ANAIS ELETRÔNICOS ENILL
Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | 17 a 19 de novembro de 2010
Itabaiana/SE: Departamento de Letras, Vol.01, ISSN: 2237-9908
CASA GRANDE E SENZALA E SUA INFLUÊNCIA EM MENINO DE
ENGENHO
Ivone Soares de Andrade (Graduada/ UFS)1
O presente artigo é um recorte do segundo capítulo do Trabalho de Conclusão
de Curso - TCC, e tem por objetivo mostrar como a obra de Gilberto Freyre Casagrande & senzala (1980) é referência importante, a ser conjugada a outras obras
teóricas, a fim de subsidiar uma análise das personagens negras em Menino de
Engenho, instaurando, assim, um diálogo com outros trabalhos que problematizam a
representação negra em nossa literatura.
Conhecer a obra de Gilberto Freyre Casa-grande & senzala foi de suma
importância para este artigo. Trata-se de uma obra em que o sociólogo mostra um Brasil
formado pela democracia racial, na junção da raça indígena, branca e negra e tendo na
figura do mulato ou mestiço, a mais fiel representação da nacionalidade brasileira; seus
ideais inspiraram a escrita de José Lins do Rego. Numa época do período modernista,
que se destacava os aspectos regionais do nordeste, Freyre lança em 1933 a primeira
edição do livro, traçando um perfil da sociedade híbrida agrária brasileira, baseada na
produção de cana- de- açúcar. O sociólogo apresenta a predisposição do português para
colonizar e escravizar o índio e posteriormente o negro. Este último merece destaque,
pois foi quem mais se adaptou às condições de clima e, por ser conhecedor de técnicas
de produção agrícola africana, o negro foi subjugado e considerado como mão de obra
essencial para a agricultura, fato que garantiu a economia do Brasil colonial.
Passados três séculos de escravidão, os negros, segundo Freyre, influenciaram,
com seus hábitos e seus costumes, a mesa, o léxico, as crenças, o modo de produção do
português. Há que se destacar, ainda, no convívio da casa grande e da senzala, a
presença das amas-de-leite, das mucamas servindo aos filhos e senhores de engenho,
negras cuidando da educação dos filhos dos brancos, relegando os seus filhos, servindo
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Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Prof. Alberto Carvalho- Itabaiana –
Sergipe, no ano de 2010.1.
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de reprodutoras, aumentando a prole de escravos e de filhos ilegítimos dos coronéis, os
mulatos. Muito desses meninos eram filhos de padre e tinham educação esmerada,
outros filhos de senhores de engenho eram mandados para estudar fora do país e,
segundo Freyre, tinham uma educação superior à dos brancos, pois aprendiam rápido
e, quando retornavam ao Brasil, cuidavam dos assuntos dos seus pais, ou trabalhavam
na cidade. Assim, passou a surgir uma nova classe, a dos mestiços, muito embora fosse
alvo de preconceitos, por ser filho de branco com escravas.
Inspirado nas idéias do sociólogo, José Lins do Rego escreveu em 1932 seu
romance de estreia, Menino de engenho, uma obra que abriu caminho para o ciclo da
cana de açúcar, seguido de Doidinho (1933), Banguê (1934), O Moleque Ricardo
(1935), Usina (1936) e Fogo Morto (1943). O romance traz os valores que o
consagraram na Literatura Brasileira. O primeiro aspecto é a sua filiação à Prosa
Regionalista Brasileira. A mensagem literária de José Lins do Rego é consagrada pela
crítica da época.
É importante compreender como o romancista de Menino de engenho foi
influenciado pelos ideais de Gilberto Freyre, depois que Freyre volta da Europa, após
ter passado por universidades americanas, encontra-se no Recife com José Lins do
Rego, em 1923, e daí começam uma amizade duradoura. Conforme as palavras de
Castello, “reconhecemos em Gilberto Freyre e José Lins do Rego os dois maiores
defensores do regionalismo por eles mesmos propostos” (CASTELLO, 2001, p.43): o
romancista assimila o ideário regionalista defendido pelo sociólogo. Freyre assumiu a
miscigenação como um fator positivo, baseando-se na tese de uma democracia racial
como fonte criadora da verdadeira nação brasileira, tendo na figura do mestiço, a mais
autêntica representação nacional.
Por ser narrado em primeira pessoa, o romance Menino de engenho possui um
caráter intimista e de memória. Outro ponto a se considerar é o modo particular de
narrar os fatos e personagens descritos.
Os personagens são, como bem afirma Almeida, “bastante numerosos em um
romance tão curto, servem para compor e dar vida ao painel” (ALMEIDA, 1999, p.
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226). O que o autor citado comenta é sobre o “grosso” de moradores, empregados, as
negras que ainda restavam da época da escravidão, o cangaceiro, contador de estórias,
alguns vizinhos, enfim, uma espécie de corte na sociedade que compunha o mundo dos
engenhos.
Os diversos tipos humanos, os costumes, descrições da paisagem, enfim tudo
serve ao romancista para descrever a vida social e a natureza, dotada de uma vasta
variedade de espécies nativas. Em muitas dessas descrições, percebemos o tratamento
dado às negras da casa-grande, muitas amas-de-leite, senhoras ex-escravas que
amamentaram os filhos, netos dos senhores de engenho, ao mesmo tempo em que
mostra as negras da cozinha e as prostitutas.
O autor dedica o capítulo 22 a apresentar a vida da senzala pós-abolição, das
negras alforriadas que, na prática, não saíam da condição de escravas, pois não tinham
para onde ir, continuavam com suas crenças e a procriar “livremente.
Nesse contexto, fica até interessante a separação que o narrador tenta
estabelecer entre seu histórico lascivo, aumentado pelas masturbações provocadas pela
negra Luísa, e a paixão que vai desenvolver por uma prima “civilizada” vinda de Recife,
Maria Clara. O narrador tenta manter a imagem da prima longe da imagem sexual, mas
sempre explode em sonhos de forte conotação sexual.
A negra Luísa, ao contrário, povoa o imaginário do protagonista com
“depravações”, a negrinha é vista como algo pejorativo: “A negra Luísa fizera-se de
comparsa das minhas depravações antecipadas. Ao contrário das outras (negras), que
nos respeitavam seriamente, ela seria uma espécie de anjo mau da minha infância”
(REGO, 1974, p.102).
O menino, em suas memórias, mostra não só a questão sexual estereotipada
que considera a mulher negra como objeto de desejo, como também a seriedade e o
respeito referentes a outras personagens negras, como fora mostrado acima, ao mesmo
tempo que associa a imagem da pureza a sua prima Maria Clara. Percebe-se, com isso, a
permanência dos estereótipos condicionados às personagens femininas, a casadoura,
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representada na figura da prima, a negrinha sensual, na imagem da negra Luísa e
aquelas negras respeitosas com uma imagem assexuada.
Com o passar do tempo e diante da vivência no engenho o inevitável ocorre.
Agarra-se em chamegos a Zefa Cajá, mulher que era caso de quase todos os homens da
região. Apesar das resistências dela, que alegava o menino ainda cheirar a leite, acaba se
deixando seduzir (provavelmente é comprada, graças aos objetos que ele furtava da
casa-grande para ela) e inicia-o sexualmente. A conseqüência, mais ou menos esperada,
é adquirir doença venérea:
Notam-se as expressões referentes à negra relacionada ao sexo como “anjo
mau”, “fazer coisa ruim”, a professora mundana. Carlinhos torna-se então o símbolo do
menino perdido, no entanto, o que vai fazer com que não seja mais visto como uma
criança, não é porque se relacionou sexualmente com Zefa Cajá, mas por ter pego
doença venérea, desde então as pessoas começaram a chamá-lo pelo nome.
Diante do que foi esboçado, percebemos um José Lins preocupado em mostrar
seus personagens com características que, embora no universo ficcional, transmitissem a
seu modo a realidade local da região nordestina. À semelhança de Gilberto Freyre, o
romancista de Menino de engenho mantém um dialogismo com a obra Casa grande e
senzala, na medida em que partilham ideias sobre a valorização do nordeste com uma
formação nacional híbrida do país. Este fato, para alguns críticos convencionou-se
chamar de mito da democracia racial, ou seja, para alguns teóricos, Freyre mantinha
uma ideia idílica e romântica da formação cultural do Brasil; no entanto, outros críticos
atuais denominam Freyre como o precursor da pós-modernidade, quando o que está em
voga nos estudos culturais é justamente a tolerância na convivência com diferentes
nacionalidades, como aconteceu com o Brasil, para formar apenas uma identidade
única, a identidade nacional.
A identidade sempre está associada ao diferente, assim, no tópico seguinte,
elencaremos alguns conceitos, que conforme dissemos, servirão para o melhor
conhecimento dos termos de gênero e raça, num breve esboço para melhor compreender
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como conceitos de gêneros são construídos e da mesma forma como estereótipos são
naturalizados pela sociedade, que estabelece o padrão nas relações de gênero.
Para Gilberto Freyre, a explicação para a escolha da mulher negra como amade-leite se deve, primeiramente, à moda, pois, segundo o autor, “de Portugal
transmitira-se ao Brasil o costume das mães ricas não amamentarem os filhos”
(FREYRE, 1980, p. 379), porque estas não se adaptavam ao clima do Brasil, ao
contrário das escravas que eram consideradas, segundo Freyre, exuberantes e de saúde
esplêndida. Segundo o autor, a razão principal do maior vigor das negras que das
brancas estaria em suas melhores condições eugênicas, esses motivos seriam mais
sociais, e não somente de clima, pois fora difundido em estudos da época, que o clima
do Brasil contribuía para certas modificações no corpo das mulheres européias, ao
contrário do corpo das negras, que estavam acostumadas a viver no mundo tropical.
Ao lado da mãe preta, outra figura que aparece no cenário escravocrata é a
jovem mucama mulata. Ao contrário da imagem nada erotizada da mãe-preta, a mucama
nos serviços domésticos é vista como aquela que desperta a sexualidade precoce nos
meninos brancos. Para Gilberto Freyre, não era bem assim, a mulata, por sua posição
subalterna, apenas atendia aos caprichos dos seus patrões ou donos.
A representação da mulata, de acordo com os estudos de Freyre, ganhou
destaque no imaginário brasileiro como “símbolo nacional”, associando a ela
características como a cordialidade, denguice e a beleza física. Sobre a mulata, Mariza
Corrêa (1996, p.40), em seu artigo Sobre a invenção da mulata, argumenta que, ao
mesmo tempo em que os atributos serviam para identificar positivamente a mulata no
imaginário brasileiro, os discursos que muitos escritores reproduziram qualificaram-na
como indesejada.
Ao analisarmos a imagem erotizada da criada, no interior das casas grandes,
vemos que esta contribuía para que muitas patroas enciumadas usassem de toda
maldade e tirania contra a mulata, já que estas, geralmente, mantinham “casos” com
seus senhores. Para o sociólogo Gilberto Freyre, numa acepção mais idílica, as negras
eram exímias de culpa, na medida em que, com a sua servilidade, apenas obedeciam a
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ordens. Segundo o sociólogo, “o que a negra fez foi facilitar a depravação com sua
docilidade de escrava; abrindo as pernas ao primeiro desejo do sinhô-moço. Desejo não:
ordem” (FREYRE, 1980, p.390).
Mediante as cenas mostradas e baseadas no estudo dos teóricos, podemos
considerar que, mesmo num universo pós- abolicionista, onde ainda existiam os
resquícios da escravidão, num ambiente de opressão. José Lins, ao associar-se ao
projeto de valorização nacional difundido por Gilberto Freyre (1980) em Casa grande
& senzala, cria personagens caracterizadas como submissas e bondosas, representadas
pelas amas - de – leite, e, ao mesmo tempo, reforça a manutenção do estereótipo da
mulata sensual, como criatura libidinosa.
Gilberto Freyre foi um dos precursores na representação da mulata sensual,
como símbolo nacional. Soma-se a isso a abordagem das características das mulheres
negras, tanto na higiene como nos seus atributos físicos, que contribuíram para a
perpetuação dos estereótipos.
Vale ressaltar que o livro de Freyre mostra a convivência de negros e brancos
num Brasil ainda sob o regime da escravidão, enquanto a obra de José Lins mostra uma
casa grande e senzala num cenário pós-abolicionista. Não apoiamos totalmente a
imagem positiva do sociólogo Gilberto Freyre, que mostrou um relacionamento cordial,
afável e porque não dizer democrático entre escravos e senhores. Contudo, não negamos
a relevância do seu estudo para compreendermos a nossa formação.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, José Maurício Gomes de Almeida. A Tradição Regionalista no Romance
Brasileiro 1857-19845. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. 328p.
CASTELLO, José Aderaldo. José Lins do Rego: nordeste e modernismo. 2ed. João
Pessoa: Editora Universitária/UEPB, 2001.200p.
CORRÊA, Mariza. Sobre a invenção da mulata. In: Cadernos Pagu (6-7), Campinas,
1996, p.35-50. Disponível em: http://www.nacaomestica.org/invencao_da_mulata.pdf
Acessado em: 30/04/2010.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. São Paulo, Ed. Círculo do Livro. 1980.
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REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Rio de Janeiro. Livraria José Olympio,
1974, coleção Sagarana. Vol. Nº 22.
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