XXIX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
A Engenharia de Produção e o Desenvolvimento Sustentável: Integrando Tecnologia e Gestão.
Salvador, BA, Brasil, 06 a 09 de outubro de 2009
O DESAFIO DE GESTÃO DOS CUSTOS
DE TRANSAÇÃO E DA
SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA DAS
ORGANIZAÇÕES OPERADORAS DE
MICROCRÉDITO
César Moreira Alves (FNH)
[email protected]
Ana Lúcia Magri Lopes (FNH)
[email protected]
Alfredo Alves de Oliveira Melo (FNH)
[email protected]
O microcrédito é um fenômeno recente que visa contribuir para
mitigar os efeitos das disparidades sociais. Entretanto, a redução dos
custos das transações e a sustentabilidade financeira das operações de
microcrédito são grandes desafios ennfrentados pelas entidades,
atualmente, operando no país. Este artigo procura, de forma não
exaustiva, analisar a problemática da operação do microcrédito tanto
do sentido de sustentabilidade de entidades concedente bem como os
custos incorrentes pelos tomadores. Para a realização deste trabalho,
utilizou-se um enfoque teórico baseado na premissa de que um dos
maiores desafios para a sustentabilidade financeira é o alto custo
operacional das operações de crédito destinadas à população de baixa
renda que não possuem acesso às formas convencionais de crédito.
Fica evidenciado ao longo do artigo que os custos de transação
influenciam de forma considerável a sustentabilidade financeira das
instituições de duas maneiras: (1) por um lado os custos de transação e
de oportunidade são altos o suficiente em relação às receitas,
representando quase 63% do custo total da operação, podendo tornar
uma instituição insustentável; (2) por outro lado os custos
relacionados aos recursos humanos, por sua vez, apresentam baixa
produtividade na expansão do crédito, gerando um menor retorno na
carteira de crédito. Além disso, as entidades de microcrédito devem
procurar reduzir e controlar custos, além de uma taxa de juros efetiva
e adequada para um planejamento que considere as variáveis de oferta
e demanda para que tenham impacto positivo na sobrevivência do
programa.
Palavras-chaves: Custos de transação, sustentabilidade financeira,
microcrédito
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1. Introdução
O presente trabalho procura de forma não exaustiva, analisar a problemática da operação do
microcrédito tanto do sentido de sustentabilidade de entidades concedente e os custos
incorrentes pelos tomadores. A justificativa para a realização deste estudo deve-se à
importância do microcrédito no atual contexto econômico e financeiro do país, constituindo
uma modalidade de crédito maciçamente utilizada por milhares de microempreendedores.
Embora o microcrédito seja um fenômeno recente, suas origens remontam ao século XIX.
Data deste século, o surgimento na Europa das primeiras iniciativas de crédito popular,
visando possibilitar o acesso ao crédito aos segmentos mais pobres da população. Com o
tempo, essas iniciativas disseminaram-se, passando a se reproduzir também fora do continente
europeu, especialmente no Canadá e nos Estados Unidos. Mais recentemente o programa de
crédito da União Nordestina de Assistência às Pequenas Organizações (UNO), desenvolvido
no Nordeste brasileiro em inícios da década de 1970, já prefigurava diversos aspectos dos
modelos atuais de microcrédito, sendo considerado, por alguns estudiosos, como a primeira
experiência moderna de microcrédito (AMARAL, 2005).
Não obstante, o principal referencial na história do microcrédito – é o Grameen Bank de
Bangladesh. Criado em 1976, teve sua origem em uma iniciativa pessoal do seu fundador,
Muhammad Yunus, que com recursos próprios iniciou a concessão experimental de créditos a
pessoas pobres, para serem utilizados em atividades produtivas.
O microcrédito nasceu da necessidade de se criar uma alternativa de financiamento para
atender às necessidades de um público específico que, no desejo de realização em constituir
um negócio, muitas vezes, incorre-se na necessidade de obtenção de crédito junto ao sistema
financeiro.
As atividades de microcrédito constituem-se em serviços direcionados para as pessoas físicas
e jurídicas dos setores formal e informal, definidas como público-alvo por sua baixa renda,
pelo seu ramo de negócios ou atividades, usualmente, sem acesso às formas convencionais de
crédito (sistema bancário tradicional) e que desejam montar, ampliar ou obter capital de giro
para um pequeno negócio, que lhes possibilite um desenvolvimento de seus empreendimentos
econômicos.
Estas iniciativas são ofertadas por redes locais, provenientes de ações da sociedade civil como
Organizações Não Governamentais (ONGs); do poder público em qualquer de suas esferas,
especialmente na esfera municipal ou local; de instituições bancárias ou financeiras; de
organizações de controle misto, isto é, parcerias entre esses agentes. A literatura apresenta
estas iniciativas como serviços de microfinança, instituições de crédito popular, Bancos do
Povo ou ainda organizações de microcrédito. Em diversos países, estas instituições são
constituídas por associações civis sem fins lucrativos ou programas governamentais, não
sendo enquadradas, portanto, na legislação do sistema financeiro.
Vale ressaltar que o desenvolvimento deste tipo de serviço financeiro está respaldado nas
soluções que apresentam para problemas relacionados ao mercado de crédito, pois, o conceito
de microcrédito nega algumas das principais características do sistema tradicional de crédito.
Tradicionalmente, o crédito é fornecido baseado nas garantias, solidez, patrimônio e tradição
financeira do pleiteante, inviabilizando a expansão do serviço de crédito à grande parcela da
população que acaba sendo excluída do sistema financeiro. A atividade de microcrédito,
apresentando respostas a problemas desta natureza, insere a população de baixo poder
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aquisitivo no mercado de crédito através de análise sócio-econômica do cidadão, onde pesa,
principalmente, a avaliação subjetiva relativa às intenções e potencialidades do cliente.
2. Histórico do microcrédito
2.1 Definição de microcrédito e microfinanças
Recentemente as referências ao microcrédito na mídia, vêm se intensificando de modo
considerável. De forma bastante genérica, esse termo é empregado como um instrumento
financeiro, designado a qualquer crédito de valores relativamente pequenos e destinado a
empreendedores de baixa renda que vive, em geral, na economia informal.
Assim sendo, o conceito efetivo de microcrédito possui várias formas de definição, mas a
idéia de maior precisão seria aquela que o define como ―um crédito de pequeno valor
concedido à micro e pequenos empreendimentos (de base individual, familiar, comunitária ou
empresarial) para ser utilizado de forma produtiva, na construção, manutenção e
desenvolvimento desses empreendimentos‖ (COUTINHO, 2002, p. 23).
Há que se considerar, entretanto, que o microcrédito, além de ter sido desenvolvido para
atender às necessidades dos pequenos empreendimentos, leva em consideração, além das suas
condições econômicas, as relações sociais do tomador.
Para Caldas (1999), o microcrédito possui algumas características peculiares que o
diferenciam do crédito tradicional, por não ser operado apenas por instituições financeiras
convencionais, mas também por cooperativas, associações, ONGs e instituições
especializadas em microcrédito.
Além disto, destaca-se o fato de estar direcionado principalmente a tomadores de baixa renda
e ter como objetivo último à melhoria das condições sociais e econômicas desses clientes e de
suas famílias e comunidades (ALVES & SOARES 2003).
Outra característica marcante do microcrédito segundo Barone et al. (2002), é adotar
metodologias específicas, diferentes das práticas bancárias tradicionais, na análise, liberação,
acompanhamento e cobrança dos créditos, bem como formas alternativas de garantia como a
fiança solidária, compatível com o perfil socioeconômico da clientela atendida.
Busca ainda, reduzir ao máximo o custo de transação para o cliente através de: i) localização
de pontos de atendimento na proximidade espacial da clientela; ii) simplificação e
desburocratização dos procedimentos de crédito, iii) grande agilidade na análise e liberação
do crédito (CALDAS, 1999).
Analisando o conceito e as características descritas anteriormente, há que se definir a
concessão de microcrédito como uma ferramenta do desenvolvimento e do combate à
pobreza, na medida em que o acesso ao crédito contribui para a melhoria da qualidade de vida
da população menos favorecida.
Já as microfinanças, segundo Parente (2006), constitui-se em um campo novo e em acelerado
desenvolvimento, no qual se combinam mecanismos de mercado, apoio estratégico do Estado
e iniciativas comunitárias com o objetivo de estruturar serviços financeiros sustentáveis para a
clientela de baixa renda, sejam indivíduos, famílias ou empresas formais e informais.
Dessa forma, o conceito de microfinanças incorpora e amplia o conceito de microcrédito, na
medida em que envolve o oferecimento de outros produtos financeiros, além do crédito.
Assim sendo, Nichter (2002), ressalta a importância de esclarecer a distinção entre
microcrédito e microfinanças que é outro termo econômico, porém, mais abrangente: o
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microcrédito circunscreve-se ao ato de emprestar recursos próprios ou de terceiros, enquanto
o conceito de microfinanças vai além dessa ação, incluindo outros serviços financeiros como
as micropoupanças (de curto, médio e longo prazo), os microsseguros (particularmente de
vida e saúde), além de outros, como transferências de valores, finança imobiliária e
investimento financeiro. Apesar dessa definição, é comum utilizar-se no Brasil do termo
―entidade de Microfinanças‖ ou ―entidade Microfinanceiras‖ (IMFs), como referência às
instituições de Microcrédito.
Nesse contexto, da mesma forma que o microcrédito, esses outros produtos criados pelo setor
de microfinanças são desenhados de forma a adequar-se às necessidades e demandas das
atividades de micro e pequeno porte e de empreendedores de baixa renda (SILVEIRA
FILHO, 2005). Assim, não são apenas cópias dos produtos oferecidos pelo sistema financeiro
tradicional (bancos comerciais e financeiras), mas, fazem parte de uma filosofia em que o
crédito é visto como um direito, pois o acesso a ele leva ao desenvolvimento do indivíduo e
de sua unidade produtiva.
Vale ressaltar que essa realidade — microfinanças — está presente e consolidada em boa
parte dos países da América Latina em função de uma legislação mais abrangente e flexível.
No Brasil, além de ser recente, a legislação em vigor só permite uma modalidade de produto
das microfinanças: o microcrédito (ZOUAIN & BARONE, 2004).
2.2 História do microcrédito no mundo
A história informal do microcrédito apresenta indicações de que as origens datariam de 1846
quando, no sul da Alemanha, foi criada, pelo pastor Raiffeinsen, a Associação do Pão, que
cedeu farinha de trigo aos camponeses endividados com agiotas para que eles, com a
fabricação e comercialização do pão, pudessem aumentar sua renda.
Somente em 1976, Muhammad Yunus idealizou e realizou uma experiência pioneira de
microcrédito que ficou conhecida no mundo todo, e que lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz,
que dividiu com o Grameen Bank, em 2006.
O projeto do Grameen Bank, surgiu em 1976 na cidade de Jobra, em Bangladesh, onde Yunus
começou a conceder empréstimos de pequena monta, inicialmente com seus recursos
próprios, para famílias carentes de produtores rurais, com foco nas mulheres e utilizando um
sistema revolucionário de garantias morais mútuas, formando grupos de cinco pessoas que
ficavam moralmente responsáveis umas pelas outras. Yunus (2001), afirma que a idéia
primordial do microcrédito é a erradicação da pobreza no mundo.
Desde sua fundação, o Grameen Bank mantêm sua atividade como empresa privada lucrativa,
tendo obtido lucros em todos os anos de sua operação, exceto no ano de sua fundação e em
1991 e 1992. Serviu de inspiração para várias experiências e políticas públicas de crédito em
países menos desenvolvidos, inclusive no Brasil.
Segundo Parente (2002), a idéia de operar com empréstimos de pequena monta, adotando o
princípio da confiança e dispensando a burocracia exigida pelos bancos tradicionais, foi
inicialmente muito criticada pelo Banco Mundial, que logo depois reviu sua posição e passou
a apoiar a idéia. O Banco Grameen tornou-se um modelo e passou a ser utilizado como
referência em dezenas de países, introduzindo em todo o mundo os conceitos de
microfinanças e microcrédito.
2.3 História do microcrédito no Brasil
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Com base nas informações obtidas no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social - BNDES (2007), tanto no Brasil como em outros países da América Latina, o
microcrédito encontra-se em fase embrionária e tem sido liderado por iniciativas de ONGs,
em geral de atuação internacional. O modelo de atuação de microcrédito que predomina no
Brasil é denominado ―modelo empresarial‖, no qual o foco são pequenos empreendedores já
estabelecidos.
Usualmente associa-se a primeira experiência de microcrédito no Brasil à criação em 1973 do
projeto UNO, em Recife, mas que deixou de existir em 1991 por não ter incorporado
conceitos e práticas que permitissem sua autosustentabilidade. Portanto, a primeira
organização formal em Microcrédito é datada de 1987, com o Centro de Apoio aos Pequenos
Empreendimentos Ana Terra (CEAPE/RS), na cidade de Porto Alegre – Rio Grande do Sul.
O Centro Ana Terra, fundado na forma de ONG, contou com o apoio do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Inter-American Foundation (IAF) que
aportaram recursos para os financiamentos.
Outras experiências teriam ocorrido na década de 1980. Mas, somente após o Plano Real, em
1994, as organizações que atuam com microcrédito passaram a emergir na configuração atual,
devido à redução das taxas de inflação, trazendo ao país uma relativa estabilidade econômica.
Em 1997-98 os bancos federais passaram a atuar com o microcrédito, sendo a experiência do
projeto ―Crediamigo‖, do Banco do Nordeste do Brasil a maior e mais conhecida. Mais de
uma dezena de programas de microcrédito foram implantados no Brasil desde 1987 e, em
2003, a Caixa Econômica Federal iniciou suas operações no microcrédito com o programa
―Caixa Aqui‖ e em 2004 o Banco do Brasil inaugurou o programa ―BB Crédito Pronto‖.
Até 1999, as ONGs foram as entidades mais atuantes do microcrédito no Brasil.
Posteriormente, várias medidas legais foram criadas para regulamentar e incentivar o uso do
microcrédito no Brasil. Em 25 de junho de 2003, o então presidente Luíz Inácio Lula da Silva
editou a Medida Provisória n. 122 que criou um programa federal de microcrédito, tendo o
Conselho Monetário Nacional (CMN) como seu órgão regulador. A partir de outubro de 2003,
o CMN determinou a todos os bancos comerciais, inclusive à Caixa Econômica Federal e ao
Banco do Brasil que, destinassem 2% de seus depósitos à vista para operações de
microcrédito.
Através do histórico apresentado, pode-se constatar que 1994 foi o grande marco do
microcrédito no Brasil. Até àquele ano, as operações de microcrédito eram praticamente
inexistentes. Somente a Federação Nacional dos Pequenos Empreendedores (FENAPE) e o
Banco da Mulher atuavam nesse segmento antes de 1994. De acordo com Parente (2002), essa
demora no surgimento de organizações que atuassem com microcrédito justifica-se por três
razões: i) as altas taxas de inflação, ii) a tradição de crédito governamental dirigido e
subsidiado para programas de caráter assistencialista e iii) a legislação estrita, que condenava
como usura toda ação concorrencial com as instituições financeiras convencionais.
Além das iniciativas do setor público, cabe destacar o surgimento, em várias cidades
brasileiras, de organizações de pequeno porte que operam com microcrédito. Normalmente,
seu raio de atuação é pequeno, abrangendo apenas a cidade onde estão localizadas. A
tipologia dessas organizações, segundo Kwitko (2002), é apresentada a seguir:
Sem fins lucrativos
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- ONG (Organização não Governamental): associação civil sem fins lucrativos, regida por
estatuto social, não vinculada de forma obrigatória a nenhuma entidade controladora e, assim,
sujeita a restrições quanto às estipulações usurárias;
- OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público): pessoa jurídica de direito
privado, sem fins lucrativos, regida por estatuto e que não se encontra sujeita à Lei da Usura.
Pode estabelecer parcerias para executar parte das políticas sociais que cabe aos poderes
públicos;
- Cooperativas de Crédito: sociedade de pessoas de natureza civil, sem fins lucrativos, com o
objetivo de conceder empréstimos e prestar serviços aos seus associados e com
funcionamento determinado pelo seu respectivo estatuto social.
Com fins lucrativos
- SCM (Sociedade de Crédito ao Microempreendedor): associação com fins lucrativos, que
pode ser constituída como sociedade por quotas de responsabilidade limitada ou sociedade
anônima. Sujeita-se à fiscalização do Banco Central;
- Qualquer instituição financeira que trabalhe com a oferta de crédito junto ao público
(Bancos comerciais, financeiras).
Pode-se destacar também o surgimento, nos últimos anos, dos chamados ―Bancos do Povo‖,
que são iniciativas de governos estaduais como parte da política pública de geração de
trabalho e renda.
3. A viabilidade econômica do microcrédito: a questão da sustentabilidade
No sentido econômico-financeiro, a autosustentabilidade é usualmente mencionada como
sendo a necessidade das organizações em gerar recursos próprios com o propósito de financiar
suas atividades. Assim sendo, uma das vantagens que permeia o microcrédito deve-se ao fato
de constituir-se num programa que, rompendo com o simples assistencialismo social, pode
garantir sua autosustentabilidade, por meio do recebimento dos valores emprestados
remunerados com uma taxa de juros capaz de cobrir seus custos operacionais (CONSTANZI,
2002).
Para Dum et al. apud Fachini (2005 p. 30), a concepção de sustentabilidade é mais ampla,
podendo ser entendida como ―a capacidade de ser um empreendimento sustentável, que se
pode manter mais ou menos constante ou estável, por um longo período, sendo tal
estabilidade em termos institucionais, técnicos, políticos e financeiros‖. A sustentabilidade
financeira a qual se refere este estudo pode ser definida como a capacidade da entidade cobrir
todos seus custos, incluindo os custos de oportunidade e os operacionais e ainda conseguir
permanecer no mercado no longo prazo.
A questão da sustentabilidade das Instituições Microfinanceiras – IMF é uma preocupação
que ocupa um patamar de importância, podendo ser observada sob dois aspectos:
Sustentabilidade Operacional e Sustentabilidade Financeira. O primeiro refere-se à entidade
de microcrédito que possui Receita Operacional suficiente para cobrir as Despesas
Operacionais, incluindo salários, perdas dos empréstimos e Despesas Administrativas. No
segundo, a entidade de microcrédito além de cobrir as Despesas Operacionais, também é
capaz de cobrir os custos dos fundos e outras formas de subsídios recebidos. Yunus (2001),
privilegia o primeiro aspecto: na sua perspectiva, se as IMF conseguirem cobrir seus custos, já
estarão num ponto ótimo. González-Vega (2001), chama a atenção para a outra vertente: a
sustentabilidade financeira é fundamental para as microfinanças, e as IMF devem se pautar
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pela sua capacidade de serem efetivamente lucrativas. Nas suas palavras: "microfinanças são
caras". A importância de atingir esse patamar para a entidade deve-se ao fato da sua
permanência no mercado mesmo que todos os subsídios fossem suprimidos (MEYER, 2000).
Comparando as instituições microfinanceiras aos bancos tradicionais, Otero (2001), destaca o
fato de que, as primeiras, cabem uma dupla missão: uma preocupação com seu impacto social,
ao lado de um bom desempenho financeiro.
4. Custos de transação
O conceito de custos de transação teve sua origem através do estudo sobre relacionamento de
instituições econômicas. A partir daí, várias definições foram construídas de um modo
complementar, sendo que cada autor privilegia, naturalmente, as características dos custos de
transação especialmente importantes para as questões específicas a que pretende responder.
Para Farina et al. apud Fachini (2005, p. 44), o conceito de custos de transação "são os custos
ex-ante de esboçar, negociar e salvaguardar um acordo e, sobretudo os custos ex-post
decorrentes de problemas de adaptação que surgem quando a execução de um acordo é
imprecisa como resultado de atrasos, erros e omissões‖. Esses autores afirmam ainda que os
custos de transação podem variar de acordo com a organização analisada, por estas
apresentarem um nível distinto de controle sobre uma transação, ou seja, cada qual com suas
ações oportunistas e seus custos em uma transação que empregue ativos específicos.
Numa linguagem simplista, os custos de transação, podem ser entendidos como todos os
gastos decorrentes do processo de obtenção de crédito, tais como despesas com obtenção de
certidões, cópias de documentos, despesas com transportes relacionadas à obtenção do
crédito, saque do dinheiro e pagamentos, dentre outros. Enquanto que o custo de oportunidade
refere-se à geração de renda perdida em função da obtenção do crédito por motivos de
ausência no negócio para tratar do crédito, tempo gasto para levantar os documentos
necessários à formulação do pedido e a não-obtenção da receita decorrente da falta de crédito
(VILELA & AGUIAR, 2004).
A exemplo comparativo desses custos, pode-se imaginar um comerciante que vende, em
média, R$ 200,00 por dia. Considerando que o custo da mercadoria é de R$ 120,00; seu lucro
bruto é de R$ 80,00 por dia. Porém, se este comerciante recorre a um banco para fazer um
empréstimo de R$ 800,00 para ser utilizado como capital de giro e que para conseguir tal
empréstimo teve que ir ao banco duas vezes e, para tanto, gastou oito passagens de ônibus.
Além disso, foi solicitado ao comerciante que providenciasse, cópias de documentos e
preenchimento de fichas cadastrais e dados do negócio. Foi exigido também para a concessão
do crédito, que o comerciante mantivesse uma conta corrente, movimentada por cartão, o que
gera tarifas de cartão e manutenção da conta. Esses custos são chamados de custos de
transação e estão discriminados na Tabela 1.
Custos de transação
Custo Unitário
Unidades
Custo total
Transporte
R$ 1,70
8
R$ 13,60
Cópias de documentos
R$ 0,15
6
R$ 0,90
Tarifa do cartão
R$ 8,00
1
R$ 8,00
Tarifa de manutenção da conta corrente
R$ 5,00
6 meses
R$ 30,00
Custo Total
R$ 52,50
Fonte: Adaptado de Vilela & Aguiar (2004)
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Tabela 1 – Exemplo de custos de transação
Já o custo de oportunidade é decorrente de dois meio-períodos que o comerciante se ausentou
do seu local de trabalho para tratar da operação, deixando, portanto, de vender e,
conseqüentemente, tendo uma redução de renda da ordem de R$ 80,00 (um dia = dois meioperíodos). Se o banco cobra do cliente uma taxa de 3% ao mês, o valor presente do custo
financeiro seria R$ 79,95. O custo total da operação seria de R$ 212,45 dos quais quase 63%
são custos de transação e oportunidade, conforme descrito na Tabela 2.
Custos de acesso ao crédito
R$
%
Custo de Oportunidade
R$ 80,00
37,66%
Custo de Transação
R$ 52,50
24,71%
Custo Financeiro
R$ 79,95
37,63%
Custo Total
R$ 212,45
100%
Fonte: Adaptado de Vilela & Aguiar (2004)
Tabela 2 – Exemplo comparativo dos custos de acesso ao crédito
A atuação de uma IMF implica em altos custos operacionais, dada a base institucional sobre a
qual deve funcionar. Como destaca Barone et al. (2002), a base institucional de uma IMF
exige uma organização especializada no atendimento à população de baixa renda, que
funcione com o mínimo de burocracia e com elevado padrão gerencial e técnico.
No intuito de mitigar ao máximo a burocracia, a metodologia do microcrédito procura reduzir
os custos de transação e de oportunidade do tomador de crédito, fazendo com que o agente de
crédito vá até ao cliente evitando seu deslocamento e conseqüente ausência do trabalho,
havendo, portanto, uma compensação entre o custo financeiro e os de transação e
oportunidade (VILELA & AGUIAR, 2004). O prazo de liberação do crédito deve ser o menor
possível. Entretanto, é imperioso que haja rigor no que diz respeito ao combate à
inadimplência na carteira, rigor que, por sua vez, também implica um custo (VALENTE,
2002). Esse conjunto de ações faz com que seus recursos humanos sejam suficientemente
remunerados a fim de garantir a sustentabilidade das instituições, o que geralmente se realiza
pela cobrança de taxas de juros nem sempre baixa (BARONE et al. 2002).
Não há, no entanto, um consenso na literatura sobre o que deveria ser um prazo considerado
ideal de recuperação do investimento inicial realizado, a partir do qual a sustentação possa ser
garantida. Dantas (2004), fala em três anos.
5. Taxa de juros em operações de microcrédito
Com o objetivo de proporcionar acesso ao crédito a milhões de pessoas que hoje se encontram
excluídas do sistema financeiro tradicional, as instituições operadoras de microcrédito, de
forma geral, praticam taxas de juros mais elevadas em relação à dos bancos tradicionais em
suas operações comerciais, como forma de garantir sua sustentabilidade (NICHTER et al.,
2002).
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No Brasil, por exemplo, a experiência de limitar a taxa de juros praticada no microcrédito,
operado com recursos do governo federal, a 2% ao mês para o tomador final, mostrou-se
inviável, tendo o governo flexibilizado essa posição, permitindo aplicação de taxas, na ponta
final, de até 4% ao mês.
Segundo Camargo et al. (2004) as taxas de juros cobradas em operações de microcrédito
giram em torno de 3% a 5% ao mês, pois, 90,91% das organizações cobram taxas dentro deste
intervalo, conforme apresentado na tabela 3. A taxa média encontrada, de 4% ao mês, está
abaixo das opções que, normalmente, o microempreendedor encontra no mercado
(principalmente o informal), como crédito pessoal e agiota.
Taxa de Juros (% a. mês)
≤3
3,01 a 4,0
4,01 a 5,0
≥ 5,01
Total
Fonte: Adaptado de Carneiro et al. (2004)
Freqüência
Percentual (%)
01
05
05
01
8,33
41,67
41,67
8,33
12
100
Tabela 3 – Taxa de juros praticados no microcrédito em 2004
Portanto, praticar uma taxa de juros adequada, que garanta essa sustentabilidade, favorece a
manutenção da equidade na oferta de capital. Contrariamente, praticar taxas que não
permitam a auto-sustentação da instituição operadora, fatalmente levará esta ao encerramento
prematuro de suas atividades, reduzindo, dessa forma, a oferta de capital àqueles que não têm
acesso às instituições financeiras convencionais.
PARENTE (2002, p. 35), menciona que ―para o público-alvo das microfinanças, o acesso
oportuno e ágil ao crédito é mais relevante que o preço do dinheiro‖, isto é, as taxas de juros
cobradas pelos empréstimos. A razão para isso é que a produtividade marginal do capital é
extremamente alta nos microemprendimentos.
Vale ressaltar que o objetivo dos programas de microcrédito é dar acesso ao crédito àqueles
que não são assistidos pelo sistema financeiro tradicional. Tal público, em sua maioria, já
utiliza mercados informais de crédito, nos quais empreendedores de baixa renda tomam e
pagam recorrentemente empréstimos informais, a taxas de juros muito mais altas que qualquer
instituição de microcrédito formal cobraria.
6. Considerações finais
Por se tratar de um tema evidenciado na atualidade, a pouca produção de conhecimento a
respeito não permite arriscar conclusões sobre melhores caminhos para a sustentabilidade das
entidades de microcrédito. Porém, cabe sintetizar de um modo geral, alguns apontamentos
sobre como os custos de transação impactam na sustentabilidade financeira dessas entidades.
O microcrédito, na sua abordagem mais difundida, destina-se a empreendimentos que gerem
emprego e renda para as famílias beneficiadas. A discussão gira basicamente em torno de dois
pontos: como garantir que o crédito chegue àqueles sem acesso às formas convencionais de
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crédito (sistema bancário tradicional) e, por outro lado, como garantir a sustentação
econômica do microcrédito no tempo.
O artigo discutiu o microcrédito para analisar quais são os custos de transação considerados
como desafio para que as entidades alcancem a sustentabilidade. Procurou apresentar
argumentos de forma a demonstrar que o custo de transação de microcrédito é elevado e que
as instituições operadoras precisam cobrar taxas que lhes permita a autosustentabilidade. Ou
seja, a taxa de juros dos empréstimos, deve ser suficiente para cobrir todos os custos da
entidade como captação, administrativos, cobrir o risco dos empréstimos, dentre outros e
ainda gerar uma margem de lucro para a instituição. Este fator é evidenciado na literatura
especializada atual, imprescindível para garantir, de forma ampla e permanente, o acesso ao
crédito àqueles que atualmente não o possuem, seja por falta de formalização, garantia ou,
simplesmente, por não serem atrativos, comercialmente, ao sistema financeiro tradicional.
O estudo demonstrou também que os custos de transação influenciam a sustentabilidade
financeira das entidades de microcrédito de duas maneiras: por um lado os custos de transação
e de oportunidade são altos o suficiente em relação às receitas, apresentando quase 63% do
custo total da operação, podendo tornar uma instituição insustentável e, por outro lado há o
custo relacionado aos recursos humanos, que apresentam baixa produtividade na expansão do
crédito, o que gera um menor retorno na carteira de crédito. Além disso, as entidades de
microcrédito devem procurar reduzir e controlar custos, além de uma taxa de juros efetiva e
adequada para um planejamento que considere as variáveis de oferta e demanda para que
tenham impacto positivo na sobrevivência do programa.
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o desafio de gestão dos custos de transação e da