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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
SENTENÇA
4ª VARA CRIMINAL FEDERAL
PROCESSO Nº 0005827-49.2003.403.6181
CLASSIFICAÇÃO: SENTENÇA PENAL TIPO D
A - R E L A T Ó R I O:
Vistos.
CARLOS
ROBERTO
CARNEVALI,
FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN
RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES
LEMOS, MOACYR ALVARO SAMPAIO, REINALDO DE PAIVA
GRILLO, HÉLIO BENETTI PEDREIRA, GUSTAVO HENRIQUE
CASTELLARI PROCÓPIO, EVERALDO BATISTA SILVA e
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LEANDRO MARQUES DA SILVA, qualificados nos autos, foram
denunciados pelo Ministério Público Federal (fls. 02/105), como
incursos nas sanções do art. 334, § 1º, “c”, por dezesseis vezes, c.c. arts.
69 e 29 todos do Código Penal.
CARLOS
ROBERTO
CARNEVALI,
FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN
RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES
LEMOS, MOACYR ALVARO SAMPAIO, REINALDO DE PAIVA
GRILLO, HÉLIO BENETTI PEDREIRA e GUSTAVO HENRIQUE
CASTELLARI PROCÓPIO foram denunciados, ainda, pela prática de
22 crimes do art. 304 c.c. art. 299, ambos do Código Penal, em concurso
material.
A inicial foi aditada para que CARLOS ROBERTO
CARNEVALI, FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO
PERNOMIAN
RODRIGUES,
MARCELO
NAOKI
IKEDA,
MARCÍLIO PALHARES LEMOS, MOACYR ALVARO SAMPAIO,
REINALDO DE PAIVA GRILLO, HÉLIO BENETTI PEDREIRA,
GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO, EVERALDO
BATISTA SILVA e LEANDRO MARQUES DA SILVA fossem
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acusados também pelo crime previsto no art. 288 do Código Penal,
juntamente com FÁBIO VICENTE DE CARVALHO (fls. 106/115).
No aditamento constou que também fariam parte da
quadrilha PAULO ROBERTO MOREIRA, CID GUARDIA FILHO
(KIKO), ERNANI BERTINO MACIEL, MARCOS ZENATTI e JOSÉ
CARLOS MENDES PIRES, os quais seriam denunciados em ação
penal autônoma.
Segundo a inicial, os acusados fariam parte de uma
organização criminosa que importava produtos da empresa CISCO
valendo-se de mecanismos e empresas interpostas, que tinham por
finalidade ocultar a real importadora das mercadorias, a empresa
MUDE.
A denúncia foi lastreada pelo Procedimento
Criminal Diverso nº 2005.61.81.009285-1, no qual foram realizadas
interceptações telefônicas e buscas e apreensões, além de outras
diligências, além de inquérito policial registrado sob o nº 2-1632/03.
Foram decretadas prisões temporárias dos acusados
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FERNANDO MACHADO GRECCO, HELIO BENETTI PEDREIRA,
MOACYR ALVES SAMPAIO, JOSE ROBERTO PERNOMIAN
RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, REINALDO DE PAIVA
GRILLO, MARCILIO PALHARES LEMOS, GUSTAVO HENRIQUE
CASTELLARI PROCOPIO, EVERALDO BATISTA SILVA e
LEANDRO MARQUES DA SILVA (fls. 4012/4038 do PCD). Na
mesma oportunidade houve o deferimento de diversas buscas e
apreensões, bem como a determinação do arresto de bens de
FERNANDO MACHADO GRECCO, HELIO BENETTI PEDREIRA,
MOACYR ALVES SAMPAIO, JOSE ROBERTO PERNOMIAN
RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, REINALDO DE PAIVA
GRILLO,
MARCILIO
PALHARES
LEMOS
e
GUSTAVO
HENRIQUE CASTELLARI PROCOPIO.
Posteriormente houve a decretação da prisão
temporária de CARLOS ROBERTO CARNEVALI (fls. 4295/4300 do
PCD).
As prisões temporárias dos acusados JOSÉ
ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, CARLOS ROBERTO
CARNEVALI, HELIO BENETTI PEDREIRA e MOACYR ALVARO
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SAMPAIO foram prorrogadas por mais cinco dias (fls. 5228/5238 do
PCD).
Em 25.10.2007 foi decretada a prisão preventiva
dos
acusados
CARLOS
ROBERTO
CARNEVALI,
MOACYR
ALVARO SAMPAIO, FERNANDO MACHADO GRECCO, HÉLIO
BENETTI PEDREIRA, MARCELO NAOKI IKEDA e JOSÉ
ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES (fls. 6520/6529 do PCD).
A denúncia foi recebida em 21.11.2007 (fls.
970/971) e o aditamento em 23.11.2007 (fl. 1064).
Os acusados foram citados e interrogados (fls.
1517/1522 - CARLOS ROBERTO CARNEVALI; fls. 1523/1528 MOACYR ALVARO SAMPAIO; fls. 1529/1536 - JOSÉ ROBERTO
PERNOMIAN RODRIGUES; fls. 1537/1541 - HÉLIO BENETTI
PEDREIRA; fls. 1542/1547 - FERNANDO MACHADO GRECCO; fls.
1580/1587 - MARCELO NAOKI IKEDA; 1589/1594 - GUSTAVO
HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO; fls. 1596/1601 - MARCÍLIO
PALHARES LEMOS; fls. 1603/1607 - REINALDO DE PAIVA
GRILLO; fls. 1609/1612 - EVERALDO BATISTA SILVA; fls.
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1628/1631 - LEANDRO MARQUES DA SILVA; fls. 1633/1636 FÁBIO VICENTE DE CARVALHO).
As prisões preventivas foram revogadas pela
decisão de fls. 1640/1653 em 07.12.2007.
As defesas prévias foram apresentadas às fls.
1685/1686 (HÉLIO BENETTI PEDREIRA), 1687/1691 (CARLOS
ROBERTO CARNEVALI), 1692/1694 (FERNANDO MACHADO
GRECCO,
JOSÉ
ROBERTO
PERNOMIAN
RODRIGUES,
MARCELO NAOKI IKEDA e MOACYR ALVARO SAMPAIO),
1695/1697 (EVERALDO BATISTA SILVA e REINALDO DE PAIVA
GRILLO), 1698/1699 (MARCÍLIO PALHARES LEMOS e GUSTAVO
HENRIQUE
CASTELLARI
PROCÓPIO),
1700/1701
(FÁBIO
CARVALHO) e 1702/1703 (LEANDRO MARQUES DA SILVA).
Foram ouvidas seis testemunhas de acusação (fls.
2091/2099,
2100/2103,
2134/2137,
2138/2141,
2142/2145
e
2372/2373).
Os acusados foram novamente interrogados às fls.
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2309/2322), a fim de que fosse oportunizado aos advogados dos réus
formularem perguntas durante os interrogatórios aos acusados
representados por outros procuradores.
No decorrer da instrução foram ouvidas quarenta e
oito testemunhas de defesa (2495/2497, 2498/2500, 2501/2503,
2514/2516, 2517/2519, 2532/2533, 2534/2536, 2551/2552, 2553/2554,
2555/2556, 2557/2558, 2559/2560, 2561/2562, 2670/2671, 2672/2673,
2684/2686, 2687/2688, 2689/2691, 2728/2729, 2732/2733, 2734/2735,
2736/2737, 2738, 2739/2740, 2879, 2896/2897, 2898/2900, 2901/2902,
2903/2905, 2986, 2987/2988, 2990, 2997/2998, 2999/3000, 3001/3003,
3004/3005, 3006/3007, 3008/3009, 3039, 3063/3064, 3108/3109, 3175,
3176, 3202, 3263, 3280/3281, 3301/3302 e 3743/3747).
O Ministério Público Federal requereu, na fase de
diligências decorrentes da instrução processual, a juntada de relatório
complementar da Receita Federal (fl. 3318), o que foi deferido pela
decisão de fl. 3319. O relatório em questão foi apensado aos autos.
A defesa de HÉLIO BENETTI PEDREIRA realizou
uma série de requerimentos (fls. 3383/3388).
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Às fls. 3392/3398 a defesa de FÁBIO VICENTE
DE CARVALHO, FERNANDO MACHADO GRECCO, GUSTAVO
HENRIQUE
PERNOMIAN
CASTELLARI
RODRIGUES,
PROCÓPIO,
MARCELO
JOSÉ
NAOKI
ROBERTO
IKEDA,
MARCÍLIO PALHARES LEMOS e MOACYR ALVARO SAMPAIO
promoveu a juntada de documentos, autuados em apenso, além de
efetivar requerimentos.
A defesa de CARLOS ROBERTO CARNEVALI
também requereu diligências e promoveu a juntada de documentos, os
quais foram autuados em apartado (fls. 3407/3415).
A defesa de REINALDO DE PAIVA GRILLO,
EVERALDO BATISTA SILVA e LEANDRO MARQUES DA SILVA
não se manifestou, a despeito de efetivamente intimada.
O Ministério Público Federal manifestou-se às fls.
3419/3424 sobre as diligências requeridas pelas defesas.
Às fls. 3478/3480 foi proferida decisão indeferindo
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diversos pedidos e deferindo o pleito de juntada aos autos do auto de
infração lavrado pela Receita Federal em desfavor da empresa CISCO
DO BRASIL, tendo sido a resposta juntada às fls. 3753 e 3770.
Foi promovida a juntada da carta rogatória expedida
para a oitiva de testemunha de defesa arrolada pelo acusado CARLOS
ROBERTO CARNEVALI (3568/3547).
O Ministério Público Federal, em alegações finais
(fls. 3812/3932), requereu a condenação dos réus nos termos da
denúncia. Reitera que o grupo promovia importações por meio de
interposição fraudulenta, destacando forma pela qual as operações eram
efetuadas, bem como a atuação de cada um dos réus.
Entende a acusação que houve uso de documentos
ideologicamente falsos, consubstanciados em notas fiscais para simular
operações de compra e venda na realidade inexistentes, e que tais delitos
seriam autônomos em relação ao crime assimilado a descaminho, pois
teriam ocorrido em momentos distintos. A utilização das notas deu-se
posteriormente a entrada dos bens em território nacional.
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Além dos crimes do art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal e do uso de documentos falsos, pugna pela condenação também
pelo delito de quadrilha, pois os acusados, divididos em grupos, “agiam
de maneira integrada em complementar”, fraudando, há vários anos, as
operações de comércio exterior.
A defesa de CARLOS ROBERTO CARNEVALI
alega em memoriais (fls. 4100/4273), preliminarmente, que a
investigação baseou-se em provas ilícitas em função de quebra indevida
de sigilo, inicialmente por GENILSON LOURENÇO DE LIMA e
posteriormente pelo Ministério Público Federal. Entende ainda que
medidas constritivas só podem ter lugar em inquérito policial ou ação
penal e nunca em procedimentos distintos. Entende que as
interceptações não poderiam ter tido a duração que tiveram.
No mérito, alega negativa de autoria, pois
CARNEVALI nunca fez parte da MUDE, como afirma a acusação.
Menciona que não houve descaminho, mas, se tanto, sonegação, pois os
débitos, se existentes, seriam posteriores a entrada das mercadorias.
Portanto seria o caso de aplicar a súmula vinculante nº 24 do Supremo
Tribunal Federal. Ainda que se trate de descaminho, seria o caso de
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aguardar o término do processo administrativo para se reputar existente
o crime, pois também o descaminho tem natureza de crime tributário.
Quanto ao uso de documentos falsos, alega a
incidência do princípio da consunção. Em relação a quadrilha a
denúncia seria inepta, por não descrever o crime de forma aceitável.
A manifestação derradeira da defesa de HÉLIO
BENETTI PEDREIRA está encartada às fls. 4276/4434, que também
alega, preliminarmente, a ilicitude das provas por quebra de sigilo
indevida. Entende que a interceptação não poderia ser prorrogada por
tantas vezes e que as decisões prolatadas não seriam suficientemente
motivadas. Sustenta inépcia da denúncia, eis que a peça acusatória não
teria descrito satisfatoriamente, no que tange ao acusado, a forma como
ocorreram os atos de execução contidos no núcleo do tipo penal, ou
ainda a maneira como teria concorrido para a prática delituosa. Afirma
ainda que lhe teria sido imputada responsabilidade objetiva, afigurandose inadmissível que lhe seja imposta pena exclusivamente pelo fato de
constar do contrato social da empresa envolvida em irregularidades
fiscais.
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Alega cerceamento de defesa pelo indeferimento de
pleitos formulados na fase prevista pelo art. 402 do Código de Processo
Penal e que não houve transcrição integral dos diálogos interceptados.
No mérito alega que HÉLIO não administrava a
MUDE, que haveria atipicidade quanto ao delito de descaminho, pois a
incidência do IPI eventualmente sonegado é posterior a entrada das
mercadorias, o que demandaria, portanto, a constituição definitiva do
débito, com o término do processo administrativo fiscal. Quanto a
falsidade entende haver consunção em relação ao descaminho e que
todos os crimes se deram em continuidade delitiva.
Os memoriais da defesa de REINALDO DE PAIVA
GRILLO, EVERALDO BATISTA SILVA e LEANDRO MARQUES
DA SILVA foram juntados às fls. 4439/4466, pugnando pela nulidade
das provas em função da ilicitude em sua obtenção. Acredita que a
inicial é inepta, por não descrever satisfatoriamente as condutas dos
acusados.
No mérito pugna pela absolvição por ausência de
dolo em relação ao crime do art. 334 do Código Penal. O uso de
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documentos falsos deve ser considerado como crime meio. Alega
alternativamente que prática delitiva, se é que houve, teria ocorrido nos
termos do art. 71 do Código Penal.
A defesa de FÁBIO VICENTE DE CARVALHO,
FERNANDO
CASTELLARI
MACHADO
PROCÓPIO,
GRECCO,
JOSÉ
GUSTAVO
ROBERTO
HENRIQUE
PERNOMIAN
RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES
LEMOS e MOACYR ALVARO SAMPAIO apresentou seus memoriais
finais às fls. 4467/4772, alegando em preliminar que as provas que
propiciaram o início das investigações foram obtidas por meios ilícitos,
inicialmente por GENILSON LOURENÇO DE LIMA e depois por
quebras de sigilo feitas ilegalmente pelo Ministério Público Federal.
Entende também que as interceptações se alongaram por prazo superior
ao legalmente previsto e que as decisões de prorrogação não foram
motivadas. As interceptações telemáticas, no sentir da defesa, seriam
inconstitucionais, pois tais dados seriam invioláveis. Entende que não
houve justificativa para as interceptações, pois não se comprovou a
inexistência de outros meios de investigação possíveis. Alega que foram
prorrogadas escutas sobre alvos que não tiveram, no período, qualquer
comunicação relevante para as investigações. Pugna pela nulidade do
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feito, face à ausência de lançamento definitivo, que seria necessário no
caso. Levanta preliminar de cerceamento de defesa pelo indeferimento
de diligências requeridas na fase processual prevista pelo art. 402 do
Código de Processo Penal. Por fim entende que a inicial seria inepta.
No
mérito
pugna
pelo
reconhecimento
da
regularidade das operações, pois este seria o modelo de negócio
adotado, o qual mostrava-se muito eficiente. Acredita não haver provas
do descaminho e que os elementos produzidos durante a investigação
não foram confirmados em juízo. Não haveria, ainda, provas de autoria
e sobre quem teria sido responsável por eventual descaminho. Pugna
pelo reconhecimento de erro de tipo, afastando o dolo, pois os
envolvidos acreditavam desenvolver operações acobertadas pela
legalidade. Segundo a defesa, não haveria falsidade alguma, pois todas
as operações de compra e venda seriam reais. No que se refere ao crime
de uso de documentos falso entende ter havido consunção. Afirma que
se houve o crime do art. 334, § 1º, “c” do Código Penal, como alega o
Ministério Público Federal, o uso de documentos falsos integraria a
atividade típica de tal delito que refere-se a comercialização. Alega que
não há descrição da associação para fins de tipificação do crime de
quadrilha e que a acusação baseia-se no depoimento da testemunha de
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acusação PAULO, que não depôs sobre fatos, mas sim sobre suas
impressões preconcebidas. Destaca, alternativamente, que não houve
concurso material, mas sim continuidade delitiva.
Menciona, por fim, o efeito destrutivo que a
operação policial teve sobre a empresa MUDE destaca o perfil pessoal e
profissional de cada um dos acusados.
Dada vista ao Ministério Público Federal para
manifestação quanto às preliminares arguidas nas alegações finais
oferecidas pelas defesas, foi apresentada a promoção de fls. 4799/4823.
Este o breve relatório.
Passo, adiante, a fundamentar e decidir.
B – FUNDAMENTAÇÃO
De início, registro que o feito encontra-se
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formalmente em ordem, com as partes legítimas e bem representadas,
inexistindo vícios ou nulidades a serem sanados.
Passo a análise das preliminares aduzidas pelas
defesas dos acusados.
I. DAS PRELIMINARES
As preliminares aventadas pelas defesas não
merecem acolhida, ou, ao menos não com os efeitos e extensão
pretendidos. Vejamos:
a) Da ilicitude das provas fornecidas por GENILSON LOURENÇO
DE LIMA
As defesas de todos os acusados alegam que os
documentos fornecidos por GENILSON LOURENÇO DE LIMA, os
quais teriam embasado o início da investigação foram obtidos de forma
ilícita, gerando, assim, contaminação de toda a prova decorrente,
devendo ser reconhecida sua imprestabilidade, nos termos do que dispõe
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o art. 157 do Código de Processo Penal, em consonância com o que
prescreve o art. 5º, LVI da Constituição Federal.
GENILSON
prestava
serviços
a
ERNANI
BERTINO MACIEL, fazendo a manutenção dos equipamentos de
informática no escritório deste. Na referida função teve acesso a
documentos consistentes em comprovantes de movimentação bancária e
correspondência eletrônica de ERNANI.
Com base em tais informações, GENILSON
detectou ilegalidades praticadas por ERNANI e produziu um “dossiê”, o
qual encaminhou para o Ministério Público Federal em São José do Rio
Preto.
GENILSON foi ouvido em declarações (fls. 10/17
dos autos 0009285-06.2005.403.6181) que foram encaminhadas ao
Ministério Público Federal em São Paulo, tendo sido iniciada
investigação pelo Parquet.
Pois bem, parte dos documentos fornecidos por
GENILSON ao Ministério Público Federal constituem efetivamente
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provas ilícitas, pois foram obtidas com violação do sigilo bancário e de
correspondência de ERNANI BERTINO MACIEL.
Conforme alegado pelas defesas, a Constituição
Federal resguarda o sigilo de dados e correspondência, sendo certo que
GENILSON, na qualidade de prestador de serviços a ERNANI não
poderia se apropriar validamente de documentos deste e muito menos
divulgá-los, sendo certo que tais documentos não podem ser utilizados
como prova ou mesmo como base para se deferir qualquer medida
judicial contra quem quer que seja.
Ocorre que não há qualquer impedimento de que
quem tenha conhecimento de fatos ilícitos os revele às autoridades,
permitindo, assim, o início de investigações, a busca de maiores
elementos, ainda que sigilosos, e a propositura de eventual ação penal
sobre os fatos. Aliás, além de não serem vedados, tais comportamentos
vêm sendo fomentados hodiernamente pelo Estado, podendo ser citado
como exemplo o “disque-denúncia”.
Foi o que aconteceu no caso em tela. Os
documentos sigilosos obtidos de forma ilícita não se prestaram a
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qualquer
finalidade
investigativa.
Apenas
o
conteúdo
do
depoimento de GENILSON foi utilizado para desencadear uma
investigação inicialmente no âmbito do Ministério Público Federal
que coletou dados e elementos (de forma lícita como será examinado
a seguir) para subsidiar pedido de interceptação telefônica deferido
pelo Judiciário, bem como a continuidade das investigações pela
Polícia Federal com o auxílio da Receita Federal, que culminaram
na presente ação penal.
Conforme se observa na primeira representação
ministerial para interceptação telefônica (fls. 02/09 dos autos nº
0009285-06.2005.403.6181) os documentos obtidos de forma ilícita
sequer foram citados no pedido, a não ser para mencionar sua
inutilidade (fl. 03, in fine).
A representação, na verdade, se refere ao conteúdo
do depoimento colhido e aos demais elementos de prova colacionados
pelo Ministério Público Federal.
Nessa medida a ilicitude dos documentos sigilosos
de ERNANI BERTINO MACIEL apresentados ao Ministério Público
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Federal por GENILSON LOURENÇO DE LIMA, que nesse momento é
reconhecida, não macula as demais provas obtidas no curso da
investigação e muito menos a ação penal subseqüente, pois, em nenhum
momento foram aproveitadas para fundamentar ou embasar qualquer
diligência ou investigação posterior.
b) Da investigação inicial feita pelo Ministério Público Federal
Há insurgência das defesas contra a investigação
procedida pelo Ministério Público Federal, a qual serviu para embasar
pedido de interceptação telefônica e continuidade das apurações pela
Polícia Federal contando com a colaboração da Receita Federal.
Tal insurgência refere-se à impossibilidade de
quebra de sigilo fiscal pelo Ministério Público Federal.
Efetivamente
o
Ministério
Público
Federal
procedeu a uma série de diligência com objetivo de angariar dados para
dar seguimento à investigação que acabou por culminar na presente ação
penal. Dentre tais diligências foram requisitados da Receita Federal o
envio de informações fiscais.
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Alegam as defesas que tais informações são
acobertadas por sigilo, o qual só pode ser quebrado por decisão judicial
devidamente fundamentada. Colacionam decisões dos Tribunais
Superiores além de abalizada doutrina para reputar ilícita tal forma de
obtenção de dados, o que geraria a contaminação de todas as provas
decorrentes com a necessária absolvição de todos os acusados.
Já se mencionou à exaustão que não há direitos
absolutos, mesmo os consagrados pela Constituição Federal, até aí
nenhuma novidade, a questão que se coloca é: cabe apenas ao Judiciário
a análise da proporcionalidade para a mitigação, no caso concreto, de
um direito fundamental para a observância de outro, ou outros órgãos
podem fazê-lo em determinadas circunstâncias?
Tanto os Tribunais quanto a doutrina têm dados
respostas distintas a tal pergunta, ora dizendo que cabe apenas ao
Judiciário tal definição (na linha do aduzido pela defesa), ora ampliando
o leque de legitimados, autorizando, por exemplo, o Ministério Público
ou mesmo a Receita (no caso de dados bancários, frente ao que dispõe a
Lei
Complementar
105/2001)
a
realizarem
tal
operação
de
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mitigação/fortalecimento
com
base
na
proporcionalidade
ou
razoabilidade.
Argumentos há para ambos os lados conforme bem
trabalhado pelas defesas em seus memoriais e pelo Ministério Público
Federal em manifestação de fls. 4799/4823, sendo certo que, ao menos
para o momento, a posição adotada por este Juízo será determinante
para o julgamento desta ação penal.
Observo, neste prisma, que não houve qualquer
irregularidade ou nulidade a ser apreciada. O Ministério Público
Federal laborou de forma ponderada buscando informações que
revelassem ou não a veracidade dos fatos de que teve conhecimento,
não havendo notícia de uso indevido dos dados ou de vazamento das
informações.
Importante
observar
que
as
informações
sigilosas no caso em tela já estavam na posse de órgão público, qual
seja,
a
Receita
Federal,
sendo
absolutamente
lícito
o
compartilhamento de tais informações com o Ministério Público
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Federal para uso em investigação criminal regular no exercício de
suas atribuições constitucionais.
Ao decidir sobre tal tema, não se pode olvidar que
o Estado não pode mais ser visto como o “violador de garantias” do qual
os cidadãos precisam ser protegidos. Tal concepção oriunda do século
XIX (que, contudo, teve grande razão de ser também no século seguinte,
principalmente em nosso país) deve ser superada sob pena de impedir
que o Estado desempenhe seu novo papel de protetor dos cidadãos que
pautam sua atuação pela licitude de suas condutas e da sociedade como
um todo.
A prevalecer a visão do Estado violador de direitos
só se beneficiarão os reais violadores das normas jurídicas,
principalmente penais, que ficarão sempre protegidos de qualquer
iniciativa dos poderes constituídos sob o manto de garantias
constitucionais que não se prestam a essa finalidade.
O belo e comovente poema “No caminho com
Maiakovski”, de Eduardo Alves da Costa (bastante caracterizador da
época em que foi escrito, os anos de chumbo que assolaram nosso país),
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não pode mais servir para simbolizar e justificar a luta do cidadão para
não ter seus direitos desrespeitados pelo Estado. Os tempos são outros e
as ameaças também.
Não se quer com isso defender a inexistência de
sigilo ou a violação sistemática da vida privada de cada indivíduo para a
proteção da sociedade, mas também não se pode admitir que dados
fiscais que já estavam em poder do Estado, fornecidos pelos próprios
contribuintes, não possam ser utilizados por outro órgão estatal que
possui atribuição de promover ações penais.
Devemos pensar em o que queremos proteger e
porque. Que tipo de dano alguém pode ter pela utilização de dados
fiscais pelo Ministério Público Federal em regular investigação como a
presente, sem que haja mau uso ou vazamento?
A questão do sigilo, portanto, deve ser examinada
frente à ótica apresentada, não havendo outra decisão a ser tomada
senão o afastamento da preliminar, entendendo válida a atuação
ministerial, que se pautou pela correção e a devida utilização dos dados
obtidos junto a Receita para fundamentar investigação que foi
25
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
aprofundada mediante autorização judicial dando ensejo a esta ação
penal.
Nesse sentido recente decisão do Superior Tribunal
de Justiça:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 31.362 GO (2010/0011022-4) RELATOR : MINISTRO HERMAN
BENJAMIN
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
GOIÁS
RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
GOIÁS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO. QUEBRA
DE SIGILO BANCÁRIO. NATUREZA DA DECISÃO DENEGATÓRIA. MEIO
DE IMPUGNAÇÃO CABÍVEL.
1. Caso concreto em que o Parquet solicita administrativamente a quebra de sigilo
bancário no âmbito de procedimento investigatório ministerial. Após negativa do
juízo de 1º grau, o Ministério Público impetrou Mandado de Segurança, do qual o
Tribunal de origem não conheceu, sob o fundamento de que o meio de impugnação
cabível é o Agravo de Instrumento.
2. Nem toda decisão proferida por magistrado possui natureza jurisdicional, a
exemplo da decisão que decreta intervenção em casa prisional ou afastamento de
titular de serventia para fins de instrução disciplinar.
26
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
3. O Conselho Nacional de Justiça regulamentou os procedimentos administrativos de
quebra de sigilo das comunicações (Resoluções 59/2008 e 84/2009).
4. Necessário adotar a técnica hermenêutica do distinguishing para concluir pela
inaplicabilidade da Súmula 267 do STF ("Não cabe mandado de segurança contra ato
judicial passível de recurso ou correição"), pois todos os seus precedentes de
inspiração referem-se à inviabilidade do writ contra ato jurisdicional típico e passível
de modificação mediante recurso ordinário, o que não se amolda à espécie.
5. A exemplo do entendimento consagrado no STJ, no sentido de que nas
Execuções Fiscais a Fazenda Pública pode requerer a quebra do sigilo fiscal e
bancário sem intermediação judicial, tal possibilidade deve ser estendida ao
Ministério Público, que possui atribuição constitucional de requisitar
informações para fins de procedimento administrativo de investigação, além do
fato de que ambas as instituições visam ao bem comum e ao interesse público.
Precedentes do STJ e do STF.
6. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança provido, tão-somente para
determinar que o Tribunal a quo enfrente o mérito do mandamus .
c) Da necessidade de inquérito policial
Foi formulada alegação de nulidade pela quebra de
sigilo ter sido feita no bojo de procedimento criminal e não de inquérito
policial.
A investigação foi inicialmente promovida pelo
Ministério Público Federal, de sorte que não há falar, por motivos
óbvios, em inquérito policial. De qualquer forma havia inquérito policial
27
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
instaurado, o que justificou, inclusive, a remessa dos autos da 8ª Vara
Criminal para esta 4ª Vara.
Contudo não há qualquer mácula no processo pelo
fato de as diligências de interceptação telefônica terem tido lugar em
procedimento criminal diverso e não em inquérito policial.
Mais uma vez devemos verificar se houve algum
tipo de violação ou prejuízo pelo fato de a investigação não ter ocorrido
no bojo de inquérito policial.
As diligências praticadas pelo Ministério Público
Federal foram efetuadas de forma legal conforme apreciado acima, já as
interceptações telefônicas foram deferidas judicialmente respeitando as
normas aplicáveis à espécie, tema que será abordado na seqüência.
O próprio Código de Processo Penal dispensa o
inquérito policial autorizando o oferecimento de denúncias com
base em peças de informação. Ademais, o inquérito é dirigido
exatamente ao Ministério Público para embasar eventual ação
penal.
28
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
O chamado poder investigatório do Ministério
Público é tema de discussões e será objeto de apreciação pelo Supremo
Tribunal Federal de forma vinculante, mas no meu modo de ver, se o
Ministério Público é titular da ação penal e pode requisitar a instauração
de inquérito policial, que é o mais, pode também investigar fatos, que é
o menos.
Tal conclusão não retira da Autoridade Policial a
prerrogativa de presidir inquéritos policiais e nem da própria polícia a
atividade constitucionalmente atribuída de investigar, mas não se pode
entender que haja monopólio da polícia em empreender investigações
que são, afinal, dirigidas ao próprio Ministério Público.
No sentido do exposto, várias decisões do Pretório
Excelso com a que segue:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO
DE SEGURANÇA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DE SIGILO BANCÁRIO E
FISCAL
DE
INVESTIGADO.
PROCEDIMENTO
JUDICIAL.
PODERES
INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPROVIMENTO DA
PARTE CONHECIDA. (...)
29
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Remanesce a questão afeta à possibilidade de o Ministério Público promover
procedimento administrativo de cunho investigatório e o possível malferimento da
norma contida no art. 144, § 1º, I e IV, da Constituição Federal. (...) A denúncia pode
ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a
necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal.
Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie
diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de
determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves
como o presente que envolvem altas somas em dinheiro movimentadas em contas
bancárias. (...) (RE 535478, Relatora Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma,
julgado em 28/10/2008, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008
EMENT VOL-02342-11 PP-02204)
Não é necessário, portanto, inquérito policial
para embasar ação penal, sendo legítima a adoção de medidas,
ainda que constritivas em procedimento criminal. Além disso, não
há óbice a que sejam procedidas investigações pelo Ministério
Público. No presente caso, entretanto, ressalto novamente que houve
instauração de inquérito e a investigação, apesar de ter sido iniciada
pelo Parquet, toda sua seqüência foi feita pela Polícia Federal.
d) Da ilicitude das interceptações telefônicas
30
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Também foi levantada pelas defesas a ilicitude das
interceptações telefônicas realizadas pelo prazo ter excedido ao que a lei
determina e pela falta de fundamentação das decisões de prorrogação.
Há menção também, de que houve prorrogação das escutas ainda que
não tenham havido diálogos relevantes no período anterior e que não
houve comprovação de que a investigação poderia dar-se de outra
forma. Ainda no tocante as interceptações, mencionam as defesas que
não houve transcrição integral dos diálogos.
Importa mencionar que tal alegação já foi analisada
pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região em sede do habeas corpus
nº 2010.03.00.011402-1/SP, com a seguinte ementa:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL.
INTERCEPTAÇÕES
TELEFÔNICAS
E TELEMÁTICAS.
PRORROGAÇÕES. DECISÕES FUNDAMENTADAS. INEXISTÊNCIA DE
PERIGO DE IMINENTE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO DO
PACIENTE. ORDEM DENEGADA.
1. O trancamento de ação penal, por meio de habeas corpus, é medida excepcional,
que só se justifica quando manifesta a ilegalidade da instauração da ação penal.
2. O Superior Tribunal de Justiça admite a interceptação telemática, desde que
determinada por meio de decisão judicial fundamentada.
3. Cuidando-se de fatos supostamente ocorridos no âmbito interno de sociedades
comerciais, praticados às ocultas, ganham relevo e importância as interceptações
31
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
telefônicas e telemáticas, sem as quais se torna muito difícil, quiçá impossível, a
perfeita apuração dos fatos delituosos.
4. O Supremo Tribunal Federal admite a prorrogação do prazo das interceptações
telefônicas autorizadas judicialmente, desde que justificada sua necessidade por meio
de decisões fundamentadas.
5. No caso presente, as ordens judiciais de interceptação foram exaradas com base em
elementos de informação colhidos previamente, reveladores de indícios da prática de
crime; e as prorrogações foram autorizadas por decisões judiciais cujos fundamentos
são bastantes ao exercício do direito de defesa.
6. Sob pena de violar o princípio do juiz natural e de ferir regra de competência
originária, não é dado ao tribunal, em sede de habeas corpus, realizar exame
aprofundado dos elementos de fato, próprio ao juízo de condenação ou de absolvição,
a ter lugar na sentença e, eventualmente, em recurso de apelação.
7. Ordem denegada.
De qualquer sorte, temos que não houve qualquer
irregularidade nas interceptações telefônicas que precederam a ação
penal, seja no tocante ao prazo, seja quanto à motivação das decisões:
d.1) Do prazo das interceptações telefônicas
No que se refere ao tempo de duração, a despeito
de o artigo 5° da Lei n° 9.296/96 ter previsto que a interceptação de
comunicação telefônica tem prazo de 15 (quinze) dias, renovável pelo
mesmo período, os Tribunais Superiores vêm decidindo pela viabilidade
32
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
de diversas prorrogações se as peculiaridades do caso concreto fizerem
com que a medida seja necessária, desde que haja decisão fundamentada
a respeito, o que ocorreu no caso em tela.
Nesse sentido transcrevo trecho de decisão do
Supremo Tribunal Federal em habeas corpus 104349, tendo como
paciente HELIO BENETTI PEDREIRA, impetrado contra decisão do
Superior Tribunal de Justiça e relatado pelo Ministro AYRES BRITTO,
referente a este processo:
11. Por outra volta, a análise preliminar dos autos sinaliza que o
magistrado processante autorizou a medida originária de interceptação
telefônica (ainda no ano de 2005) sob o fundamento de que “a prova
solicitada pelo órgão ministerial, dada a magnitude da organização
criminosa (falo em tese), não pode ser realizada por outros meios,
como bem expôs a representante ministerial” (fls. 421/422 do apenso
2). Logo, se a “prova solicitada pelo órgão ministerial [...] não pode
ser realizada por outros meios”, incide, em linha de princípio, a
reiterada jurisprudência deste STF. Jurisprudência que admite a
prorrogação de eventual medida de interceptação telefônica, mas desde
que embasada na concreta tessitura do acervo probatório da causa.
Refiro-me aos seguintes precedentes:
33
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
“[...]
4. PROVA. Criminal. Interceptação telefônica. Necessidade demonstrada
nas sucessivas decisões. Fundamentação bastante. Situação fática excepcional,
insuscetível de apuração plena por outros meios. Subsidiariedade caracterizada.
Preliminares rejeitadas. Aplicação dos arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º,
4º, § 2º, e 5º, da Lei nº 9.296/96. Voto vencido. É lícita a interceptação
telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária,
como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. 5. PROVA. Criminal.
Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas.
Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação
diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput, da Lei nº
9.296/96. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a
prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda
que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija
investigação diferenciada e contínua. 6. PROVA. Criminal. Interceptação
telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas pelo Ministro
Relator, também durante o recesso forense. Admissibilidade. Competência
subsistente do Relator. Preliminar repelida. Voto vencido. O Ministro Relator de
inquérito policial, objeto de supervisão do Supremo Tribunal Federal, tem
competência para determinar, durante as férias e recesso forenses, realização de
diligências e provas que dependam de decisão judicial, inclusive interceptação
de conversação telefônica
[...]”
(Inquérito 2.424, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa)
“Recurso Ordinário em Habeas Corpus. 1. Crimes previstos nos arts. 12,
caput, c/c o 18, II, da Lei nº 6.368/1976. 2. Alegações: a) ilegalidade no
deferimento da autorização da interceptação por 30 dias consecutivos; e b)
nulidade das provas, contaminadas pela escuta deferida por 30 dias
34
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
consecutivos. 3. No caso concreto, a interceptação telefônica foi autorizada pela
autoridade judiciária, com observância das exigências de fundamentação
previstas no artigo 5º da Lei nº 9.296/1996. Ocorre, porém, que o prazo
determinado pela autoridade judicial foi superior ao estabelecido nesse
dispositivo, a saber: 15 (quinze) dias. 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas
podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo juízo
competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações.
Precedentes: HC nº 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ de
04.03.2005; e HC nº 84.301/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma,
unanimidade, DJ de 24.03.2006. 5. Ainda que fosse reconhecida a ilicitude das
provas, os elementos colhidos nas primeiras interceptações telefônicas
realizadas foram válidos e, em conjunto com os demais dados colhidos dos
autos, foram suficientes para lastrear a persecução penal. Na origem, apontaramse outros elementos que não somente a interceptação telefônica havida no
período indicado que respaldaram a denúncia, a saber: a materialidade delitiva
foi associada ao fato da apreensão da substância entorpecente; e a apreensão das
substâncias e a prisão em flagrante dos acusados foram devidamente
acompanhadas por testemunhas. 6. Recurso desprovido.”
(RHC 88.371, da relatoria do ministro Gilmar Mendes).
d.2) Da motivação das decisões
Todas as decisões que determinaram prorrogação
ou novas interceptações telefônicas no correr das investigações foram
devidamente fundamentadas, sempre levando em conta elementos
35
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
colhidos no período precedente que traziam indícios do cometimento de
ilícitos de forma contínua, justificando, assim, o prosseguimento da
medida. Tais elementos eram sempre referidos de forma explícita nas
decisões, justificando, assim, o prosseguimento das medidas.
A defesa dos acusados FÁBIO VICENTE DE
CARVALHO, FERNANDO MACHADO GRECCO, GUSTAVO
HENRIQUE
PERNOMIAN
CASTELLARI
RODRIGUES,
PROCÓPIO,
MARCELO
JOSÉ
NAOKI
ROBERTO
IKEDA,
MARCÍLIO PALHARES LEMOS e MOACYR ALVARO SAMPAIO
teve o trabalho de transcrever, em memoriais, trechos idênticos de
diversas decisões que deferiram prorrogações de interceptações
telefônicas, mas basta verificar o inteiro teor de tais decisões para
concluir que, a despeito de possuírem trechos idênticos (por uma
questão de racionalização do trabalho do juiz que se depara
diuturnamente com diversos pedidos de interceptação telefônica)
baseiam-se em fatos totalmente distintos, fatos esses mencionados
explicitamente em cada uma das decisões, o que demonstra a
presença de motivação específica para cada decisão.
d.3) Da imprescindibilidade das interceptações para a investigação
36
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Os fatos mencionados em cada uma das decisões
que deferiu as prorrogações das interceptações justificam, ainda, a
imprescindibilidade das medidas para a investigação. Basta folhar os
autos em que ocorreram as interceptações para concluir que as práticas
lá investigadas não seriam descobertas de outra forma.
Aliás, em investigações de crimes como o apurado
nos autos não há, no mais das vezes, outras possibilidades de
investigação que leve ao resultado almejado. Técnicas tradicionais de
investigação não são adequadas a serem utilizadas de forma exclusiva
na apuração de crimes empresariais, sendo certo que o próprio
andamento das investigações demonstra não haver outra forma de se
proceder que não a interceptação telefônica e telemática, que pôde
lastrear busca e apreensão realizada posteriormente.
Quanto à alegação de ter havido prorrogação de
interceptações
sobre
terminais
que
não
apresentaram,
durante
determinado período de 15 dias, nenhum diálogo relevante, trata-se,
novamente, de apreciação parcial da questão pela defesa dos réus
FÁBIO VICENTE DE CARVALHO, FERNANDO MACHADO
37
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
GRECCO, GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO, JOSÉ
ROBERTO
PERNOMIAN
RODRIGUES,
MARCELO
NAOKI
IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS e MOACYR ALVARO
SAMPAIO.
Deve ser observado o quadro geral da investigação.
Ainda que determinado investigado não tenha realizado qualquer
comunicação relevante durante 15 dias, é perfeitamente possível a
continuidade da interceptação sobre seu telefone se outros fatos
aparentemente ilícitos ligados a tal investigado tenham ocorrido naquele
período.
Ora, se houve a conclusão de que determinada
pessoa faz parte do quadro de administradores de uma empresa que
venha operando de forma ilícita, se as referidas atividades ilícitas
perduram por meses e vêm sendo reiteradas, ainda que tal indivíduo não
tenha participado, em determinado período de 15 dias, de nenhuma
tratativa aparentemente irregular, nada obsta que continue sendo
interceptado, aliás, é a atitude mais recomendada para que a
investigação chegue a bom termo.
38
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
d.4) Da necessidade de transcrição integral das interceptações
Por fim, no que concerne a necessidade de
transcrição integral das interceptações telefônicas realizadas em
investigação criminal com autorização judicial, o Supremo Tribunal
Federal já firmou posição pela desnecessidade, asseverando que:
"é desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas
telefônicas realizadas nos autos do inquérito, bastando que sejam degravados os
excertos necessários ao embasamento da denúncia, não configurando ofensa ao
princípio do devido processo legal - art. 5º, LV, da Constituição Federal".
(STF, HC/RJ nº 91207, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 21/09/2007, Tribunal Pleno,
Rel. p/ Acórdão Min. Carmen Lucia).
Ademais, a Lei o § 2º, do artigo 6º, da Lei 9.296/96
prescreve que:
"Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da
interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o
resumo das operações realizadas."
Ora,
a
cada
deferimento
de
interceptação
telefônica, a Autoridade Policial buscava juntar detalhado relatório das
investigações, com informações sobre as operações e comunicações
39
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
efetivadas, cumprindo, pois, o dispositivo legal em comento. Além
disso, foi elaborado relatório descrevendo a conduta de cada um dos
denunciados, bem como se referindo aos áudios referentes a cada uma
das conclusões encetadas.
Além disso, as mídias com as gravações integrais
foram disponibilizadas às defesas que a elas se referiram nos memoriais
finais, de sorte a não restar qualquer prejuízo.
Nessa medida, não houve qualquer violação a
dispositivo legal ou princípio constitucional, sendo de rigor o
afastamento da preliminar levantada.
e) Da interceptação telemática
A preliminar que pretende a nulidade das
interceptações telemáticas por inconstitucionalidade não merece
guarida.
Conforme já mencionado linhas acima, não há
direito absoluto, ainda que garantido constitucionalmente. Sempre há a
40
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
possibilidade de, no caso concreto, um direito ser mitigado para efetiva
observância de outro.
Importante
ressaltar
que,
dentre
os
valores
protegidos pela Constituição Federal não se pode dizer que um é mais
importante do que outro. Abstratamente, todos têm igual importância e
valor. Contudo, frente a uma situação concreta um direito pode ser
enfraquecido perante outro que, naquela situação específica, revele
maior importância. Para que seja possível verificar se e quando um
direito deve ceder passo a outro deve ser observado o princípio da
proporcionalidade (denominação utilizada pela doutrina alemã Verhältnissmässigkeitsprinzip) ou razoabilidade (termo de origem
anglo-saxã).
É nesse prisma que deve ser entendida a
interceptação telemática.
41
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
A interpretação de que o inciso XII do art. 5º da
Constituição Federal1, quando menciona “salvo, no último caso” queira
se referir apenas à interceptação telefônica, não é a melhor.
A quebra do sigilo bancário e fiscal está mais do
que disseminada em nosso sistema e não só para processos criminais,
mas também execuções, feitos tributários e mesmo ações de família.
Trata-se de sigilo de dados, que segundo a doutrina apresentada pela
defesa à fl. 4504, seria inviolável, o que não se cogita.
Da mesma forma a interceptação telemática, seja
ela considerada correspondência, seja dados, seja telefônica (em função
do meio de transporte dos sinais), é possível, conforme reiteradas
decisões dos Tribunais Superiores:
HABEAS CORPUS Nº 101.165 - PR (2008/0045469-8)
RELATORA
:
MINISTRA
JANE
SILVA
(DESEMBARGADORA
CONVOCADA DO TJ/MG)
1
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
42
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
EMENTA
PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – OPERAÇÃO DILÚVIO DA
POLÍCIA FEDERAL - DESCAMINHO – FALSIDADE IDEOLÓGICA –
LAVAGEM DE DINHEIRO – INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA DE DADOS –
INDÍCIOS DE AUTORIA – IMPOSSIBILIDADE DE PROVAR POR OUTROS
MEIOS – ELEMENTOS DE PROVA OBTIDOS POR MEIO LÍCITO – AUSÊNCIA
DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – ORDEM DENEGADA.
1. A interceptação telemática anterior a que se questiona, realizada com autorização
judicial em relação a co-réu, constitui elemento idôneo a caracterizar os indícios de
autoria necessários à quebra do sigilo telemático de outra pessoa suspeita, no curso da
investigação policial.
2. Inexiste ilegalidade na interceptação telemática realizada quando ela é, aliada a
presença de indícios de autoria, devido a peculiaridade do modus operandi do delito,
o único meio de prova a esclarecer os fatos.
3. É idônea a fundamentação da decisão que esclarece a existência de indícios de
autoria a possibilitar a quebra do sigilo telemático, ainda que a fundamentação seja
sucinta.
4. Ordem denegada.
No que concerne à alegação da defesa de FÁBIO
VICENTE DE CARVALHO, FERNANDO MACHADO GRECCO,
GUSTAVO
HENRIQUE
CASTELLARI
ROBERTO
PERNOMIAN
RODRIGUES,
PROCÓPIO,
MARCELO
JOSÉ
NAOKI
IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS e MOACYR ALVARO
SAMPAIO sobre falta de critério a respeito de uma determinada
43
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
interceptação inicialmente requerida, tendo havido posterior desistência,
temos tratar-se de sofisma.
O que ocorreu no episódio mencionado foi a
desistência de uma diligência pela ponderação de que, apesar de
importante, poderia ter conseqüências prejudiciais à operação caso
houvesse algum tipo de vazamento, o que se temia à época.
Ora, não se pode raciocinar de forma tão
maniqueísta: “ou a diligência é essencial ou é despicienda”. A
essencialidade diz respeito ao meio (interceptação telefônica/telemática)
e não a cada uma das diligências.
A interceptação requerida era aparentemente
importante, por isso foi deferida, contudo o temor de vazamento,
naquele momento, sobrepujou-se a necessidade da diligência. Houve
uma opção dos investigadores em seguir por outro caminho, o que não
quer dizer que o pedido era inicialmente inútil.
f) Da inépcia da inicial
44
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
As defesas alegaram que a peça vestibular não
individualizou as condutas dos acusados sendo, portanto, inepta.
Sem razão, contudo.
Em crimes de autoria coletiva, como no presente
caso, a jurisprudência, assim têm entendido:
"(...)
Em tema de crimes de natureza coletiva, em que não se mostre de logo possível a
individualização dos comportamentos - tal como no presente caso - , tem a
jurisprudência admitido, em atenuação aos rigores do art. 41 do CPP, que haja uma
descrição geral, calcada em fatos, da participação dos agentes no evento delituoso,
remetendo-se para a instrução criminal a decantação de cada ação criminosa." (STJ,
HC 22.411/PA, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 06/03/03)
PENAL. ART. 334, § 1º, ALÍNEA 'C' C/C ART. 29, TODOS DO CP. PRINCÍPIO
DO
JUIZ
NATURAL.
INÉPCIA
DA
INICIAL.
INOCORRÊNCIA.
MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO.
1. Demonstrada a competência do Juízo para o julgamento do feito, resta afastada a
alegação de incompetência do Juízo não havendo, portanto, ofensa ao princípio do
Juiz Natural.
2. Os crimes de autoria coletiva admitem a individualização das condutas no decorrer
da instrução criminal, razão pela qual não há falar em inépcia da inicial.
3. Demonstrado nos autos que o acusado utilizou em proveito próprio, no exercício de
atividade comercial, mercadorias de procedência estrangeira que sabia ser produto de
45
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
introdução clandestina em território nacional, resta caracterizado o delito tipificado
no art. 334, § 1º, alínea "c" do Código Penal.
4. O dolo no delito de descaminho é a vontade livre e consciente direcionada para a
realização da conduta, não exigindo o tipo penal nenhum comportamento específico
do sujeito para burlar o fisco.
ACR 200470000096412
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL
Relator(a) TADAAQUI HIROSE
Sigla do órgão TRF4
Órgão julgador SÉTIMA TURMA
Fonte D.E. 21/03/2007
Não é demais lembrar que, no momento do
oferecimento da denúncia, vige o princípio do in dubio pro societate.
É claro que, decorrida a instrução processual, se os
elementos colhidos aos autos não forem suficientes para estabelecer com
segurança necessária a participação de cada corréu, cabe decretar a
absolvição, prevalecendo nesse momento o princípio constitucional in
dubio pro reo.
Assim, a denúncia descreveu os fatos com
elementos suficientes para instauração da ação penal, não trazendo
prejuízo para a defesa dos réus.
46
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
g) Do cerceamento de defesa
Os argumentos levantados pelas defesas de HÉLIO
BENETTI PEDREIRA e de FÁBIO VICENTE DE CARVALHO,
FERNANDO
CASTELLARI
MACHADO
PROCÓPIO,
GRECCO,
JOSÉ
GUSTAVO
ROBERTO
HENRIQUE
PERNOMIAN
RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES
LEMOS e MOACYR ALVARO SAMPAIO no que se refere ao
cerceamento de defesa por indeferimento de pedidos de diligências
formulados na fase prevista pelo art. 402 do Código de Processo Penal
foram examinados pela decisão de fls. 3478/3480, à qual me reporto
para afastar tal preliminar:
Trata-se de requerimentos apresentados na fase de diligências pela defesa dos
acusados Hélio Benetti (fls. 3383/3388), Fernando Machado, Marcílio Palhares,
Marcelo Naoki, Gustavo Henrique e Fábio Vicente (fls. 3392/3398) e Carlos Roberto
Carnevali (fls. 3407/3415).
O órgão ministerial manifestou-se às fls. 3419/3424.
Requer a defesa do réu Hélio a expedição de ofícios a empresas de telefonia, à
ANATEL e ao Departamento de Polícia Federal, a fim de obter informações sobre as
interceptações telefônicas realizadas no decorrer da fase de investigação.
47
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Preliminarmente, observo que todos os dados, tais como, decisões, relatórios de
inteligência, mídias, ofícios expedidos e recebidos, relacionados às interceptações
realizadas, constam dos autos do procedimento criminal em apenso, aos quais a
defesa tem acesso para análise e cópias, podendo, assim, dirimir eventuais dúvidas
sobre as diligências realizadas.
Quanto aos pedidos relacionados à legalidade e objetividade na obtenção das provas,
não há nos autos qualquer indício de manipulação e adulteração por parte da
autoridade policial e seus agentes das provas obtidas ou mesmo a inadequação dos
aparelhos técnicos utilizados para a interceptação que possa justificar o requerimento
elaborado pela defesa
Ressalte-se, ainda, que nem mesmo foi aventada pelo réu em seu interrogatório (fls.
1537/1541 e 2313) eventual alteração nos diálogos mencionados durante o seu
depoimento.
Desse modo, fica indeferido o pedido da defesa, inclusive no que se refere à
transcrição da integralidade dos diálogos, nos termos da cota ministerial de fls.
3419/3424, na qual consta, inclusive, jurisprudências do Superior Tribunal Federal
sobre referido assunto.
Fica indeferida, por fim, a realização de perícia nas mercadorias apreendidas, uma
vez que as mesmas não são objeto de questionamento na presente ação e, sim, a
eventual importação ilegal das mesmas, por meio de interposição fraudulenta o que
poderá ser analisado com os documentos apreendidos e encaminhados pela Receita
Federal.
Com relação ao pedido elaborado pela defesa dos réus Fernando Machado Grecco e
outros, é certo que os eventuais documentos provenientes dos requerimentos nos itens
1 e 2, referentes às empresas Tecnosul Distribuidora de Produtos Eletrônicos e
48
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Informática Ltda, Nacional Distribuidora de Eletrônicos Ltda, Brastec Tecnologia e
Informática Ltda, Prime Tecnologia Indústria e Comércio Ltda e ABC Industrial da
Bahia Ltda, poderão atestar apenas que as referidas empresas eram ativas, o que não
se discute, uma vez que as mesmas faziam importação, como se atesta em
informações já contidas nos autos, mas os documentos solicitados não esclarecerão se
tais empresas eram autônomas, o que será resolvido no mérito da ação, pois tal fato
diz respeito diretamente a existência de interposição fraudulenta.
Os documentos requeridos no item 3, referentes à expedição de ofício à empresa de
auditoria e consultoria KPMG, poderão ser juntados pela própria defesa, caso entenda
cabível e relevante ao deslinde do feito.
Quanto ao item 4, as informações trazidas pela defesa são muitos vagas, não havendo
elementos concretos que desqualifiquem a testemunha Gabriel Simões de Godoy, a
qual, inclusive, foi inquirida dentro das formalidades legais, sem contradita.
Ademais, as partes do processo em trâmite nos Estados Unidos, citado às fls. 3394,
não são as mesmas da presente ação penal, não guardando qualquer relação aparente
com estes autos, de modo que eventual pedido de cooperação internacional não seria
instruído com argumentos substanciais que possibilitassem àquele Juízo o
deferimento de remessa de cópia daquele feito.
No que tange ao pedido de perícia contábil, ressalto preliminarmente que a existência
de adiantamento não é elemento essencial da denúncia, a qual, inclusive, se atém ao
fato da circulação de valores entre as empresas ser muito rápida, chegando a ocorrer
no mesmo dia.
É certo ainda que, como já dito acima, tal fato foi apontado na denúncia, não tendo
surgido como elemento novo durante a instrução criminal. E, apenas para ressaltar, a
49
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
presente fase processual destina-se ao requerimento de diligências cuja necessidade
tenha se originado de circunstâncias aferidas na instrução.
É preciso considerar, também, que a conclusão de eventual existência de interposição
fraudulenta se formará a partir de diversos elementos, como, por exemplo, a
interceptação telefônica e telemática.
Assim, indefiro o pedido de perícia contábil requerido pela defesa e sublinho ainda,
como último argumento, o fato de que os documentos nos quais foram solicitada a
referida diligência podem não ser confiáveis, uma vez que são de empresas referidas
na denúncia como participantes de cadeia ilícita e podem ter sido elaborados
justamente para mascarar a relação entre as empresas.
Fica indeferido também a realização de exame nos documentos produzidos pela força
tarefa, pois não há que se falar em perícia nas autuações fiscais, tendo em vista que as
afirmações dos agentes responsáveis pela elaboração das mesmas possuem a
presunção de legitimidade.
No mais, não houve por parte da defesa impugnação específica, de modo que o
pedido de perícia em todo o conjunto de provas possui apenas caráter protelatório.
Quanto ao item 8, observo que os apensamentos realizados estão certificados às fls.
603, 977, 3356, 3357, 3403 e 3416, sendo que apenas o apensamento determinado às
fls. 1143, por um lapso, não foi certificado. No entanto, incabível a alegação da
defesa de desconhecimento de tais documentos, uma vez que, além do ofício juntado
aos autos às fls. 1124/1140, no qual estão relacionados os expedientes encaminhados,
há a própria decisão de apensamento. É preciso frisar ainda que os próprios
defensores que solicitaram a consolidação dos apensos extraíram cópias de tais
documentos, conforme se verifica às fls. 1511/1513.
50
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Desse modo, indefiro o item 8, uma vez que não há documentos instruindo o feito que
não tenham sido mencionados nos autos principais. Ademais a defesa sempre teve
acesso para exame e cópias de tais documentos, inclusive, do procedimento criminal
diverso que deu origem à presente ação penal.
Por fim, em relação ao requerimento elaborado pela defesa do réu Carlos Carnevali,
defiro a expedição de ofício à Receita Federal do Brasil, a fim de que seja
encaminhado a este Juízo cópia de eventual Auto de Infração lavrado contra a
empresa Cisco do Brasil, bem como da defesa apresentada pela mesma, desde que
decorrentes de fatos apurados durante as investigações da Operação Persona.
De toda sorte, a questão relativa à necessidade de
transcrição das interceptações telefônicas já foi devidamente analisada,
sendo certo que a defesa de HÉLIO BENETTI PEDREIRA, quando
entendeu necessário, promoveu a transcrição de diálogos conforme se
observa à fl. 4340.
II. MÉRITO
No mérito a ação penal deve ser julgada
parcialmente procedente para:
i)
GRECCO,
JOSÉ
Condenar
ROBERTO
FERNANDO
PERNOMIAN
MACHADO
RODRIGUES,
51
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS,
MOACYR ALVARO SAMPAIO e REINALDO DE PAIVA GRILLO,
pela prática de 16 delitos capitulados no art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal, em continuidade delitiva, além do delito capitulado no art. 288,
caput do Estatuto repressivo.
ii) Absolver FERNANDO MACHADO GRECCO,
JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO NAOKI
IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS, MOACYR ALVARO
SAMPAIO e REINALDO DE PAIVA GRILLO da imputação referente
aos 22 crimes de uso de documentos ideologicamente falsos.
iii) Absolver CARLOS ROBERTO CARNEVALI,
HÉLIO
BENETTI
PEDREIRA,
GUSTAVO
HENRIQUE
CASTELLARI PROCÓPIO, FÁBIO VICENTE DE CARVALHO,
EVERALDO BATISTA SILVA e LEANDRO MARQUES DA SILVA,
das acusações contidas na denúncia.
a) Considerações introdutórias
52
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Antes de iniciar propriamente a análise do mérito
da causa, importa tecer algumas considerações a título de introdução
para facilitar a compreensão da decisão.
O primeiro ponto a ser ressaltado é que os fatos que
serão apreciados e decididos na presente sentença dizem respeito única e
exclusivamente à interposição fraudulenta em operações de importação
que resultou no cometimento de crimes capitulados no art. 334, § 1º,
“c”, além de uso de documentos ideologicamente falsos (art. 304 c.c.
art. 299, quanto a pena, ambos do Código Penal) e quadrilha (art. 288 do
Código Penal)
Outros
policial,
denúncia
e
fatos
mencionados
autuações
da
Receita
na
representação
Federal
(como
subfaturamento, corrupção de fiscais, entre outros) são objeto de
investigações que prosseguem e, eventualmente, podem vir a
consubstanciar ações penais no futuro.
É certo que a chamada interposição fraudulenta
pode ter reflexos em tributos internos como é o caso do IPI, tendo sido
lavrados autos de infração contra a empresa MUDE e diversos
53
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
devedores solidários, entre pessoas jurídicas e físicas. Em função do
princípio da correlação, a presente sentença não tem o escopo de
examinar tais fatos, porque não fazem parte da denúncia.
Feitas
tais
considerações
ficam,
desde
já,
rechaçados argumentos adotados pela defesa, os quais, caso acolhidos,
impediriam o julgamento do feito, quais sejam, a atipicidade do delito
de descaminho e a aplicação da súmula vinculante nº 24 do Supremo
Tribunal Federal.
a.1) Da alegada atipicidade do descaminho
As defesas entendem que, no caso em tela não
houve descaminho, mas a descrição fática da denúncia refere-se a crime
de sonegação posterior a entrada e desembaraço da mercadoria em solo
nacional.
Segundo entendimento esposado pelas defesas, o
que a “ocultação do real importador” mencionada na inicial pode
acarretar é a quebra da cadeia do IPI, na medida em que o importador
equipara-se a industrial para fins de pagamento do tributo em questão,
54
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
de forma que o “real importador”, ficando camuflado, não recolheria IPI
na entrada ou saída da mercadoria de seu estabelecimento. Ocorre que
tanto a entrada como a saída da mercadoria no estabelecimento do “real
importador”
são
ocorrências
posteriores
ao
caracterizador
do
descaminho, podendo ser caracterizado apenas como crime contra a
ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.
Ainda nos termos do entendimento das defesas, não
houve redução ou supressão de qualquer tributo referente a importação,
motivo pelo qual não há falar em descaminho.
Tais conclusões seriam corretas se o crime em
questão fosse o do caput do art. 334 do Código Penal. Nesse tipo penal
(no que se refere ao descaminho, deixando de lado o contrabando, que
possui características bastante distintas), conforme a própria dicção legal
deve o agente “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou
imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de
mercadoria”. Portanto não poder-se-ia falar em descaminho (do caput)
pela supressão ou redução de tributo em momento posterior à entrada da
mercadoria.
55
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Ocorre que o tipo penal referido na denúncia não
possui a mesma redação, vejamos:
Art. 334 (...)
§ 1º - Incorre na mesma pena quem:
(...)
c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em
proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial,
mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou
importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no
território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;
Como se pode observar, o tipo penal em questão,
absolutamente autônomo em relação ao caput (poderia até mesmo
constituir um artigo diferente), não faz qualquer menção a não
pagamento de tributos, mas refere-se a importação fraudulenta ou
clandestina.
Ora, o que é a interposição fraudulenta em
operação de importação senão uma importação fraudulenta?
Considera-se fraude, de forma bastante genérica,
um esquema ilícito, artifício ou ardil criado para obter ganhos pessoais.
56
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
A chamada interposição fraudulenta serve para mascarar o verdadeiro
importador, trazendo a este diversas vantagens, como não ser autuado
caso uma das empresas criadas para blindá-lo deixe de pagar tributos.
Portanto, a interposição fraudulenta em operações
de importação é uma forma fraudulenta de operar, havendo
correspondência total com o conteúdo do tipo do art. 334, § 1º, “c” do
Código Penal.
A alegação de que tal parágrafo foi introduzido no
Código Penal pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965, que tratava dos crimes de
sonegação fiscal em nada altera o panorama tratado. A natureza jurídica
de um instituto não se altera em função da lei que o introduziu no
ordenamento.
É certo que uma das formas de entender
determinados dispositivos é interpretar sistematicamente a lei ou código
onde está inserto, mas no caso em tela não se pode conferir natureza
tributária a um artigo apenas em função da lei que o veiculou.
57
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Ainda que a fraude tributária na importação seja
uma das modalidades enquadráveis no referido dispositivo ela não é a
única. A ocultação do real importador possui reflexos tributários e é
uma modalidade de fraude passível de ser enquadrada no referido
dispositivo.
Ressalte-se que a interposição fraudulenta refere-se
especificamente a operações de importação, portanto a fraude aparece
exatamente nessas operações, na medida em que a empresa que figura
legalmente como importadora não o é na realidade, portanto, há a total
adequação das condutas descritas ao dispositivo legal em comento.
Os fatos descritos na denúncia enquadram-se,
portanto, nos dispositivos legais referidos na inicial (art. 334, § 1º, “c”
do Código Penal) e não no caput do art. 334 do Código Penal, de tal
sorte que as alegações envolvendo eventual atipicidade em relação ao
crime de descaminho não merecem acolhida.
a.2) Da inaplicabilidade da súmula vinculante nº 24 do Supremo
Tribunal Federal
58
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Não há falar, no caso em tela, em se aguardar o
final do processo administrativo fiscal para início da persecução penal.
A súmula vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal2 não encontra
aplicação neste feito.
Conforme considerações feitas acima, não se está
julgando crime contra a ordem tributária, mas sim delito capitulado no
art. 334, § 1º, “c” do Código Penal.
No presente caso, não se discute supressão, redução
ou mesmo não pagamento de tributos, a fraude em questão refere-se
unicamente a ocultação do real importador de mercadorias, nessa
medida impossível aguardar constituição definitiva de crédito tributário,
pois não há qualquer crédito pendente de constituição que interessa ao
deslinde do feito.
Portanto, a despeito de haver nos autos menção a
autuações de IPI, ainda sem definição no âmbito administrativo, a
sentença pode e deve ser regularmente prolatada, pois tais autuações não
2
NÃO SE TIPIFICA CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, PREVISTO NO
ART. 1º, INCISOS I A IV, DA LEI Nº 8.137/90, ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO
TRIBUTO.
59
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
dizem respeito às acusações apreciadas, podendo constituir processo
penal autônomo no futuro caso sejam confirmadas e haja atuação do
Ministério Público Federal, titular da ação penal no caso.
a.3) Da natureza jurídica do crime de descaminho
Apesar de a referida súmula vinculante nº 24 do
Supremo Tribunal Federal referir-se apenas ao crime descrito no art. 1º,
I a IV, da Lei nº 8.137/90, é certo que sua aplicação não se restringe a
tal dispositivo.
Não há dúvidas de que a súmula deve ser aplicada
também ao delito previsto pelo art. 337A do Código Penal, em tudo
semelhante ao crime do art. 1º, da Lei nº 8.137/90, senão pelo fato de se
referir a contribuições previdenciárias enquanto que o tipo penal da lei
especial abarca os demais tributos.
Em relação ao crime de descaminho, não há
qualquer unanimidade doutrinária ou jurisprudencial a respeito da
aplicabilidade da citada súmula.
60
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência, com raras
exceções, sempre apartaram o descaminho dos demais crimes
tributários, principalmente sob a alegação de que se trata de delito
pluriofensivo, ou seja, que visa proteger diversos bens jurídicos, como a
livre concorrência, a balança comercial, a indústria nacional, sendo o
interesse arrecadatório do Fisco apenas um dos bens jurídicos
defendidos pelo tipo penal em questão.
A classificação dos delitos entre pluriofensivos e
monoofensivos não traz muita luz a presente situação, pois os demais
crimes tributários (como a maioria dos crimes de modo geral) também
visam proteger diversos bens jurídicos. Aliás, a pluriofensividade do
descaminho deve-se em grande parte à função extrafical dos impostos
de importação e exportação, ou seja, a finalidade de tais exações não é
somente arrecadatória, mas também a de fomentar ou refrear
comportamentos com o objetivo precípuo de proteger o mercado
brasileiro. Tanto isso é verdade que suas alíquotas podem ser alteradas
pelo Executivo, sem a necessidade de lei, portanto, e sem respeitar o
princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b da Constituição
Federal).
61
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Atualmente, decisões dos tribunais superiores vêm
entendendo que determinados fatos que se adequam formalmente ao tipo
penal do descaminho são atípicos, em função da aplicação do princípio
da insignificância.
Tais julgados, para balizar a significância da lesão,
não se atêm a qualquer outro bem jurídico que não o montante global da
dívida tributária.
Soa, portanto, incongruente dizer que o descaminho
não é um crime tributário em função de sua característica de delito
pluriofensivo, mas ao verificar a tipicidade material da conduta, valorála exclusivamente no que pertine a lesão causada aos cofres públicos.
Nesse sentido, já há decisões, como as citadas em
memoriais defensivos3, determinando a aplicação do entendimento
contido na súmula vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal ao
crime de descaminho.
3
Superior Tribunal de Justiça – HC 109.205/PR – REL. MIN. JANE SILVA – 6ª TURMA – J.
02.10.2008
62
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Contudo, no presente caso, a questão levantada
sobre a natureza de crime tributário do delito de descaminho
também não leva a necessidade de aguardar o término do processo
administrativo fiscal, isso porque todas as conclusões a respeito da
natureza tributária do crime de descaminho referem-se ao caput do
art. 334 do Código Penal e não ao delito sub judice, qual seja o do
parágrafo primeiro alínea “c” do mesmo artigo.
Reitera-se que não se discute nesta ação penal a
supressão ou redução de tributos. Não é relevante se os tributos
referentes à importação ou mesmo posteriores a ela foram ou não pagos.
Portanto, sendo a questão diretamente ligadas aos tributos irrelevante,
não há necessidade de aguardar sua constituição definitiva.
Feitas tais considerações cumpre asseverar que, a
despeito da quantidade de réus e do volume dos depoimentos e
documentos que compõe o presente feito, as questões envolvidas são
bastante simples.
Deve ser decidido, em apertada síntese, no que se
refere ao delito do art. 334, § 1º, “c” do Código Penal, dois pontos: i) se
63
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
os elementos contidos nos autos são suficientes para demonstrar que as
operações desenvolvidas pela MUDE, no que se refere a importações,
são realmente um modelo legal de negócios ou se devem ser
consideradas fraudulentas (materialidade); ii) em sendo decidida a
primeira questão pela ocorrência de fraude, quem são os responsáveis
por ela (autoria).
b) Materialidade do crime previsto no art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal
Frente aos elementos constantes dos autos é
possível concluir que as operações de importação descritas na inicial
foram feitas mediante fraude, tendo a empresa MUDE COMÉRCIO E
SERVIÇOS LTDA como real importadora sendo que as demais
empresas interpostas realizavam operações simuladas, com a finalidade
de mascarar a verdadeira feição da empresa MUDE.
As
operações
primavam
pela
importação
fraudulenta de produtos fabricados pela empresa CISCO SYSTEMS
INC. que chegavam ao real importador MUDE COMERCIO E
SERVIÇOS LTDA, após operações simuladas de compra e venda entre
64
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
empresas interpostas. Saliente-se que o montante das importações
superou a cifra de US$ 370.000.000,00 (trezentos e setenta milhões de
dólares americanos) nos últimos anos de operação.
As operações iniciavam-se com a encomenda de
produtos CISCO diretamente pela MUDE (o que é inclusive confirmado
pelos acusados e pelas defesas).
Ainda nos EUA a CISCO repassava os produtos
para empresa ligada a MUDE, inicialmente a FULFILL HOLDING (até
2005, aproximadamente), sócia majoritária da MUDE até janeiro de
2004. Posteriormente, em virtude de suspeitas da Receita Federal de que
a MUDE estaria adquirindo produtos de si mesma, a FULFILL foi
substituída pela MUDE USA LLC no que diz respeito à aquisição de
produtos da CISCO INC e a
3TECH INTERNATIONAL, no que
pertine às importações.
Observa-se que o acusado MOACYR ALVARO
SAMPAIO, CEO da MUDE é sócio da MUDE USA LLC. A 3TECH
INTERNATIONAL, por sua vez é ligada a PAULO MOREIRA,
responsável pelos despachos aduaneiros do grupo, pois pertence a JOSE
65
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
RICARDO GANTUS, ex-funcionário e sócio de PAULO, mas que atua
sob seu comando, mesma situação das exportadoras LATAM
TECHNOLOGY CORP e ROMFORD TRADING CORP.
A MUDE se utiliza também da Exportadora
LOGCIS EXPORT LCC, também titularizada por MOACYR ALVARO
SAMPAIO, CEO da MUDE, juntamente com Luis Scarpelli Filho. A
outra exportadora interposta é a empresa GSD TECHNOLOGIES LLC
também ligada ao grupo.
O Grupo MUDE realizava operações fraudulentas
de importação por meio das pretensas importadoras ABC, BRASTEC,
WAYTEC e PRIME e das distribuidoras TECNOSUL e NACIONAL.
Importante salientar que as importadoras não
tinham estrutura física e de pessoal suficientes a suportar o grande
montante das operações realizadas.
Tais
empresas
eram
controladas
por
CID
GUARDIA FILHO (KIKO) e ERNANI BERTINO MACIEL, sendo que
os sócios das “importadoras” e “distribuidoras” eram offshores e pessoas
66
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
sem capacidade econômico-financeira para serem proprietárias de
empresas que movimentavam milhões de reais, chamados “laranjas”.
Apesar de KIKO e ERNANI aparentemente fossem
apenas consultores das empresas, assumiram em seus interrogatórios
judiciais que efetivamente as controlavam:
Interrogatório
de
ERNANI
BERTINO
MACIEL
(autos
0014732-
04.2007.403.6181)
A CIDER tinha dois sócios, o interrogando e CID GUARDIA. CID era da área
operacional das importações e o interrogando, como auditor aposentado, tratava da
área dos tributos internos. A CIDER fazia a gestão das empresas importadoras. O
interrogando e CID eram “os dono do negócio de venda e compra das mercadorias”.
Os donos das empresas as administravam nas questões formais, como junto a Bancos
e outras questões menores.
Interrogatório de CID GUARDIA FILHO (KIKO) (autos
0014732-
04.2007.403.6181)
É verdade que promovia o gerenciamento das empresas ABC, BRASTEC e PRIME
por meio da empresa CIDER, no período descrito na denúncia. Os sócios da ABC,
BRASTEC e PRIME, descritos no contrato social, são considerados pelo
interrogando como parceiros comerciais. (...) O interrogando, em relação às
importadoras, gerenciava a aquisição dos produtos, recolhimento dos tributos,
terceirizava o gerenciamento de frete e os recebimentos. A movimentação financeira
das importadoras ficava a cargo dos sócios. O interrogando determinava a alocação
67
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
dos recursos recebidos com a importação, por exemplo, dessa venda, 30% fica na
conta-corrente e 70% será utilizado para compra de mais mercadorias.
Pois bem, a MUDE se valia das importadoras
titularizadas por laranjas e controladas por KIKO e ERNANI para
internar no país mercadorias encomendadas pela própria MUDE na
empresa CISCO INC nos EUA.
Havia alternância das importadoras utilizadas
(ABC, BRASTEC e PRIME), mas, invariavelmente, eram controladas
pelos acusados KIKO e ERNANI. Além disso, a “venda” era feita a
distribuidoras, também participantes do esquema (TECNOSUL e
NACIONAL) com um lucro ínfimo.
A empresa importadora WAYTEC, a qual não era
controlada por KIKO e ERNANI foi utilizada pela MUDE em função da
abertura de procedimento especial de fiscalização sobre a BRASTEC e
parametrização em canal cinza pela PRIME.
As empresas importadoras de fachada (todas!)
alegam ter contratado a empresa WHAT´S UP para gerenciar as
importações. Ocorre que a WHAT’S UP nada mais era que a divisão de
68
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
importação da empresa MUDE, comandada por REINALDO GRILLO,
ex-funcionário da própria MUDE, mas que dela nunca se desvinculou
realmente.
Ademais todas as empresas valiam-se das mesmas
distribuidoras, TECNOSUL e NACIONAL, o que reforça a tese de
interposição fraudulenta.
Cabia à MUDE, ainda, o pagamento de todas as
despesas de importação. Apesar de o dinheiro circular por todas as
empresas da cadeia (MUDE – distribuidora – importadora), isso ocorria,
no mais das vezes, no mesmo dia e com o objetivo de mascarar de forma
mais adequada a situação de real importadora ostentada pela empresa
MUDE.
Ademais, todo o processo de importação era
controlado pela MUDE, por intermédio da WHAT’S UP, sendo que o
setor financeiro, de responsabilidade de MARCÍLIO PALHARES
LEMOS, era encarregado de realizar o pagamento que seguia, em
cascata e em prazo de tempo bastante curto, para as distribuidoras e
importadoras.
69
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
O relatório da Receita Federal (CD de fl. 8857 dos
autos 2005.61.81.009285-1, senha INFORMATICA) que instruiu a
denúncia, analisando extratos bancários e interceptações telefônicas,
descreveu casos exemplificativos de valores transferidos da MUDE para
importadoras e distribuidoras. O referido relatório demonstra por meio
do saldo na conta bancária das importadoras que só com a chegada dos
recursos era feito o registro da operação de importação, momento em
que são pagos os tributos.
Aliás, referido relatório, o qual embasou a
representação final da Autoridade Policial, bom como a própria inicial
acusatória, elenca todas as provas das operações fraudulentas bem como
do comando exercido pela empresa MUDE sobre a cadeia de empresas
formada para blindá-la. Para tanto, colaciona conversas telefônicas
interceptadas, documentos apreendidos e interceptações telemáticas
realizadas durante a investigação, a fim de comprovar que a destinatária
final das importações era a MUDE. Portanto, e para evitar transcrições
do relatório referido remeto-me a ele para fundamentar a presente
sentença no que diz respeito aos elementos de convicção utilizados para
70
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
concluir pela existência de interposição fraudulenta nas operações
descrita na denúncia.
As defesas, na verdade, não negam que o trânsito
das mercadorias seja o descrito na denúncia, apenas alegam que se trata
de um modelo de negócio válido, lícito e que busca resultados
comerciais mais favoráveis.
Ocorre
que,
conforme
já
mencionado
há
comprovação do controle por parte da MUDE via WHAT’S UP de todo
o processo de importação.
Além disso, não há explicação plausível para a
utilização de tantas pequenas empresas importadoras, sem estrutura
física com sócios sem nenhuma capacidade econômica para gerir
negócios de tal vulto.
Não se explica, ainda, como tal sistema daria mais
agilidade as operações se o controle era, afinal, todo feito pela MUDE,
havendo mais obstáculos pelo grande número de passagens da
mercadoria. Aliás a existência do referido controle descaracteriza a
71
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
alegação de que a MUDE não teria expertise suficiente em importações
e por isso não as realizaria.
Saliento, por fim, que o próprio site da Receita
Federal na Internet esclarece sobre as modalidades de importação, a fim
de levar aos contribuintes informações suficientes para que não haja
perda das mercadorias ou cometimento de ilícitos.
A explicação de importação por conta e ordem de
terceiro e importação por encomenda, bem como os cuidados
necessários para a realização de importação direta, pela clareza e
detalhamento merecem ser transcritos, lembrando que as informações
são oriundas do site http://www.receita.fazenda.gov.br:
IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIRO
A importação por conta e ordem de terceiro é um serviço prestado por uma empresa –
a importadora –, a qual promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de
importação de mercadorias adquiridas por outra empresa – a adquirente –, em razão
de contrato previamente firmado, que pode compreender ainda a prestação de outros
serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de
preços e a intermediação comercial (art. 1º da IN SRF nº 225/02 e art. 12, § 1°, I, da
IN SRF nº 247/02).
Assim, na importação por conta e ordem, embora a atuação da empresa importadora
possa abranger desde a simples execução do despacho de importação até a
72
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
intermediação da negociação no exterior, contratação do transporte, seguro, entre
outros, o importador de fato é a adquirente, a mandante da importação, aquela que
efetivamente faz vir a mercadoria de outro país, em razão da compra internacional;
embora, nesse caso, o faça por via de interposta pessoa – a importadora por conta e
ordem –, que é uma mera mandatária da adquirente.
Em última análise, é a adquirente que pactua a compra internacional e dispõe de
capacidade econômica para o pagamento, pela via cambial, da importação.
Entretanto, diferentemente do que ocorre na importação por encomenda, a operação
cambial para pagamento de uma importação por conta e ordem pode ser realizada em
nome da importadora ou da adquirente, conforme estabelece o Regulamento do
Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI – Título 1, Capítulo 12, Seção
2) do Banco Central do Brasil (Bacen).
Dessa forma, mesmo que a importadora por conta e ordem efetue os pagamentos ao
fornecedor estrangeiro, antecipados ou não, não se caracteriza uma operação por sua
conta própria, mas, sim, entre o exportador estrangeiro e a empresa adquirente, pois
dela se originam os recursos financeiros.
Cuidados especiais
A escolha entre importar mercadoria estrangeira por conta própria ou por meio de um
prestador de serviço contratado para esse fim é livre e perfeitamente legal. Entretanto,
há cuidados simples que devem ser tomados pelas empresas adquirentes de produtos
importados por terceiros para que não sejam surpreendidas pela fiscalização tributária
e sejam autuadas ou, até mesmo, tenham suas mercadorias apreendidas.
Além da observância dos requisitos, condições e obrigações tributárias acessórias
anteriormente elencados, é importante frisar que, na importação por conta e ordem de
terceiro, o fato de o importador, na qualidade de mandatário do adquirente, registrar a
declaração de importação (DI) em seu nome não caracteriza uma operação própria,
mas, sim, por ordem do adquirente, do mandante, que o contratou para tal fim.
Ainda que o importador recolha os tributos incidentes na importação ou venha a
efetuar pagamentos ao fornecedor estrangeiro, com recursos financeiros fornecidos
73
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
pelo adquirente (como adiantamento ou acerto de contas) para a operação contratada,
a empresa contratante é a real adquirente das mercadorias importadas e não a empresa
contratada, que é, nesse caso, uma mera prestadora de serviços.
Embora seja a importadora que promova o despacho de importação em seu nome e
efetue o recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação de mercadorias (II,
IPI, Cofins-Importação, PIS/Pasep-Importação e Cide-Combustíveis), é a adquirente
– a mandante da operação de importação – aquela que efetivamente faz vir a
mercadoria de outro país, em razão da compra internacional.
Conseqüentemente, embora o importador seja o contribuinte dos tributos federais
incidentes sobre as importações, o adquirente das mercadorias é responsável solidário
pelo recolhimento desses tributos, seja porque ambos têm interesse comum na
situação que constitui o fato gerador dos tributos, seja por previsão expressa de lei.
(vide arts. 124, I e II da Lei nº 5.172, de 1966 - CTN; arts. 103, I, e 105, III, do
Decreto nº 4.543, de 2002; arts. 24, I, e 27, III, do Decreto nº 4.544, de 2002; arts. 5º,
I, e 6º, I, da Lei nº 10.865, de 2004; e arts. 2º e 11 da Lei nº 10.336, de 2001).
Outro cuidado a observar se refere à legislação de “valor aduaneiro” e de “preços de
transferência”. Uma vez que o importador por conta e ordem é um mero prestador de
serviço e a empresa adquirente da mercadoria a importadora de fato, a essa pessoa
jurídica devem ser aplicadas as restrições e determinações previstas na legislação de
“valor aduaneiro” e de “preços de transferência”.
Assim, por exemplo, quando empresas brasileiras, subsidiárias ou coligadas de
empresas sediadas no exterior, contratam intermediários para promoverem
importações por sua conta e ordem para o Brasil, de produtos fornecidos por suas
matrizes ou outras subsidiárias ou coligadas estrangeiras, em termos fiscais, a
operação se dá entre empresas vinculadas, devendo-se observar, nesse caso, as regras
de “preços de transferência” de que tratam os artigos 18 a 24 da Lei nº 9.430/96 e as
regras de valoração aduaneira de mercadorias importadas entre pessoas vinculadas,
em especial, aquelas constantes dos artigos 15 a 19 da IN SRF nº 327/03.
74
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Da mesma forma, quando da apuração do imposto de renda sobre as suas operações, a
empresa adquirente deve observar as determinações dos artigos 18 a 24 da Lei nº
9.430/96, do artigo 4º da Lei nº 10.451, de 2002, e da IN SRF nº 188, de 2002, no que
se refere às importações próprias ou por sua conta e ordem realizadas de países ou
dependências com tributação favorecida ou que oponham sigilo relativo à composição
societária de pessoas jurídicas, haja ou não sua vinculação com o exportador
estrangeiro.
Adicionalmente, deve-se ressalvar que, mesmo que o importador e o adquirente não
contabilizem corretamente a operação por conta e ordem efetivamente realizada, nem
cumpram com todos os requisitos e condições estabelecidos na legislação que trata
desse assunto, ainda assim, o real adquirente das mercadorias será o responsável
solidário pelas obrigações fiscais geradas pela importação efetivada, por força da
presunção legal expressa no artigo 27 da Lei 10.637, de 2002, em virtude de que dela
são os recursos utilizados na operação.
A inobservância desses requisitos e condições pode acarretar, ainda, desde o
lançamento de ofício dos tributos e acréscimos legais eventualmente devidos até o
perdimento das mercadorias importadas.
Ressalte-se que a caracterização de indícios de irregularidades nesse tipo de operação
autoriza a aplicação de procedimentos especiais de controle, previstos na IN SRF nº
52, de 2001, na IN SRF nº 206, de 2002, assim como na IN SRF nº 228/02, podendo
as mercadorias permanecer retidas por até 180 dias, para execução do correspondente
procedimento de fiscalização, visando a apurar as eventuais irregularidades ocorridas.
A ocultação do real adquirente na importação, mediante fraude ou simulação, além de
acarretar o perdimento da mercadoria, tem sérias implicações perante a legislação de
valoração aduaneira, porque pode ocultar transações entre pessoas relacionadas – que
têm tratamento normativo distinto – e do Imposto de Renda, relativamente aos preços
de transferência. Por essa razão, o adquirente deve sempre se fazer identificar nas
declarações de importação, cujas mercadorias tenha adquirido no exterior.
75
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Dispõem ainda os artigos 59 e 60 da Lei nº 10.637/02 que se presume fraudulenta a
interposição de terceiros em operação de comércio exterior quando não comprovada a
origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos empregados, sujeitando a
mercadoria à pena de perdimento e o importador à declaração de inaptidão de sua
inscrição.
Finalmente, recomenda-se que as empresas adquirentes, em razão da sua
responsabilidade solidária pelos tributos incidentes nas importações, exijam das
importadoras contratadas os comprovantes de recolhimento de tributos não efetuados
eletronicamente por meio do Siscomex, referentes às transações que realizarem,
mantendo-os em boa guarda e ordem pelo prazo decadencial previsto na legislação
tributária.
IMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA
A importação por encomenda é aquela em que uma empresa adquire mercadorias no
exterior com recursos próprios e promove o seu despacho aduaneiro de importação,
a fim de revendê-las, posteriormente, a uma empresa encomendante previamente
determinada, em razão de contrato entre a importadora e a encomendante, cujo objeto
deve compreender, pelo menos, o prazo ou as operações pactuadas (art. 2º, § 1º, I, da
IN SRF nº 634/06).
Assim, como na importação por encomenda o importador adquire a mercadoria junto
ao exportador no exterior, providencia sua nacionalização e a revende ao
encomendante, tal operação tem, para o importador contratado, os mesmos efeitos
fiscais de uma importação própria.
Em última análise, em que pese a obrigação do importador de revender as
mercadorias importadas ao encomendante predeterminado, é aquele e não este que
pactua a compra internacional e deve dispor de capacidade econômica para o
pagamento da importação, pela via cambial. Da mesma forma, o encomendante
também deve ter capacidade econômica para adquirir, no mercado interno, as
mercadorias revendidas pelo importador contratado.
76
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Ressalte-se ainda que, diferentemente da importação por conta e ordem, no caso da
importação por encomenda, a operação cambial para pagamento da importação deve
ser realizada exclusivamente em nome do importador, conforme determina o
Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI – Título 1,
Capítulo 12, Seção 2) do Banco Central do Brasil (Bacen).
Outro efeito importante desse tipo de operação é que, conforme determina o artigo 14
da Lei nº 11.281, de 2006, aplicam-se ao importador e ao encomendante as regras de
preço de transferência de que tratam os artigos 18 a 24 da Lei nº 9.430, de 1996. Em
outras palavras, se o exportador estrangeiro, nos termos dos artigos 23 e 24 dessa lei,
estiver domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida e/ou for
vinculado com o importador ou o encomendante, as regras de “preço de
transferência” para a apuração do imposto sobre a renda deverão ser observadas.
Cuidados especiais
A escolha entre importar mercadoria estrangeira por conta própria ou por meio de um
intermediário contratado para esse fim é livre e perfeitamente legal. Entretanto, há
cuidados simples que devem ser tomados pelas empresas encomendantes de produtos
importados por terceiros para que não sejam surpreendidas pela fiscalização tributária
e sejam autuadas ou, até mesmo, tenham suas mercadorias apreendidas.
Além da observância dos requisitos, condições e obrigações tributárias acessórias
anteriormente elencados, é importante frisar que, na importação por encomenda, o
fato do importador, na qualidade de contratado do encomendante, registrar a
declaração de importação (DI) em seu nome e utilizar seus próprios recursos para
levar a efeito a operação faz com que se produza, para o importador contratado, os
mesmos efeitos fiscais de uma importação própria.
Entretanto, embora seja o importador que promove o despacho de importação em seu
nome, efetua o recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação de
mercadorias (II, IPI, Cofins-Importação, PIS/Pasep-Importação e Cide-Combustíveis)
e, conseqüentemente, seja ele o contribuinte dos tributos federais incidentes sobre as
importações, a empresa encomendante das mercadorias é também o responsável
77
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
solidário pelo recolhimento desses tributos, seja porque ambos têm interesse comum
na situação que constitui o fato gerador dos tributos, seja por previsão expressa de lei.
(vide arts. 124, I e II da Lei nº 5.172, de 1966 - CTN; arts. 32, parágrafo único, “d”, e
95, VI, do Decreto-Lei nº 37, de 1966).
Um outro cuidado que as empresas devem ter se refere à legislação de “preços de
transferência”. Por força da determinação expressa no artigo 14 da Lei nº 11.281/06,
sempre que houver vinculação entre o exportador estrangeiro e a empresa
importadora ou a encomendante – nos termos do artigo 23 da Lei nº 9.430, de 1996 –
ou, ainda, havendo ou não essa vinculação, quando o exportador estrangeiro for
domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida ou que oponha sigilo
relativo à composição societária de pessoas jurídicas – nos termos do artigo 4º da Lei
nº 10.451, de 2002, e da IN SRF nº 188, de 2002 – a empresa importadora e/ou a
encomendante deve(m) observar as determinações dos artigos 18 a 24 da Lei nº
9.430/96, quando da apuração do imposto de renda sobre as suas operações.
Adicionalmente, por força da presunção legal estabelecida no § 2º do artigo 11 da Lei
nº 11.281/06, se a importadora e a encomendante não cumprirem com todos os
requisitos e condições estabelecidos na legislação de importação por encomenda, para
fins fiscais, a importação realizada será considerada por conta e ordem de terceiro e
acarretará para a empresa encomendante:
- Que ela seja responsável solidária pelo imposto de importação e eventuais
penalidades relativas a esse imposto aplicáveis à operação;
- Que ela seja equiparada a estabelecimento industrial e, conseqüentemente,
contribuinte do imposto sobre produtos industrializados (IPI) incidente nas operações
que realizar com as mercadorias importadas; e
- A aplicação das mesmas normas de incidência das contribuições para o PIS/PASEP
e COFINS sobre a sua receita bruta que são aplicáveis ao importador comum.
A inobservância dos requisitos e condições previstos na legislação pode acarretar
ainda desde o lançamento de ofício dos tributos e acréscimos legais eventualmente
devidos até o perdimento das mercadorias importadas.
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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Ressalte-se que a caracterização de indícios de irregularidades nesse tipo de operação
autoriza a aplicação de procedimentos especiais de controle, previstos na IN SRF nº
52, de 2001, na IN SRF nº 206, de 2002, assim como na IN SRF nº 228/02, podendo
as mercadorias permanecer retidas por até 180 dias, para execução do correspondente
procedimento de fiscalização, visando a apurar as eventuais irregularidades ocorridas.
A ocultação do encomendante da importação, mediante fraude ou simulação, além de
acarretar o perdimento da mercadoria, tem sérias implicações perante a legislação de
valoração aduaneira, porque pode ocultar transações entre pessoas relacionadas, que
têm tratamento normativo distinto, e do Imposto de Renda, relativamente aos preços
de transferência. Por essa razão, o encomendante deve sempre se fazer identificar nas
declarações de importação, cujas mercadorias tenham sido por ele encomendadas
para importação no exterior.
Dispõem ainda os artigos 59 e 60 da Lei nº 10.637/02 que se presume fraudulenta a
interposição de terceiros em operação de comércio exterior quando não comprovada a
origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos empregados, sujeitando a
mercadoria à pena de perdimento e o importador à declaração de inaptidão de sua
inscrição.
Resta claro, portanto, que os responsáveis pela
empresa MUDE, caso efetivamente não desejassem realizar importação
direta de mercadorias, deveriam se valer de uma das modalidades
descritas, a fim de deixar claro seu papel nas operações e não incorrer
em ilícito penal.
c) Da continuidade delitiva
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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
A denúncia se refere ao cometimento de 16 crime
de descaminho por meio de fraude, contudo requer a condenação nos
termos do art. 69 do Código Penal, ou seja, deseja que os crimes sejam
considerados como cometidos em concurso material.
O caso é de continuidade delitiva.
A
despeito
da
alternância
de
empresas
importadoras nas operações, o modus operandi utilizado foi idêntico em
todas elas. O Ministério Público Federal descreve algumas operações a
título exemplificativo e informa que as demais ocorreram da mesma
forma, o que reforça ainda mais a tese do crime continuado.
Efetivamente os administradores da empresa
MUDE se valiam de empresas interpostas para mascarar a condição de
efetivos importadores. Tal ocorreu de forma semelhante em todas as
operações referidas na inicial.
O lapso temporal entre um delito e outro, bem
como as condições de lugar em que os crimes ocorreram, também
remetem à ocorrência de crime continuado.
80
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Nessa medida, deve ser aplicada a regra, benéfica
aos réus, do art. 71 do Código Penal.
d) Autoria dos crimes previstos no art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal
Conforme já mencionado, tendo em vista o
reconhecimento da materialidade delitiva do crime previsto no art. 334,
§ 1º, “c” do Código Penal, resta identificar, de forma fundamentada, os
autores de tal delito. Vejamos:
d.1) FERNANDO MACHADO GRECCO
FERNANDO MACHADO GRECCO, juntamente
com JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO
NAOKI IKEDA e MOACYR ALVARO SAMPAIO eram os
administradores da empresa MUDE, com atuação diuturna na referida
empresa, bem como controle e conhecimento de sua forma de atuação.
Tal fato, ao menos em relação aos três primeiros, é incontroverso, pois
assumido em interrogatório e, em nenhum momento contestado pela
81
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
defesa:
(...) É um dos sócios da MUDE, além de diretor de marketing e
produtos. Atua na estratégia da empresa no mercado, buscando novos
clientes e mantendo os atuais. Relaciona-se com fornecedores e
fabricantes. É responsável pela tecnologia de suporte aos clientes. Sua
atuação na área operacional era limitada, contudo tinha conhecimento
do sistema de compras da MUDE.
Os demais acusados com atuação na administração
da MUDE confirmaram os fatos, conforme já dito, incontroversos:
JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536
FERNANDO é sócio da MUDE BRASIL e diretor de marketing e
produtos, responsável pelo relacionamento com os fornecedores e
montagem de portfolio.
MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587
A MUDE é basicamente controlada por cinco pessoas: os sócios
HELIO e FERNANDO, sendo que o último também é diretor de
marketing; o interrogando, diretor de vendas; JOSE ROBERTO, diretor
operacional; e MOACYR, o presidente. Os principais gerentes são
RONALDO
CHIARELI,
FRANCISCO
GANDIN,
MARCILIO
82
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
LEMOS, MARCO MACHADO e GUSTAVO PROCÓPIO. Reitera
que os únicos sócios são HELIO e FERNANDO, sendo que HELIO
está há algum tempo afastado das atividades da empresa, não
exercendo função específica.
MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528
FERNANDO GRECCO era sócio e diretor de marketing da MUDE.
(...) No dia-a-dia a MUDE era comandada por JOSE ROBERTO,
MARCELO IKEDA e FERNANDO GRECCO.
MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601
FERNANDO era diretor de marketing e produtos.
GUSTAVO
HENRIQUE
CASTELLARI
PROCÓPIO
fls.
1589/1594
FERNANDO é diretor de marketing e produtos da MUDE.
A testemunha de defesa DANIEL
RUSSO
CHECCHINATO, ouvido às fls. 3006/3007 afirmou saber que
FERNANDO trabalhava na MUDE como diretor de marketing. Tal fato
foi confirmado pela testemunha ANTENOR PAGLIONE JUNIOR (fls.
2903/2905) diretor da PROMOM, empresa que vendia equipamentos
CISCO e também por RENATO CARNEIRO (fls. 2898/2900).
83
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
ADRIANO HADA, ouvido como testemunha,
trabalha em uma empresa fabricante de produtos de informática e a
MUDE recentemente passou a ser distribuidora desses produtos (fls.
2684/2686) afirmou que “as reuniões que fez com a MUDE tiveram
como representantes da empresa MARCELO IKEDA e FERNANDO
GRECCO".
Além disso, conforme afirmado pelo Ministério
Público Federal, FERNANDO foi sócio de diversas empresas que
teriam precedido à MUDE e em outras que com ela se relacionam, tais
fatos foram reconhecidos em seu interrogatório judicial:
Foi sócio da UNIÃO DIGITAL, com uma pequena participação de
3,5%, por ser um funcionário que os sócios majoritários gostariam de
manter. Na época trabalhava na parte técnica e um pouquinho no
marketing, mas não tinha voz de comando na empresa. O interrogando
é presidente da MUDE INVESTMENTS. Trata-se de uma empresa
controlada cem por cento pela MUDE BRASIL e localiza-se nos
Estados Unidos. O objetivo da empresa era fazer investimentos no
exterior, pensando, também numa expansão internacional da MUDE
BRASIL. Foi sócio da FULFILL DISTRIBUIDORA durante cerca de
84
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
um mês quando da abertura da empresa. Sua participação era de 1% ou
menos. O interrogando iria trabalhar na empresa, mas mudou de idéia e
acabou saindo. Abriu uma empresa de assessoria na área de
informática, na época. Não se recorda de haver participado da
FULFILL SERVIÇOS. Se o interrogando não se engana Projeto TDC
(doc. 120) diz respeito a uma empresa situada na Bahia e que promove
manufatura de produtos na área de informática. A CISCO estava
interessada em manufaturar produtos no Brasil e a MUDE fez a ponte
entre a CISCO e a TDC. Não havia relação direta entre a MUDE e a
TDC.
Comprovada, portanto a atuação de FERNANDO
MACHADO GRECCO na administração da MUDE, o que torna
induvidosa a autoria delitiva.
d.2) JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES
JOSÉ ROBERTO era diretor de operações da
MUDE e responsável direto pelas ilicitudes cometidas nas operações de
importação mediante interposição fraudulenta.
Profundo conhecedor do sistema, sendo, inclusive,
85
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
responsável pelos contatos com o grupo de KIKO e ERNANI,
responsáveis pelas empresas de fachada:
(...) De fevereiro de 2006 até a deflagração da operação foi diretor de
operações da MUDE. (...) A diretoria de operações abrange as áreas
financeira, de estoque, logística, administrativa e de tecnologia da
informação.
A participação ativa de JOSÉ ROBERTO na
administração da empresa MUDE foi confirmada pelos demais acusados
e não foi sequer objeto de contestação por parte da defesa, sendo
incontroversa:
MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587
A MUDE é basicamente controlada por cinco pessoas: os sócios
HELIO e FERNANDO, sendo que o último também é diretor de
marketing; o interrogando, diretor de vendas; JOSE ROBERTO, diretor
operacional; e MOACYR, o presidente. Os principais gerentes são
RONALDO
CHIARELI,
FRANCISCO
GANDIN,
MARCILIO
LEMOS, MARCO MACHADO e GUSTAVO PROCÓPIO. Reitera
que os únicos sócios são HELIO e FERNANDO, sendo que HELIO
está há algum tempo afastado das atividades da empresa, não
exercendo função específica.
86
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528
JOSE ROBERTO era Diretor Operacional da MUDE. (...) No dia-a-dia
a MUDE era comandada por JOSE ROBERTO, MARCELO IKEDA e
FERNANDO GRECCO.
MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601
O interrogando atuava na MUDE como consultor financeiro, no cargo
de gerente financeiro, subordinado a JOSE ROBERTO, que era diretor
de operações e finanças.
FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547
JOSÉ ROBERTO era diretor de operações e finanças da MUDE. O
interrogando confiava as duas áreas integralmente a JOSE ROBERTO.
JOSE ROBERTO entrou na MUDE em 2006 para profissionalizar o
processo de finanças da empresa, a fim de prepará-la para uma abertura
de capital ou para venda.
Frente a tal conjuntura, JOSÉ ROBERTO deve ser
responsabilizado pelas operações de importação fraudulentas referidas
na inicial, pois era o principal responsável por tais transações, por estar
à frente da Diretoria de operações da empresa MUDE.
87
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
d.3) MARCELO NAOKI IKEDA
Diretor comercial da MUDE, MARCELO IKEDA
também era um dos administradores daquela empresa, e conhecedor do
sistema de compras da MUDE, o qual, conforme já analisado, consiste
em interposição fraudulenta. Segue transcrito parte de seu interrogatório
judicial:
(...) O interrogando é diretor comercial da MUDE. (...) A CISCO,
atuando no mercado de usuários finais desenvolve projetos com
parceiros e propõe soluções. Nesse momento entra a MUDE que prima
pela eficiência, principalmente no prazo e relativamente nos custos.
Quando o parceiro fecha um projeto com o usuário final, faz o pedido à
MUDE e inicia-se o contrato de compra. A MUDE BRASIL faz o
pedido diretamente à CISCO nos Estados Unidos. Esclarece que no
início de 2006 foi criada a MUDE USA, uma empresa americana,
criada por uma demanda da CISCO e dos Bancos Americanos para
avaliarem a linha de crédito que a MUDE tinha no exterior. Trata-se de
uma empresa enxuta e com pouca mão-de-obra. Os sócios estão tendo
dificuldades de estruturar a empresa, pois a realidade americana é
muito diferente da brasileira. Retomando a questão da compra, após o
pedido os produtos são entregues a uma agente consolidor de carga, a
seguir para exportadores, importadores, distribuidores e finalmente
88
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
chega à MUDE. (...) A colocação do pedido é feita eletronicamente
diretamente pela MUDE BRASIL.
Os demais acusados apontam MARCELO IKEDA
como diretor comercial da MUDE e um dos responsáveis por sua
administração:
JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536
MARCELO é diretor comercial da MUDE.
FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547
MARCELO IKEDA era um dos gestores da empresa e diretor
comercial da MUDE. Cuidava do dia-a-dia da área de vendas,
relacionando-se com clientes, sendo responsável por cotações e
descontos. MARCELO era responsável por atingir os números
constantes no forecast anual da empresa.
MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528
No dia-a-dia a MUDE era comandada por JOSE ROBERTO,
MARCELO IKEDA e FERNANDO GRECCO. (...) MARCELO
IKEDA era diretor comercial da MUDE.
MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601
MARCELO IKEDA era diretor comercial.
89
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
GUSTAVO
HENRIQUE
CASTELLARI
PROCÓPIO
fls.
1589/1594
MARCELO é diretor comercial da MUDE.
ADRIANO HADA, ouvido como testemunha,
trabalha em uma empresa fabricante de produtos de informática e a
MUDE recentemente passou a ser distribuidora desses produtos (fls.
2684/2686) afirmou que “as reuniões que fez com a MUDE tiveram
como representantes da empresa MARCELO IKEDA e FERNANDO
GRECCO".
RENATO CARNEIRO testemunha ouvida às fls.
2898/2900 e ANTENOR PAGLIONE JUNIOR, (diretor da PROMOM,
empresa que vendia equipamentos CISCO) testemunha ouvida às fls.
2903/2905 também confirmaram que MARCELO era diretor comercial
da MUDE.
Tais fatos comprovam a autoria delitiva também
em relação a MARCELO IKEDA, justificando sua condenação pelo
crime assimilado ao descaminho.
90
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
d.4) MOACYR ALVARO SAMPAIO
O Acusado MOACYR ALVARO SAMPAIO era
CEO (Chief Executive Officer) da MUDE, tendo ciência e domínio das
operações fraudulentas, além de se beneficiar dos lucros advindos das
mesmas.
Apesar de afirmar em seu interrogatório que seu
cargo era “exclusivamente institucional”, admitiu conhecimento das
operações da MUDE, tanto que ministrou palestra em evento da CISCO
sobre a MUDE, tendo, inclusive, recebido prêmio em nome da MUDE
como “distribuidor de maior valor agregado no mundo”.
O co-réu MARCELO IKEDA apontou MOACYR
como um dos controladores da MUDE:
MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587
A MUDE é basicamente controlada por cinco pessoas: os sócios
HELIO e FERNANDO, sendo que o último também é diretor de
marketing; o interrogando, diretor de vendas; JOSE ROBERTO, diretor
operacional; e MOACYR, o presidente. Os principais gerentes são
RONALDO
CHIARELI,
FRANCISCO
GANDIN,
MARCILIO
91
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
LEMOS, MARCO MACHADO e GUSTAVO PROCÓPIO. Reitera
que os únicos sócios são HELIO e FERNANDO, sendo que HELIO
está há algum tempo afastado das atividades da empresa, não
exercendo função específica.
O também acusado REINALDO GRILLO apontou
MOACYR como responsável pelas diretrizes da MUDE:
REINALDO DE PAIVA GRILLO fls. 1603/1607
MOACYR é um dos diretores da MUDE, que dá as diretrizes.
A
testemunha
de
defesa
CURT
FELIPE
LOWENHAUPT, declarou conhecer MOACYR como integrante da
empresa MUDE:
CURT FELIPE LOWENHAUPT fls. 2689/2691
O depoente é sócio proprietário da empresa NET SUL de Porto Alegre
e sua empresa tinha e tem relações comerciais com a MUDE.
Conhece MOACYR SAMPAIO, HELIO, MARCILIO, FERNANDO
GRECCO, que são da MUDE, de encontros em eventos da CISCO.
Não conhece os demais réus. Com MARCILIO tinha um contado maior
no trato e negociação de aprovação de créditos.
92
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Além disso, MOACYR era sócio da empresa
MUDE USA, a qual adquiria produtos CISCO nos EUA, para remeter a
MUDE Brasil, o que comprova, com maior grau de certeza o
envolvimento de MOACYR nas operações de importação fraudulenta de
mercadorias:
FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547
MOACYR era presidente da MUDE e seu papel era institucional de
relação com clientes. Além disso era sócio da MUDE USA, empresa
situado nos Estados Unidos que tinha relação com fabricantes,
principalmente a CISCO, além de instituições financeiras. MOACYR
estava auxiliando no processo de internacionalização da MUDE
BRASIL.
JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536
A MUDE USA tem como sócios LUIZ SCARPELLI e MOACYR
SAMPAIO. (...) a MUDE USA tinha como objetivo o contato próximo
com os fabricantes na área de tecnologia, localizados nos Estados
Unidos.
MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587
Os produtos são comprados da CISCO pela MUDE USA. A MUDE
USA não é responsável pela parte operacional nos Estados Unidos. A
93
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
colocação do pedido é feita eletronicamente diretamente pela MUDE
BRASIL. A MUDE USA não faz exportação. Para o transporte a
MUDE USA contrata empresas nos Estados Unidos. Não sabe precisar
quem faz as exportações.
Além da MUDE USA o acusado tinha participação
na empresa LOGCIS EXPORT LCC, empresa exportadora localizada
nos EUA que participava das operações de importação fraudulenta.
MOACYR atuava, portanto, nas duas pontas, desde
a exportação das mercadorias dos EUA, por meio da MUDE USA, até o
recebimento delas no Brasil pela MUDE Brasil.
Não prevalece, desta forma, a tese de que não
participava diretamente da administração da empresa MUDE, devendo
ser responsabilizado criminalmente por suas ações nas operações
fraudulentas.
d.5) MARCÍLIO PALHARES LEMOS
MARCÍLIO era gerente financeiro da MUDE
responsável pela tesouraria e contas a pagar e receber, além da
94
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
controladoria.
Desempenhando tal função, participava ativamente
das operações de importação fraudulenta, não sendo um mero
empregado da MUDE, a despeito de ser subordinado a JOSÉ
ROBERTO PERNOMIAN, diretor de operações e finanças.
A testemunha PATRICIA SAVIOLI FOLCHITO,,
prestadora de serviços da MUDE, ouvida às fls. 2100/2103 confirma a
participação de REINALDO nas importações:
Conhece a WHAT’S UP e seu responsável é REINALDO GRILLO.
Essa empresa cuidava de toda a administração da importação até a
chegada do produto na MUDE. Observa que essa empresa cuidava,
também, de compras da MUDE que não eram feitas por importação.
Além das funções que desempenhava na MUDE, o
acusado em questão admitiu em seu interrogatório judicial que era
procurador da empresa FULFILL HOLDING, compradora de produtos
CISCO nos EUA, que teria transferido créditos para a MUDE USA:
É procurador da FULFILL HOLDING que pertence a investidores
95
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
estrangeiros, chamados ANDRÉS SANCHES e FORTES. (..) A fulfill
holding DETINHA contrato de compra com a CISCO nos Estados
Unidos. As compras eram financiadas pela GE FINANCIAL.
A
FULFILL tinha créditos com a CISCO referentes a ações de marketing
e processos de devolução, chamados RMA ou stock rotation,
REFERENTES a produtos defeituosos ou obsoletos. Como a FULFILL
estava em fase de encerramento e não tinha mais débitos com a
CISCO/GE, transferiu seus créditos para a MUDE USA. A MUDE
USA é quem hoje detém o contrato de compra com a CISCO. Esclarece
que foi feito um contrato de cessão de créditos entre a FULFILL e a
MUDE USA para que esta recebesse os créditos.
Nessa medida, MARCÍLIO tinha conhecimento e
controle das operações de importação fraudulenta desde a origem nos
EUA até a chegada dos produtos na MUDE.
MARCÍLIO recebia participação nos lucros da
empresa MUDE, conforme planilha eletrônica encontrada em sua
residência e referida nas alegações finais do Ministério Público Federal
(fl. 3920), o que faz do acusado beneficiário direto do sistema de
interposição fraudulenta em operações de importação.
O próprio MARCÍLIO admitiu fazer parte do
96
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
“grupo dos Seis”, referido em conversas telefônicas interceptadas,
dando conta de que não era um simples gerente subordinado. O réu
menciona que seria convidado a tornar-se sócio efetivo da empresa
MUDE:
O grupo dos 6 referido em uma mensagem eletrônica interceptada, diz
respeito aos seis gerentes da MUDE, o interrogando e FRANCISCO
GANDIN,
MARCOS
MACHADO,
ODILON,
RONALDO
CHIARELLI e REINALDO GRILLO. (...) Aos seis gerentes
mencionados seria feita uma proposta para que se tornassem sócios da
MUDE em janeiro de 2008, o que, em face do ocorrido, não vai
acontecer.
Considerando a comprovação da participação de
MARCÍLIO nas operações de interposição fraudulenta, deve ser
condenado pelo crime do art. 334, § 1º, “c” do Código Penal.
d.6) REINALDO DE PAIVA GRILLO
REINALDO
GRILLO
era
responsável
pela
empresa WHAT’S UP, que nada mais era do que o departamento de
importações da MUDE.
97
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
O acusado é sócio das empresas FULFILL
SERVIÇOS LTDA e FULFILL DISTRIBUIDORA, também ligadas ao
sistema de interposição fraudulenta, tendo sido procurador da FULFILL
HOLDING, empresa com sede em paraíso fiscal e que foi sócia
majoritária da MUDE.
REINALDO trabalhou na empresa PHASE2
SERVIÇOS DIFERENCIADOS LTDA a qual tem MARCÍLIO como
sócio e que já foi titularizada por FERNANDO GRECCO. Além disso
trabalhou na área de importação da MUDE, antes da pretensa
desativação de tal área.
O réu é responsável por gerenciar as importações,
também desde a saída da mercadoria dos EUA até a chegada na empresa
MUDE, variando a empresa importadora utilizada, conforme orientação
de KIKO e ERNANI, conforme admitiu em seu interrogatório judicial.
O acusado, a exemplo de MARCÍLIO fazia parte
do chamado “grupo dos Seis”, referido em conversas telefônicas
interceptadas. Aliás, o acusado MARCÍLIO referiu-se a REINALDO
98
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
como um dos gerentes da MUDE:
MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601
REINALDO é coordenador da WHAT’S UP. (...) O grupo dos 6
referido em uma mensagem eletrônica interceptada, diz respeito aos
seis gerentes da MUDE, o interrogando e FRANCISCO GANDIN,
MARCOS MACHADO, ODILON, RONALDO CHIARELLI e
REINALDO GRILLO.
WALTER
FLAMENGO
SALLES,
sócio
da
BRASTEC, uma das empresas importadoras que teria “contratado” a
WHAT’S UP, ouvido às fls. 2138/2141, também identificou
REINALDO como sendo da MUDE.
Dos réus conhece somente REINALDO GRILLO, EVERALDO
BATISTA e FABIO VICENTE DE CARVALHO. Conhece esses réus
da empresa MUDE.
REINALDO, portanto, participava das operações,
beneficiava-se diretamente das mesmas, devendo ser condenado pelas
fraudes praticadas.
99
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
d.7) HÉLIO BENETTI PEDREIRA
HÉLIO BENETTI PEDREIRA, era sócio da
empresa MUDE, contudo o Ministério Público Federal não se
desincumbiu do ônus de comprovar sua participação na administração
da referida empresa.
A responsabilidade penal é subjetiva, não podendo
haver condenação de quem quer que seja somente por figurar no
contrato social de empresa. Não há comprovação de que HÉLIO
participasse dos fatos ilícitos praticados na empresa MUDE, aliás, bem
ao contrário, os elementos dos autos indicam que ele não participava da
administração da referida empresa.
Em seu interrogatório judicial, HÉLIO afirmou que
nunca administrou a MUDE, mas na época dos fatos estaria mais
afastado ainda da empresa, em função de uma disputa de poder interna:
(...) Tem formação de engenheiro eletrônico e sempre trabalhou no
mercado, principalmente de produtos estrangeiros de tecnologia que
poderiam ser consumidos no Brasil. Nunca gostou da área
100
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
administrativa. Aceitou ser sócio da MUDE POR três motivos:
primeiro porque a empresa estava indo muito bem e tinha um bom
potencial de crescimento. Como exemplo do potencial do crescimento
informa que atualmente há dez milhões de aceso à banda larga e
internet e o número pode chegar facilmente a trinta milhões; segundo
porque não precisaria integralizar capital. O capital seria integralizado
pelos resultados da empresa. Havia ainda a possibilidade de ganho de
capital por meio da venda da empresa ou abertura em Bolsa; terceiro
porque exerceria função mercadológica, em relação ao futuro da
empresa e a busca de novos produtos e mercados. É sócio da MUDE
desde junho de 2006. Nunca teve interesse em administrar a empresa
tanto que outorgou procuração delegando poderes a terceiros,
principalmente na área administrativa que não é seu núcleo de
conhecimento. Houve uma disputa de poder na empresa e o
interrogando passou a ser excluído. Deixou de ser ouvido nas reuniões.
Tal fato repercutiu negativamente no interrogando que entrou em
depressão. Perdeu sete quilos e teve lapsos de memória. Sua família se
mobilizou preocupada com a sua saúde. Isso tudo ocorreu no final de
2006 e início de 2007. (...) Não tem conhecimento do processo de
aquisição dos produtos pela MUDE.
A falta de conhecimento do acusado em questão
sobre as operações da MUDE chamaram a atenção deste juízo logo no
início da instrução, servindo, inclusive, como um dos argumentos que
101
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
referendaram a revogação da prisão preventiva de HÉLIO (decisão que
revogou a prisão preventiva de HÉLIO - fls. 1648/1649):
Todos os interrogandos foram uníssonos em afirmar que o acusado
HÉLIO nunca administrou a MUDE. Apesar de ser sócio, pouco
freqüentava a empresa e outorgou procurações para que fosse
representado por terceiros na administração da mesma.
Fato que chamou a atenção durante o interrogatório, foi a afirmação de
que GUSTAVO PROCÓPIO era da área jurídica da MUDE, quando,
na verdade, tal indivíduo atua, hoje em dia, na área de operações. A
resposta foi extremamente rápida e sincera, o que demonstra que
HÉLIO não estava ciente das modificações mais recentes no
organograma da empresa, o que parece atestar seu afastamento da
mesma.
HÉLIO esclareceu, de forma razoável, algumas interceptações
telefônicas que lastreiam a denúncia, reforçando a tese de sua parca
atuação na empresa MUDE. Tal fato, por si só, já enfraquece a questão
referente à ordem econômica.
Efetivamente as afirmações de HÉLIO foram
corroboradas nos demais interrogatórios dos corréus e por testemunhas
ouvidas durante a instrução:
102
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547
HELIO não tinha função no dia-a-dia da empresa. Acompanhava a
empresa de longe e comparecia a reuniões mensais.
JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536
HELIO é sócio da MUDE BRASIL e não tinha função operacional.
Supervisionava um pouco os diretores e participava eventualmente de
reuniões.
MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587
Reitera que os únicos sócios são HELIO e FERNANDO, sendo que
HELIO está há algum tempo afastado das atividades da empresa,
não exercendo função específica.
MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528
HELIO BENETI era apenas sócio da MUDE, mas não participava das
atividades da empresa.
GUSTAVO
HENRIQUE
CASTELLARI
PROCÓPIO
fls.
1589/1594
HELIO é sócio da MUDE, mas não participava do dia a dia da
empresa. O interrogando nunca o viu lá.
FÁBIO VICENTE DE CARVALHO fls. fls. 1633/1636
103
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Conhece HELIO, mas ele não ficava na MUDE, nunca esteve na
MUDE.
PATRICIA SAVIOLI FOLCHITO
já viu HELIO algumas vezes na MUDE, mas, pelo que sabe, ele não
tinha nenhuma atuação específica dentro da empresa.
O Ministério Público Federal, com o fim de
imputar autoria a HÉLIO, cita alguns diálogos dos quais teria
participado, contudo tais indícios foram refutados de forma convincente
no interrogatório de HÉLIO:
Em relação à interceptação mencionada no doc. 116, esclarece que tem
o costume de comprar produtos pela internet, como lentes de óculos,
por exemplo. Como sempre tem pessoas que vêm dos Estados Unidos
ao Brasil, eventualmente pede para essas pessoas trazerem os produtos.
No calor da conversa usou o termo “nosso funcionário”, mas não tinha
a intenção de qualificá-lo como funcionário da MUDE BRASIL. A
conversa telefônica mencionada no doc. 115 diz respeito a uma
máquina de depilação a laser. Esclarece que um amigo possui uma
empresa de depilação a laser e o interrogando presta alguns favores a
esse amigo. A interceptação refere-se a uma conversa do interrogando
com CARLOS CARVALHO, gerente da empresa de seu amigo, sobre
104
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
a eventual importação de uma máquina de um fabricante chamado
CANDELAS. O interrogando estava apenas buscando auxiliar
CARLOS sobre quem poderia importar a máquina.
Nessa medida, não havendo provas da participação
de HÉLIO nos crimes descritos na inicial, ele deve ser absolvido, com
fulcro no art. 386, V do Código de Processo Penal.
d.8) CARLOS ROBERTO CARNEVALI
O acusado em questão foi apontado pelo Ministério
Público Federal como sócio oculto da MUDE, pois teria ligação com
HÉLIO e MOACYR há anos, nas empresas COSELE, da qual teria sido
sócio, e UNIÃO DIGITAL.
Conforme a acusação, CARNEVALI teria sido
citado em documentos apreendidos como uma das pessoas que receberia
percentual no caso de venda da empresa.
Outros documentos apreendidos dão conta de sua
participação do conselho de administração da MUDE.
105
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Há, ainda, menção de recebimentos de pagamentos
do grupo MUDE por meio de offshores.
Além disso, foram apreendidos em seu poder
documentos com informações sobre a empresa MUDE e há áudios em
que CARNEVALI discute com MOACYR questões relativas à empresa.
Ocorre que todos os elementos foram impugnados
pela defesa, tornando, no mínimo incertas as alegações da acusação.
Vejamos:
O acusado afirmou em seu interrogatório (fls.
1517/1522) que nunca dirigiu a COSELE, apesar de haver trabalhado lá
com HÉLIO, tal convívio foi interrompido por anos, só sendo retomado
em 1996, quando já era presidente da CISCO DO BRASIL há dois anos.
Afirmou que a CISCO só passou a fazer negócios
com a empresa UNIÃO DIGITAL, de propriedade de HÉLIO, em
função de uma negociação internacional em que a CISCO INC comprou
a NEW PORT, que era representada no Brasil pela empresa de HÉLIO:
106
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
O interrogando nunca foi sócio de HELIO PEDREIRA na empresa
COSELE. Trabalhavam num mesmo Grupo de empresas pertencentes a
um americano chamado TERRY MOFFAT, em lugares físicos
diferentes e recebendo percentuais de valores ínfimos apenas como
motivação. Perdeu contato com HELIO por volta de 1988, quando foi
incumbido por TERRY de despedir HELIO. Voltou a encontrá-lo
apenas em 1995 ou 1996 em feira da área eletroeletrônica. Naquela
época a UNIÃO DIGITAL vendia produtos da empresa NEW PORT.
Tal empresa foi adquirida pela CISCO nos Estados Unidos. As
empresas que operavam com a NEW PORT tiveram a possibilidade de
passar a representar a CISCO.
A informação foi corroborada por HÉLIO em seu
interrogatório (fls. 1537/1541):
Trabalhou
na
área
de
componentes
eletrônicos.
CARLOS
CARNEVALI também trabalhou na COSELE, mas na área de
máquinas e ferramentas. (...). Conheceu CARLOS CARNEVALI na
COSELE no início da década de 80, tornando-se seu amigo. Perdeu o
contato com ele em 1988, voltando a encontrá-lo em 1995 na Feira
TELEXPO. Na época CARLOS comandava a CISCO. O interrogando
na época possuía uma empresa, a UNIÃO DIGITAL PERIFÉRICOS,
que era distribuidora da NEWPORT. Na época o interrogando apostava
107
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
na comunicação de dados como um novo produto para o futuro. A
NEWPORT foi comprada pela CISCO. Em função disso iniciaram-se
as operações da UNIÃO DIGITAL com a CISCO.
Quanto à alegada condição de sócio oculto da
MUDE, a afirmação baseou-se em elementos que foram rechaçados pela
defesa tornando a questão incerta.
CARNEVALI
afirmou
que
dispunha
de
documentos da MUDE e buscava informações da empresa junto a
MOACYR, pois estava sendo sondado para participar da mesma, na
medida em que estava em vias de ser demitido da CISCO:
O diálogo referido no item 95 da denúncia e no doc. 80 que a
acompanha foi travado entre o interrogando e MOACYR no contexto
de uma festa que ocorreu em função da saída do interrogando da
CISCO. Da festa participaram cerca de treze empresas representantes e
parceiras da CISCO que “enamoravam” o interrogando para contratálo. A contratação seria para que as empresas entrassem no mercado, por
meio de transformação em S/A (IPO). Esclarece que desde dezembro
de 2006 o interrogando teve iniciado um afastamento de suas funções
promovido pela CISCO SYSTEM. Tal fato vazou na imprensa e outras
empresas passaram a ter conhecimento dele. Aproximadamente na
108
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
mesma época, um head hunter de uma empresa no México foi
contratado para buscar um executivo que substituiria o interrogando na
CISCO. Uma das empresas que “namoravam” o interrogando era a
MUDE. O diálogo, portanto, ocorreu nesse contexto. O interrogando
afirma que estranhou o comportamento de HELIO na festa. Nunca
recebeu qualquer participação da MUDE. Seu sigilo bancário está
absolutamente
aberto
e
os
documentos
referentes
às
suas
movimentações foram apreendidos pela Polícia Federal. Nunca deu
expediente na MUDE. Foi à MUDE apenas uma vez no último ano ou
dois, para ministrar uma palestra. A MUDE é quem procurava o
interrogando, pois havia um processo de venda da empresa para a
WESTCOM, por meio do UNIBANCO. O interrogando não havia
decidido para qual empresa iria, até porque havia outra duas empresas
que o sondavam, mas acredita que a MUDE queria fazer crer que o
interrogando iria para lá. A MUDE e as outras duas empresa, buscando
sua valorização, gostariam que o interrogando participasse de um
Conselho, com outros notáveis do mercado. Esclarece que para fazer
parte do Conselho deveria ser imparcial, o que enfraquece a acusação
de que era sócio oculto da MUDE, pois se fosse não seria convidado
para tal Conselho. Não sabe se o Conselho teria a denominação de Q4.
Em relação ao documento de fl. 5037 do Apenso 20, informa que a
sigla CC não corresponde ao interrogando. Nunca recebeu oito milhões
de reais em nenhuma negociação e reafirma que seus documentos
bancários estão em poder da Polícia Federal. Não só a MUDE, mas
109
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
várias outras empresa, enviavam calhamaços de documentos ao
interrogando na tentativa de “enamorar-se” dele. Acredita que o
documento referido seja um dos documentos enviados pela MUDE
para que o interrogando analisasse. O interrogando recebeu também
por e-mail documentos de outras empresas (como contratos sociais e
planos, inclusive planos de remuneração) que tinham o objetivo de dele
“enamorar-se”. Não conhece as testemunhas arroladas pela acusação.
Os
demais
acusados
confirmam
a
versão
apresentada por CARNEVALI, que foi também corroborada por
testemunhas de defesa:
JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536
CARLOS é da CISCO. Soube, no Presídio, que CARLOS foi desligado
da CISCO. A relação de CARLOS com a MUDE era de fornecedor.
FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547
CARLOS CARNEVALI era executivo da CISCO e o contato do
interrogando com ele era bastante esporádico. Mais recentemente
CARLOS mudou de função e passou a ter mais tempo livre. Nessa
oportunidade surgiu uma oportunidade de venda da empresa MUDE
para a WESTCON. O interrogando estava à frente da negociação e
estava sendo aconselhado por CARLOS. A ajuda prestada por
110
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
CARLOS era informal e em função de seu relacionamento com HELIO
PEDREIRA, sócio do interrogando.
MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587
Conhece CARLOS da CISCO. Ficou sabendo que ele não está mais na
CISCO. Sabia que ele estava se afastando. Teve alguns contatos
esporádicos com CARLOS. Assistia palestras e apresentações. Mais
recentemente estava tentando se aproximar de CARLOS para trazê-lo
ao time da MUDE.
MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528
CARLOS CARNEVALI é amigo de vinte anos do interrogando e era
executivo da CISCO para a América Latina há três ou quatro anos.
Não tinha contato com a MUDE. Após o anúncio da aposentadoria de
CARLOS, o interrogando intensificou contato com CARLOS buscando
sua assessoria em processo de venda da MUDE. CARLOS vinha
fazendo o mesmo trabalho para outras empresas. CARLOS participou
de algumas reuniões com FERNANDO GRECCO a fim de delinear a
forma de ajuda que CARLOS prestaria à MUDE. A assessoria não
chegou a se concretizar, mas CARLOS recebeu diversas informações e
documentos sobre a MUDE.
MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601
111
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Teve raríssimos contatos com CARLOS CARNEVALI em eventos
profissionais entre MUDE e CISCO. Sabe que CARLOS era presidente
da CISCO.
ARNALDO DEHÉ NETO (fls. 3202/3202)
Participou de várias reuniões com CARLOS CARNEVALI, discutindo
a possibilidade de realizar uma parceria ou a venda da empresa para
CARLOS ou ainda a vinda de CARLOS para trabalhar na empresa.
Documentos e planilhas de todas as informações referentes à empresa
foram enviados para CARLOS CARNEVALI para análise. Tais
documentos foram enviados, salvo engano, de abril a agosto/setembro
de 2007. As negociações acabaram não evoluindo. Soube que
CARLOS CARNEVALI ia sair da CISCO por TERRY MOFAT, pelo
próprio CARLOS e também pela imprensa.
WINSTON CINTRA PEGLER (fls. 2514/2516)
No 2º semestre de 2007 soube que CARNEVALI estava planejando
terminar sua relação de emprego com a CISCO. (...) Quando teve a
notícia de que CARNEVALI sairia da CISCO o procurou para trazê-lo
para sua empresa
Ademais, na época dos fatos, CARNEVALI
trabalhava como presidente da CISCO viajando constantemente para
fora do Brasil, o que se não impedisse, pelo menos dificultaria bastante
112
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
sua atuação efetiva como sócio oculto da empresa MUDE:
Com a explosão da bolha (2002/2004) houve uma redução no quadro
de funcionários em todo o cone Sul em cerca de cinqüenta por cento. O
interrogando passou a atuar em todo o cone Sul e, posteriormente, em
2004/2005, na América Latina e Caribe. Sua função continuou sendo
de interessar empresas de telecomunicações, bancos, governo e
indústria a utilizarem da tecnologia. Exercia uma função de relações
públicas da empresa. (...) Está distante do Brasil há cerca de sete ou
oito anos, quando passou a ser responsável pelo cone Sul e América
Latina. O responsável pelo contato da CISCO com as empresas
representantes (distribuidoras de produtos e integradoras de sistemas)
sempre foi feito pelo diretor de canais, MARCOS SENA, responsável,
inclusive, pelo certificação, homologação e elaboração da parte
contratual dos representantes junto à CISCO EUA, sempre assistido
juridicamente pelo escritório TRENCH WATANABE. Passava fora do
país mais de cinqüenta por cento de sua vida, no período em que ficou
responsável pela América Latina.
Depoimentos prestados por testemunhas não
contraditadas confirmam tais alegações:
ANTENOR PAGLIONE JUNIOR fls. 2903/2905
113
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
O depoente era diretor da PROMOM, empresa que vendia
equipamentos CISCO.
CARLOS CARNEVALI era diretor geral da CISCO.
CURT FELIPE LOWENHAUPT fls. 2689/2691
O depoente é sócio proprietário da empresa NET SUL de Porto Alegre
e sua empresa tinha e tem relações comerciais com a MUDE. (...)
conhece CARLOS CARNEVALI, por ser da CISCO.
RENATO CARNEIRO fls. 2898/2900
conhece CARLOS CARNEVALI, pois ele era Presidente da CISCO no
Brasil. Encontrou CARLOS em eventos CISCO e palestras. Não sabe
se CARLOS trabalhou na MUDE.
Por fim, foram trazidas pela defesa diversas
notícias dando conta de que CARNEVALI sempre lutou para implantar
uma fábrica de componentes CISCO no país, o que ia de encontro com
os objetivos da MUDE.
Todas essas circunstâncias, somadas ao fato de a
acusação não ter provado de forma cabal o relacionamento de
CARNEVALI com a MUDE, sequer pelos documentos que menciona
dando conta de pagamentos via offshores, fazem com que tal réu deva
114
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
ser absolvido, por ausência de elementos que comprovem a autoria
delitiva.
d.9) GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO
O Ministério Público Federal imputa a GUSTAVO
PROCÓPIO as acusações de ter conhecimento do esquema de
importações fraudulentas e participar da administração jurídica do grupo
no Brasil e no exterior.
GUSTAVO é apontado, ainda, como procurador da
empresa NORDSTROM , offshore que detinha 99,84% das cotas da
MUDE.
O acusado em questão é advogado da MUDE e
presta serviços por meio de um escritório, CASTELLARI PROCÓPIO
ADVOGADOS.
Assumiu o cargo de gerente de operações pouco
antes da deflagração da operação, tendo alegado em seu interrogatório
que:
115
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
O interrogando levou as funções administrativa e de advogado, mas
sequer chegou a exercer o cargo de gerente operacional em função dos
acontecimentos.
O que se infere das provas produzidas contra
GUSTAVO é que possivelmente tinha conhecimento do esquema, mas
não participava da direção da empresa MUDE e nem das operações de
importação propriamente.
Foi advogado da empresa o que explica seu
conhecimento sobre os quadros sociais da MUDE e de constar como
procurador de algumas empresas, sem que as tenha administrado.
Conforme explicou em seu interrogatório judicial,
foi chamado para ser procurador da NORDSTROM TRADING pelos
diretores da MUDE, LUIZ SCARPELLI, FERNANDO GRECCO e
MARCELO IKEDA, mas sequer sabe quem são os sócios ou
proprietários.
Na sua função de advogado, aprendeu toda a parte burocrática de
abertura de empresas. Era muito comum que o interrogando ficasse
116
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
como procurador ou até administrador da empresa, para fins, por
exemplo, de abertura de contas em bancos, depois, saía da empresa e a
deixava para quem o contratou.
Ademais, eventual blindagem da MUDE por meio
de empresas offshores não fazem parte das acusações em julgamento.
Apenas
o
conhecimento
sobre
o
esquema
fraudulento, o qual também não restou totalmente comprovado, não é
suficiente para responsabilizar criminalmente um advogado subordinado
aos efetivos dirigentes da empresa, sem que tenha tomado parte efetiva
nas operações de importação fraudulenta.
Portanto, nos termos do art. 386, V do Código de
Processo Penal GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO
deve ser absolvido das acusações, ante o princípio do favor rei.
d.10) FÁBIO VICENTE DE CARVALHO
FÁBIO era funcionário da empresa MUDE
subordinado a MARCÍLIO. Foi denunciado, pois seria “coordenador de
117
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
tesouraria”.
FÁBIO participava das operações de importação,
pois era o “contas a pagar”, entretanto diversos funcionários da MUDE
que não foram sequer investigados também participavam de alguma fase
da aquisição das mercadorias CISCO. A questão é: FÁBIO tinha ciência
da ilicitude das operações e tinha a dimensão exata do complicado
esquema montado para a aquisição dos produtos CISCO pela MUDE?
Não há provas nesse sentido.
O
acusado
não
pode
ser
responsabilizado
criminalmente sendo um empregado da empresa que participava de uma
fase de um grande processo sem que haja comprovação de seu dolo, o
que não ocorreu no caso em tela. O dolo deve englobar, por certo, o fato
de o agente vislumbrar a atuação ilícita de forma ampla e não apenas
exercer função estanque dentro do esquema.
Todas as testemunhas arroladas pela defesa de
FÁBIO confirmaram sua condição de empregado, bem como afirmaram
que o acusado nunca ostentou riqueza, sendo de classe média, o que
reforça a ausência de dolo, em função de não haver aparentemente se
118
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
beneficiado pelo esquema.
Importa ressaltar que num crime praticado por
sociedade
licitamente
constituída,
a
responsabilização
de
um
empregado, também lícita e formalmente contratado, só é possível se
houver comprovação cabal de seu dolo, o que não ocorreu na presente
ação penal.
Portanto, FÁBIO CARVALHO deve ser absolvido
das acusações, por ausência de prova de ter praticado conduta dolosa.
d.11) EVERALDO BATISTA SILVA
EVERALDO foi apontado pela acusação como
responsável pela execução e operacionalização do esquema comandado
na WHAT’S UP por REINALDO GRILLO.
Efetivamente o acusado em questão trabalhava na
empresa WHAT’S UP e participava da operação de um dos momentos
da operação que tinha como objetivo ocultar a empresa MUDE como
real importadora dos produtos CISCO.
119
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Ocorre que EVERALDO era apenas um empregado
da WHAT’S UP não havendo qualquer prova de que participasse do
esquema de maneira consciente e sequer que tivesse ciência da situação
global.
Do que se depreende de seu interrogatório, o réu
acompanhava o fluxo dos produtos importados após sua internação e
sequer tinha contato com os administradores da empresa MUDE.
Não havendo provas de que o réu sabia que
participava de uma operação ilícita e considerando que era apenas um
empregado e não auferia qualquer benefício com a interposição
fraudulenta, deve ser absolvido por falta de provas, conforme determina
o princípio a ser observado quando da prolação de sentença, qual seja, o
in dubio pro reo.
d.12) LEANDRO MARQUES DA SILVA
A situação de LEANDRO é bastante similar à de
EVERALDO.
120
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
LEANDRO também era empregado da empresa
WHAT’S UP e as imputações feitas pelo Ministério Público Federal são
bastante semelhantes às formuladas em face de EVERALDO, ou seja,
de participar da operacionalização do esquema de interposição
fraudulenta.
A exemplo de EVERALDO, LEANDRO era
responsável pelo acompanhamento de produtos antes da internação no
território nacional. Também era subordinado a REINALDO GRILLO e
tinha pouco contato com os réus que administravam a MUDE.
Também em relação a LEANDRO não há
elementos que indiquem o dolo em participar do esquema de
interposição fraudulenta ou sequer se tinha noção do quadro global.
Nessa medida, sua absolvição é de rigor.
e) Do crime de uso de documentos falsos
Nos termos da fundamentação que tratou da
materialidade do crime capitulado no art. 334, § 1º, “c” do Código
121
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Penal, todas as pretensas operações comerciais entre empresas
importadoras, distribuidoras e a MUDE eram simuladas com a
finalidade de ocultar esta última como real importadora.
Nessa medida, todas as notas fiscais de compra e
venda que dizem respeito a tais operações são ideologicamente falsas,
pois as operações nelas representadas não ocorreram efetivamente.
Alega o Ministério Público Federal que a utilização
de tais notas fiscais entre as pretensas importadoras, as pretensas
distribuidoras e a MUDE, por terem ocorrido após a efetiva importação
das mercadorias, não são absorvidas pelo delito assimilado a
descaminho, em função dos fatos terem ocorrido em momento posterior
ao da entrada das mercadorias, revelando “desígnios autônomos”.
Já as defesas entendem aplicável o princípio da
consunção, havendo absorção da falsidade pelo crime do art. 334, § 1º,
“c” do Código Penal.
122
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Efetivamente não há falar em delitos autônomos
de uso de documentos falsos, na medida em que a utilização de tais
documentos faz parte da fraude empregada, trata-se de crime único.
Caso se tratasse do crime de descaminho do caput
do art. 334 do Código Penal, o uso de documentos falsos utilizados na
importação seriam absorvidos pelo crime fim. Por exemplo, caso ocorra
a importação de um bem e declare-se a internação de outro de menor
valor, reduzindo o valor a pagar a título de tributos, há unicamente o
crime de descaminho, havendo a absorção do uso de documento
ideologicamente falso.
Por outro lado, caso haja a internação de bem sem
o pagamento dos tributos devidos (caracterizando, portanto, o crime de
descaminho) e posteriormente, após o desembaraço, a falsificação de
documentos para facilitar a comercialização do bem, dizendo, por
exemplo, que este é nacional, estaremos diante de dois crimes
autônomos, descaminho e falsidade documental.
No caso em tela, contudo, não se pode olvidar que
o crime em questão não é o do caput do art. 334 do Código Penal e sim
123
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
o do parágrafo primeiro, alínea “c” do mesmo dispositivo. Nesse crime,
a fraude compõe o tipo, aliás, o próprio Ministério Público Federal
pugnou pela condenação pelo reconhecimento de “interposição
fraudulenta”.
Ora, a interposição fraudulenta não se restringe ao
momento da importação, apesar de referir-se a tal operação. A fraude,
que visa mascarar o verdadeiro importador da mercadoria vai além,
devendo abarcar, obrigatoriamente, momentos posteriores da circulação
da mercadoria, sob pena de ser absolutamente inócua, configurando
crime impossível.
Portanto, sendo a fraude operada um procedimento
visando mascarar o real importador das mercadorias (crime fim), a
utilização de notas fiscais simulando operações inexistentes (crime
meio) são componentes integrantes desta fraude, não podendo ser
considerados crimes autônomos, havendo evidente aplicação do
princípio da consunção para solucionar tal conflito aparente de normas.
124
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Nessa medida, todos o acusados devem ser
absolvidos da prática de tais crimes, nos termos do art. 386, III do
Código Penal, pois o fato não constitui infração penal autônoma.
f) Do crime previsto no art. 288 do Código Penal
Para a consecução do crime do art. 288 do Código
Penal deve haver: i) a associação de 04 ou mais pessoas; ii) estabilidade
ou permanência; e iii) objetivo de perpetrar série indeterminada de
crimes.
A despeito das alegações da defesa, todos os
elementos do referido delito estão presentes nos autos em relação aos
acusados apontados na presente sentença como autores dos delitos
capitulados no art. 334, § 1º, “c”, do Código Penal. Vejamos:
MOACYR ALVARO SAMPAIO, FERNANDO
MACHADO
GRECCO,
JOSÉ
ROBERTO
PERNOMIAN
RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES
LEMOS e REINALDO DE PAIVA GRILLO (juntamente com outros
125
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
elementos que não estão denunciados nestes autos) associaram-se para
praticar crimes de importação de mercadorias mediante fraude
consistente na denominada interposição fraudulenta.
Tal fato se comprova nos termos da fundamentação
supra, referente ao sistema ilícito montado por tais réus com o objetivo
de internalizar produtos do fabricante CISCO sem que a real
importadora (empresa MUDE) aparecesse em tal condição. Aliás, a
associação é evidente e não é negada pelos acusados, que, argumentam,
contudo que a finalidade da referida união não era cometer crimes e sim
empreender de maneira lícita.
Concluir pela existência do crime insculpido no art.
288 do Código Penal no caso em questão não quer dizer que a
associação empresarial formada tinha apenas a finalidade de praticar
crimes, mas ainda que a empreitada tenha também fins lícitos, não fica
descaracterizado o crime de quadrilha.
Não se faz, na presente ação penal, qualquer juízo
de valor sobre a gravidade do crime em questão, tal juízo já foi feito
pelo legislador, ao criminalizar a conduta e imputar pena no tipo
126
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
abstrato.
O fato é que houve no caso em tela, subsunção dos
fatos ocorridos no tipo penal do art. 288, sendo absolutamente claro que
tal adequação não se limita a organizações destinadas a roubo ou tráfico
de drogas, mas também a outros crimes.
Portanto o termo “quadrilha ou bando” a despeito
de carregar sentido pejorativo na sociedade possui um sentido jurídico
específico referente à reunião estável de mais de três pessoas para
praticar crimes.
Nessa medida, MOACYR ALVARO SAMPAIO,
FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN
RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES
LEMOS e REINALDO DE PAIVA GRILLO devem ser condenados
pela prática do crime do art. 288 do Código Penal.
III. DA APLICAÇÃO DAS PENAS
127
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Isto posto, comprovados os fatos e a autoria, passo
a individualizar as penas dos acusados, conforme o disposto no artigo 68
do Código Penal.
1. FERNANDO MACHADO GRECCO
a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:
Conquanto o réu não apresente antecedentes
criminais, as circunstâncias dos crimes são graves, uma vez que a
movimentação da empresa MUDE era de grande monta, o que aumenta
a culpabilidade no fato de ocultá-la como efetiva importadora.
Tal fato reclama a fixação da pena-base em
patamar acima do mínimo legal. Também há que se destacar o grau de
sofisticação envolvido, procedendo-se a introdução em território
nacional de grande quantidade de mercadorias importadas, com a
utilização de um aparato de empresas tendentes a blindar a real
importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois) anos e 06
(seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.
128
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a
serem ponderadas.
Considerando que os 16 delitos foram cometidos
nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a
regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles
aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02
(dois) meses de reclusão.
Não existem causas de diminuição de pena.
b) art. 288 do Código Penal
As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,
em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,
motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)
ano de reclusão.
Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento
ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno
definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.
129
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
c) das disposições relativas a ambos os delitos
Considerando que os crimes foram cometidos por
meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso
material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em
05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.
Em função do montante da pena fixada, bem como
considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou
substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I
e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.
O regime inicial de cumprimento de pena será o
fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função
das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.
Não estão presentes os requisitos cautelares da
prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,
parágrafo único do Código de Processo Penal).
130
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
2. JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES
a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:
Conforme já observado, as conseqüências do crime
praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande
movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do
agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.
Tal fato, conforme asseverado anteriormente,
determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.
Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a
introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias
importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a
blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)
anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.
Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a
serem ponderadas.
131
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Considerando que os 16 delitos foram cometidos
nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a
regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles
aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02
(dois) meses de reclusão.
Não existem causas de diminuição de pena.
b) art. 288 do Código Penal
As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,
em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,
motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)
ano de reclusão.
Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento
ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno
definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.
c) das disposições relativas a ambos os delitos
132
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Considerando que os crimes foram cometidos por
meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso
material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em
05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.
Em função do montante da pena fixada, bem como
considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou
substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I
e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.
O regime inicial de cumprimento de pena será o
fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função
das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.
Não estão presentes os requisitos cautelares da
prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,
parágrafo único do Código de Processo Penal).
3. MARCELO NAOKI IKEDA
133
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:
Conforme já observado, as conseqüências do crime
praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande
movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do
agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.
Tal fato, conforme asseverado anteriormente,
determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.
Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a
introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias
importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a
blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)
anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.
Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a
serem ponderadas.
Considerando que os 16 delitos foram cometidos
nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a
regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles
134
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02
(dois) meses de reclusão.
Não existem causas de diminuição de pena.
b) art. 288 do Código Penal
As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,
em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,
motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)
ano de reclusão.
Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento
ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno
definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.
c) das disposições relativas a ambos os delitos
Considerando que os crimes foram cometidos por
meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso
material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em
135
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.
Em função do montante da pena fixada, bem como
considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou
substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I
e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.
O regime inicial de cumprimento de pena será o
fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função
das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.
Não estão presentes os requisitos cautelares da
prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,
parágrafo único do Código de Processo Penal).
4. MOACYR ALVARO SAMPAIO
a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:
136
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Conforme já observado, as conseqüências do crime
praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande
movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do
agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.
Tal fato, conforme asseverado anteriormente,
determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.
Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a
introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias
importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a
blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)
anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.
Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a
serem ponderadas.
Considerando que os 16 delitos foram cometidos
nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a
regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles
aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02
(dois) meses de reclusão.
137
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Não existem causas de diminuição de pena.
b) art. 288 do Código Penal
As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,
em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,
motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)
ano de reclusão.
Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento
ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno
definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.
c) das disposições relativas a ambos os delitos
Considerando que os crimes foram cometidos por
meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso
material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em
05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.
138
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Em função do montante da pena fixada, bem como
considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou
substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I
e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.
O regime inicial de cumprimento de pena será o
fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função
das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.
Não estão presentes os requisitos cautelares da prisão preventiva,
motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387, parágrafo único do
Código de Processo Penal).
5. MARCÍLIO PALHARES LEMOS
a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:
Conforme já observado, as conseqüências do crime
praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande
139
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do
agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.
Tal fato, conforme asseverado anteriormente,
determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.
Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a
introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias
importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a
blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)
anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.
Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a
serem ponderadas.
Considerando que os 16 delitos foram cometidos
nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a
regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles
aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02
(dois) meses de reclusão.
Não existem causas de diminuição de pena.
140
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
b) art. 288 do Código Penal
As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,
em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,
motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)
ano de reclusão.
Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento
ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno
definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.
c) das disposições relativas a ambos os delitos
Considerando que os crimes foram cometidos por
meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso
material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em
05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.
Em função do montante da pena fixada, bem como
considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código
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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou
substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I
e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.
O regime inicial de cumprimento de pena será o
fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função
das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.
Não estão presentes os requisitos cautelares da
prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,
parágrafo único do Código de Processo Penal).
6. REINALDO DE PAIVA GRILLO
a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:
Conforme já observado, as conseqüências do crime
praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande
movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do
agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.
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Tal fato, conforme asseverado anteriormente,
determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.
Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a
introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias
importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a
blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)
anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.
Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a
serem ponderadas.
Considerando que os 16 delitos foram cometidos
nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a
regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles
aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02
(dois) meses de reclusão.
Não existem causas de diminuição de pena.
b) art. 288 do Código Penal
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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,
em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,
motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)
ano de reclusão.
Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento
ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno
definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.
c) das disposições relativas a ambos os delitos
Considerando que os crimes foram cometidos por
meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso
material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em
05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.
Em função do montante da pena fixada, bem como
considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código
Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou
substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I
e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.
144
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
O regime inicial de cumprimento de pena será o
fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função
das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.
Não estão presentes os requisitos cautelares da
prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,
parágrafo único do Código de Processo Penal).
C – DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a
denúncia para:
a) CONDENAR o réu FERNANDO MACHADO GRECCO,
brasileiro, filho de Sebastião Martins Grecco e Dulce machado Grecco,
nascido aos 02.03.1969, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do
Ministério da fazenda sob o CPF nº. 154.002.548-96, à pena privativa de
liberdade de 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser
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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
cumprida em regime inicialmente fechado, por ter ele violado a norma
dos artigos 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal, por 16 em
continuidade delitiva, todo o conjunto de crimes em concurso material
com o delito do art. 288 do Código Penal. Fica ABSOLVIDO da
acusação da prática dos crimes previstos nos artigos 304 combinado
com o 299, ambos do Estatuto Repressivo, nos termos do artigo 386,
inciso III, do Código de Processo Penal;
b)
CONDENAR
o
réu
JOSÉ
ROBERTO
PERNOMIAN
RODRIGUES, brasileiro, filho de Manoel Rodrigues e Delmira
Pernomian Rodrigues, nascido aos 04.09.1968, inscrito no Cadastro de
Pessoas Físicas do Ministério da fazenda sob o CPF nº. 058.787.588-73,
à pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de
reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, por ter ele
violado a norma dos artigos 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal, por
16 em continuidade delitiva, todo o conjunto de crimes em concurso
material com o delito do art. 288 do Código Penal. Fica ABSOLVIDO
da acusação da prática dos crimes previstos nos artigos 304 combinado
com o 299, ambos do Estatuto Repressivo, nos termos do artigo 386,
inciso III, do Código de Processo Penal;
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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
c) CONDENAR o réu MARCELO NAOKI IKEDA, brasileiro, filho
de Tsuguiu Ikeda e Missako Takahashi Ikeda, nascido aos 30.11.1971,
inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da fazenda sob o
CPF nº. 174.047.798-71, à pena privativa de liberdade de 05 (cinco)
anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime
inicialmente fechado, por ter ele violado a norma dos artigos 334, § 1º,
alínea “c”, do Código Penal, por 16 em continuidade delitiva, todo o
conjunto de crimes em concurso material com o delito do art. 288 do
Código Penal. Fica ABSOLVIDO da acusação da prática dos crimes
previstos nos artigos 304 combinado com o 299, ambos do Estatuto
Repressivo, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo
Penal;
d) CONDENAR o réu MARCÍLIO PALHARES LEMOS, brasileiro,
filho de Arnaldo Lemos e Leila Palhares Lemos, nascido aos
21.04.1963, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da
fazenda sob o CPF nº. 455.587.956-20, à pena privativa de liberdade de
05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime
inicialmente fechado, por ter ele violado a norma dos artigos 334, § 1º,
alínea “c”, do Código Penal, por 16 em continuidade delitiva, todo o
conjunto de crimes em concurso material com o delito do art. 288 do
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Código Penal. Fica ABSOLVIDO da acusação da prática dos crimes
previstos nos artigos 304 combinado com o 299, ambos do Estatuto
Repressivo, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo
Penal;
e) CONDENAR o réu MOACYR ALVARO SAMPAIO, brasileiro,
filhod e Moacyr Vieira Sampaio e Francisca Vieira Sampaio, nascido
aos 18.11.1947, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da
fazenda sob o CPF nº. 535.257.608-68, à pena privativa de liberdade de
05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime
inicialmente fechado, por ter ele violado a norma dos artigos 334, § 1º,
alínea “c”, do Código Penal, por 16 em continuidade delitiva, todo o
conjunto de crimes em concurso material com o delito do art. 288 do
Código Penal. Fica ABSOLVIDO da acusação da prática dos crimes
previstos nos artigos 304 combinado com o 299, ambos do Estatuto
Repressivo, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo
Penal;
f) CONDENAR o réu REINALDO DE PAIVA GRILLO, brasileiro,
filho de Hélio de Paiva Grillo e Maria Therezinha Bellopede Grillo,
nascido aos 19.02.1958, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do
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Ministério da fazenda sob o CPF nº. 791.743.028-68, à pena privativa de
liberdade de 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser
cumprida em regime inicialmente fechado, por ter ele violado a norma
dos artigos 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal, por 16 em
continuidade delitiva, todo o conjunto de crimes em concurso material
com o delito do art. 288 do Código Penal. Fica ABSOLVIDO da
acusação da prática dos crimes previstos nos artigos 304 combinado
com o 299, ambos do Estatuto Repressivo, nos termos do artigo 386,
inciso III, do Código de Processo Penal;
g) ABSOLVER o réu CARLOS ROBERTO CARNEVALI,
brasileiro, filho de Mário Carnevali e Rosa Fagnani Carnevali, nascido
aos 24.12.1947, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da
fazenda sob o CPF nº. 205.601.848-91, da acusação, com fulcro no art.
386, III em relação aos delitos de uso de documentos ideologicamente
falsos e da prática dos demais crimes imputados na inicial, nos termos
do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal;
h) ABSOLVER o réu HÉLIO BENETTI PEDREIRA, brasileiro,
filho de Rubens Pedreira e Anilda Benetti Pedreira, nascido aos
25.05.1954, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da
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fazenda sob o CPF nº. 003.916.868-95, da acusação, com fulcro no art.
386, III em relação aos delitos de uso de documentos ideologicamente
falsos e da prática dos demais crimes imputados na inicial, nos termos
do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal;
i) ABSOLVER o réu GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI
PROCÓPIO, brasileiro, filho de Arviles da Silva Procópio e Liana
Lauren Cruz Procópio, nascido aos 16.02.1975, inscrito no Cadastro de
Pessoas Físicas do Ministério da fazenda sob o CPF nº. 255.873.018-50,
da acusação, com fulcro no art. 386, III em relação aos delitos de uso de
documentos ideologicamente falsos e da prática dos demais crimes
imputados na inicial, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de
Processo Penal;
j) ABSOLVER o réu FÁBIO VICENTE DE CARVALHO,
brasileiro, filho de João de Carvalho e Maximina Gonçalves de
Carvalho, nascido aos 04.11.1959, inscrito no Cadastro de Pessoas
Físicas do Ministério da fazenda sob o CPF nº. 029.900.108-31, da
acusação, com fulcro no art. 386, III em relação aos delitos de uso de
documentos ideologicamente falsos e da prática dos demais crimes
150
Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181
imputados na inicial, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de
Processo Penal;
l) ABSOLVER o réu EVERALDO BATISTA SILVA, brasileiro,
filho de Everaldo dos Santos Silva e Heloína Batista Silva, nascido aos
25.03.1981, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da
fazenda sob o CPF nº. 286.114.138-73, da acusação, com fulcro no art.
386, III em relação aos delitos de uso de documentos ideologicamente
falsos e da prática dos demais crimes imputados na inicial, nos termos
do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal;
m) ABSOLVER o réu LEANDRO MARQUES DA SILVA,
brasileiro, filho de Antonio José Marques da Silva e Odete Elisa
Gonçalves da Silva, nascido aos 01.04.1978, inscrito no Cadastro de
Pessoas Físicas do Ministério da fazenda sob o CPF nº. 277.284.738-16,
da acusação, com fulcro no art. 386, III em relação aos delitos de uso de
documentos ideologicamente falsos e da prática dos demais crimes
imputados na inicial, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de
Processo Penal;
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Deixo de arbitrar o valor mínimo da indenização,
nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, tendo
em vista que os crimes não possuem montante de prejuízo factível de
valoração econômica, conforme exaustivamente exposto na sentença.
A constrição dos bens dos réus condenados fica
mantida, liberando-se o arresto sobre os bens dos réus absolvidos.
Transitada esta decisão em julgado, lance-se o
nome dos réus condenados no rol dos culpados.
Custas na forma da lei, a serem arcadas pelos réus
condenados após o trânsito em julgado.
P.R.I.C.
São Paulo, 17 de fevereiro de 2011.
LUIZ RENATO PACHECO CHAVES DE OLIVEIRA
Juiz Federal Substituto
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S E N T E N Ç A