EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS: DA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA PARA A
SALA DE AULA
Aline Luiza da Cunha (mestranda / UFMG)
E.mail: [email protected]
Aderlande Pereira Ferraz (Orientador / UFMG)
1. Introdução
O léxico é sem dúvida o componente da língua que mais recebe diretamente o
impacto dos acontecimentos sociais e culturais. Segundo Ferraz (2006) os processos de
variação e mudança, fortemente influenciados pela mobilidade dos valores sociais e
culturais, desenvolvem-se de maneira gradual e permanente nas interações lingüísticas
de um falante. Há diversos processos de mudança que atuam sobre a língua
incessantemente, e um deles é a criação lexical.
A língua é, de fato, capaz de gerar novas palavras de acordo com as
necessidades de interação de um falante. Em relação à criação lexical, Antunes (2007)
postula que é necessário que o falante tenha oportunidade de participar da “vida do
léxico”, ou seja, o falante deve saber das possibilidades que o léxico tem de expandirse, incorporando novas palavras. É necessário ainda que o falante saiba que a criação
lexical abrange variados tipos de unidades lexicais, incluindo expressões fixas, como as
expressões idiomáticas.
As expressões idiomáticas consistem em unidades fraseológicas fixas que, na
maioria das vezes, não podem ser decompostas. O significado de uma expressão
idiomática é essencialmente conotativo, ainda que possua níveis de conotações
diferentes. Desta forma, não é possível depreender o significado de uma expressão
idiomática fazendo a soma de seus constituintes internos, uma vez que os mesmos
foram esvaziados de sentido e assumiram um sentido global novo, de caráter conotativo.
Assim, o significado de “morrer” da expressão idiomática “bater as botas” não está
relacionado com os significados que os elementos internos “bater” e “botas” assumem
em outros discursos fora da expressão. Dentro dessa expressão, “bater” nada tem a ver
com o verbo “BATER” que dentre vários outros significados, o dicionário Houaiss
(2001) define como “aplicar pancadas ou golpes em”. Dessa mesma forma, “botas”
nessa expressão não se refere ao substantivo “BOTAS”, que designa um tipo de
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calçado. Ao considerar essa observação, é necessário ressaltar que para compreender o
sentido de uma expressão idiomática é indispensável que o falante tenha o
conhecimento dos aspectos extralingüísticos subjacente à expressão.
2. Expressão idiomática e ensino de língua materna
O ensino de língua materna baseado na tradição normativa sofreu fortes críticas
a partir de estudos desenvolvidos em variação lingüística e psicolingüística. A crítica de
que o ensino tradicional valorizava a gramática normativa e, consequentemente,
reforçava o preconceito contra as formas da oralidade e as variantes não-padrão,
favoreceu o surgimento de um novo quadro no cenário do ensino de língua materna.
Atualmente, apoiado em pressupostos da variação lingüística e psicolingüística, o
ensino de língua materna considera que as situações didáticas têm por objetivo fazer
com que os alunos reflitam sobre a linguagem para poder compreendê-la e assim,
utilizá-la de forma apropriada, levando em consideração as diferentes situações e
propósitos.
De acordo com os parâmetros curriculares nacionais (PCN, 1998), a
discriminação de formas linguísticas, principalmente aquelas pertencentes ao nível
coloquial da língua, demonstra que certos grupos sociais, orientados pela gramática
tradicional, fazem uma avaliação muito subjetiva da língua, o que desenvolve o
preconceito linguístico. Nesse sentido, a escola deve desempenhar um papel crucial no
combate a esse preconceito. É necessário que a escola trabalhe no sentido de valorizar
as variantes linguísticas, ressaltando que são estruturas legítimas e próprias da língua.
Fazendo isso, a escola estará, portanto, contribuindo para a formação da consciência
linguística do aluno e também do desenvolvimento da competência comunicativa.
Ainda em conformidade com os PCN, verifica-se que o ensino de língua materna
está intrinsecamente ligado ao exercício da cidadania e por isso deve criar condições
para que o aluno desenvolva sua competência comunicativa. A competência
comunicativa compreende outras duas competências, linguística e estilística. O
desenvolvimento dessas competências significa que o aluno terá a capacidade de utilizar
a língua de modo variado, e assim produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o
texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita.
É nesse contexto educacional que se justifica um trabalho dentro de sala de aula
que envolva as expressões idiomáticas, pois são unidades lexicais que, se bem
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trabalhadas pelo professor, oferecem ao aluno a oportunidade de desenvolver
competências necessárias para as práticas sociais. As expressões idiomáticas
representam a riqueza lexical da língua, e por isso, devem ser valorizadas no ensino de
língua materna. Para Antunes (2007), a escola deve ir além da gramática e valorizar o
estudo do léxico da língua, destacando características importantes das unidades lexicais,
como o sentido metafórico de algumas palavras ou expressões, em contextos que fazem
parte do cotidiano do aluno. A autora citada postula que:
Esse estudo pode contemplar as interrelações internas, de uma palavra com
outras – relações de sinonímia, de antonímia, de hiperonímia, de partonímia –
e interrelações externas, das palavras com as outras, os eventos, os fatos, os
valores culturais que povoam os mundos em que vivemos. Podemos explorar
ainda o sentido metonímico de uma palavra, de uma expressão, inclusive, em
contextos de linguagem não-literária. (ANTUNES, 2007; p.65)
Nogueira (2008) mostra que a inserção das expressões idiomáticas no ambiente
de ensino-aprendizagem de língua materna é muito significante.
Nas palavras do
referido pesquisador:
As unidades fraseológicas, como um todo, desempenham um papel
fundamental no aumento da expressividade dos textos e enunciados pelas suas
imagens e metáforas e, consequentemente, pela sua capacidade de matizar o
que se escreve ou se fala, colaborando expressivamente na construção de
novos significados e na formação de aprendizes linguístas, cultural e
socialmente competentes. (NOGUEIRA, 2008; p. 102)
Atestada a importância de se trabalhar com as expressões idiomáticas dentro de
sala de aula como instrumento auxiliador na competência linguístico-comunicativa do
aluno, é importante ainda ressaltar que não se deve trabalhar essas estruturas de forma
descontextualizadas. Desta forma, no que concerne a linguagem escrita, o texto
publicitário é um ambiente onde é possível encontrar um número expressivo de
expressões idiomáticas e por esse motivo pode ser usado para contextualizar o trabalho
das expressões idiomáticas no ensino de língua materna. A mensagem publicitária
utiliza as expressões idiomáticas justamente pela função que elas exercem. Sandmann
(1993) postula que a publicidade utiliza as expressões idiomáticas com a intenção de
prender a atenção do leitor, na medida em que apresenta expressões que lhe são
familiares. Já Carvalho (2000, citado por FERRAZ & SOUZA, 2004)) explica que as
expressões idiomáticas, além de colorir a mensagem publicitária, possuem a função de
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aproximar o texto do leitor, na medida em que são entendidas pelos usuários da
linguagem coloquial e também aceitas no nível formal da língua.
No âmbito da publicidade, a propaganda é de fato um gênero textual
recomendado para se trabalhar na escola. Essa modalidade de gênero, cuja característica
é marcada pelo uso de uma linguagem persuasiva, está presente no cotidiano do aluno.
Desta forma, o trabalho com a propaganda se torna indispensável dentro de sala de aula,
visto que o aluno terá oportunidade de trabalhar com um gênero, que faz parte de sua
vida cotidiana. De acordo com os PCN esse gênero textual possibilita:
A articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais, inclusive as
que dependem de pressuposições e inferências (semânticas, pragmáticas)
autorizadas pelo texto, para dar conta de ambigüidades, ironias e expressões
figuradas, opiniões e valores implícitos, bem como das intenções do autor.
(PCN, 1998; p 56)
Portanto, o ensino de expressões idiomáticas contextualizado em um gênero
textual como a propaganda possibilitará que o aluno faça uma reflexão sobre a língua,
uma vez que terá a oportunidade de perceber que é preciso empregar diferentes tipos de
registros – formal ou informal - dependendo da situação, para se escrever um texto de
qualidade. Nesse sentido, Bezerra (1998; n.p.) afirma que “ao escrever um texto o aluno
deve consolidar seu conhecimento sobre o valor semântico e estilístico das palavras em
relação ao contexto.” Levando essa afirmação em consideração, concluímos que é
possível a utilização de expressões idiomáticas em textos escritos e isso dependerá dos
objetivos do aluno e do contexto em questão. Esse fato demonstra que esse aluno é
competente na língua, pois o mesmo sabe utilizar os vários registros disponíveis da
língua para alcançar o seu objetivo.
3. O professor como mediador do trabalho com as expressões em sala de aula
Em relação ao papel do professor no trabalho com as expressões idiomáticas
dentro de sala de aula, Xatara (2001) explica que ao professor cabe explicitar para os
alunos as principais características das expressões idiomáticas. Assim, os alunos serão
capazes de reconhecer tais estruturas nos textos, compreender seus significados,
relacionar o sentido das estruturas com o contexto e fazer associações. Entretanto, para
que o professor trabalhe com as expressões idiomáticas dentro de sala de aula de forma
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a ajudar o aluno no desenvolvimento da competência lexical, ele precisa conhecer
intimamente as estruturas em questão.
Deste modo, consideramos que as características que dizem respeito aos
aspectos morfossintático e semântico das expressões idiomáticas são informações
fundamentais que devem ser de conhecimento do professor. O primeiro aspecto, o
morfossintático, está relacionado à estrutura das expressões, enquanto que o segundo, o
semântico, definirá o valor conotativo das mesmas. Em relação à tipologia
(morfossintático) podemos identificar as seguintes estruturas, que foram descritas por
Ferraz & Souza (2004):
a) Sintagma nominal – neste caso a expressão está subordina a um substantivo.
b) Sintagma verbal – esta estrutura apresenta as seguintes possibilidades:
Verbo (V) + sintagma nominal (SN);
Verbo (V) + Adjetivo (Adj.) + sintagma nominal (SN);
Verbo (V) + Preposição (Prep.) + sintagma nominal (SN).
c) Sintagma de função adjetiva: nesse caso a expressão exerce função adjetiva.
d) Sintagma de função adverbial: nesse caso a expressão exerce função de
advérbio.
e) Sintagma frasal: expressão que se configuram como frases exclamativas ou
nominais.
Já em relação aos aspectos semânticos, podemos destacar o valor conotativo, que foi
trabalhado por Xatara (1998):
1) Fortemente conotativas: expressões de difícil decodificação, pois todos os
componentes estão semanticamente ausentes.
2) Fracamente conotativas: expressões cuja decodificação semântica é mais
fácil, pois os elementos semanticamente presentes, de valor denotativo, estão
associados a componentes semanticamente ausentes, de valor conotativo.
Bagno (2004) mostra a importância de um professor conhecer profundamente a
língua. O autor citado compara o ensino ao uso do computador. Assim, ele explica que
para fazer uso de um computador o usuário não precisa conhecer o hardware (parte
mecânica), pois isso compete aos especialistas e técnicos. No ensino não é diferente,
pois para utilizar a língua nas diversas práticas sociais, o aluno não precisa conhecer
profundamente a gramática da língua. No entanto, o professor deve ser conhecedor da
“mecânica do idioma”, ou seja, da gramática. Nas palavras de Bagno (2004):
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Nós, sim, professores, temos que conhecer profundamente o hardware da
língua, a mecânica do idioma, porque nós somos instrutores, os especialistas,
os técnicos. Mas não nossos alunos. Precisamos, portanto, redirecionar todos
os nossos esforços, voltá-los para a descoberta de novas maneiras que nos
permitam fazer de nossos alunos bons motoristas da língua, bons usuários de
seus programas. (BAGNO, 2004; p. 120)
4. Considerações finais
Há muito se reconhece que o ensino de língua, especialmente o da língua
materna, não pode mais ignorar a importância de estudos sobre as variações lexicais
(gírias, expressões idiomáticas, colocações, provérbios, expressões convencionais etc.),
sobretudo no que diz respeito às unidades fraseológicas e o papel que estas
desempenham no processo de interação entre os falantes. Com isso, a inserção das
expressões idiomáticas no processo de ensino-aprendizagem contribui não só para o
enriquecimento deste mesmo processo, mas também para a ampliação dos estudos sobre
a língua.
Dessa forma, pensando em contribuir para a prática pedagógica do professor de
língua materna, será muito importante buscar respostas para questões como:
a) No âmbito do ensino do léxico, em que medida o trabalho em sala de aula
com as expressões idiomáticas pode auxiliar o desenvolvimento da
competência lexical do falante (aluno)?
b) Quais são os aspectos fundamentais das expressões idiomáticas que não
devem ser ignorados no ensino das mesmas?
c) Como aproveitar e/ou trabalhar, em sala de aula, a ocorrência de expressões
idiomáticas em gêneros textuais, tomando, como exemplo, os anúncios
publicitários?
Os objetivos, a metodologia e o andamento da pesquisa sobre as expressões
idiomáticas serão detalhadamente relatados na sessão de pôsteres.
5. Referências bibliográficas
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ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no
caminho. São Paulo: Parábola Editorial. 2007.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. . São Paulo: Editora
Loyola, 2004.
BEZERRA, M. A. “Condições para aquisição de vocabulário”. In: 8º Intercâmbio de
Pesquisas em Lingüística Aplicada, 1998, São Paulo. Caderno de Resumos. São Paulo:
PUC-SP, 1998. V. 1. p. 81-82.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais.
Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: Ministério
da Educação/Secretaria de Educação Fundamental, 1998. 106p. (PCNs 5ª a 8ª Séries)
FERRAZ, A. P e SOUZA, K. C. O uso de expressões idiomáticas em textos
publicitários. In: Maestria - Revista da faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Sete Lagoas. – V.1, n. 1 (jan/jun. 2004).
FERRAZ, A. P. “A inovação lexical e a dimensão social da língua”. In: SEABRA, M.
C. T. C. O. (Org.). O Léxico em estudo: Faculdade de Letras, 2006.
NOGUEIRA, Luis Carlos Ramos. A presença de expressões idiomáticas (EIs) na sala
de aula de E/LE para brasileiros. Tese de Mestrado - Brasília, 2008.
SANDMANN, Antônio José. A linguagem da propaganda. São Paulo: Contexto, 1993.
XATARA, Cláudia Maria. “Tipologia das Expressões Idiomáticas.” In: Alfa. São Paulo.
42: 169-176, 1998.
_________. “O Campo Minado das expressões Idiomáticas.” In: Alfa. São Paulo. 42: (n.
esp.): 147 – 159, 1998.
Dicionário:
HOUAISS, António. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001.
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O léxico é sem dúvida o componente da língua que mais recebe