Natureza não financeira das promotoras de venda "A oferta do crédito é a regra do jogo no Brasil futuro". Com esta frase, o presidente do Bradesco, Sr. Luiz Carlos Trabuco Cappi, resumiu a relevância do crédito na expansão da economia. Nesta linha, observamos o presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, discutir alternativas para continuar fortalecendo o crédito no país para ampliar o consumo da população. Assistimos à proliferação da oferta de crédito, seja por meio do crédito pessoal, consignado, crédito direto ao consumidor ou cartões de crédito das redes varejistas - private label com ou sem bandeira. O crédito está desde na compra da geladeira, vestuário, material de construção, imóvel, veículo até no limite concedido nos cartões de crédito para que o consumidor o usufrua nas suas diversas necessidades. Discutimos também formas alternativas de sua expansão, como mobile banking. Tudo permeia crédito. E o crédito está intrinsecamente relacionado às promotoras de vendas. Elas desenvolvem importante papel de viabilizar o acesso ao crédito inclusive nas mais diferentes regiões. Locais onde não estão agências bancárias (seja por qualquer razão), elas lá estão e em todos Estados brasileiros. Colocar o crédito acessível a todas as classes e em qualquer localidade, mesmo nos rincões deste país, é além de uma política econômica uma função social. Por outro lado, notamos verdadeiro ataque no Judiciário, diga-se descontextualizado, (i) seja por meio de ações civis públicas, impetradas pelo Ministério Público do Trabalho, nas quais promotoras de vendas são impedidas de laborar sendo obrigadas a transferir seus efetivos para os bancos e a elas impostas altas multas reparatórias, (ii) seja por reclamações trabalhistas de exfuncionários das promotoras de vendas que requerem o enquadramento integral à categoria dos bancários ou a sua equiparação para efeito da 7/8ª hora da jornada do bancário/financiário - Súmula 55 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). As promotoras vinculadas aos bancos e às sociedades de crédito, financiamento e investimentos, pertencentes ao mesmo grupo econômico ou em parcerias com terceiros (como as redes varejistas), são as mais visadas. A oferta do crédito não pode ser inibida por decisões judiciais que oneram e até inviabilizam a atuação da promotora, inclusive no que tange ao trabalho nos finais de semana e feriados. Não pode, não só por questões macroeconômicas, mas principalmente por ausência de base legal. A oferta do crédito nada mais é do que a atividade burocrática de preencher cadastro; mas, pelo entendimento da Justiça do Trabalho, quem preenche cadastro é bancário. Aliás, está em voga enquadrar, na categoria sindical dos bancários ou financiários, empregados que, embora desempenhem algum tipo de atividade relacionada ao crédito, não prestam serviços bancários, nem financeiros. Estas decisões judiciais entendem ser ilegal a contratação do funcionário por interposta pessoa, no caso a promotora de venda (prestadora do serviço de venda do crédito), estabelecendo, com base na Súmula nº331, I, TST, a relação de emprego diretamente com o tomador do serviço, no caso bancos ou sociedades de crédito, financiamento e investimentos que concedem o crédito. Isto é o mesmo que dizer, por meio de sentença judicial, que o frentista do posto de combustível por vender a gasolina tem direito ao vínculo direto com a Petrobras. As normas do Conselho Monetário Nacional que permitem a contratação de empresas não integrantes do Sistema Financeiro Nacional, como as promotoras de vendas, pelas instituições financeiras - em especial, a Resolução nº 3.110, de 2003, que dispõe sobre a contratação de correspondentes no país -, têm sua validade mitigada quando confrontada com a legislação trabalhista constitucional e celetista. A constitucionalidade da Resolução nº 3.110, de 2003, tem sido combatida por se entender que não há adequada relação entre a capilarização da rede de atendimento bancário e a violação dos direitos constitucionais, sociais e sindicais dos trabalhadores em empresas que atuam como correspondentes. As causas que levam a estas decisões errôneas, o que entendemos serem os fatores de risco, são diversas, e são desde a redação do objeto social, nomenclatura de cargos, uso de marcas associadas a termos creditórios/financeiros até a subordinação direta a funcionário do banco. Há a tendência de levar a experiência do banco para dentro da promotora e isto não deve e nem precisa acontecer. Estes fatores de risco podem e, mais ainda, precisam ser revistos para que o enquadramento sindical dos funcionários da promotora, em categoria outra que a bancária/financiária, não seja considerado fraude trabalhista. Mister também rever as áreas funcionais nas quais os empregados da promotora são alocados, diferenciando as consideradas tipicamente não bancárias para que não coexistam com funções exercidas tipicamente por bancários (como analista de crédito) e assim comprometer o modelo de negócio da promotora que, em si, não exerce atividade bancária nem financeira. Da análise da jurisprudência do TST, nota-se uma generalização quanto à natureza jurídica da promotora de venda, como empresa atuante no "ramo financeiro", sem qualquer distinção técnica sobre seu enquadramento como instituição financeira na modalidade bancária (bancos) ou não bancária - como as sociedades de crédito, financiamento e investimentos -, nos termos da Lei nº 4.595, de 1964. Desta generalização decorre as decisões que criticamos que afirmam que a promotora desempenha típica atividade de concessão do crédito, estando inclusive sujeita às leis que regem o mercado financeiro. Ofertar crédito é diferente de conceder crédito, este último limitado às instituições financeiras. Esta distinção deve ser respeitada para que a atual política econômica não sofra abalos indesejados neste momento histórico do Brasil. Kátia Madeira e Silvia Tozzini - Advogadas responsáveis pelas áreas bancária e trabalhista, respectivamente, do escritório Madeira Kliauga Advogados (MKA). Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 10/12/09. Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações