UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS MESTRADO EM LITERATURA Rua Barão de Geremoabo, nº147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA Tel.: (71) 3283 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: [email protected] A ESCRITURA ARTÍSTICA E O CASO RAUL POMPEIA DURVAL CARVALHAL SALVADOR - BA 1992 DURVAL CARVALHAL A ESCRITURA ARTÍSTICA E O CASO RAUL POMPEIA Trabalho apresentado ao Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como requisito de avaliação parcial da disciplina Literatura Brasileira XX do curso de Mestrado em Literatura. Orientador: Prof. Dr. Jorge Araújo SALVADOR - BA 1992 A ESCRITURA ARTÍSTICA, diz Afrânio Coutinho, “ficou identificada como o conjunto de qualidades formais da tendência”. Tendência impressionista. O Realismo-Naturalismo, através da estética dos Goncourt, transformase em Impressionismo. São, portanto, Edmond e Jules de Goncourt os fundadores e representantes máximos do novo estilo. Pissarro, Manet, Monet, Renoir, na pintura. Debussy e Ravel, na música, são os novos tipificadores da atmosfera artística da gênese impressionista. Inicialmente, fenômeno pictórico, o impressionismo logo penetra nas outras artes. O artista impressionista “inventa” paisagens, que dão a impressão de ser mais autênticas que as paisagens reais. No futuro, o impressionismo viria fazer, da literatura, mormente na prosa, uma arte extremamente fecunda. Brilham, então, as estrelas de Marcel Proust, Henry James, Anton Tchekhov, Flaubert, Baudelaire, Rimbaud, Daudet e, principalmente, os irmãos Goncourt. No Brasil, o processo foi diferente. O impressionismo chegou e se hospedou no hotel da literatura, e não no da pintura, como se poderia supor. Seus cicerones, ou seus adeptos, ou seus seguidores foram soldados realista-naturalistas. Assim que foram promovidos a oficiais impressionistas, empunharam suas armas e foram à luta. Destacam-se, nesse batalhão, os nomes de Machado de Assis, Raul Pompeia, Graça Aranha, Adelino Magalhães e Euclides da Cunha. E Pompeia acaba sendo o representante maior, o comandante da tropa impressionista. Na guerra de O Ateneu, usando armas típicas, tais como a símile, a metáfora, o humor, o sarcasmo, a cor, a paisagem, o lirismo, afigurou-se como o grande herói, o grande vencedor. Uma espécie de Alexandre, o da Macedônia. Pompeia foi um homem de ideia e de vontade, um Schopenhauer literário. Um pessimista que não acreditava no homem e nas suas invenções institucionais. Tentou mudar o Homem e o mundo, mas foi vencido pelo mundo do Homem. Um tiro no coração, numa véspera de Natal, foi a marca da decepção e da falta de sintonia com um mundo apodrecido, pleno de vermes humanas e que, portanto, não lhe pertencia. Ainda bem que ele foi avisado pelo seu pai, na porta de O Ateneu: “vais encontrar o mundo, coragem para a luta”. Pompeia encheu-se de coragem. Lutou muito, mas foi derrotado pela torpeza e pela bestialidade terrígenas. Sem os traços do gênio, Pompeia lança-se com dois romances-novelas: Joias da Coroa, onde ataca a Monarquia e seus verdugos, e Tragédias no Amazonas, onde o trágico campeia. Percebe-se, desde já, que esse agricultor iria plantar, no pomar literário, plantas frutíferas de maior saborosidade. Suas crônicas e seus contos rivalizam em qualidade com a produção machadiana, onde a sátira, o humor, o sarcasmo, a riqueza imagística, o colorido, a musicalidade e os ritmos das construções funcionam como uma grande interseção entre os dois grandes prosadores impressionistas brasileiros. Todavia, é em O Ateneu que Pompeia, no dizer de Ledo Ivo, “denuncia as verdades da vida: são mentiras”. É a corrupção, a desorganização, a perversão, as injustiças, tudo isso se constitui nos valores sociais supremos dentro do melhor estilo de Júlio Ribeiro: “Na batalha da existência, o importante é não ficar vencido, porque o vencedor tem sempre razão”. Pompeia viveu seu tempo. Participou de todas as lutas, quer políticas, quer sociais, quer antropológicas, quer literárias. Escreveu para o seu tempo e para os tempos futuros. Malgrado seja conhecido mais como o autor de O Ateneu, continua sendo um dos escritores mais formidáveis da literatura nacional. Não o fosse, não seria estudado do ginásio ao mestrado, quiçá, doutorado. Graça Aranha -José Pereira de Graça Aranha- é outro nome significativo da prosa impressionista brasileira. Sua obra maior, Canaã, surgido nos idos de 1901, fez muito sucesso, notadamente entre a juventude. Ler Canaã era uma obrigação, quer para criticá-lo, quer para louvá-lo, porque era um livro diferente, com grande característica revolucionária. Graça era filho do naturalismo filosófico alemão e, devido às suas influências recifenses e sua vivência europeia, marcha ou avança para o socialismo. Canaã é uma utopia, um sonho de quem sonha com a justiça e a dignidade humana. Percebem-se, nele, várias características, cuja principal foi a impressionista. Foi, por assim dizer, uma confluência de influências. Naturalismo, simbolismo, impressionismo, tudo isso o toca e o adorna. Canaã é uma obra sempre atual, onde a visualidade plástica e dinâmica é muito forte. São muitas as anotações, sejam visual-auditivas-táteis; sejam visual-tátil-olfativas; sejam apensas olfativas. Há aí uma saborosa mistura de formas, cor, sons, odores, enriquecida de comparações e metáforas. A obra de Aranha é toda cheia de graça e sensibilidade, malgrado o escritor maranhense ter tido razões (influências europeia e erudição latina) para não cultivar o gosto pela exaltação, pela palavra, pelo gesto. A festa verbal em Graça é uma marca de idealista, de um entusiasta, de um exagerado. Adelino Magalhães viveu de 1887 a 1969. Formou-se em direito. Ensinou História e Geografia, e estudou medicina dois anos. Estreiou com Casos e Impressões. Fez mergulho no simbolismo e no naturalismo. Hipersensível e desdenhoso, teria que banhar-se na praia impressionista. A técnica impressionista é encontrável em toda a sua obra, que soma dez volumes, feliz coincidência com o quantitativo pompeiano. Há notações auditivas (barulho das panelas, carcarejar das galinhas). Na estreia, há as marcas do impressionismo da segunda fase, impressionismo psicológico, interior. Soube explorar o monólogo interior, que é a forma inaudível e silenciosa, através da qual, a personagem exprime os seus sentimentos mais íntimos, sem se preocupar com a ordem lógica. É na primeira obra, surgida em1916, que Adelino jorra os aspectos descritivos e psicológicos do impressionismo. Adelino é inspirado, espontâneo, de primeiro jato. Apresenta linguagem em estado nascente, poética, de traços bíblicos. Cultivou as frases breves, parágrafos curtos, ordem indireta, exclamações, reticências. Também, engajado no seu tempo, olhou com atenção de bom observador, os problemas sociais. Foi um cronista e grande fotógrafo verbal do Rio de Janeiro. Não foi um especialista em contos ou novelas. Foi abrangente prosador. Adorava escrever e escreveu muito. Escreveu casos, impressões, perfis, crônicas, instantâneos, monólogos, devaneios, visões, poemas em prosa, rapsódias. Foi um grande fragmentador na prosa. Alma fotográfica, Adelino não romanceou, apesar de ter tentado. O conto, que é um romance de calças curtas, foi onde o impressionismo melhor se encontrou. E foi aí que pode, melhor, transpor o real e o vivido. BIBLIOGRAFIA POMPÉIA, Raul. O Ateneu. São Paulo: Ática, 1990. POMPÉIA, Raul. Canções sem metro. Rio de Janeiro: MEC/Olac/Civilização Brasileira, 1982 POMPÉIA, Raul. Contos. Rio de Janeiro: MEC/Olac/Civilização ... POMPÉIA, Raul. Obras, vol. I, Novelas, org. de Afrânio Coutinho, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira/M EC/OLAC, 1981. COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Vl. 4. Editora Sul Americana. S.a STRIGER, Emil. Conceitos Fundamentais da Poética. Ed. Tempo Presente. ANDRADE, Mário. Aspectos da Literatura Brasileira. Livraria Martins Editora S.A. IVO, Ledo. O Universo Poético de Raul Pompeia. Livraria S. José. FILHO, Domício Proença. Estilos de Época na Litertura. Ed. Ática. GOMES, Eugênio. Visões e Revisões. Ministério da Educação e CulturaInstituto Nacional do Livro. JUNIOR. Araripe. Obra crítica. Vl. 2. Ministério da Educação e Cultura, Casa de Rui Barbosa, 1960. REIS, Zenir Campos. Opostos e Justapostos, in: O Ateneu: crônica de saudades. Ática, 1976.