CADERNO 14 Anais Eletrônicos VI ECLAE Morfologia e ensino RESUMO Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa sobre a produtividade de sufixos do português contemporâneo do Brasil, tendo como suporte do corpus analisado blogues de maquiagem. O objetivo geral da pesquisa foi fazer o levantamento dos sufixos mais produtivos na construção textual do objeto discursivo analisado. Mais especificamente, confirmar a hipótese da maior recorrência de sufixos formadores de verbos, de nomes e de advérbios de modo no domínio discursivo virtual acima citado. Objetivamos, também, compreender as motivações que levaram a maior produtividade dos sufixos identificados. Para tanto, tomamos os pressupostos de Basílio (2011), que traçam as funções e as motivações (de sentido, gramatical, textual e expressiva) que levam ao uso dos sufixos e das classes gramaticais as quais eles constituem. O corpus foi constituído de 59 (cinquenta e nove) postagens dos 18 (dezoito) blogues de maquiagem mais acessados atualmente no Brasil. A análise revelou que os sufixos mais produtivos são os formadores de diminutivos com motivações expressivas; nominalizações com motivações semânticas; os formadores de adjetivos a partir de substantivos com motivações expressivas; e o formador de advérbios com motivações gramaticais e semânticas. Além de Basílio (2003; 2011) como base de análise de corpus, utilizamos conceitos de Cunha; Cintra (1985), Batista (2011), Bechara (2009) e Antunes (2012) acerca da derivação sufixal. Entendemos que resultados de pesquisas como esta podem ser úteis para o auxílio de professores de português para o ensino de aspectos da morfologia. Palavras-chave: Morfologia, Sufixos, Blogues de maquiagem, Ensino de português. ÁREA TEMÁTICA - Morfologia e ensino A DERIVAÇÃO SUFIXAL: UMA ABORDAGEM DOS SUFIXOS MAIS PRODUTIVOS EM BLOGUES DE MAQUIAGEM1 Richard Fernandes De Oliveira (UFPE) Victoria Luiza Ramos Da Silva (UFPE) Beatriz Cristina De Almeida Sales (UFPE) Introdução O crescimento da influência dos blogues de maquiagem nos meios comunicacionais e empresariais ajuda a tornar o Brasil o terceiro país que mais consome cosméticos. Esses blogues têm grande influência na internet, em comerciais de TV, chegando a fechar grandes acordos empresariais. Isso faz com que muitas blogueiras ganhem altos valores monetários a partir desse meio virtual. Considerando essa importância social e acrescentando a altíssima carência de estudos linguísticos que usam esse suporte textual como objeto de estudo, decidimos contemplá-lo em nossa pesquisa, visando aplicar as teorias sobre os processos de formação de palavras por derivação sufixal para verificar a produtividade de sufixos da língua portuguesa contemporânea do Brasil - que foram selecionados a partir de uma lista de sufixos encontrada em Cunha; Cintra (1985). Além disso, pretendemos explicar as motivações, de acordo com Basílio (2011), que levam à mudança de classe de palavra imposta pela derivação sufixal 1. Este trabalho é resultante de uma pesquisa feita para a composição de nota da disciplina de Português II - Morfossintaxe I, ofertada pelo Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco no primeiro semestre de 2015, orientado pela Professora Doutora Gláucia Renata Pereira do Nascimento (docente/pesquisador do depto de Letras – CAC – UFPE). 3971 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres – supondo que esses suportes textuais se utilizem de construções morfossintáticas bem particulares. Soma-se, ainda, a tentativa de auxiliar os professores de português no que diz respeito aos estudos morfológicos, oferecendo dados que podem ser usados em sala de aula. Com base no acima exposto e na certeza de que os textos dos blogues de maquiagem são de alto nível instrucional, levantamos a hipótese de que a recorrência de sufixos (1) formadores de verbos, (2) formadores de deverbais (nominalizações2) e (3) formador de advérbios de modo se sobressaem a outros tipos de sufixos. O primeiro tipo apareceria em função de motivação gramatical; o segundo, por motivação textual; e o terceiro, por motivação gramatical e semântica (cf. BASÍLIO, 2011, p. 23). O processo de formação de palavras por derivação sufixal Para Antunes (2012, p. 27), “o léxico de uma língua, numa definição mais geral, pode ser visto como o amplo repertório de palavras de uma língua, ou o conjunto de itens à disposição dos falantes para atender às suas necessidades de comunicação”. A autora ainda informa que não existiria língua se o léxico não existisse, pois “as palavras são a matéria-prima com que construímos nossas ações de linguagem”. Além dessa ajuda na interação verbal, os componentes do léxico, segundo a abordagem trazida por Batista (2011, p.32) sobre os conceitos da linguística descritiva3, é composto por “uma lista dos morfemas (elementos constituintes de uma palavra) de uma língua”. E, ainda conforme o autor, partindo da noção de exaustividade4 mental, esses morfemas servem para não sobrecarregar a memória com novas entradas linguísticas, utilizando-se, para estas, de regras de combinação e de permissões da língua. Basílio (2011, p. 7) confirma isso quando diz que, o léxico, enquanto um “sistema dinâmico, apresenta estruturas a serem utilizadas em sua expansão. Essas 2. Terminologia in: Basílio, 2011, p. 35. 3. Especificamente a que se desenvolveu nas décadas de 40 e 50 nos Estados Unidos. (vide Batista, 2011, p. 32). 4. Terminologia in: Batista, 2011, p. 32 3972 Richard Fernandes de Oliveira, Victoria Luiza Ramos da Silva, Beatriz Cristina de Almeida Sales estruturas [...] permitem a formação de novas unidades [...] e também a aquisição de palavras novas por parte de cada falante”. Ainda segundo Basílio (2011), é por meio do processo de formação de palavras que essa expansão é possível. Bechara (2009) afirma que são dois os principais processos de formação de palavras: a)composição: possui características que particularizam o(s) sentido(s) da palavra formada ou dão à ela fins lexicais a partir de uma estrutura sintática; consiste na união de uma base a outra base, não apresentando elementos fixos ou funções previamente determinadas. b) derivação: encarrega-se de formar palavras, por meio do acréscimo de afixos (prefixo, sufixo ou infixo), a partir de uma palavra primitiva, já derivada, composta ou presa, limitando (no caso dos afixos com carga semântica) ou não (no caso dos afixos semanticamente vazios) o(s) significado(s) de uma palavra. Acerca da produtividade desses processos na expansão lexical, pode-se afirmar que o mais produtivo é a derivação, pois, segundo Basílio (2003, p. 30), esse processo apresenta “expressão de noções comuns e gerais”, enquanto a composição “é um processo que vai permitir categorizações cada vez mais particulares”, logo, sendo mais restrito. Já quanto à produtividade dos processos de formação por derivação, Basílio (2003, p. 29) argumenta que “a produtividade dos processos derivacionais é diretamente relacionada ao teor de generalidade de sua função”. Assim sendo, podese concluir que a derivação pelo acréscimo de sufixo (derivação sufixal) é a mais produtiva, pois permite a formação de palavras com alto teor de generalidade, principalmente por meio de sufixos semanticamente neutros. Acrescenta-se que o fato de um processo de formação de palavras ser mais produtivo do que o outro não significa que os menos produtivos não tenham sua relevância na constituição do léxico e nas regras de funcionamento e expansão da língua. A produtividade desses processos também será variável de falante para falante e de contexto para contexto, além de que outros processos de formação têm apresentado expansão de uso e relevância. 3973 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Sobre isso, Antunes (2012, p. 28) escreve a seguinte reflexão: Tudo muda; tudo está em processo de definição e redefinição; até mesmo as concepções que temos das coisas. Consequentemente, a língua também é instável e variável, ajustando-se a cada contorno sociocognitivo dos contextos em que têm lugar as ações de linguagem que empreendemos.[...] Os tipos de motivações A derivação sufixal – seja ela produtiva ou não, geral ou não – é o processo de formação de palavras mais responsável pela troca de classe gramatical das palavras, e, com isso, tem o poder de mudar os sentidos não apenas no nível morfológico, mas também nos níveis sintático e pragmático da língua. É exatamente por essa capacidade semântica complexa que o uso da derivação sufixal para a troca de classe de palavra não se dá aleatoriamente. Sempre há algum tipo de motivação. Com base nisso, Basílio (2011, p. 23) descreve essas motivações afirmando que elas decorrem da bipolaridade funcional do léxico: fornecer elementos para a formação de estruturas enunciativas e designar coisas. Assim sendo, ela lista 2 (duas) principais motivações: 1. Motivação semântica: consiste em aproveitar os sentidos de uma palavra de uma classe em uma palavra de outra classe; 2. Motivação gramatical: usar palavras de uma classe em construções gramaticais que cobram palavras de outras; Ainda conforme Basílio (2011, p. 24), muitas vezes é impossível separar essas duas, pois ambas estão entrelaçadas. Num quadro mais complexo, a autora enumera mais duas motivações: a expressiva, realizada através da motivação semântica; e a sintática, realizada através da motivação gramatical: 3. Motivação expressiva: mudança de classe de palavra para indicar valor pejorativo, afetivo, apreciativo etc.; 4. Motivação textual: relacionada às necessidades que aparecem para a construção do texto, manifestando-se por meio da sintaxe. 3974 Richard Fernandes de Oliveira, Victoria Luiza Ramos da Silva, Beatriz Cristina de Almeida Sales Vale alertar que Basílio (2011, p. 24) afirma, enfaticamente, que essas motivações não são excludentes. No máximo, uma delas irá se sobressair às outras. “O que mais encontramos são situações em que um fator predomina sobre o outro, ou mudanças que podem ser encaradas tanto do ponto de vista gramatical, quanto do ponto de vista semântico”, explica a autora. Metodologia da pesquisa Para a realização desta pesquisa, foram utilizadas 59 (cinquenta e nove) postagens de 18 (dezoito) blogues de maquiagem diferentes, selecionados dentre os mais acessados atualmente, no Brasil, de acordo com o ranking estabelecido pelo site de busca Google. Foram analisadas aquelas restritas a recomendações/ resenhas de produtos, visto que esse conteúdo apresenta não apenas descrições, mas, igualmente, modos de usar, oferecendo uma grande variedade de enunciados que permitem a utilização de todos os tipos de sufixos. Nosso primeiro passo foi dividir os 18 (dezoito) blogues entre os pesquisadores membros do grupo da pesquisa, assim sendo, cada um ficou responsável por fazer uma análise quantitativa dos sufixos encontrados em 6 (seis) blogues. Após isso, ocupamo-nos, cada um, em analisar 20 (vinte) postagens, sendo estas selecionadas aleatoriamente no espaço de tempo entre 2010 e 2015, tendo como critério o fato de apresentar, cada uma, mais de 300 (trezentas) palavras no corpo do texto. Para melhor distribuição, foram selecionadas 3 (três) postagens dos 4 (quatro) primeiros blogues, de cada grupo de 6 (seis), e 4 (quatro) postagens dos 2 (dois) últimos blogues do mesmo grupo. A contagem foi feita através da ferramenta de busca do navegador de internet Google Chrome (atalho no teclado do computador: ctrl+f) não apenas usando as formas no masculino singular dos sufixos, mas, também, flexionando-os no feminino e plural, quando possível. Durante essa parte da análise, uma das postagens já selecionadas tornou-se indisponível antes de ser “printada”. Para que não houvesse manipulação do corpus já delimitado, decidimos não substituir a postagem inacessível, continuando, pois, a pesquisa com as 59 (cinquenta e nove) postagens restantes. 3975 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Após as contagens, fizemos o levantamento das palavras formadas por derivação sufixal, classificando-as conforme a categoria do sufixo5; no total, foram catalogadas 523 (quinhentas e vinte e três) palavras. Por último, foram selecionados os 6 (seis) sufixos de alta produtividade (com recorrência acima de 20 (vinte)), os 6 (seis) de média produtividades (com recorrências entre 10 (dez) e 20(vinte)) e os de baixíssima produtividade (com recorrências abaixo de 10 (dez)), comparando-os, percentualmente, entre si, grupo por grupo (exceto o último grupo, para os sufixos deste, foram listadas apenas as recorrências). Feita a etapa quantitativa descrita acima, partimos para a análise qualitativa dos dados: tentar entender, usando os conceitos apresentados por Basílio (2013) como fundamento, qual a relevância da classe de palavra que a palavra formada por derivação sufixal representa, buscando a(s) motivação(ões) que levou(aram) à troca da classe. Por último, tentamos buscar, após todas as apurações, a utilidade desta pesquisa para professores de língua portuguesa. Esse estudo seguiu a orientação dos objetivos (geral e específicos) já mencionados: encontrar os sufixos mais recorrentes no objeto discursivo analisado e a sua produtividade em percentual; especificamente, compreender as possíveis motivações que levaram às trocas de classes de palavras; e refletir sobre a utilidade dos resultados da pesquisa para o ensino de morfologia. Análise de dados Nossa hipótese era que fossem encontradas altas recorrências de sufixos formadores de verbos, nominalizadores e do sufixo formador de advérbios; contudo, ao fim do levantamento, não confirmamos essa hipótese por completo. Os resultados revelaram baixíssima produtividade dos sufixos formadores de verbos, a altíssima produtividade de um dos sufixos formadores de diminutivo (-inho), de um dos sufixos formadores de deverbais (-ção), de um dos sufixos formadores de adjetivos (-ado) e do sufixo formador de advérbios (-mente). 5. Sufixos formadores de aumentativos, diminutivos, substantivos, substantivos a partir de adjetivos, substantivos a partir de substantivos e adjetivos, substantivos e adjetivos a partir de substantivos e adjetivos, substantivos a partir de verbos, adjetivos a partir de substantivos, adjetivos a partir de verbos, verbos da primeira e segunda conjugações e o sufixo formador de advérbio. 3976 RICHARD FERNANDES DE OLIVEIRA, VICTORIA LUIZA RAMOS DA SILVA, BEATRIZ CRISTINA DE ALMEIDA SALES Todos os resultados encontrados resumem-se nos gráficos e na tabela apresentados a seguir. Os gráficos mostram os dados organizados da seguinte maneira: o eixo vertical corresponde à recorrência (quantidade de vezes que o sufixo aparece) e eixo horizontal à produtividade (percentagem quando comparado com os sufixos do mesmo grupo). A tabela apresenta os sufixos de baixíssima produtividade e a recorrência de cada um. Os resultados desse levantamento possuem uma margem de erro de 5% para mais ou para menos. Gráfico 1: Recorrência e Produtividade dos sufi xos de altíssima produtividade Gráfico 2: Recorrência e Produtividade dos sufi xos de média produtividade 3977 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Tabela 1: Recorrência dos sufixos de baixíssima produtividade Sufixo de Baixíssima Produtividade Recorrência -ão 3 -zinho 6 -ada (subst.) 3 -ado (subst.) 7 -aria 2 -eiro 3 -ia (subst.) 2 -ez 6 -ia (subst de adjt ) 2 -ista 2 -ança 2 -ença 1 -ência 3 -(a)(e)(i)nte (subst.) 7 -(d)(t)(s)ura 6 -ano 2 -ário/-eiro 5 -ento 3 -ico 6 -tico 4 -io/-(t)ivo 3 -(d)ouro/-(t)ório 2 -ear 4 -ejar 1 -entar 4 -icar 4 -ilhar 1 -itar 2 -izar 9 -ecer/-escer 1 3978 Richard Fernandes de Oliveira, Victoria Luiza Ramos da Silva, Beatriz Cristina de Almeida Sales Optamos por não calcular as percentagens dos sufixos de baixíssima produtividade, pois, como mostrado, são muitos sufixos. Estes apresentam pouca recorrência, o que resultaria em percentagens mínimas e confusas, além de que, seguindo a lógica da margem de erros, a maior parte deles estaria inserida nessa margem. O sufixo ‘-inho’ O sufixo mais produtivo no meio discursivo que analisamos foi o formador de diminutivo -inho, sendo o responsável por 26% da recorrência entre os 6 (seis) sufixos mais produtivos. Optamos por diferenciar as formas -inho e -zinho no nosso levantamento, pois fizemos a seleção dos sufixos a partir da lista de sufixos apresentada na gramática de língua portuguesa de Cunha; Cintra (1985), a qual distingue, sem considerações, essas formas. Além de que nos amparamos, para justificar a diferenciação, em uma das duas vertentes acerca da dualidade de estatuto desses sufixos, sobre as quais Basílio (2011) discorre: a de que essas formas são morfologicamente distintas. Num primeiro instante, Basílio (2011, p. 63) afirma que o -inho se alterna com o -zinho “quando a forma base termina em consoante, ditongo ou vogal acentuada”, em outras palavras, quando há entraves fonológicos, logo são sufixos complementares, alomorfes. A partir daí, ela informa que nem sempre essa alternância com base fonológica é válida, pois essas formas podem apresentar alternâncias tendo em vista a região em que ocorrem. Para tanto, ela afirma: [...]não se trata de uma restrição absoluta. No caso da ditongação, há pelo menos variações regionais, como em painho e mãinha; algumas formações terminadas em [r] também ocorrem com -inho, como colherinha e florinha; e formações em -zinho podem frequentemente alternar com formações em -inho, como em brinquedinho/brinquedozinho, Glorinha/gloriazinha, Liginha/Ligiazinha etc. (BASÍLIO, 2011, p. 63) Por fim, confirmando a dualidade teórica dessas duas formas, Basílio (2011, p. 63) afirma que “os sufixos -inho e -zinho também diferem pelo fato de que, enquanto -inho se integra totalmente à fonologia do elemento base, como qualquer 3979 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres outro sufixo, -zinho [...] mantém a linha geral da acentuação tônica da palavra base”. Acrescentando ainda que “a característica mais desconcertante das formações em -zinho é o fato de que a adição de -zinho não impede a flexão de gênero e número na palavra base”. Sendo assim, Basílio (2011, p. 64), arremata que temos, “na formação dos diminutivos, dois elementos formadores, -inho e -zinho, cuja ocorrência é parcialmente complementar, mas cujo estatuto morfológico é radicalmente diferente.” Já acerca das motivações, a mais recorrente no objeto analisado foi a motivação afetiva e outra com o objetivo de modalizar e dar uma característica “leve” ao texto, visto que o discurso que é criado em blogues de maquiagem é de cunho apreciativo e avaliativo, muitas vezes apresentando construções que representam carinho e afeto para com os objetos que são utilizados e/ou para com as características desses objetos. Isso é confirmado nos seguintes exemplos: Exemplo 1: “Até comentei nesse vídeo de comprinhas dos EUA que eu sempre quis ter várias dessas bolinhas coloridas na minha penteadeira[...]” (lipbalm) Disponível em: <http://bocarosablog.com/2015/04/eos-o-lip-balmqueridinho-dos-famosos.html> (Grifo nosso) Na primeira palavra sublinhada nesse exemplo, inferimos a motivação afetiva, pois a “blogueira” não se refere à dimensão das compras, mas ao prazer que se tem ao fazer compras. A mesma motivação se evidencia na segunda palavra sublinhada. A criadora do conteúdo da postagem não se refere apenas à dimensão do produto (que, de fato, é pequeno), mas ao carinho que ela tem por ele. Já abaixo, no exemplo 2, parece que a motivação principal que levou ao uso do sufixo -inho na palavra sublinhada é a de modalizar o discurso. Ao invés de usar o adjetivo “seca”, a “blogueira” optou pelo uso da palavra derivada no diminutivo, objetivando tornar o texto mais “leve” – concordando, assim, com outros enunciados que também são formados através do uso dos diminutivos, mantendo uma uniformidade textual. 3980 Richard Fernandes de Oliveira, Victoria Luiza Ramos da Silva, Beatriz Cristina de Almeida Sales Exemplo 2: “[a base] Fica bem sequinha na pele, mas ao mesmo tempo não deixa aquele efeito de múmia[...]” Disponível em: <http://prettypoison.com.br/resenha-base-liquida-efeito-matte-da-vult/> (Grifo nosso) Basílio não discorre sobre o uso do sufixo -inho para modalizar o discurso. Percebemos essa característica ao analisarmos os enunciados nos quais a palavra derivada no diminutivo aparecia, similarmente à análise do exemplo 2. Mas, mesmo com essa constatação a mais, o resultados para esse sufixo corroboram as afirmações de Basílio (2011, p.61) quanto aos usos do sufixo -inho: “Damos o nome de diminutivo ao grau que representa a dimensão menor do que o normal. O grau diminutivo é em geral definido em termos de diminuição concreta de tamanho, mas também apresenta abrangência maior, indicando diminuição avaliativa, ou depreciação”. Vale ressaltar, por fim, que esse sufixo não tem a função de mudar a classe da palavra, como os dois próximos que serão analisados, mas apenas de mudar o grau. O sufixo ‘-ção’ Em concordância com a hipótese, percebemos a grande quantidade de sufixos formadores de substantivos a partir de verbos. Dentre os sufixos responsáveis por essa mudança de classe, aponta-se o -ção com 20% da produtividade entre os 6 (seis) mais produtivos. Basílio (2011) explica o porquê desse evento. A autora afirma que o sufixo -ção é um dos mais produtivos da língua, o que se deve aos fatos de que: é semanticamente vazio; e o sufixo -izar, um dos mais produtivos sufixos verbais, exige o acréscimo do ‘-ção’ no processo de nominalização. Sobre as motivações, Basílio (2011, p. 34) diz que a formação de substantivos tem três motivações principais: a motivação semântica ou denotativa, que corresponde a utilizar o significado do verbo para denotar seres e entidades; a motivação gramatical, que corresponde à adaptação do verbo a contextos sintáticos que exigem um substantivo; e a motivação 3981 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres textual, de concretização sintática, que corresponde ao uso de um substantivo derivado do verbo para fazer referência a uma estrutura verbal anteriormente utilizada no texto. Dentre as motivações mencionadas para essa mudança de classe de palavra, a mais recorrente no corpus desta pesquisa foi a semântica, pois o sentido do verbo nominalizado precisava sempre ser mantido na maioria dos enunciados por nós analisados; em segundo lugar, verificamos a motivação gramatical. Percebem-se isso nos exemplos a seguir transcritos do corpus: Exemplo 3: “Apesar de ter uma proposta de acabamento seco, e de fato tem, isso não prejudica em nada a aplicação[...]” Disponível em: <http://www.julianagoes.com.br/post/base-liquida-efeito-matte-vult/486> (Grifo nosso) Exemplo 4: “Além disso, as sombras proporcionam alta cobertura, toque aveludado e longa duração.” Disponível em: <http://www.eumaquio.com/makeb-tropical-colors-o -boticario/> (Grifo nosso) No exemplo 3, confirma-se a motivação semântica e gramatical para o uso do sufixo. Isso porque a organização do enunciado necessitava de uma classe gramatical que não fosse o verbo e, para manter a ideia da ação “aplicar”, o sufixo -ção fez-se imperativo para a conversão da classe da palavra. O exemplo 4 também corrobora as motivações semânticas e gramaticais. Fez-se mais adequado o uso de substantivos deverbais com adjetivos qualificadores, ao invés de verbos, porque os verbos cognatos dos substantivos ‘cobertura’ e ‘toque’ (‘cobrir’ e ‘tocar’) não permitem a construção de metáforas equivalentes às possibilitadas pelos nomes. Além disso, os verbos, desta vez incluindo o nominalizado ‘durar’, exigiriam usos de advérbios modificadores não produtivos no português brasileiro contemporâneo. Isso, provavelmente, inviabilizaria a construção do sentido que se percebe que a autora do texto pretendia suscitar. 3982 Richard Fernandes de Oliveira, Victoria Luiza Ramos da Silva, Beatriz Cristina de Almeida Sales Em relação às razões da alta produtividade nesse espaço discursivo, nossa hipótese é que, por ser um corpus apenas de resenhas/indicações de produtos, as criadoras de conteúdo dos blogues recorreriam aos deverbais para modalizar a constante necessidade de expressão de ideias que indicassem ações e para facilitar o uso de adjetivos e/ou estruturas que indicassem apreciação. Essas exigências apresentam-se às “blogueiras”; estas, após testarem os produtos, precisam descrevê-los, mostrando os resultados que alcançaram, além de recomendarem e instruírem o uso. O sufixo ‘-mente’ No levantamento aqui apresentado, também percebemos a alta recorrência do sufixo formador de advérbios, sobretudo os de modo e de intensidade, o que, possivelmente, deve-se ao teor instrucional dos blogues de maquiagem, além da necessidade de apreciação – que, para esse caso, se dá por meio dos modificadores verbais. O sufixo responsável por essa recorrência (-mente) constitui 17% dos casos entre os 6 (seis) mais produtivos. Acerca desse sufixo e a mudança de classe de palavra que ele permite, Basílio (2011, p. 54) discorre: Ao contrário do que acontece nas outras classes, formamos advérbios apenas a partir de adjetivos; e não podemos formar palavras de nenhuma outra classe a partir de advérbios. Ou seja, os advérbios, uma vez derivados, não permitem derivações posteriores. Além disso, a formação de advérbios a partir de adjetivos se limita a advérbios que exercem a função de modificador do verbo e, eventualmente, de enunciados. Assim sendo, o advérbio é a classe de palavras mais limitada no que diz respeito ao processo de derivação. Quanto as suas motivações, Basílio (2011) destaca as principais: a motivação gramatical e a semântica. De acordo com a pesquisadora, observando pela ótica semântica, a formação de advérbios a partir do adjetivo está ligada ao aproveitamento denotativo, ou seja, ao sentido atribuído ao adjetivo em uma determinada sentença. Já seguindo por vias gramaticais, a formação do advérbio é para satisfazer a necessidade de uma nova classe de palavra do lugar do adjetivo. 3983 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Levamos em consideração não apenas as limitações de derivação, mas, ainda, que os advérbios apresentam mais de uma função (modo, tempo, negação, intensidade, dúvida, afirmação, etc.) e entraves fonológicos no processo derivacional, por causa disso, a análise morfológica da formação dessa classe de palavra por acréscimo de sufixo é problemática. Basílio (2011) elenca todas as dificuldades no estudo dessa classe. Mesmo com essas dissonâncias, nosso levantamento destacou os advérbios de modo como os mais recorrentes e produtivos: ‘levemente’, ‘claramente’, ‘automaticamente’, ‘detalhadamente’, ‘facilmente’, ‘gentilmente’ etc (exemplos transcritos do corpus). As motivações semânticas e gramaticais se destacaram igualmente na nossa pesquisa, confirmando o que Basílio (2013) afirma: “a impossibilidade de adjetivação direta da forma verbal é um fato sintático”, ocorrendo por meio de uma troca gramatical e tendo como ponto de partida uma motivação expressiva (o adjetivo base), que se revela por um fator semântico. Abaixo seguem os exemplos que sustentam esse resultado: Exemplos 5: “este produto,[...], proporciona uma esfoliação suave que rapidamente uniformiza a tonalidade...” (Pigmentclar Serum) “A partir de 8 semanas, as diferenças de tonalidade diminuem significativamente.” Disponível em: <http://andrezagoulart.com.br/blog/2014/08/13/pigmentclar-serum-e-pigmentclar-olhos-la-roche-posay/> (Grifo nosso) Exemplo 6: “Ela não é a prova d’água e sai facilmente com demaquilante.” Disponível em: <http://www.sacolando.com.br/2014/10/make-b-mascara-efeito-cilios-posticos-o.html> (Grifo nosso) Considerações finais Os resultados desta pesquisa revelam que o discurso feminino nos blogues de maquiagem consultados é altamente afetivo, isso pode ser explicado pela alta 3984 Richard Fernandes de Oliveira, Victoria Luiza Ramos da Silva, Beatriz Cristina de Almeida Sales recorrência do sufixo -inho, formador de diminutivos, com motivações afetivas. Também é altamente instrutivo, visto a elevadíssima recorrência de nominalizações, sobretudo de verbos de ação, o que foi confirma parcialmente nossa hipótese. Tem seu grau instrucional reiterado pela grande produtividade dos sufixos formadores de advérbios, sobretudo aqueles com funções de modo e intensidade, o que também confirma nossa hipótese. E, por último, mas igualmente importante, é um discurso que apresenta grandes quantidades de qualificadores/modificadores, com funções descritivas e, em segunda instância, apreciativas. O sufixo responsável por essa última observação é o formador de adjetivo a partir de substantivo (-ado, 21%), cuja discussão não trouxemos para o corpo deste trabalho, pois, além de ser um sufixo com poucas e discordantes abordagens teóricas específicas, demandaria um estudo histórico-comparativo com resultados e considerações que servem de material para outro artigo. Assim sendo, preocupamo-nos em abordar apenas os sufixos (-inho), (-ção) e (-mente), já discutidos. A partir dos dados apresentados e com base nos autores que foram consultados, concluímos também que o estudo do processo de formação de palavras por derivação sufixal é altamente relevante e o seu estudo em sala de aula no ensino básico é indispensável. Acrescenta-se que é por meio do conhecimento dessa área da morfologia, que o aluno pode ter contato com os mais diversos espaços discursivos, compreendendo os porquês de certas especificidades de organização dos enunciados, além das motivações e das intenções que lhes estão subjacentes. Este estudo, portanto, não se restringe apenas ao levantamento de dados e à tentativa de explicação das motivações da produtividade de sufixos, mas, ainda, pode ser um suporte para reflexões de professores que a este tiverem acesso para o ensino de morfologia, servindo de base para a transposição didática do tema aqui abordado. Referências ANTUNES, Irandé. O território das palavras: estudo do léxico em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 27-49. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 3985 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres BASÍLIO, Margarida. Formação e classes de palavras no português do Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2011. ______. Teoria lexical. 7. ed. 6. impressão. São Paulo: Editora Ática, 2003.p.26-29. BATISTA, Ronaldo de Oliveira. A palavra e a sentença: estudo introdutório. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 31-35. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev., ampl. e atual. conforme o novo Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.p. 351-365;391-396. BLOGUEIRAS contam como ganhar dinheiro com moda e beleza. In: sites.uai.com. br/encontrobh. Disponível em: <http://sites.uai.com.br/app/noticia/encontrobh/ atualidades/2015/07/28/noticia_atualidades,154373/blogueiras-contam-como-ganhardinheiro-com-moda-e-beleza.shtml> Acesso em 28 jul. 2015. SILVA, José Maria da; SILVEIRA, Emerson Sena da. Apresentação de trabalhos acadêmicos: normas e técnicas. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. Referências do corpus GIMENES, Lu. Make B. Máscara Efeito Cílios Postiços - O Boticário; [RESENHA] Artist Pallete Buquê - Contém 1g; Pó Compacto BB & CC & DD FPS 54 Anna Pegova. In: Sacolando. Disponível em <http://www.sacolando.com.br/>. Acesso em 21 jun. 2015. CABRAL, Camilla. Máscara Maximum Definition da Essence; Paleta Love Sweet Love – Too Faced; Produtos Alice Salazar. In: Vício Feminino. Disponível em <http://www. viciofeminino.com/>. Acesso em 21 jun. 2015. GOULART, Andreza. Paleta/Quarteto Fique Diva - Coleção Andreza Goulart - Tracta Blogs; Pigmentclar Serum e Pigmentclar Olhos - La Roche-Posay; Active Cio - La Roche-Posay #EuTestei; GlamboxScarf-Me e GE #Resenha #Amei. In: Andreza Goulart. Disponível em <http://andrezagoulart.com.br/blog/>. Acesso em 21 jun. 2015. ANDRADE, Bianca. EOS – o lip balm queridinho dos famosos!; Iluminador baratinho – Toque de Natureza; Resenha: Pincéis The Beauty Box. In: Boca Rosa. Disponível em <http://bocarosablog.com/>. Acesso em 21 jun. 2015. FERNANDES, Eduarda. Resenha Base líquida efeito matte da Vult!; Resenha Linha Total Defense da Lokenzzi: Linha Nutri-Reparadora BBB!; Nutrição em Dobro: Óleo de Macadâmia e Argan Em Um Só Produto!. In: PrettyPoison. Disponível em <http:// prettypoison.com.br/>. Acesso em 21 jun. 2015. CAMARGO, Lia. Máscara pro Cabelo Crescer mais Rápido, Perfume Valentina e Sérum pra Reduzir Poros Dilatados; Escovinha de Massagem Facial; Nutrição Testando Epidrat, EpisolSec e Blancy; Jovem pra Sempre com SkinCeuticals. In: Just Lia. Disponível em <http://www.justlia.com.br/>. Acesso em 21 jun. 2015. FERRAES, Luciane. Resenha: Makeup Remover Pen, E.L.F.; Os Batons da May; Os Batons da May. In: Luciane Ferraes. Disponível em <http://www.lucianeferraes.com. br/>. Acesso em 21 jun. 2015. 3986 Richard Fernandes de Oliveira, Victoria Luiza Ramos da Silva, Beatriz Cristina de Almeida Sales COELHO, Camila. Os meus queridinhos da Natura Una; #Meuspectraban é Base, Protetor... e Eu Amei!; Lançamento Natura Una: Sextetos e Delineadores em Caneta!. In: Camila Coelho. Disponível em <http://www.camilacoelho.com/>. Acesso em 21 jun. 2015. MEDINA, Ane. Coleção MakeB. Tropical Colors - O Boticário; Meu Top 6 Produtos Queridinhos; M.A.C. Lança 27 Cores de Lápis para a Linha Technakol Liner; Tô por Dentro: CLG Delineador Líquido. In: Eu Maquio. Disponível em <http://www.eumaquio. com/>. Acesso em 21 jun. 2015. CRETELLA, Ariadne. Testei | BB Creme 9 em 1 da Quem Disse, Berenice?; {Testei} Pro Longwear Concealer - MAC; Testei | Corretivo Instant Age Rewing - Maybelline. In: Tudo Make. Disponível em <http://www.tudomake.com>. Acesso em 21 jun. 2015. GOES, Juliana. Natura Una Base Mousse Efeito Pó; Base Líquida Efeito Matte Vult; Base Efeito Natural C1G. In: Juliana Goes. Disponível em <http://www.julianagoes.com. br>. Acesso em 21 jun. 2015 TAVARES, Bruna. Batom I’m Royalty do Jeffree Star; Máscara de Cílios Full Exposure da Smashbox; Resenha: Sad Girl da Anastasia Beverly Hills; Delineador Eclipse Make B de O Boticário. In: Pausa Para Feminices. Disponível em <http://www. pausaparafeminices.com>. Acesso em 21 jun. 2015. MARTINEZ, Raquel. BB Cream da Maybelline; Primer Facial Pré Make Incolor - Impala; Lápis de sobrancelha - Quem Disse, Berenice?. In: Raquel Make. Disponível em <http://www. raquellmake.com>. Acesso em 21 jun. 2015. REIS, Vitória. Resenha Blush Taupe | NYX; Batons Caneta Soft Brown e Deep Rose | Yes! Cosmetics; Resenha Batons Matte | Yes! Cosmetics. In: Maquiagem de Bonita. Disponível em <http://www.maquiagemdebonita.com>. Acesso em 21 jun. 2015. FILGUEIRA, Renata. Fast Review: Pincel para Sombra W901 – Macrilan; Testei: Demaquilante Bifásico Roseta - Quem Disse, Berenice?; Resenha: Pó Peache Sake Silky Finish Powder - SkinFood | Flash Makeup; Testei: Blush na cor 1 - Intense | O Boticário. In: Maquiagem na Gaveta. Disponível em <http://www.maquiagemnagaveta. com>. Acesso em 21 jun. 2015. ARRUDA, Glau. Wella SP Luxe Oil; Lançamentos Yes Cosmetics. In: Glau Arruda Maquiagem e Consultoria. Disponível em <http://www.glaumaquiagem.com.br/>. Acesso em 21 jun. 2015. VITÓRIA, Ticiane. Primer Facial e Duo Perfect para Sobrancelhas - Contém1g; Cutículas Decoradas; Dica - Máscara Ultra Fantástica da Natura. In: Maquiagem. Disponível em <http://maquiagem.blog.br/>. Acesso em 21 jun. 2015. LOPES, Thaiane. Testei – Duo de Sobrancelha da Anastásia Bervely Hills; A Sombra Preta mais Top de Todas!; Testei – Sonofocus Lipo Sem Cirurgia; Saiba Como Economizar ao Comprar Pigmentos da MAC. In: Thaiane Lopes. Disponível em <http:// thaianelopes.com/>. Acesso em 21 jun. 2015. 3987 RESUMO Considerando o fato de que, historicamente, o fenômeno linguístico conhecido por gíria tem sido alvo de estigmas e preconceitos, sobretudo, a nosso ver, por causa da posição que muitas gramáticas tradicionais adotam quando abordam o tema, o foco deste estudo são as gírias que emergem em ambientes discursivos do grupo LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Como objetivos, tivemos: (i) analisar os processos de formação de dez expressões que são consideradas gírias, atualmente recorrentes nos ambientes discursivos LGBTT. Estas gírias foram selecionadas por meio de uma enquete, aplicada, na cidade do Recife, a duzentas pessoas, que, anonimamente, se autodeclararam heterossexuais, a quem foi pedido que, de um conjunto de vinte e cinco gírias, aleatoriamente escolhidas, indicassem aquelas que são usadas cotidianamente por elas mesmas. Selecionamos as dez mais citadas pelos voluntários da pesquisa; (ii) refletir sobre as possíveis motivações que justifiquem a ocorrência dessas gírias nos ambientes hétero-discursivos, fato altamente verificável em grande parte das metrópoles brasileiras; além disso, (iii) verificar a abordagem do tema gírias nas gramáticas escolares de Cereja e Magalhães (2008; 2012) e Cipro Neto e Infante (2008). A pesquisa teve, como base teórica, estudos de Alves (1994), Alves (2012), Batista (2011), Bechara (2009) e Monteiro (2002). Os resultados das análises das gírias nos levaram às hipóteses de que suas ocorrências em ambientes hétero-discursivos podem estar ligadas: à ressignificação dessas gírias; à atual acessibilidade de heterossexuais a essas expressões; ao tom depreciativo que algumas dessas gírias assumem nestes ambientes; bem como à questão da identidade cultural, postulada por Hall (2006). Quanto às gramáticas analisadas, verificamos que estas apresentam uma abordagem superficial e incompleta do tema, o que, a nosso ver, pode ajudar a consolidar o preconceito linguístico e cultural. Palavras-chave: Gírias, LGBTT, Preconceito linguístico, Ensino. ÁREA TEMÁTICA - Morfologia e ensino CULTURA E EXPRESSÃO LGBTT: ANÁLISE DAS GÍRIAS EM AMBIENTES HÉTERO-DISCURSIVOS1 André Luis de Lima Xavier (UFPE) Monallysa Maria da Silva Nascimento (UFPE) Raphael Fernando Santos de Assis (UFPE) Introdução O movimento LGBTT, no Brasil, vem ganhando força com o passar dos anos, e, hoje, vemos claramente o quão disseminada é a cultura gay em nosso país. Mas essa liberdade de expressão não é antiga; foi depois de muita luta e reivindicações que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais do movimento conseguiram a sua atual posição social, buscando uma maneira de exigir respeito às diversidades e de se expressar intelecto-culturalmente (ALVES, 2012, p. 13). Nas décadas de 60 e 70, por exemplo, eram muito frequentes repressões intensas contra essa camada da sociedade, sobretudo contra as travestis ou transexuais. Para estas, a expressão ou identidade de gênero era difícil mediante o forte preconceito social e a censura quase onipresente da Ditadura Militar. Tornou-se necessário, portanto, que se encontrassem formas mais discretas de comunicação, que atendessem delimitada e especificamente a esse grupo social em suas práticas sociodiscursivas, a fim de se evitarem repressões. Surgiam, então, as gírias LGBTT. Estas, originalmente, abarcavam uma série de palavras de ori- 1. Trabalho orientado pela Professora Doutora Gláucia Renata Pereira do Nascimento (Docente/pesquisador do Depto de Letras – CAC – UFPE) 3989 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres gem africana, mais precisamente do Iorubá (LAU, 2015, p. 94), justamente para cumprir com sua função social de restrição discursiva, já que o conhecimento de uma língua afro, por parte de pessoas de fora do grupo, era praticamente impossível2, tornando facilitada a codificação da linguagem em ambientes específicos. Nesse contexto, é válido considerar, e fácil de provar, que o léxico, de todos os elementos constituintes dos diferentes âmbitos da língua, é o que mais sobre alterações no decorrer da história, ampliando-se em virtude das necessidades dos falantes. O léxico é o componente da língua que mais facilmente retrata as mudanças e variações linguísticas, visto que, por ter como função nomear e designar fatos, processos, objetos, pessoas, etc., reflete necessariamente as transformações sociais [...] (sic). (BARROS, BEZERRA e MAIOR, s/d) As gírias, nessa perspectiva, são uma fonte de expansão do léxico de uma língua, já que, por serem, também, itens lexicais, que emergem na língua através do fenômeno da ‘neologia’, ampliam o léxico e enriquecem o idioma (C.f. BARROS, BEZERRA e MAIOR, s/d). No entanto não é assim que, pelo menos durante muito tempo, esse fenômeno linguístico foi visto e abordado pela gramática normativa, que, muitas vezes, o estigmatizou e o deixou de lado. A Sociolinguística, nesse ponto, teve vital importância para que esta visão fosse mudada, e para que as gírias passassem a ser vistas como um fenômeno linguístico legítimo, dotado de propósito e função social, cujo estudo fosse considerado relevante para a ciência. Esperou-se, portanto, que o preconceito linguístico, que, como sabemos, está intrinsecamente ligado ao social, proveniente do estigma que atingia o fenômeno gíria, fosse reduzido. Isso porque, quando são estigmatizadas ocorrências linguísticas emergentes em um grupo social específico, este tende a ser estigmatizado, caso ainda não o seja. No que tange ao público LGBTT, isso fica mais claro, já que, como sabemos, este tem sido alvo de preconceitos e de discriminação no decorrer da história. 2. O mesmo não poderia, talvez, ser dito acerca dos dias atuais, em que o advento da internet e dos meios de comunicação em massa tornou muito mais facilitada a disseminação de informações, de forma até mesmo mais clara, rápida e objetiva. Como, para aquela época, esse conhecimento, de fato, era ínfimo, o propósito de abarcar expressões de línguas africanas foi bem sucedido. 3990 André Luis de Lima Xavier, Monallysa Maria da Silva Nascimento, Raphael Fernando Santos de Assis Muitos desses preconceitos e dessa discriminação têm origem exatamente em certos usos que esse grupo faz da linguagem. No entanto, mesmo que, hoje, essa camada social ainda seja alvo de discriminação, no Brasil, a busca por igualdade e por respeito avançou muito, de modo que já há uma maior tolerância, demonstrada por parte significativa da sociedade, em contraste ao que se via no passado. Conseguimos perceber, então, de forma nítida, essa “imersão” do grupo nos diferentes espaços sociais atualmente, sobretudo no que se diz respeito às gírias. Estas já são muito frequentes em certos ambientes discursivos em que estão predominantemente presentes heterossexuais – os quais chamaremos, neste estudo, de ambientes hétero-discursivos. Com base no acima exposto, temos, como objetivo principal deste estudo, levantar hipóteses das possíveis motivações de ocorrências das gírias LGBTT em ambientes hétero-dicursivos. Para tanto, realizamos uma enquete, na cidade do Recife, a duzentas pessoas, que, de forma anônima, se autodeclararam heterossexuais, a fim de saber quais são as dez expressões LGBTT, de um total de vinte (aleatoriamente escolhidas), mais utilizadas por elas. Com os resultados dessa enquete, o corpus do nosso estudo: as dez gírias que, de acordo com nossa pesquisa, são as mais utilizadas por pessoas heterossexuais em seus ambientes discursivos. Procedemos a uma análise morfossintática destas gírias para averiguar os seus respectivos processos de formação e, para isso, tomamos, como base, as leituras de Alves (1994), sobre os fenômenos neológicos; Batista (2011), sobre aspectos sintáticos da estrutura de algumas expressões; Bechara (2008) e Monteiro (2002) sobre processos de formação, segundo a morfologia estruturalista. Na tentativa de levantar as hipóteses de ocorrência das gírias LGBTT em ambientes hétero-discursivos, no entanto, não pudemos nos ater apenas a estudos estritamente linguísticos, já que o fenômeno ‘gíria’ é aqui tomado como um fenômeno social que deve ser estudado, considerando-se aspectos que podem contribuir para o combate ao estigma que sofre. Valemo-nos, por isso, também de estudos na área da Sociologia e da Sociolinguística. Por isso, tivemos, como fundamentação teórica complementar, além de Hall (2006), com a teoria da ‘identidade cultural’, os estudos de Alves (2012), Lau (2015) e Melo (2010), no que tange à cultura e expressão linguística LGBTT na sociedade brasileira. Finalmente, acreditamos que o tema ‘gírias’ ainda é visto – quando o é – de forma superficial pela gramática normativa, e consideramos que isso pode aju- 3991 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres dar a propagar o preconceito sobre esse fenômeno, bem como sobre os grupos sociais que fazem uso dele. Então, considerando a necessidade de esse tema ser tratado, de forma clara e objetiva, nas escolas de Ensino Básico, e com base na ideia do círculo vicioso do preconceito linguístico (C.f. BAGNO, 2012), temos, como objetivo secundário deste trabalho, fazer uma análise descritiva de duas gramáticas escolares, a fim de averiguar como estas trabalham com esse fenômeno linguístico. Foram elas: Gramática da Língua Portuguesa (CIPRO NETO; INFANTE, 2008) e Gramática: texto, reflexão e uso (CEREJA; MAGALHÃES, 2008; 2012). O propósito dessa análise foi fazer com que tivéssemos acesso à realidade de muitos estudantes no tocante ao ensino de ‘gírias’, para que pudéssemos refletir sobre uma possível abordagem didática do tema. Por fim, pensamos que o aluno de Ensino Básico precisa conhecer, de forma científica e democrática, livre de preconceitos e estigmas, o fenômeno linguístico ‘gírias’; reconhecendo, sobretudo, a importância sociocultural que este possui. Além disso, acreditamos ser papel do professor de português fazer com que esse conhecimento não seja sonegado ou, até mesmo, influenciado por tendências preconceituosas que possam diminuir a cientificidade do ensino de língua materna. Com base nisso, a proposta da temática das gírias LGBTT, até mesmo como forma de elucidar o conteúdo visto em sala de aula, a nosso ver, seria oportuna para tentar cumprir com o papel de amenizar o preconceito sociolinguístico, o qual, no caso destas gírias, se reflete numa mazela que, apesar de diminuída, ainda é lamentavelmente verificada no nosso país: a homofobia. Breve história da cultura LGBTT e do Bajubá No período de colonização do Brasil, com a escravocracia, o que tínhamos era uma forte repressão à cultura negra, que precisava ser camuflada e escondida pelos negros. Isso porque estes não tinham direito de se expressar intelectoculturalmente, tampouco de praticar atividades e rituais religiosos que estavam habituados a praticar em sua terra natal. Por isso, os escravos, como forma de tentar fazer com que suas origens sobrevivessem, sobretudo a religião, passaram a tomar sua língua, praticamente desconhecida pela cultura branca do Brasil colônia, como meio de externar, de forma codificada, suas atividades culturais, sem que fossem reconhecidas pelas pessoas brancas da época. 3992 André Luis de Lima Xavier, Monallysa Maria da Silva Nascimento, Raphael Fernando Santos de Assis Junto à mão-de-obra importada à força, veio um complexo sistema ideológico-mítico-religioso de ver e de estar no mundo. A filosofia de vida do africano, que cruzara o vasto Atlântico, procurou, no novo mundo, sob a fúria dos açoites, um modo de resistir, de subsistir, de adaptar-se, de permanecer. (sic) (ALMEIDA, 2006, p. 05) Similarmente aos escravos africanos, o grupo LGBTT foi vítima, não só de estigmas e preconceitos, mas de repressões violentas no decorrer da história da humanidade, inclusive na do Brasil. Com a expansão da ideologia branco-cristã que a Igreja Católica buscou propagar, disseminar e impor em praticamente todo o Ocidente durante a Idade Média e parte da Idade Moderna, a homossexualidade, antes vista, por algumas culturas, como algo natural e inerente à espécie humana (Grécia Antiga), passou a representar um pecado diante das leis divinas que eram defendidas. Na Alemanha nazista, por exemplo, mais de trezentos mil homossexuais foram presos nos campos de concentração apenas por sua condição sexual, mesmo já havendo, naquela época, estudos, como o do psicólogo Evelyn Hooker, cujas teses comprovavam a inexistência de uma relação entre homossexualidade e psicopatologia (ALVES, 2012, p. 14-19). O “Movimento Gay”, ou Movimento Homossexual, que abarcava pessoas que pertenciam ao grupo LGBTT, nesse cenário, passou a ter importância no combate às repressões e na luta que se travava contra o preconceito e com os falsos ideais propagados pela cultura opressora mundial. Foi esse grupo de protestantes, por exemplo, que, em 28 de junho de 1969, em Nova Iorque, iniciou dias de protestos e batalhas contra as forças policiais contrárias aos homossexuais. Essa data ficou conhecida mundialmente como o Dia Internacional do Orgulho Gay. Três são os objetivos básicos do Movimento Homossexual Brasileiro: lutar contra todas as expressões de homofobia (intolerância à homossexualidade); divulgar informações corretas e positivas a respeito da homossexualidade; conscientizar gays, lésbicas, travestis e transexuais da importância de se organizarem para defender seus direitos de cidadania e políticos. (ALVES, 2012, p. 17) No Brasil, mesmo com alguns avanços acontecendo no panorama mundial, com a Ditadura Militar, lésbicas; gays; bissexuais; travestis e transexuais passaram a ser perseguidos pela cultura preconceituosa e impositiva do Regime, 3993 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres sobretudo estes dois últimos. Foi, então, que esse grupo social precisou encontrar formas codificadas, que até então não fossem conhecidas ou reconhecidas por pessoas de fora do grupo, para conseguir expressar e manter sua cultura. Assim, como o Candomblé, naquela época, era uma das poucas religiões que aceitavam os homossexuais, estes passaram a adotar, em sua comunicação, palavras provenientes de uma das línguas africanas utilizadas em rituais religiosos, o Iorubá, língua materna de cerca de 100 mil habitantes do Sul da Nigéria. Surgia, então, o que hoje conhecemos como Bajubá, ou Pajubá, a linguagem utilizada por pessoas do grupo LGBTT (C.f. LAU, 2015). Essa apropriação vocabular deu identidade ao grupo que a utilizava, protegendo-o contra repressões externas e caracterizando o fenômeno ‘gíria’, já que as ocorrências linguísticas se davam apenas no contexto discursivo LGBTT. É importante salientar que, hoje, mesmo que haja expressões portuguesas em muitas das gírias que compõem o vocabulário gay, ainda consideramos como Bajubá o dialeto utilizado por esse grupo como forma de comunicação. Hoje, já há, inclusive, autores que tentam abarcar essas gírias para estudos linguísticos, como é o caso de Ângelo Vip e Fred Lib, autores de Aurélia: a dicionária da língua afiada, um livro em formato de ‘dicionário’ que inclui termos e expressões LGBTT, a fim de se elucidarem os significados destes nos seus respectivos contextos de uso. Metodologia e análise dos dados Para construir o corpus da nossa pesquisa, realizamos uma enquete, na cidade do Recife, no mês de agosto de 2015, com duzentas pessoas que se autodeclararam heterossexuais, a fim de saber quais eram as dez gírias LGBTT, de um conjunto total de vinte contempladas aleatoriamente pela enquete, que mais eram frequentes em ambientes discursivos dos quais essas pessoas heterossexuais fazem parte. Na pesquisa, as perguntas foram criteriosamente elaboradas para que se mantivesse anônima a identidade dos voluntários. Estes foram questionados sobre sua sexualidade3; sobre seu conhecimento acerca do Bajubá; 3. Como o objetivo principal do nosso estudo foi refletir sobre as motivações que justificam a apropriação vocabular de gírias LGBTT por parte de pessoas heterossexuais, não seria relevante considerarmos enquetes 3994 André Luis de Lima Xavier, Monallysa Maria da Silva Nascimento, Raphael Fernando Santos de Assis sobre sua possível convivência com pessoas do grupo LGBTT; sobre seu possível uso de expressões consideradas gírias LGBTT; sobre os ambientes discursivos com os quais entraram em contato com essas gírias; e sobre seu conhecimento de outras expressões que não estavam sendo contempladas pela enquete, conforme mostram as figuras a seguir: Figura 01: Primeira, segunda e terceira perguntas que fazem parte da enquete Figura 02: Quarta pergunta que faz parte da enquete. Nela, foi pedido que os voluntários marcassem uma ou mais expressões que são ou que já foram usadas por eles respondidas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais. Com isso, justificamos a questão um da enquete. 3995 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Figura 03: Quinta e sexta perguntas que fazem parte da enquete. Com a quinta, objetivamos ter conhecimento acerca dos ambientes discursivos com os quais os heterossexuais voluntários da pesquisa tiveram contato com as expressões que acima assinalaram As dez gírias mais assinaladas pelos voluntários da pesquisa, dentre as que fazem parte da questão quatro da enquete, foram: ‘fechar’ (71%); ‘arrasar’ (69%); ‘abalar’ (66%); ‘bicha’ (65%); ‘pegação’ (63%); ‘boy magia’ (60%); ‘uó’ (58%); ‘veado’ (54%); ‘abafar’ (54%); ‘tô morta’ (52%), conforme ilustra o gráfico a seguir: Gráfico 01: Resultados da enquete É importante salientar que a maior parte dos voluntários marcou, na questão quatro, “Amigos” e “Internet, redes sociais e etc.”, o que servirá de apoio para o levantamento de algumas das hipóteses de apropriação vocabular feitas ao longo deste estudo. Além disso, poucos foram os voluntários que responderam positivamente à questão seis, tornando irrelevante a análise das gírias que estes deram de exemplo como resposta. 3996 André Luis de Lima Xavier, Monallysa Maria da Silva Nascimento, Raphael Fernando Santos de Assis Como já foi dito, analisamos morfossintaticamente apenas as dez expressões mais assinaladas pelos voluntários da pesquisa (Gráfico 01), e foram essas gírias que motivaram nossas reflexões acerca das possíveis hipóteses que justifiquem o uso delas por heterossexuais em ambientes discursivos dos quais estes fazem frequentemente parte. Análise morfossintática das gírias LGBTT Primeiramente, é necessário que pontuemos o valor que o fenômeno da ‘neologia’ tem sobre as gírias, já que podemos dizer que todas elas são, no momento de sua formação como tal, neologismos, mesmo quando não há a criação de um vocábulo novo. A palavra ‘irado’, por exemplo, tinha, como significado, ‘aquele dotado de ira’; porém, com a apropriação dessa palavra por grupos jovens, houve a criação de um novo sema, o qual fez com que a palavra passasse a significar, como gíria, ‘aquilo que é muito bom, ótimo, maravilhoso’. Tivemos, então, uma palavra nova, um neologismo, não caracterizado por uma nova estrutura morfológica na língua, mas sim por um novo significado atribuído a uma estrutura já existente. Esse fenômeno é visto e nomeado de formas diferentes por diversos autores da área da Linguística, e, neste estudo, adotaremos o que diz Alves (1994): Muitos neologismos são criados na língua portuguesa sem que se opere nenhuma mudança formal em unidades léxicas já existentes. Qualquer transformação semântica manifestada num item lexical ocasiona a criação de um novo elemento. Trata-se, nesses casos, do neologismo semântico ou conceptual. (ALVES, 1994, p. 62, grifo nosso) Chamaremos, então, de ‘neologismo semântico’ as gírias que se formaram pela alteração do significado de uma estrutura já existente na nossa língua. Passemos à análise das expressões: 1- Arrasar, abalar e fechar são sinônimos que significam, como gírias LGBTT, ‘brilhar’, ‘fazer um ótimo papel’. Essas palavras são formadas por sufixação verbal de 1ª conjugação (-ar), considerada, na Língua Portuguesa, a mais produtiva (C.f. MONTEIRO, 2002). É nítido como não 3997 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres houve a criação de novos vocábulos, o que faz com que as classifiquemos como neologismos semânticos – arrasar, originalmente, tem, como um de seus significados, ‘depreciar’, ‘destruir’, ‘demolir’; abalar, ‘fazer abalo estrutural ou emocional’; fechar, ‘tornar fechado o que está aberto’. Nenhuma delas, no entanto, se encontra no Dicionário do Aurélio Online com o significado que o grupo LGBTT passou a utilizar. 2- Abafar também é um neologismo semântico que possui, no contexto discursivo LGBTT, a conotação de ‘omitir’, ‘camuflar’, ‘esquecer’, como na expressão ‘Abafa o caso!’. Originalmente, essa palavra tem o significado de ‘tornar abafado’, e a significação adotada pelo grupo LGBTT, ao utilizá-la como gíria, também não foi encontrada no Dicionário do Aurélio Online. 3- Pegação é uma palavra que não consta em dicionários online, como o Dicionário do Aurélio Online e o Michaelis, nem no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), o que nos faz perceber que ela é um elemento mórfico novo na língua. Por isso, nós a consideramos um neologismo formado por derivação sufixal (C.f. ALVES, 1994), em que o sufixo –ção, formador de substantivos acionais, se junta ao radical pega, cujo sema, no contexto LGBTT, conota o ato de ter relações afetivas, diferentemente do significado original desse radical: ‘agarrar’, ‘segurar’. O radical, então, passa a ser, por si só, um caso de neologismo semântico. 4- Bicha, de todas as expressões analisadas, é a mais disseminada fora do contexto LGBTT, com o mesmo significado empregado pelo grupo: ‘homossexual masculino’. Estruturalmente, temos a formação do feminino do substantivo ‘bicho’, com a desinência –a. Dentre os significados encontrados nos dicionários, encontramos o utilizado pelo grupo LGBTT. 5- Tô morta é uma expressão que reconhecemos como neologismo sintático formado por composição sintagmática, no qual temos: (i) um sintagma verbal de ligação, tô; (ii) um sintagma adjetival, morta. Como explica Alves (1994): 3998 André Luis de Lima Xavier, Monallysa Maria da Silva Nascimento, Raphael Fernando Santos de Assis Processa-se a composição sintagmática quando os membros integrantes de um segmento frasal encontram-se numa íntima relação sintática, tanto morfológica quanto semanticamente, de forma a constituírem uma única unidade léxica. (ALVES, 1994, p. 50) 6- Uó é uma gíria LGBTT que, segundo os postulados de Alves (1994), pode ser considerada como neologismo onomatopeico. Isso porque a expressão inicialmente foi formada pela junção do termo ‘o ó’, na expressão ‘o ó do penacho’, de acordo com o Dicionário Informal. No contexto LGBTT de uso, ela significa ‘algo ruim’. 7- Veado é um substantivo comum que também sofreu ressignificação em ambientes LGBTT, passando a significar ‘homossexual masculino’ – mais utilizado como pronome de tratamento entre os homossexuais –, e que, portanto, constitui outro caso de neologia semântica. Quando empregado em ambientes hétero-discursivos, e quando associado ao sufixo diminutivo ou aumentativo (vead-inho; vead-ão), muitas vezes, pode apresentar valor depreciativo, uma forma de afronta que alguns preconceituosos utilizam. 8- Boy magia também constitui um caso de neologia sintática. Nessa expressão, há a junção de um empréstimo linguístico do inglês, boy, com um substantivo abstrato, magia, o qual, nesse contexto, tem a função de qualificar a palavra estrangeira, e que, por isso, passamos a reconhecer como sintagma adjetival (BATISTA, 2011). Essa gíria tem, como significado-base, ‘homem bonito, de boa aparência’. Possíveis motivações que justifiquem a apropriação vocabular A ‘gíria’ é um fenômeno linguístico reconhecido por ser restrito aos ambientes discursivos de um determinado grupo social. No entanto Preti (1984, p. 67) nos remete à análise das gírias sob a perspectiva de dois níveis: a ‘gíria de grupo’ e a ‘gíria comum’. O primeiro abarcaria o uso mais reservado de um grupo, ca- 3999 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres racterizando a função de identificação ou defesa – assim como eram empregadas as gírias LGBTT na época da Ditadura, com a apropriação vocabular de termos do Iorubá –; o segundo conteria aquelas expressões originalmente consideradas gírias, mas que, com o passar do tempo, foram amplamente disseminadas para âmbitos sociodiscursivos dos quais não faziam parte. É o caso das gírias LGBTT que passaram a ser empregadas também em ambientes hétero-discursivos, e que, portanto, reconheceremos como gírias comuns, já que seu uso, hoje, não está restrito ao grupo social que primeiramente as criou. Para Santos (2007, p. 13), existem, na língua, alguns fatores que justificam o processo de transição da gíria do uso restrito à linguagem comum, sendo um deles a constante evolução das línguas naturais. Por isso, levando em consideração as dez gírias que compõem o nosso corpus, bem como a análise morfossintática que fizemos delas, passemos a refletir sobre as possíveis motivações e hipóteses que justifiquem o fato de essas expressões, hoje, fazerem parte de ambientes hétero-discursivos. Motivação 1 – a fácil assimilação da ressignificação dos verbos de primeira conjugação: para Schwindt e Silva (2013), pelo fato de ser mais produtiva na língua, a sufixação verbal de primeira conjugação (-ar) torna mais disseminada a criação de neologismos que sejam verbos terminados em –ar. Abafar, abalar, arrasar e fechar, todas neologismos semânticos, formados por verbos de primeira conjugação, podem ter começado a se disseminar em ambientes hétero-discursivos, então, pela alta produtividade desse processo de formação na língua, o que tornou fácil a assimilação do significado por aqueles que não fazem parte do grupo LGBTT. Motivação 2 – a conotação depreciativa: é fácil encontrar alguns usos depreciativos de expressões como veado e bicha, que, fora dos ambientes LGBTT, muitas vezes, são usadas com essa função. Isso é visto com mais intensidade quando, a essas palavras, juntam-se os sufixos –inho(a) ou –ão(ona), os quais, de acordo com Bechara (2008) e Monteiro (2002), podem denotar, de fato, valor depreciativo às palavras com as quais eles se ligam. Motivação 3 – “neutralidade conotativa”: pegação, como vimos, é um neologismo formado por sufixação nominal (-ção), cujo radical, pega, sofreu alteração semântica no contexto de uso LGBTT, passando a significar ‘relação afetiva entre pessoas’. O ato de ‘pegar alguém’, como é dito muitas vezes, é neutro, já que 4000 André Luis de Lima Xavier, Monallysa Maria da Silva Nascimento, Raphael Fernando Santos de Assis heterossexuais também se relacionam com outras pessoas, e, por isso, poderiam muito bem fazer uso da palavra pegação, com o sentido de um ambiente em que muitas pessoas estejam se relacionando afetivamente. Motivação 4 – influências midiáticas: também é sabido que, com o advento da mídia, da internet e, sobretudo, das redes sociais, algumas expressões linguísticas empregadas nesses meios passaram a ter alto poder de disseminação, como, por exemplo, as expressões LGBTT boy magia, tô morta, uó, muito presentes no gênero meme, ou até mesmo em páginas da internet, como ilustra a figura a seguir: Figura 04: Página do Facebook Félix Bicha Uó, em que se nota a presença do neologismo onomatopeico ‘uó’. (Disponível em: <https://www.facebook.com/ FelixBichaUo> Acesso: 08 de agosto de 2015) Motivação 5 – ‘Assujeitamento’ e ‘identidade cultural’: Hall (2006) postula a teoria da ‘identidade cultural’, que abrange o aspecto influenciador que determinadas culturas podem exercer sobre outras que permeiam seu ambiente social. Nesse contexto, podemos justificar o uso de algumas gírias LGBTT em ambientes hétero-discursivos, levando em consideração a ideia do autor, já que uma determinada cultura tem o poder de influenciar outra, desde que esta tenha contato direto ou indireto com a primeira. Por fim, é importante, mais uma vez, salientarmos que, tendo em vista a brevidade deste estudo, além da necessidade de concisão, na reflexão sobre essas motivações, ativemo-nos apenas ao corpus da nossa pesquisa, bem como à análise morfossintática que fizemos sobre as expressões que o compõem. Portanto, se houver alguma outra gíria LGBTT que por ventura seja também frequente em ambientes héteros-discursivos, na qual não se encaixem nenhuma das reflexões que fizemos neste trabalho, é preciso que seja feito um novo estudo que busque abarcá-la a fim de cumprir com o propósito de justificá-la como gíria comum. 4001 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Análise das gramáticas Sabemos que qualquer uso da língua que se distancie do padrão imposto pelas gramáticas normativas tende a ser estigmatizado e posto de lado nos estudos linguísticos. No caso das gírias, hoje, já temos, graças ao que propaga a Sociolinguística, um reconhecimento, mesmo que ínfimo, do caráter autônomo e legítimo que esse fenômeno apresenta. No entanto, como o estigma sobre o uso da linguagem de um determinado grupo pode, ocasionalmente, acarretar no estigma social sobre o próprio grupo, acreditamos que a abordagem do tema ‘gírias’, no Ensino Básico, precisa visar também à amenização do preconceito, fazendo com que os alunos adotem uma postura científica e democrática em relação ao conteúdo, livre de influências tradicionais que há muito circundam o ensino de língua materna no Brasil. Com base nisso, fizemos uma análise descritiva de duas gramáticas escolares, a fim de refletirmos sobre a abordagem que estas fazem do tema ‘gírias’, para que possamos considerar se tal abordagem, a nosso ver, é condizente com a Sociolinguística e capaz de, cientificamente, apresentar os conceitos necessários para o entendimento do aluno sobre o fenômeno. Como critérios de avaliação, consideramos os aspectos que dizem respeito: (i) à conceituação do fenômeno ‘gírias’; (ii) à elucidação por meio de exemplos; (iii) ao reconhecimento do estigma que muitas vezes recai sobre o fenômeno; (iv) à elaboração de exercícios de reflexão que tratem o tema através dos gêneros mais monitorados, como charges, cartuns etc.. Análise 1 – ‘Gramática da Língua Portuguesa’ (CIPRO NETO; INFANTE, 2008): nessa gramática, não foi encontrada nenhuma menção ao fenômeno gíria, tampouco exemplos que o elucidem, ou elaboração de exercícios que abordem o tema. O único ponto do livro em que são encontrados trechos em que aparecem gírias – mesmo que não sejam empregados com essa nomenclatura – é no capítulo 10 (p. 116), no qual podemos ver a conceituação de neologismo semântico, que os autores ainda exemplificam com a palavra ‘arara’. No entanto, em nenhum momento, eles fazem menção à importância que esse processo de neologia tem para o fenômeno da criação de gírias, apesar de eles terem empregado um exemplo que é considerado como tal (‘arara’). Análise 2 – ‘Gramática: texto, reflexão e uso’ (CEREJA; MAGALHÃES, 2008; 2012): o nosso objetivo, em analisar duas edições diferentes da mesma gramáti4002 André Luis de Lima Xavier, Monallysa Maria da Silva Nascimento, Raphael Fernando Santos de Assis ca, foi o de compará-las e ver se a abordagem sobre o tema ‘gírias’ mudou com o tempo. No entanto, da mesma forma com que a edição de 2008 tratou as gírias, também o fez a edição mais recente, a de 2012. Nelas o fenômeno aparece em duas ocasiões no decorrer do livro: na primeira, no capítulo três, ‘As variedades de uma língua plural’, os autores trazem as gírias como um tipo de variação linguística, caracterizada pelo ambiente informal de uso da linguagem (p. 38) e conceituam e elucidam a ‘gíria’. Na segunda ocasião, no capítulo sete, os autores retomam as gírias para trabalhar com a expansão lexical da língua, juntamente com os empréstimos. Seguindo os critérios da nossa avaliação, as edições apresentam: (i) conceituação do fenômeno; (ii) elucidação com exemplos – são apresentados três quadros com algumas das principais gírias pertencentes ao grupo dos taxistas, da cultura hip hop (p. 39), e dos skatistas (p. 101), bem como o significado dessas expressões –; (iv) elaboração de exercícios – os autores propõem uma série de questões (p. 39-40) acerca do uso das expressões “orelha” e “sei lá”, presentes em uma tirinha de Angeli, duas das quais recaem exatamente sobre o efeito de sentido que o uso dessas expressões “não padrão” exercem em tal discurso. Não encontramos, no entanto, o que esperávamos no item (iii) dos nossos critérios de avaliação: o reconhecimento, por parte dos autores, do estigma que recai sobre o fenômeno ‘gíria’. A nosso ver, isso traria à tona a reflexão sobre o preconceito linguístico, e faria com que a discriminação, tanto linguística quanto social, sobre os grupos que fazem uso das gírias, começasse a ser amenizada, tendo em vista uma educação de língua materna mais científica e democrática. Entre as gramáticas analisadas, então, consideramos que as edições da de Cereja e Magalhães (2008; 2012) são mais elucidativas e capazes de cumprir, de forma geral, com o nosso objetivo de propagar um ensino cientificista de língua, sobretudo no que se diz respeito às expressões linguísticas tidas como ‘não padrão’ pela Gramática Tradicional. No que tange ao tema ‘gíria’ e, mais especificamente, às gírias LGBTT, acreditamos que o professor de português, apoiado em livros didáticos que abordem o tema, de forma, no mínimo, elucidativa, poderia trazê-las como forma de exemplificar os conceitos da aula, além de mostrar aos alunos que os limites entre ambientes sociodiscursivos, na comunidade linguística a que eles pertencem, são tênues, e a interação social faz com que o uso da linguagem tenda a ser compartilhado pelas pessoas de uma comunidade. 4003 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Falar sobre a presença das gírias LGBTT em ambientes hétero-discursivos, então, poderia ser uma boa estratégia de amenizar, entre eles, o preconceito que permeia as lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, inclusive em certos usos que esse grupo faz da linguagem. Considerações finais Acreditamos que, com este estudo, possamos compreender um pouco melhor as reflexões sociais sobre o fenômeno ‘gíria’. Por não se tratar de um trabalho em que o tempo e o espaço foram abundantes para as discussões, salientamos que as ideias debatidas aqui devem continuar a ser estudadas por cientistas que venham a se interessar pelo tema. Ao trazer o tema das gírias LGBTT para a análise desse fenômeno linguístico, buscamos cumprir com o propósito de elucidar o quão estigmatizado este ainda é no âmbito dos estudos linguísticos, e esse estigma, muitas vezes, é perpassado para o Ensino Básico. Por fim, buscar reconhecer ocorrências linguísticas não padrão, a exemplo da gíria, como fato linguístico legítimo, a nosso ver, é dever de todo cientista que trabalhe com a língua, sobretudo aqueles que são responsáveis pelo ensino desta nas escolas. Esperamos que o presente trabalho possa ajudar, então, muitos destes profissionais nessa tarefa. Referências ALMEIDA, Maria Inez Couto de. Cultura Iorubá: costumes e tradições. Rio de Janeiro: Dialogarts. 2006. ALVES, Anderson Cristiano. A origem e o uso da linguagem gay. Sorocaba, 2012. Disponível em: <https://pt.scribd.com/doc/115415894/A-origem-e-o-uso-da-linguagemgay-Anderson-Cristiano-Alves#scribd>. Acesso em: 18 de maio de 2015. ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. São Paulo: Ática, 1994. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico o que é como se faz. 52 ed. São Paulo: Loyola. 2013. BARROS, Antonio Claudio da Silva; BEZERRA, Mª Auxiliadora; MAIOR, Ana Christina Souto. A gíria: do registro coloquial ao registro formal. Disponível em: <http://www.filologia. org.br/anais/anais%20iv/civ03_37-51.html>. Acesso em: 18 de maio de 2015. 4004 André Luis de Lima Xavier, Monallysa Maria da Silva Nascimento, Raphael Fernando Santos de Assis BATISTA, Ronaldo de Oliveira. A palavra e a sentença: estudo introdutório. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática da Língua Portuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2008. CEREJA, William Roberto; MMAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática: texto, reflexão e uso. 3 ed. São Paulo: Atual. 2008. ______. Gramática: texto, reflexão e uso. 4 ed. São Paulo: Atual. 2012 CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Scipione. 2008. Dicionário do Aurélio Online. Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com/>. Acesso em: 20 de julho de 2015. Dicionário Informal. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/>. Acesso em: 20 de julho de 2015. Dicionário Michaelis Online. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>. Acesso em: 20 de julho de 2015. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. LAU, Héliton Diego. A (des)informação do bajubá: fatores da linguagem da comunidade LGBT para a sociedade. In: Temática. Ano XI, n. 02, 2015. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica>. Acesso em 18 de maio de 2015. MELO, Iran Ferreira de. Análise crítica do discurso: um estudo sobre a representação de LGBT em jornais de Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010. SCHWINDT, Luiz Carlos da Silva; SILVA, Inaciane Teixeira. O uso do particípio no português do sul do Brasil. Letrônica, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 228-247, jan./jun., 2013. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/ viewFile/13398/10102>. Acesso em: 18 de maio de 2015. SILVA, Alessandra Freitas da. Gíria: linguagem ou vocabulário?. In: Revista Philologus, Ano 14, N° 41. Rio de Janeiro: CiFEFiL, maio/ago 2008. Disponível em: <http://www. filologia.org.br/revista/41/giria_linguage_ou_vocabulario.pdf>. Acesso em: 18 de maio de 2015. SOARES, Vilma de Fátima. Terminologia neológica e variação em contexto científico. In: Os estudos lexicais em diferentes perspectivas. Disponível em: <http://www.fflch.usp. br/dlcv/neo/coloquios_seminarios/CADERNO_RESUMOS_VIII_Coloquio.pdf>. Acesso em: 17 de maio de 2015. 4005 RESUMO O foco principal deste trabalho são os conhecimentos de 28 professores de língua portuguesa de escolas públicas estaduais do ensino básico de Pernambuco sobre a importância de pressupostos teóricos da morfologia para as aulas de Língua Portuguesa, expressos numa resposta a um questionário. O objetivo da pergunta cujas respostas geraram os dados para este trabalho foi verificar se os conhecimentos teóricos construídos pelos voluntários questionados na sua formação inicial acerca da morfologia são suficientes para a vivência real na sala de aula ligada ao ensino de ortografia. Os resultados aqui apresentados integram a pesquisa em andamento intitulada ‘O Ensino da Fonética e da Fonologia e da Morfologia da Língua Portuguesa na Educação Básica Pública de Pernambuco: Práticas de Letramento’. Foram aplicados aos docentes voluntários questionários que envolvem questões relacionadas aos conhecimentos sobre fonética/fonologia e morfologia da língua portuguesa. A análise dos dados nos permitiu perceber que apesar de haver, na formação inicial, disciplinas que subsidiam teoricamente o professor sobre fonética e fonologia e Morfologia, essa formação parece não ser focada na organização do sistema gramatical da língua – cujo conhecimento é fundamental para o ensino da ortografia – nem na reflexão de práticas de ensino, que envolvem aspectos das citadas disciplinas. O negligenciamento desses focos terminam por gerar dificuldade do professor para abordar assuntos relacionados à ortografia que envolvem tais âmbitos e, consequentemente, dos alunos, que não desenvolvem habilidades e competências relevantes ao uso da língua na modalidade escrita em contextos mais formais. Para guiar esta pesquisa, o presente trabalho utilizou como base estudos de autores como Azeredo (2008), Perini (2010), Basílio (2006), Bagno (2012) e Neves (2000). Palavras-chave: Ensino de português, Morfologia, Formação do professor. ÁREA TEMÁTICA - Morfologia e ensino DO CONHECIMENTO DE ASPECTOS DO SISTEMA MORFOLÓGICO DA LÍNGUA PORTUGUESA AO ENSINO DE ORTOGRAFIA: PRÁTICAS DE LETRAMENTO1 Rodrigo Fagner Araujo dos Santos (NUCEPI/UFPE)2 Introdução Com as mudanças propostas pelo desenvolvimento de novos documentos oficiais [inicialmente com os PCN (1998, 1999), PCN+ (2002), PCNEM (2002), e mais recentemente com as OCNEM (2006) e PCE (2012)], o ensino tradicional da língua portuguesa no Brasil – tendo como base o ensino da gramática normativa – tem sido revisto e reformulado, com o intuito de proporcionar aos estudantes do ensino básico um ensino de aspectos de sua língua materna que esteja ligado diretamente às situações de uso reais da língua e que deve ter, por isso, como objetos de estudo os textos manifestados por meio dos gêneros textuais. Dessa forma, faz-se uma conexão pertinente entre teoria e prática. Porém, algumas das orientações e reflexões trazidas pelas OCNEM (2006) e pelo PCE3 (2012) 1. Trabalho orientado pelas Professoras Doutoras Gláucia Renata Pereira do Nascimento e Siane Gois Docentes/pesquisadoras do NUCEPI (Núcleo de Pesquisas Produção e Compreensão (Inter)linguísticas) do Departamento de Letras do CAC/UFPE. 2. Graduando em Letras Português – Licenciatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 3. Os PCE (2012) utilizado neste trabalho são Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio para o estado de Pernambuco. 4007 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres são, aparentemente, interpretadas de forma inadequada por alguns professores, visto que, muitas vezes, o objeto de ensino de língua portuguesa tem sido a organização formal de gêneros textuais, pondo como secundário (ou, até mesmo, desnecessário) o estudo da organização sistêmica da língua, principalmente de questões relacionadas à fonética/fonologia e à morfologia, que são relevantes para a leitura, a compreensão e a produção de diferentes gêneros orais e escritos. A motivação para que questões sobre o sistema da língua não sejam abordadas pelos professores do ensino básico em sala de aula também pode estar ligada ao pouco preparo destes em sua formação inicial, em relação a questões teóricas dessas áreas da linguística. Se o conhecimento do professor não for consistente, aquilo que vai ensinar, provavelmente, também não o será. Com base no exposto acima, este trabalho teve como foco verificar o conhecimento de vinte e oito professores de língua portuguesa de escolas públicas estaduais do ensino básico de Pernambuco sobre a importância de pressupostos teóricos da morfologia para as aulas de Língua Portuguesa, expressos numa resposta a um questionário. O objetivo da pergunta cujas respostas geraram os dados para este trabalho foi verificar se os conhecimentos teóricos construídos pelos voluntários questionados na sua formação inicial acerca da morfologia são suficientes para a vivência real na sala de aula ligada ao ensino de ortografia. A análise dos dados4 – que resultou na produção deste artigo – permitiu perceber que apesar de haver, na formação inicial, disciplinas que subsidiam teoricamente o professor sobre fonética, fonologia e morfologia, essa formação parece não ser focada na organização sistêmica gramatical da língua – cujo conhecimento é fundamental para o ensino, inclusive, de ortografia – nem na reflexão de práticas de ensino, que envolvem aspectos das citadas disciplinas. O negligenciamento de reflexões sobre fonética, fonologia e morfologia termina por gerar dificuldade do professor para abordar assuntos relacionados à ortografia que envolvem tais âmbitos e, consequentemente, dos alunos, que não desenvolvem habilidades e 4. Os questionários e os resultados aqui apresentados integram a pesquisa em andamento intitulada “O Ensino da Fonética/Fonologia e da Morfologia da Língua Portuguesa na Educação Básica Pública de Pernambuco: Práticas de Letramento”, em vigência no período de 2014 a 2016. A pesquisa é coordenada pelas professoras Dras. Siane Gois e Gláucia Nascimento, integrantes do NUCEPI (Núcleo de Pesquisas Produção e Compreensão (Inter)linguísticas) do Departamento de Letras do CAC/UFPE. 4008 Rodrigo Fagner Araujo dos Santos competências relevantes ao uso da língua na modalidade escrita em contextos mais formais. Ou seja, de um modo geral, foi identificado que há certa deficiência dos professores entrevistados em relação aos conceitos básicos relacionados à organização sistêmica da língua, principalmente daqueles que regem a sistematização da ortografia, aprendidos, desenvolvidos e/ou consolidados pelos professores em sua formação inicial. Sendo assim, este trabalho, com base em estudos de autores como Azeredo (2008), Perini (2010), Basílio (2006), Bagno (2012), Neves (2000), entre outros, tem por intenção, partindo das respostas dos professores a uma pergunta específica do questionário, identificar se há, por parte destes profissionais, uma importância dada à reflexão acerca de pressupostos teóricos relacionados à estrutura e formação de palavras e se esta importância é, de fato, abordada e concretizada partindo do conhecimento destes acerca do assunto. Isto implica dizer que, apesar de o questionário abordar assuntos relacionados à fonética/fonologia e morfologia, este trabalho terá como foco principal os conhecimentos dos voluntários no âmbito da morfologia. Para tanto, o trabalho divide-se em três partes: na primeira, serão expostas algumas reflexões acerca da importância de conceitos da morfologia para o desenvolvimento da ortografia no ensino básico, tendo como base estudos de Basílio (2006), Antunes (2012, 2014), Bagno (2012), entre outros; a segunda parte apresentará os dados referentes a uma das perguntas do questionário, que estimula uma reflexão por parte dos voluntários sobre a importância da morfologia para o ensino; e, por último, será apresentado o resultado da análise das respostas dos professores. Da morfologia à ortografia: reflexões iniciais Com o avanço dos estudos acerca da prática docente e com as orientações dos documentos oficiais nacionais e estaduais que orientam os currículos da educação básica, sabe-se que o ensino de língua portuguesa no ensino básico brasileiro deve ser calcado na relação interdependente entre forma, função e uso de constituintes dos diferentes estratos da língua, o que envolve reflexões não só sobre esses constituintes e as regras do sistema da língua, mas também dos vários elementos que estão fora de sistema. Portanto, cabe à escola promover: 4009 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres condições para que os alunos reflitam sobre os conhecimentos construídos ao longo de seu processo de socialização e possam agir sobre (e com) eles, transformando-os, continuamente, nas suas ações, conforme as demandas trazidas pelos espaços sociais em que atuam. (BRASIL, 2006, p. 27) Assim, considera-se que o “papel da disciplina Língua Portuguesa é o de possibilitar, por procedimentos sistemáticos, o desenvolvimento das ações de produção de linguagem em diferentes situações de interação” (BRASIL, 2006, p. 27), levando em consideração o nível de conhecimentos linguístico-discursivo prévios do aluno, com o intuito de desenvolver e ampliar tais conhecimentos ao longo da formação básica, promovendo, assim, entre outras coisas, a inclusão social. Tais conhecimentos prévios envolvem práticas discursivas de oralidade e de letramento que já fazem parte do arcabouço de conhecimentos enciclopédicos do estudante, promovendo uma conexão entre escola e mundo, entre conhecimentos escolares e sua aplicação ao meio social em que o estudante está integrado. E a sociedade atual, inserida numa era multimídia, faz com que “ler e ouvir, falar e escrever [estejam] se tornando quase a mesma coisa” (BAGNO, apud ANTUNES, 2014, p. 56), ou seja, “nas manifestações linguísticas atuais, cada vez mais, fala e escrita apresentam realizações híbridas, misturadas, que mutuamente se influenciam” (ANTUNES, 2014, p. 56). Dessa forma, a escrita e a fala têm apresentado, cada vez mais, intersecções ao mostrar cada vez de modo menos evidente a linha já tênue entre ambas modalidades da língua, principalmente em certos gêneros textuais como, por exemplo, os chats de sites de relacionamentos. Talvez pelo fato de esses gêneros híbridos estarem cada vez mais inseridos no cotidiano dos estudantes do ensino básico, o uso da ortografia feito por estes em práticas de letramento que requerem um maior monitoramento tem se tornado por vezes problemático e dificultoso. Como afirma Bagno (2012), “a língua escrita é uma análise da língua falada, e essa análise será feita, pelo usuário da escrita no momento de grafar seu texto, em sintonia com seu perfil sociolinguístico” (p. 353). Antes, é importante esclarecer que escrita e ortografia são conceitos diferentes: “a ortografia oficial é fruto de um gesto político, é determinada por decreto, é resultado de negociações e pressões de toda ordem (geopolíticas, econômicas, ideológicas)” (BAGNO, 2012, p. 353). O mesmo autor explica tam- 4010 Rodrigo Fagner Araujo dos Santos bém que “a função da ortografia é, teoricamente, permitir a transcrição da língua falada” (p. 373), apesar de não atingir tal objetivo de forma intrínseca. Por esse motivo, muitos produtores de textos escritos, principalmente estudantes do ensino básico, fazem analogias, suposições e hipóteses que giram em torno de associações entre fala e escrita. Essas associações, por vezes, são consideradas ‘erros ortográficos’, ao fugirem da normativização oficial da ortografia, isto é, por haver um desvio em relação a uma convenção pré-estabelecida. Uma das categorias de desvios ortográficos, elencadas por Bagno (2012), “se relaciona com a incidência, na produção escrita, de características fonomorfossintáticas próprias da variedade linguística que os aprendizes adquiriram no convívio com sua família e na interação com sua comunidade” (p. 392). Ou seja, como já foi dito anteriormente, os conhecimentos prévios dos estudantes e suas práticas de letramentos influenciam diretamente na sua produção escrita, recebendo, esta, influências de suas vivências sociais. Por vezes, tais produções escritas seguem hipóteses que não condizem com a norma ortográfica oficial. Visto que a escrita ortográfica é uma das modalidades comunicativas da língua, e que possui relevância em determinados ambientes discursivos que a requerem, o ensino desta mostra-se necessário também para a inclusão social e para suprir certas exigências do mercado de trabalho. Portanto, cabe à escola (e à disciplina de Língua Portuguesa) proporcionar possibilidades de desenvolvimento e aprimoramento da escrita ortográfica para os estudantes do ensino básico. Essa escrita, a ortográfica oficial, segue alguns critérios de organização, como, por exemplo, o fonético, o etimológico, o morfofonêmico, o político-ideológico, entre outros (BAGNO, 2012). Do terceiro critério elencado, podem ser destacados alguns elementos relacionados à estrutura e à formação de palavras, como os prefixos e os sufixos que, âmbitos de estudo da morfologia, “servem a funções predeterminadas, traduzidas em estruturas morfológicas lexicais”. Ou seja, tais elementos mínimos – chamados de morfemas – ajudam a compor as palavras do léxico de uma língua. E, como informa Basílio (2013), “o léxico apresenta um alto teor de regularidade e é um componente fundamental da organização linguística, tanto do ponto de vista semântico e gramatical quanto do ponto de 4011 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres vista textual e estilístico”5. Dessa forma, os critérios morfológicos já citados, e que regem, em parte, a organização sistêmica da ortografia, “constituem um instrumento fundamental na aquisição e expansão do léxico individual ou coletivo, assim como de seu uso na produção e compreensão de diferentes tipos de texto em nossa língua” (BASÍLIO, 2013, p. 7). Como se sabe, existem certas regularidades na língua que ajudam a torná -la um sistema comunicacional eficaz, pois apresenta “um desempenho natural e suscetível e de fácil aprimoramento, quando bem aprendida e desenvolvida” (SANTOS; PEREIRA, 2013, p. 336). Tais regularidades mostram-se bastante produtivas, pois “a expansão do léxico não pode se resumir ao aumento do número de símbolos que todos teriam que decorar. Isso tornaria o sistema pouco eficiente pois sobrecarregaria a memória” (BASÍLIO, 2013, p. 10). Como afirma Bagno (2012), “o cérebro humano não é um computador” (p. 404), por conta disso que os usuários da língua desenvolvem hipóteses com base em seu ‘banco de dados’, “utilizando sobretudo material já disponível, o que reduz a dependência de memória e garante a comunicação automática” (BASÍLIO, 2013, p. 10). E tais hipóteses, ‘reciclam’, de certa forma, elementos que já fazem parte do léxico individual e coletivo e que podem se repetir na construção de outras palavras, como o prefixo -des e o sufixo -ção, por exemplo. Dessa forma, os elementos que compõem a morfologia, no âmbito da estrutura e formação de palavras, por seguir uma regularidade relativamente estável, devem ser mais explorados em sala de aula para o desenvolvimento de um léxico individual do estudante e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento de hipóteses que seguem a sistematização da ortografia oficial calcadas no conhecimento de morfemas que fazem parte de seu arcabouço de conhecimentos enciclopédicos. “A vantagem é podermos acionar o processo sempre que necessário; assim, não temos que sobrecarregar a memória com um número imenso de palavras, o que tornaria o sistema pesado e ineficiente” (BASÍLIO, 2013, p. 11). 5. É importante salientar que a ampliação do léxico não só é uma questão do âmbito gramatical. Como pontua Antunes (2012), “o processo de ampliação do léxico da língua é visto como uma questão morfológica que, parece, começa e se esgota no interior da gramática apenas, como se não tivesse também a função de intervir na arquitetura do texto, na armação de sua estrutura” (p. 21). 4012 Rodrigo Fagner Araujo dos Santos Em suma, prefixos, sufixos e, também, desinências podem servir – além de critérios fonéticos, etimológicos etc., já mencionados – como elementos que ajudam a sistematizar o ensino da ortografia por conta de sua relevância e produtividade na língua portuguesa, além de suas outras funções que envolvem a estrutura e formação de palavras, a mudança de classe gramatical, a mudança ou o complemento do sentido de determinada raiz etc. “A reflexão sobre o ensino do português deve dirigir-se de maneira consciente e coerente àqueles conteúdos e atitudes que podem ser considerados relevantes para os interesses do aluno” (POSSENTI; ILARI, 1992, p. 10). Ou seja, ao invés de ensinar certas particularidades e curiosidades etimológicas de palavras pouco usuais, ou certas “coisas insignificantes [...] [como] as regras ortográficas do tipo ‘usa-se h em início de palavra quando é etimológico’, tão misteriosa e inútil quanto ‘as palavras de origem indígena grafam-se com j’” (POSSENTI; ILARI, 1992, p. 10), pode-se elaborar novas abordagens de conteúdos relevantes e produtivos para o desenvolvimento da ortografia do estudante do ensino básico com base em elementos usuais, cotidianos e recorrentes na língua. Da teoria à prática: pesquisa e resultados Com base nas reflexões feitas até agora, foi realizada a análise de um corpus6 que consistiu em questionários aplicados a vinte e oito professores de língua portuguesa da rede básica de ensino público do estado de Pernambuco. Nestes questionários, há três perguntas formuladas com o intuito de levantar informações que giram em torno da formação inicial dos voluntários e de seus conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos que envolvem a fonética/ fonologia e a morfologia, como: (i) se o professor cursou e o tempo que cursou a disciplina de fonética/fonologia e morfologia na sua formação inicial; (ii) se os conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos da fonética/fonologia e morfologia são importantes para as aulas de língua portuguesa; (iii) e quais atitudes – práticas e teóricas – o professor toma ao se deparar com algumas 6. Aprovado pelo comitê de ética, tal corpus faz parte de um projeto maior, o qual este subprojeto está ligado, chamado “O Ensino da Fonética e da Fonologia e da Morfologia da Língua Portuguesa na Educação Básica Pública de Pernambuco: Práticas de Letramento”. 4013 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres construções gráficas que fogem às regras do sistema gráfico do português contemporâneo. Como já mencionado, este trabalho terá como foco de análise conceitos da morfologia e tratará exclusivamente das respostas do ponto (ii). Tal enfoque ajudará na investigação sobre a consistência dos conhecimentos expressos pelos professores de ensino básico participantes da pesquisa sobre conceitos básicos da morfologia que são importantes para tratar de assuntos relacionados à ortografia em sala de aula. A pergunta do questionário que terá ênfase nesta análise é, como dito, a (ii): “Os conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos da Fonética e da Fonologia e da Morfologia são importantes para as aulas de Língua Portuguesa? Justifique”. As respostas para esta pergunta geraram dois gráficos que serão apresentados a seguir: o primeiro apresenta o resultado da parte objetiva da resposta (sim ou não); e o segundo apresenta as justificativas dadas pelos voluntários, organizadas em categorias construídas a partir da análise. A análise às respostas a essa pergunta mostrou que vinte e seis dos professores entrevistados consideram que os conhecimentos relacionados ao âmbito da morfologia são importantes para as aulas de Língua Portuguesa, ou seja, cerca de 93% dos voluntários. Enquanto isso, dois dos entrevistados não consideram importante, cerca de 7% dos voluntários7. A esta pergunta, todos os voluntários responderam. Estes resultados estão representados no gráfico a seguir: 7. Para facilitar a análise, os números foram arredondados. 4014 Rodrigo Fagner Araujo dos Santos Gráfico 1: Respostas à pergunta “Os conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos da Fonética e da Fonologia e da Morfologia são importantes para as aulas de Língua Portuguesa?”. O próximo gráfico apresenta as justificativas dadas pelos voluntários, organizadas em categorias construídas a partir da análise. Foram quatro as categorias construídas com base nas justificativas dos voluntários que disseram ‘sim’ à pergunta: (1) para o desenvolvimento da ortografia; (2) por ser a base estrutural da língua; (3) por tratar da oralidade e/ou pluralidade dialetal da língua8; (4) não deram respostas satisfatórias. Esta última categoria abarca respostas em que os voluntários: (a) usaram apenas as palavras-chave que estavam na pergunta, sem respondê-la; (b) não deram informação acerca de algum conceito que seja, de fato, importante; (c) formularam respostas vagas, ou equivocadas, que indicam que podem não conhecer suficientemente o tema. Sendo assim, das vinte e oito respostas analisadas, cinco se enquadram na categoria (1); uma se enquadra na categoria (2); uma se enquadra na categoria (3); e vinte e um se enquadram na categoria (4). Isso implica dizer que 75% dos entrevistados não deram respostas satisfatórias, enquanto apenas 25% expressam algum(ns) aspecto(s) que pode(m) ser considerado(s) importante(s) para o ensino de Língua Portuguesa, como mostra o gráfico abaixo: 8. Pelo fato de a pesquisa tratar também de conceitos que envolvem a fonética e a fonologia, a categoria (iii) mostra-se, de certa forma, adequada e relevante para análise 4015 anais eletrônicos Vi eClae / Pôsteres Gráfico 2: Justificativas das respostas afirmativas para a pergunta: “Os conhecimentos acerca dos pressupostos teóricos da Fonética e da Fonologia e da Morfologia são importantes para as aulas de Língua Portuguesa?” Dos resultados à análise Vale a pena salientar que conceitos de morfossintaxe que são base do sistema gráfico do português contemporâneo fazem parte dos conteúdos do currículo da disciplina Língua Portuguesa das escolas públicas do estado de Pernambuco tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio9. Além disso, é necessário mencionar, também, que o eixo ‘análise linguística’ é tomado, nos PCE (2012), como um eixo vertical, que perpassa todos os outros eixos de ensino (leitura, produção escrita e oralidade). Ao promover essa conexão entre os eixos de ensino por meio do eixo da análise linguística, os PCE (2012) têm por intenção indicar a necessidade da não-dissociação entre texto, contexto, linguagem etc., e um envolvimento dos estudantes com os constituintes dos diferentes estratos da língua “em atividades de análise e reflexão sobre o seu uso e funcionamento em textos e contextos diversos, tendo em vista seu aprimoramento como leitor, ouvinte, falante e escritor” (PERNAMBUCO, 2012, p. 16). 9. Os currículos de português do estado de Pernambuco estão disponíveis nos links: http://www.educacao.pe.gov. br/portal/upload/galeria/750/curriculo_portugues_ef.pdf; galeria/750/curriculo_portugues_em.pdf 4016 e http://www.educacao.pe.gov.br/portal/upload/ Rodrigo Fagner Araujo dos Santos Assim, ao comparar os resultados de ambos os gráficos, pode-se perceber que há o reconhecimento dos professores voluntários da pesquisa sobre a importância de conceitos da morfologia no ensino do português na educação básica, porém, os conhecimentos acerca de conceitos básicos dessa área da linguística parecem não terem sido desenvolvidos e consolidados de forma adequada ao longo da formação inicial destes profissionais. Por um lado, parece haver certa confusão entre alguns conceitos básicos, esboçada nas justificativas dos voluntários que compõem os 75% enquadrados na categoria 4. Por outro, as justificativas relativamente adequadas das respostas que compõem os 25% são superficiais e terminam por valorizar mais alguns aspectos da morfologia e, até, desconsiderar outro(s). Ou seja, de um modo geral, as respostas revelam que os elementos morfológicos que compõem a palavra, como os afixos, por exemplo, que os estudantes precisam conhecer para compreenderem aspectos do sistema gráfico do português, parecem não ser explorados de forma relevante na sala de aula pelos professores voluntários. Por conta disso, as “expectativas de aprendizagem”, elencadas pelos PCE (2012) podem estar sendo negligenciadas. Isso pode causar descompasso entre as aprendizagens, que, ao longo da formação básica do estudante, termina por produzir um desfalque de conhecimentos sobre temas que são basilares para o desenvolvimento de habilidades e competências linguísticas de grande relevância não apenas para a escrita. Esse reducionismo no ensino, provocado, a nosso ver, pelo desconhecimento (ou pelo frágil conhecimento) de conceitos importantes do âmbito da morfologia por parte de professores, pode justificar a superficialidade do ensino de língua materna das escolas públicas, que se mostra em resultados de avaliação externa, como o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Isso também evidencia certo descompasso entre as orientações dos programas oficiais do governo e o ensino. Um ensino de língua materna que negligencia o desenvolvimento e a consolidação das aprendizagens de conceitos básicos para a compreensão da ortografia oficial sonega informações ao estudante e promove desigualdades sociais por não possibilitar que os alunos consigam se inserir em certos meios sociais que solicitem o uso da ortografia. Como comenta as OCNEM, “o homem, em suas práticas orais e escritas de interação, recorre ao sistema linguístico – com 4017 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres suas regras fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e com seu léxico” (BRASIL, 2006, p. 25). Logo, possibilitar ao aluno o desenvolvimento de sua escrita ortográfica por meio de estratégias linguísticas que utilizam elementos morfológicos e fonológicos, o professor possibilita, também, que os alunos possam, efetivamente, assumir uma postura reflexiva que lhes permita tomar consciência de sua condição e da condição de sua comunidade em relação ao universo das práticas letradas de nossa sociedade para poder atuar nelas de forma ativa, como protagonistas na ação coletiva. Nesse quadro, importa salientar que tomar consciência significa, de um lado, saber identificar como e por que determinadas práticas de linguagem e, portanto, determinados usos da língua e de diferentes linguagens são, historicamente, legitimados e, de outro, poder transitar em meio a tais usos e práticas segundo demandas específicas que se possam ter (BRASIL, 2006, p. 29) Dessa forma, um ensino de língua materna com bases teóricas mais consistentes pode criar condições para que os estudantes do ensino fundamental e médio “construam sua autonomia nas sociedades contemporâneas” (BRASIL, 2006, p. 29), ao elaborar hipóteses que o ajudem a sistematizar os elementos da língua em prol de certas demandas sociais. Considerações finais Entendemos que o professor precisa ter uma visão crítica e aguçada acerca dos vários aspectos que fazem e/ou podem fazer parte de sua aula. Ele não pode esperar modelos estanques de ensino, nem se mostrar como uma figura subserviente, repetidora, ou, até mesmo indefinida. O professor de língua portuguesa deve ser, também, um pesquisador que está “antenado”: às pesquisas acadêmicas, com o intuito de transpor didaticamente novas concepções, perspectivas e abordagens; às particularidades de cada turma que leciona; às novidades tecnológicas que o ajudam a aproximar o assunto abordado na aula ao dia a dia dos alunos. Enfim, um professor que, com base em suas experiências, planeja e constrói uma aula que ajuda o aluno a desenvolver capacidades linguísticas que favorecem a sistematização dos elementos que fazem parte da comunicação 4018 Rodrigo Fagner Araujo dos Santos como um todo, desde princípios fonomorfossintáticos até princípios contextuais de organização de gênero e de monitoramento da linguagem. É preciso que o professor trabalhe de modo que possa haver no aluno o desenvolvimento de sua “autonomia intelectual e de seu pensamento crítico” (BRASIL, 2006, p. 7), para que ele possa – durante seu período na educação básica e após, no ensino superior e/ou no mercado de trabalho – criar hipóteses coerentes com base em reflexões críticas acerca de elementos que fazem parte da língua em situações que requerem que tal reflexão seja feita. Como diz Antunes: “O professor precisa ser visto (inclusive pelas instituições competentes) como alguém que, com os alunos (e não para os alunos) pesquisa, observa, levanta hipóteses, analisa, reflete, descobre, aprende, reaprende” (2003, p. 108). Sendo assim, o conhecimento acerca de conceitos da morfologia, não só para o ensino da estrutura e formação de palavras, mas, também, para o ensino de ortografia, mostra-se relevante, partindo do princípio de que, como já mencionado neste trabalho, as estruturas morfológicas podem servir como instrumentos de fundamental importância tanto para aquisição, desenvolvimento e expansão do léxico, quanto para a compreensão do texto e o ensino de ortografia (BASÍLIO, 2013). É importante relembrar que esta pesquisa – em andamento – questionou, até o momento, vinte e oito professores. Logo, os resultados aqui apresentados não devem ser generalizados, mas, ao mesmo tempo, não devem ser desconsiderados. A pesquisa, que não se esgota aqui, tem por intenção, também, alertar professores do ensino básico e profissionais que coordenam processos de formação continuada acerca de um ponto específico de reflexão sobre a língua e, também, sobre a prática docente. Desde as significativas mudanças feitas no ensino de língua portuguesa a partir da década de 1990 que os professores enfrentam um momento ‘movediço’ em que suas identidades ainda não estão completamente definidas. Sendo assim, a relevância deste trabalho se confirma, pois, a reflexão acerca da prática docente e de conhecimentos básicos sobre elementos que fazem parte da estrutura da língua é de grande importância para a sala de aula. Em suma, percebe-se que há certo negligenciamento desses conceitos básicos que fazem parte do âmbito de estudos da morfologia, o que gera uma proble- 4019 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres mática dentro dos pilares do ensino da língua materna – neste caso específico, relacionados à ortografia oficial. Como já dito, os resultados iniciais deste trabalho indicam que parece que a formação inicial pouco focada na pesquisa e no estudo da organização estrutural da língua tem diplomado professores que, por vezes, não desenvolvem habilidades para refletir sobre a necessidade de ensino da gramática dessa língua e, em particular, acerca de alguns fenômenos relacionados à morfologia. E isso acarreta, naturalmente, um despreparo também para o ensino de ortografia. A maioria dos voluntários apresentaram justificativas que revelam que há certa defasagem na instrução desse grupo de profissionais a respeito da área de estudo da língua acima citada, esboçando, assim, dificuldades para o ensino de aspectos relacionados ao sistema gráfico do português. Referências ANTUNES, Irandé. Gramática contextualizada: limpando “o pó das ideias simples”. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2014. ______. Território das palavras: estudo do léxico em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. ______. Aula de português: Encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. AZEREDO, J. C. Gramática Hauaiss da língua portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008. BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. BASÍLIO, Margarida. Formação e classes de palavras no português do Brasil. 3. Ed. São Paulo : Editora Contexto, 2013. BRASIL/ SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília, DF: MEC/SEMTEC, 1999. BRASIL. MEC. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2006. PERNAMBUCO. Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio. SEP, 2012. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000. PERINI, M. A. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2010. POSSENTI, Sírio; ILARI, R. Ensino da língua e gramática: alterar conteúdos ou alterar a imagem do professor? In: CLEMENTE, Elvo; KIRST, Marta H. (orgs.). Linguística aplicada ao ensino do português. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992. 4020 Rodrigo Fagner Araujo dos Santos SANTOS, Rodrigo Fagner Araujo; PEREIRA, Ygor Simões da Silva. O estudo de sufixos do português em gramáticas escolares: descompasso com a língua em uso. In: SILVA, F. J. M.; LIMA, A. M. A. L.; SANTOS, J. G. S. (Org.). Língua e literatura na contemporaneidade: o status do leitor multitarefa. Recife: Pipa Comunicação, 2013. <disponível em: http://www.pipacomunica.com.br/Pipa-Books/ebook-eell-facho. pdf>. Visualizado em: 15/12/2014. 4021 RESUMO O objetivo deste trabalho foi verificar se a abordagem do hibridismo em processos de formação de palavras, nos livros didáticos e nas gramáticas escolares, condiz com a forma como tal fenômeno é percebido pelos estudantes atualmente. Comparamos os resultados da análise desses livros, tendo como base os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), com a ocorrência de palavras híbridas identificadas em blogs nacionais de temas como moda, musica e jogos que são, provavelmente, acessados por jovens brasileiros com interesse em tais temas e que, portanto, apresentam um léxico conhecido e usado por eles. Para tanto, fizemos um levantamento sincrônico de palavras, baseado na reincidência destas nos blogs pesquisados. Cotejamos os achados com as palavras que aparecem como exemplos do fenômeno nos materiais didáticos analisados. A análise destes dados nos permitiu constatar que há, atualmente, uma significativa variedade de palavras híbridas no léxico de jovens e adolescentes os quais tem acesso à internet, todavia os materiais didáticos que analisamos não abarcam esse léxico conhecido pelos estudantes, fato que pode dificultar a compreensão destes acerca do fenômeno. Esta pesquisa também usou como base teórica estudos de Teixeira (2006), Basílio (2006), Fairchild (2009), Gonçalves e Motter (2012) e Neves (2012). Palavras-chave: Hibridismo, Ensino, Português, contexto. ÁREA TEMÁTICA - Morfologia e ensino O FENÔMENO DO HIBRIDISMO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO: MATERIAIS DIDÁTICOS X INTERNET1 Alane Kerolaine Gondim Leitão (UFPE) Ana Cecília (UFPE) Maria Gabriela Ramos De Oliveira (UFPE) Silmara Priscila Sabino Pereira Da Silva (UFPE) Talita Fernandes (UFPE) Introdução É sabido que há certo distanciamento entre a língua falada e a língua escrita, embora haja mais semelhanças que diferenças. Além disso, há ainda a distinção entre os tipos de registro dessas duas modalidades, o informal e o formal. Conforme (KOCH, 2003, p.78) apud (VIEIRA; VELOSO, 2011, p.704), “há uma escrita informal que se aproxima da fala e uma fala formal que se aproxima da escrita”. Embora, com a internet e as redes sociais a escrita, dentro desses meios, tenha estado cada vez mais próxima do que seria uma fala informal, alguns usos, naturalmente são regidos por regras gramaticais inerentes exclusivamente a formas próprias da escrita, como veremos no decorrer desta pesquisa. Segundo Teixeira (2006, p.10), A massificação do telemóvel [telefone celular] veio alterar substancialmente a relação que as camadas juvenis mantinham com o texto es- 1. Trabalho orientado pela Professora Doutora Gláucia Renata Pereira do Nascimento (Docente/pesquisador do Depto de Letras – CAC – UFPE) 4023 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres crito. Este tipo de texto, até aí tido como uma forma de representar a linguagem mais formalizada, contraposta à oralidade quotidiana, é transfigurado pelo telemóvel como instrumento de escrita. Ainda em concordância com Teixeira (2006), apesar de a internet ser um lugar de múltiplas línguas, o qual procura se apresentar de maneira especialmente abrangente, este espaço virtual tem se tornado um lugar também, e acima de tudo, “unificador de tendências”. “[...] Para isso, simplifica os códigos de escrita e tende a usar um código o mais universal possível”. (TEIXEIRA, 2006, p.2). Posto isto, em seu texto, o autor faz uso da expressão “globalização linguística”. Os jovens tem tido muito mais acesso a essa escrita informal, por meio da internet, do que à ensinada na escola, com a qual têm contato estabelecido essencialmente através do material didático. Simultaneamente, em decorrência da chamada “globalização linguística”,a língua portuguesa passa por um transcurso muito rápido de aquisição de novas palavras, as quais têm sido emprestadas (principalmente do inglês). Estas, de forma natural e quase que imperceptível, incorporam-se a estruturas do português, contribuindo para a emergência de palavras híbridas nessa língua. Apesar de, em geral, alguns conceitos sobre formação de palavras não serem abordados por professores de ensino básico, crianças e jovens sentem a necessidade do acréscimo de afixos a semantemas de outros idiomas e os aplicam, mesmo sem terem uma consciência explícita do fenômeno e dos conceitos inerentes a essa prática. Isso é possível, porque, além do léxico externo (conjunto de palavras as quais conhecem da língua), tais crianças e jovens têm arquivado na memória um léxico interno, o qual lhes permite conhecer as regras de combinação de elementos de sua língua, viabilizando os processos de derivação e composição para a formação de novas e híbridas palavras. Isto porque, “o léxico é ‘ecologicamente correto’: temos um banco de dados em permanente expansão, mas utilizando sobretudo material já disponível, o que reduz a dependência de memória e garante comunicação automática.” (BASÍLIO, 2006, p.10) Apesar do pouco conhecimento, os processos de composição e de derivação de uma mesma palavra a partir de formas provenientes de diferentes línguas é bastante antigo na língua portuguesa. Tal fenômeno é denominado de ‘hibridismo linguístico’. Entende-se aqui que o conceito de hibridismo, especialmente de palavras que emergem na internet, pode ser um excelente meio de introduzir 4024 Alane K. G. Leitão, Ana Cecília, Maria G. R. de Oliveira, Silmara P. S. Pereira da Silva, Talita Fernandes para os alunos de ensino básico conceitos como os de derivação e composição de palavras, visto que os jovens estão constantemente em contato com palavras híbridas as quais são facilmente encontradas na internet, como retwittar e bugado. Cabe aqui citar Fairchild (2009), em seu texto Conhecimento técnico e atitude no ensino de língua portuguesa, quando ressalta que: Os encaminhamentos discutidos fundamentam-se na premissa de que erros e outras manifestações imprevistas não apenas revelam procedimentos de construção do conhecimento, mas também oferecem oportunidades importantes para que o professor se faça incluir na palavra do aluno, sendo, portanto, um aspecto fundamental na construção de uma relação em que o ensino se torne possível. Entretanto, as gramáticas escolares e livros didáticos, aparentemente, não têm se utilizado dessa estratégia. Sendo assim, decidimos analisar a abordagem do tema hibridismo na coleção de livros didáticos de 6º a 9º ano do ensino fundamental da autora Laura de Figueiredo: Singular e Plural: leitura, produção, estudos de linguagem (2012) e na gramática de ensino básico Gramática Reflexiva: Texto, semântica e interação de William Cereja e Thereza Cochar (2009). Apresentamos, ainda, um levantamento de palavras recorrentemente utilizadas no meio virtual, recolhidas em blogs nacionais de temas como moda, música e jogos, que são, provavelmente, acessados por jovens brasileiros com interesse em tais temas e que, portanto, apresentam um léxico conhecido e usado por eles. Para tanto, a pesquisa se baseou em documentos oficiais os quais regem o ensino básico. São estes os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (PCN, 1997) e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 2011). Em primazia, discorreremos sobre o que é o hibridismo e como esse fenômeno se apresenta no português brasileiro contemporâneo, nos já citados espaços da internet. O hibridismo linguístico no português brasileiro Bechara (2009, p372) define hibridismo como “a formação de palavras com elementos de idiomas diferentes”. A definição é satisfatória. Há, porém, gramáticas escolares que informam, equivocadamente, que o hibridismo é um processo de formação de palavras. 4025 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Monteiro (2002, p200) defende – e nesta pesquisa se corrobora tal concepção – que É preciso desfazer o equívoco de certas gramáticas que consideram o hibridismo um processo de formação de palavras, distinto dos demais. Os processos que produzem os vocábulos híbridos são a composição e a derivação, sem nenhuma diferença a não ser a diversidade de origem dos elementos formadores. Ou seja, o hibridismo, de fato, não é um processo de formação de novas palavras. Dessa forma, melhor seria dizer que as palavras híbridas são “produzidas com elementos de línguas diferentes” (MONTEIRO, 2002, p.200). O hibridismo é um fenômeno que envolve os processos de derivação e de composição. Bechara, em seu tópico sobre hibridismos, complementaa informação, em nota de roda pé, informando algo que é de extrema importância para o ensino de hibridismo no ensino básico. “O ar vernáculo é tal, que a rigor não se poderia falar de hibridismo em muitas dessas inovações lexicais. Só aos olhos de quem conhece a história desses elementos é que fica patente sua origem estrangeira.” BECHARA (2009, p.372). Ou seja, embora haja muitas palavras no português que já passaram por esse processo de hibridização, em virtude do constante uso, com o passar do tempo, torna-se quase que imperceptível a identificação da estrutura híbrida de muitas delas. Como pontua Monteiro (2002 p.200) acerca do hibridismo, “(...) os usuários do português em geral não têm consciência da origem dos constituintes [...] ” de muitas palavras híbridas. E aqui se encontra o problema do ensino e exemplificação não condizentes com a realidade e com o contexto no qual o aluno está inserido. Apesar de utilizar exemplos herdados das antigas gramáticas (autorretrato e germanofobia, por exemplo), observa-se em Bechara a consciência de que estes não facilitam a compreensão dos alunos, além de que, o autor também atenta para a facilidade do surgimento de hibridismos. Nas palavras do autor, a nossa língua “forma com facilidade hibridismos com elementos estrangeiros que se acham perfeitamente assimilados ao idioma, que passam como elementos nativos” (2009, p.372). O hibridismo é, hoje, um tema pouco pesquisado e para o qual se dá insuficiente relevância, dado o corrente uso. Entendemos que a na era das TDIC (Tecnologias 4026 Alane K. G. Leitão, Ana Cecília, Maria G. R. de Oliveira, Silmara P. S. Pereira da Silva, Talita Fernandes Digitais de Informação e Comunicação) o fenômeno ganha relevo e merece mais atenção dos que se interessam por linguística aplicada ao ensino do português. O que dizem os documentos base Consideremos primeiramente os Parâmetros Curriculares Nacionais. O documento é publicado em 1997 e apesar do contexto histórico-linguístico diferente, visto que, como se sabe, a língua está em constante mudança, já se nota uma preocupação com a contextualização do ensino. Ainda no início do documento, pontua-se que “saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos” (1997, p.8) é de extrema importância, sendo um dos objetivos do ensino fundamental. Outro ponto que revela essa preocupação em relação ao contexto é apresentado logo no primeiro tópico de outra lista, o qual retrata “a desconsideração da realidade e dos interesses dos alunos” (1997, p.18) como uma das críticas feitas ao ensino tradicional. Alguns outros pontos pertinentes, para esta análise, encontrados nos PCN (1997): • Pode-se dizer que hoje é praticamente consensual que as práticas devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades lingüísticas. (p.18) • Não se justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de linguagem. (p.28) • Em uma sociedade como a brasileira, marcada por intensa movimentação de pessoas e intercâmbio cultural constante, o que se identifica é um intenso fenômeno de mescla lingüística. (p.29) • É preciso entender, por um lado, que, ainda que se trate a palavra como unidade, muitas vezes ela é um conjunto de unidades menores (radicais, afixos, desinências) que concorrem para a constituição do sentido. (p.84) Visando agora à composição do livro didático em si, deve-se ressaltar o que determinou o PNLD (2011) para a coleção de livros didáticos a qual será analisada posteriormente. As resenhas observadas foram as de 2011-2013, compreendendo, assim, o ano de lançamento da coleção. 4027 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Um dos pontos primordiais o qual fundamenta a análise proposta a seguir está nos critérios específicos sobre o componente curricular. Há a recomendação da apropriação de situações de uso, na prática de ensino, com fins na melhor sedimentação do conhecimento. Assim como estabelece o próprio documento, o livro didático “deve proporcionar o aluno a refletir sobre aspectos da língua, utilizando situações de usos [...] e propiciar a construção de conceitos.” (2011, p.23) Alguns outros aspectos importantes do PNLD (2011)dentre critérios comuns e específicos: • Apresentar “coerência e adequação da abordagem assumida pela coleção” (2011,p.13) • Adequação do assunto com o nível de escolarização, além de também incentivar a busca de materiais externos ao livro didático. (2011,p.21) • Em relação ao trabalho com texto é necessária a articulação dos textos e assuntos para gerar uma progressão nos estudos. (2011,p.21) • Desenvolver a proficiência na escrita, considerando a escrita como prática social e a escrita como processo [...] (2011,p.22) Análise de dados A análise dos dados obtidos a partir deste trabalho foi organizada da seguinte maneira: Apresentamos, primeiramente, um quadro demonstrativo de palavras híbridas apanhadas em blogs nacionais de temas como moda, música e jogos que são, provavelmente, acessados por jovens brasileiros com interesse em tais temas e que, portanto, apresentam um léxico conhecido e usado por eles. É oportuno que se ressalte inclusive que, no início da pesquisa, acreditávamos ser mais simples a coleta de palavras híbridas nos blogs sem que se levasse em conta a categoria destes, tendo o grupo analisado alguns de humor, por exemplo. Todavia, constatamos que não seria fácil encontrar hibridismos em qualquer categoria de blog. Empréstimos foram encontrados com maior facilidade. Blogs com os temas já citados (moda, música e jogos) foram os que apresentaram mais palavras híbridas, sendo mais produtivas em blogs de jogos. Este fato explica-se facilmente, já que muitos dos jogos mais populares entre os jovens não são traduzidos para o português. “Com a revolução tecnológica, os estudantes tornaram-se sujeitos atuantes na construção de conhecimentos, pois, ao navegarem virtualmente, entram em contato com diferentes saberes” (GONÇALVES; MOTTER, 2012, p. 3). 4028 Alane K. G. Leitão, Ana Cecília, Maria G. R. de Oliveira, Silmara P. S. Pereira da Silva, Talita Fernandes É importante ainda deixar claro que os textos de blogs foram escolhidos intencionalmente para a extração e representação do uso real das palavras híbridas. Ou seja, os blogs foram adotados como meio para a comprovação de que há sim hibridismos linguísticos em uso no português brasileiro contemporâneo. Em contraposição a estes achados, serão expostas palavras que aparecem como exemplos do fenômeno estudado na gramática e na coleção de livros didáticos, de ensino básico, já nomeados anteriormente. a) O hibridismo em palavras da internet As palavras apresentadas no quadro abaixo foram transcritas de 09 nove blogs diferentes sobre assuntos diversos. Tabela 1 - Palavras híbridas encontradas em blogs da internet sobre moda, música e jogos Nº RAÍZES/ (ORIGEM) PALAVRAS ACRÉSCIMOS (PORTUGUÊS) DERIVAÇÃO/ COMPOSIÇÃO/ FLEXÃO 01 Blogar Blog (Inglês) -ar Sufixal 02 Blogosfera Blog (Inglês) -esfera Sufixal 03 Blogueiro Blog (Inglês) -eiro Sufixal 04 Boyzinha Boy (Inglês) -inha Sufixal 05 Bugado Bug (Inglês) -ado Sufixal 06 Bugar Bug (Inglês) -ar Sufixal 07 Bugou Bug (Inglês) -ou (desinência NP ) Verbo derivado flexionado 08 CraftLandia Minecraft (Inglês) -Landia Sufixal 09 Deslogar Log (Inglês) Des-; -ar Parassintética 4029 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres 10 Fashionismo Fashion (Inglês) -ismo Sufixal 11 Flopa Floop (Inglês) -a (desinência NP) Sufixal 12 Flopar Floop (Inglês) -ar Sufixal 13 Flopou Floop (Inglês) -ou (desinência NP ) Verbo derivado flexionado 14 Googlar Google (Inglês) -ar Sufixal 15 Hackeador Hacker (Inglês) -ador Sufixal 16 Hitar Hit (Inglês) -ar Sufixal 17 Hitou Hit (Inglês) -ou (desinência NP ) Verbo derivado flexionado 18 Kibar Kibe (Árabe) -ar Sufixal 19 Logado Log (Inglês) -ado Sufixal 20 Logar Log (Inglês) -ar Sufixal 21 Makes MakeUp (Inglês) -s ( Flexão de número) 22 Postagem Post (Inglês) -agem Sufixal 23 Postando Post (Inglês) -ando Verbo derivado flexionado no gerúndio 24 Postar Post (Inglês) -ar Sufixal 25 Reblogar Blog (Inglês) Re-; -ar Parassintética 26 Retwitar Twitter (Inglês) Re-; -ar Parassintética 4030 Alane K. G. Leitão, Ana Cecília, Maria G. R. de Oliveira, Silmara P. S. Pereira da Silva, Talita Fernandes 27 Rockeiro Rock (Inglês) -eiro Sufixal 28 Shippar Ship (Inglês) -ar Sufixal 29 Shippo Ship (Inglês) -ou (desinência NP ) Verbo derivado flexionado 30 Stalkear Stalk (Inglês) -ar Sufixal 31 Trollar Troll (Inglês) -ar Sufixal 32 Twitar Twitter (Inglês) -ar Sufixal 33 Upando Up (Inglês) -ando Verbo derivado flexionado no gerúndio 34 Upar Up (Inglês) -ar Sufixal Chama atenção, primeiramente, neste quadro, o fato de que a maioria das palavras é de base inglesa, sendo apenas uma, Kibe, proveniente do árabe. Confirma-se, portanto, a ideia de que “no cenário atual, a Língua Inglesa recebe seus créditos por pluralizar o mapa lingüístico e cultural de todo o mundo, servindose da tecnologia digital e das mídias interativas.” (GONÇALVES; MOTTER, 2012, p. 6). Há ainda outras questões a serem observadas. Note-se que o mais produtivo dentre os processos de prefixação e sufixação é o segundo e que quando ocorre sufixação verbal, a qual também ganha em número de eventos, a maior produtividade fica a cargo da primeira conjugação. Há também três casos de parassíntese. Neles, primeiramente ocorre a adição da desinência verbal -ar, para só então haver a adição dos prefixos des- e re-. Basílio (2006), explica essas ocorrências da seguinte forma: Na sufixação temos a estrutura [[base] sufixo]x, em que o sufixo determina a categoria lexical x da palavra resultante; na prefixação a estrutura é [prefixo[base]]x, e o prefixo especifica uma alteração semântica na palavra resultante, ficando inalterada a classe x da base; e na derivação 4031 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres parassintética temos [prefixo[base]sufixo]x, sendo que o prefixo especifica uma alteração semântica e o sufixo determina a categoria lexical x da palavra resultante. É relevante a ocasião de que estão envolvidos objetos, tais como sufixos e prefixos, além de raízes, e suas determinadas funções, na composição/derivação destas palavras. Sendo este meio um lócus bastante rico para o ensino de tais processos. b) Os livros didáticos Inicialmente, deve-se levar em conta que a escolha da coleção de livros a ser observada também não foi feita aleatoriamente. Já que, do 6º ao 9º ano (2º ciclo do ensino fundamental), são justamente os anos pelos quais os alunos, em sua maioria (salvo nos projetos de EJA e Travessia), passam pela pré- adolescência e adolescência. Retomando a fala de Teixeira (2006) “A massificação do telemóvel [telefone celular] veio alterar substancialmente a relação que as camadas juvenis mantinham com o texto escrito” (p.10). Os livros da coleção Singular e Plural: leitura, produção, estudos de linguagem, da autora Laura de Figueiredo, publicados no ano de 2012, mostram-se aparentemente atuais em alguns aspectos. Contudo, não foram achados bons resultados acerca do estudo do hibridismo nestes. Dentre os quatro livros da coleção, o único volume que apresenta temas que levaram a crer estarem próximos do fenômeno do hibridismo foi o do 9º ano. A autora apresenta o tema Empréstimos e Estrangeirismos (a partir da página 184 do livro do 9º ano), no qual introduz uma pequena nota a respeito do que chama de “Palavras estrangeiras aportuguesadas”. Esta nota, à primeira vista, assemelha-se ao que se denominaria hibridismo. Entretanto, ao se dispensar mais atenção às palavras listadas, notou-se que não se tratavam de palavras híbridas. São estas as posta na lista fornecida pela autora na página 185: ‘caubói’, ‘clicar’, ‘ateliê’, ‘alfaiate’, ‘quitute’, ‘palhaço’ e ‘jacaré’. A única dentre as sete destas, que apesar de não estar na tabela apresentada, é um uso recorrente no momento atual na língua portuguesa brasileira é clicar. As outras oferecem dificuldade de reconhecimento de seus elementos constituintes autênticos, que são, segundo a autora, de outros idiomas, uma vez que passaram pelo processo de ‘aportuguesamento’ 4032 Alane K. G. Leitão, Ana Cecília, Maria G. R. de Oliveira, Silmara P. S. Pereira da Silva, Talita Fernandes em sua escrita, como informa a autora. Note-se que hibridismo e “aportuguesamento” são fenômenos distintos. O hibridismo, como já visto, envolve processos de derivação e de composição de palavras, já no “aportuguesamento” ocorrem apenas modificações gráficas em palavras outrora emprestadas de outras línguas (como em cowboy e caubói, por exemplo). Ou seja, constatou-se que o tema não é abordado em nenhum dos livros da coleção. Por um lado, tem-se a massificação do uso de palavras híbridas no português brasileiro contemporâneo, especialmente na internet, meio muito presente no cotidiano de crianças e jovens brasileiros. Os estudantes as utilizam sem nenhuma dificuldade, dentro e fora do universo virtual. Apesar disso, esse mesmo processo não é posto no livro didático. Verifica-se contrariedade, portanto, com os critérios estabelecidos pelo PNLD (2011). Uma vez que, como demonstrado nas citações do documento, deve-se buscar co-relação com situações de uso efetivo da língua. Ainda em conformidade com o PNLD, é importante a “adequação do assunto com o nível de escolarização, além de também incentivar a busca de materiais externos ao livro didático.” (2011, p.21) c) A gramática escolar A gramática escolar avaliada, contrariamente aos livros didáticos, apresenta o tema hibridismo, em sua página 105. No entanto, o tratamento com o tema se mostra falho e descontextualizado. Em primazia, atenta-se para o pequeno espaço que é dado ao tema, para o qual é reservado menos da metade de uma página. Apesar da pouca informação sobre o fenômeno, o hibridismo, como já visto anteriormente, é um fato e está presente no português contemporâneo. Sendo assim, observa-se certa desproporcionalidade neste ponto, considerando que é dado espaço maior para outros fenômenos. Além disso, quando se parte para as exemplificações, há um total distanciamento da realidade do estudante e do português brasileiro contemporâneo. São estas as palavras trazidas a título de exemplo: ‘bisavô’, ‘cronômetro’, ‘automóvel’ e ‘burocracia’. A única destas que chega a se assemelhar às da tabela 1 é bisavô, já que se consegue ter, com mais facilidade, a percepção de seus elementos constituintes. 4033 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Não obstante, consideram-se dois fatos na escolha de tais palavras. Primeiramente, todas elas são de uso comum na língua. Em segundo lugar, não são palavras “atuais”, ou seja, que foram incorporadas recentemente ao léxico do português brasileiro, ou ao menos ao de um determinado grupo (por exemplo, de faixa etária predominantemente jovem), no caso das palavras da tabela apresentada no tópico ‘a’ desta análise. Os Parâmetros curriculares nacionais são claros quando propõem que “é preciso entender, por um lado, que, ainda que se trate a palavra como unidade, muitas vezes ela é um conjunto de unidades menores (radicais, afixos, desinências) que concorrem para a constituição do sentido. (1997, p.84) Ainda que na gramática de Cereja; Cochar venham explicitadas a composição das partes de tais palavras, estas são tão corriqueiras para os alunos, que para eles fica mais difícil o entendimento do hibridismo, já que se perdeu a noção de que os constituintes das palavras exemplos são de idiomas diferentes. Nota-se que a compreensão é dificultada pela falta de ligação com a realidade vivida pelo aluno. Considerações finais: o conteúdo como argumento O movimento e expansão do léxico da língua portuguesa através da internet e das mídias sociais tende a ser, a nosso ver, um forte aliado para a melhor compreensão de processos de formação de palavras como os de derivação e composição. Nas palavras de Gonçalves e Motter (2012, p. 2-3), a comunicação digital, viabilizada principalmente pela internet, permitiu que a língua se expandisse e atingisse, de maneira diferente, espaços que ainda não tinham sido englobados por esse processo. Um desses espaços é a escola. O fazer educativo aliado à tecnologia opera na construção de um conhecimento novo, ágil, criativo e flexível, um conhecimento harmonizado com o ritmo de vida dos estudantes de hoje. Logo, “seria muito melhor que a escola aprendesse a ver e a trabalhar com estas novas formas de expressão e as contextualizasse no plano das variedades e níveis de linguagem que todas as línguas possuem” (TEIXEIRA, 2006, p.11). 4034 Alane K. G. Leitão, Ana Cecília, Maria G. R. de Oliveira, Silmara P. S. Pereira da Silva, Talita Fernandes Os materiais didáticos também precisam se comprometer mais com a contextualização de conteúdos, de modo mais articulado com a realidade atual dos estudantes da educação básica. No entanto, deve haver ainda maior cuidado, por parte do professor, diante da não adequação dos materiais didáticos à realidade do aluno. É importante ressaltar que a análise aqui posta tem em vista os materiais de apoio do professor, entretanto entende-se a autonomia deste, que pode (e deve!) levar para a sala de aula outros tipos de material, além de livros didáticos. O professor não deve apoiar sua prática tão somente em materiais didáticos. Como argumenta Fairchild (2009, p. 7), “[...] a prontidão do professor depende da sua segurança para contestar a autoridade de materiais publicados quando uma situação prática os surpreende.” Assim, além da situação prática inesperada com a qual o professor pode se deparar, as mutações e nuances linguísticas (relevância de determinados temas em detrimento de outros) devem ser também um fator contestatório da autoridade destes materiais. Em virtude dos resultados obtidos, acredita-se que para alunos de ensino básico seria muito mais produtiva a apresentação de conteúdos da morfologia, tais como afixos e desinências, a partir de palavras híbridas, como as explicitadas no quadro do tópico ‘a’ da análise de dados. Conhecendo a procedência de constituintes dessas palavras, predominantemente de língua inglesa– como verificado – conseguiriam identificar mais facilmente esses constituintes, como em deslogar, por exemplo. Por semelhante modo, reblogar e postagem seriam palavras de fácil análise para os alunos. Finalmente, Neves (2012, p. 51), apud (Halliday, 1994) reconhece que “as formas e os processos da língua (a gramática) são meios para um fim, não um fim em si mesmo: na atividade bem-sucedida, os fins são correlatos das motivações”. Dessa maneira, ter-se-ia a produtividade híbrida vivida pelo português brasileiro atual como um meio para um fim. E não o puro ensino do velho conteúdo gramatical, pautado em exemplos descontextualizados, como um fim em si mesmo. 4035 Anais Eletrônicos VI ECLAE / Pôsteres Referências BALREIRA, A. Stalkear, Trollar, Kibar, Floodar...Hã?????.2012. Disponível em: <http:// www.adrianabalreira.com/2012/05/stalkear-trollar-kibar-floodarha.html>. Acesso em: 20 maio 2015. BASÍLIO, M. Formação e classes de palavras no português do Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. BECHARA, E, 1928- Moderna gramática portuguesa. 37. Ed. Ver.,ampl. e atual. Conforme o novo Acordo Ortográfico. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997. ______. Secretaria de Educação Básica (SEB). Guia de Livros Didáticos PNLD 2012 – História. Brasília, DF: SEB, 2011. CEREJA, W. R.; COCHAR, T. M. Gramática reflexiva: volume único, 3. Ed. Reform. – São Paulo: Atual, 2009. COELHO, C. Super Vaidosa. Disponível em: <http://camilacoelho.com/>. Acesso em: 17 maio 2015. COUTINHO, C. Garotas estúpidas. Disponível em: <http://www.garotasestupidas. com/>. Acesso em: 17 maio 2015. CRAFTLANDIA: Fóruns. Disponível em: <http://forum.craftlandia.com.br/ipb/index. php?/topic/456371-hacker-ou-e-nubice-msm/>. Acesso em: 19 maio 2015. FAIRCHILD, T. M. Conhecimento técnico e atitude no ensino de língua portuguesa. 2009. 13 f. Universidade Federal do Pará, São Paulo. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/ep/article/view/28206 >. Acesso em: 17 maio 2015. FIGUEIREDO, Laura de. Singular e Plural: leitura, produção, estudos de linguagem. Laura de Figueiredo, Marisa Balthasar, Shirley Goulart - São Paulo : Moderna 2012. GONÇALVES, A. R.; MOTTER, R. M. B. Sobre o ensino de língua inglesa no contexto global: língua franca, hibridismo linguístico, e homogeneização cultural. E-scrita, Nilópolis, v. 3, n. 3, p.1-14, dez. 2012. Disponível em: <http://www. uniabeu.edu.br/publica/index.php/RE/article/view/632/pdf_301>. Acesso em: 17 maio 2015. KIOSKEA: Fóruns. Disponível em: <http://pt.kioskea.net/forum/affich-179216-nao-toconseguindo-twittar-porque>. Acesso em: 15 maio 2015. LEAGUE of legends: Fórum. Disponível em: <http://forums.br.leagueoflegends.com/ board/showthread.php?t=153443>. Acesso em: 19 maio 2015. LEVEL up: Vem upar. Disponível em: <http://warface.uol.com.br/vem-upar/>. Acesso em: 19 maio 2015. MONTEIRO, J. L. 1994 – Morfologia Portuguesa / José Lemos Monteiro. 4º edição revista e ampliada. – Campinas: Pontes, 2002 NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática passada a limpo: conceitos, análises e parâmetros / Maria Helena de Moura Neves – São Paulo: Parábola Editorial, 2012. 4036 Alane K. G. Leitão, Ana Cecília, Maria G. R. de Oliveira, Silmara P. S. Pereira da Silva, Talita Fernandes ON tape: flopa ou não flopa. 2011. Disponível em: <http://ontapeblog.blogspot.com. br/2011/07/flopa-ou-nao-flopa.html>. Acesso em: 19 maio 2015. ______. Quero ser blogueira: COMO CONCILIAR SEU EMPREGO E O BLOG. Disponível em: <http://karolpinheiro.com.br/videos/quero-ser-blogueira-ep-6-comoconciliar-seu-emprego-com-o-blog-com-stephanie-noelle/>. Acesso em: 17 maio 2015 TEIXEIRA, J. Globalização, novos cosmopolitismos e a anunciada morte das línguas. 2006. p. 169 - 186. In: colóquio de outono – Novos cosmopolitismos. Identidades híbridas, 2004. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1822/5867>. Acesso em: 18 maio 2015. TIETANDO: A Difícil Arte de “Shipar” em Paz. 2007. Disponível em: <https:// tietandoblog.wordpress.com/2007/12/02/a-dificil-arte-de-shipar-em-paz/>. Acesso em: 19 maio 2015. VIEIRA, D.; VELOSO, L. F. Gêneros textuais e produção: O desenvolvimento da competência discursiva através de práticas de produção embasadas em gêneros textuais. ANAIS DO XVI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: Docência nos seus múltiplos espaços, Cachoeira do Sul, p.699-715, 8 jul. 2011. Disponível em: <https://books.google.com.br/s?id=tOUEQUOUnWgC&pg=PA704&lpg=PA704&dq=h á+uma+escrita+informal+que+se+aproxima+da+fala++koch&source=bl&ots=evEsgj Ou5J&sig=ih888_0pEbhNv0UB2jsdEAO3qg8&hl=pt-BR&sa=X&ved=0CDAQ6AEwA2o VChMI78Wn9qKOxwIVAxgeCh3sEwp7#v=onepage&q=há uma escrita informal que se aproxima da fala koch&f=false>. Acesso em: 02 ago. 2015. 4037