos
de produção flexíveis, os baixos custos de produção e a revolução
tecnológica, e ainda a desregulamentação das economias nacionais.
Porém, sobretudo, há a prevalência do capital americano e suas relações privilegiadas com Canadá e América Latina, do capital japonês
que se relaciona com os tigres asiáticos, e também do europeu com
forte influência junto aos países do Leste e do norte da África.21
18 Pochmann, Márcio. O Emprego na Globalização: a nova divisão internacional
do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo,
2007, p. 30.
19 Singer, op. cit., p. 28.
20 Ibid., p. 28.
21 Santos, Boaventura de Sousa. Os Processos da Globalização. In: Santos,
Boaventura de Sousa. A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo:
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As implicações destas transformações para as políticas econômicas nacionais podem ser resumidas nas seguintes orientações ou exigências: as economias nacionais devem abrir-se ao
mercado mundial e os preços domésticos devem tendencialmente adequar-se aos preços internacionais; deve ser dada
prioridade à economia de exportação; as políticas monetárias
e fiscais devem ser orientadas para a redução da inflação e da
dívida pública e para a vigilância sobre a balança de pagamentos; os direitos de propriedade privada devem ser claros e invioláveis, o sector empresarial do Estado deve ser privatizado;
a tomada de decisão privada, apoiada por preços estáveis, deve
ditar os padrões nacionais de especialização; a mobilidade de
recursos, dos investimentos e dos lucros; a regulação estatal
da economia deve ser mínima; deve reduzir-se o peso das políticas sociais no orçamento do Estado, reduzindo o montante
das transferências sociais, eliminando a sua universalidade, e
transformando-se em meras medidas compensatórias em relação aos estratos sociais inequivocadamente vulnerabilizados
pela atuação do mercado. 22
Com a globalização ocorre a liberação do comércio, o alcance
dos mercados de produção a diversas partes do globo por meio da
quebra de barreiras alfandegárias e protecionismos dos Estados, que
acabaram por adaptar as respectivas economias a esse novo processo de mercado, para sua própria sobrevivência.23
Uma das consequências da globalização no mercado de trabalho é o acirramento da concorrência e a busca pela otimização dos
lucros, bem como a transformação do processo evolutivo proporcionado pela Revolução Tecnológica em função da mecanização do trabalho24 e consequentemente o desemprego e precarização da mão
de obra. Estes problemas ganham ênfase pluridisciplinar a alcançam
diversas ciências além do Direito.
Cortez Editora, 2002. p. 30.
22 Ibid.
23 Nalesso, Thiago Fernando Cardoso. Direito do Trabalho, Flexibilização e
Empregabilidade. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)
– Faculdade de Direito. Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba,
2000, p. 11
24 Singer, op. cit., p. 17.
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3.O Direito do Trabalho e a Teoria da Flexibilização
O surgimento do Direito trabalhista é decorrência da exploração capitalista no século XVIII a partir da Revolução Industrial; e,
embora consignada como a introdução da máquina a vapor, traduzse, na verdade, como o marco da divisão do trabalho.25 O controle
do tempo de trabalho torna-se característica fundamental no processo produtivo. Um exemplo disso é o surgimento dos relógios de
bolso, que eram usados exclusivamente pelos donos das fábricas,
para controle dos trabalhadores e como manifestação de seu poder
econômico.26
As leis trabalhistas surgem com a pressão do movimento operário que se opôs às condições precárias de trabalho e baixos salários.
Na Inglaterra, uma das primeiras leis trabalhistas de 1802, denominada Lei de Peel fixou a jornada diária de trabalho em 12 horas.27
Posteriormente, os direitos trabalhistas são elevados a direitos
fundamentais enraizados na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1948) e ratificados pelas Convenções da
Organização Internacional do Trabalho e outros acordos internacionais, porém, ainda padecendo de efetivação em muitos países.28
O Direito do trabalho no Brasil é um ramo autônomo do Direito,
com raízes na Constituição de 1988, na Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943) e em outras leis
esparsas. Fundamenta-se no princípio da proteção e na necessidade
de assistir o trabalhador no decorrer da relação empregatícia, bem
como ao seu término. Para Américo Plá Rodriguez os princípios são:
Linhas gerais que informam algumas normas e inspiram direta
ou indiretamente uma série de soluções pelo que podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normais,
orientar a interpretação das existentes e resolver casos não
previstos.29
25 Nascimento, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 23ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 11.
26 Rüdiger, Dorothee Susanne. História Geral do Direito do Trabalho
(mimeo).
27 Nascimento, op. cit., 2008, p. 37.
28 Misailidis, op. cit.
29 Rodriguez, Américo Plá. Tradução Wagner D. Giglio. Princípios de Direito do
Trabalho. São Paulo: Ltr. 1978, p. 16.
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Destaca-se, no Direito do trabalho, que o consagrado princípio da proteção tem função informadora (inspirando o legislador e
fundamentando o ordenamento jurídico), normativa ou integrativa
(atuando como fonte supletiva) e interpretadora (operando como
critério orientador ao intérprete ou ao juiz). Estas funções devem ser
exercidas em harmonia e não precisam estar de acordo com os princípios dos demais ramos da ciência jurídica para ser incorporados
ao ordenamento jurídico positivo, devido à autonomia do Direito
trabalhista.30
Não obstante a pressão exercida pelos órgãos e sindicatos nacionais e internacionais para a efetivação de leis protecionistas no
âmbito do trabalho, deve-se observar que tal fato nunca se deu nos
países capitalistas, em oposição aos interesses do capital. Mirta Lerena Misailidis destaca:
Embora os Estados modernos tenham assegurado os direitos
fundamentais dos trabalhadores regulamentando tais direitos,
nunca o fizeram em conflito aberto com os interesses do capital. Ainda, nos países que conseguiram proporcionar elevados
níveis de proteção social, tudo se deu com o beneplácito dos
empregadores que viram seus mercados internos crescerem
em decorrência da política do Bem-Estar Social.31
Antes de tratar da “flexibilização das leis trabalhistas” é necessário discutir o papel do Direito do trabalho na sociedade para alcance
da justiça social. Na visão de Magda Barros Biavaschi, a lei não deve ser
a única forma de resolver os conflitos. O Judiciário, mecanismo de
grande importância, deve ser democratizado e estar em consonância
com os anseios da sociedade.
Cabe à sociedade a decisão acerca dos mecanismos e das formas de participação na administração da justiça; aos operadores jurídicos a tarefa do aprofundamento dessa discussão,
que é de ser ampla e multidisciplinar. E aqui uma indagação:
como se pode pugnar por uma decisão democrática e justa
para o caso concreto sem que existam efetivos canais de comunicação entre Poder Judiciário e sociedade? Como se con30 Biavaschi, Magda Barros. “Direito do Trabalho: um direito comprometido
com a Justiça”. In: Júnior, José Geraldo de Sousa; Aguiar, Roberto A. R. de.
(orgs.). Introdução Crítica ao Direito do Trabalho. Brasília: Universidade
de Brasília, 1993, p. 52.
31 Ibid., p. 02.
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ceber o pluralismo jurídico sem um judiciário democrático e
democratizado? Como democratizá-lo? São questões polêmicas, mas fundamentais.32
Jorge Luiz Souto Maior coaduna com a opinião acerca da democratização do Judiciário expressando seu pensamento no texto “Pai,
afasta de mim esse cálice”: “É preciso trazer para o momento crucial
da vida do Direito, que é o da sua transposição para a realidade, os
sentimentos mais profundos do ser humano: a busca da justiça e o
amor ao próximo”.33
A teoria da flexibilização se encontra em sentido contrário ao
que se consagra no princípio da proteção, esse fenômeno jurídico
se opõe à estabilidade das relações em função da rotatividade da
economia. Propõe flexibilizar apenas os direitos trabalhistas nos momentos de crise econômica sem qualquer contrapartida em benefício dos empregados nos momentos de expansão do capitalismo.
Em poucas palavras, é possível afirmar que a teoria da flexibilização consiste na redução de direitos trabalhistas em prol da lucratividade. Uma verdadeira pesquisa sobre o tema deve abarcar uma
série de fatores que levem em conta não apenas a ordem jurídica de
um país, mas sim a sua economia, sua estrutura social e a forma de
estruturação do mercado de trabalho.
A submissão do Direito do trabalho às oscilações da economia
terminariam por tranformar-lo em mero apêndice da economia, o
que permitiria o retorno a condições de trabalho ainda piores das
existentes hoje em dia. Não se nega que o Direito é um reflexo da estrutura econômica, mas propugna-se pela transformação e evolução
dessa área de forma a que possa se transformar em um instrumento
de justiça social.34
Héctor Hugo Barbagelata destaca o particularismo desse ramo
jurídico ao entender que “seu objeto supõe uma nova atitude diante
das novas realidades do mundo do trabalho”.35 Na visão de Radbruch
32 Biavaschi, op. cit., p. 96.
33 Souto Maior, Jorge Luiz. Pai, Afasta de Mim esse Cálice. Revista Ltr, São
Paulo, v. 67, nº 12, pp. 1424-1442, dez. 2003, p. 1442.
34 Nascimento, op. cit., 2008, p. 193.
35 Barbagelata, op. cit., p. 20.
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o Direito do trabalho deixa de ser “ponto de partida do Direito, para
se converter em meta ou aspiração da ordem jurídica”.36
A teoria da flexibilização do Direito do trabalho, com base na
doutrina neoliberal, defende o afastamento do Estado dos assuntos sociais e econômicos e ataca o que chama de assistencialismo.
Segundo os neoliberais, a proteção provoca um sentimento de comodidade ao cidadão e que os encargos sociais engessam o desenvolvimento econômico. Caso o Estado concedesse mais espaço para
os particulares negociarem, seria possível por meio da negociação
coletiva, estabelecer acordos até mesmo mais favoráveis à classe trabalhadora.
Não se leva em consideração, apenas, o fato dos sindicatos estarem extremamente enfraquecidos, justamente em razão dos altos
índices de desemprego. Tal fato poderia simplesmente destruir toda
a rede de proteção aos trabalhadores, construída arduamente através dos tempos.
A teoria liberal ganhou novo fôlego com o fim da Guerra Fria;
porém, as proposições atuais já são conhecidas há muito tempo. A
ideia é reproduzir a estrutura do mercado nos mais diversos espaços. A crise atual da economia é um reflexo claro da política liberal.
É aqui que começará o esforço doutrinário. Sua intenção é
fazer pensar a ordem pública da ação coletiva segundo o mesmo modelo da ordem econômica do mercado - ou seja, como
ordem descentralizada. A derrota histórica do socialismo difundiu a ideia de que uma economia não pode ser organizada
a partir de um centro único. A força do mercado, repete há
muito tempo o dogma neoclássico, consiste em não requerer nenhuma instância de coordenação central e em deixar os
agentes responsáveis por suas próprias ações, sem por isso ter
como resultado o caos. O mecanismo impessoal dos preços se
encarrega de ajustar a miríade de ofertas e demandas individuais. A ignorância dos liberais em relação a todas as construções sociais que coordenam de fato os agentes econômicos – o
direito, a moeda, as regras, as convenções... o Estado – e sem
as quais o capitalismo não saberia funcionar, não os impede
em nenhum momento de acreditar no mercado como a um
relógio auto-regulado, pura coleção de indivíduos propensos
36 Radbruch apud Barbagelata, op. cit., p. 20.
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à harmonia mercantil espontânea, contanto que ninguém se
intrometa “do alto” em seus pequenos negócios.37
Para Luiz Carlos Amorim Robortella, a negociação coletiva consiste em um “instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e
eficaz regulação do mercado de trabalho”,38 e sob esse argumento
embasa sua defesa à flexibilização dos direitos dos trabalhadores.
Embora a negociação seja um instrumento de efetivação de direitos, os sindicatos brasileiros enfrentam o dilema do desemprego,
e muitos se curvam para os interesses capitalistas; deste modo, passam a negociar a redução de direitos ao invés de reivindicá-los e de
garantir sua efetivação.39
No conceito de Amauri Mascaro Nascimento, a flexibilização do
Direito do trabalho:
[...] é a corrente de pensamento segundo a qual necessidades
de natureza econômica justificam a postergação dos direitos
dos trabalhadores, como a estabilidade do emprego, as limitações à jornada diária de trabalho substituído por um módulo
anual de totalização de duração do trabalho, a imposição pelo
empregador, das formas de contratação, do trabalho moldadas de acordo com o interesse unilateral da empresa, o afastamento sistemático do direito adquirido pelo trabalhador e
que, ficaria ineficaz sempre que a produção econômica o exigir, enfim, o crescimento do direito potestativo do empregador, concepção que romperia definitivamente com a relação
de poder entre os sujeitos do vinculo de emprego, pendendo
a balança para o economicamente forte”.40
Na concepção de Dorothee Susanne Rüdiger a teoria da flexibilização não é nem moderna nem pós-moderna: é conservadorismo
37 Lordon, Frédérico. A nova fronteira liberal. Tradução: Patrícia Andrade.
Disponível em:<http://diplo.uol.com.br/2006-04,a1301>. Acesso em 02
mar. 2009.
38 Robortella, Luiz Carlos Amorim. O Moderno Direito do Trabalho. São Paulo:
LTr, 1994, p. 97.
39 Barbagelata, op. cit., p. 141.
40 Nascimento, op. cit. 2008, p. 168.
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disfarçado de modernidade, no qual o que vale mesmo é a vontade
do patrão.41
Ao lançar a ideia da flexibilização como moderna, está se fazendo um contraponto ao antigo, a uma tradição que deve ser
superada. Nesse sentido, no sentido hegeliano de rompimento com as tradições, a teoria da flexibilização do direito do
trabalho é moderna. Ela também pode ser designada como
moderna porque lança uma moda, segundo a qual qualquer
argumento contra é fora de moda, ou seja, obsoleto. Deixando o terreno da descrição de fenômenos sociais, que têm suas
consequências no direito do trabalho, para chegar a um discurso que defende o dever ser, o que se usa, a teoria constitui
um discurso de legitimação que se resume à supremacia do
mercado. Esse discurso não tem nada de moderno nem de
pós-moderno, mas tudo de um conservadorismo disfarçado
de progressista. Estamos diante de uma revolução conservadora que, em nome do progresso, restabelece a velha ordem
na qual a última palavra é a do patrão.42
A teoria pode também ser discutida sob o enfoque do Direito
alternativo: as diferenças e semelhanças das teorias explicam a questão. O professor Amilton Bueno de Carvalho assevera que o movimento do Direito alternativo caracteriza-se pela luta em prol da efetivação dos direitos humanos e como resistência à dominação imposta
por regimes ditatoriais. É a manifestação da população em busca de
seu espaço jurídico em defesa das “lutas libertárias”,43 que, por sua
vez, visa a um “instrumental prático-teórico destinado a profissionais
que ambicionam colocar seu saber/atuação na perspectiva de uma
sociedade socialista democrática”.44
41 Rüdiger, Dorothee Susanne. Teoria da flexibilização do direito do trabalho:
uma tentativa de contextualização histórica. Prima Facie, São Paulo, ano
3, nº 4, jan./jun. 2004, pp. 29-57. Disponível em< http://www.ccj.ufpb.br/
primafacie/index_antigo.html> Acesso em 15 out. 2008, p.48.
42 Rüdiger, op. cit., 2004, p. 48.
43 Carvalho, Amilton Bueno de. “Flexibilização x direito alternativo”. In: Sousa
Júnior José Geraldo de; Aguiar, Roberto A. R. (orgs.). Introdução Crítica ao
Direito do Trabalho. Curso de Extensão Universitária a distância. Série o
Direito achado na Rua. Vol. 2. Brasília: Universidade de Brasília, 1993, p.
97.
44 Ibid., p. 97.
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Destaca-se que o Direito alternativo não consiste na inexistência
de leis, mas sim da legislação em prol da efetividade da justiça e que
contemple as conquistas sociais. Os fundamentos para a violação
de leis injustas estão nos princípios gerais do Direito, conquistados
pelas lutas sociais.45
Não é este o discurso da teoria da flexibilização, embora as
duas teorias repudiem a visão legalista do Direito. O ponto de divergência entre as correntes está no tipo de sociedade que a teoria
ambiciona. Enquanto o Direito alternativo tem como adeptos aqueles que se orientam para uma interpretação socializante da lei, e
com isto, a ampliação de direitos da classe trabalhadora, por outro
lado aqueles que advogam a teoria da flexibilização se curvam para
uma “mística do mercado como regulador natural e insubstituível da
economia”.46
[...] quer me parecer, que a doutrina da flexibilização é apenas
uma forma de dar suporte teórico à ‘flexibilização’ que sempre existiu no país, posto que, na vida real, mesmo os direitos
legalmente conquistados pelo povo, têm sido sonegados, postergados. Basta como exemplo o confronto entre a definição
constitucional do salário mínimo, com o número de moedas
que chegam mensalmente ao bolso do trabalhador. Flexibilizar (ou temperar direitos daquele que trabalha) sempre tem
sido a tônica em nossa história, ou a morosidade do judiciário
trabalhista, o arrocho salarial, a falta de estabilidade, não são
formas cruéis de conceder vantagens ao empregador?47
As modalidades de contratação que se coadunam com a prática flexibilizante caracterizam-se basicamente pela quebra da regra
dos contratos a tempo indeterminado e a confusão entre trabalhador empregado e autônomo. Na definição de José Dari Krein essas
modalidades são denominadas de contratação atípica: “são tipos
de contratos que permitem a adaptação das empresas às flutuações
econômicas, dispensando compromissos permanentes e custos com
os seus empregados.”48
45
46
47
48
Ibid., p. 97.
Vargas, Luis Alberto; Fraga, Ricardo Carvalho apud Carvalho, ibid., p. 100.
Ibid., p. 100.
Krein, José Dari. “Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil:
1990-2005”. 2007. 347f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico)
– Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. Disponível em:
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Essa tipificação contratual não assegura diversos dos direitos
trabalhistas que são abrangidos pelo contrato regular de trabalho,
como exemplo, as estabilidades provisórias (à gestante, ao dirigente
sindical, ao acidentário e ao adquirente de doença profissional). O
aviso prévio não é exigido em decorrência da pré-estipulação do prazo do contrato, e desobriga o patrão a pagar a multa de 40% sobre
o Fundo de Garantia de Serviço. Ressalte-se ainda que o trabalhador
contratado sob esses termos não recebe seguro-desemprego e tem o
direito de férias e aposentadoria dificultado em razão da volatilidade
contratual.49
Exemplos desse tipo de contratação são os contratos de trabalho temporário e de terceirização de serviços. Em função tanto da
curta duração e pré-estipulação que acarreta a redução de direitos,
como da precarização que gera nos postos de trabalho, a mão de
obra terceirizada e temporária é bem menos custosa aos empregadores. A relação de trabalho é precarizada e acaba por nivelar por baixo
o salário e condições de trabalho.
Para Jorge Luiz Souto Maior, a contratação de mão de obra terceirizada foi facilitada pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho ao estipular a responsabilidade apenas subsidiária da tomadora dos serviços. Ao ajuizar uma reclamação em face de uma empresa
terceirizada, em que a tomadora de serviços responderá apenas
subsidiariamente, o trabalhador pode nunca receber seus direitos.
Ao condenar a reclamada, o juiz já bem sabe que a fase executória
será demasiadamente longa e, algumas vezes, o direito ficará só no
papel.50
[...] Em verdade, o Enunciado 331, do TST, ao dar guarida
à reivindicação da economia, no que tange à necessidade da
implementação da terceirização, fez letra morta do artigo 2º
da CLT, segundo o qual foi consagrado que se considera empregador a “empresa” que assume os riscos da atividade econômica . Ora, quem se insere no contexto produtivo de ou<http://www.eco.unicamp.br/docdownload/teses/Jose%20Dari%20Krein.
pdf> Acesso em: 14 set. 2008, p. 113.
49 Krein, op. cit., p. 131.
50 Souto Maior, Jorge Luiz. Trabalho descentralizado: Terceirização não pode
ser utilizada para burlar direitos trabalhistas. Consultor Jurídico, 06 jul,
2004. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/26032,1 >
Acesso em 16 out.2008.
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trem, com a mera prestação de serviços, seja de forma pessoal,
seja na forma de uma empresa de prestação de serviços, não
assume qualquer risco econômico atinente à produção, daí
porque, segundo a definição legal, não pode ser considerado
empregador.51
A flexibilidade da jornada de trabalho também exemplifica a
filosofia da flexibilização. A Constituição já permite a alteração da
jornada de trabalho por meio da negociação coletiva de trabalho, o
que faz estender a jornada do trabalhador em prejuízo de sua vida
social, ou seja, saúde, educação e cultura, e ainda reduz a oferta de
mão de obra.
À medida que as tecnologias permitem produtividade mais
elevada, parece cada vez mais absurda uma situação em que
há, de um lado, gente que fica neurótica por excesso de trabalho, desarticulando até a vida social e familiar, e de outro, uma
imensa maioria que se sente excluída do processo, por não ter
acesso ao emprego ou ver-se obrigada a inventar formas de
sobrevivência cada vez mais surrealistas.52
Diante dos aspectos mencionados, constata-se que a ausência
da responsabilização solidária dos tomadores de serviços sobre as
verbas trabalhistas, as novas modalidades de contratação temporária, o crescimento da terceirização, a instituição de jornadas prolongadas e flexíveis às exigências do mercado, bem como as formas de
pagamento de salário existentes no campo normativo do trabalho
demonstram a força do sistema capitalista liberalizante sobre o mercado e sobre o Direito do trabalho.
Outras questões podem ser suscitadas no que tange ao problema que envolve o Direito do trabalho e o emprego no País. Longe
da perspectiva capitalista que afirma serem os princípios trabalhistas os obstaculizadores do progresso econômico, a problemática
abrange também a questão sindical, uma velha polêmica no Direito
brasileiro.
51 Ibid.
52 Dowbor, Ladislau. O Que Acontece com o Trabalho? São Paulo: SENAC, 2002,
p. 209.
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O Brasil ainda não ratificou a convenção nº 87 da Organização
Internacional do Trabalho, e até hoje não promoveu a Reforma Sindical preconizada pelo Fórum Nacional do Trabalho.53
A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho
aprovou, em 09 de julho de 1948 a Convenção nº 87 da OIT, que
preconiza quatro garantias sindicais universais: fundar sindicatos,
administrá-los, garantir atuação dos sindicatos e a de assegurar o
direito de se filiar ou não. Ficou conhecida como a Convenção que
estabelece o princípio da liberdade sindical e proteção ao direito
sindical.54
Sob o parâmetro da liberdade sindical, a flexibilização também
ataca o Poder Normativo da Justiça do Trabalho55 como sendo uma
forma negativa de intervenção estatal. Defendem que a livre negociação poderia representar melhores condições aos trabalhadores
do que aquelas estipuladas pela Justiça Trabalhista. No entanto, mudanças representam sempre um risco, principalmente em tempos de
crise econômica:56
A conjuntura política e econômica, porém, quer no plano
nacional, quer no internacional, não aconselha a nenhuma
mudança brusca. Por outro lado, grupos expressivos de líderes sindicais e de estudiosos do Direito do Trabalho mantêm
dúvidas sérias sobre a conveniência de extinguir o poder normativo da Justiça Trabalhista, a qual se traduz inclusive em
recomendações contrastantes de profissionais da mesma ou
similar orientação e preferência doutrinária. Daí a necessidade de amplo programa de pesquisas sistemáticas, de natureza
sócio-econômica, visando a analisa com metodologia homo53 Nascimento, op. cit., 2008b, p. 602-603 e Viana, Márcio Túlio. A Reforma
Sindical: entre o consenso e o dissenso. Revista do Direito Trabalhista, ano
10, nº 12. p 69-85, dez. de 2004. Disponível em <http://ojs.c3sl.ufpr.br/
ojs2/index.php/direito/article/viewPDFIntersititial/1734/1434 >Acesso em
04 dez. 2008.
54 Oit. Convenção sobre a liberdade sindical e a proteção do direito sindical.
Disponível em: < http://www.oit.org/ilolex/portug/docs/C087.htm>. Acesso
em 04 dez. 2008.
55 Competência do judiciário trabalhista para criar normas de condição de
trabalho ao decidir dissídios coletivos (Carrion, Valentin. Comentários
à Consolidação das Leis do Trabalho: legislação complementar
jurisprudência. 32ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 710.)
56 Viana, op. cit, p. 85.
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gênea os efeitos a curto prazo e longo prazo das sentenças
normativas sobre as reais condições da classe trabalhadora de
cada região do país. É provável que um esforço dessa envergadura contribua para significativa redução das divergências.57
A Emenda Constitucional 45/2004, ao exigir o consenso das
partes para ingresso de ações trabalhistas coletivas, apesar das discussões sobre a questão, não deixa de ser mais uma regra flexibilizante do Direito do trabalho, ao dificultar a intervenção estatal.
O juiz do Trabalho Ricardo Carvalho Fraga reconhece a importância da autonomia de alguns sindicatos para a conquista de direitos, independentemente da intervenção da Justiça do Trabalho, mas
argumenta que alguns entes não possuem a mesma representatividade de outros, e não seria justo que apenas alguns deles alcançassem normas mais evoluídas, justamente porque tem sido alarmante
a ameaça da flexibilização: “O neoliberalismo, acaso não contido eficazmente, pode nos levar à beira da própria fragmentação da sociedade, aqui neste canto do planeta, o que é inaceitável e, ainda pode
ser evitado”.58
Muitos são os debates quando se trata de aumentar ou reduzir
direitos sociais: o discurso transcende a questão da empregabilidade
e desenvolvimento econômico, ganha enfoque sob a perspectiva da
desigualdade social e, por isso, precisa ser estudado e aplicado de
acordo com os ditames da justiça social.
Paul Singer apresenta como proposta para o fim do desemprego
a possibilidade da formação de uma estrutura de economia solidária.
Tal ideia aduz ao o ideal socialista, que acabaria também por melhorar os níveis de distribuição de renda. Para o economista é possível organizar a produção em grande escala sem ser pelo modelo do
grande capital (por exemplo, pelas cooperativas de produção e de
consumo, o intercâmbio oferece possibilidade de êxito).
A ideia básica é assegurar a cada um, mercado para seus produtos e uma variedade de economias externas, de financiamento a orientação técnica, legal, contábil, etc., através da
57 Carrion, op. cit., p. 179.
58 Fraga, Ricardo Carvalho. Em Defesa do Poder Normativo. Atualidade e
flexibilização. In? Sousa Júnior; Aguiar, op. cit., p. 136.
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Diante das Crises do Capitalismo Globalizado
solidariedade entre produtores autônomos de todos os tamanhos e tipos.59
Segundo Paul Singer, o movimento operário precisa de novas
estratégias de restabelecimento de uma ordem a seu favor em que
haja equilíbrio entre demanda e oferta:60
[...] A construção de uma economia solidária é uma dessas
outras estratégias. Ela aproveita a mudança das relações de
produção provocadas pelo grande capital para lançar os alicerces de novas formas de organização da produção, à base
de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista.
Tudo leva a acreditar que a economia solidária permitirá, ao
cabo de alguns anos, dar a muitos, que esperam em vão um
novo emprego, a oportunidade de se reintegrar à produção
por conta própria individual ou coletivamente. O excesso de
oferta de força de trabalho solapa as organizações sindicais e
confere aparentemente credibilidade à tese liberal de que todas as conquistas legais de direitos trabalhistas causam a diminuição da demanda por trabalho assalariado. Eliminando este
excesso, os sindicatos poderão recuperar representatividade e
poder de barganha.61
Embora sejam os encargos sociais e o excesso de oferta de mão
de obra os principais argumentos dos defensores da doutrina neoliberal em favor da flexibilização das leis trabalhistas, não há fundamentação precisa de que os encargos sejam efetivamente a causa do
alto índice de desemprego, nem que contribuam para o desemprego.62
Em pesquisa realizada acerca da desregulamentação do mercado de trabalho e desemprego nas economias capitalistas avançadas,
Luiz Antônio de Oliveira Lima ressalta não existirem indícios de que a
regulamentação de salários gere efeitos negativos para o mercado de
trabalho, e que as mesmas instituições que podem elevar o desem59
60
61
62
Singer, op. cit., p. 132.
Ibid, p. 138.
Ibid., pp. 138-139.
Lima, Luiz Antônio de Oliveira. Desregulamentação dos Mercados de
Trabalho e Desemprego nas Economias Avançadas. EAESP/FGV/NPP –
Núcleo de pesquisas e publicações. Relatório de Pesquisa. Disponível em:
< http://virtualbib.fgv.br/dspace/handle/10438/1978> Acesso em 23 fev.
de 2008, p. 16.
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prego na Europa podem contribuir para o crescimento mais rápido
dos salários e da igualdade nos EUA.63 A pesquisa observa que:
[...] se considerarmos o conjunto de instituições de mercado
existentes nas principais economias capitalistas, e as possíveis
formas de rigidez delas decorrentes podemos concluir que a
relação entre esses fatores e as taxas de desemprego é muito
variada e errática para explicar as diferentes taxas de desemprego, especialmente para justificar a alegação convencional
de que as altas taxas desemprego estão associadas a mercados
de trabalho regulados e consequentemente à falta de flexibilidade salarial.64
A proposta da flexibilização parece ser a solução mais conveniente para a manutenção dos lucros, mesmo em situações de crise.
Não há até hoje qualquer comprovação do que a mão invisível do
mercado possa ser propulsora de um desenvolvimento econômico
social justo e igualitário, principalmente diante da atual crise econômica vivenciada pelos Estados Unidos.65 O próprio governo estadounidense necessitou intervir severamente na economia como forma
de garantir a sobrevivência do sistema capitalista em seu país, e por
consequencia do mundo.
Após descrever as implicações de lei de proteção ao emprego,
do salário mínimo, do seguro-desemprego e renda garantida, Luis
Antonio de Oliveira Lima chega à conclusão de que, considerandose o conjunto de instituições de mercado existentes nas economias
capitalistas avançadas e as possíveis formas de rigidez encontradas,
percebe-se que as relações entre estas e as taxas de desemprego são
muito variadas e erráticas para se poder explicar as diferenças entre
as taxas de desemprego nos países, especialmente para justificar a
alegação convencional de que as altas taxas estão associadas a mercados regulados e pouco flexíveis.
Daí a necessidade de se considerar a hipótese de que a tendência à elevação do desemprego está ligada não só a tendência à queda da demanda agregada ao nível nacional, como
também a uma tendência ao declínio do crescimento da de63 Ibid., p. 16.
64 Ibid., p. 11.
65 Ver Santos, Boaventura de Sousa. O impensável aconteceu. Folha de São
Paulo. São Paulo, 26 set. 2008. Tendências e Debates, caderno Opinião,
p. 03.
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Diante das Crises do Capitalismo Globalizado
manda agregada, na maior das partes das economias industrializadas.66
O autor conclui seu artigo desconfiando das explicações convencionais para o desemprego, o que reforça a ideia de que a tentativa de flexibilizar o Direito e o mercado de trabalho nada mais é
do que uma iniciativa apenas para redução de custos da produção,
e não uma preocupação efetiva com a diminuição do desemprego e
da exclusão social.
Através da análise das tendências macroeconômicas e das políticas macroeconômicas às quais os países europeus foram
condicionados, podemos ter uma explicação alternativa do
comportamento do desemprego nestas economias, em relação
à economia americana. Tal análise serve também para reforçar
a desconfiança em relação à hipótese de que a origem das altas taxas de desemprego observadas naqueles países possam
ser explicadas por considerações microeconômicas relativas
a existência de grandes inflexibilidades nos mercados de trabalho. Obviamente, esses fatos apontam para necessidade de
uma política de emprego que transcenda as simples medidas
de desregulamentação desses mercados.67
O que se percebe é que o discurso liberal é mais ideológico
do que técnico ou científico. Não há provas de que, ao flexibilizar o
Direito do trabalho se possa garantir níveis elevados de empregabilidade, nem mesmo a manutenção dos níveis atuais, razão pela qual
tais práticas colocariam apenas em risco a rede mínima de proteção
dos trabalhadores.
Se em face na nova ordem econômica global os direitos trabalhistas precisam ser repensados, é necessário também que se reafirme o valor social do trabalho e a utilização de medidas que garantam
a dignidade do trabalhador a fim de viabilizar efetivamente a estruturação de um Estado em que se respeitem os direitos fundamentais
de todos os cidadãos.
4. Considerações Finais
A teoria da flexibilização dos direitos trabalhistas que se encontra em pauta nas agendas das grandes empresas e de governos não
66 Lima, 2000, p. 163.
67 Ibid, p. 174.
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é um discurso novo. A credibilidade no mercado autorregulável é
um argumento antigo utilizado pelos liberalistas; no entanto, não se
mostrou ainda que a não intervenção estatal tenha sido, em algum
momento, positiva para o desenvolvimento econômico. Os índices
de desemprego não se alteram à medida que garantias trabalhistas
são reduzidas. A teoria da flexibilização se assemelha mais a uma
tentativa de manutenção dos lucros das empresas em momentos de
crise do que uma proposta de solução para o desemprego.
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