Quando os portugueses se vêem gregos ou a questão dos estereótipos
culturais em expressões idiomáticas portuguesas e francesas
Isabel Simões Marques1 & Andreea Teletin2
Universidade de Coimbra / Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa1
Pós-Doutoramento FCT / Centro de Linguística da Universidade do Porto2
Abstract
The aim of this paper is to analyse Portuguese and French idiomatic expressions which convey
cultural representations of various nations. Nation names function as intensifiers, although the term of
comparison is not always obvious. The analysis of idiomatic expressions which contain a given nationality
allows us to study how this aspect helps in qualifying persons, events or objects. Therefore, idioms
represent a rich source of information regarding the way in which stereotypes, initially applied to a certain
group, become a universe of shared beliefs and offer information about the degree of appreciation or
depreciation of a nation in the two referred languages.
Keywords: Idiomatic expressions, national stereotypes, axiological modality, comparison between
Portuguese and French.
Palavras-chave: Expressões idiomáticas, estereótipos nacionais, modalidade axiológica, comparação
português/ francês
1. Introdução
As expressões idiomáticas representam uma forma particular de expressão, no
âmbito da fraseologia e uma fonte inesgotável de sabedoria popular de cada nação.
O nosso objectivo será a análise comparativa em português e em francês de
expressões idiomáticas que veiculam representações culturais sobre os povos. O
presente estudo nasceu, num primeiro momento, da necessidade de traduzir algumas
destas expressões idiomáticas - que expressam traços culturais - no espaço da sala de
aula (português língua estrangeira e francês língua estrangeira). A quase inexistência de
materiais bilingues nesta área dificultou a sua tradução. Por outro lado, os dicionários
monolingues, que analisámos, privilegiam sempre a língua em detrimento do discurso e
funcionam, na maioria dos casos, como dicionários alfabéticos.
Num segundo momento, considerando a quantidade de expressões idiomáticas
existentes, partimos do princípio que os nomes de povos são produtivos para a criação
destas unidades fraseológicas e, por essa razão, privilegiámos a abordagem temática, de
tipo gentílico ou toponímico, como eixo principal da nossa análise. Enquanto unidades
de base de uso frequente, as expressões idiomáticas representam um obstáculo à
compreensão – oral ou escrita – em língua estrangeira.
No entanto, um estudo comparativo das expressões portuguesas e francesas poderá
permitir-nos analisar e comparar não só diferentes culturas e costumes como também
_____________________________________
Textos Seleccionados, XXVI Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa, APL, 2011,
pp. 343-357
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
diferentes estruturas frásicas (Adj./V+como+N) e outros aspectos linguísticos, e, ainda
aspectos culturais distintos veiculados por essas expressões.
2. Corpus e metodologia
O nosso corpus baseou-se na recolha de expressões em vários dicionários franceses
e portugueses, nomeadamente os de Orlando Neves (1991), António Nogueira Santos
(2006), José João Almeida (2010), Claude Duneton (1990), Alain Rey & Sophie
Chanteau (2007), assim como a base de dados em linha do Centre National de
Ressources Textuelles et Lexicales du CNRS - França (www.cnrtl.fr).
Estamos conscientes de que uma abordagem sociodiscursiva apresenta
indubitavelmente vantagens para este estudo que nos propomos encetar, uma vez que os
saberes constitutivos de uma cultura estrangeira (relações interpessoais, hierarquias
sociais, efeitos humorísticos ou irónicos) são de difícil, improvável ou inexistente
categorização lexicográfica.
Assim, desenvolvemos uma análise descritivo-teórica visando os seguintes
objectivos: 1. reflectir sobre o estatuto das expressões idiomáticas; 2. estudar as
expressões idiomáticas de tipo gentílico ou toponímico numa perspectiva contrastiva em
português e em francês; 3. comparar e classificar as expressões idiomáticas em função
de diferentes critérios de análise.
Após a consulta de vários dicionários, constatámos que às expressões idiomáticas e
proverbiais subjazem determinadas crenças partilhadas por portugueses e franceses. Os
provérbios, bem como as expressões idiomáticas, são unidades codificadas, que
denominam um conceito geral e têm um sentido convencional. Os provérbios: “De
Espanha nem bom vento, nem bom casamento”, “Quem tem padrinho não morre
mouro”,“Roma e Pavia não se fizeram num dia”/“Rome ne s’est pas fait en un jour”,
“Paris vaut bien une messe” exprimem uma verdade geral, uma situação genérica, uma
relação independente das situações particulares. Este estatuto de frase genérica e
verdade geral permite distinguir os provérbios das expressões idiomáticas.
A expressão idiomática pode ser definida como uma unidade sintática, lexicológica
e semântica. O seu significado não pode ser calculado pelos significados das palavras
contidas na expressão e apresenta uma distribuição única ou muito restrita dos seus
elementos lexicais. As particularidades das expressões idiomáticas abrangem dois
vectores: a forma (a expressão idiomática é constituída por um grupo de palavras) e o
conteúdo (o significado idiomático): “ver-se grego”, “vingança do chinês”, “estar/ser
grego em alguma coisa”, “fazer de alguém roupa de franceses”, “agradar/contentar a
gregos e troianos”, “remettre aux calendes grecques”, “construire des châteaux en
Espagne”. Por outro lado, a expressão idiomática não veicula uma moral, uma verdade,
mas descreve, complementa, torna mais expressiva uma determinada atribuição ao
sujeito ou a uma determinada situação.
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QUANDO OS PORTUGUESES SE VÊEM GREGOS OU A QUESTÃO DOS ESTEREÓTIPOS CULTURAIS EM
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS PORTUGUESAS E FRANCESAS
Num primeiro momento, a análise das expressões idiomáticas que se referem a
uma nacionalidade permitir-nos-á estudar como esta serve para qualificar pessoas,
eventos, objectos.
Num segundo momento, pretendemos mostrar como os portugueses e os franceses
constroem a imagem de si próprios e dos outros. Por exemplo, os portugueses dizem
despedir-se/sair à francesa quando alguém se vai embora sem se despedir, ao passo que
os franceses utilizam filer à l’anglaise na mesma situação. No entanto, existem outras
expressões idiomáticas que, ao contrário das precedentes, veiculam valores positivos
sobre a mesma cultura: comer, viver à grande e à francesa, falar português claro etc.
Outra questão a merecer a nossa consideração será a carga axiológica (positiva ou
negativa) que marca esse tipo de construções gentílicas.
3. Expressões idiomáticas e estereótipos culturais
De um ponto de vista cultural é pertinente observar a maneira como as duas línguas
cristalizam preconceitos sobre as pessoas de outras culturas. Pelos levantamentos
realizados, emitimos a hipótese (que nos conduzirá a um outro estudo) de que o francês
é mais rico do que o português, no que diz respeito às referências aos outros povos.
Charlotte Schapira (1999) define duas categorias de estereótipos: os “estereótipos de
pensamento” e os estereótipos de língua ou “estereótipos linguísticos”.
Les premiers [stéréotypes de pensée] fixent dans une communauté donnée,
des croyances, des convictions, des idées reçues, des préjugés, voire des
superstitions: les Ecossais sont réputés avares, les Polonais boivent
beaucoup, il fait beau à la St. Jean, après l’Ascension le temps se gâte, qui
est heureux au jeu est malheureux en amour, il faut toucher du bois pour
faire durer sa chance. 1
Segundo a autora, os estereótipos de pensamento funcionam enquanto
representações comuns ou esquemas conceptuais, mais ou menos estáveis, que os
indivíduos de uma comunidade social partilham uma vez que os receberam pela tradição
cultural. Assim, os falantes servem-se deles para manifestar as suas opiniões, podendo
reagir a um estereótipo com distância crítica ou aceitando-o de uma maneira
conformista. Alguns desses estereótipos de pensamento adquiriram uma fixidez verbal
na língua, manifestando-se através de locuções ou enunciados repetidos cujos termos
não podem ser modificados pelos falantes.
No entanto, os estereótipos de pensamento, fixados em fórmulas ou expressões
próprias de uma língua, correspondem aos “estereótipos linguísticos” que Schapira
define da seguinte maneira: “Les stéréotypes linguistiques sont des expressions figées,
1
SCHAPIRA, Charlotte (1999) Les stéréotypes en français: proverbes et autres formules. Paris : Ophrys,
pp.1-2.
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
allant d’un groupe de deux ou plusieurs mots soudés ensemble à des syntagmes entiers
et même à des phrases.” 2
Os estereótipos linguísticos comportam várias classes ou categorias estudadas no
campo da fraseologia. As diversas classes de unidades fraseológicas (colocações,
locuções de diferentes tipos, paremias, enunciados ritualizados, etc.) são, com efeito,
estereótipos linguísticos que os falantes acumulam na sua memória e que foram
adquiridos com o conhecimento e o uso da língua. Estes estereótipos funcionam
associados a determinados esquemas conceptuais preconstruídos e compartilhados que
podem ser facilmente convocados nos actos concretos de comunicação para contribuir
para o entendimento com o interlocutor (quando este tem a competência linguística,
situacional e sociocultural necessárias). Por isso, o domínio da fraseologia, e mais
especificamente o domínio dos enunciados estereotipados e as expressões idiomáticas,
constituem uma prova importante do grau de proficiência e competência no uso de uma
língua estrangeira.
Nas unidades fraseólogicas temos assim a forma de expressão - dimensão literal do
estereótipo linguístico - constituída por um conjunto de termos (sintagma, enunciado)
que apresenta um nível mais ou menos elevado de fixidez idiomática. Por outro lado, o
significado constitui o conceito ou sentido global - estereótipo de pensamento transmitido ou comunicado através da forma de expressão de cada unidade fraseológica
concreta.
As expressões idiomáticas são unidades lexicais completas que não constituem
actos de fala ou de comunicação em si mesmos, já que pertencem ao sistema da língua,
disponíveis depois para os falantes as integrarem na sua competência linguística. O
locutor actualiza o sentido virtual da expressão, integrando-a num enunciado concreto
através do qual realiza um acto determinado de discurso, pondo em destaque uma certa
intencionalidade comunicativa (informar, ironizar, etc.) numa situação concreta de
comunicação. Os estereótipos veiculados por estas expressões estão presentes na língua
e, na maioria dos casos, manifestam um julgamento negativo.
Henri Van Hoof, no seu estudo comparativo sobre as expressões que contêm nomes
de países, de povos e de lugares em francês, inglês e alemão, dá o exemplo da língua
francesa:
C’est ainsi que le français parle de querelle d’Allemand, de soupir
d’Allemand, de prendre quelqu’un pour un Allemand, de dents d’Anglaise,
de filer à l’anglaise, de capote anglaise, de mal espagnol, de payer à
l’espagnole, de botte florentine, d’être Grec, d’envoyer quelqu’un se faire
voir chez les Grecs, de faire quelque chose en juif, de mal napolitain, de
2
Ibid., p.2.
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QUANDO OS PORTUGUESES SE VÊEM GREGOS OU A QUESTÃO DOS ESTEREÓTIPOS CULTURAIS EM
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS PORTUGUESAS E FRANCESAS
boire comme un Polonais, de ventre à la Suisse, de traiter quelqu’un à la
turque, etc. 3
Segundo Isabel González Rey (2002), produz-se um processo de “transposição
semântica” que rompe o modelo das regras de produção de sentido das frases
(composicionalidade de elementos), gerando um sentido por “abstração” apoiado na
relação de analogia entre o sentido da imagem utilizada e o sentido conceptual abstracto
comunicado:
En langue générale, les EI [expressions idiomatiques] fondent leur
sémantisme sur la construction d’une image dont le décodage résulte d’une
opération à la fois cognitive et impressive. La formation de cette icône
langagière répond à un besoin de transmettre un concept le plus souvent
abstrait par le concret, au moyen de figures rhétoriques telles que la
métaphore, la métonymie, la synecdoque, entre autres. Ces éléments
stylistiques sont ainsi mis au service de l’expression d’une pensée qui se
veut plus “parlante” aux sens et à l’esprit. 4
Uma das características principais dessas expressões prende-se com a utilização de
uma nacionalidade, um povo para realçar defeitos atribuídos, na maioria dos casos, por
inimizades históricas. Com efeito, a forma literal das expressões que estudámos têm
uma origem histórica e cultural determinada que acabou por se converter num fenómeno
idiomático.
No caso do povo judeu, a língua portuguesa caracteriza-o de maneira negativa
como podemos ver através destes parcos exemplos: Fazer judiarias, Alma de judeu,
Chamar pelas cebolas do Egipto. As cebolas do Egipto tornaram-se famosas pelas
lamentações do povo de Israel enquanto peregrinava pelo deserto fugindo da escravidão.
Assim, podemos atestar que o povo judeu é conotado negativamente.
Relativamente aos árabes, a expressão idiomática Coisa das Arábias descreve de
maneira positiva, fazendo jus às riquezas dos xeques. Mas relativamente aos seus
costumes, a conotação negativa está fortemente presente através das expressões Fazer
salamaleques: fazer cortesias afectadas com vista a obter algo e O que Mafoma não
disse do toucinho: ou seja dizer o pior possível de alguém, coisa ou situação (Mafoma é
Maomet, toucinho está por « porco », cujo consumo é, como se sabe, proibido pelo
Alcorão (ver Neves, 1991: 319).
Já o Mouro é visto como muito trabalhador - Ser um mouro de trabalho ou
Trabalhar como um mouro - ou como alguém de fino e esperto mas também como
3
VAN HOOF, Henri (1999) Les noms de pays, de peuples et de lieux dans le langage imagé. Meta :
journal des traducteurs / Meta: Translators' Journal, 44, 2, Montréal : Les Presses de l'Université de
Montréal, pp. 316.
4
GONZÁLEZ REY, Isabel (2002) La Phraséologie du français. Toulouse : Presses Universitaires du
Mirail, p.139.
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
atacante ou invasor - Andar mouro na costa -, ou ainda como alguém que aplica a
mesma lei de maneira diferente Justiça de mouro.
A expressão Esperteza saloia é constituída pela palavra “saloia” que surgiu após a
conquista de Lisboa aos mouros, em 1147. Como estes faziam orações que
denominavam de çala ou salab, passaram a ser chamados saloios. Com o tempo, o termo
“saloio” evoluiu semanticamente e a designação estendeu-se aos habitantes dos
arredores de Lisboa, que eram exclusivamente aldeões. O termo acabou por se tornar
sinónimo de indivíduo rústico, isto é, que desconhece normas de comportamento e de
cortesia, que não tem bom gosto ou que age de forma manhosa e velhaca. É este último
sentido que está subjacente à expressão em análise. Os aldeões, sabendo que não tinham
grande instrução, temiam ser enganados pelos da cidade, sobretudo pelos “alfacinhas”.
Por isso, os saloios recorriam sempre a diversas artimanhas para ludibriar os seus
parceiros de negócios (ou, pelo menos, para não se deixarem enganar). Mas, as suas
manobras eram tão simples, tão ingénuas que rapidamente eram desmascarados (ver
Neves, 1991: 177-178).
O latim e o grego estão igualmente muito presentes na língua portuguesa. As várias
expressões relativas ao latim são Falar latim: falar de uma maneira que não se entende,
Perder o latim/ Estar a perder o latim, Ser latim para alguém. Estas expressões
denotam que o latim foi sempre considerado uma língua de difícil compreensão e cuja
gramática se afigurava complexa e obscura para os portugueses.
Relativamente ao grego, a origem da expressão Ver-se grego/negro mantém-se
misteriosa mesmo se Orlando Neves (1991) propõe uma explicação segundo a qual o
grego foi sempre encarado na romanidade como coisa difícil. O Ver-se grego não deve
provir de “tornar-se grego” no sentido de se ver como natural ou habitante da Grécia.
No entanto, o mistério em que sempre se tem envolvido o que é grego, por menos
acessível a maioria das pessoas, decerto influiu no facto de a palavra grego se ter
aplicado aos ciganos, cuja origem é incerta, mas que se julga serem oriundos do antigo
império grego. Ver-se grego deve relacionar-se com os ciganos: “Supostos estes
oriundos do antigo império grego, aos ciganos se chamou gregos. A sua vida cheia de
dificuldades, perigos, aventuras, perseguições, deu lugar a que se veja grego quem sofra
percalços ou se veja neles. Por um lado, a linguagem dos ciganos - protótipo do
ininteligível- e por outro lado, a confusão de ciganos com gregos da Ásia Menor e a sua
vida cheia de peripécias, de dificuldades do ciganear dará a origem à expressão” 5.
Relativamente aos ingleses, a expressão Para inglês ver não é lisonjeadora nem
para o povo inglês nem para o povo português. Esta expressão que significa uma obra
de fachada, de atitude ou decisão que se toma para enganar outrem é proveniente da
época do Império quando o Brasil tinha firmado acordos - que não respeitava - com os
ingleses relativamente aos escravos (Ver Neves, 1991: 328).
5
Ibid., p.456.
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QUANDO OS PORTUGUESES SE VÊEM GREGOS OU A QUESTÃO DOS ESTEREÓTIPOS CULTURAIS EM
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS PORTUGUESAS E FRANCESAS
Da época colonial temos algumas expressões como Aquilo é um Brasil, Contar
Áfricas, Meter uma lança em África que têm uma esterotipagem positiva, alusiva ao
dinheiro fácil e às conquistas feitas pelos portugueses. Das raras expressões relativas ao
povo africano podemos destacar o Preto da casa africana, relativo ao antigo
estabelecimento comercial de vendas de roupas na Rua Augusta em Lisboa que teve
durante muito tempo à sua porta um preto fardado encarregado de transportar as
mercadorias aos clientes. Esta expressão é portanto sinónima de pessoa que vai muito
carregada (ver Neves, 1991: 358).
Relativamente às expressões idiomáticas presentes na língua francesa, os povos,
cuja imagem é frequentemente invocada, caricaturizada e depreciada, são os judeus, os
gregos e os ingleses. No que diz respeito aos judeus, tal como vimos em português, a
caracterização é quase sempre negativa: Il est parmi des juifs [Está entre judeus], Riche
comme un juif [Rico como um judeu], Être entre les mains des juifs [Estar nas mãos de
judeus]: estar em perigo, Faire quelque chose en juif [Fazer alguma coisa em judeu]:
fazer algo escondendo-se, sem partilhar.
O mesmo esquema aparece no caso dos gregos: Être grec [Estar Grego] que pode
significar estar bêbado ou ser esperto, Ne pas être grand Grec [Não ser grande Grego]:
alguém de preguiçoso ou ignorante, Se faire voir chez les Grecs [Mandar ir ter com os
Gregos] : quando se quer pôr de lado alguém, Passez, c’est du grec ! [Passe, isto é
grego!]: não se meta, não entenderá nada, C’est du grec pour moi! [É grego para mim]:
quando não se entende nada, Faire le grec [Armar-se em Grego]: fazer batota, Vol à la
grecque [Roubo à grega]: roubo no câmbio.
Os ingleses são vistos como um povo que tem costumes próprios e únicos: Filer à
l´anglaise [Despedir-se à inglesa]: despedir-se sem dizer adeus, Jouer à
l´anglaise [Jogar à inglesa]: jogar para ganhar dinheiro, Mariage à l´anglaise
[Casamento à inglesa] : cada um vive do seu lado, Lieux à l’anglaise [Sítios à inglesa]:
a casa de banho, Dents d’Anglaise [Dentes de Inglesa]: dentes proeminentes.
Rencontrer son Waterloo [Encontrar o seu Waterloo] e Un coup de Trafalgar [Um
golpe de Trafalgar] expressões estas alusivas às derrotas dos franceses, vencidos pelos
ingleses.
O povo alemão aparece também retratado de maneira negativa: Un soupir
d´allemand [Um suspiro de Alemão]: um arroto, Contrefaire l´allemand [Imitar o
Alemão]: fingir ser grosseiro, Prendre quelqu’un pour un allemand [Tomar alguém por
Alemão]: estupidez, N´y entendre que le haut-allemand [Só entender alto-alemão]:
ignorância, Aller en Bavière [Ir para Baviera]: estar doente.
Os polacos também sofrem de uma imagem negativa: Gris/ivre/saoul comme un
polonais [Bêbedo como um Polaco], Boire comme un Polonais [Beber como um
Polaco]: beber muito, Avoir ses lettres de Cracovie [Ter as suas cartas de Cracóvia]:
ser enganado.
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Os turcos são muito evocados e também de maneira negativa: C´est un Turc [É um
Turco] insultuoso, Travailler pour le grand Turc [Trabalhar para o grande Turco]:
trabalhar para nada, À la turque [À turca]: de maneira rude e dura, Tête de Turc
[Cabeça de Turco] : humilhação, Traiter de Turc à Maure [Tratar de Turco a
Mouro]: ódio, Bigarré comme un tapis de Turquie [Variegado como um tapete de
Turquia]: estar vestido de várias cores, Jouer des orgues de Turquie [Tocar orgãos de
Turquia]: comer muito, Etre fort comme un Turc [Ser forte como um Turco], expressão
que já teve um sentido negativo no século XVII mas que hoje em dia adquiriu um
sentido positivo. Os turcos travaram terríveis lutas para fundar o Império Otomano, o
que lhes valeu a reputação de serem muito persistentes e portanto “fortes”. No entanto,
nos séculos XVII e XVIII, os Turcos, assim como os Mouros, representavam força
bruta, o que dava a esta expressão do século XVII um sentido bastante negativo. O
significado é hoje em dia positivo e significa simplesmente “ser muito forte
fisicamente”.
Podemos ver através destes exemplos em língua portuguesa e francesa que os
outros povos servem de suporte para expressar sentimentos hostis ou para denegrir o
outro. Raras são as vezes em que o outro é enaltecido. Aliás, o próprio povo de um país
pode dividir-se em regiões ou cidades para enaltecer as rivalidades ou as supostas
inferioridades do vizinho, como veremos a seguir.
4. A comparação idiomática de tipo gentílico
Debrucemo-nos sobre uma estrutura típica em expressões idiomáticas do domínio
escolhido. Propomos alguns exemplos: Fier comme un Écossais [Orgulhoso como um
Escocês]: altivo; Être adroit comme un prêtre normand [Ter destreza como um padre
normando]: ser muito desajeitado; Aller à pied comme un Basque [Ir a pé como um
Basco]: andar depressa; Courir comme un Basque [Correr como um Basco]: correr
muito depressa; Être comme des frères siamois /Ser como irmãos siameses; Arriver
comme les pompiers de Nanterre [Chegar como os bombeiros de Nanterre: chegar
atrasado; Falar francês como uma vaca espanhola : falar muito mal uma língua
estrangeira; Trabalhar como um Mouro trabalhar muito; Como a légua da Póvoa: muito
comprido.
Como podemos constatar, tal como o português, o francês recorre frequentemente à
comparação de grau de igualdade, obedecendo ao seguinte esquema: “Adjectivo/Verbo
+ COMO + Substantivo”.
Contudo, estas expressões idiomáticas cumprem uma função de intensificação de
uma qualidade ou de uma acção através de uma imagem expressiva tomada como
modelo paradigmático ou exemplar da qualidade ou da acção. As expressões
idiomáticas assumem assim um valor de um advérbio comparativo ou superlativo.
Temos pois um elemento comparado, tema do qual se fala e ao qual se atribui uma
qualidade (forte, orgulhoso, desajeitado, atrasado) ou uma acção (trabalhar, correr, etc.).
Para além disso, o elemento de comparação opera como modelo ou como imagem
350
QUANDO OS PORTUGUESES SE VÊEM GREGOS OU A QUESTÃO DOS ESTEREÓTIPOS CULTURAIS EM
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS PORTUGUESAS E FRANCESAS
considerada exemplar ou prototípica da qualidade ou actividade. A associação das
características do elemento de comparação com o tema comparado implica uma
avaliação que destaca e intensifica a qualidade/actividade que aparece no enunciado.
Esta associação de carácter retórico adquire uma dimensão conotativa mais expressiva
do que uma apresentação de uma qualidade/actividade sem recorrer a uma imagem: Ele
fala francês como uma vaca espanhola/vs/ Ele fala francês muito mal. A avaliação
veiculada por uma expressão idiomática tem carácter retórico com uma forte carga
subjectiva, e não um valor puramente denotativo ou referencial. O nome gentílico é
encarado como representante estereotípico e modelo paradigmático do grau máximo da
propriedade expressa pelo adjectivo ou pelo verbo. Por isso, a informação de tipo
gentílico está directamente implicada no processo de funcionamento da intensidade e da
gradação da expressão idiomática em questão, sendo uma marca da modalidade
axiológica.
No entanto, a intensificação pode processar-se através de uma expressão idiomática
que não se formula através de uma comparação, mas que encerra um valor superlativo,
como atestam os seguintes exemplos: Força de galego: muita força, Negócio da China:
negócio muito fácil e lucrativo, À grande e à francesa: com abundância. Assim, estas
expressões idiomáticas permitem qualificar uma situação, uma pessoa, uma atitude num
quadro estereotipado, considerando-os como um exemplo representativo de um padrão
aceite e/ou reconhecido por uma determinada comunidade linguística.
Desta maneira, nas comparações acima apresentadas, os nomes de povos ou de
lugares funcionam como elemento intensificador apesar de o termo de comparação nem
sempre ser evidente (o que demonstra bem a opacidade das expressões idiomóticas). O
que nos vem à mente, quando tentamos associar um mouro, um turco ou um polaco a
traços prototípicos, não está ligado, em princípio, a certa maneira de trabalhar, à
embriaguez ou à força.
5. Falar português claro / En bon français: hetero-imagens e auto-imagens em
expressões idiomáticas
As expressões portuguesas que contêm referências ao francês ou aos franceses têm
frequentemente uma conotação negativa, por vezes com efeitos sarcásticos. É o caso de:
Falar bem francês: ter dinheiro, Despedir-se à francesa: sair sem dizer adeus, Fazer à
francesa. Outras expressões estão ligadas à história bélica do país como Franças e
aleganças (Araganças): Araganças é aqui a deturpação de Aragão e presume-se que o
uso do plural seja um recurso rítmico e é alusivo às guerras entre Aragão e França.
Relativamente às expressões francesas que se referem aos portugueses isolámos
duas expressões. A primeira está ligada às ostras: Avoir les portugaises ensablées [Ter
as portuguesas cheias de areia] referente a um tipo de ostras chamadas de portugaises,
muito apreciadas em França. Esta expressão resulta da analogia da forma da ostra com a
do ouvido, eufemismo para se falar das orelhas e da dificuldade em ouvir ou em não
351
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
perceber. A segunda expressão Embouteiller les portugaises à quelqu’un [Engarrafar
as portuguesas de alguém] significa fazer com que alguém fique farto de ouvir outrem.
O povo português auto-caracteriza-se de maneira positiva, através das seguintes
expressões: Falar português claro, Alma até Almeida e depois de Almeida,
alma!: elogio de quem nunca desiste, Como a légua da Póvoa: grandeza métrica, ou Ser
de Olhão: ser esperto. No entanto podemos indicar expressões de auto-caracterizaçao
negativa Ser da Lourinhã / Ser de Paio Pires: ser parvo, Ser de Guimarães: ser muito
magro, Comer aletria de Abrantes: ser burro, Fazer-se saloio: fazer-se parvo, Amigo de
Peniche: falso amigo, Justiça de Fafe: à pancada.
Outras expressões referem-se à preguiça - Andar a pintar os tectos do Rossio -, à
realização de coisas impossíveis - Meter o Rossio na Bestega -, a dificuldades - Passar
as passas do Algarve ou Ficar a ver Braga por um canudo. Algumas expressões
referem-se directamente a conversas ou discussões como Mandar falar com o Camões /
D. Pedro, Adeus, Viana (que vou para o Porto) quando alguém insiste num argumento
que não convence, Já chegámos à Madeira ? quando alguém se intromete na conversa
ou na acção.
Tal como o povo português, o povo francês também se auto-caracteriza.
Relativamente a caracterização positiva temos as seguintes expressões: Il faut parler
français [É preciso falar francês] : falar com franqueza; En bon français [Em bom
francês]: claramente; Entendre le français [Perceber o francês] : perceber uma ameaça;
Impossible n’est pas français [Impossível não é francês]: nada é impossível,
Marguerites françaises [Margaridas francesas]: elogios, On fera bien parler français à
quelqu´un [Faremos com que alguém fale francês] : convencer alguém.
As expressões conotadas de maneira negativa são mais numerosas: Parler français
[Falar francês] : corrupção; Il est de Lunel [É de Lunel] : é doido. Existem também
expressões idiomáticas negativas relativas a regiões específicas de França, como a
Bretanha - C´est du bas-breton pour moi [Isto para mim é baixo-bretão] : quando não
se percebe, Saut de Breton [Salto de Bretão] : cair; a Normandia - Etre normand [Ser
Normando] : ter astúcia; Répondre en Normand [Responder em Normando] : responder
a uma pergunta de maneira vaga; a Gascogne - Une promesse de Gascon [Uma
promessa de Gascão]: fanfarronice, Un trait/tour de Gascon [Um traço/golpe de
Gascão] : um roubo; o País Basco - Un tour de Basque [Um golpe de Basco]: um
roubo, Aller à pied comme un Basque / Courir comme un Basque [Ir a pé como um
Basco/ Correr como um Basco] : andar ou correr depressa.
6. Traduzindo as expressões idiomáticas de tipo gentílico: propostas de
classificação
O domínio da fraseologia e a capacidade de compreender e de traduzir as
expressões idiomáticas de uma língua estrangeira numa língua materna constitui uma
prova muito significativa do grau de conhecimento dessa língua estrangeira. Como
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QUANDO OS PORTUGUESES SE VÊEM GREGOS OU A QUESTÃO DOS ESTEREÓTIPOS CULTURAIS EM
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS PORTUGUESAS E FRANCESAS
podemos ver, existe uma certa opacidade presente nas expressões idiomáticas que
apresentam um traço gentílico que podemos chamar de “local” (ver os exemplos sobre
as diferentes regiões de Portugal e da França). A este domínio complexo da
idiomaticidade refere-se Isabel González Rey quando afirma:
L’idiomaticité des EI [Expressions Idiomatiques] est un trait relevé
d’ordinaire par les linguistes enseignants des langues étrangères qui le
considèrent d’ailleurs comme la caractéristique la plus importante de toutes.
En effet, c’est d’abord par comparaison entre deux langues différentes
qu’apparaît l’impossibilité de traduire mot à mot beaucoup de leurs
expressions. À rebours, on prend ensuite conscience de la présence de ces
unités au sein de la langue maternelle. L’émergence de la double
idiomaticité des éléments phraséologiques se fait alors évidente pour tous
ainsi que son importance, et cela à tous les niveaux: pour l’enseignement, la
rédaction et la traduction des langues maternelles et étrangères. L’exigence
d’idiomaticité est en fait l’indice d’une maîtrise chez un enseignant ou un
traducteur 6.
Perante a dificuldade que apresenta a tradução das expressões idiomáticas que
integram referências claramente culturais, questionámo-nos sobre as possíveis
equivalências em português e em francês das expressões idiomáticas analisadas. Gloria
Corpas (2000), ao referir-se aos paralelismos de tipo conceptual, situacional, cultural
que justificam graus mais ou menos precisos de equivalência na formulação de
significados ou conteúdos similares, destaca a existência de universais fraséologicas e
de coincidências entre diversas línguas da Europa que dão lugar a “europeísmos
naturais” e “europeísmos culturais” 7. Os primeiros fazem referência a fenómenos da
natureza e comportamentos humanos e os segundos apoiam-se na herança cultural
partilhada: textos da Bíblia, literatura greco-latina, folclore popular, etc. Acrescentamos
que, em todas as expressões idiomáticas encontradas, a componente gentílica ou
toponímica representa o elemento principal de avaliação e possui um valor simbólico. É
por isso que uma classificação dessas construções tem de tomar em conta as três
componentes: universais, nacionais e locais que aparecem nas expressões idiomáticas.
Apresentamos uma possível classificação das expressões idiomáticas nas duas
línguas estudadas com distintos graus de equivalência desde a equivalência plena - de
forma e de conteúdo - até a ausência de equivalência.
6
GONZÁLEZ REY, Isabel (2002) La Phraséologie du français. Toulouse : Presses Universitaires du
Mirail, pp.138-139.
7
CORPAS PASTOR, Gloria (2000) Acerca de la (in)traductibilidad de la fraseología. Las Lenguas de
Europa: Estudios de Fraseología, Fraseografía y Traducción. Granada : Comares, pp.487-488.
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
6.1. Expressões idiomáticas com grau de equivalência plena ou quase plena na
forma e no conteúdo e com o mesmo valor conotativo
Perder o latim / Perdre son latin
Falar chinês / C´est du chinois
Falar francês como uma vaca espanhola / Parler français comme une vache
espagnole
A semana inglesa / La semaine anglaise
Fazer salamaleques / Faire des salamalecs
O último dos Moícanos / Le dernier des Mohicans
Em fila indiana / À la file - en file indienne
Roleta russa / Roulette russe
Vida boémia / Mener une vie de bohème
Irmãos siameses / Frères siamois
Relativamente a expressões ligadas à história, à mitologia grega e à religião
apresentamos algumas correspondências:
Chorar pelas cebolas do Egipto / Regretter les oignons d’Égypte
Discussão bizantina / Discussions - querelles byzantines
Ficar para as calendas gregas / Remettre aux calendes grecques
6.2. Expressões idiomáticas diferentes na forma mas similares no que diz
respeito ao conteúdo conceptual comunicado
Falar português claro / Il faut parler français ou En bon français
Contas do Porto / Faire une anglaise [Fazer uma inglesa]
Força de Galego / Fort comme un turc [Forte como um Turco]
Ser da Lourinhã - Ser de Paio Pires / Marguillier de Saint-Cloud [Mordomo de
Saint-Cloud]
Ser de Guimarães / Il vient de la Rochelle il est chargé de maigreur [Vem de la
Rochelle, é muito magro]
Despedir-se ou sair à francesa / Filer à l’anglaise
Construire des chateaux en Espagne [construir castelos em Espanha]/ Fazer
castelos no ar
Il est de Lunel [É de Lunel] /Não bater bem da bola
Une promesse de Gascon [Uma promessa de Gascão] /Prometer mundos e
fundos
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QUANDO OS PORTUGUESES SE VÊEM GREGOS OU A QUESTÃO DOS ESTEREÓTIPOS CULTURAIS EM
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS PORTUGUESAS E FRANCESAS
6.3. Expressões idiomáticas francesas que não têm equivalente idiomático
em português
C’est toujours ça que les Allemands n’auront pas ! [Sempre é isto que os
Alemães não terão] – quando se bebe ou come algo
Flûte d’Allemand [Flûte de Alemão]: copo alongado
Peigne de l’Allemand [Pente de Alemão]: mão grande
Saut de l’Allemand [Salto de Alemão]: saltar da cama até à mesa
Avoir l´œil américain [Ter o olho americano]: sedução
Il y a des Anglais dans cette rue-là ! [Há Ingleses nesta rua!]: dívidas
Liqueur arabe [Licor árabe]: café
Téléphone arabe [Telefone árabe]: de boca em boca
C’est l’armée bolivienne ! [É a tropa boliviana]: há mais oficiais do que militares
Avoir le ventre à l’espagnole [Ter a barriga à espanhola]: ter barriga vazia
Se chauffer à l’espagnole [Aquecer-se à espanhola]: aquecer ao sol
C’est ici que les Athéniens s’empoignèrent ! [Foi aqui que os Atenienses
brigaram!]: aqui está a dificuldade
Aller garder les poulets d’Inde [Ir guardar os frangos da Índia]: casar com um
sangue azul do campo
Ce n’est pas le Pérou ! [Não é o Peru!]: não é grande coisa
Autant vouloir parler à un Suisse ! [Mais vale falar com um Suiço!]: não vale a
pena
C´est Byzance ! [Isto é Bizâncio!]: abundância
6.4. Expressões idiomáticas portuguesas que não têm equivalente idiomático
em francês
À grande e à francesa
Mandar para o maneta
Mandar falar com o Camões / D. Pedro
Da era dos Afonsinhos / No tempo dos Afonsinhos
Já chegamos à Madeira ?
Dobrar o cabo das Tormentas
Casamento à casa de Áustria
No que diz respeito à estrutura das expressões idiomáticas nas duas línguas,
observámos que a nível lexical existe uma toponímia variada relativa a cidades e países
(“passar as passas do Algarve”, “à moda do Porto”, “par de França”, “negócio da
China”, “répondre en normand” responder en normando “vendre des coquilles à ceux
qui viennent du Mont St-Michel”: vender conchas do mar àqueles que vêm do Monte
Saint Michel, localizado a beira mar, ou seja fazer algo inútil). Como já referimos
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
anteriormente, as representações socioculturais são veiculadas por expressões
idiomáticas que por sua vez expressam estereótipos dessas representações. A sua
interpretação semântica não pode ser calculada com base na soma dos significados de
seus elementos mas valendo-se da atribuição de uma significação segunda, que é
convencional. Para além dos valores pouco favoráveis, perduram nessas expressões
preconceitos sociais e históricos que apresentam dificuldades acrescidas na
aprendizagem dessas línguas.
7. Considerações finais
Como ilustra a análise precedente, o facto histórico-cultural é fundamental para a
afirmação linguística de expressões idiomáticas. Daí existirem expressões, quer
totalmente equivalentes, quer totalmente distintas em português e em francês, cuja
explicação reside nas especificidades universais, nacionais ou locais. Assim, a
idiomaticidade, quando estudada do ponto de vista comparativo e contrastivo,
representa uma fonte rica em indicações sobre a maneira como a esterotipagem,
inicialmente própria de um grupo, se fixa como universo de crenças partilhadas e nos
oferece informações sobre o grau de valorização ou de desvalorização dado aos nomes
de povos nas duas línguas estudadas. Afinal o que importa a um povo senão ser de boa
raça, falar a mesma língua e armar uma estrangeirinha a alguém?
Para concluir citamos um exemplo elucidativo da relevância dos gentilícos,
constante do Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas de José João
Almeida 8:
“O cariz internacionalista do povo português é inegável. Senão vejamos:
- Se tem um problema para ultrapassar ... diz que se vê Grego;
- Se alguma coisa é difícil de compreender ... diz que é chinês;
- Se trabalha de manhâ à noite ... diz que é um Mouro;
- Se tem uma invencão moderna e mais ou menos inútil... diz que é uma
americanice;
- Se alguém mexe em coisas que não deve ... diz que é como o Espanhol;
- Se alguém vive com luxo e ostentacão ... diz que vive à grande e à francesa;
- Se alguém faz algo para causar boa impressão aos outros ... diz que é só para
Inglês ver;
- Se alguém tenta ”regatear”o preço de alguma coisa ... diz que é pior que um
Marroquino;
Mas quando alguém faz asneira ou alguma coisa corre mal ... diz que é à
Portuguesa!”
8
ALMEIDA, José João (2010) Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas, disponível em
http://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/calao/dicionario.pdf p.8.
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QUANDO OS PORTUGUESES SE VÊEM GREGOS OU A QUESTÃO DOS ESTEREÓTIPOS CULTURAIS EM
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS PORTUGUESAS E FRANCESAS
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