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RAÇA E ETNICIDADE
Atualmente é importante a discussão entre os aspectos relacionados à raça e
etnicidade. Considerando o Brasil enquanto um dos países mais misturados em termos
raciais no mundo. Podemos entender temas como o preconceito e discriminação como
fatores desse caldeirão de grupos étnicos. A questão das cotas raciais, por exemplo, ainda
gera muita polêmica e posicionamentos que levam em conta os possíveis efeitos positivos
ou negativos de sua implementação. O racismo entendido muitas vezes como um tema
tabu entre os brasileiros ou tema pouco discutido, uma vez que, no Brasil ninguém se
considera racista. Atualmente a discussões travadas, no que diz respeito ao amplo
assunto da desigualdade social, coloca o tema raça e etnicidade como ponto de
discussões que fazem parte de nosso cotidiano e essa é a proposta da sociologia quanto
ao estudo de raça e etnicidade.
BREVE HISTÓRICO DAS IDEIAS RACIAIS.
O tema referente aos diversos grupos de seres humanos e suas particularidades,
teve maior destaque a partir do processo das grandes Navegações na Europa. A
“descoberta” de novos grupos humanos como o africano, o asiático e principalmente o
índio americano, proporcionou uma nova postura do europeu quanto a essa diversidade
étnico-cultural. Diferentes hábitos e costumes variados forçaram os europeus há pensar
um pouco mais sobre o papel desses grupos recém descobertos.
Foi no século XVI, com as grandes navegações o inicio do enfretamento do mundo
europeu com esses novos grupos humanos (denominados de selvagens). A expansão
marítima empurrou navegadores, comerciantes, administradores, aventureiros e religiosos
para outros continentes descobrindo novas culturais além da compreensão européia. Cada
um, a seu modo e tempo, descreveram a fauna, a flora do “Novo Mundo”. Essa imagem
construída correu o imaginário coletivo europeu e ajudou a desenhar a arquitetura de uma
nova ciência social, séculos depois, chamada Antropologia.
Antropologia (antropos, pessoa/homem; logos razão) foi a primeira ciência a estudar
os hábitos e culturas de diferentes civilizações, necessariamente a compreensão do
homem ou o “novo homem”. No início das grades navegações tivemos o que
normalmente era chamada de antropologia Espontânea, pois estava alicerçada em
narrativa e relatos (cartas, diários, relatórios), feitos por leigos (não cientistas) como
missionários, viajantes, comerciantes, exploradores e administradores de terras; por
exemplo, o relato da carta do escrivão Pero Vaz de Caminha descrevendo as formas dos
nativos:
Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mas que de
sobrepente, de boa gravura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por
baixo da solopa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave
amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria
as orelhas...
A visão sobre esse novo homem era de estranhamento, o europeu entendia o índio
como um ser inferior ou selvagem. A discussão na Europa destacava questões: esse índio
é de fato ser humano? E qual o seu grau de evolução intelectual? Nos dois casos a visão
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etnocêntrica racista era freqüente. A igreja católica, por exemplo, tendia a olhar para o
índio como uma criança que deveria ser orientada para a religião cristã.
A Carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) –
escritor português que exerceu a função de escrivão da armada do navegador Pedro Álvares Cabral
(1467-1520) – que narra a chegada dos portugueses ao Brasil, é um modelo típico dessa antropologia
espontânea,
Posteriormente alguns intelectuais como o filósofo iluminista Rousseau elaborou o
conceito do “Bom selvagem” sobre o índio, um ser puro e sem maldade que ainda não
havia sido corrompido pelos valores da “civilização.” Aos poucos, a concepção de homem
e da sua história deixou as fronteiras da Teologia e ingressou no campo da ciência.
PRIMEIRO CONCEITO
Raça
As teorias científicas sobre raça surgiram no final do século XVIII e inicio do século
XX, sendo utilizadas para justificar a ordem social emergente à medida que a
Inglaterra e outras nações da Europa tornavam-se potenciais imperiais que
submetiam territórios e populações ao seu domínio (...) termo “raça” criada pelos
europeus classificava os indivíduos nas categorias diferentes visto como
características físicas: raça branca, negra e oriental. (GIDDENS)
Raça e etnicidade são idéias socialmente construídas. Nós as utilizamos para
distinguir pessoas com base em diferenças físicas ou culturais percebidas, o que
traz conseqüências profundas para suas vidas. Marcas e identidades raciais e
étnicas mudam de acordo com a época e o lugar. Relações entre grupos raciais e
étnicos ajudam a modelar essas marcas e identidades. (Robert Brym, 211, 2006)
EVOLUCIONISMO SOCIAL: O ingresso da Antropologia na era da Ciência.
A antropologia pode ser compreendida como ciência somente a partir do século
XIX, quando diversas teorias como o Evolucionismo social começaram a atuar com mais
velocidade. A antropologia, no seu início, como estudo científico apresenta-se com ideias
ainda conservadoras e preconceituosas. Dentre essas ideias temos o Evolucionismo que
destacava os grupos humanos a partir de processos de desenvolvimento intelectual e
racial.
De inicio foi a obra de Charles Darwin conhecida como A Origem das Espécies de
1859, que provocou uma revolução científica na forma de entender os processos de
evolução. Em sua obra Darwin formula a teoria da evolução das espécies, via seleção
natural: no processo, ocorrem com os indivíduos variações úteis na luta pela existência;
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essas variações transmitem-se, reforçadas, aos descendentes. Com base nessas
observações, elaborou a teoria evolucionista.
Charles Darwin e a visão científica
sobre a origem das espécies.
Herbert Spencer, outro teórico do século XIX, procurou aplicar as leis de evolução
das espécies, desenvolvida por Charles Darwin, a todos os níveis da atividade humana.
Ele é considerado no campo das ciências sociais como o mais importante teórico do
Darwinismo Social, mesmo nunca tendo usado esse termo para expressar suas idéias.
Seu conceito básico se expressava na seguinte noção: “sobrevivência do mais apto”.
Graças a essas noções, Spencer é considerado o principal teórico do racismo “científico”,
ou seja, a noção de que se pode comprovar a superioridade racial de um grupo em relação
a outro, como base na ciência. (Xavier, p 45, 2008)
A escola Darwinista influenciou fortemente o debate racial. Segundo Vera Regina,
as ideias dessa escola também ecoam fortemente nas perspectivas que colocam a “raça”
“branca” no topo da escala hierárquica dos grupos humanos. O traço fundamental dessa
escola é a ideia de uma superioridade da raça branca em relação aos índios e negros. A
presença de um tipo híbrido – da “mistura das raças” – seria um perigo para a
“superioridade” branca.
Dentro da condenação da mistura das raças temos diversos teóricos que usam da
ciência como um instrumento da divulgação do racismo declarado. Alinhado a essa escola,
temos aquele que é chamado de o pai do racismo: o francês Arthur de Gobineau (18161882) que entendia as “raças” em processo de evolução sendo o branco, a mais evoluída
dos seres humanos, desprezando o oriental e o negro como raças menores. Gobineau
destaca ainda a condenação da miscigenação, ou seja, não concorda com as misturas de
raças; ele entendia que, pior do que ser negro era ser híbrido. Para Gobineau a mistura
dos grupos raciais proporciona a degeneração das pessoas, o surgimento de seres
humanos inferiores e decadentes.
Dentro das ideias da ciência racista do século XIX, temos o norte americano Dr.
Samuel George Morto (que colecionou e mensurou Crânios humanos vindos de diversos
lugares e épocas, pertencentes a membros de diferentes raças. Conforme imaginava,
Morton entendia que quanto maior o cérebro, mais inteligente o indivíduo. Esse cientista
chegou a conclusão de que aquelas raças que estavam no todo da evolução como os
brancos europeus teriam o cérebros maiores do que os negros e os orientais e, portanto
bem mais evoluído.
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Um medidor de cabeças do século XIX, o
tamanho de cérebro como sinal de evolução e superioridade.
Outro autor em destaque da ciência racista do século XIX, foi Cesare Lombroso
conhecido como o pai da antropologia criminal, interessou-se pelo fenômeno da
delinqüência ao observar as frases obscenas tatuadas nos corpos dos soldados da
Calábria, no sul da Itália. Ele acreditava que essas tatuagens permitiam distinguir o
soldado desonesto do honesto. Lombroso também compreendia que certos traços físicos
poderiam identificar criminosos. (Robert Brym, 213, 2006)
Como ciência, a Antropologia tem dois braços de
estudo: a Antropologia Física (Biológica), estuda a natureza do homem, suas origens e evoluções,
estrutura anatômica, características raciais e a Antropologia Cultural.
SEGUNDO CONCEITO: preconceito e discriminação
Preconceito é a manifestação de uma atitude negativa contra toda uma categoria de
pessoas, geralmente minorias éticas ou raciais. Se você se ressente porque seu
colega é bagunceiro, você não e necessariamente preconceituoso. Mas, se você
estereotipa (marca social) seu colega imediatamente com base em características,
como raça, etnia ou religião, isso será uma forma de preconceito. O preconceito
tende a estabelecer definições falsas de indivíduos e grupos. (SCHAEFER, p. 245,
2006)
Discriminação: é o tratamento injusto de pessoas devido ao fato de pertencerem a um
determinado grupo.
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DEBATE SOBRE “RAÇA” NO BRASIL
O termo “raça” surgiu da influencia das ciências biológicas, tendo a ideia
equivocada de raças variadas. Hoje sabemos que raça só existe uma, a raça humana.
Considerando também que as diferenças físicas e mesmo os padrões culturais distintos
estão relacionados ao termo etnia. Entretanto durante muito tempo a ciência utilizou o
termo das ciências Naturais para definir os indivíduos em superiores e inferiores. No Brasil
os grandes representantes do racismo científico foram os médicos Silvio Romero (18511914) e Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906). Os dois autores influenciados por ideias
racistas acreditavam na perspectiva evolucionista do atraso das raças ou do “atraso” do
brasileiro em relação ao europeu. Encontramos aqui uma releitura de elementos das
escolas mencionadas anteriormente. O mestiço é interpretado, segundo esses autores,
como um tipo “indesejado”, já que o cruzamento de “raças” diferentes transmitiria tipos de
“defeitos” pela herança biológica.
Segundo o autor Nina Rodrigues, a presença negra no Brasil seria um fator
explicativo para a “inferioridade” do povo brasileiro. É importante considerar que Nina
Rodrigues foi professor de Medicina da Universidade da Bahia e um dos maiores
representantes do chamado racismo científico. O autor também considerou a cultura afrobrasileira como inferior. Isso proporcionou uma análise negativa do caráter racial brasileiro,
que efetuavam relações da raça negra e mestiça como “potenciais criminosos”: traços da
aparência de um sujeito poderiam revelar uma natureza delinqüente e perigosa.
Essa visão racista sobre o povo brasileiro acabou sendo muito desenvolvida (a
partir de meados do século XIX), principalmente na ideia da miscigenação da população
como um aspecto fundamental de degradação da sociedade. Entretanto na década 30 do
século XX, com o trabalho de Gilberto Freyre (1900-1987), teremos mudanças na forma de
olhar o homem brasileiro. A visão deixa de ser biológica (determinista) para ser de caráter
cultural; Freyre em sua obra “Casa Grade e Senzala” destaca de maneira inovadora para
os padrões da época, o lado positivo da miscigenação da população brasileira. O autor
Freyre vai exaltar a cultura brasileira e mencionar a contribuição do negro africano para a
sociedade.
Segundo sociólogo Gilberto Freyre a mistura racial promoveria o clima fértil para a
construção de uma harmonia das raças. Para Freyre essa harmonia passa na ideia que no
Brasil não existiu a segregação entre brancos e negros, ao contrário, a relação pacífica
entre esses grupos proporcionou uma “Democracia racial”.
O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre.
Essa harmonia, contudo contribuiria para a diluição de outras fronteiras na
sociedade, como a existente entre ricos e pobres, homens e mulheres e assim por diante.
A mistura realizada entre brancos, negros e índios seria um elemento de promoção da
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harmonia social e não de decadência ou atraso do povo brasileiro, como nos
demonstraram outras correntes e autores.
A teoria de Gilberto Freyre destaca o caráter positivo da miscigenação dos grupos,
o que apresentaria uma suposta ausência de preconceito racial no Brasil. E o famoso
“mito da democracia racial” que menciona, o brasileiro como não sendo preconceituoso.
A idéia de que o brasileiro não seria racista, pois os grupos étnicos apesar de suas
diferenças viviam sem conflitos ou discriminações declaradas. Segundo Daisy Barcellos: o
fato de a sociedade brasileira possuir a democracia racial como ideal afirmado e desejado,
conduziu encobrimento da realidade das relações entre brancos e negros. O sentido
discriminador e indiretamente segrega dor que essas relações apresentam tendeu a ficar
encoberto pelo discurso da ideologia dominante. Este discurso, de um lado, afirma a
igualdade e investe na negação do racismo; de outro mantém a profundidade das
desigualdades sociais só explicáveis através da discriminação e do preconceito, cuja
conseqüência mais imediata é a segregação social. (ULBRA, 2009)
Para Gilberto Freyre as relações entre os grupos étnicos são bem mais igualitárias
no Brasil. O próprio brasileiro não se vê como racista e mesmo aqueles que são
discriminados, buscam formas ou status para fugir da marca social. No Brasil o racismo é
bem atuante, mais diferente do racismo norte-americano (direto), o nosso racismo
apresenta-se de forma escondida, menos direta nas relações. A maneira como as pessoas
encara o racismo é diferente, pois se busca na postura alegre do povo brasileiro o discurso
ideal para não falarmos de racismo.
O livro de Gilberto Freyre: Casa Grande e Senzala.
Gilberto Freyre teve seus méritos para criticar os critérios das ciências naturais na
definição dos grupos. Mas não é possível considerar a sociedade brasileira como não
racista sem nenhum tipo de preconceito, vivendo numa democracia racial. O preconceito
efetivamente existe, a diferença é que no Brasil tendemos a considera sempre o outro
como racista. O indivíduo em si jamais se entende como racista ou apresentam qualquer
tipo de preconceito.
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ATIVIDADES
01- A expansão ultramarina promove o encontro do “Novo Mundo”, provocando
nos europeus a necessidade de reflexão sobre a alteridade humana e cultural.
Por que isso ocorre?
Gabarito: A expansão marítima propicia a chegada dos europeus ao “Novo Mundo”
e o contato com seus habitantes. Esses povos encontrados eram diferentes em
tudo. Seus costumes e comportamentos provocaram profunda ruptura nas
identidades dos povos europeus que compreendiam um padrão de comportamento
ante o mundo. Essa ruptura promove a necessidade de desvendar tamanhas
diferenças apresentadas pelos novos povos.
02- Como a escola evolucionista colabora para o desenvolvimento da teoria do
“racismo científico”?
Gabarito: o conceito de “unidade histórica do homem, desenvolvido na escola
evolucionista, passou a expressar a idéia de que no processo de “seleção natural”
os mais aptos – os europeus – sobreviveram como um povo superior aos demais.
Esse pensamento, o “racismo científico”, teve forte influência sobre a
intelectualidade brasileira que estudava a formação da sociedade e as políticas
adotadas para essa sociedade no século XIX.
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REFERÊNCIA
Giddens, Anthony. Sociologia. 4 ed, - Porto Alegre: Artmed, 2005.
Xavier, Juarez de Paula. Teorias Antropologicas. Brasil S.A, 2008.
Sociologia: sua bússola para um novo mundo – Robert Brym – São Paulo. 2006
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da Apostila: Raça e Etnicidade