Cap 11 SÃO BASÍLIO (329-379)
Ramiro Marques
Basílio nasceu em Cesareia, capital da Capadócia (actual
Turquia) em 329 ou 330. Fez os seus estudos em Constantinopla e,
mais tarde, em Atenas, onde permaneceu durante cinco anos. Em
Atenas dedicou-se ao estudo da retórica e da filosofia e travou
amizade com Gregório de Nazianzo. Juliano, o Apóstata foi seu
discípulo. Aos vinte e cinco anos de idade voltou para a Capadócia,
tendo recebido, por essa altura, o baptismo. Viajou pelo Egipto,
Palestina e Síria, onde tomou contacto com a vida monacal.
Regressado a Cesareia, vendeu os seus bens e passou a viver numa
propriedade isolada, junto às margens do rio Iris, dedicando-se à
oração, leitura e trabalho manual. Em 370, foi designado bispo de
Cesareia. Nos nove anos seguintes, travou um duro combate contra
as heresias e organizou a vida monástica. Morreu com apenas
quarenta e nove anos de idade. As suas principais obras foram:
"Tratado contra Eunómio", "Tratado sobre o Espírito Santo" e várias
homilias. Deixou também centenas de cartas onde revela a sua
mestria na língua grega.
No século IV, era ainda vulgar enviar para as escolas públicas
pagãs os filhos das famílias ricas cristãs. Apesar de essas escolas
colocarem os jovens em contacto com a filosofia pagã e os deuses
gregos, considerava-se que a educação clássica proporcionava uma
cultura geral de grande valor que, complementada com a educação
cristã, feita nas escolas catequísticas, preparava os jovens para a
assunção de cargos públicos e para o acesso a cargos eclesiásticos.
Consciente desse facto, Basílio advertiu os professores e os jovens
para os perigos da cultura clássica, sendo necessário separar o trigo
do joio, aceitando os autores e as obras que não colidiam com a
doutrina cristã, mas recusando aquelas que proporcionavam maus
exemplos ou propagandeavam uma vida dissoluta.
São Basílio frisava que a vida humana tinha pouco valor e as
coisas humanas, porque perecíveis e corruptíveis, não podiam ser
vistas com um bem em si. Desse modo, não há nada de grande na
beleza física, na força, no dinheiro ou nos bens materiais, porque o
cristão deve encarar a vida como uma passagem para a vida eterna.
A vida superior, a eterna, não se atinge pela leitura dos autores
pagãos, mas sim pelo contacto com as Sagradas Escrituras. Devemos
exercitar-nos nesses escritos profanos à semelhança dos candidatos
ao ofício das armas que, primeiro, se habilitaram na gesticulação e na
dança, para colherem os frutos de tais jogos só no dia do combate. A
leitura dos autores profanos, poetas, historiadores e filósofos, pode
ser útil para formar a nossa cultura geral, para melhorar a nossa
eloquência, para nos tornarmos melhores oradores, mas não substitui
a leitura das Escrituras na descoberta da verdade revelada, como
única forma de nos conduzir à vida eterna. "Para o cristão é
vantajoso o conhecimento das ciências profanas, uma vez que para a
alma o fruto essencial é a verdade, que, numa comparação feliz, se
envolve graciosamente na folhagem que na árvore proporciona ao
fruto um abrigo benfazejo. Assim, Moisés, antes de chegar à
contemplação divina, exercitou-se nas ciências profanas, e o sábio
Daniel da Babilónia instruiu-se na ciência dos cálculos, antes de
iniciar o estudo das coisas divinas" (1).
São Basílio não se limita a considerar que as ciências profanas
são auxiliares das ciências divinas. Vai mais longe e examina o modo
como isso se faz. "Primeiramente, considera a obra dos poetas, e diz
que só se devem ler os que são homens de bem. Eles merecem amor
e imitação por referirem acções e palavras condignas. Os que se
comprazem, entretanto, com o enaltecimento de personagens
viciosas devem ser evitados, porque quem se acostuma às palavras
más, encaminha-se aos actos correspondentes. Não se deve permitir
que o encanto da linguagem nos leve, a contragosto, a admitir maus
princípios, à semelhança dos que tomam veneno misturado com mel.
Por isso, evitem-se os poemas em que se decantam os vícios ou as
imoralidades dos falsos deuses. O mesmo vale para os prosadores
que inventam fábulas para divertir os leitores. Quanto aos oradores,
não se devem imitar as suas mentiras em que são useiros e vezeiros,
uma vez que escolhemos para a nossa vida o caminho da rectidão e
da verdade. Em compensação, aproveitaremos tudo o que dizem de
elogioso à virtude e de descrédito ao vício" (2).
Basílio dedicou uma parte dos seus escritos à educação moral
e à aquisição da virtude. Considerando a virtude o único bem
inexpugnável, aconselha à leitura dos autores que elogiaram a
virtude e que conduziram as suas vidas em conformidade com esse
elogio. Virtudes como a paciência, a mansidão, a castidade e a
piedade podem ser aprendidas através da leitura dos autores que as
souberam cultivar. Contudo, não é suficiente a leitura dos autores
que souberam elogiar a virtude. É necessário o contacto com o
exemplo das pessoas virtuosas e, sobretudo, uma prática continuada
e vigilante das virtudes. A este respeito, cita o exemplo dos atletas
que para se tornarem grandes lutadores precisam de muitas horas de
prática de exercício e o mesmo acontece com os músicos que só se
tornam excelentes num instrumentos após muitos anos de treino. Os
que se limitam a ouvir música jamais aprenderão a tocar um
instrumento.
À semelhança de outros grande autores cristãos do século IV,
São Basílio investe pelas questões da moralidade prática, dando
conselhos sobre a roupa, os enfeites, a alimentação, o traje, a
linguagem e o convívio social.
Estas considerações de ordem prática foram desenvolvidas por
Basílio, com inegável mestria, num pequeno tratado escrito para o
seu sobrinho sobre a maneira de tirar partido das letras pagãs (3),
cuja leitura, ainda hoje, se pode fazer com muito proveito.
Notas
1) Costa Nunes, R. (1978). História da Educação na Antiguidade
Cristã. São Paulo: EPU, p. 145
2) Idem, p. 145
3) São Basílio (1965). Aux Jeunes Jens sur la Manière de Tirer
Profit des Lettres Helléniques. Paris: Les Belles Lettres.
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