AS ARMADILHAS DO SISTEMA DE CUSTOS ABC
Edson de Oliveira Pamplona
Escola Federal de Engenharia de Itajubá - Departamento de Produção
Av. BPS, 1303 - Itajubá - MG - 37500-000, e-mail: [email protected]
ABSTRACT
This paper shows some traps that can occurs when implementing and using the
Activity-Based Cost System. These troubles, when identified, should be minimized. The
characteristics of precision, cost and induction of the user behavior are inquired by means
of cost drivers assessment.
Palavras chaves: ABC, Cost System, Management Accounting
1. INTRODUÇÃO
Pretende-se, com este artigo, apresentar um conjunto de situações e condições em que o
sistema ABC, apesar da pretendida superioridade com relação ao sistema tradicional, pode
trazer resultados de tal forma imprecisos, e/ou desnecessários, que podem comprometer seu
desempenho como sistema de custos adequado à gestão estratégica empresarial. Esta afirmação
será verificada sob o enfoque da avaliação dos direcionadores de custos.
A figura 1 apresenta um esquema do sistema ABC que auxiliará no desenvolvimento do
tema.
R1
. . . R1j . . . R1o . . . Ri1 . . . Rij . . . Rip . . . Rm1 . . . Rmj . . . Rmq
GR1 =Σ R1j
DR1
A1
...
GRm =Σ Rmj
DRi
DRm
A1j . . . A1o . . . Ai1 . . . Aij . . . Aip
GA1 =Σ A1j
. . . An1 . . .
GAi =Σ Aij
DA1
O1
GRi =Σ Rij
GAn =Σ Anj
DAn
DAi
O2
...
Anj . . . Anq
Oj
...
Ok
Figura 1 - Esquema básico do sistema ABC
As Armadihas do Sistema de Custos ABC. Pamplona, Edson de Oliveira. 16o ENEGEP. Piracicaba, SP, outubro de 1996.
Onde:
GRi é o grupo de recursos i
Rij é o Recurso j do grupo de recursos i
DRi é o direcionador de recursos do grupo de recursos i
GAi é o grupo de atividades i
Aij é a atividade j do grupo de atividades i
DAi é o direcionador de atividades do grupo de atividades i
O j é o objeto de custos j
2 - AS DISTORÇÕES PROVOCADAS POR AGRUPAR RECURSOS E
ATIVIDADES
As distorções, provenientes do agrupamento, podem ocorrer tanto a nível de primeiro
estágio como de segundo estágio. Vários tipos de recursos (Ri ) podem formar um grupo de
recursos (GR i ) que passa a ser representado por um único direcionador de recursos (DRi ),
enquanto que as atividades (Ai ) são reunidas em grupos de atividades (GAi ), que são
representados por direcionadores de atividades (DAi ).
O agrupamento de recursos não correlacionados, bem como o agrupamento de
atividades não correlacionadas, as duas primeiras armadilhas, podem gerar grandes distorções,
tanto nos custos das atividades, como nos custos dos objetos de custos.
A figura 2 ilustra a semelhança para os dois estágios.
Ri1
..
Rij
..
Rip
Ai1
GR i =Σ
Σ Rij
..
(a)
Aij
..
Aip
GA i =Σ
Σ Aij
DAi
DRi
A1
..
An
O1
..
Om
(b)
Fig. 2 - Grupos de recursos e de atividades
Baseando-se no exemplo de Cooper (1989) pode-se analisar a distorção através da
comparação entre o custo real e o informado pelo sistema.
Supondo dois produtos sendo fabricados em lotes de mesmo tamanho de
cinqüenta unidades. Os lotes de produtos O1 e O2 requerem duas atividades: Inspeção (A 1 ) e
usinagem (A2) . Estas atividades custam a mesma quantia por hora. Ambos os produtos também
consomem uma hora de usinagem por unidade. Entretanto leva-se dez horas para inspecionar a
primeira unidade produzida de O1 e cinco horas para inspecionar a primeira unidade produzida
de O2 .
O grau de diversidade dos produtos pode ser calculado pela relação entre as razões das
duas atividades consumidas por cada produto, como mostrado a seguir:
As Armadihas do Sistema de Custos ABC. Pamplona, Edson de Oliveira. 16o ENEGEP. Piracicaba, SP, outubro de 1996.
Relação entre o custos real e
informado (Distorção)
Razão entre as duas atividades consumidas por O1 : dez horas de inspeção por cinqüenta
horas de usinagem para cada lote (10/50).
Razão entre as duas atividades consumidas por O2 : cinco horas de inspeção por
cinqüenta horas de usinagem para cada lote (5/50).
Grau de diversidade entre os produto s: (10/50)/(5/50) = 2
A distorção introduzida pela utilização de apenas um direcionador de custos para rastrear
as duas atividades pode ser medida como segue:
Se o direcionador de custos escolhido for “horas-máquina”, quantidades iguais da
atividade “inspeção” serão rastreadas para cada produto, ou seja, 7,5 horas de inspeção serão
rastreadas para cada lote dos produtos O1 e O2 . Como o produto O1 necessita, na realidade, de
10 horas de inspeção, a relação do custo de inspeção real para o informado é de 1,33 (10/7,5).
O produto O2 apresenta uma relação do custo de inspeção real para o informado de 0,67
(5/7,5).
Conclui-se, portanto, que o custo real de inspeção do produto O1 é 1,33 vezes o custo
informado para esta atividade. Da mesma forma, o custo real de inspeção do produto O2 é de
67% de seu custo informado. Assim, o produto O1 está sendo subcusteado, e o produto O2
sobrecusteado.
A distorção será tanto maior quanto maior for a diversidade entre os dois produtos,
como pode ser visto na figura 3.
1,9
1,8
1,7
1,6
1,5
1,4
1,3
1,2
1,1
1
0
2
4
6
8
10
12
14
Grau de diversidade de produtos
Figura 3 - Distorção em função do grau de diversidade dos produtos
Se a diversidade de produtos provoca distorções nos custos dos produtos, a diversidade
de atividades também provoca distorções nos custos das atividades. A diversidade de produtos
ocorre pela utilização diferenciada das atividades pelos produtos. A distorção surge porque
adota -se apenas um direcionador para um grupo de atividades. Da mesma forma, as atividades
consomem diferentemente os recursos. Assim, o uso de apenas um direcionador para um grupo
de recursos também provoca distorções nos custos das atividades.
Mesmo quando não se está, aparentemente, agrupando atividades, ou seja, quando um
direcionador é utilizado para apenas uma atividade, a distorção mostrada acima pode estar
ocorrendo. Suponha, que após uma analise de processos, decidiu-se que uma das atividades é,
por exemplo, “assar”. Esta decisão é arbitrada pelo grupo que projeta o ABC, pois nesta
atividade estão várias outras que poderiam ser subdivididas em novas atividades como, por
exemplo, “abrir o forno”, “inserir o objeto”, “fechar o forno”, “ligar o forno”, “esperar”, e assim
As Armadihas do Sistema de Custos ABC. Pamplona, Edson de Oliveira. 16o ENEGEP. Piracicaba, SP, outubro de 1996.
por diante. E todas estas sub-atividades estariam representadas por um direcionador que poderia
ser, p. ex., o tempo para assar. Mas os produtos podem estar usando todas estas sub-atividades
de forma diferente, causando diferença entre o custo que seria o real e o custo informado.
A distorção causada pelo agrupamento será ainda maior quanto mais alta a proporção da
atividade que for menor relacionada com o direcionador adotado.
Haverá, também, reforço na distorção, se o produto que utiliza com maior intensidade
uma atividade não relacionada ao direcionador de custos adotado, for produzido em maiores
volumes.
Os resultados serão melhores se os recursos de um grupo forem correlacionados entre si.
O mesmo pode-se afirmar em relação às atividades agrupadas.
3 - A CORRELAÇÃO ENTRE OS GRUPOS DE RECURSOS (GR i) E DE ATIVIDADES
(GAi) E SEUS DIRECIONADORES
Um dos fatores que devem ser considerados na avaliação de direcionadores de custos é
a sua correlação com os custos indiretos que serão rastreados.
Para que os direcionadores de recursos possam ser utilizados para rastrear os custos dos
recursos às atividades é importante que a variação dos recursos utilizados acompanhem, de certa
forma, a variação dos seus respectivos direcionadores de recursos. Assim, quanto maior a
utilização dos recursos pelas atividades, maior deve ser a quantidade do direcionador de
recursos.
A mesma relação deve acontecer com os direcionadores de atividades, ou seja, quanto
maior a utilização de um grupo de atividades pelos produtos, maior deveria ser a quantidade do
direcionador de atividades adotado para este grupo de atividades.
Uma forma de medir esta relação pode ser feita através do cálculo do coeficiente de
correlação entre, por exemplo, o custo de um grupo de atividades GA i e a quantidade de um
direcionador de atividades DA i .
Pode-se calcular o coeficiente de correlação a partir da observação do comportamento
de um grupo de atividades durante n períodos. Os períodos podem ser semanas, meses ou
outros. O quadro 1 apresenta os resultados das observações.
Período
1
2
...
j
...
n
GAi
GAi1
GAi2
...
GAij
...
GAin
DAi
DAi1
DAi2
...
DAij
...
DAin
Quadro1 - Custos do grupo de atividades e quantidades do direcionador de atividades, por período.
Onde GAij é o custo do grupo de atividades i, no período j, e DAij é a quantidade do
direcionador de atividades i, no período j.
O coeficiente de correlação pode ser facilmente obtido através de calculadoras ou
planilhas eletrônicas disponíveis no mercado.
O coeficiente de correlação entre os custos incorridos e o direcionador de custos
adotado deveria ser unitário para que o custeio das atividades e dos produtos pudesse ser
considerado preciso, mas sabe-se que é improvável que tal condição ocorra.
As Armadihas do Sistema de Custos ABC. Pamplona, Edson de Oliveira. 16o ENEGEP. Piracicaba, SP, outubro de 1996.
As variações normais e anormais de um processo produtivo, causadas por variações em
máquinas, métodos, mão-de-obra, materiais, meio ambiente e medições, são fatores que não
permitem uma correlação perfeita entre custos e direcionadores de custos, mesmo que estes
sejam considerados relacionados às causas básicas dos custos.
A presença de custos não lineares, o agrupamento de custos de recursos/atividades
diversos, custos que são sujeitos ao fenômeno da curva de aprendizagem, custos fixos e variáveis
que são incluídos em um mesmo grupo de custos e custos conjuntos quando não são estritamente
proporcionais às atividades, violam a condição de proporcionalidade na qual, de acordo com
Roth e Borthick (1991), se baseia o sistema ABC.
Se, através de uma análise de regressão dos custos de um grupo em função de seu
direcionador, for obtido um termo constante significativo, mesmo que as variáveis sejam
fortemente correlacionadas, esta não proporcionalidade implicará em distorções, caso o
direcionador seja adotado (Novin, 1992).
Observa -se, portanto, mais duas condições para a precisão sistema ABC: a correlação e
a proporcionalidade entre o grupo de custos e seu direcionador.
4 - A IMPORTÂNCIA DA CARACTERÍSTICA “CUSTO DOS DIRECIONADORES”
O sucesso de um sistema ABC não depende apenas da precisão, o aspecto custo do
procedimento deve ser levado em conta. O custo é uma característica do sistema que deve ser
considerada com cuidado e decorre diretamente das decisões sobre quantos e quais
direcionadores adotar.
Maior número de grupos de recursos e de atividades e, consequentemente, mais
direcionadores, aumentam a precisão, mas provocam aumento de custos. Qual o melhor: um
sistema barato e impreciso ou um sistema caro e preciso. O meio termo pode significar para os
otimistas um sistema “meio barato” e “meio preciso” ou, para os pessimistas, um sistema “meio
caro” e “meio impreciso”. De qualquer forma o resultado estará longe da perfeição apregoada.
O custo do direcionador e, consequentemente, do sistema, também depende das
seguintes características:
• disponibilidade de dados;
• facilidade de obtenção;
• quão quantificável é o direcionador.
Para O’Guin (1991) deve-se tentar usar apenas direcionadores cujos dados são
correntemente coletados. Dessa forma os cálculos são mais confiáveis e a empresa evita a
despesa adicional para obtenção de nova informação. Quando se usa dados coletados
estritamente para custos, freqüentemente se encontra problemas em manter os dados precisos.
Para o autor, as medidas de atividade correntemente registradas e encontradas em registros
históricos são preferidas, pois ajudam a testar quão bem os direcionadores de custos predizem o
consumo de recursos. O autor lembra que sistemas como MRP (materials requirements
planning), MRP II (manufacturing resources planning) e DRP (distribution requirements
planning) registram um número inacreditável de medidas de atividades. Nestes sistemas pode-se
encontrar, já disponível, um grande número de boas e precisas medidas de atividades.
Esta é uma boa fonte de dados, desde que a empresa disponha destes sistemas.
Procura-se, também, reduzir os custos de mensuração usando direcionadores cujas
quantidades são relativamente mais fáceis de se obter, ou seja, pela substituição, em alguns
casos, por direcionadores que capturem indiretamente o consumo das atividades pelos produtos.
As Armadihas do Sistema de Custos ABC. Pamplona, Edson de Oliveira. 16o ENEGEP. Piracicaba, SP, outubro de 1996.
Cooper (1989) exemplifica este fato com a reposição do direcionador “horas de inspeção” pelo
direcionador “número de inspeções”. Esta reposição é considerada aceitável se a duração de
cada inspeção é aproximadamente a mesma.
A reposição de direcionadores que capturem a duração de uma atividade pelo uso de
direcionadores que capturem o número de transações geradas por uma atividade pode ser
interessante na redução dos custos de mensuração do ABC, uma vez que os dados podem já
estar disponíveis. Isto ocorre no caso de direcionadores como “número de requisições de
materiais”, “número de ordens processadas”, “número de expedições” e outros direcionadores.
A armadilha, neste caso, pode estar no comportamento que o novo direcionador pode
induzir. Um exemplo é o uso de “número de setups” no lugar de “tempo de setups”. Se, para
reduzir os custos desta atividade, que não adiciona valor, forem tomadas decisões no sentido de
reduzir o número de setups, e não o tempo de setups, a empresa pode perder em termos de
flexibilidade.
5. A INDUÇÃO A COMPORTAMENTO PROVEITOSO PARA A EMPRESA
Além da precisão e do custo, outra característica de um direcionador de custos é seu
efeito sobre o comportamento das pessoas. O comportamento pode ser proveitoso, ou não,
para a empresa. No exemplo acima, o número de setups pode induzir a comportamento que não
leva à melhoria da empresa, ao contrário, leva a um resultado não pretendido: o aumento de lotes
de fabricação.
Segundo Cooper (1989), em geral, um direcionador de custos afeta o comportamento
dos indivíduos, se eles sentem que sua performance será, de alguma forma, avaliada com base no
custo por unidade daquele direcionador. Assim, a importância dos efeitos comportamentais não
deveria ser subestimada.
De acordo com Hiromoto (1988), muitas companhias japonesas continuam
apropriando Custos indiretos baseado em Mão-de-Obra Direta pois cria-se o forte, e desejado,
incentivo pró automação. Neste caso pode-se observar que o efeito comportamental supera o
interesse por custos mais precisos dos produtos.
Na opinião de O’Guin (1991), “a filosofia de que um sistema de custos deveria
encorajar um determinado tipo de comportamento é errada e, esta, não é a proposta de um
sistema de custos”. Para o autor o objetivo de um sistema de custos é o de informar custos com
tanta acurácia quanto possível. Encorajar ou desencorajar comportamento, para ele, nã o é
prerrogativa de um sistema de custo, mas sim de um sistema gerencial de incentivos.
Sabe-se, entretanto, que o controle de custos é uma das funções de um sistema de
custos e, ainda, que o efeito comportamental dos direcionadores de custos pode ser utilizado
para este controle. A atuação sobre um direcionador escolhido adequadamente, sob o ponto de
vista da indução ao comportamento, deverá levar tanto à redução do custo de uma atividade
como, ao mesmo tempo, à obtenção de resultados de interesse para a melhoria da empresa.
Um dos pontos fortes do sistema ABC é sua participação no Gerenciamento Baseado
em Atividades (ABM - Activity Based Management). É difícil imaginar o ABM sem os efeitos
comportamentais causados pelos direcionadores de custos.
6. A REDUÇÃO OU ELIMINAÇÃO DE ATIVIDADES
A redução ou eliminação de atividades não implica, necessariamente, em redução de
custos para a empresa, mesmo que estas atividades não agreguem valor. Se a empresa não
redirecionar ou não eliminar os recursos ociosos provenientes do esforço de gestão das
atividades, os custos permanecerão em um âmbito geral.
As Armadihas do Sistema de Custos ABC. Pamplona, Edson de Oliveira. 16o ENEGEP. Piracicaba, SP, outubro de 1996.
7. CONCLUSÃO
A importância em enfatizar as armadilhas do sistema ABC está, principalmente, em
alertar sobre os cuidados que devem ser tomados no seu projeto, implantação e utilização. O
artigo procura desmitificar o sistema ABC mostrando, sob vários ângulos, que muitos problemas,
que normalmente não são chamados à atenção, podem ocorrer.
O agrupamento de recursos, o agrupamento de atividades e a escolha de um
direcionador representativo, sob o aspecto da correlação e da proporcionalidade, de cada
grupo, podem invalidar um dos grandes benefícios do ABC: a precisão.
O custo do sistema é outro fator restritivo, que deve ser levado em consideração.
A preocupação com precisão e custo não pode encobrir outra importante característica
do sistema ABC: a de ser utilizado como ferramenta de melhoria contínua da empresa.
Para demonstrar os problemas do sistema ABC, o trabalho se utilizou da avaliação dos
direcionadores de custos, tanto de recursos como de atividades. Se os direcionadores de custos
forem escolhidos adequadamente, os problemas, que poderiam se tornar em armadilhas, serão
minimizados.
BIBLIOGRAFIA
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PAMPLONA, E. O. As Inadequações dos Sistemas de Custos Tradicionais em um Novo
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ROTH, Howard P., BORTHICK, A. F. Are You Distorting Costs by Violating ABC
Assumptions? Management Accounting. Nov., 1991
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