PROCESSO DE NATURALIZAÇÃO: Garantias constitucionais Vinicius de Paula Rezende1 Gustavo Henrique Velasco Boyadjian2 RESUMO O presente estudo considera a aquisição de nacionalidade como um direito fundamental, sendo a perda desta uma forma complexa de expatriação que tem implicações tanto no Direito Interno como no Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado. O tema trazido à lume revela-se de suma importância, posto que interfere diretamente na convivência social e pode até mesmo transgredir direitos inerentes aos homens no que tange à dignidade da pessoa humana e ao respeito ao devido processo legal, em sua esfera material, que determina a perda da nacionalidade. Neste ínterim, os Estados devem estar imbuídos na viabilização de condições razoáveis e proporcionais para que a legislação concernente à perda da nacionalidade não esteja dissociada das necessidades humanas e da concessão mínima e essencial de direitos. 1. DELIMITAÇÕES HISTÓRICAS DA NACIONALIDADE Proveniente de nação, o conceito de nacionalidade estruturou-se a partir do século XVIII, sendo um dos inúmeros legados deixados pela Revolução Francesa. Em coerência à derrocada dos ideários até então vigentes emergiu no 1 Professor da UNIPAC- Argaguari. referido século as bases do Estado Moderno, que influenciaram a configuração das Constituições européias e americanas e, a posteriori, a ascensão da nacionalidade como direito humano. Com a pertinácia de apresentar um espectro concernente às remotas origens da nacionalidade, mister discorrer sobre a situação jurídica do estrangeiro. Diferentemente dos atuais postulados, o estrangeiro foi considerado um escravo, uma fera nociva aos demais homens. Posteriormente, após sofrer com delongados períodos de repúdio dos nacionais do Estado, o Direito Romano, na Constituição de 212 instituída pelo Imperador Antonino Caracala, estendeu a cidadania romana a todos os habitantes do Império. Todavia, neste regime existiram algumas exceções, o que foi completamente suprimido por Justiniano ao ampliar a cidadania romana a toda a população do mundo romano. Inspirado na libertação do homem, o Cristianismo converteu o posicionamento do estrangeiro na sociedade interna, com a equiparação deste à pessoa humana detentora de direitos fundamentais, o que fora ratificado pela Revolução Francesa e pela maioria das Declarações de Direitos. O instituto da nacionalidade está diretamente relacionado aos aspectos políticos e culturais do Estado, ademais de trazer imbricações na esfera categórica de nação, povo, cidadania, naturalidade, princípio das nacionalidades. A nacionalidade pode ser definida como o vínculo jurídico e político que liga o indivíduo ao Estado, estabelecendo a delimitação da competência deste sobre uma população de indivíduos estáveis em seu território. Vale dizer que este poder estende-se ainda à seara externa ao liame territorial do Estado, posto estar o 2 Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca, Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal de Uberlândia, Professor da Universidade Federal de Uberlândia, da UNIPAC – Campus Araguari e da nacional protegido pelas relações diplomáticas em que se fundamentam os países com virtudes de paz e harmonia social. Considerando as celeumas doutrinárias acerca do tema da nacionalidade, é importante elucidar que esta não se confunde com cidadania e naturalidade. A nacionalidade é mais abrangente, tem caráter jurídico internacional com interligamento entre a pessoa e o Estado. Em contrapartida, a cidadania está voltada para o Direito Interno e atribuições concedidas por este para o gozo de direitos e deveres pelo nacional. Quanto à naturalidade, consiste apenas em identificação territorial entre o indivíduo e o local de seu nascimento, atentando-se somente ao aspecto geográfico. Interessante consideração foi feita por Kalthoff (1935; In: DEL’OLMO, 2001, p. 34), que assim posiciona-se: A nacionalidade, por si mesma, é a condição jurídica do cidadão, nas suas relações para com um Estado determinado, o qual, em virtude de sua soberania, regula as condições da aquisição e perda da nacionalidade. A eficácia das leis nacionais se estende sobre todos os nacionais, mesmo aos que se encontram no estrangeiro. A extensão da eficácia das leis nacionais serve como “[...] garantia para que nenhum Estado estabeleça ao livre arbítrio a sua nacionalidade a quem lhe aprouver, suprimindo, por exemplo, a existência de estrangeiros em seu território.” (DEL’OLMO, 2001, p. 43). Neste diapasão, o nascimento do indivíduo já constitui o seu direito à nacionalidade, que poderá ser atribuída por diferentes critérios originários, quais sejam a vinculação pelo lugar de nascimento (jus soli) ou a nacionalidade dos pais (jus sanguinis). UNIUBE – Campus Uberlândia. Advogado. Consagrado no regime feudal, o denominado critério territorial consignou à nacionalidade a teoria do direito do solo, isto é, não se considera a situação pessoal dos pais e sim o território do Estado em que o indivíduo nasceu. Por certo que as leis dos Estados modernos dificilmente adotarão um sistema único, sendo feitas algumas concessões ora ao sistema do jus sanguinis, ora ao jus soli. Se o critério da atribuição da nacionalidade de pai para filho, por exemplo, for utilizado com exclusividade, poderá ocorrer uma problemática: a negação da nacionalidade aos filhos de estrangeiros nascidos no Estado, o que determina a existência de apátridas, a não ser que essas pessoas provenham de país que também utiliza o critério do jus sanguinis. Proveniente dos povos antigos, gregos e romanos, e verificado também na Antiguidade Clássica, destacadamente no Código de Manu (BERNARDES, 1996, p. 94) o instituto do jus sanguinis tem escólio nos elementos de filiação, recebendo o filho a nacionalidade do pai (lato sensu), independentemente do lugar onde tenha nascido. Com clarividente lógica há limitações quanto ao número de gerações dos descendentes que terão direito à nacionalidade dos ascendentes, visando que a concessão desta seja feita a pessoas que tenham verdadeiro vínculo com a pátria, que lhe permitirá o exercício de direitos e deveres civis. Destarte, infere-se que a nacionalidade é instituto bifronte, uma vez que, sob determinado foco, pressupõe uma relação de direito entre o Estado soberano e seus nacionais. Noutro norte, indica uma qualidade de estado civil ao atribuir característica política ao titular do direito de nacionalidade. Emerge destes pressupostos a importância em analisar, sob a égide do devido processo legal, em sua ânsia material, as condições impostas pela soberania estatal para aquisição e perda da nacionalidade. 2. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL Com o escopo de compreender a relação entre a nacionalidade, os direitos humanos e o princípio do devido processo legal, faz-se mister perseguir as origens deste último. Nesta perspectiva, não se apresentam as teorias doutrinárias em relação ao assunto, mas descreve-se os fatos históricos, dos quais advém o due process of law. A Inglaterra em 1215 consistiu em uma monarquia absolutista e foi governada pelo rei João Sem Terra, sucessor do famoso Ricardo Coração de Leão. Naquele tempo, a nobreza representou o segmento social com poder político e econômico. Contudo, o monarca passara a exigir tributos em valores exorbitantes. Em decorrência disso, os nobres ingleses apresentaram ao rei João Sem Terra um documento limitador dos poderes dinásticos, escrito em latim, que foi denominado de Magna Charta Libertatum. Ela "[...] assegurou aos ingleses a igualdade perante a lei e proporcionou um estado de direito mais justo [...]." (GAMA, 2005, p. 42) Em verdade esta Carta Magna foi concebida como um pacto entre os barões e o rei britânico. Ela assegurou privilégios aos nobres, concretizando seus direitos individuais, sociais, de nacionalidade e políticos. Deste modo, a humanidade presenciou a primeira limitação substancial ao poder do monarca3. O capítulo 39 do referido diploma prescreveu que nenhum homem seria privado de sua liberdade e sua propriedade sem um julgamento regular e em harmonia com a lei do seu país. Naquele momento, foi concebida a idéia ancestral do devido processo legal por intermédio da expressão per legem terrae (law of land). O termo due process of law, substituto da nomeclatura original, surgiu somente em 1354 em uma lei da Grã-Betanha, editada pelo rei Eduardo III e aclamada como Statue of Westminster of the Liberties of London. A terminologia do devido processo legal consagrou-se, em 1627, na Petiton of Right. Nas treze colônias, o sentido do postulado, açambarcado pela Constituição Federal4, almejou a "[...] resistência do indivíduo contra o arbítrio dos governantes (garantia de legalidade e de justiça)." (GAMA, 2005, p. 47). Há que se dizer que na América houve uma ampliação do princípio em tela, por meio do exame judicial. Em suma, cumpre esclarecer que a criação do per legem terrae iniciou uma inversão de valores de nacionalidade e abriu "[...] espaços para a cidadania e para os direitos humanos, mediante a relativização dos poderes antes tidos como absolutos dos monarcas e seus aliados." (MORAIS, 2000, p.30) 3. A PERDA DA NACIONALIDADE EM FACE DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Transpostas estas noções preliminares, salienta-se que o postulado em questão protege o trinômio vida-liberdade-propriedade e constitui o cerne de um Estado Democrático de Direito. Se os supramencionados bens jurídicos são expropriados dos seres humanos, fere-se o devido processo legal e lesam-se direitos dos homens. Assim, o due process of law constitui, em paridade com a dignidade da pessoa humana, o suporte axiológico da totalidade dos direitos fundamentais. A dignidade fornece o conteúdo dos direitos humanos, o devido processo legal obriga a razoabilidade na criação de leis, administração do Estado e composição de lides. 3 4 Anteriormente foram elaboradas as Cartas de Liberdades dos reis Canuto, Stephen e Henrique I. A quinta e a décima quarta emenda dispõem sobre o instituto. Neste ínterim, a nacionalidade deve ser protegida pelo postulado do law of de land, por se inserir dentre os direitos fundamentais e inerentes aos homens. Ela une o Estado ao seu elemento pessoal e "[...] integra o direito público." (SILVA, 2000, p. 322). Foi a idéia de nacionalidade, sobretudo, que estimulou a formação da soberania popular em detrimento do absolutismo. Desta maneira, a perda da nacionalidade deve ser analisada como uma exceção, pois ela rompe o vínculo da pessoa com o Estado e pode promover a existência de homens apátridas5. Este "[...] conflito negativo é que se afigura intolerável [...] sendo inadmissível uma situação, independente da vontade do indivíduo, que o prive desse direito." (SILVA, 2000, p. 325) Em verdade, a perda da nacionalidade acarreta uma privação de liberdade e pode ensejar a limitação da propriedade. Por conseguinte, em uma ordem internacional democrática o fim da nacionalidade deve ser decretado sob os auspícios do devido processo legal, haja vista que não pode existir um conflito entre Direito e Estado. O Estado não cria o Direito, apenas o promulga, cumpre e faz cumprir. O Estado é o Direito institucionalizado, é o Direito que se realiza através da ação dos órgãos institucionais. O Direito é idéia, a do bem público, encarada no Estado. Não se confundem, mas se integram numa síntese, como o corpo e a alma do homem. (AZAMBUJA, 1984, p.394) Sob a égide da Constituição Federal do Brasil, nos termos do art. 12, § 4º, as formas de perda da nacionalidade, e qualquer outra modalidade prevista nos Estados soberanos, deverão ser concebidas em consonância aos tratados internacionais sobre direitos humanos, principalmente o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, Estatuto dos Apátridas, Convenção sobre a redução da condição de 5 Também chamados de heimatlos. apátrida e Declaração Universal dos Direitos dos Homens. Note-se a relevância da posição hierárquica dos tratados de direitos humanos: Ao caráter especial dos tratados de proteção dos direitos humanos, poder-se-ia ainda acrescentar o argumento, sustentado por parte da doutrina publicista, de que os tratados de direitos humanos apresentam superioridade hierárquica relativamente aos demais atos internacionais de caráter mais técnico, formando um universo de princípios que apresentam especial força obrigatória, denominado jus cogens. (PIOVESAN, 2002, p.89) A observância do devido processo legal na perda da nacionalidade decorre da importância deste vínculo, posto que dele nascem os direitos políticos, a liberdade de ir e vir no território nacional, o direito de ocupar cargos públicos importantes e a própria possibilidade de adquirir bens materiais. Desta feita, a nacionalidade somente pode ser retirada do indivíduo se for respeitado o due process of law, sob seu aspecto processual e material, conquanto “[...] ninguém pode ser afetado em sua esfera jurídica sem ter sido ouvido e vencido [...] em procedimento que respeita a sua dignidade pessoal." (THEODORO JÚNIOR, 1997, p.79) Em sua óptica formal, o devido processo legal materializa-se por intermédio do contraditório e da ampla defesa. Eles devem ser assegurados no processo judicial e administrativo da perda da nacionalidade. Logo, a possibilidade de informação sobre os fatos imputados, de reação às alegações feitas e a garantia de um extenso rol de provas são essenciais. O contraditório, como ciência bilateral dos atos e termos processuais com a possibilidade de contrariá-los, é da essência do devido processo legal. Com o contraditório, torna-se inviolável o direito do litigante de propugnar, durante o processo, com armas legais, a defesa de seus interesses, a fim de convencer o juiz, com provas e alegações, de que a solução da lide lhe deve ser favorável. (MARQUES, 1974, p.373) A teoria do substantive due process agrega-se à judicial review. Quando a norma priva arbitrariamente as pessoas de seu direito à vida, propriedade ou liberdade, pode-se declarar sua inconstitucionalidade, por ofensa ao postulado do devido processo. Neste aspecto, cumpre às legislações pátrias nortearem-se pela razoabilidade, compreendida singelamente como o bom senso, e proporcionalidade, concebida como adequação. Na atual ordem internacional democrática e em consonância ao Direito, o princípio trazido à baila zela pela elaboração de leis corretas e regulares, em especial, se versarem sobre um salutar direito: a nacionalidade. A função do princípio é "[...] informar todas as outras regras do ordenamento, influenciando os atos de interpretação e aplicação de cada uma delas, que dependerão da compreensão dele para que sejam aplicadas justamente.” (PAMPLONA, 2004, p.28). Pressupõe-se, por conseguinte, a coadunação entre a nacionalidade, entendida como direito humano e fundamental, e o devido processo legal material visualizado na razoabilidade das exigências para aquisição e perda da nacionalidade. 4. AS CONFLUÊNCIAS DA NACIONALIDADE NO INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ÂMBITO DA A priori, importante mencionar que a nacionalidade em seu aspecto interno é regulada pelas leis internas de cada Estado, ao passo que no âmbito externo ela resulta de normas ou regras decorrentes dos princípios gerais do direito, do costume internacional e convenções internacionais. Indubitável é a importância da determinação da nacionalidade e os efeitos encerrados por ela na diagramação do Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado. Com o escopo de tornar hialina tal relevância, faz-se mister dizer que as normas de ordem pública constituem mandamento preponderante em relação aos interesses de cunho privatístico, conquanto as confluências da nacionalidade atingem também, quando não principalmente, o âmbito público. Na seara do Direito Internacional Privado, a nacionalidade faz-se presente ao determinar o elemento de conexão na solução de conflitos de leis no espaço, quando estão envolvidos mais de um ordenamento jurídico. Deste modo, a definição da nacionalidade está atrelada a fatores como domicílio, foro de eleição e escolha da lei aplicável em um contrato celebrado entre nacionais de diferentes Estados. Isto porque, para diversos países, o estatuto pessoal de um indivíduo é estabelecido pela atribuição de nacionalidade e, conseguintemente, pela vinculação da pessoa ao ente estatal ao qual está subordinado e que regerá suas relações relevantes para o direito. Exerce importância ainda, no âmbito internacional, no que tange à repercussão das normas internas sobre a nacionalidade quando confrontadas com as normas de outro Estado sobre a temática, uma vez que [...] as normas de Direito Internacional Privado constituem leis sobre leis, enquanto que as regras referentes à nacionalidade são de direito substancial, mas, diríamos que, embora as normas internas sobre a nacionalidade realmente não tenham caráter de sobredireito, têm, contudo, um certo contato, uma certa influência sobre normas de outros países respeitantes à nacionalidade. (DOLINGER, 1997, p. 136) Deste modo, o Direito Interno de cada Estado fixará as regras concernentes à nacionalidade, entrementes será o Direito Internacional Público que concederá eficácia a estes postulados frente aos demais Estados. Ora, se tais regras são provenientes da soberania de cada país, obedecidas as limitações que emanam dos tratados e convenções internacionais, queda interligado e fortificado o ideário de respeito aos Direitos Humanos em escala internacional, o que é resguardado, por exemplo, pela Carta Magna brasileira, em que tais direitos ocupam posição hierarquicamente superior no ordenamento jurídico interno. Emerge a consolidação no Direito Internacional Público de princípios gerais relativos à nacionalidade. Isto porque a atribuição da nacionalidade é direito humano, motivo pelo qual não pode ser recusada pelo indivíduo nem desconsiderada pelo Estado, posto que se assim for existirá um contingente de seres humanos apátridas. Queda demonstrada a relevância da questão ao citar como exemplo a Declaração Universal de Direitos do Homem (1948) que enuncia os seguintes princípios: 1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade; 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade. Ainda na perspectiva das cartas internacionais, há que se ressaltar o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que, em seu art. 24, enuncia que “toda criança tem direito a adquirir uma nacionalidade”. Além deste, existem outros postulados de alcance internacional que exercem influência e afirmam a necessidade de cada indivíduo ter nacionalidade para que possa usufruir as prerrogativas de Direito Interno, ter respaldo da proteção diplomática concedida pelo Estado ao qual está vinculado juridicamente e, notadamente, ver respeitado seu direito fundamental à nacionalidade. Em sendo a nacionalidade princípio geral de Direito Internacional Público, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. 15, (ONU1948) não se eximiu da tarefa de assegurar que o Estado não pode arbitrariamente privar o indivíduo de sua nacionalidade e do direito de nacionalizar-se em outro Estado, o que está respaldado pelas inferências concedidas pelo devido processo legal e pela tendência de internacionalização dos direitos humanos. A Constituição da República Federativa Brasileira adotou como critério para aquisição de nacionalidade tanto o princípio do jus soli como o jus sanguinis. No que concerne à extinção do vínculo entre Estado e indivíduo nacional, a perda de nacionalidade ocorre, nos termos do art. 12, § 4º, em duas hipóteses. A primeira diz respeito ao cancelamento da naturalização em decorrência da prática de atividade nociva ao interesse nacional (§4º, I). A segunda trata da hipótese da aquisição de outra nacionalidade, ressalvados os casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira (§4º, II, a) e havendo imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente no exterior como condição para permanência em seu território ou para exercício de direitos civis (§4º, II, b). Com esta disposição do ordenamento brasileiro, apesar de não estar expresso, a perda da nacionalidade depende do preenchimento de requisitos e não pode ser ato arbitrário, sem a observância do devido processo legal material e formal. Assim como o Brasil, cada Estado tem supremacia constitucional para normatizar sobre a matéria. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Necessário concluir que a nacionalidade consiste em instituto do Direito Internacional, seja público ou privado, e sobremaneira que a mesma representa um direito humano fundamental. A história da Humanidade se confunde com os avanços e retrocessos da concepção da nacionalidade. Com certeza, ao contrário dos tempos de outrora, os estrangeiros não são vistos como seres bestiais, porém os nacionais ainda são preferências. O sentido de pátria adquiriu uma juridicidade, tendo em vista que o Estado, concebido sob a égide de um ordenamento jurídico, somente existe devido aos seus nacionais. Por conseqüência, a perda da nacionalidade envolve a ruptura de um vínculo entre uma pessoa e a sociedade política, isto é, com a perda há o fim de um liame jurídico e por vezes o extermínio de direitos humanos, os quais asseguram a dignidade. Para a escolha da regra de conexão a ser utilizada em conflitos de normas de Estados soberanos distintos, o estatuto pessoal revela-se salutar, sobretudo, para fins de definição de personalidade e capacidade jurídicas. Desta maneira, um indivíduo sem nacionalidade enfrentará dificuldades para relacionar-se com outros em âmbito internacional e poderá sofrer irreversíveis prejuízos, haja vista que a nacionalidade define o estatuto pessoal. Em suma, o Direito Internacional Privado depende da existência de uma nacionalidade. Por outra monta, o Direito Internacional Público assegura a proteção deste vínculo entre súditos e sociedade política, pois os direitos humanos se erguem com respaldo na nacionalidade. Logo, a ausência desta somente é possível, nos termos dos tratados e costumes internacionais, em situações excepcionais, devendo os Estados zelarem pela sua manutenção. Neste diapasão, o devido processo legal, compreendido como uma cláusula aberta, cumpre a magna função de proteger os direitos fundamentais e, principalmente, a nacionalidade, a qual se relaciona com a vida, a liberdade e a propriedade das pessoas em geral. O Estado possui o dever de determinar quem são os seus nacionais e conferir-lhes prerrogativas. Os nacionais têm a obrigação de prestar fidelidade ao seu Estado. O due process of law promove esta imbricação. O postulado em tela configura um instrumento destinado a fiscalizar e vedar as interferências político-estatais nas faculdades humanas imprescindíveis ao exercício da personalidade e da cidadania. Na ausência do mesmo a humanidade tem motivos para se preocupar com a perda da liberdade de participação e da própria nacionalidade. Ante o exposto, deve-se esclarecer que a liberdade de o Estado normatizar a perda da nacionalidade percorre o destino da razoabilidade (reasonableness) e racionalidade (rationality), restringindo-a a fatos concretos especialíssimos. Do contrário, um direito humano e a dignidade serão letras mortas, mesmo que o processo de eliminação do vínculo em estudo respeite o contraditório e ampla defesa. Portanto, esta liberdade tem limítrofes de chancela internacional, não se podendo olvidar de três prerrogativas essenciais: a aquisição de nacionalidade é direito fundamental e inerente à natureza humana; a perda da nacionalidade deve ser decretada somente nos casos permitidos ou impostos pela lei, quando for passível de opção do nacional ou quando de extrema necessidade, obedecidos os ditames da razoabilidade das normas atinentes ao devido processo legal de expatriação; o Direito Internacional Público e Privado prima pela conciliação de interesses que transpõem as fronteiras nacionais, regulando as relações jurídicaspolíticas entre os Estados. Em arremate, considerando que o direito à nacionalidade está inerente à natureza humana, precisa-se defender os espeques axiológicos dos direitos fundamentais, quais sejam a dignidade da pessoa humana e o devido processo legal, o que, por derradeiro, consagra o trinômio vida-liberdade-propriedade. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZAMBUJA, Darcy. 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